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v5n1a2018-09
RESUMO
Trata-se de uma entrevista realizada com o artista argentino Emilio García Wehbi
durante a realização da residência “58 indícios sobre o corpo [Versão Brasil]” na
cidade de Uberlândia, Minas Gerais. As questões norteadoras dessa conversa
surgem da reflexão sobre as poéticas próprias de cada encenador e os
vetores/dispositivos que cada um apresenta em seu trabalho de encenação.
PALAVRAS-CHAVE: Encenação, Espaço, Tempo, Poética.
RESUMEN
Se trata de una entrevista realizada con el artista argentino Emilio García Wehbi
durante la realización de la residencia "58 indicios sobre el cuerpo [Versión Brasil]"
en la ciudad de Uberlândia, Minas Gerais. Las cuestiones orientadoras de esta
conversación surgen de la reflexión sobre las poéticas propias de cada director y los
vectores/dispositivos que cada uno presenta en su trabajo de escenificación.
PALABRAS-CLAVE: Escenificación, Espacio, Tiempo, Poética.
ABSTRACT
This is an interview with the Argentine artist Emilio Gárcia Wehbi during the
realization of the residence “58 Clues about the body [Version Brasil]” in the city of
Uberlândia, Minas Gerais. The guiding questions of this conversation arise from the
reflection on the poetics of each director and the vectors / devices that each presents
in his work of staging.
KEYWORDS: Staging, Space, Time, Poetic.
***
sobre o corpo [versão brasil]” que ocorreu na cidade de Uberlândia-MG proposta pelo
Coletivo Teatro da Margem, em 2016, para artistas do território nacional e de
outros países Latino-americanos que estiveram juntos neste trabalho. Um artista
multidisciplinar, e acrescentaria indisciplinar, que reconfigura suas práticas em
cada novo trabalho cênico e deixa-se contaminar por todas as linguagens das artes.
O seu campo de visão está sempre em desequilíbrio com a intenção de tencionar o
real em cena. Especificamente na estada no triângulo mineiro, ele traz para os
corpos e corporeidades brasileiras sua performance “58 indícios sobre o corpo”, uma
retomada das questões trazidas por Jean-Luc Nancy3 que são lidas por cinquenta e
oito corpos nus durante aproximadamente duas horas e quarenta minutos. Por ser o
corpo nosso material de reexistir no mundo, são trazidas questões para o Wehbi, que
aqui serão compartilhadas, sobre o ofício e a poética do encenador contemporâneo.
Gasperin – Emilio, como ocorre sua entrada no campo das artes da cena e
o seu ingresso na função de diretor?
Wehbi - Meu primeiro trabalho profissional, digamos, foi com o grupo que fundei
em 1989 chamado “Periférico de Objetos”, muito conhecido dentro do teatro
experimental independente argentino e no exterior. Esse grupo teve uma
particularidade por trazer a relação entre sujeito manipulador e o objeto animado,
ambos eram personagens e estavam em diálogo. Basicamente, o grupo investigava o
trânsito fora do central, como poderia dizer, um caminho de fuga ao teatro
convencional, sendo esse um grande marco para o meu entendimento do teatro e do
meu fazer artístico, que parte justamente de tentar evitar a estrutura central das
artes e das convenções, e problematiza-las desde o ponto de vista das misturas e das
sobreposições de diferentes disciplinas artísticas para que nenhuma regra domine.
Constitui-se, assim, uma espécie de híbrido que dialoga com artes visuais, as artes
dinâmicas, dança, cine etc. Para armar uma espécie de registro poético que não
tenha uma classificação específica. Este foi o meu ponto de partida que tenho no
“teatro de objetos”. Comecei muito jovem, na minha primeira direção tinha 24 ou 25
anos, e agora ao longo da minha trajetória de aproximadamente 25 ou 26 anos de
produção teatral dirigi cerca de 60 montagens, que vão desde o teatro tradicional, ou
melhor, podemos chamar de teatro de texto, que vão ser atravessados pela linha
experimental até performances, instalação teatral, as artes visuais, pintura,
fotografia, ópera, dança, dança-teatro, nunca como algo único e fechado. Nos últimos
15 anos apareceu a docência, como uma linguagem, não entendendo o ato de dar
aula como lugar de transmissão de um conhecimento, de um saber que tenha que
ser transmitido de um para o outro, ou desse tipo de educação. Mas a entendendo
enquanto um processo criativo, em que existe uma relação horizontal e democrática
entre o aluno e o seu professor, e na qual não sigam apenas na direção do professor
para o aluno; tem que haver um intercâmbio entre eles, uma dialética. Essa
dialética permite, no caso, através de diferentes estratégias um processo de
aprendizagem por parte do aluno. Em todo caso, sou bastante reativo, ao ser docente
nas Universidades, nas escolas de educação artísticas, porque lamentavelmente se
mantêm uma estrutura de um modo de ensinar, e creio que a arte não se pode
ensinar, em todo caso se pode aprender, mas não pode se ensinar. Então, quando
encontro espaço nas relações entre arte e educação que funcione como um processo
criativo, aí sim me interessa, pois considero o processo pedagógico como um processo
de criação.
ela um teatro, parque, sótão ou qualquer outro. Esse espaço real pode ser também
um espaço ficcional e a sobreposição ocorre, como por exemplo, nesse local que
estamos [último andar do hotel no centro de Uberlândia, local onde ele se hospedava
e também onde ocorreu a entrevista]. Poderia montar “Hamlet”. Aqui seria o castelo
do príncipe da Dinamarca, mas ele não deixa de ser real. Trabalho com a ideia de
tensão de ficção e realidade, não quero que o espectador trabalhe com a ideia de
representação. Se estou em trabalho com um texto, ele deve ser dito sempre para o
público. As pessoas estão presentes, e presentes em um espaço. Então, seria
impossível trabalhar com uma cenografia unicamente ficcional. Por exemplo, estou
em um teatro convencional, e a partir desse local começo a desmontar todos os
artifícios teatrais que estão ali convencionados. Então, aqui nesse espaço vai ocorrer
uma montagem de “Hamlet”. Esse espaço está recebendo uma encenação, não a
representação dele. Paradoxalmente, uma pura representação que está na
realidade, que não é representação. Estamos aqui dialogando sobre presença,
justamente por desmontar a arquitetura da tradição teatral. Desmontado isso, que
era uma representação, estamos vendo na presença uma representação. Aqui,
estamos a trabalhar com a ideia de uma representação e presentificação. O espaço
que sobrepõe camada a camada. A realidade seria a camada que é o lugar onde se
está e a camada ficcional a poética que se imprime sobre ele. Portanto, produzimos
um híbrido, a relação entre o teatro e o dispositivo poético espacial que construo, e,
por outro lado, o espaço ficcional relacionado ao espaço real. Quando sou
transportado para outro lugar, mesmo que tenha levado a cenografia desse
espetáculo, devo construir uma nova relação com o espaço que estou.
especificidade. Nas condições ideais, trabalho somente no espaço para entender suas
características específicas e as relações reais e virtuais que ele pode vir a gerar.
Quero dizer que não necessito trabalhar nesse espaço todo o tempo, lembro que isso
ocorreria em condições ideias.
Trabalho com os atores procedimentos de improvisação e, por um tempo bem
grande, seguimos investigando para gerar materiais que posteriormente serão
compartilhados com a equipe que colabora para a encenação (cenógrafo, músico,
figurinista etc). Nesse momento, trabalhamos basicamente em uma mesa para
refletir e pensar para traçar hipóteses de construção cênica. Uma das hipóteses é
condição do espaço, que leva em consideração as características desse lugar. Quando
o espaço já está disponível, vamos até ele para realizar essa pesquisa. Senão,
preparamos esse estudo fora dele, tendo claro para todos qual o nosso espaço de
encenação. Sempre levamos em consideração o espaço de representação, seja para
negar, para colocar em diálogo, ou para tensionar.
Gasperin – Traçamos até aqui dois vetores chaves do seu trabalho e agora
devo perguntar sobre o seu trabalho com atuação. Como ocorre e quais os
seus procedimentos de condução atorial?
Wehbi – Sempre parto da mesma lógica que tracei até então com o espaço e o
tempo. No meu ponto de vista, o maior vício do teatro tradicional está na relação
com a atuação e a noção de representação. A análise pós-dramática traz o termo da
dupla ausência relacionado ao ator. O ator, na ânsia de construir o personagem de
“Rei Lear”, deixa de estar ele como ator e nem se torna Rei Lear, pois ele não existe.
Esses seriam exemplos de duas ausências: a primeira por não ser o personagem,
neste caso, alguém real; segundo porque o ator esforça-se tanto para ser outro que
esquece de si mesmo. Meu trabalho anda em linha contrária, continuo com o mesmo
exemplo de Rei Lear. Esse personagem não é uma abstração, ele é uma função que
independe de um físico específico ou características cruciais. Rei Lear ocupa, no meu
modo de trabalho, um dispositivo de função que poderia ser interpretado por um
jovem, velho, homem, mulher, criança etc. Peço ao intérprete que crie a partir da
sua imagem, do seu porte físico, das suas especificidades. O essencial é não se
ocultar no personagem.
Na função de condutor de um processo, tenho a ideia desse personagem e somada a
do ator, juntos construímos através de uma negociação o Rei Lear. Por exemplo,
nesta encenação, o espectador estaria vendo ao mesmo tempo o personagem e o ator.
Essa dupla presença, seria uma forma de tensionar a dupla ausência. Estou, aqui,
novamente a falar da dinâmica já especificada no espaço e no tempo, a presença.
Desse modo, é impossível falar de estratégias ou modos de atuar, porque o meu
trabalho não é assim. Meu trabalho de atuação está construído na relação de um a
um com cada ator. Somente assim lido com a singularidade. Vou trazer outro
exemplo. Para o “58 indícios” em Uberlândia, nosso tempo é curto, mas numa
situação de um maior tempo de trabalho, dedicaria um tempo com cada um de
vocês. Para criar essa negociação do que eu vejo no seu corpo e você desenvolveria
cada vez mais os seus movimentos. Uma investigação bem mais aprofundada, pois
nessa relação o encenador é a pessoa que vê e pode contribuir com o material que o
ator está a produzir.
A relação entre o sujeito ator e o sujeito encenador deve ser franca, aberta, com
muita escuta e valorização do trabalho de ambos. No geral, destaca-se a disputa e
Gasperin – Para encerrar, convido você a fazer uma síntese do seu pensar
e existir sendo um artista cênico indisciplinar. Acumulo, aqui, após esse
tempo, uma classificação, se é que poderíamos fazer isso, a noção de
indisciplinar para o seu trabalho cênico.
Wehbi – Acredito que sou muito deleuziano, de algum modo, aplico essa máquina
de ideias que nos apresenta Deleuze. Relacionado aos procedimentos que estão
presentes no meu trabalho, a noção de rizoma, desterritorialização, entendendo de
uma maneira teatral. Porque não sou um estudioso da filosofia. O que faço é