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LUGAR DE CRIANÇA É NA ESCOLA: LUTERO E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA

A EDUCAÇÃO DO SÉCULO XVI

Autora:Carla Regina B. O. dos Santos


Orientadora: Wilma de Lara Bueno

INTRODUÇÃO ções sócio-culturais do século XVI. O interesse pela pesquisa se deu


no sentido de conhecer as mudanças e inovações que se registraram
A partir de breves estudos realizados sobre a educação no Re- ocorreram no âmbito da educação alemã, uma vez que, a Reforma
nascimento, verificou-se que neste período as práticas educacionais
com seu questionamento à Igreja Católica e conseqüentemente com
ganharam uma nova perspectiva na medida em que se assumia uma
o fechamento dos conventos e mosteiros, acarretou um esvaziamento
nova postura diante da vida. O homem, que durante toda Idade Média,
na oferta de ensino até então mantido pelas escolas religiosas. Como
fora essencialmente religioso, passou a enxergar o mundo a partir de
Lutero se colocou então diante desta situação? A pesquisa procurou
si e de suas experiências, e se reconhecer como senhor de sua própria
conhecer a concepção de ensino de Lutero para as escolas alemãs,
história. À esta nova civilização que despertava ativamente para os
consultando os próprios escritos do reformador.
vários campos da vida humana tais como, para a política, a economia,
Para atender à problemática assim colocada, foram consultadas e
o trabalho, a cultura e religião, se impunha um novo ideal de forma-
analisadas como fontes dois documentos, nos quais, Lutero expressou
ção. Isto porque a Reforma Religiosa do século XVI, desencadeada
seu pensamento sobre as questões que envolviam a crise da educação
por Martinho Lutero na Alemanha, não só mexeu com as estruturas
daquele período. Em 1524, dirigiu-se às autoridades civis através de um
religiosas como também viu seus desdobramentos sentidos nas várias
documento intitulado “Aos conselhos de todas as cidades da Alemanha
esferas sociais, dentre estas, na educação. Por isso, compreender a
sua contribuição para a educação deste século e dos subseqüentes, para que enviem e mantenham escolas cristãs”, por meio do qual Lutero

implica primeiro na compreensão dos fatores que a impulsionaram, o chamou a atenção das autoridades das cidades para a situação em que se
contexto em que ela se deu e as transformações que permeavam a encontravam as escolas e que os mesmos não poderiam mais se isentar
Europa no final da Idade Média. desta responsabilidade, uma vez que, a educação era função do Estado.
Neste sentido, este trabalho tem por objetivo principal analisar a Para promover o progresso e desenvolvimento das cidades era necessá-
contribuição do pensamento de Lutero para as propostas educacionais rio a atuação de pessoas bem preparadas e bem instruídas. Isto só seria
que ocorreram no contexto da Reforma Religiosa, e das transforma- possível através de uma educação de qualidade.

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Lutero também se dirigiu aos pais, por verificar que eles estavam logia religiosa de Alphonse Dupront, uma vez que o mesmo a define
desmotivados para enviar os filhos à escola. O desprestígio da vida como o conhecimento do homem religioso em todo seu comportamen-
religiosa levou-os a preocuparem-se em preparar os filhos para as pro- to. Na perspectivas desse autor, os elementos do universo religioso
fissões manuais e comerciais. Por isso escreveu em 1530, “Uma pré- tais como, liturgia, estruturas, imagens, sermões, instituições, a rela-
dica para que se mandem os filhos à escola”, a fim de conscientizá-los ção do homem do universo religioso com as demais esferas da vida,
quanto à importância, e ao mesmo tempo, convocá-los a investirem na são formas de apreender, segundo Dupront, o comportamento do ho-
educação das crianças e jovens. Em ambos os escritos, percebeu-se mem religioso. Desta forma, compreender o pensamento de Lutero,
em Lutero, uma ênfase pela formação do homem para a cidade: bons implica numa análise das estruturas mentais da Igreja de sua época,
líderes, bons servidores, bons professores, bons pastores. bem como, o contexto religioso que o envolveu.
Esses manuais de educação fazem parte de uma série de outros escri- Como a pesquisa privilegia o discurso de Lutero sobre a educação,
tos do reformador, organizados pela Comissão Interluterana de Literatura Pierre Bourdieu também foi utilizado como referencial teórico. Em seu
de São Leopoldo, Rio Grande do Sul, por meio do qual, o pensamento de conceito de linguagem autorizada, refere-se ao locutor como o “porta-
Lutero sobre os mais variados aspectos sociais, está reunido na coleção voz autorizado, [...] na medida em que sua fala concentra o capital sim-
intitulada “Martinho Lutero: Obras Selecionadas.” Esta coleção é com- bólico acumulado pelo grupo que lhe conferiu mandato.”(BOURDIEU,
posta de oito volumes, no qual o volume 5 aborda sobre ética, fundamen- 1996, p. 89). Assim, quando a pessoa não tem sua autoridade legiti-
tos, oração, sexualidade, educação e economia. mada pelo grupo, seu discurso está condenado ao fracasso. Ao expor
Cabe ressaltar que o contato essa obra mais completa ocorreu suas críticas contra a Igreja, mais especificamente ao Papa, colocou-se
posteriormente, quando se fez a opção pela delimitação do tema da na condição de “procurador” daqueles que respaldaram seu posiciona-
pesquisa. No entanto, contatos anteriores com outras fontes que mento. Da mesma, ao escrever para as autoridades civis das cidades,
apontavam para essa problemática já foram se evidenciando, o que onde a Reforma havia encontrado uma maior receptividade e aceita-
despertou o interesse por pesquisar a concepção de educação de ção, Lutero tinha sua autoridade reconhecida, o que lhe conferiu um
Lutero. Na medida em que a leitura acontecia, as descobertas eram êxito maior em seu discurso.
surpreendentes, ao constatar que algumas questões apontadas por Outros autores foram utilizados para o aprofundamento deste
Lutero são discutidas até hoje, como é a política do Estado em asse- trabalho, V. H. H. Green, Will Durant, Roland Mousnier, Jean De-
gurar que todas as crianças estejam na escola e as medidas tomadas lumeau, André Corvisier, Patrick Collinson, Francisco Falcon, Marc
para que os pais as enviem. Lienhard, os quais forneceram o embasamento contextual sobre a
Ao abordar um tema que diz respeito ao universo religioso, a fun- Reforma. Além destes, alguns autores do campo da História da Edu-
damentação teórica do trabalho alicerçou-se no conceito de antropo- cação como Franco Cambi, Rui Nunes, Frederic Eby e Maria Lúcia

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Aranha foram usados para um conhecimento mais específico sobre deles, procurou-se perceber quais eram suas propostas e como as
a educação medieval e renascentista. mesmas contribuíram para uma renovação nos preceitos educacio-
Com as leituras já realizadas, seguiu-se então, para a estruturação nais1 da Alemanha, juntamente com as transformações sócio-cultu-
do trabalho. O mesmo foi organizado em três capítulos com o objeti- rais do século XVI.
vo de responder sua proposta inicial. O primeiro capítulo apresenta a Assim, este trabalho apresenta um olhar sobre a educação no
contextualização da Europa no século XVI, as transformações sócio- contexto da Reforma Religiosa, mais especificamente sobre pen-
política, econômica, culturais e religiosas em que ela se encontrava. samento de Lutero e de que maneira as escolas alemãs foram afe-
O fortalecimento dos Estados Nacionais, a emergência da burguesia tadas por suas idéias. Esta análise permite também, perceber que
e seus valores, o crescimento demográfico e o desenvolvimento do algumas das propostas educacionais da atualidade tiveram suas
comércio, a crise da Igreja enquanto instituição e as idéias humanistas, bases lançadas neste período.
divulgadas através das universidades e academias, foram fatores que
1. Europa no século xvi: a conjuntura de uma época
propiciaram um ambiente acolhedor para a Reforma Religiosa. Além
do mais, este capítulo contempla a redescoberta da infância e traz um 1.1. Sociedade e cultura
breve panorama da educação medieval, bem como, o ideal de forma- Alemanha: 31 de outubro de 1517. Martinho Lutero, indignado com
ção contemplado pelo homem renascentista. a espoliação religiosa promovida pela Cúria Romana, redige e afixa na
O segundo capítulo recupera a vida de Lutero, o ambiente familiar porta da Igreja de Wittenberg, 95 teses contra as indulgências2 “con-
e os anos de sua formação. Durante os anos escolares nada apontava cedidas” pelo Papa Leão X. No entanto, o que isso significou para
para a mudança que o levaria para um convento. Contudo, logo após o século XVI? Que espécie de Reforma a ação de Lutero produziu?
ter ingressado na Faculdade de Direito, decidiu pela vida religiosa. Por “Teria sido a Reforma uma espécie de parteira do mundo moderno?”
meio desta almejou encontrar respostas para as angústias que o acom- (COLLINSON, 2006, p. 21).
panhavam. Procurou na vida ascética uma forma de agradar a Deus, A Reforma Religiosa foi um dos fatores que afetou profundamen-
vencer as tentações, conseguir o perdão e a misericórdia divina. No te a Europa Ocidental no século XVI. Seus desdobramentos sobre a
entanto, seus anos no convento o levaram a estudar mais profunda- sociedade não se limitaram apenas aos aspectos religiosos e doutri-
mente a Bíblia, encontrando então as respostas para suas inquieta- nários, uma vez que acabou adentrando em todos os âmbitos da so-
ções. Este capítulo mostra como Lutero, indignado com a corrupção da ciedade daquela época. Cabe ressaltar que ela não foi a geradora das
Igreja, rompe com ela, e os desdobramentos desse posicionamento. mudanças que ocorreram no Ocidente, embora tenta contribuído efeti-
O terceiro e último capítulo consta da análise das fontes, ou vamente, mas somou-se a outros fatores que já vinham sendo sentidos
seja, os dois escritos de Lutero a respeito da educação. Por meio há algum tempo.

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A crise econômica do final do século XIV e início do século XV, de- O século XVI experimentou um surto nas atividades mercantis, o
corrente de várias causas, sobretudo, da Peste Negra e da Guerra dos que não era algo novo, pois mesmo de uma forma ainda tímida, era
Cem Anos, começava a diminuir no final deste século. Com o ressurgi- possível encontrar em algumas cidades ricas no século XV, dentre elas
mento das cidades, a partir da segunda metade do século XV e duran- Florença e Veneza, o início do capitalismo emergente com suas carac-
te todo o século XVI, a Europa experimentou um intenso crescimento terísticas. Nas palavras de Green,
econômico tanto no que diz respeito à produção como um todo, bem [...] havia ricos mercadores e fabricantes de tecidos que contro-
como nas atividades mercantis, o que estava diretamente atrelado ao lavam um proletariado industrial, um sistema complexo de crédito
crescimento demográfico e suas implicações sobre o consumo. Houve internacional e de câmbio de moedas, e até, em certa medida, uma
divisão do trabalho e algumas formas de especialização. (GREEN,
um aumento na produção de alimentos, artigos de luxo difundidos pe-
1991, p. 25).
las Cortes3, matéria-prima e produtos do dia-a-dia.
Esse aumento na produção provocou também progressos técnicos Contudo, o espírito capitalista ainda emergente, passou a se acen-
e algumas inovações, dentre elas, a criação de engenhos mecânicos, tuar a partir do século XVI, e somado a outros fatores como o incentivo
com o objetivo de melhorar a produção do trabalho artesanal. Soma- à especulação monetária e financeira, o crescimento populacional e
dos a isso, novas culturas agrícolas foram introduzidas; investimentos sua força sobre o consumo e, o movimento migratório conduziu alguns
para o crescimento da produção de mercadorias foram realizados e as historiadores a denominarem este período como a “Revolução econô-
atividades mercantis experimentaram uma grande expansão. Assim, as mica do século XVI.”(FALCON, op.cit., p.14). Neste contexto econô-
relações comerciais foram se fortalecendo, surgiram as associações de mico, relevante foi a presença de um grupo social que não poderia
mercadores com o intuito de monopolizar o comércio. ser mais desprezado: a burguesia, que concentrava homens centrados
A escassez de metais preciosos na Europa na segunda meta- nos negócios, nos lucros, nos investimentos e cálculos. Sua vida era
de do século XV, bem como, a busca pelo comércio de especiarias “racionalmente organizada tendo em vista as vantagens comerciais.”
e de outros produtos vindos diretamente das Índias, impulsionaram (MOUSNIER, 1957, p. 14).
as navegações, o que resultou nos descobrimentos ultramarinos e o Esse desenvolvimento econômico contribuiu politicamente para o
estabelecimento de colônias, promovendo um súbito crescimento na fortalecimento dos estados absolutistas, visto que, para a manutenção
construção naval. dos domínios reais, e para fazer frente aos senhores feudais, os reis
Com a passagem do Atlântico para um plano proeminente nas ati- recorreram à burguesia3. Por outro lado, o poder real contribuiu ain-
vidades comerciais, a Europa deparou-se com um crescimento “quan- da mais para o enriquecimento da burguesia comerciante, através de
titativo e qualitativo” em seu comércio, da mesma forma que vivenciou empréstimos, hipotecas de domínios reais, monopólios de exploração,
uma expansão geográfica. (FALCON, 2006, p.15). entre outras formas. A emergente burguesia ansiava enobrecer e só o

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rei podia favorecer essa mudança social. Firmou-se então uma aliança (KRISTELLER ap.FALCON, 1991, p. 69). Para Green (1991), a sua
entre o rei e a burguesia, o que não descartava o apoio político que importância se dá pelo fato de ter desencadeado uma mudança na
o soberano necessitava dos nobres. Enriquecidas pela expansão do postura do homem para com a questão da existência humana.
comércio e da indústria, as monarquias paulatinamente se libertavam Mesmo havendo na Idade Média uma preocupação do clero em
do domínio da Igreja. preservar, estudar e copiar os textos clássicos foi no renascimento que
Enquanto a Europa Atlântica, representada por Portugal, Espanha, surgiu o interesse por uma leitura e interpretação crítica dos mesmos.
França e Inglaterra, consolidava a unificação política de seus territórios, Os humanistas6 se encarregavam de encontrar nos clássicos, as res-
Alemanha e Itália permaneciam descentralizadas. A Alemanha não apre- postas para as questões do cotidiano.
sentava nenhuma unidade política, era como uma grande colcha de re- Embora não fossem essencialmente pagãos, pois aceitavam em
talhos, formada por cidades livres, estados semi-autônomos, bispados, linhas gerais os dogmas do catolicismo, os humanistas abandonaram
condados. A Europa organizava-se por todo lado em torno dos reis, mas a a dialética, a filosofia escolástica7 e as formas pelas quais os medie-
Alemanha continuava sem um soberano nacional, o que resultava no seu vos procuravam encontrar a ordem do Universo e alcançar o Absoluto.
enfraquecimento. ( LE GOFF. ap. MARQUES; BERUTTI; FARIA, 2001) Sendo assim, o renascimento não podia ser desvinculado do humanis-
A Itália por sua vez, embora apresentasse uma unidade mais geo- mo, que apresentava o “homem no centro das preocupações espiritu-
gráfica do que política, alavancou o Renascimento5 para toda a Europa, ais e dos estudos.” (CORVISIER, 1983, p. 51). O olhar que até então
a partir das cidades comerciantes, uma vez que nelas o desenvolvimento estava centrado na religiosidade, na salvação, no céu, começava a se
econômico proporcionou um ambiente favorável a novos estudos. A re- deslocar para a terra, para a natureza, para o homem e suas experiên-
presentante italiana foi a cidade de Florença, que dispunha de diversas cias, despertando um sentimento de liberdade.
bibliotecas as quais abrigavam vários textos clássicos, suas traduções e a A criação da imprensa desempenhou um papel fundamental na di-
produção de manuscritos. (FALCON, op.cit.). Além do mais, nas cidades vulgação e circulação do conhecimento por meio dos livros8. Segundo
italianas medievais, os estudos laicos se encontravam mais adiantados do Lienhard (1998), foi nesse período que, difundido através de clérigos
que no restante da Europa, o que resultava numa cultura mais secular. Ha- e leigos, o humanismo conquistou a Alemanha. As academias também
via também grupos de homens eruditos interessados pela literatura clás- foram relevantes neste processo, pois agregavam os intelectuais atu-
sica e que de certa forma já haviam se libertado das sanções teológicas antes das cidades e, através da discussão de textos elaborados por
que envolviam o saber medieval. (GREEN, op.cit.). seus integrantes ou de textos clássicos, promoviam a circulação e a
Do ponto de vista cultural, a Europa vivia um retorno aos clássi- divulgação das idéias.
cos greco-romanos, porém, muito mais que isto, o Renascimento foi, A redescoberta dos clássicos e a expansão econômica acabaram
num sentido muito mais amplo, “a descoberta do homem e do mundo.” impondo às cidades uma nova maneira de viver e enxergar a vida. Pou-

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co a pouco, as cidades foram despertando para novas sensibilidades e trução para as mulheres. Certas abadessas foram poderosas senhoras
sociabilidades. Nelas o homem ia se reconhecendo e da mesma forma feudais e mulheres extremamente instruídas, como foi o caso de Helo-
ia reconhecendo o outro, como também percebia as transformações ísa, do mosteiro de Paracleto, no século XII.
decorrentes das inovações e das mudanças no espaço físico. As rela- Já os meninos encontravam um ambiente mais privilegiado, pos-
ções mercantis acabavam por favorecer a circulação de informações e suindo mais opções de escolas. Embora fundar escolas não fosse ta-
de novos hábitos urbanos que, aos poucos, distanciava o homem re- refa primordial dos mosteiros, a necessidade de instruir os rapazes
nascentista do homem feudal. A Europa se secularizava cada vez mais que chegavam, foi consolidando as atividades pedagógicas, surgindo
e o renascimento ia envolvendo todos os âmbitos da vida humana. assim, as escolas monacais, que se tornaram grandes centros de cul-
Esse florescimento da vida passou a ser retratado em todos os âm- tura. Nelas, “predominava uma cultura ascética, ligada ao estudo dos
bitos culturais: na literatura, nas artes, na pintura, escultura e arquite- textos sagrados e do saltério, dedicada à formação espiritual. (CAMBI,
tura; nas ciências naturais e sociais; na astronomia, na física, e, como op.cit., p. 158). A educação era centrada na leitura e memorização,
não poderia deixar de ser, acabou refletindo também na educação, pois cálculo e canto. Além das escolas monacais, havia as escolas catedralí-
o ensino ganhou uma nova perspectiva no Renascimento. cias ou episcopais, escolas paroquiais ou colegiadas da Igreja, escolas
No decorrer da Idade Média, a instrução foi realizada essencial- de canto e escolas das capelas9.
mente pelo clero, o que Cambi chamou de “monopólio eclesiástico da A partir do século XII, o surgimento das universidades contribuiu
educação.” (CAMBI, 1999, p. 158). Por isso a educação fundamenta- para a transformação do pensamento ocidental, por meio da divulga-
va-se na concepção do homem religioso, que estava de passagem pela ção de “novas sínteses, novos programas e livros e, principalmente,
terra, e cuja preocupação maior devia ser a salvação de sua alma com novos métodos de interpretação.” (FALCON, op.cit., p. 96). A partir de
vistas à vida eterna. (ARANHA, 2000). então, o ensino fundamentado na leitura e debate, deu origem a dois
A sociedade medieval se apresentava como uma sociedade fixa, tipos de literatura, o comentário e a questão. No século XIII, as trans-
onde a mobilidade social praticamente era inexistente, cada um já pos- formações se intensificaram e a criação das faculdades de Direito, Me-
suía um papel social bem definido, portanto não havia uma preocupa- dicina e Teologia promoveu grandes mudanças. Lutero se tornaria, em
ção com a instrução de todos, acima de tudo estava a religiosidade dos 1512, doutor em Teologia.
homens. Neste contexto social, as mulheres eram menos favorecidas e Aristóteles serviu como base para o ensino filosófico universitário.
muitas delas ficavam na condição de analfabetas. As jovens nobres só Sua utilização pelos religiosos, especialmente São Tomás de Aquino,
tinham acesso à educação quando recebiam aulas no próprio castelo e, gerou uma maior aproximação entre a teologia cristã e o pensamento
mesmo estas, visavam mais atividades que valorizassem o matrimônio aristotélico. Desta forma, ele se transformou na fonte infalível e auto-
e a maternidade. A vida religiosa representou a possibilidade de ins- ritária da verdade científica e sua lógica tornou-se o supremo método

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do pensamento. A presença de Aristóteles se fez sentir entre os huma- tribuíram para uma “mudança do olhar” no que dizia respeito à criança
nistas, sobretudo, nas universidades da Alemanha, e foi evidenciada e à educação. (id ibid., p. 4). Houve, então, uma redescoberta, uma
posteriormente nas posições reformistas de Melanchton, amigo de Lu- valorização da infância, uma vez que os medievos não concediam à
tero. Apesar de considerá-lo um “pagão condenável”, o próprio Lutero infância uma originalidade própria.
hesitou em rejeitar completamente suas obras. Contudo, cabe lembrar aqui que a história da infância é uma pre-
Embora de caráter religioso, paulatinamente, as universidades fo- ocupação ainda recente nos estudos históricos. A História Nova, ao
ram se tornando mais seculares. O público, em sua maioria, era leigo, e apontar novos objetos, novos métodos e novas abordagens, possibili-
havia uma procura maior pelas disciplinas seculares, Direito, Medicina tou à história um olhar mais atento para o cotidiano de homens comuns
e as Ciências. Em seu estudo sobre a História da educação no Renas- e para campos de pesquisa até então pouco ou quase nada explorados,
cimento, Rui Afonso Nunes indica que como as experiências sociais, a vida privada, a mulher, a criança.
[...] a educação medieval [...] dava às escolas superiores um al- Estudiosos da educação e da história se debruçaram sobre a his-
cance prático, um objetivo profissionalizante, [...] as faculdades tória da educação fazendo da infância seu objeto de pesquisa. Nesse
de teologia preparavam mestres, assessores de papas e bispos,
sentido, importante é a contribuição de Philippe Ariès para a história
eclesiásticos aptos para o devido exercício do ministério sacro; as
faculdades de direito adestravam os advogados e os conselheiros da infância. Em sua obra intitulada “História social da criança e da
de reis, príncipes, papas e bispos, [...] para a rendosa carreira da família”, Ariès apresenta os sinais de emergência do sentimento da in-
advocacia como para as funções políticas e diplomáticas que re-
queriam o conhecimento do direito canônico, [...] as faculdades de fância nas sociedades modernas, e mostra que não havia espaço para
medicina formavam os médicos que atendiam, [...], os doentes que a infância durante o período medieval. (ARIÈS, 1981).
os procuravam. ( NUNES, 1980, p. 41).
Por outro lado Jacques Le Goff, em sua obra “A civilização do Oci-
Para se referir ao ensino das faculdades de direito, Nunes utiliza dente Medieval”, observa que os homens e mulheres desse período não
a palavra “adestramento” que por si própria expressa um caráter limi- reservavam tempo para comover-se ou maravilhar-se com as crianças,
tado, restrito, algo que não permitia ir além do que se aprendia. Isto uma vez que mal as viam e constata que foi no espaço urbano, ligado
vinha de encontro ao método de memorização e repetição usado nas ao surgimento da família doméstica que a criança se emancipou.
instituições de ensino medievais. Percebe-se assim, que por intermé- Com o Renascimento, a criança foi paulatinamente vislumbrada
dio do “adestramento” de inúmeros jovens, a educação medieval apre- como criança e não mais como um adulto pequeno. Embora esta aten-
sentava um caráter mais utilitário, onde os novos médicos “atendiam ção para com a infância se desse de uma maneira ainda tímida, muito
os doentes” e técnico, pois tinha “um objetivo profissionalizante.” No distante da política de proteção assegurada nos dias atuais, pelo Es-
entanto, este caráter foi cedendo lugar para uma preocupação maior tatuto da Criança, lentamente a criança foi saindo do mundo adulto
com a moral dos jovens. As idéias decorrentes do Renascimento con- em que estava encerrada. Artistas renascentistas passaram a inserir a

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criança no universo religioso, e a infância foi sendo introduzida discre- enviava os filhos às escolas monacais e catedrais, mas a procura dimi-
tamente, na civilização moderna. (DELUMEAU, 1994, b). Cabe ressal- nuiu, à medida que foram surgindo nas cidades, escolas seculares que
tar que a infância para estes homens e mulheres não possuía o sentido supriam as necessidades do cotidiano.
dado pelas gerações atuais, mais prudente seria dizer, que no período Apesar da forte influência das ordens religiosas na formação do
renascentista ocorreu uma tomada de consciência de que a criança e o homem, foram criadas escolas leigas que respondessem ao espírito
adolescente eram seres distintos dos adultos. humanista. Os educadores renascentistas visavam a formação de um
Assim sendo, a infância foi, aos poucos, despertando um interes- homem mais autônomo e distinto, que se desenvolvesse intelectual,
se cada vez maior no homem renascentista. Com o desenvolvimento moral e fisicamente. Para estes homens era necessário conquistar uma
das artes plásticas, as crianças começaram aparecer nos retratos de postura ativa diante da vida. Sendo assim, este novo homem
família, o que as levava a entrar para a história como um ser distinto. não exclui Deus, mas que volta as costas aos ideais de ascese e de
E segundo Delumeau, foi o renascimento que nos ensinou ou nos fez renúncia, pronto para imergir no mundo histórico real com o intento
de dominá-lo e nele expandir sua própria humanidade. O homem
reaprender a chorar as crianças mortas. (id. ibid.). Ao homem moderno da nova civilização, uma vez adquirida a consciência de poder ser
parece incompreensível a idéia de que a perda de um filho não causas- o artífice de sua própria história, quer viver intensamente a vida
da cidade junto com seus semelhantes; para isso mergulha na vida
se dor, sofrimento, choro, mas naquele período uma certa frieza para civil, engaja-se na política, no comércio e nas artes exprimindo uma
com a criança, suavizava a dor da morte. Entretanto, aos poucos, uma visão harmônica e equilibrada dos aspectos multiformes dentro dos
quais se desenvolve a atividade humana. (CAMBI, op.cit., p. 224).
nova sensibilidade foi surgindo.
Este novo olhar sobre a criança resultou em desdobramentos na Desta forma, percebe-se as representações deste novo homem:
educação e a escola tornou-se também, alvo de uma particular aten- artífice, disposto e consciente de poder “dominar” sua história, de ser
ção. Diante de uma nova concepção de infância e de homem, foi funda- o autor de seus próprios caminhos e de agir e interagir em sua socieda-
mental uma (re)significação educativa. A disciplina passou a ser vista de. Nota-se que este homem não retirava Deus de sua vida, mas sim,
como meio de isolar as crianças de um mundo corrupto e lhes inculcar o pensamento de que este mundo era o local de expiação, portanto, de
hábitos virtuosos. Paralelamente, entendeu-se que a tarefa do profes- ascese e renúncia. Essas representações estavam compatíveis com o
sor não se restringia apenas à instrução, mas cabia-lhe educar e zelar momento de transformações pelas quais passava a Europa.
pela conduta moral dos futuros homens. E como se encontrava a Igreja diante deste contexto de mudan-
A educação passou a interpretar então, as novas exigências. O de- ças? Ela que, mais do que qualquer outra instituição, foi responsável
senvolvimento comercial gerou a necessidade do domínio da leitura, da pela “ressurreição da civilização no Ocidente”, após as invasões “bár-
escrita e do cálculo. Aos interesses da classe burguesa em ascensão, baras”, ocupando o lugar deixado pelo governo romano e chamando
era preciso um indivíduo preparado para tal. A princípio, a burguesia para si a tarefa de manter a paz e a ordem da Idade Média. (DURANT,

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1957, p.5). A redescoberta dos textos clássicos pôs em discussão o ridade papal, o pontífice fazia uso da excomunhão ou o interdito10, como
pensamento religioso e as formas pelas quais a Igreja havia mantido o arma para curvar o soberano ao seu poder. Contudo, na prática, esta re-
domínio sobre a cristandade. Além do mais, há tempo ela havia se dis- lação de submissão ao Papa dependia em parte da firme ou fraca posição
tanciado dos valores do Evangelho, a prática não condizia com os en- do soberano em seu reino, e da pessoa que assumia o trono papal, como
sinamentos, gerando um contexto de descontentamento e insatisfação foi o caso do Papa Inocêncio III, no século XIII, que em várias circunstân-
entre os cristãos. A Igreja vivia também, um período de mudanças. cias estabeleceu leis à maioria dos reis da Europa.
Como representante espiritual da cristandade feudal, o Papa diri-
1.2. A Igreja Católica
gia uma ampla e complexa organização administrativa, semelhante ao
Durante a Idade Média, a Igreja Católica manteve a hegemonia governo de um Estado, em poder e estrutura, o que levou a Igreja a
religiosa no Ocidente europeu, e seu controle espiritual, estendia-se estabelecer um conjunto de leis bem como um sistema judiciário para-
até as fronteiras da civilização ocidental, logo “pertencer à Igreja era lelo aos governos seculares. Desta forma, os crimes cometidos contra
conseqüência automática do nascimento e não havia lei ou costume as leis da Igreja eram julgados por ela mesma, que aplicava penas
que permitisse a alguém renunciar a ela.” (SAVELLE, 1968, p. 223). espirituais e temporais. Como era proibido à Igreja derramar sangue, a
As suas doutrinas religiosas partiam do princípio de que a hu- execução de pessoas condenadas pelo tribunal eclesiástico por here-
manidade trazia consigo um grande fardo de pecado decorrente, em sia, cabia ao governo secular.
parte, da queda de Adão e a outra parte resultante das más atitudes Embora a perseguição aos hereges fosse uma prática desde os
do próprio homem. Como os esforços do indivíduo nunca poderiam primeiros séculos do Cristianismo, a Igreja estabeleceu, no século XIII,
trazer expiação destes pecados, Deus possibilitou o perdão através o Tribunal da Inquisição para fazer frente a estes “crimes” que se di-
do sacrifício de Jesus Cristo, porém isto não garantia a salvação do fundiam rapidamente, e devido à ineficácia dos tribunais episcopais
homem, apenas permitia sua obtenção. Cada pessoa deveria lutar em contê-los. A tortura se constituiu num poderoso meio de forçar
para vencer as tentações do pecado e a igreja se colocava como au- a pessoa acusada a confessar seus delitos ou a entregar possíveis
xiliadora nesta tarefa, por meio dos seus sacerdotes e sacramentos. suspeitos. Esses mecanismos de controle também se apresentavam
Com isto, “em torno da administração dos sacramentos e outras de- como uma estratégia utilizada pelo Papado para negar qualquer tipo
voções, a Igreja edificou um impressionante desfile de cerimoniais de pergunta ou questão. Essas indagações traduziam-se sempre como
religiosos.” (id. ibid., p. 225). possível heresia ou tentação do diabo. (FALCON, op.cit.).
O Papa era a autoridade máxima da cristandade ocidental e suas de- Somado ao pânico gerado por esse processo demonização da so-
cisões estavam sujeitas apenas aos concílios. Mesmo reis e soberanos ciedade, o qual qualquer sinal de contrariedade ou falha era visto como
deveriam se submeter à sua autoridade. Quando um rei desafiava a auto- obra do diabo, encontrava-se o medo da morte, do Juízo Final e da

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vinda do Anticristo, profetizado como algo que estava próximo. Além A degradação que a Igreja Católica vivia avançava por todos os
do mais, as catástrofes vividas com a peste, as guerras, a fome, refor- cantos da cristandade. Os clérigos sérios traziam à tona as suas quei-
çavam a angústia, o medo e a culpa. O mal era visto em toda parte. xas contra os desmandos cometidos em nome de Deus. A vida desre-
Desta forma, a Igreja aproveitava-se deste clima de medo e pavor grada, imoral e opulenta que levava o alto clero, assim como a venda
para atrair os fiéis para junto de si. O desejo de “livra-se” do mal e do de cargos eclesiásticos, de relíquias sagradas e de indulgências, trans-
inferno, aumentou a devoção aos santos, ao rosário e levou as pesso- formaram à Igreja numa instituição corrompida, cujo poder e excessos
as a buscarem socorro na Virgem Maria, que assumia na mentalidade contrariavam as suas pregações.
humana o papel de intercessora, mediadora. Com isto, a mãe de Je- Os Papas viviam como verdadeiros reis em seus palácios e preocu-
sus, acabou por receber diferentes denominações: Nossa Senhora do pavam-se mais com o avanço do poder temporal do que com a própria
Perpétuo Socorro, Nossa Senhora dos Remédios, da Boa Morte, da igreja em si. Erasmo11 afirmava, eles “fazem, com o seu silêncio, que
Graça. (FALCON, op.cit.). Essas denominações acabavam refletindo o Cristo seja esquecido, acorrentam-no a leis de traficância, desnatu-
clima de angústia que envolvia os homens. ram-lhe os ensinamentos com interpretações manipuladas e matam-no
A compra de indulgências e relíquias sagradas também se cons- com seu vergonhoso comportamento.” (id. ibid., p. 125, a). A queda do
tituiu numa maneira de assegurar a salvação. Contudo, a apatia e a prestígio e a desordem foram marcantes na história do Papado, este
indiferença que marcavam a vida de muitos clérigos, de certa forma que, por sua vez, deveria ser um instrumento do princípio da ordem.
evidenciava-se na religiosidade dos leigos, pois “foi-se dando cada vez A crise do Cisma do Ocidente, que se estendeu por trinta e nove
menos importância à penitência implicada na indulgência e mais impor- anos, dividindo a Europa católica em duas, acentuou a necessidade de
tância no perdão automático que o pagamento do dinheiro garantia. A uma profunda reforma12. A Europa ficou dividida entre dois e às vezes até
religião andava, assim, impregnada de formas materiais e mecânicas.” três homens, ambos proclamando-se sucessores de Pedro. Esse impasse
(GREEN, op.cit., p. 128). levou alguns a acharem mais lógico cada reino ter o seu próprio papa. O
Os desejos de uma renovação religiosa não surgiram subitamente, Concílio de Constança foi reunido para resolver o problema do Cisma que
desde o século XIII eles já vinham se movimentando e confrontando com há muito se arrastava, bem como, restaurar a igreja e eliminar as heresias.
a situação decadente em que a Igreja vivia, pois nem mesmo a crença nas O Concílio obteve êxito em seu propósito de pôr fim ao Cisma. Com a elei-
chamas do Inferno era suficiente para conter as injustiças e a depravação ção do cardeal Colonna como papa Martinho V, em 1417, a unidade fora
que envolvia os representantes do Reino de Deus aqui na terra. Como praticamente restabelecida no mundo católico, no entanto, com relação à
escreveu o Papa Eugénio IV aos padres do Concílio de Basiléia, em 1434: reforma esperada não houve muito progresso.
“Das solas dos pés ao cocuruto da cabeça, não há no corpo da Igreja uma Após a resolução do Cisma, o Papa empenhou esforços para re-
única parte sã.” (DELUMEAU, op.cit., p. 124, a). cuperar sua autoridade e as finanças, o que motivou um crescimento

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cada vez maior da venda de indulgências. A decadência da espiritua- própria cúria romana e o desejo de reforma partia de muitos clérigos.
lidade contrastava com a exuberância da igreja, pois “os peregrinos A Igreja havia se afastado de seu propósito primordial: a mensagem
que visitavam Roma não podiam deixar de ficar consternados com a evangélica em sua essência.
ausência de espiritualidade, por muito que os impressionasse a magni- Esse desejo de renovação dentro da própria igreja acabou por
ficência da corte romana.” (GREEN, op.cit., p. 125). gerar conflitos e contradições entre os seus teólogos. Dentre eles,
Os bispos por sua vez, possuíam um considerável poder espiritual Guilherme de Occan pregava a ineficácia da razão em alcançar Deus
e secular, sendo que muitos atuavam paralelamente como governado- opondo-se, desta forma, à teologia de São Tomás de Aquino que visava
res eclesiásticos e civis em suas regiões. Segundo os ensinamentos da conciliar fé e razão. Para ele, a razão não podia legitimar a verdade
igreja, os mesmos haviam recebido os poderes de Cristo através dos religiosa, uma vez que esta dependia exclusivamente da fé. (GREEN,
doze apóstolos que foram os primeiros bispos. Logo, eram responsá- op.cit.). Em contraposição ao pensamento de identificação da Igreja
veis pela administração da igreja dentro de uma diocese, embora pare- com o clero, Occan defendia que a igreja é a “congregação de todos
cessem estar longe daquilo que seu nome significava: “labor, vigilância os fiéis.” (DURANT, op.cit., p. 4). John Wyclif, sacerdote inglês do sé-
e solicitude.”(DELUMEAU, op.cit, p.125, b). Comumente recrutados culo XIV, passou grande parte de sua vida denunciando a corrupção
na nobreza, acostumados ao luxo e aos gastos fáceis, os bispos negli- do clero e mostrou grande preocupação com a pregação da Escritura.
gencivam as visitas às dioceses. Por isso, lançou o movimento itinerante que agregava padres pobres,
Os cardeais, por sua vez, geralmente eram escolhidos em virtude os lollards, com o objetivo de ensinar a população. Apesar de seus
da habilidade administrativa que possuíam, de suas relações políticas seguidores terem sido alvo de perseguições, Wyclif não sofreu dano,
e por sua riqueza. Consideravam-se “senadores e diplomatas de um pois desfrutava de proteção leiga. Já João Huss, sacerdote de Praga,
estado rico e poderoso.” (DURANT, op.cit., p. 15). à semelhança de Wyclif, fazia duras críticas ao sistema hierárquico e
No baixo clero era comum a existência de padres envolvidos em eclesiástico, declarando que um sacerdote em pecado não era um sa-
concubinato, conflitos de interesse, e como possuíam pouca instrução, cerdote verdadeiro. Como conseqüência foi queimado na fogueira em
o ensinamento dos princípios básicos da religião era prejudicado. A 1415, acusado de pregar doutrinas heréticas.
pobreza os levava, muitas vezes, à venda de sacramentos. Também Havia também aqueles que pregavam uma vida mais simples,
era significativa a evidência de muitos homens receberem a ordenação um retorno à vida piedosa. Era o caso dos Irmãos da Vida Comum12,
sacerdotal sem apresentarem nenhuma vocação. que “enalteciam a imitação de Cristo e a humildade, o exame de
Os abusos cometidos pelo clero numa tentativa de assegurar a consciência e a censura fraterna, a leitura da Bíblia e a oração, sem
centralização da Igreja bem como, suas excessivas preocupações tem- negligenciar, [...] a transmissão de conhecimentos.” (LIENHARD,
porais, acabaram por gerar um grande descontentamento no seio da op. cit., p. 24).

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Apesar dos abusos, corrupção e escândalo, a críticas mais efetivas pareciam uma igreja. Paralelamente a esta devoção, existia entre o
com relação à Igreja, residiam na má formação de seus representantes, povo um anticlericalismo acentuado que se expressava por meio de
deficiência da instrução religiosa e na perda da espiritualidade, por declarações e panfletos. As queixas mais contundentes se dirigiam aos
isso para os críticos era necessário mostrar como a Igreja havia se prelados, a riqueza e mundaneidade que os envolviam. Uma veemente
afastado dos valores espirituais. A Bíblia tornou-se então, o instrumen- exposição de Johnnes Jansen denunciava a situação da Igreja Alemã,
to de confronto, uma vez que o uso dela resultou na constatação da quando as circunstâncias já prenunciavam a Reforma.
distância que havia entre o que era ensinado pela Igreja e o que estava O contraste do amor devoto e da ambição terrena, da renúncia
realmente escrito. A dedicação de Lutero ao estudo das Escrituras, piedosa e do impiedoso egoísmo, era evidente tanto nas fileiras
especialmente alguns livros como é a carta de Paulo aos Romanos, do clero como em outras classes da sociedade. Por muitos dos
ministros de Deus a prédica da religião e o cuidado das almas
levou-o a perceber o fosso existente entre a Bíblia e a Igreja. Isto o eram igualmente esquecidos. A avareza, pecado habitual da épo-
levou a defender posteriormente o livre acesso de cada cristão aos ca, transparecia entre o clero de todas as ordens e condições, em
textos bíblicos. O acesso à leitura bíblica foi possível devido às tradu- seu afã de aumentar o máximo todas as rendas e aluguéis, taxas e
emolumentos. A Igreja Alemã era a mais rica da cristandade. Todo
ções na língua vernácula realizadas pelos próprios críticos da Igreja. mundo sabia que quase um terço da propriedade territorial do país
(FALCON, op.cit.). estava nas mãos da Igreja, o que tornava ainda mais condenável
Os humanistas haviam se dedicado ao estudo e à interpreta- nas autoridades eclesiásticas quererem sempre aumentar suas
posses. (JANSSEN. ap. DURANT, op.cit., p. 277).
ção das Escrituras numa época em que era a própria Igreja que
patrocinava esses estudos. Segundo Delumeau (1994, a), o huma- Percebe-se nas palavras de Janssen que a “ambição terrena”, o
nismo cristão desejava purificar a Escritura e entregar aos fiéis o “impiedoso egoísmo”, e a “avareza” presentes no clero suplantavam a
verdadeiro texto da Bíblia. Lutero, à semelhança dos humanistas, devoção genuína, o amor piedoso, a simplicidade da fé, e o Evangelho
se aprofundou no estudo do grego e do hebraico, o que resultou na tal qual Cristo viveu. Por isso, de todos os lados surgiam denúncias
tradução da Bíblia para o alemão. contra a Igreja, tanto por parte de seus inimigos quanto por parte de
A princípio, grande parte dos críticos da Igreja não tinha como objetivo seus próprios adeptos. O descontentamento com a situação da Igreja
romper com a mesma, e sim promover reformas em seu interior. É o caso crescia a cada dia.
de Erasmo de Roterdã, que embora tenha criticado duramente a Igreja, À crise que a Igreja vivenciava enquanto instituição, somou-se
nunca a deixou e Lutero que, inicialmente não tinha a intenção de romper o fracasso dos concílios na realização de reformas. Além do mais, o
com Roma, o que foi inevitável, devido aos desdobramentos de sua ação. crescimento urbano, a expansão econômica, a ascensão da burgue-
Na Alemanha a situação da Igreja não era diferente do restante da sia, o fortalecimento dos estados nacionais e a justificativa do poder
Europa. Havia famílias devotas e que, segundo Durant (1957), quase divino dos reis, o florescimento da ciência que se apresentava como

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concorrente na explicação da existência do homem, a invenção da im- do “conhecimento do homem em seus comportamentos religiosos.”
prensa, a tradução da Bíblia e sua leitura, o exemplo de reformadores (DUPRONT, In: LE GOFF; NORA, 1995, p. 85).
como Wyclif e Huss, a busca por uma religião mais pessoal, sem a Desta forma, restringir Martinho Lutero à sua atuação em outubro
intermediação dos poderes dos sacerdotes, o anseio a um regresso do de 1517, é limitar o conhecimento do homem que, durante o século XVI
“autêntico espírito do cristianismo” (CAMBI, op.cit., p. 247), e muitos e os séculos posteriores, foi aplaudido, mas também criticado. Para a
outros fatores, que não eram novos, contribuíram para a ruptura da compreensão do pensamento de Lutero e seus desdobramentos, é ne-
hegemonia da Igreja Católica, que até então constituía-se o eixo da cessário fazê-lo dentro do contexto de sua vida familiar, sua formação,
unificação européia. sua vocação e do universo religioso que sempre o envolveu.
Assim, a Reforma Religiosa, já pretendida há alguns séculos ante- Filho de uma família simples cujo pai era minerador, Lutero nasceu
riores, encontrava no século XVI um ambiente acolhedor. O Renasci- em Eisleben, Saxônia, em 1483. Escassas são as informações sobre
mento havia proporcionado mudanças que contribuíram para que ela sua infância e o ambiente familiar, mas segundo Durant, “o quadro
fosse realizada. Lutero e outros reformadores interpretaram uma ne- da divindade que os pais lhe transmitiam refletia, seu próprio feitio:
cessidade há muito tempo evidenciada. um pai duro e juiz severo, exigindo uma virtude sem alegria, pedindo
Mas, em que consistiu essa Reforma? Conhecer quem foi Lutero e reparação constante, [...] condenando a maior parte da humanidade ao
como ele se tornou o protagonista desse movimento, torna-se impres- fogo eterno.” (DURANT, op.cit., p. 287).
cindível para a compreensão de seu pensamento sobre a educação. Essa imagem da autoridade inflexível, dura e severa vivenciada por
Lutero em seu contexto familiar, pode ter contribuído para as crises
2. MARTINHO LUTERO
interiores com relação à salvação, à justiça de Deus e sua misericórdia,
O que levou Martinho Lutero, um monge como tantos outros de que o acompanharam durante muitos anos.
seu tempo a fazer frente aos ensinamentos e práticas religiosas nas
2.1. O jovem estudante
quais ele próprio estava inserido? Sua educação e formação foram
fundamentadas nos preceitos religiosos de sua época, mas então o Ao que tudo indica parece que a vida escolar de Lutero transcorreu
que mudara? Teria sido Martinho Lutero fortemente influenciado pelas dentro das normalidades de um jovem de sua época. Seus primeiros
idéias seculares que permeavam o século XVI? anos escolares ocorreram numa escola municipal de Mansfeld, cujos
Para tanto, uma análise de Lutero precisa ser realizada dentro do métodos utilizados eram os tradicionais, pautados na memorização e
contexto que o envolvia, sobretudo, o universo religioso. Neste senti- nos castigos, pouco influenciada pelo humanismo.
do, a contribuição de Alphonse Dupront para a história religiosa é de Ao ingressar na escola secundária de Magdeburgo, mantida pela
fundamental importância, uma vez que ele aponta para a necessidade Comunidade dos Irmãos da Vida Comum, Lutero foi exposto a este

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movimento que privilegiava uma piedade prática fundamentada no se- anos decidiu ser monge. Mas o que teria levado Lutero a optar pela
guimento de Jesus Cristo, além do que, era um movimento que pri- vida religiosa?
vilegiava a educação. Segundo Vanderlei Defreyn14, é difícil avaliar a Pouco se sabe sobre sua vida estudantil, além daquilo que é co-
intensidade da influência deste movimento sobre vida de Lutero, pois mum a um jovem estudante do período, para se precisar se algum fator
através do mesmo ele pode tanto ter tido contato com o humanismo foi preponderante na tomada desta decisão. Então, poder-se-ia pre-
quanto, e o que é mais provável, ter se envolvido com um modelo de sumir que a angústia interna com relação à indignidade do homem,
piedade voltada mais para a devoção interior, bem como para a espiri- tão evidente mais tarde em sua vida religiosa, já se prenunciava neste
tualidade. (DEFREYN, 2005). momento de sua vida?
Seu período escolar em Eisenach, conforme assinalam obras sobre Para o homem de hoje talvez fosse difícil compreender tal atitude,
Lutero, parece ter sido mais sadio, alegre e agradável que os anos pois diferentemente de outros monges que viram no mosteiro uma manei-
anteriores, sendo marcado por relacionamentos que lhe possibilitaram ra de avançar na vida, Lutero vinha apresentando-se muito bem sucedido
uma mocidade mais natural e mais sociável. no meio acadêmico. Contudo, estava inserido num contexto onde o apelo
O ingresso de Lutero na Universidade de Erfut, uma das mais im- religioso era muito acentuado, a concepção de Deus adquirida por ele
portantes universidades alemãs de seu tempo, pautada na teologia e não apresentava aspectos de ternura além do que, a idéia do inferno e do
na filosofia escolástica, expôs Lutero ao nominalismo de Occam15, uma diabo assombrava o espírito humano. Isto pode ser evidenciado em sua
vez que a universidade havia sido fortemente marcada por essas idéias, própria explicação para o ingresso no convento.
sendo uma delas a da falibilidade do papa e dos concílios. Percorrendo Numa de suas Conversações à mesa, de 16 de julho de 1539, con-
as etapas comuns da vida universitária, seus estudos começaram pela ta que ao retornar da casa de seu pai, foi surpreendido por um tempo-
Faculdade de Artes, formando-se nas disciplinas tradicionais do perí- ral. Atemorizado por um raio que quase o atingira, prometeu a Santa
odo: o trívio e o quadrívio16. O grau de bacharel recebido em 1502, lhe Ana que se tornaria monge, caso sua vida fosse poupada, pois não
permitiu ministrar aulas de gramática, retórica e lógica aos iniciantes. achava-se “pronto” para a morte. No entanto, seria esse argumento
Envolvido na vida acadêmica, e aparentemente sem indícios de que suficiente para uma mudança radical e, ao que parece, repentina? Se-
sua vida tomaria outra direção, recebeu o título de mestre no início de gundo Lienhard,
1505; continuou participando e ministrando cursos, além da participa- sua decisão foi propriamente religiosa. Ao menos há de admitir-
ção em debates, o que era comum às universidades deste período. se que essa trajetória é o ponto de encontro entre uma consciência
No mesmo ano Lutero ingressou na faculdade de direito, o que inquieta, em sua confrontação com um Deus exigente e majestático,
trouxe grande satisfação a seu pai, no entanto, sua permanência no e aquilo que a Igreja daquele tempo tinha de melhor para oferecer às
curso foi breve. Após dois meses de estudo, o jovem de apenas 22 almas inquietas, a saber a via monacal. (LIENHARD, 1998, p. 35).

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2.2. A vida religiosa pecados. Os temores que o afligiam, a incerteza quanto ao perdão de
seus pecados, a imagem de um Cristo severo, o levavam a se conside-
Para Collinson “o mosteiro foi o início, e não o fim, da busca es-
rar não preparado para tamanho mistério.
piritual de Lutero.” (COLLINSON, op.cit., p. 70). Sua opção foi pela
Esse temor de comparecer diante de um Deus juiz, sem estar
Ordem dos Eremitas de Santo Agostinho, um claustro conhecido devi-
pronto para esse encontro não era exclusivo de Lutero. Sabe-se que
do à fidelidade às regras monásticas. Ele mesmo escreveu a respeito
esse medo fora amplamente difundido no final da Idade Média, o que
do duro asceticismo a que se submeteu, e que mais tarde considerou
resultou numa crescente busca de refúgio nos santos e na Virgem,
algo inútil, como uma maneira de agradar um Deus que nunca seria
sobretudo, na compra de indulgências. No entanto, esse encontro para
completamente satisfeito. Realizava suas tarefas com humildade, re-
Lutero ganhava proporções maiores, uma realidade que chegava a ser
petia incessantemente suas orações, jejuava, flagelava-se, tudo com
esmagadora. Será que já havia feito o suficiente para estar diante des-
o intuito de vencer as tentações da carne, expulsar o demônio que o
se Deus juiz?
atormentava e se achegar a Deus.
Em meio às crises e conflitos, Lutero encontrou em Johann Stau-
Eu me martirizava com a oração, o jejum, as vigílias, o frio. [...]
pitz, vigário-geral da ordem agostiniana, um conselheiro espiritual além
Que procurava com isso, senão a Deus? Ele sabe com quanto zelo
observei minha regra [monástica] e que vida severa eu levava. [...] de um interesse paternal que o superior lhe dedicava. Foi em obediên-
Pois eu não confiava em Cristo, antes tomava-o por nada além de cia a Staupitz que se dedicou ao doutorado em teologia, através do
um juiz severo e terrível, tal como se costumava pintá-lo assentado qual recebeu o grau de doutor, em 1512, e então passou a comentar a
sobre o arco-íris. (LUTERO. ap. LIENHARD, 1998, p. 38).
Bíblia aos estudantes da Faculdade de Teologia em Wittenberg, onde
Segundo Falcon (2006), Lutero obteve uma atuação singular na já vinha dando aulas na faculdade de artes desde 1508, período este
ordem dos agostinianos, sua disciplina e cuidado para com os demais interrompido por sua viagem a Roma em 1510. (LIENHARD, op.cit.).
monges e a para com a própria ordem o conduziram a se envolver in- Sua viagem, o que não seria muito diferente para os católicos de
tensamente na política interna do convento. À semelhança dos demais hoje, foi permeada de expectativas comuns a qualquer cristão de seu
integrantes do convento dos agostinianos, Lutero recebeu, em 1507, tempo no que dizia respeito à Santa Sé e o desejo de ver o papa.
o sacramento do sacerdócio no qual a confissão e a celebração da Como peregrino, Lutero cumpriu todas as devoções, visitou igrejas,
missa se apresentavam como atividades essenciais. A celebração da as relíquias sagradas, ganhou indulgências, no entanto, não viu o papa
missa, e especificamente o momento da eucaristia, tornaram-se-lhe e ficou consternado com a situação decadente em que se encontrava
uma questão angustiante, pois de acordo com os dogmas da fé católi- a Igreja. De acordo com Falcon, os meses que seguiram seu retorno
ca, Cristo se fazia presente na eucaristia. Sendo assim, para recebê-lo em 1511 e 1512, foram relevantes, uma vez que Lutero se dedicou a
era necessário estar dignamente preparado por meio da confissão dos leituras que o levaram a questionar “as idéias dogmáticas da teologia

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católica.” (FALCON, op.cit., p. 131). Foi a conselho de Staupitz que veriam ser realizadas com prazer e alegria e não por constrangimento,
Lutero passou a substituir o asceticismo religioso pela leitura criteriosa no entanto, não se constituíam o meio para se obter a salvação. A
da Bíblia, e de Santo Agostinho. justificação pela fé se tornaria, posteriormente, um ponto fundamental
No Pai da Igreja, Lutero encontrou a idéia da verdadeira corrupção na teologia de Lutero.
do homem e que a salvação era completamente obra da graça de Deus, Poderíamos ser levados a pensar que essas e outras descobertas de
esse mesmo Deus havia predestinado, por meio de seu livre arbítrio, al- Lutero com relação à graça de Deus, ao homem pecador e ao mesmo
gumas almas para a salvação mesmo antes da criação. Essa eleição ou tempo justo, a justiça divina, a salvação, se deram num momento espe-
não, por parte de Deus, inevitavelmente o atormentava. A leitura de São cífico e restrito de sua vida. No entanto, elas estavam mais relacionadas
Bernardo17 também trouxe refrigério para suas inquietações. Por meio a um processo do que a uma experiência única. Desde 1513, o doutor
desta Lutero se deparou com a idéia de que ao ser humano era impossível Lutero havia se dedicado essencialmente a comentar a Sagrada Escritura,
alcançar a salvação, pois o mesmo era pecador e permaneceria nesta con- iniciando com o comentário dos Salmos, seguido das epístolas aos Roma-
dição durante toda sua vida, por isso o homem deveria lançar-se ao Cristo nos, aos Gálatas e aos Hebreus. Entre os anos de 1512 a 1517, segundo
sofredor. A leitura dos místicos alemães ofereceu a Lutero “a esperança Durant (1957), paulatinamente as idéias religiosas de Lutero foram ga-
de saltar o abismo terrível entre uma alma naturalmente pecaminosa e um nhando uma certa distância das doutrinas oficiais da Igreja.
Deus justo e onipotente.” (DURANT, op.cit., p. 288). Como qualquer outro teólogo sério de seu tempo, Lutero não podia
Contudo, foi nas Escrituras que Lutero encontrou o descanso para deixar de enxergar nem tampouco ficar indiferente às práticas da Igre-
uma alma constantemente inquieta. A leitura mais ávida, somada à ja. Muito tempo antes da questão das indulgências, num sermão de
sua interpretação crítica dos textos bíblicos, especialmente a carta de 1512, ele já apresentava seu descontentamento e críticas às práticas
Paulo aos Romanos, levou-o a compreender “que a justiça de Deus da de um clero do qual ele mesmo era parte, ao declarar,
qual nos fala o evangelho não é aquela do Deus juiz, mas é aceitação haverá quem me diga: que crimes, que escândalos, que fornica-
do ser humano pecador por Deus, a dádiva de Cristo concedida por ções, estas bebedeiras, esta paixão desenfreada pelo jogo, todos
Deus ao ser humano.” (LIENHARD, op.cit., p. 41). Descobriu que so- estes vícios do clero!...São escândalos muito grandes, confesso;
há que denunciá-los, há que dar-lhes remédio: mas os vícios de que
mente por meio da fé, que em si já era uma dádiva de Deus, o pecador falais são visíveis a todos; são grosseiramente materiais, tocam
se tornaria justificado. Desta forma, a salvação do homem ocorreria a todos e, portanto, emocionam os espíritos... Mas, ai!, há outro
essencialmente pela fé e não por obras. Nisto constituía “o argumen- mal, outra peste, incomparavelmente mais malfazeja e mais cruel:
o silêncio organizado quanto à Palavra da Verdade, ou a sua adul-
to para atacar as “falsas boas obras”, principalmente aquelas feitas teração – este mal que não é grosseiramente material, que até não
pelo dinheiro.” (FALCON, op.cit., p. 132). Com isto, Lutero não estava chega a ser percebido, que não provoca a nossa emoção e cujo hor-
dispensando as boas obras da vida do cristão, uma vez que estas de- ror se não sente. (LUTERO ap. DELUMEUAU, op.cit., p. 137,b).

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Desta forma, o sistema das indulgências, reforçado por seu cará- implicava numa rejeição pelo princípio que as legitimavam. Contudo,
ter mecânico do pecado e do arrependimento, não foi o que desenca- para Lutero as facilidades que passaram a ser oferecidas para a aqui-
deou a crise de Lutero com a Igreja, contudo, foi a gota d’água num sição de uma indulgência, evocavam uma banalidade na sinceridade da
mar já tão agitado. penitência. Para alguns, a indulgência dava garantias até mesmo aos
pecados que viriam a ser cometidos.
2.3. O reformador
A situação tornou-se mais crítica quando da chegada do vendedor
Quando Lutero ingressou no convento nada indicava que sua vida de indulgências, o dominicano Tetzel, representante do arcebispo de
tomaria o rumo que tomou. “Nesse período, diz Lucien Febvre
(1956), não havia nada que pudesse envolver Lutero com a refor- Mogúncia, às cidades de Zerbst e Jüterbog, próximas de Wittenberg.
ma da Igreja. O que estava em jogo era uma mudança pessoal que As somas arrecadadas com a venda das indulgências seriam destina-
fez com que ele reformulasse a si mesmo.” (FEBVRE ap. FALCON,
op.cit., p. 131-132). das à construção da Basílica de São Pedro, e uma percentagem seria
reservada ao arcebispo. Lutero percebeu que os penitentes que o pro-
Mesmo estando inserido no contexto das transformações vividas pela
curavam no confessionário não apresentavam a intenção de realizar
Europa do século XVI, onde o pensamento renascentista envolvia a socie-
uma verdadeira penitência, pois já haviam adquirido uma indulgência
dade e o homem assumia uma nova postura diante da vida, da cidade, do
outro; num período onde novo e velho se confrontavam, muitas das idéias com Tetzel. (LIENHARD, op.cit.).

de Lutero eram ainda fortemente medievais, sua teologia era fundamente A intenção de Lutero com a afixação das 95 teses, na véspera do
marcada pelo pensamento escolástico medieval, embora criticasse a teo- dia de Todos os Santos, era suscitar uma discussão acadêmica e des-
logia escolástica e suas bases filosóficas em Aristóteles. pertar para mudanças no interior da Igreja e não promover uma ruptura
Até aqui a existência de Lutero dava-se em silêncio, apesar do na cristandade. Mas seria possível? Estaria realmente Lutero certo de
grande poder intelectual que possuía. Porém, a partir de 1517, após que suas teses ficariam apenas no campo da discussão?
fixar as 95 teses que condenavam a venda de indulgências e questio- A afixação das teses em si não se constituía nada fora do normal,
navam o poder do papa, na porta do castelo de Wittenberg, em poucos pois na Idade Média era comum ações deste tipo com o intuito de
meses tornara-se o homem mais conhecido da Alemanha. Segundo levantar debates a respeito das matérias expostas. As teses repre-
Collinson, o acontecido em 31 de outubro de 1517 “foi comparado a sentavam objeções de caráter provisório, por meio das quais Lutero
um homem que tateia subindo à torre de uma igreja no escuro, pendu- desejava chamar a atenção da Igreja para o tema em questão. (GRE-
rado a uma corda até perceber que está tocando um sino que acorda a EN, op.cit.). Até então, não havia razões para se pensar em Lutero
aldeia inteira.” (COLLINSON, op.cit., p.77). como um reformador, pois nem ele mesmo se considerava como tal.
Lutero já havia demonstrado, em pregações anteriores a 1517, Foi somente a partir de 1528, que em algumas passagens escassas, se
suas reservas com relação ao propósito das indulgências, o que não referiu à reforma desencadeada por ele. (LIENHARD, op.cit.). Entre-

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tanto, seu gesto ganhou proporções que talvez nem ele mesmo tivesse Mogúncia enviou as teses de Lutero e alguns de seus escritos a Roma
dimensionado. Seus textos tiveram uma rápida difusão e logo chega- tratando-os como doutrinas novas. Lutero foi convocado pelo Papa
ram às mãos de impressores, e, em pouco tempo, estavam ao alcance Leão X para comparecer a Roma sob suspeita de heresia. Contudo,
de toda a Alemanha. De acordo com Lienhard, “era a primeira vez na devido à desconfiança nos tribunais romanos, sobretudo, da influên-
história que se operava uma aliança entre o material impresso e um cia dos dominicanos, se empenhou para conseguir que seu caso se
movimento popular. Até então, os escritos tinham sido reservados as mantivesse numa instância alemã, uma vez que também contava com
elites. Agora, iriam mobilizar multidões.” (id. ibid., p. 95). grande consideração de Frederico, o Sábio. Desta forma, Lutero apre-
O próprio Lutero surpreendeu-se com a rápida propagação de suas sentou-se ao cardeal Cajetano, na Dieta19 de Augsburgo, em outubro
teses, que acabaram por exprimir não apenas sua opinião, mas tam- de 1518. O encontro não resultou em nada, pois Lutero não concordou
bém a de vários setores da sociedade. Se sua atitude por um lado, em retratar-se e o debate que a princípio centrava-se na questão das
ganhava apoio18, pois muitos esperavam por um protesto como tal para indulgências desenrolou-se para o âmbito da autoridade papal. E Lu-
expressar o anticlericalismo contido por muito tempo, por outro ga- tero se submetendo ainda “à arbitragem do sumo pontífice”, afirmou
nhava adversários dentre eles Tetzel e Eck, que se empenharam para que “a verdade divina é senhora também sobre o papa.” (LIENHARD,
mostrar que Lutero disseminava a heresia de João Huss e causava op.cit., p. 64). Voltou para Wittenberg, mas o embate não se encerrava
confusão na ordem eclesiástica. (DURANT, op.cit.). por aqui.
Lutero não se restringia apenas à questão da ineficácia das in- No ano seguinte, em Leipzig, o professor se encontrou com o dou-
dulgências, mas enfatizava que o homem era pecador e reduzia o po- tor John Eck num debate público, onde este conduziu a discussão para
der da Igreja quando argumentava que as autoridades eclesiásticas um campo delicado e perigoso, a questão da autoridade do papa, era
não podiam reduzir as penas dos que estavam no Purgatório. Cabia ela divina ou simplesmente humana? O embate em Leipzig foi duro e
somente a Deus o perdão dos pecados e não à Igreja. “O papa não Lutero, ao falar francamente, comprometia-se cada vez mais. Negou a
pode remitir culpa alguma senão declarando e confirmando que ela foi infalibilidade do papa, considerou perante sua audiência que as igrejas
perdoada por Deus.” (LUTERO ap. LIENHARD, op.cit., p. 62). Além do orientais não obedeciam ao bispo de Roma e admitiu que os concílios
mais, enfatizava o amor desinteressado pelo próximo, o cumprimento podem errar. Eck, ao que tudo indicava, havia logrado êxito ao levar
do dever no dia-a-dia e sustentava a relevância do Evangelho como o Lutero a comprometer-se com suas idéias. Desta forma, Eck dirigiu-se
único e verdadeiro tesouro do cristão. (FALCON, op.cit.). a Roma recomendando sua excomunhão.
O que a princípio parecia restringir o assunto a apenas uma dis- Embora o papa não tivesse de imediato tomado uma posição, em
puta de indulgências entre duas ordens religiosas, agostinianos e do- junho de 1520, publicou a bula, Exsurge Domine, onde condenava 41
minicanos, ganhou uma proporção muito maior quando o arcebispo de declarações de Lutero, ordenava que suas obras fossem queimadas pu-

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blicamente e o admoestava a retratar-se de seus erros. Se Lutero não ridades imperiais. Ao chegar neste ponto, todo esforço do rapaz que
comparecesse num prazo de 60 dias em Roma para uma retratação pú- a princípio optara pela vida religiosa com o intuito de encontrar o des-
blica, deveria ser banido da cristandade por meio da excomunhão. Sem canso para suas inquietações, teria sido em vão?
disposição para o fazer, Lutero respondeu ao papa: “Acuso-vos e digo-vos Não, Lutero contou com a proteção dos príncipes alemães e ami-
na cara que, se esta Bula é obra vossa, eu próprio, com toda autoridade gos, em especial de seu príncipe-eleitor, que ao simular um seqüestro
de um filho de Deus ...vos aconselho a refletir e a pôr fim às vossas blas- conduziu-o a um lugar seguro no Castelo de Wartburgo. Entretanto,
fêmias.” (LUTERO ap. GRENN, op.cit., p. 137). Desta forma, em janeiro suas idéias tiveram uma grande repercussão, não ficaram restritas
de 1521, o papa excomungou Lutero e seus companheiros.
somente aos teólogos, pois vinham ao encontro aos anseios de mu-
De acordo com uma tradição jurídica que já se encaminhava há mais
dança já sentidos há algum tempo. Impressionaram artistas, nobres da
de três séculos, as instituições jurídicas além de acatarem uma sentença
pequena nobreza, camponeses, burgueses, humanistas alemães. Tam-
da Igreja, deveriam executá-la. A excomunhão pela Igreja também deveria
bém não ficaram restritas à Alemanha, pois em pouco tempo a Refor-
ser acompanhada pelo banimento do Império. Em abril de 1521, Lutero
ma ultrapassou suas fronteiras e a ruptura desencadeada a partir dela
foi convocado para comparecer na Dieta de Worms, aberta por Carlos
foi sustentada por interesses políticos e econômicos. Seus resultados,
V, permitindo que se retratasse. Na cidade foi recebido com grande aco-
que de início ficaram restritos ao campo religioso, foram logo sentidos
lhida, pois “os sentimentos antipapais eram muito fortes tanto na Dieta
em todas as esferas sociais.
como na cidade.” (GREEN, op.cit., p. 138). “Todas as pedras e todas as
árvores bradavam por Lutero.” (ALEANDER ap. GREEN, op.cit., p. 138). Lutero foi também um escritor incansável e durante seu período
Contudo, o imperador não se deixou impressionar e Lutero se recusou a de exílio em Wartburg, escreveu várias obras, dentre elas a tradução
abandonar sua doutrina, afirmando: do Novo Testamento, do original grego para o alemão, que encaminha-
das aos impressores, chegavam às mãos de toda Alemanha. Os textos
A não ser que seja convencido pelo testemunho da Escritura ou
por argumentos evidentes ( pois não acredito na infalibilidade de Lutero não se restringiram apenas a criticar ou condenar práticas
do papa nem na dos concílios somente, visto que está claro que
os mesmos erraram muitas vezes e se contradisseram a si mes-
da Igreja Católica, mas também evidenciavam sua preocupação com
mos) – a minha convicção vem das Escrituras a que me reporto, vários aspectos da sociedade. A educação do povo alemão, especial-
e minha consciência está cativa da palavra de Deus – nada con-
sigo nem quero retratar, porque é difícil, maléfico e perigoso agir mente das crianças e dos jovens, e, a qualidade do ensino eram preo-
contra consciência. Deus que me ajude! Amém. (LUTERO ap. cupações freqüentes. Lutero dedicou dois de seus textos para tratar
LIENHARD, op.cit., p. 70).
exclusivamente sobre sua importância na sociedade. Mas, o que pen-
Por meio do Édito de Worms20, Lutero foi banido do império, foi sava Lutero sobre a educação? Qual era sua concepção educativa para
considerado um fora da lei, deveria ser preso e encaminhado às auto- o contexto em que vivia a Alemanha?

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3. LUGAR DE CRIANÇA É NA ESCOLA: A gundo Max Weber, o protestantismo serviu ao desenvolvimento do espírito
CONTRIBUIÇÃO DE LUTERO PARA A capitalista, ao atribuir ao trabalho profissional valor divino e uma expressão
EDUCAÇÃO NO SÉCULO XVI de amor ao próximo. Lutero foi inovador e ousado ao trazer a tona as contra-
dições da Igreja Católica, ao propor uma nova religiosidade, ao questionar as
Desde o início a reforma religiosa e cultural, desencadeada por Lu-
universidades e apresentar um ensino crítico para as cidades do século XVI,
tero na Alemanha, exerceu efeitos significativos no âmbito da educação,
mas o foi também muito medievalista ao conceber a predestinação e ao servir
pois ao defender veementemente o contato mais direto e pessoal entre o
uma lógica principesca.
cristão e as Escrituras, e da mesma forma o princípio do livre exame dos
Seus escritos “Aos conselhos de todas as cidades da Alemanha, para
textos sagrados, Lutero chegou num ponto fundamental: a necessidade
que criem e mantenham escolas”, de 1524, e “Uma prédica para que se
a “todo cristão” do domínio da leitura e da escrita. Assim sendo, para
mandem os filhos à escola”, de 1530, foram frutos de sua preocupação
que isso fosse possível, a instrução precisava ser disponibilizada, estar
com a situação em que se encontrava a educação alemã. O avanço da
acessível a todos quantos desejassem, através de instituições escolares
Reforma colaborou para uma crise no âmbito da educação, pois provocou
públicas. o esvaziamento de mosteiros e conventos alemães, e conseqüentemente
Nas palavras de Cambi, “com o protestantismo, afirma-se em peda- a desativação de muitas destas instituições que mantinham grande nú-
gogia o princípio do direito-dever de todo cidadão em relação ao estudo, mero de escolas, o que resultou numa escassez de recursos humanos e
pelo menos no seu grau elementar, e o princípio da obrigação e da gratui- materiais que sustentavam o ensino. Também as críticas de Lutero às uni-
dade da instrução.” (CAMBI, op. cit., p. 48). Mas como Lutero pensava versidades e as escolas dos mosteiros pelo uso do método escolástico
essa questão do “direito-dever”, “obrigação” e “gratuidade” do ensino? reforçaram o desprestígio das mesmas. Por outro lado, houve uma con-
O que ele propunha? siderável perda do interesse das pessoas em adquirir, ao menos um nível
No entanto, cabe aqui tecer algumas considerações sobre Lutero para básico de formação, uma vez que a vida monástica em descrédito, não
uma melhor compreensão de seu pensamento sobre a educação. É funda- apresentava mais a possibilidade de aquisição de benefícios eclesiásticos.
mental uma visão de Lutero como um homem de seu tempo, vivendo num Desta forma, Lutero procurou intervir não somente junto às autoridades
período de consolidação do poder em torno das autoridades civis, que deseja- alemãs, mas também aos pais, ambos, segundo ele, responsáveis pela
vam desligar-se do poder da Igreja. Desta forma, para alguns estudiosos que instrução dos jovens.
se debruçaram sobre a Reforma, Lutero foi alguém que serviu aos interesses
3.1. As cidades alemãs e a educação cristã
dos príncipes. Para Hauser, “Lutero teve, portanto, seus primeiros aliados en-
tre os príncipes e principezinhos, ávidos de aumentar seus domínios e suas Diante da decadência das escolas e universidades alemãs, o que fez
rendas.” (HAUSER ap.MARQUES; BERUTTI; FARIA, op.cit., p. 107). E se- Lutero? Como já o fizera tantas vezes antes, não pode deixar de expres-

Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná 20 | História | 2008


sar sua opinião e conselhos com relação ao que estava acontecendo. Mas tos e manutenção das escolas, bem como, na presença de professores
o que pensava ele? É importante destacar que pronunciou-se a esse res- capacitados para a tarefa. Cabe destacar que toda proposta educativa
peito como um reformador religioso, não como um pedagogo ou humanis- de Lutero não se restringia unicamente à formação de pessoas para o
ta. Assim, lançou, em 1524, um apelo “Aos conselhos de todas as cidades reino espiritual, mas também para atuar no reino secular, pois, em sua
da Alemanha, para que criem e mantenham escolas cristãs” , por meio
21
concepção, Deus agia em ambos. O governo secular era “uma institui-
do qual pretendia chamar atenção da opinião pública para a importância ção divina e um estado divino” e como tal não poderia ser desprezado,
do investimento na educação de seus jovens. Segundo Aranha (2000), por isso era imprescindível buscar as pessoas mais bem qualificadas
Lutero defendia uma educação universal e pública e por isso solicitava para assumi-lo. (LUTERO, M. Aos conselhos de todas as cidades da
às autoridades oficiais que se responsabilizassem por esta tarefa, por Alemanha para que criem e mantenham escolas cristãs. In: Comissão
compreendê-la como competência do Estado. Interluterana de Literatura. Obras Selecionadas, p. 318).
Neste período, enquanto nações como Inglaterra, França, entre Ao contemplar o governo secular como “uma criação divina”, Lute-
outras, se consolidavam como Estados Nacionais, fortalecendo a cen- ro atribuiu à educação, ao trabalho, à política e outras esferas que lhe
tralização do poder em torno da figura do rei, a Alemanha permanecia diziam respeito um significado muito mais amplo, pois por meio delas,
uma nação fragmentada, pois as cidades estabeleciam sua indepen- Deus agiria e se manifestaria entre os homens.
dência de forma que os príncipes centralizavam a autoridade e a lei. Ao contrário dos “intelectuais papistas”, cujo foco estava apenas
Portanto, aos escrever “Aos conselhos”, Lutero o fazia às autoridades no estado clerical e por isso dedicavam-se a formar pessoas para o
municipais, e não aos nobres, uma vez que a estes já havia se dirigido mesmo, Lutero entendia que mesmo que não houvesse céu e inferno,
em 1520, onde propôs, dentre outras coisas, a reforma das universi- a existência de um reino secular já era motivo suficiente para se criar
dades. Segundo Defreyn (2005), a decisão de escrever aos conselhos e manter boas escolas. Com isto, chamava a atenção das autoridades
estava relacionada com a sua decepção ao perceber que a maioria dos para que a instrução das crianças não fosse mais ser negligenciada,
nobres estava mais interessada em seus próprios prazeres. De outra nem “esquecida”. Algo necessitava ser feito e o Estado não poderia
forma, considerava que nas cidades haveria mais oportunidades de ser isentar-se de sua responsabilidade. A educação deixara de se restringir
ouvido, uma vez que nestas, a Reforma havia encontrado um ambiente aos que optavam pela vida religiosa, era agora uma questão que se
mais acolhedor, e também possuíam as melhores condições para de- impunha ao homem da cidade, envolvido numa dinâmica própria da
senvolver um sistema escolar cristão. vida urbana. Dentro desta perspectiva, o que deveriam fazer então, as
“Aos conselhos” não é um tratado, mas um texto breve no qual autoridades civis?
Lutero apresenta enfaticamente uma proposta de educação escolar Cabia às autoridades, sendo elas responsáveis por zelar pelos in-
cristã pautada na reestruturação dos currículos, métodos, investimen- teresses e bem estar da cidade, empenhar-se em todos os sentidos

Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná 21 | História | 2008


para seu crescimento. Assim, lhes competia a iniciativa e a providência crianças e jovens, o resultado seria uma cidade formada por pessoas
dos meios de desenvolvimento, tanto material quanto humano. É inte- com habilidades para conduzirem-na ao desenvolvimento. Neste sen-
ressante notar que procurava ampliar, junto às autoridades, a noção de tido, nota-se Lutero como um homem de seu tempo entre o medieval
progresso, de forma que, as mesmas fossem impelidas a trabalhar por e o moderno.
ele. Em seu ponto de vista, Assim, percebe-se que a preocupação de Lutero ia para além do
[...] o progresso de uma cidade não depende apenas do acúmulo de estado religioso, da necessidade de ter-se bons pregadores da Pala-
grandes tesouros, da construção de muros de fortificação, de casas vra, pessoas aptas para tal tarefa, e neste sentido as escolas cristãs
bonitas, de muitos canhões e da fabricação de muitas armaduras.
eram fundamentais, pois dedicavam-se à vida espiritual e à salvação
[...] Muito antes, o melhor e mais rico progresso para uma cidade
é quando possui muitos homens bem instruídos, muitos cidadãos das almas. Porém, seu olhar contemplava também os problemas que
ajuizados, honestos e bem educados. (id. ibid., p. 309). diziam respeito à vida secular, ao momento vivido, e como ele seria
O reformador não descartava as riquezas materiais, pois elas eram conduzido. Por isso, repreendia aqueles cujo pensamento não ia além
necessárias, mas o maior tesouro de uma cidade consistia nas pessoas de seus próprios interesses, conforme afirmava,
que a compunham e por isso era necessário investir na formação das Agora nós estamos no governo; que nos interessam os problemas
dos que vêm depois de nós? Pessoas deste tipo, que no governo
pessoas, de modo que, fossem bem instruídas, capazes e aptas para procuram apenas o seu próprio proveito e honra, não devem go-
exercerem todas as atividades. Mas, para que essa demanda fosse su- vernar sobre seres humanos, mas sobre porcos e cachorros. (id,
ibid., p. 310).
prida, as crianças, os jovens não podiam crescer à sua própria vontade,
era preciso prepará-los e fazê-lo muito bem. Ele próprio se colocava A crítica de Lutero também se dirigia àqueles que utilizavam o po-
como alguém inserido nesta questão, pois der para se promoverem sem se importarem com o que aconteceria
[...] Deus não fará nenhum milagre enquanto se pode resolver a depois. Criticou os príncipes e as autoridades, cuja preocupação e
carência por outros meios oferecidos por sua bondade. Por isso
ocupação se dava em torno dos passeios, bebedeiras e festas. Assim,
temos que tomar a iniciativa de dedicar esforço e recursos a esta
causa. Nós mesmos haveremos de formar e arregimentá-los. Pois por várias vezes enfatizou em seu manifesto, a necessidade de pesso-
de quem é a culpa se hoje são tão raras nas cidades as pessoas as capacitadas, com conhecimento, qualificadas para exercerem seu
bem preparadas? (id. ibid., p. 310).
papel social. Evidencia-se desta forma, em Lutero, o compromisso da
Neste ponto, um fator a ser destacado é que Lutero traz esta pro- Igreja com a vida secular, pois ressaltava
blemática para o poder temporal, rompendo com o pensamento medie- visto que também o mundo precisa de homens e mulheres exce-
val de que ao cidadão comum só restava esperar pelas intervenções lentes e aptos para manter seu estado secular exteriormente, para
que então os homens governem o povo e o país, e as mulheres
divinas. Assim sendo, o homem passava a ser visto como alguém res- possam governar bem a casa e educar bem os filhos e a criadagem.
ponsável por suas escolhas. Se optasse por investir na instrução das ( id. ibid., p. 318).

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“Aos conselhos” evidenciava uma preocupação por parte do refor- caracterizavam pela reprodução do conhecimento. Aqui voltamos às
mador com a formação de todos os homem para o cumprimento dos palavras de Nunes ao se referir às faculdades medievais como locais
deveres sociais. Percebe-se nas palavras de Lutero, “homens para go- de “adestramento”. Essa palavra em si já vem carregada de um senti-
vernar o povo e mulheres para governar bem a casa”, um olhar voltado do restrito, limitado, indicando apenas a reprodução daquilo que foi en-
para as questões que se impunham ao cotidiano e a utilidade social sinado. A proposta de Lutero visava à criação e manutenção de escolas
da instrução. No entanto, verifica-se uma organização em torno das que promovessem a produção do “auto-conhecimento” que romperiam
funções sociais dos homens e das mulheres. A participação destas no com as estruturas antigas.
mundo social estava ligada à educação dos filhos, a administração das Através da Igreja Católica, o Cristo dos fiéis era um Cristo mate-
tarefas do lar, dos empregados, ou seja, ao ambiente domiciliar. Mas, rializado, expresso por meio das imagens, relíquias, santos colocados
é interessante notar que, Lutero conferiu um sentido vocacional ao como intermediadores, ou seja, maneiras de estabelecer uma ponte
trabalho, contrapondo à concepção medieval de valorização apenas entre o divino e o terreno. Ao abolir toda e qualquer forma de ídolo,
das atividades religiosas. Segundo Weber, o “cumprimento dos deve- Lutero propunha a cada cristão a busca do Cristo em sua essência
res intramundanos” passou a ser visto como uma maneira de agradar a e para isso cada um se tornava responsável por si mesmo. Segundo
Deus e por isso toda atividade era lícita. (WEBER, 2004, p. 73.). Desta Aranha, “no plano religioso, surge a característica humanista de defe-
forma, Lutero atribuiu ao trabalho secular, um significado religioso, o sa da personalidade autônoma.” (ARANHA, op.cit., p.91). O domínio
que implicou no desprestígio da vida monástica e a valorização do as- de elementos básicos, como a leitura e o conhecimento das línguas,
pecto secular da educação. que permitisse a cada cristão o contato direto com as Escrituras e
Em nenhum momento a vida espiritual foi deixada para segundo outras obras, promoveria o conhecimento e interpretação que condu-
plano, pelo contrário, a considerava a superior. “É preciso dizer que a ziriam cada pessoa ao “auto-conhecimento”. Neste sentido, reforçava
autoridade ou a função secular não pode ser comparada de nenhum a necessidade de fazer algo em prol da juventude por meio de “boas
modo ao ministério espiritual da pregação.” (LUTERO, op. cit., p. 346). escolas” e a importância de se ter “gente especializada” para isso. A
No entanto, enxergava que as transformações sociais, políticas, eco- figura do professor era indispensável neste processo, de forma que,
nômicas e culturais que fermentavam o século XVI, requisitavam um considerava o ser professor um ministério, “o mais útil, o mais impor-
novo ideal de formação. tante e o melhor”, ao lado do ministério da pregação. ( LUTERO. op.
Para isso se fazia necessário criar condições e locais onde os jo- cit., p. 359).
vens fossem educados e desenvolvessem suas habilidades. É interes- Contudo, não via a educação como uma responsabilidade da Igre-
sante notar, desta forma, que a proposta educativa de Lutero suplan- ja, e para que escolas e professores pudessem estar acessíveis à ju-
tava em muito a ação das escolas católicas, uma vez que estas se ventude, chamou a atenção dos conselheiros municipais de que era

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fundamental haver investimentos nesta causa, da mesma forma que gelho, quer como autoridades seculares, a Bíblia deveria ser o centro
eram dispensados, todo ano, muitos recursos para a manutenção da de todo ensino. Isso porque Lutero vivia num período em que não se
ordem das cidades, sendo que, concebia alguém que não fosse cristão; o mundo ocidental era essen-
anualmente é preciso levantar grandes somas para armas, estra- cialmente cristão. As Escrituras deveriam, então, constituir a base do
das pontes, diques e inúmeras outras obras semelhantes, para que novo programa escolar, como já enfatizava em seu discurso à nobreza,
uma cidade possa viver em paz e segurança temporal. Por que não
levantar igual soma para a pobre juventude necessitada, susten- em 1520. ao dizer que
tando um ou dois homens competentes como professores? (id.
acima de tudo, em escolas de todos os tipos, a lição principal e
ibid., p. 305).
mais comum deveria ser as Escrituras, e, para meninos, os Evan-
gelhos... Não é de se esperar que cada cristão saiba, aos seus 9
Além das autoridades, Lutero também procurou dividir esta res-
ou 10 anos de idade, todos os Sagrados Evangelhos, contendo,
ponsabilidade com cada cidadão, trazendo mais uma vez à tona suas como de fato contém, seu próprio nome e vida? Onde as Sagradas
críticas com relação à exploração da Igreja por meio da venda de seus Escrituras não são a regra, aconselho que ninguém envie seu filho.
Tudo deve perecer onde a Palavra de Deus não é estudada inces-
benefícios. Sua reflexão se dava em torno dos gastos “inúteis” com santemente. (LUTERO ap. EBY, 1970, p. 64).
“boas obras” e que neste momento poderiam ser investidos nas es-
colas, de forma que cada um se tornasse co-participante desta tarefa. Lutero atribuiu tamanha importância a Bíblia, que educadores

Para tanto, afirmava: como Luzuriaga, reconhecem a tradução da Bíblia para o alemão, como
sua principal obra educativa. Contudo para que sua interpretação fos-
Também cada cidadão deveria pensar o seguinte: Até agora dis-
pendeu inutilmente tanto dinheiro e bens com indulgências, mis- se correta, enfatizava a necessidade do ensino das línguas antigas,
sas, vigílias, doações, espólios testamentários, missas anuais pelo latim, hebraico e grego, uma vez que as considerava úteis e neces-
falecimento, ordens mendicantes, fraternidades, peregrinações e
toda a confusão de outras práticas deste tipo; estando agora livre sárias a toda cristandade, pois o conhecimento das mesmas evitaria
desta ladroeira e doações para o futuro, pela graça de Deus, que os tropeços, a compreensão equivocada, os erros que muitos clérigos
doravante doe, por agradecimento e para a glória de Deus, parte
disso para a escola, para educar as pobres crianças, onde está cometiam, pois
empregado tão bem. (id. ibid., p. 305). os sofistas disseram que a Escritura é obscura; pensavam que a
Palavra de Deus fosse muito obscura por natureza e que se ex-
Percebe-se de sua parte, um esforço em mobilizar todos, a favor pressava de maneira muito estranho. Mas não vêem que o erro
da educação dos mais simples, embora em sua concepção, o dever todo está no desconhecimento das línguas. Do contrário, se enten-
recaísse sobre as autoridades das diversas cidades alemãs. Verifica-se dêssemos as línguas, jamais teria sido dito algo mais claro do que
a Palavra de Deus. ( LUTERO, op. cit., p. 315).
então, um interesse pela educação nacional.
Em sua proposta de criação de novas escolas para a formação de Os sofistas a que se referia Lutero eram os escolásticos das uni-
pessoas que atuassem na sociedade, quer como pregadores do Evan- versidades medievais, que por falta de domínio das línguas utilizaram-

Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná 24 | História | 2008


se dos pais da Igreja e de outros livros, para explicarem os textos bíbli- Lutero a concebia como “mestra da vida”, pois através dela, os
cos. Cabe lembrar aqui as críticas de Lutero ao método escolástico do homens se tornariam “prudentes e sábios, para saberem o que vale
ensino universitário, por rejeitar o empenho da Igreja Católica em in- a pena perseguir e o que deve ser evitado nesta vida exterior, e para
terpretar a Bíblia à luz das obras pagãs, dentre elas, as obras de Aris- poderem aconselhar e governar a outros de acordo com estas experi-
tóteles, as quais considerava extremamente nocivas, por afastarem os ências.” (id. ibid., p. 319).
homens da verdadeira revelação. Por isso, o conhecimento das línguas Segundo Eby, neste século em que os homens haviam redes-
evitaria que os homens caíssem em ensinos enganosos, possibilitaria a coberto o mundo antigo com suas preciosidades literárias e de
cada um, a própria leitura e interpretação das Escrituras. O estudo das outras esferas, era natural que fosse enfatizado o estudo de His-
línguas despertaria para o “senso crítico”, embora esta expressão seja tória. Desta forma, para os reformadores a História tinha grande
extremamente moderna, uma vez que se poderia julgar o que estava importância na luta contra as pretensões da hierarquia romana.
sendo ensinado por pregadores e professores, isto levaria, de certa Mas, o que Lutero reconhecia como o maior valor da História, era
forma, a pessoa interagir, saindo do estado de mero receptor de infor- o fato dela se constituir como um meio de compreender a nature-
mações. Neste sentido, afirmava que, “onde, porém, há conhecimento za humana. (EBY, op. cit.).
das línguas, aí as coisas se desenvolvem com frescor e vigor, e a Escri- Outro aspecto que mereceu atenção de Lutero foram as bibliote-
tura é trabalhada; aí a fé se encontra sempre de forma nova por meio cas. “Recomenda-se a todos aqueles que se interessam pela criação
de outras e mais ouras palavras e obras.” (id. ibid., p. 316) e manutenção de tais escolas e pelo estudo das línguas na Alemanha,
O empenho em valorizar as línguas antigas, não implicava numa que não se poupem esforços nem dinheiro para a instalação de livra-
desvalorização da língua vernácula, até mesmo porque Lutero havia rias ou bibliotecas.” (LUTERO, op.cit., p. 322). Para ele, a debilidade
traduzido a Bíblia para o alemão, mas era uma decorrência das idéias do ensino daquele período era uma decorrência da falta de bons livros
humanistas divulgadas na Alemanha, bem como, parte da proposta da que instruíssem primeiramente os mestres e professores, uma vez que
Reforma que defendia o livre acesso às Escrituras. Somado ao estudo estes haviam se servido dos livros dos monges e sofistas. Por outro
das línguas, sua proposta escolar incluía o estudo das ciências, artes, lado, as artes e a línguas só estavam sendo recuperadas a partir de
jurisprudência, música22, matemática, e história. fragmentos e partes de livros antigos. Considerava as crônicas e os
Por meio destas disciplinas os jovens “conheceriam a história e compêndios de História os mais importantes, e aqui sua justificativa
a sabedoria do mundo inteiro, a história desta cidade, deste império, remonta à sua concepção da história como “mestra da vida”, mencio-
deste príncipe, [...] poderiam ter diante de si, [...] a natureza, vida, con- nada anteriormente. “Estes são maravilhosamente úteis para entender
selho, propósitos, sucessos e fracassos do mundo inteiro.” (id. ibid., p. o curso do mundo e para governá-lo, mas também para enxergar os
319). Mas, qual era sua concepção de História? milagres de Deus.” (id. ibid., p. 324).

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Além de um novo programa escolar, Lutero propôs também a apli- estudo não os impedisse de realizar suas atividades em casa ou apren-
cação de novos métodos de ensino que levassem em conta a natureza der algum ofício. Cabe lembrar que durante a Idade Média as crianças
da criança e do jovem. Relembramos aqui, de que foi no renascimento, freqüentavam as corporações de ofício, onde trabalho e aprendizagem
sob a influência do humanismo que, a infância com suas especificida- encontravam-se sobrepostos. Assim, ao se referir ao domínio de um
des, passou a ser valorizada. Por isso, eram necessárias abordagens ofício, o objetivo de Lutero era mostrar que o trabalho escolar, não
que correspondessem às concepções humanistas de adequação à deveria atrapalhar a educação prática do lar. Com relação à educa-
criança. Embora as propostas educacionais de Lutero se assemelhas- ção das meninas, já em 1520, declarava que cada cidade deveria ter
sem, em alguns aspectos, a de intelectuais humanistas, ele não se também uma escola de meninas. Nota-se que ele não fez restrição à
apresentava como tal. O estudo, então, deveria ser apresentado de educação feminina, defendendo o acesso à escola, a leitura, ao domí-
uma forma prazerosa, com dança, música, jogos, e brincadeiras que nio das Escrituras, mas lembremos que a visão era formar as meninas
lhes fossem próprias da idade. Em suas palavras, para cuidarem bem dos filhos e da casa. Embora, Lutero não fosse
a juventude tem que dançar e pular e está sempre à procura de inovador nesta questão, pois já havia nas maiores cidades escolas re-
algo que cause prazer. [...] Por que então não criar para ela escolas
servadas à instrução feminina, enfatizou sua importância para o bom
deste tipo e oferecer-lhes estas disciplinas? Visto que, pela graça
de Deus, está tudo preparado para que as crianças possam estu- desempenho familiar. Percebe-se mais uma vez, o caráter social da
dar línguas, outras disciplinas e História com prazer e brincando.
proposta reformada.
Pois as escolas de hoje já não são mais o inferno e purgatório de
nossas escolas, nas quais éramos torturados com declinações e As reformas educacionais de Lutero se originaram de seus contatos
conjugações, e de tantos açoites, tremor, pavor e sofrimento não com “as condições rapidamente mutantes que caracterizaram a década
aprendemos simplesmente nada. (id. ibid., p. 319).
de 1520 a 1530.” (EBY, op. cit., p. 51). Mesmo não sendo um educador
Desta forma, Lutero propunha uma educação mais lúdica, mais dedicado exclusivamente a esta causa, freqüentemente discutia sobre
agradável às crianças, contrapondo com a rigidez que havia experi- esta questão em seus discursos. Alguns anos após ter se dirigido às auto-
mentado em seu tempo de estudante. Opunha-se à severa disciplina, ridades municipais, por tratar a educação como uma questão de Estado,
às punições físicas por entender que o resultado maior que se conse- e que o mesmo deveria obrigar seus cidadãos a enviarem seus filhos à
gue por meio dela é um comportamento forçado. Por isso, na escola escola, Lutero o fez também aos pais, para que estes compreendessem a
não deveria haver “espaço para as punições excessivas.” (CAMBI, op. importância de investir da formação de seus filhos.
cit., p. 250). Como já foi mencionado, a infância, o período escolar e
3.2. Um conselho aos pais
monástico da vida de Lutero fora marcado por uma rígida disciplina.
O tempo de estudo deveria compreender uma ou duas horas para O envolvimento de Lutero num novo sistema educativo, registrado
os meninos e uma hora para as meninas, de forma que, o tempo de mais especificamente em “Aos conselhos”, não demorou a produzir alguns

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bons resultados. Algumas cidades como Eisleben, Magdeburg, Nürnberg, confirma, fortalece e ajuda a preservar a autoridade, toda a paz
secular, resiste aos sediciosos, ensina obediência, bons costumes,
entre outras reagiram positivamente às suas propostas de criar escolas.
disciplina e honra; instrui pai, mãe, filhos, empregados, em suma, a
Que motivos então, o levaram a se dirigir aos pais? Ele havia se deparado cada qual em função e estado secular. (id. ibid., p. 338).
com outro problema: a mentalidade dos pais que não viam sentido em
Assim, grande era este ministério e os pais poderiam contribuir
enviar os filhos à escola, uma vez que, não havia a garantia de futuras ati-
com todo este trabalho se enviassem seus filhos para estudar. É inte-
vidades profissionais, sobretudo, os meios de subsistência. Diante desta
ressante notar a visão de Lutero com relação ao estado clerical, uma
realidade, criticou a atitude dos pais que, em detrimento da escola, opta-
vez que via neste um extrapolar das questões da alma, adentrando em
vam por preparar seus filhos para atividades manuais e comerciais.
aspectos cotidianos, como a instrução de cada pessoa para os deve-
Uma nova civilização emergia, com outra forma de vida profissional,
res sociais. Neste sentido, era fundamental uma estrutura educacional
e até que novas maneiras de garantir a subsistência pudessem ser esta-
que, por meio do “auto-conhecimento,” formasse “indivíduos ativos na
belecidas e as escolas pudessem formar para os novos postos, os pais
sociedade.” (CAMBI, op. cit., p. 198).
não sabiam como educar seus filhos. (EBY, op.cit.). A intensidade deste
Para levar os pais a compreenderem o papel das escolas e a neces-
problema levou-o a dirigir-se aos pais, em 1530, por meio de “Uma prédi-
sidade de que seus filhos as freqüentassem, Lutero utilizou seu enten-
ca para que se mandem os filhos à escola”23, embora já tivesse abordado
dimento de que Deus atua nos dois estados, espiritual e secular, e para
este problema em “Aos conselhos”. Com “Uma prédica”, Lutero convo-
ambos eram necessárias pessoas preparadas. Ao escrever em 1524,
cou pastores e pregadores para se empenharem na tarefa de convencer
às autoridades municipais sobre seus deveres para com a instrução
os pais a encaminharem os filhos à escola. É importante ressaltar que,
pública, não estava isentando os pais da responsabilidade com relação
enquanto em “Aos conselhos”, sua atenção estava mais voltada para a
à mesma, pois educar era dever dos pais, uma vez que “o próprio man-
formação geral do povo, em “Uma prédica”, sua ênfase recaía sobre a
damento de Deus que estimula e exige com tanta freqüência, [...], que
formação de pastores e pregadores da Palavra, por considerar este minis-
os pais ensinem os filhos.” (LUTERO, op.cit., p. 307).
tério proeminente, embora continuasse valorizando a função secular.
Desta forma, procurava despertar a consciência de que os pais de-
Em sua concepção, era por meio do ministério pastoral e da prega-
veriam ser os primeiros a reconhecer a importância de ensinar as crian-
ção que “muitas almas são instruídas, convertidas, batizadas, livradas
ças. Chamava a atenção duramente com as palavras, “nenhum pecado
do pecado.” (LUTERO, op. cit., p. 338). Contudo, a ação pastoral não
exterior pesa tanto sobre o mundo e nenhum merece maior castigo do
se restringe à esfera religiosa, pois
que justamente o pecado que cometemos contra as crianças, quando
ensina e instrui todas as categorias sociais como se devem condu- não as educamos.” ( id. ibid., p. 307).
zir exteriormente em seus cargos e suas posições, para agirem com
justiça perante Deus. Pode consolar os tristes, aconselhar, inter- É interessante se perceber em Lutero o olhar do homem renascen-
mediar em casos de conflito, [...] reconciliar. [...] Pois um pregador tista sobre a criança e suas necessidades, de forma que, tratava a falta

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de compromisso com a instrução como “pecado contra as crianças.” Deus. [...] Queres usufruir diariamente a proteção, a paz e a justiça
do império e ter a disposição o ministério da pregação e a palavra
Quando se poderia até então, pensar desta maneira? Pecados eram
de Deus, para que te sirvam. ( id. ibid., p. 351).
cometidos contra Deus e contra a Igreja! Mas, na concepção de Lutero
os pais podiam sim, pecar contra seus próprios filhos, caso negligen- Em suas palavras, percebe-se uma repreensão aos pais pela ati-
ciassem a educação. tude passiva e cômoda de espera pelos benefícios da cidade, sem a
Entretanto, mesmo sendo um dever e um mandamento de Deus preocupação ou intenção de fazer algo que também contribuísse para
registrado nas Escrituras, Lutero não descartava a possibilidade de seu desenvolvimento, agindo como se essas questões fossem apenas
que nem todos os pais compreendiam o significado de educar e ensinar da alçada das autoridades. Em sua concepção, a maneira em que os
os filhos, pois alguns tinham as condições necessárias para fazê-lo, pais poderiam colaborar para a manutenção do império era mandando
porém não tinham consciência, preferiam enviar os filhos aos conven- seus filhos à escola para que os mesmos se tornassem pessoas aptas
tos. Outros, porque não haviam aprendido, também não sabiam como para conduzi-lo ao progresso. Assim como Lutero atribuiu um signifi-
fazer e outros ainda, mesmo com condições e aptos para a tarefa, cado religioso ao trabalho, entendendo-o como uma maneira de pres-
não possuíam tempo nem espaço em casa devido às demais tarefas tar culto a Deus, o fez também com relação à decisão e aos esforços
que lhes cabiam. Diante destas situações, o que fazer? E nas palavras empregados para que os filhos fossem instruídos. Isto ficava evidente
de Lutero “Quem o fará? Simplesmente não se fará e as crianças fi- quando comparava o encaminhar as crianças à escola com encaminhá-
cam negligenciadas? Por acaso as autoridades e o conselho querem las a Cristo. Neste sentido,
desculpar-se e dizer que isto não lhes diz respeito? ( id. ibid., p. 308). uma coisa é certa: quando se ajuda, estimula e encoraja crianças
Assim, se os pais nada fizessem a favor de seus filhos, as autoridades a irem à escola e ainda quando se contribui para tanto com dinhei-
ro e conselho para que isso se torne possível, a isso se chama,
deveriam fazer.
sem dúvida, ter levado e encaminhado os filhos a Cristo. Não
Em “Uma prédica”, Lutero rebatia a mentalidade de muitos, espe- estou me referindo a escolas de meretrício e casas de tolerância,
cialmente os pais, que não conseguiam ver o significado das escolas mas a escolas nas quais se educam jovens nas ciências, na dis-
ciplina e no verdadeiro culto a Deus, onde aprendem a conhecer
para além da vida religiosa, como se esta fosse a única maneira de ser
a Deus e sua palavra, para depois se tornarem pessoas capazes
útil à sociedade. No entanto, ser capaz de administrar bem uma cidade de governar igrejas, países, pessoas, casas, filhos e criadagem.
era algo útil e agradável a Deus, assim como, servi-Lo por meio da ( id. ibid., p. 330).
pregação da Palavra. Assim , argumentava:
Contudo, deixava claro que os filhos não deveriam ser encaminha-
Acaso não é servir a Deus quando se colabora na manutenção de dos a qualquer escola, numa crítica às universidades e conventos onde,
sua ordem e do regime secular? Tu, porém desprezas esse servi-
ço como se não te dissesse respeito, ou como se estivesses livre segundo ele, somente “se aprendeu a ficar burro, tosco e estúpido.”
perante todas as pessoas e não tivesses a obrigação de servir a ( id. ibid., p. 306). Mas, escolas que lhes instruíssem para o governo

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de todas as esferas sociais. Era veemente ao declarar que os pais o fez como um reformador religioso, e não como um professor univer-
seriam os responsáveis pelo estrago e desaparecimento dos estado sitário, embora sua experiência lhe desse conhecimento de causa. É
eclesiástico, bem como, estariam agindo contra a autoridade secular, preciso notar que suas considerações não estavam desvinculadas da
caso não enviassem seus filhos à escola. Convocava os pais a realiza- realidade vivida naquele período, pelo contrário, constituíam-se jus-
rem todo esforço e investimento, mesmo que tivessem que mendigar tamente respostas à situação em que se encontravam as escolas e a
o pão, pela educação dos filhos. Além do mais, Lutero apresentava a educação das crianças e jovens com o movimento da Reforma.
instrução como algo gerador de prazer, pois mesmo que uma pessoa
não ocupasse nenhum cargo oficial, o fato de ser instruída era motivo
4. CONCLUSÃO
de grande satisfação, pois podia, “ler toda sorte de literatura particu- A realização deste trabalho permitiu um olhar mais aguçado sobre
larmente em sua casa, conversar e relacionar-se com pessoas erudi- as “fermentações” ocorridas na Europa Ocidental do século XVI, mais
tas, viajar e fazer negócios em países estrangeiros.” (id. ibid., p. 351). especificamente sobre a esfera religiosa e cultural, na figura de Lute-
Mais uma vez, se evidencia nas palavras de Lutero, a atribuição de um ro e sua contribuição para a educação de seu tempo. Foi um período
significado muito amplo para a educação, que ia além de um estado de intenso, marcado por desafios e mudanças, em que o velho e novo
memorização e reprodução do conhecimento, mas que contemplava interagiam dentro da mesma estrutura social. O homem do século XVI,
um indivíduo mais capacitado, autônomo, participativo. Caso os pais já não se contentava mais com as explicações religiosas para as ques-
continuassem privando seus filhos da escola, tões da vida, que até então haviam sido suficientes. O mundo laico
as autoridades têm o dever de obrigar os súditos a mandarem seus começava sobrepor-se ao mundo religioso e os anseios por renovação
filhos à escola. [...] Se podem obrigar os súditos capazes a car- circulavam em todos os âmbitos da sociedade
regar lanças e arcabuzes, escalar os muros e outras coisas mais
que devem ser feitas em caso de guerra, quanto mais podem e A Igreja Católica, que desde o século V, se apresentava como
devem obrigar os súditos a mandarem os filhos à escola. ( id. ibid., centro de unificação da Europa, desgastada por anos de imoralidade,
p. 362).
corrupção, apatia espiritual, viu suas bases ameaçadas pela Reforma
Com estas palavras, constata-se em Lutero a defesa da obriga- Religiosa ocorrida na Alemanha, com Martinho Lutero. Ao denunciar os
toriedade da educação. Segundo Eby, “esta exigência de educação desmandos da Igreja, Lutero trouxe à tona as inquietações que de lon-
compulsória baseava-se no bem-estar público. Pessoas bem educadas ga data se faziam sentir. Por isso, não foi inovador em sua proposta de
dão melhores servidores civis, juízes, médicos, pastores e súditos mais reforma, pois outros membros do próprio clero já haviam expressado
obedientes.” (EBY, op.cit., p. 62). Como já foi abordado anteriormente, esta necessidade no interior da própria Igreja, contudo sem êxito. Mas,
algumas das propostas educacionais de Lutero encontravam suas ra- a Reforma encontrou no século XVI, um ambiente que lhe proporcionou
ízes nos ideais humanistas. Ao pronunciar-se a respeito da educação, uma receptividade não encontrada em séculos anteriores.

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A sociedade do tempo de Lutero se apresentava mais autônoma concepção sobre a mesma. Para Lutero, a educação não deveria estar
economicamente com a retomada do comércio e politicamente, com o atrelada, como havia sido a ênfase das escolas medievais, somente à
surgimento dos Estados Nacionais e conseqüentemente, do processo formação de homens para o estado religioso, porque Deus também
de fortalecimento das autoridades civis. No campo cultural, as idéias agia no estado secular. Desta forma, o desenvolvimento e o progresso
humanistas circulavam nas universidades e academias contrapondo-se de uma cidade estavam diretamente ligados à formação de seus cida-
à escolástica medieval, provocando a emancipação da mentalidade da dãos, uma vez que, pessoas bem preparadas governariam melhor suas
visão religiosa sobre o mundo e o próprio homem. Desta forma, o ho- cidades, seriam melhores cidadãos, súditos mais obedientes, pasto-
mem passava a conduzir sua própria história. Socialmente, uma nova res mais instruídos na Palavra, médicos e juristas mais qualificados.
classe passava a interagir de forma mais efetiva na vida das cidades: a O trabalho deixava de ter uma conotação negativa e passava a ser
burguesia. Foi nesta sociedade mais laica, racionalista e individualista, visto como uma forma de dignificar a Deus. Assim, ao conferir-lhe um
contudo, não menos religiosa - pois o desejo por uma religião mais pes- significado divino, Lutero serviu à lógica capitalista emergente.
soal se fazia sentir entre os cristãos - que a Reforma ganhou espaço. Percebeu-se no pensamento de Lutero que o maior bem que pais
O êxito obtido por Lutero na divulgação de sua doutrina se deu porque e autoridades poderiam fazer a seus filhos e à sua cidade era propor-
ele encontrou apoio nas autoridades civis, ávidas por romper com o cionar educação de qualidade a suas crianças e jovens. Sua ênfase
domínio da Igreja Católica sobre a sociedade. recaía na criação de boas escolas, numa proposta para que as mes-
Através das leituras, foi possível notar em Lutero uma figura um mas respondessem aos apelos da vida prática, pois os anos de estu-
tanto quanto controvertida, à medida que transitava entre o medieval do anteriores, pouco haviam contribuído para isso. À formação deste
e o moderno. Por um lado, havia nele um pessimismo medieval em rela- homem mais ativo na sociedade, requeria-se a criação de escolas que
ção à natureza do homem, e uma visão de que apenas alguns foram os promovessem um ensino diferenciado, mais autônomo e mais crítico.
escolhidos por Deus. Por outro, suas idéias se aproximavam dos huma- Isto contrapunha a educação que até então, havia sido dispensada pela
nistas de seu tempo, como o individualismo por meio da interpretação Igreja Católica: um ensino memorizado, reprodutivo, que não oferecia
da Bíblia, a ênfase no pensamento crítico, o racionalismo através de abertura para novas descobertas, experiências e pensamentos que
uma igreja a serviço da vida secular. questionassem sua doutrina e comportamento.
Assim sendo, como um homem de seu tempo, revelou por meio de Por outro lado, verificou-se desde o início, nas propostas de re-
seus escritos, uma preocupação com as questões que se impunham forma de Lutero, a defesa de que o homem consultasse diretamente
à vida cotidiana, dentre as quais se encontrava a educação. A crise os textos sagrados, o que implicava a cada um, a busca por conhe-
vivida pelas escolas religiosas após a Reforma foi alvo de sua particu- cimento. A leitura das Escrituras, sem a intermediação das autori-
lar atenção. A análise de seus escritos sobre a educação revelou sua dades religiosas impunha ao homem, o desenvolvimento de suas ha-

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bilidades de interpretação. Sua proposta de criação e manutenção seus filhos. O apoio nas Escrituras deu legitimidade a seu discurso
de escolas que reformulassem seus programas, que investissem no e os resultados foram sentidos nas escolas alemãs.
estudo das línguas clássicas, em boas obras para suas bibliotecas, Debruçar-se sobre o pensamento educacional de Lutero consti-
que desenvolvessem novos métodos de ensino e considerassem a tuiu-se num trabalho muito instigante, onde novos questionamentos
natureza de seus alunos, era uma proposta de escola que produtora surgiram. Como as escolas reformadas foram organizadas na Alema-
de conhecimento e, portanto, de auto-conhecimento. Lutero trouxe nha, a partir das propostas de Lutero? Como o calvinismo assimilou o
a responsabilidade destas escolas para a esfera secular, chamando pensamento educacional de Lutero? Este trabalho contemplou apenas
a atenção para a educação como um imperativo ao Estado, embora para algumas questões da proposta reformada de educação e foi ape-
reconhecesse que era dever dos pais empenhar-se pela educação nas o começo de futuras pesquisas.
de seus filhos, por se tratar de um mandamento divino. Mas, da
mesma forma, tinha consciência de que muitos pais permaneciam FONTES
com a velha mentalidade de enviar os filhos à escola com o intuito
LUTERO, Martinho. Educação e reforma. São Leopoldo: Sinodal/ Por-
de garantir sua subsistência, por meio dos cargos religiosos. Diante
to Alegre: Concórdia Editora, 2000.
desta realidade, foi enfático em sua argumentação de que competia
às autoridades civis intervir junto aos pais, obrigando-os a encami- LUTERO, Martinho. Aos conselhos de todas as cidades da Alemanha
nharem seus filhos à escola. para que criem e mantenham escolas cristãs. In: Comissão Interlutera-
Notou-se em Lutero uma proposta de criação de escolas para na de Literatura. Obras Selecionadas de Martinho Lutero, vol. 5, São
a formação de homens para as cidades, e o viver nas cidades im- Leopoldo: Sinodal/ Porto Alegre: Concórdia Editora, 2000.
plicava na sujeição às autoridades. Assim, buscou na Bíblia a legi-
timação do poder civil, uma vez que Paulo escreveu aos Romanos LUTERO, M. Uma prédica para que se mandem os filhos à escola. In:
que todo homem deve estar sujeito às autoridades superiores e da Comissão Interluterana de Literatura. Obras Selecionadas de Martinho
mesma forma respaldou no texto bíblico, o dever dos pais ensinarem Lutero, v. 5, São Leopoldo: Sinodal/ Porto Alegre: Concórdia Editora,

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2000.

notas de rodapé
1
Refere-se a preceitos educacionais porque neste período não havia ainda um sistema escolar nos moldes como hoje é concebido.
2
A prática das indulgências remonta ao século XI. A princípio elas envolviam somente as penas impostas pela Igreja aqui na terra, abrangendo
posteriormente às do purgatório e as que diziam respeito a pessoas já falecidas. As indulgências eram entendidas como a remissão, por parte
da Igreja, de uma pena imposta ao penitente, após ele ter confessado e sido absolvido. Desta forma, a indulgência não era aplicada antes da
confissão e da absolvição. Porém, facilidades foram associadas à aquisição das mesmas, o que levou alguns a acharem que a indulgência dava
cobertura aos pecados que ainda seriam cometidos. (LIENHARD,1999).
3
O termo Corte refere-se ao local, ou seja, ao extenso império que compreende a morada do príncipe e seus descendentes, bem como, ao grupo
de pessoas que a constituem. Para Norbert Elias (2001), esta instituição é definida como uma “configuração social” definida pelas relações so-
ciais que lhe são próprias, envolvendo os seguintes elementos: ordem hierárquica e rígida etiqueta. A Corte agregava em si tanto a esfera pública
quanto a privada, servia à administração do Estado e era a residência do rei. (ELIAS, 2001).
4
A burguesia deste período não possuía a mesma conotação que possui hoje. Compreendia geralmente os comerciantes, mas abrangia também,
os mestres das principais corporações de ofício existentes em cada burgo. Essa burguesia urbana dedicou-se ainda muito cedo em garantir sua
autonomia, bem como a de suas cidades, em relação aos seus senhores, quer fossem leigos ou eclesiásticos. ( FALCON, op. cit.).
5
Delumeau define o renascimento como “a promoção do Ocidente numa época em que a civilização da Europa ultrapassou, de modo decisivo,
as civilizações que lhe eram paralelas. (...) Entre 1320 e 1450 abateu-se sobre a Europa uma conjunção de desgraças: privações, epidemias,
guerras, aumento brutal da mortalidade, diminuição de metais preciosos, avanço dos Turcos; desafios esses que foram vencidos com coragem
e com gênio. A história do Renascimento é a história desses desafios e dessas respostas. A crítica do pensamento clerical da Idade Média, a
recuperação demográfica, os progressos técnicos, a aventura marítima, uma estética nova, um cristianismo reelaborado e rejuvenescido: eis os
principais elementos da resposta do ocidente às tão variadas dificuldades que no seu caminho se haviam acumulado.” (DELUMEAU, 1983, p.
20,21, a). Para Mousnier, o renascimento foi um florescimento da vida em todos os sentidos, e embora suas maiores expressões tenham se dado
entre 1490 a 1560, não ficou restrito a este período. Um fluxo de vitalidade levantou a sociedade européia, transformando toda a civilização. Esse
vigor “renovou a vida da inteligência e a dos sentidos, o saber e a arte.” (MOUSNIER, op.cit., p. 2).

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6
A cultura humanista que floresceu nas cidades italianas entre os séculos XIV e XV, expressou-se principalmente no âmbito das disciplinas “mo-
rais”, por meio do retorno aos autores clássicos. Concretizou-se nos métodos educativos das escolas de gramática e de retórica; contribuiu para
a formação das autoridades das cidades, fornecendo-lhes técnicas políticas mais avançadas. Também serviu para formular programas, definir
“idéias” e desenvolver uma concepção da vida e do significado do homem na sociedade. Entre os séculos XIV e XVI, os humanistas, substituíram
o caminho sem perspectiva da conjuntura medieval por novas exigências, e novos impulsos. Abriram-se novas perspectivas diante de questões
que até então, haviam permanecido sem resposta. Surgiam novas posições para se entendera realidade. ( GARIN, 1996).
7
A escolástica compreendia o método de estudos empregado nas universidades medievais. Visava à conciliação entre fé e razão, de maneira a se
apresentar os conteúdos da fé numa forma racional. A razão era considerada serva da fé, por isso não podia sobrepô-la. Este método partia do
princípio da tradição ou dos “textos com autoridade”, os quais eram as Escrituras, as decisões dos concílios e as declarações dos pais da Igreja.
A partir da lógica aristotélica, a razão deveria harmonizar estes textos entre si. ( DEFREYN, 2005).
8
O alemão Johannes Gutenberg tornou-se famoso, quando no final do século XV, inventou a impressão com tipo móvel. O primeiro livro impresso
do mundo foi a Bíblia, cujo processo começado em 1450, foi concluído em 1455. “Os germânicos foram rápidos em explorar as novas possibili-
dades para livros religiosos, especialmente Bíblias, e obras de referência, mas também escassos textos clássicos.” (JONHSON, 2001, p. 27-28).
Mesmo os italianos não sendo os primeiros no livro impresso, logo obtiveram a liderança na nova tecnologia devido sua grande indústria de
fabricação de papel, a experiência na impressão em blocos e a forte tradição de scriptorium.
9
As escolas catedralícias localizavam-se em centros populosos e a princípio formavam sacerdotes, mas com o tempo passaram a preparar me-
ninos que desejavam alcançar posições elevadas na Igreja, no Estado ou nas atividades comerciais. Nelas os jovens podiam aprender o trívio e
o quadrívio. As escolas paroquiais ou colegiadas eram escolas nas igrejas da paróquia, sob a autoridade de um bispo. Espalhadas pelas cidades
e campos iniciavam às crianças a leitura em latim, o cálculo e o canto. O mesmo ocorria com as escolas das capelas que possuíam um trabalho
elementar semelhante ao realizado nas escolas catedralícias, os mestres eram os padres, cujo sustento provinha de doações para a celebração
de missas pelas almas dos doadores e para a instrução dos meninos pobres. Como a música despertava um interesse permanente na Igreja, prin-
cipalmente depois que Gregório introduziu o canto gregoriano, todas as igrejas desde as catedrais até as capelas paroquiais, possuíam escolas
de canto. (EBY, 1970).
10
A excomunhão era a mais rígida punição espiritual, pois o condenado era cortado da comunidade cristã. Este castigo poderia ser aplicado pelo
Papa em qualquer lugar do mundo e pelo bispo em sua diocese a toda pessoa que se recusasse a fazer penitência de seus pecados e submeter-se
à autoridade eclesiástica. Já o interdito era uma sentença aplicada à uma comunidade inteira e implicava no fechamento dos edifícios da Igreja,

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não se realizando nenhum ofício religioso, e nenhum sacramento era administrado, com exceção da extrema unção, fundamental para a salvação
da alma. ( SAVELLE, op.cit.)
11
Erasmo de Roterdã, nascido em 1466, na Holanda, cursou o seminário com os monges de Santo Agostinho, contudo, optou por uma vida aca-
dêmica, que o permitiu percorrer as principais universidades européias. Foi considerado o “príncipe dos humanistas” e um contundente crítico da
Igreja Católica. Em sua principal obra, o Elogio da Loucura, defendia a tolerância e a liberdade de pensamento, e denunciava as ações da Igreja.
Entretanto, também endereçou seus ataques ao movimento protestante de Lutero. (Collinson, op.cit.)
12
O Cisma do Ocidente foi uma ruptura que ocorreu na Igreja Católica Romana entre 1378 a 1417. Neste período a Igreja teve dois papados:
um em Roma e outro em Avinhão, na França. De 1309 a 1377 a residência do Papa foi alterada de Roma para Avinhão. A residência do Papa foi
transferida novamente para Roma em 1377, por Gregório XI que faleceu no ano seguinte, enquanto outro papa era eleito em Avinhão. A Europa
católica acabou dividindo-se em duas: França, Escócia, Castela, Aragão e Nápoles posicionaram-se a favor de Clemente VII enquanto que os
outros países se colocaram a favor do italiano Urbano VI. Neste período, os pontífices obstinados e os dois sacros colégios excomungavam-se
mutuamente e buscavam apoio de países e reis. Após um longo período de disputas, o Concílio de Constança conseguir pôr fim ao Cisma, ele-
gendo Martinho V e afastando os reclamantes. (DELUMEAU, op. cit., a; SAVELLE, op.cit.).
13
Congregação fundada em 1381, pelo diácono Geert Groot, em Deventer. Esta comunidade começou com a vida comunitária de clérigos pobres
que tinham tudo em comum, exerciam o apostolado entre leigos e eclesiásticos, e obtinham o sustento através da cópia de manuscritos. Padres
e leigos viviam em comunidade, todos liam a Sagrada Escritura, os clérigos faziam sermões, e todos rezavam na língua vulgar e não no latim
tradicional. ( NUNES, op. cit.).
14
Vanderlei Defreyn, graduado em Teologia e História, Mestre em Teologia, é autor de A tradição escolar luterana: sobre Lutero, educação e a
história das escolas luteranas até a Guerra dos Trinta Anos.
15
Os nominalistas negavam a existência de “universais”. Para eles o conhecimento de Deus era uma questão de fé, e não da razão. Ensinavam
que aquilo que se sabia sobre Deus decorria do que Ele queria mostrar. (COLLINSON, op.cit.).
16
O trívio compreendia a gramática, dialética e a retórica, já o quadrívio, geometria, aritmética, música e astronomia.
17
Estudante de direito do norte da Itália, Pedro Lombardo foi para Paris estudar teologia, por volta de 1140, direcionado por São Bernardo. Aí
ensinou a disciplina por quase vinte anos, tornando-se em 1159, Bispo de Paris. Sua obra, o Líber Sententiarum ( quatro livros de sentenças) de
1150, tornou-se por séculos o compêndio clássico de teologia. Nela consta uma exposição da organização eclesiástica bem como, uma síntese
dos conflitantes argumentos teológicos.

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18
Lázaro Spengler, secretário da cidade de Nuremberg, foi um dos primeiros a redigir a seu favor, afirmando que Deus havia levantado Lutero em
defesa dos alemães. (LIENHARD. op.cit.).
19
Assembléia Legislativa que reunia todas as forças políticas da Alemanha, convocada pelo imperador, com a finalidade de discutir assuntos de
interesse civil e religioso.
20
Após a partida de Lutero, porém na presença de muitas pessoas notáveis da Dieta, dentre eles o príncipe-eleitor da Saxônia, o imperador
ordenou a publicação do documento que bania Lutero do Império bem como, a destruição de todas as suas obras. (LIENHARD, op.cit.)
21
Este manifesto foi publicado em Wittenberg por Lucas Cranach, em janeiro ou fevereiro do referido ano. Foi reeditada muitas vezes em várias
cidades da Alemanha, no século XVI. O texto em alemão encontra-se nas principais edições das obras de Lutero, que foram traduzidas para o
inglês, espanhol e outras línguas modernas. Segundo Beck, é tida como um “clássico da história da educação. Abriu caminho para a disseminação
do ginásio humanista cristão em toda Europa. (BECK, Nestor L. J. Introdução. In: LUTERO, Martinho. Aos conselhos de todas as cidades da Ale-
manha para que criem e mantenham escolas cristãs. In: Comissão Interluterana de Literatura São Leopoldo. Obras Selecionadas. São Leopoldo:
Sinodal/ Porto Alegre: Concórdia Editora, 1995.
22
No programa escolar da Idade Média, a Música estava integrada à Matemática. De acordo com Eby, o amor de Lutero pela música e seu desejo
de incluí-la no programa escolar suplantou a outros reformadores.
23
“Uma prédica para que se mandem os filhos à escola” reúne num só escrito, várias prédicas que Lutero havia feito em Wittenberg. Foi redigido
na fortaleza de Coburgo em junho/julho do referido ano e publicado por Nickel Schirlentz em agosto do mesmo ano. Lutero, banido do Império,
não acompanhou a comitiva do Eleitor da Saxônia à dieta de Augsburgo, ficando na fortaleza de Coburgo, na extremidade sul dos territórios do
Eleitor. Deste local seguro e relativamente próximo, prestava assessoria ao Eleitor através de cartas, durante as deliberações da assembléia

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imperial. ( BECCK, Nestor L. Introdução. In: LUTERO, Martinho. Aos conselhos de todas as cidades da Alemanha para que criem e mantenham
escolas cristãs. In: Comissão Interluterana de Literatura São Leopoldo. Obras Selecionadas. São Leopoldo: Sinodal/ Porto Alegre: Concórdia
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