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DOI: 10.14393/issn2358-3703.

v5n1a2018-09

POR UM OFÍCIO INDISCIPLINAR


Entrevista com Emilio García Wehbi

POR UN OFICIO INDISCIPLINAR


Entrevista con Emilio García Wehbi

FROM A NONDISCIPLINARY OCCUPATION


Interview with Emilio García Wehbi

Luiz Eduardo Rodrigues Gasperin1

RESUMO
Trata-se de uma entrevista realizada com o artista argentino Emilio García Wehbi
durante a realização da residência “58 indícios sobre o corpo [Versão Brasil]” na
cidade de Uberlândia, Minas Gerais. As questões norteadoras dessa conversa
surgem da reflexão sobre as poéticas próprias de cada encenador e os
vetores/dispositivos que cada um apresenta em seu trabalho de encenação.
PALAVRAS-CHAVE: Encenação, Espaço, Tempo, Poética.

RESUMEN
Se trata de una entrevista realizada con el artista argentino Emilio García Wehbi
durante la realización de la residencia "58 indicios sobre el cuerpo [Versión Brasil]"
en la ciudad de Uberlândia, Minas Gerais. Las cuestiones orientadoras de esta
conversación surgen de la reflexión sobre las poéticas propias de cada director y los
vectores/dispositivos que cada uno presenta en su trabajo de escenificación.
PALABRAS-CLAVE: Escenificación, Espacio, Tiempo, Poética.

ABSTRACT
This is an interview with the Argentine artist Emilio Gárcia Wehbi during the
realization of the residence “58 Clues about the body [Version Brasil]” in the city of
Uberlândia, Minas Gerais. The guiding questions of this conversation arise from the
reflection on the poetics of each director and the vectors / devices that each presents
in his work of staging.
KEYWORDS: Staging, Space, Time, Poetic.

***

As palavras que tingem essas páginas são vestígios da entrevista 2 realizada


com o artista argentino Emilio García Wehbi, durante a residência “58 indícios

1 Encenador/Pesquisador/Professor/Estudante pela Universidade de Campinas (Doutorando). CV:


http://lattes.cnpq.br/5753535052952361.

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sobre o corpo [versão brasil]” que ocorreu na cidade de Uberlândia-MG proposta pelo
Coletivo Teatro da Margem, em 2016, para artistas do território nacional e de
outros países Latino-americanos que estiveram juntos neste trabalho. Um artista
multidisciplinar, e acrescentaria indisciplinar, que reconfigura suas práticas em
cada novo trabalho cênico e deixa-se contaminar por todas as linguagens das artes.
O seu campo de visão está sempre em desequilíbrio com a intenção de tencionar o
real em cena. Especificamente na estada no triângulo mineiro, ele traz para os
corpos e corporeidades brasileiras sua performance “58 indícios sobre o corpo”, uma
retomada das questões trazidas por Jean-Luc Nancy3 que são lidas por cinquenta e
oito corpos nus durante aproximadamente duas horas e quarenta minutos. Por ser o
corpo nosso material de reexistir no mundo, são trazidas questões para o Wehbi, que
aqui serão compartilhadas, sobre o ofício e a poética do encenador contemporâneo.

Gasperin – Emilio, como ocorre sua entrada no campo das artes da cena e
o seu ingresso na função de diretor?
Wehbi - Meu primeiro trabalho profissional, digamos, foi com o grupo que fundei
em 1989 chamado “Periférico de Objetos”, muito conhecido dentro do teatro
experimental independente argentino e no exterior. Esse grupo teve uma
particularidade por trazer a relação entre sujeito manipulador e o objeto animado,
ambos eram personagens e estavam em diálogo. Basicamente, o grupo investigava o
trânsito fora do central, como poderia dizer, um caminho de fuga ao teatro
convencional, sendo esse um grande marco para o meu entendimento do teatro e do
meu fazer artístico, que parte justamente de tentar evitar a estrutura central das
artes e das convenções, e problematiza-las desde o ponto de vista das misturas e das
sobreposições de diferentes disciplinas artísticas para que nenhuma regra domine.
Constitui-se, assim, uma espécie de híbrido que dialoga com artes visuais, as artes

2 A entrevista foi realizada no último andar do Hotel Presidente em Uberlândia-MG presencialmente


e transcrita para essa publicação.

3 Filósofo francês autor do texto 58 indícios sobre o corpo.

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dinâmicas, dança, cine etc. Para armar uma espécie de registro poético que não
tenha uma classificação específica. Este foi o meu ponto de partida que tenho no
“teatro de objetos”. Comecei muito jovem, na minha primeira direção tinha 24 ou 25
anos, e agora ao longo da minha trajetória de aproximadamente 25 ou 26 anos de
produção teatral dirigi cerca de 60 montagens, que vão desde o teatro tradicional, ou
melhor, podemos chamar de teatro de texto, que vão ser atravessados pela linha
experimental até performances, instalação teatral, as artes visuais, pintura,
fotografia, ópera, dança, dança-teatro, nunca como algo único e fechado. Nos últimos
15 anos apareceu a docência, como uma linguagem, não entendendo o ato de dar
aula como lugar de transmissão de um conhecimento, de um saber que tenha que
ser transmitido de um para o outro, ou desse tipo de educação. Mas a entendendo
enquanto um processo criativo, em que existe uma relação horizontal e democrática
entre o aluno e o seu professor, e na qual não sigam apenas na direção do professor
para o aluno; tem que haver um intercâmbio entre eles, uma dialética. Essa
dialética permite, no caso, através de diferentes estratégias um processo de
aprendizagem por parte do aluno. Em todo caso, sou bastante reativo, ao ser docente
nas Universidades, nas escolas de educação artísticas, porque lamentavelmente se
mantêm uma estrutura de um modo de ensinar, e creio que a arte não se pode
ensinar, em todo caso se pode aprender, mas não pode se ensinar. Então, quando
encontro espaço nas relações entre arte e educação que funcione como um processo
criativo, aí sim me interessa, pois considero o processo pedagógico como um processo
de criação.

Gasperin - A partir desse panorama de sua trajetória como artista da cena


e principalmente como encenador da cena argentina, vamos atravessar
nossa conversa por três vetores, sendo o primeiro deles o espaço. Como
você pensa o espaço para o seu trabalho?
Wehbi - Desde muito tempo tenho trabalhado com as questões do tempo e do espaço
como algo muito especial. Especificamente, penso o espaço como um campo
conceitual no sentido de sobrepor o real e o ficcional, em qualquer arquitetura, seja

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ela um teatro, parque, sótão ou qualquer outro. Esse espaço real pode ser também
um espaço ficcional e a sobreposição ocorre, como por exemplo, nesse local que
estamos [último andar do hotel no centro de Uberlândia, local onde ele se hospedava
e também onde ocorreu a entrevista]. Poderia montar “Hamlet”. Aqui seria o castelo
do príncipe da Dinamarca, mas ele não deixa de ser real. Trabalho com a ideia de
tensão de ficção e realidade, não quero que o espectador trabalhe com a ideia de
representação. Se estou em trabalho com um texto, ele deve ser dito sempre para o
público. As pessoas estão presentes, e presentes em um espaço. Então, seria
impossível trabalhar com uma cenografia unicamente ficcional. Por exemplo, estou
em um teatro convencional, e a partir desse local começo a desmontar todos os
artifícios teatrais que estão ali convencionados. Então, aqui nesse espaço vai ocorrer
uma montagem de “Hamlet”. Esse espaço está recebendo uma encenação, não a
representação dele. Paradoxalmente, uma pura representação que está na
realidade, que não é representação. Estamos aqui dialogando sobre presença,
justamente por desmontar a arquitetura da tradição teatral. Desmontado isso, que
era uma representação, estamos vendo na presença uma representação. Aqui,
estamos a trabalhar com a ideia de uma representação e presentificação. O espaço
que sobrepõe camada a camada. A realidade seria a camada que é o lugar onde se
está e a camada ficcional a poética que se imprime sobre ele. Portanto, produzimos
um híbrido, a relação entre o teatro e o dispositivo poético espacial que construo, e,
por outro lado, o espaço ficcional relacionado ao espaço real. Quando sou
transportado para outro lugar, mesmo que tenha levado a cenografia desse
espetáculo, devo construir uma nova relação com o espaço que estou.

Gasperin – Qual seria a influência do espaço na criação de Emilio Wehbi


durante o seu trabalho com diferentes grupos de atores?
Wehbi – Muda de projeto para projeto. Os trabalhos que desenvolvi e desenvolvo
assumem distintos formatos. Às vezes, tenho processos de pesquisa muito longos,
em outros momentos são investigações e produções com prazos curtos e médios. Isso
depende das características do trabalho, que se modificam conforme sua

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especificidade. Nas condições ideais, trabalho somente no espaço para entender suas
características específicas e as relações reais e virtuais que ele pode vir a gerar.
Quero dizer que não necessito trabalhar nesse espaço todo o tempo, lembro que isso
ocorreria em condições ideias.
Trabalho com os atores procedimentos de improvisação e, por um tempo bem
grande, seguimos investigando para gerar materiais que posteriormente serão
compartilhados com a equipe que colabora para a encenação (cenógrafo, músico,
figurinista etc). Nesse momento, trabalhamos basicamente em uma mesa para
refletir e pensar para traçar hipóteses de construção cênica. Uma das hipóteses é
condição do espaço, que leva em consideração as características desse lugar. Quando
o espaço já está disponível, vamos até ele para realizar essa pesquisa. Senão,
preparamos esse estudo fora dele, tendo claro para todos qual o nosso espaço de
encenação. Sempre levamos em consideração o espaço de representação, seja para
negar, para colocar em diálogo, ou para tensionar.

Gasperin – Qual é a relação de criação com o tempo? Que tempo é esse?


Wehbi – A mesma lógica do espaço aplico ao tempo. Para mim, o tempo ficcional e o
tempo real são o mesmo. A obra dura o tempo que dura o espetáculo. Como trabalho
a presença, os atores estão presentes, os espectadores também estão presentes, e o
tempo é puro presente. Não existe forma de trabalhar com ele que não seja no
presente. Ao trabalhar a ficção temporal entraria em contradição com a minha ideia
de tempo. O tempo está aqui, agora, todo o tempo. Nesse espaço que estamos, nesse
tempo de agora, não é outro, nem um segundo antes e nem um segundo depois. Essa
ideia é levada à problematização a partir da ideia de representação; o tempo no
limite dessa representação; até onde o espectador é consciente no tempo que está
vivenciando; o tempo real está sobreposto ao tempo ficcional e constrói, então, a
ideia de presença. Na articulação entre os conceitos citados de espaço, tempo e o
modo de atuação, a premissa é: Quanto mais representação, se chega ao ponto do
que chamo de presentificação. O paradoxo é o meu ponto de interesse.

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Gasperin – Como a dramaturgia se insere no seu processo de encenação?


Wehbi – Para mim, dramaturgia é a escritura do encenador sobre o espaço e tempo.
Não há teatro sem a relação de espaço, tempo e ação. Evidente, a dramaturgia é a
utilização de todos os recursos cênicos combinados. Entendo por recursos cênicos o
ator com sua fisicalidade, com suas condições físicas e vocais, a cenografia e o
figurino, a sonoplastia, iluminação, somado ao texto dramático, assim chegamos à
ideia de dramaturgia. Dessa forma, o único capaz de ser o dramaturgo é o
encenador. A partir desse pensamento, o encenador é também o dramaturgo.
Agora, ao pensar no texto dramático é outra coisa. No meu caso, sempre torna-se
uma variante. Há casos em que parti do texto, em outros escrevo o texto a partir dos
processos de trabalho. Quero deixar claro que ao fazer isso não escrevo a
dramaturgia que o ator me apresenta ao improvisar, pois não tenho o intuito de
vampirizar o seu trabalho. Porque o processo criativo de dramaturgia do ator é
autônomo e colabora para a criação de uma encenação. O que faço é reescrever as
situações que são apresentadas nas cenas. Não tenho interesse de investigar por
muito tempo a improvisação, mas trabalhar com hipóteses concretas. Desse modo, o
texto surge no começo, pode ser escrito durante ou uma mistura de ambos.
Quando escrevo algum texto, são sempre muito longos, tempo de monólogos
extensos. Não trabalho com situações dramáticas, existe basicamente o fluir da
palavra. De modo aberto, não existe uma personagem que narra, pode ser entendido
como um solilóquio, ou um fluir da consciência. No geral, as estruturas textuais das
montagens que enceno estão compostas por grandes momentos de palavra que não
se sabe quem são e a quem lhe dizem; diferentes formatos que não combinariam
com a convenção de dramaturgia conhecida, ou melhor, tradicionalmente conhecida.

Gasperin – Traçamos até aqui dois vetores chaves do seu trabalho e agora
devo perguntar sobre o seu trabalho com atuação. Como ocorre e quais os
seus procedimentos de condução atorial?

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Wehbi – Sempre parto da mesma lógica que tracei até então com o espaço e o
tempo. No meu ponto de vista, o maior vício do teatro tradicional está na relação
com a atuação e a noção de representação. A análise pós-dramática traz o termo da
dupla ausência relacionado ao ator. O ator, na ânsia de construir o personagem de
“Rei Lear”, deixa de estar ele como ator e nem se torna Rei Lear, pois ele não existe.
Esses seriam exemplos de duas ausências: a primeira por não ser o personagem,
neste caso, alguém real; segundo porque o ator esforça-se tanto para ser outro que
esquece de si mesmo. Meu trabalho anda em linha contrária, continuo com o mesmo
exemplo de Rei Lear. Esse personagem não é uma abstração, ele é uma função que
independe de um físico específico ou características cruciais. Rei Lear ocupa, no meu
modo de trabalho, um dispositivo de função que poderia ser interpretado por um
jovem, velho, homem, mulher, criança etc. Peço ao intérprete que crie a partir da
sua imagem, do seu porte físico, das suas especificidades. O essencial é não se
ocultar no personagem.
Na função de condutor de um processo, tenho a ideia desse personagem e somada a
do ator, juntos construímos através de uma negociação o Rei Lear. Por exemplo,
nesta encenação, o espectador estaria vendo ao mesmo tempo o personagem e o ator.
Essa dupla presença, seria uma forma de tensionar a dupla ausência. Estou, aqui,
novamente a falar da dinâmica já especificada no espaço e no tempo, a presença.
Desse modo, é impossível falar de estratégias ou modos de atuar, porque o meu
trabalho não é assim. Meu trabalho de atuação está construído na relação de um a
um com cada ator. Somente assim lido com a singularidade. Vou trazer outro
exemplo. Para o “58 indícios” em Uberlândia, nosso tempo é curto, mas numa
situação de um maior tempo de trabalho, dedicaria um tempo com cada um de
vocês. Para criar essa negociação do que eu vejo no seu corpo e você desenvolveria
cada vez mais os seus movimentos. Uma investigação bem mais aprofundada, pois
nessa relação o encenador é a pessoa que vê e pode contribuir com o material que o
ator está a produzir.
A relação entre o sujeito ator e o sujeito encenador deve ser franca, aberta, com
muita escuta e valorização do trabalho de ambos. No geral, destaca-se a disputa e

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não a relação. O encenador impõe suas ideias e os atores empoderados negam-se a


realizar suas instruções. Esse vínculo deve ser fraterno, humano, generoso e de
voluntária escuta entre eles. Dessa maneira, o processo criativo acontece, pelo
menos no meu caso tem sido assim.

Gasperin – Como surge uma encenação para Emilio Wehbi?


Wehbi – São inúmeros os pontos de partidas, somente não surgem de textos
teatrais. Comecei a escrever faz uns dez anos, quando deixei de encontrar textos que
me moviam a querer monta-los. Quando surgem de textos são todos fora do âmbito
literário. Gosto de trabalhar com textos de filósofos para desterritorializar os
sentidos. A exemplo disso, o “58 indícios”. No México, vou montar uma performance
chamada “65 sonhos sobre Kafka segundo Guattari”. Trata-se de um texto escrito
por Guattari sobre hipóteses de sonhos de Kafka. Esse foi o pré-texto para criar
outra coisa. Há um mês, outro ponto de partida foi um filme e a relação que o
diretor estabelece com a cor vermelha e o maoísmo.
O ponto de partida tem que ser desconhecido. Isto me interessa. Não saber o
próximo passo que tenho que dar. Hoje não sei o que vou criar daqui para frente,
para ser surpreendido pelo que pode aparecer. Esse encontro com o desconhecido
motiva minhas criações. Descobrir algo que não havia sido previsto ao longo do
caminho e que ele torça o caminhar. Gosto de pensar e trabalhar com a ideia de
acidente como processo criativo. Estou sempre atento aos acidentes, pois eles
desencadeiam várias informações que podem auxiliar os meus processos de
encenação. Quando trabalho de maneira orgânica e sistemática, não estou atento
aos acidentes, pois inúmeras vezes ele está relacionado ao erro.
Quando tenho pulsões criativas recorrentes acabo montando em maior escala.
Houve um ano em que estive com cinco encenações diferentes em cartaz. Além da
pulsão, reconheço as minhas obsessões, neuroses, meus fantasmas, desejos. Tudo
isso aparece ciclicamente disfarçado de outras formas, sendo eles o que poderia
chamar de minha estética. Não sei se posso dizer que tenho uma estética. Os pontos
iniciais são insuspeitáveis. Isso me alegra.

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Gasperin – Durante a nossa conversa, você falou da relação processo


criativo e processo pedagógico. Que lugar é esse?
Wehbi – Posso dizer que me encontrei como docente após ler “O mestre ignorante”,
de Rancière. No texto, o autor trabalha com a ideia que a educação surge do desejo
de aprender e não na vontade de ensinar. O ensinar deve ser um canal para gerar o
desejo de aprendizagem e nunca uma estrutura de saberes pré-concebidos. Quando
a estrutura está presente ela obstrui um novo saber que pode superar o saber atual.
Nessa relação daquele que vem aprender que estou inserido. O que trato de
construir todo o tempo são processos de desejos para as situações de aprendizagem.
Uso algumas estratégias, a primeira é a cópia – terá o sujeito que roubar,
contrabandear, capturar, apropriar-se. Conceitos que eu mesmo trago da pós-
modernidade para apresentar esse universo que pode ser um instrumento muito útil
para a criação. Ao tomar algo de um espaço-tempo e transpor para o meu contexto,
como fez Duchamp, isso torna-se um processo criativo. É um procedimento muito
velho de 1907 com “A fonte”, de Marcel Duchamp, que ensina a compor esse
trabalho de criação autônomo. Primeira coisa que digo aos alunos é: copiem, copiem,
copiem, só não esqueçam de estar presentes.
Durante o ato de copiar, o sujeito está em presença, pois faz escolhas do que vai ser
capturado. As decisões, sejam elas de trocas, proporções, produzem uma ação
criativa. A partir desse rompimento com alguns paradigmas da educação, a própria
ideia da cópia atrelada ao desenvolvimento de ela ser uma criação. Esse
procedimento ocorre em conjunto, o docente com o discente, que provoca uma
autonomização da aprendizagem ao sujeito. Acredito ser um pouco isso as minhas
estratégias em processos artístico-pedagógicos. Isso gera no aluno um desconcerto;
em termos convencionais ele deveria aprender e o professor diz que não há nada
para ensinar. Pelo contrário, juntos temos muito para aprender. Fica a cargo do
aluno o exercício da aprendizagem. São momentos que com o passar do tempo
começam a diluir até que eles entendam essa estratégia.

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Gasperin – Qual a relação da sua obra com o contexto nacional argentino?


Wehbi – Posso dizer que contei com a sorte, pois meus dois primeiros espetáculos
na função de encenação foram muito bem recebidos pelo território teatral argentino.
Basicamente, por ter sido aceito pelo público Europeu. Tudo que é bom lá, deve ser
bom aqui, reflexo de um pensamento colonizado. Dentro desse contexto, ocorreu
minhas estreias sendo encenador, um golpe de sorte, pois era muito jovem. De
algum modo, criei um tipo de público que está sempre recorrente em meus
espetáculos. Um tipo de espectador que conhece meus procedimentos e que está
interessado nos meus atos de ruptura, o diálogo com as outras artes etc.
O universo teatral em Buenos Aires, especificamente, é muito grande.
Paradoxalmente, parece que não, mas é extremamente conservador. No sentido de
trabalhar determinado tipo de teatro, que está instalado em Buenos Aires por muito
tempo. O meu trabalho constrói outros tipos de teatralidade, junto com outros
colegas que abrimos os caminhos para ampliar a percepção do público para outros
dispositivos cênicos. Hoje, já estão bastante difundidos e têm uma grande circulação
de espectadores. Isso para permanecer em temporada, para realizar apresentações
em teatros oficiais, acabou sendo muito interessante. Alguns encenadores que
trabalham com dispositivos experimentais, que historicamente estariam fazendo
seu teatro à margem, estão também sendo convidados a expor seus trabalhos
cênicos nos grandes espaços teatrais. Esses momentos abrem brechas nos
pensamentos mais conservadores e amplia os pontos de vista do público.

Gasperin – Para encerrar, convido você a fazer uma síntese do seu pensar
e existir sendo um artista cênico indisciplinar. Acumulo, aqui, após esse
tempo, uma classificação, se é que poderíamos fazer isso, a noção de
indisciplinar para o seu trabalho cênico.
Wehbi – Acredito que sou muito deleuziano, de algum modo, aplico essa máquina
de ideias que nos apresenta Deleuze. Relacionado aos procedimentos que estão
presentes no meu trabalho, a noção de rizoma, desterritorialização, entendendo de
uma maneira teatral. Porque não sou um estudioso da filosofia. O que faço é

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piratear, capturar e transformar esses conceitos filosóficos, pós-estruturalistas, e


trago-os para o meu fazer. Para romper as convenções, romper as estruturas
prévias, inclusive as próprias, em busca de um processo novo. O processo criativo é
como uma metáfora de um portal que me leva para um lugar não conhecido.
Algo que tenho medo relacionado à minha geração, que vem ocorrendo, é a
burocratização. Terminar minha carreira sendo apenas docente em uma
universidade, fazendo encenações comerciais, criar apenas na esfera convencional
pelo dinheiro recebido, isso me causa pânico. Insisto em ser artista por muitos anos.
Desde jovem lutava para romper com o que estava dado, quebrar com os
paradigmas e ao final retornar ao que sempre fui contra.

Recebido em agosto de 2017.


Aprovado em outubro de 2017.
Publicado em janeiro 2018.

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