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INSTITUTO DE ECONOMIA
Campinas
2017
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE ECONOMIA
Campinas
2017
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE ECONOMIA
Defendida em 28/09/2017
COMISSÃO JULGADORA
A graça, o colorido e a energia que obtive para essa minha jornada de pesquisa e elaboração
da tese se devem, em grande parte, ao encontro e convivência que tive com mulheres,
encaminhando a elas meus agradecimentos em primeiro lugar. As mulheres da FACAMP, da
UNICAMP, as mães da escola das crianças, as mulheres da luta política e de outros âmbitos
que me mostraram a força que a sororidade e o feminismo possuem para sustentar e ampliar
a potência de vida. Vou citar algumas aqui, ciente de que não explorarei todo esse universo
poderoso de mulheres com quem encontrei e com quem convivi.
À minha avó Zenaide, de quem ainda guardo as memórias muito frescas de um grande
exemplo de autonomia e coragem, agradeço.
À minha mãe, Lela, minha profunda gratidão pelo apoio fundamental e permanente, pelos
cuidados zelosos sem igual às crianças e a mim e ao atendimento imediato dos pedidos de
socorro por tantos anos. Estendo aqui também meus agradecimentos pela presença
constante e carinhosa da Fer, irmã e dinda querida, e da Miriana, irmã agregada que trouxe à
vida minha sobrinha, Giovana, tão esperada.
À Laura da Silva Pereira Cruz, meu braço direito, meu braço esquerdo... Meus infinitos
agradecimentos e toda a minha admiração pela sua inteligência, otimismo e sabedoria.
À Adriana Nunes Ferreira, minha orientadora, da tese e da vida. Sequer nosso apelido
carinhoso consegue revelar a profundidade e a verdade de meus sentimentos por ela.
Agradeço-a pela leitura cuidadosa desta tese e as conversas subsequentes, pela coragem de
ter me aceitado como orientanda em condições sensíveis, por importantes aprendizados que
obtive em trabalhos de pesquisa conjuntos, pela companhia e ajuda nos cuidados com as
crianças, e pelas perspectivas de longa e feliz parceria e amizade que temos à frente.
À profa. Liana Aureliano, diretora da FACAMP, cuja história e atuação me é sempre muito
inspiradora.
Às professoras Ana Lúcia Gonçalves da Silva, Lia Hasenclever, Adriana Marques da Cunha e
Marina Szapiro que aceitaram compor a mesa da defesa. Desde já, meus agradecimentos.
Também agradeço pelo trabalho conjunto com Ana Lúcia e Adriana nas pesquisas no âmbito
do Núcleo de Economia Industrial e da Tecnologia (NEIT) da UNICAMP, onde pude exercer o
ofício da investigação acadêmica em diversos trabalhos setoriais.
À querida amiga Simone de Deos que, na coordenação da pós-graduação em Ciências
Econômicas do Instituto de Economia (IE), com sua postura firme e amorosa, me apoiou em
momentos cruciais do meu religamento e reinserção ao programa de doutoramento. Em
nome dela, agradeço às mulheres das secretarias e departamentos da Unicamp (Camila
Ventura, Tânia Ribeiro, Conceição Ishiko de Oliveira e tantas mais) cujo apoio de excelência é
fundamental para viabilizar o trabalho de pesquisa e de estudos.
Às professoras e doutorandas do IE, e de outros centros de Economia e de Ciências Sociais,
que muito me inspiram para seguir na participação altiva no debate acadêmico e político e
para a luta por uma universidade em que assédio e discriminação de raça e gênero sejam
duramente combatidos. Nesse sentido, agradeço à grande mestra Maria da Conceição
Tavares, e estendo a Eugênia Trancoso, Margarida Baptista, Angela Kageyama, Adriana Nunes
Ferreira, Ana Lúcia Gonçalves da Silva, Simone de Deos, Carolina Baltar, Rosângela Ballini,
Daniela Prates, Mariana Fix, Eliana Ribeiro da Silva, Ana Rosa Ribeiro, Rosana Corazza, Eliane
Rosandinski, Ana Luiza de Oliveira, Fernanda Ultremare, Lídia Ruppert, Beatriz Mioto, Fabiana
Rodrigues e tantas mais.
Às amigas da FACAMP, Maria Fernanda C. de Melo, Sulamis Dain, Andréia Aureliano, Célia de
Godoy, Marina Magalhães, Marília Bassetti, Olívia Mattos, Juliana Filletti, Juliana Cajueiro,
Sofia Lasnik, Georgia Sarris, Tânia Gandolfo, Maria Piñon, Tatiana Maranhão, Cláudia
Hamasaki, Beatriz Bertasso, Débora Alves, Adriana Quartarola, Marília Tunes, Fernanda
Serralha, Carla Corte, Juliana Sabbatini, Adriana Braga e Luciana Garcia Ruiz agradeço pelas
risadas escandalosas que com elas pude compartilhar sem censura, pelas perspectivas de mais
momentos de união nas “sarjetas” da vida, e pelas necessárias conversas que temos sobre
política, economia, diversidade e gênero. Obrigada, manas. Com a Nanda, ainda tive a
oportunidade de compartilhar as agruras da elaboração de uma tese em um momento de
ruptura política de grande envergadura no Brasil. A nossa convivência, que alternou a
biblioteca com as ruas e com os bares, revelou-se a fórmula perfeita para equilibrar a solidão
do isolamento e a vibração coletiva pela luta democrática. Obrigada, companheira.
Às amigas sempre presentes de Campinas e de Rio Preto, agradeço pela compreensão pelas
inúmeras ausências da “amiga que faz tese” há tantos anos e pela ajuda essencial na rede que
formamos para cuidarmos umas das outras e das crianças. Lara Aued, Carolina Beolchi, Mila
Anselmo, Ana Pirola, Letícia Ribeiro, Ana Cecília de Albuquerque, Juliana Braga, Priscila
Monsanto, Graziela Ares, Mariana Borsoi, Marisa Borsoi, Carolina Marques, Ana Paula Lima,
Marília Ferraz, Helena Overmeer, Bárbara Juarez, Fabiana Rodrigues, Stella Godoy, Vivian
Marsigan, Mércia Grecco, Doraci Lopes, Tânia Ribeiro, Uli Ulrike, Andréia Galvão, Jaqueline
Desbordes e tantas mais, saibam que, em breve, para antigos e novos projetos e encontros,
estarei de volta.
À Cristina Nardi, pelo divã e pelas necessárias horas de desassossego da mente, agradeço.
À Fabiana Menezes Andrade, meus agradecimentos pelas consultas periódicas sobre dúvidas
nas citações bibliográficas e pela sua preciosa revisão nesse campo. Estendo aqui a gratidão a
todas as funcionárias da FACAMP, cujo apoio e assessoria são tão essenciais ao trabalho de
docência e pesquisa que realizamos.
Às minhas alunas, com quem permanentemente aprendo, agradeço pela inteligência e
ensinamentos das novas gerações.
Também devo registrar que estive acompanhada nesta jornada por homens que muito me
inspiram, ao lado dos quais me orgulho de continuar a caminhar.
Ao meu pai, Moca, agradeço o gigantesco apoio e sua fundamental presença alegre e
carinhosa na minha vida e das crianças. Ao meu irmão, Guilherme, agradeço a companhia
fraterna e a atenção de pediatra-tio 24 horas. Ao meu cunhado, Carlos, por permitir a
ocupação de seu escritório e casa em momentos cruciais de isolamento que a elaboração da
tese exigiu.
Agradeço aos professores João Manuel Cardoso de Mello e Luiz Gonzaga Belluzzo, pelos
ensinamentos, pela minha formação em Economia, pelos exemplos de honestidade
intelectual e de busca permanente por uma Ciência Econômica humanizada para quem o
desemprego e a fome jamais serão concebidos como males necessários a um programa de
“ajuste econômico” e sim como sinônimos de dor, sofrimento e violência extremada,
injustificáveis sob quaisquer condições. Uma concepção crítica da Economia convencional
também me foi apresentada por outros professores do Instituto de Economia da UNICAMP,
como Luciano Coutinho, Paulo Baltar, José Carlos Braga, Carlos Alonso de Oliveira e Márcio
Pochmann, que só puderam exercer sua autonomia intelectual e seguir com uma agenda de
pesquisa heterodoxa por estarem em uma Universidade pública, em defesa da qual
permanecerão eternamente também minhas ações de militância.
Ao Professor Luiz Gonzaga Belluzzo, para quem se encaminham tantas demandas políticas e
acadêmicas pela sua importância como economista, humanista e homem político no Brasil e
no mundo, agradeço também pela participação na banca de defesa.
Ao Rodrigo Sabbatini, meus agradecimentos pela companhia de tantos anos de profissão. Em
seu nome e do professor Waldir Quadros, também agradeço todo o apoio que a FACAMP me
proporcionou para a execução deste trabalho. A partir deles também agradeço a companhia
prazerosa em seminários, intervalos, pizzas, almoços e botecos dos companheiros Éder Luiz
Martins, Fábio Iaderozza, Márcio Sampaio, Tarso de Melo, José Augusto Ruas, José César
Magalhães, Ricardo Buratini, Marcelo Manzano, Lucas Janonni, James Onnig, Jorge Carreta,
Alessandro Ortuso, Edilson Adão, Davi Antunes, Daniel Hofling, Comandante Cunha Couto,
Pedro Junior, Rubens Sawaya, Lício da Costa Raimundo, Saulo Abouchedid, José Antônio
Siqueira e tantos outros.
Aos amigos do NEIT, Marco Antonio Rocha, Fernando Sarti, Célio Hiratuka, Mariano Laplane,
Miguel Bacic, Renato Garcia, Paulo Fracalanza e Marcos Barbieri, agradeço pela amizade, pelo
compartilhamento de seus conhecimentos e pelo ensinamento de que o trabalho de pesquisa
de qualidade se faz de forma coletiva e com perspectivas de transbordamentos reais à
sociedade. A Célio e a Rodrigo Sabbattini agradeço também por aceitarem a participação na
banca de defesa. Ao Célio, ainda preciso agradecer pelo seu apoio na Coordenação da Pós-
Graduação do IE.
A outros amigos e professores do IE, José Maria da Silveira, André Biancareli, Pedro Rossi,
Bruno de Conti, Antônio Carlos Diegues, Denis Gimenez, Giuliano de Oliveira, Pedro Paulo
Bastos, agradeço a companhia e encaminho meus desejos de vida longa ao debate acadêmico
de elevada qualidade e crítico às tentativas de apropriação das Ciências Econômicas pela
classe econômica brasileira e mundial rentista e conservadora. Em nome deles, estendo meus
agradecimentos a todo corpo de funcionários e de docentes do Instituto de Economia, que
ofereceram o apoio institucional e uma infraestrutura de excelência para pesquisa e estudo.
A Ettiene Marie Piguet, a Clelio Berti e ao Gatti, agradeço as curas da mente e do corpo.
Aos meus alunos, agradeço pelas indagações pertinentes que me fazem continuamente
refletir e aprender.
A Pedro Miranda, meu amigo de momentos tão importantes, agradeço pelo que aprendi e
vivo aprendendo com ele sobre a vida: curta que é, para que seja sofrida, e longa para o que
podemos dela aproveitar. Não para nós mesmos, mas para a construção de um mundo com
mais amor e de básica justiça. Agradeço muitíssimo a ele também pelas leituras e conversas
essenciais sobre a estruturação desta tese.
Ao Marco, que me conheceu neste crítico e chato momento de elaboração de tese, agradeço
o companheirismo, os muitos momentos prazerosos e o otimismo apaixonante. Também
agradeço pela sua preciosa leitura e comentários para este trabalho.
Por fim, gostaria de agradecer, em especial, a três pessoas, a quem dedico esta tese.
À minha eterna mestra, Maria Carolina Azevedo Ferreira de Souza, nossa Carol. Eu não
conseguiria relatar em poucas linhas a riqueza e diversidade da minha trajetória com ela,
primeiro como aluna, depois como estagiária e seguindo como orientanda de monografia, de
mestrado, de doutorado e como parceira de pesquisa no NEIT. Seguimos tanto tempo juntas
porque assim nos era muito bom. Muitas vezes, em situações difíceis, com prazos apertados
para relatórios ou por restrição de recursos para pesquisa, ela me chamava de “companheira
de infortúnios”, mas nada parecia tão ruim ou desesperador quando ela seguia firme na
coordenação dos projetos de pesquisa ou das aulas que com ela ministrei. Carol sempre me
estimulou a sucedê-la nas disciplinas mais ligadas à Economia das Empresas, mas
compreendia que meu interesse frequentemente desequilibrava e pendia para o lado da
Economia Política ou para as discussões de Economia Brasileira, envolvendo a
Macroeconomia. Assim, como uma verdadeira mestra, me oferecia irrestrita liberdade para a
escolha dos temas e metodologias de pesquisa acadêmica e aulas que com ela eu
desenvolveria. Também por isso, mantivemos essa relação de longa e feliz duração.
Carol deixou-nos antes que eu e ela pudéssemos terminar esta tese. No entanto, tendo
certeza de que o que é belo vive eternamente, sei que ela continou e continua a me orientar,
com a mesma sabedoria e generosidade ímpares de sempre. A você, agradeço por esta tese,
Carol. Sigamos juntas.
As outras duas pessoas a quem agradeço profundamente são a Titi e Dedé, minha filha e meu
filho, que tiveram uma paciência e compreensão descomunais nesses últimos dois anos com
uma mãe nervosa, preocupada e, não poucas vezes, ausente. No amor que nos une, recria-se
diariamente a força para a vida e para a busca permanente por um mundo em que reinem a
justiça e a igualdade. Beatriz e André, agradeço por esta tese. Sigamos junt@s.
RESUMO
Este trabalho tem por objetivo analisar a articulação entre Estado e grande capital para o
revigoramento da competitividade do setor petroquímico nos EUA. Esses dois atores foram
cruciais na emergência, estruturação e consolidação da extração e produção de gás natural
proveniente das rochas de shale. Com essa nova fonte, aumentou-se consideravelmente a
oferta dos hidrocarbonetos extraídos dos poços gasíferos (metano, etano e propano,
principalmente), fornecendo à indústria petroquímica matéria-prima e energia abundante e a
baixos preços. A perspectiva da continuidade desse cenário no médio prazo alterou,
positivamente, o cálculo de rentabilidade dos projetos de investimento no setor nos EUA. A
matéria-prima de baixo custo aliou-se a outros atributos de competitividade de que dispõem
as empresas investidoras, quais sejam, a elevada escala, a integração física e patrimonial com
o elo produtor de insumos, a capacidade de pesquisa, de produção de petroquímicos de alto
valor adicionado e de internacionalização produtiva. No caso brasileiro, embora o setor tenha
conquistado, nos anos 2000, parâmetros de competitividade mais próximos das referências
internacionais, o movimento atual de saída da Petrobras da sociedade com a maior empresa
petroquímica nacional retira não somente alguns instrumentos públicos de coordenação,
financiamento e fornecimento de competências ao setor petroquímico brasileiro, como
também desintegra um elo fundamental do setor que é seu vínculo com o setor petrolífero,
produtor da matéria-prima. Essas duas consequências vão na direção contrária do que a
experiência exitosa (em termos econômicos) dos EUA demonstra.
Palavras-chave: Indústria petroquímica. Shale gas. Gás de folhelho. Braskem. Petrobras.
Cadeia Petroquímica. Articulação Estado e grande capital. Gás Natural. Nafta.
ABSTRACT
This thesis aims to analyse the articulation between the State, the major companies and the
financial markets for the improvement of competitiveness in the petrochemical industry in
The United States (USA). These actors were crucial in the emergency, structuring and
consolidation of the extraction and production of the natural gas provenient from the shale
rocks. With this new source, the supply of the hydrocarbons extracted from the gas wells
(methane, ethane and propane, mainly) raised considerably, providing the petrochemichal
industry abundant raw material and energy at low cost. The perspective of continuity of this
cenarium in the medium term altered positively the calculation of the profitability of the
investment projects in USA. The low cost raw material was allied to other competitiveness
attributes of the companies, such as high scale, physical and ownership integration with inputs
producers, research capacity in the production of high value added petrochemicals and
productive internationalization. In the Brazilian case, eventhough the sector has achieved, in
the 2000's, parameters of competitiveness closer to international references, the present
movement of the Petrobras departure of the society with the major national petrochemical
company withdraws not only important public instruments of coordination, financing and
provision of capabilities to the Brazilian petrochemical sector. Besides that, it also
desintegrates a fundamental link of the sector which is its bond with the petroleum sector,
producer of the raw material. These two consequences go in the opposite direction of what
has been taught by the USA experience with shale gas and petrochemical industry (with a
highly positive performance in economic terms).
Keywords: Petrochemical industry. Shale gas. Braskem. Attributes of competitiveness.
Petrobras. Petrochemical productive chain. State and big capital articulation. Natural gas.
Nafta.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Cadeia produtiva petroquímica: elo petrolífero, de refino e produtos da 1ª. e 2ª. Gerações
................................................................................................................................................... 36
Figura 2 - Tecnologia, capital e reservas em propriedade das NOCs .................................................... 55
Figura 3 - Segmentos de atuação da Sibur .......................................................................................... 104
Figura 4 - Mapa com a extensão geográfica das unidades de extração e processadoras do gás natural
da Sibur ............................................................................................................................................... 104
Figura 5 - Componentes do gás natural .............................................................................................. 114
Figura 6 – Taxonomia dos HGLs, simplificada ..................................................................................... 117
Figura 7 - EUA: fontes de oferta de energia e setores demandantes, 2009 ....................................... 141
Figura 8 – EUA: linha do tempo para o desenvolvimento de shale gas.............................................. 147
Figura 9 – Ilustração de um poço de gás convencional e de um poço de shale gas ........................... 149
Figura 10 – EUA: regiões produtoras de shale gas e shale oil............................................................ 163
Figura 11 – Braskem: estrutura societária, 2017 ................................................................................ 265
Figura 12 – Brasil: Polo Petroquímico de Camaçari (BA) e produção, em toneladas. ........................ 275
Figura 13 – Brasil: Polo Petroquímico de Duque de Caxias (RJ) e produção, em toneladas ............... 275
LISTA DE TABELAS
Gráfico 1– Consumo do setor químico de nafta, líquidos de gás natural e outros combustíveis, em
quadrilhões de Btu, 2010, 2025(projeção) e 2040 (projeção) .............................................................. 40
Gráfico 2 – Participação dos custos com energia, combustível e matéria-prima no custo total da
produção de alguns petroquímicos....................................................................................................... 41
Gráfico 3 – Perfil dos crackers: participação (%) dos componentes resultantes do craqueamento da
nafta e do etano .................................................................................................................................... 42
Gráfico 4 – Preço mensal do óleo cru, cotação WTI spot price FOB, em US$ por barril, março de 1986
a março de 2017.................................................................................................................................... 60
Gráfico 5 - Soma do saldo fiscal e da conta corrente em países produtores de óleo selecionados, em
% do PIB, 2011 e 2016 ........................................................................................................................... 63
Gráfico 6 – Preço do gás natural e GNL, em US$/milhões de Btu, Japão, Alemanha, Reino Unido e
EUA, 1996-2015..................................................................................................................................... 70
Gráfico 7– Projeções de produção, exportação e importação de gás natural, por fonte e por região,
2010-2040 ............................................................................................................................................. 76
Gráfico 8 – Participação (%) do custo da matéria-prima no custo total de produção de petroquímicos
................................................................................................................................................... 83
Gráfico 9 – Setor químico mundial: valores dos acordos anunciados acumulados e completos de
fusões e aquisições, em bilhões de US$, 2007-2016 ............................................................................ 96
Gráfico 10 – EUA: produção de HGL, em milhões de barris por dia, nas unidades processadoras de gás
e nas refinarias, 2004-2014 ................................................................................................................. 118
Gráfico 11 – EUA: crescimento da produção de HGL (excluindo a rejeição) nas plantas de gás natural
e a produção de gás natural ao mercado, primeiro trimestre de 2008=1,00, 2008-2017.................. 120
Gráfico 12 – EUA: capacidade produtiva alimentada por etano e o consumo de etano, em milhões de
barris por dia, 2013-2018 (projeção 2017 e 2018) ............................................................................. 120
Gráfico 13 – EUA: produção, consumo e exportações líquidas de etano, em milhões de barris por dia,
2013-2018 (projeção em 2017 e 2018) ............................................................................................... 121
Gráfico 14 – EUA: produção de HGL nas plantas de gás natural (eixo esquerdo), em milhões de barris
por dia, e gás natural comercializado (eixo direito), em bilhões de pés cúbicos por dia, 2008-2017 121
Gráfico 15 – Preços dos HGLs relativamente ao gás natural e ao óleo cru, em US$ por milhões de Btu,
Janeiro de 2013 – Fevereiro de 2016 .................................................................................................. 122
Gráfico 16 – Média mensal dos preços (spot) da nafta e etano (Gráfico a) e média mensal dos spreads
do preço spot do etileno sobre os preços spot da nafta e etano (Gráfico b), Janeiro de 2010 -
Novembro de 2014.............................................................................................................................. 123
Gráfico 17 – Média mensal dos preços (spot) do propano (Gráfico a) e média mensal dos spreads do
preço spot do propileno sobre os preços do propano (Gráfico b), Janeiro de 2010 - Novembro de
2014 ................................................................................................................................................. 124
Gráfico 18 – EUA: consumo de etano e propano, em mil barris por dia, das plantas petroquímicas
existentes (até 2014) e planejadas (2014-2018) ................................................................................. 125
Gráfico 19 – Custos estimados de produção de petroquímicos: posição relativa dos EUA em 2005 e
2015 ................................................................................................................................................. 128
Gráfico 20 – EUA: relação entre o preço do óleo e do gás natural, 2005-2020.................................. 129
Gráfico 21 – Média das margens de custo variável do polietileno de alta densidade, EUA, Europa e
Nordeste Asiático, US$ e Euro por tonelada, 2010-2016 (2016 até maio) ......................................... 130
Gráfico 22 – Diferença de preço entre nafta na União Europeia e etano nos EUA e mudança na
relação nafta/etano na Arábia Saudita ............................................................................................... 131
Gráfico 23 – EUA: investimentos da indústria química ligados ao shale gas anunciados acumulados,
em bilhões de US$ e números de projetos, Dez 2010-Mar 2016 ....................................................... 131
Gráfico 24 – EUA: expansão da capacidade de etileno entre 2012 e 2022, em mil toneladas por ano ...
................................................................................................................................................. 132
Gráfico 25 – EUA: adições de capacidade de produção de etileno acumulado, em mil toneladas por
ano, 2012-2022 ................................................................................................................................... 133
Gráfico 26 – IPEX (ICIS Global Petrochemical Index): medida da mudança média de preços dos
petroquímicos ponderados pelo seu peso por capacidade produtiva, janeiro de 1993=100, jan 1995-
jan 2016 ............................................................................................................................................... 136
Gráfico 27 – EUA: consumo de energia por fonte de energia, participação (%), 1970, 1980, 1990,
2000, 2010, 2014 ................................................................................................................................. 139
Gráfico 28 – EUA: consumo de energia, em quadrilhões de Btu, por fonte de energia, 1776-2015 e
projeção para 2040 ............................................................................................................................. 140
Gráfico 29 – EUA: consumo de energia de fontes renováveis por fonte, em participação (%) e em
trilhões de Btu, 2000 e 2016 ............................................................................................................... 140
Gráfico 30 – EUA: fontes de oferta de energia e setores demandantes, 2016................................... 142
Gráfico 31 – EUA: produção de energia primária, por fonte, em quadrilhões de Btu, 2000-2015 ..........
................................................................................................................................................. 143
Gráfico 32 – EUA: produção de energia primária, por fonte, em quadrilhões de Btu, 1949-2015 ..........
................................................................................................................................................. 143
Gráfico 33 – EUA: importação de energia primária, por fonte, em quadrilhões de Btu, 1949-2015 .......
................................................................................................................................................. 144
Gráfico 34 – EUA: exportação de energia primária, por fonte, em quadrilhões de Btu, 1949-2015........
................................................................................................................................................. 145
Gráfico 35 – EUA: importações líquidas de energia primária, em quadrilhões de Btu, 1949-2015 ... 145
Gráfico 36 – EUA: balança comercial de energia, em milhões de US$, 1974-2015 ............................ 146
Gráfico 37 – EUA: produção de gás natural, em bilhões de pés cúbicos por dia, por método de
extração, 2000-2015 ........................................................................................................................... 151
Gráfico 38 – EUA: produção de óleo, por método de extração, em milhões de barris por dia, 2000-
2015 ................................................................................................................................................. 152
Gráfico 39 – EUA: evolução dos indicadores de produtividade e produção de uma empresa de gás
natural, 2007-2011 .............................................................................................................................. 156
Gráfico 40 – EUA: volumes de produção de dry shale gas e o total de produção de gás natural, em
milhões de pés cúbicos por dia, Jan de 2005-Nov 2015 ..................................................................... 157
Gráfico 41 – EUA: produção de gás natural, por fonte, em trilhões de pés cúbicos, 1990-2012 ....... 159
Gráfico 42 – EUA: projeção da produção de gás natural, por fonte, em trilhões de pés cúbicos, 1990-
2040 ................................................................................................................................................. 159
Gráfico 43 – EUA: total de reservas provadas de gás natural (shale e outras fontes), em trilhões de
pés cúbicos, 2007-2014 ....................................................................................................................... 160
Gráfico 44 – EUA: reservas provadas em gás natural, em trilhões de pés cúbicos, 1964-2014 ......... 160
Gráfico 45 – EUA: produção de shale gas, em bilhões de pés cúbicos por dia, por região produtora,
2000-2015 ........................................................................................................................................... 162
Gráfico 46 – EUA: preço spot do gás natural (Henry Hub), em US$/MBtu, jan 1997-jun 2017 .......... 174
Gráfico 47 – Taxa média de produção de áreas de exploração de shale gas nos EUA, em milhões de
metros cúbicos, por ano de atividade do poço ................................................................................... 175
Gráfico 48 – EUA: contagem de plataformas (rig count) petrolíferas, 2000-2015 ............................. 177
Gráfico 49 – EUA: produtividade dos poços de óleo que utilizam fraturamento hidráulico, por mês de
produção ............................................................................................................................................. 178
Gráfico 50 – EUA, Região de Marcellus: produção de gás natural total e por equipamento (rig), em
milhares de pés cúbicos por dia, janeiro de 2007 - julho de 2017...................................................... 179
Gráfico 51 – EUA: produção de gás natural, em bilhões de metros cúbicos por dia, e contagem de
equipamentos, 2005-2016 .................................................................................................................. 180
Gráfico 52 – EUA: preços de breakeven baseado no preço do barril de óleo equivalente, por áreas de
shale produtoras de gás e óleo, 2013-2016 ........................................................................................ 181
Gráfico 53 – EUA: formas de captação de recursos pelos shale drillers, 1º semestre de 2007-
1º.semestre de 2015 ........................................................................................................................... 184
Gráfico 54 – EUA: itens do fluxo de caixa das empresas de petróleo onshore, em bilhões de dólares,
anualizados, 2012-2016 ...................................................................................................................... 185
Gráfico 55 – Brasil: balança comercial do setor químico, em milhões de US$, 1990-2015 ............... 227
Gráfico 56 – Ranking de produção de resinas, em mil toneladas por ano, nas Américas .................. 264
Gráfico 57 – Brasil: Volumes anuais de produção e importação líquida de nafta, em mil m3, 2000-2012
................................................................................................................................................. 268
Gráfico 58 – Brasil: produção de nafta nas refinarias brasileiras, em mil barris de óleo equivalente,
2000-2016 ........................................................................................................................................... 269
Gráfico 59 – Brasil: Perfil da produção de derivados de petróleo nas refinarias no Brasil, 2012 ....... 269
Gráfico 60 – Brasil: Projeções de oferta de nafta, 2015-2030 ............................................................ 270
Gráfico 61 – Brasil e EUA: estimativas de custos de uma planta de etileno ....................................... 273
Gráfico 62 – Brasil: produção de recursos fósseis, matérias-primas petroquímicas e petroquímicos de
1ª. geração, em MBbl/d, Mm3/d, Mta, 2013 ..................................................................................... 279
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Requisitos competitivos das diferentes etapas da indústria petroquímica ..................... 105
Quadro 2 – EUA: preço das exportações de gás natural liquefeito do Terminal de Sabine Pass para o
Oriente Médio, em US$ por milhões de Btu (MBtu), 2016 ................................................................. 188
Quadro 3 – Petrobras: Plano de Negócios e gestão 2017-2021 (negrito da empresa) ...................... 281
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................ 23
INTRODUÇÃO
1
Anexo A
2
Dos 96,7 milhões de barris por dia de petróleo e outros líquidos produzidos no mundo em 2015, 80,5 milhões
foram de óleo cru e condensados, 10,5 milhões de líquidos de gás natural, 3,2 milhões de outros líquidos e 2,5
milhões de subprodutos das refinarias (Anexo A).
3
Anexo A
4
Dos poços de gás natural podem ser extraídos o metano e os líquidos de gás natural (etano, propano, butano
e pentano). Na Figura 5 deste trabalho, ilustra-se a composição do gás natural.
24
também o maior país produtor de gás natural do mundo (74,1 bilhões de pés cúbicos por dia
em 2015, versus 55,6 bpc da Rússia, 18,3 bpd do Irã e 17,3 bpc do Catar) (BP, 20175).
Na análise da matriz energética mundial (medida pelo consumo de energia dos
países, em milhões de toneladas de óleo equivalente), observa-se, no quinquênio 2010-2015,
que a maior taxa de crescimento total do consumo dos combustíveis ocorreu entre aqueles
de fontes renováveis (solar, eólica e biomassa, com crescimento de 115,6%, e hidroelétrica
com 13,4%). Ainda assim, essas fontes apresentaram apenas uma participação de,
respectivamente, 2,8% e 6,7% do total consumido de energia no mundo em 20156 (BP, 2017).
Além das fontes renováveis, o gás natural foi o outro energético que teve aumento
de consumo maior do que a média mundial nesse período (9,5% do gás natural versus 7,7%
do total do mundo). Sendo assim, sua participação elevou-se de 23,6% em 2010 para 24,0%
em 2015. Das três principais fontes de combustíveis no mundo (óleo – 33,1%; carvão, 28,9%,
e gás, 24,0% em 2015), o gás natural foi a única que apresentou ganho de participação nesse
período. Dos 272 milhões de toneladas de óleo equivalente (mtoe) acrescidos no consumo de
gás natural no mundo nesse quinquênio, 91 mtoe foram realizados pelos EUA e 75 mtoe pela
China. Nesses dois países, o aumento do consumo desse combustível ocorreu em detrimento
do consumo do carvão, sobretudo por conta de seu uso como combustível para a geração de
energia nas usinas termoelétricas (BP, 2017).
Além do desenvolvimento tecnológico e de elevação dos investimentos na sua
cadeia produtiva, o gás natural se insere no século XXI como fonte energética de uso crescente
por conta de um contexto em que os países estão oficialmente na busca da redução da
liberação dos gases de efeito estufa (greenhouse gases) para contribuir com a minimização
das mudanças climáticas recentes atribuídas ao aquecimento global. O Acordo de Paris em
2015 é emblemático em mostrar o comprometimento dos países em realizarem políticas
públicas ativas na redução de poluentes atmosféricos.
Há uma discussão acadêmica a respeito da função do gás natural em contribuir
para a diminuição dos gases de efeito estufa. De um lado, estão autores que se opõem à
expansão do gás natural na matriz energética dos países. Isso porque, ponderam, essa
expansão seria realizada em detrimento da maior aceleração dos investimentos, pesquisa e
5
Anexo A
6
Anexo A
25
produção das energias de fontes renováveis (energia eólica, solar, hidráulica, etc.),
distanciando-se da busca por uma matriz energética sustentável e mais limpa (síntese do
debate em Trembath, 2015).
De outro lado, estão aqueles que compreendem que a maior participação do gás
natural representa uma ponte a um futuro com menos carbono. Partindo do princípio que
seria inviável substituir total e rapidamente os combustíveis fósseis por energias renováveis,
a ampliação da participação do gás natural seria a melhor forma de transição, ao substituir
gradativamente o carvão e o óleo. Isso porque sua queima libera à atmosfera menos gás
carbônico do que a combustão do óleo e do carvão para a geração de calor e de energia
elétrica. Como exemplo, na geração de energia elétrica, o gás natural libera quase a metade
de gás carbônico do que o carvão (Howarth, 2014).
De fato, a emissão de dióxido de carbono nos EUA diminuiu sensivelmente no
período 2010-2015 (-5,4%), mais até que em alguns países que haviam assinado o Protocolo
de Quioto, como o Japão (que até apresentou um aumento de 2,0%) e a Alemanha (-3,7%).
Para a China, o desafio de redução de emissão desse poluente é gigantesco. Entre 2010 e
2015, a variação nesse país foi positiva em 12,9%. De qualquer forma, pode-se visualizar uma
redução importante no ritmo da taxa de crescimento dessas emissões nesse país (7,0% ao
ano, em média, entre 2000 e 2010 e 2,5% ao ano entre 2010 e 2015)7 (BP, 2017).
O gás natural, até o século XXI, era extraído das formações geológicas
convencionais, ou seja, para as quais se utiliza tecnologia difundida e nas quais há condições
físicas e econômicas para uma produção economicamente lucrativa às condições de mercado
vigentes. Desde 2005, no entanto, áreas não convencionais – como as formações rochosas de
shale8 – passaram a ser locus de produção de uma parte significativa da produção
estadunidense de gás natural.
7
Anexo A.
8
A tradução em português para o termo “shale” é folhelho, um tipo de rocha argilosa de tipo sedimentar,
segundo a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM, 2014). No entanto, no Brasil, acabou se
popularizando a palavra “xisto” como tradução, embora, rigorosamente, xisto, xisto betuminoso ou xisto
oleígeno são denominações para uma rocha cuja composição química é o betume (que raramente ultrapassa
10% da matéria orgânica do xisto) e o querogênio (COSTA NETO, 1980). A tradução em inglês para o xisto
betuminoso seria oil shale. O óleo extraído da rocha de folhelho seria shale oil, e o gás, shale gas. Neste trabalho,
optou-se por denominar a rocha de folhelho em inglês (shale) e o gás de lá extraído shale gas para evitar a
escolha entre o técnico e o popular. Alguns trabalhos acadêmicos no Brasil também realizaram a mesma opção
(como LAGE et al., 2013) e utilizaram a expressão shale e shale gas.
26
9
De acordo com Chandra (2006, p. 15), permeabilidade é a facilidade com que o fluído (gás, óleo ou água) se
move por meio dos espaços abertos pelos poros na rocha reservatório. A porosidade da rocha, por sua vez,
depende do tipo de grãos e seu tamanho. Quanto mais uniforme o tamanho do grão, maior a porosidade da
rocha. Na tentativa de traduzir esses termos para leitores leigos, Sernovitz (2016) faz a seguinte comparação: se
fôssemos uma mólecula de óleo e a rocha fosse um hotel, a porosidade seria o tamanho dos quartos e a
permeabilidade seria a qualidade dos corredores, halls e escadas que ligariam os quartos à saída do hotel.
10
De acordo com a definição do programa de apoio à produção de recursos não-convencionais nos EUA:
“Unconventional natural gas resources are best described as those gas accumulations that are hard to
characterize and commercially produce by common exploration and production technologies. These resources
are typically located in heterogeneous, extremely complex, and often poorly understood geologic systems,
often easy to find but difficult to produce” (RPSEA, 2017e). Entram nessa classificação, por exemplo, as
formações de shale gas, de tight gas e de coalbed methane, cujas definição e produção nos EUA estão
apresentadas mais à frente neste trabalho (Gráfico 41).
11
Para poços convencionais, o investimento gira em torno de US$ 1 a 3 milhões, enquanto nas formações de
shale, para a extração por fraturamento hidráulico horizontal, o investimento alcança algo entre US$ 5 e 8
milhões, por poço (BARTIK et al., 2016).
12
Anexo A.
13
Dessa produção mundial de gás natural projetada para 2040, de 80,9 tpc de áreas não convencionais, dos EUA
virão 19,6 tpc de shale gas, 7,0 tpc de tight gas e 1,3 tpc de coalbead methane (Anexo A).
27
Em função das pesquisas geológicas que vêm sendo realizadas com mais acurácia
e dadas as condições novas de exploração de shale gas, as reservas provadas14 de gás natural
nos EUA saltaram de 250 trilhões de pés cúbicos (tpc) para quase 400 tpc em 2014 e, com a
diminuição dos preços em 2015, reduziram-se para pouco mais de 300 tcf. Nesse último ano,
as reservas provadas de shale gas corresponderam a 50% das reservas provadas totais de gás
natural nos EUA (U.S. ENERGY INFORMATION ADMINISTRATION - EIA, 2016a).
No mundo, classificando os países selecionados para a realização do estudo EIA
(2013), observa-se que aqueles com maiores reservas de shale gas tecnicamente
recuperáveis15 são China (1.115 tpc), Argentina (802 pc), Argélia (707 tpc), Canadá (573 tpc)
e Estados Unidos (567 tpc)16.
Para que os recursos de shale gas saiam da categoria de ´tecnicamente
recuperáveis´ e migrem para a de ´reservas provadas´, devem-se realizar muitos
investimentos em pesquisa, prospecção e testes geológicos e mineralógicos nas áreas onde já
foram detectadas as formações de shale. Talvez, ainda mais importante que todo o arsenal de
estudos e tecnologias pré-extração, os fatores “acima do solo” também devem ser favoráveis
para que o componente econômico da exploração seja considerado nas estimativas das
reservas provadas, principalmente preços dos recursos fósseis e a institucionalidade legal-
política do país.
Além disso, para que o gás natural proveniente das áreas de shale migre das
estatísticas das reservas provadas para, concretamente e de forma relevante, aparecer nos
resultados da produção de gás natural dos países produtores ou no faturamento das empresas
petrolíferas, devem estar presentes nos países com reservas provadas fatores favoráveis
14
De acordo com Graefe (2012), “reservas provadas consistem no petróleo que é ´razoavelmente provável´ que
seja produzido usando a tecnologia aos preços correntes, nos termos comerciais correntes e sob o
consentimento dos governos” (p. 63). Conforme aumentam os preços, aumenta-se o volume de hidrocarbonetos
residindo na categoria de reservas provadas. Complementando com a definição de The Society of Petroleum
Engineers (SPE, 2011) para reservas provadas: “If probabilistic methods are used, there should be at least a 90%
probability that the quantities actually recovered will equal or exceed the estimate. Often referred to as 1P, also
as “Proven.””(p. 212).
15
Na classificação usada por EIA (2013), os recursos tecnicamente recuperáveis representam o volume de óleo
e gás que podem ser produzidos de acordo com a tecnologia corrente, sem levar em conta os preços e os custos
de produção. Os recursos economicamente recuperáveis, contidos no conceito anterior, já compreendem
volume de óleo e gás que podem ser produzidos lucrativamente de acordo com as condições de mercado. (p.
10). Essas categorias podem ser visualizadas na Figura 1 do Anexo A.
16
Nessa estimativa, os recursos tecnicamente recuperáveis de shale gas no Brasil seriam de 245 trilhões de pés
cúbicos. De acordo com a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial - ABDI (2013), esses recursos estão
presentes na Bacia do Rio Parnaíba. Outras formações não convencionais de gás no Brasil encontram-se nas
bacias do São Francisco, Paraná, do Parecis e do Recôncavo (p. 8).
28
bastante específicos requeridos pela dinâmica econômica da indústria petrolífera (de óleo e
gás natural), como infraestrutura, mercado, encadeamentos interssetoriais, etc. Até esse
momento, o único país que conseguiu resultados expressivos a partir da descoberta e
viabilidade dessa nova área de exploração de hidrocarbonetos foram os Estados Unidos.
Como será apresentado com uma boa dose de aprofundamento neste trabalho,
para ter sido o palco originário da “Shale Revolution”, os EUA contaram e contam com uma
institucionalidade regulatória e econômico-financeira ímpar, difícil de ser rapidamente e
plenamente transplantada, de alguma forma, para outros países. Além de contar com um
gigantesco aparato público de apoio por décadas, a atividade petrolífera nos EUA e, portanto,
o segmento mais recente de exploração de áreas não convencionais, também foi beneficiária
de uma legislação ambiental permissiva, de uma política monetária favorável, de um mercado
de capitais sofisticado e com uma liquidez abundante para volumosos financiamentos, e de
uma legislação de posse de terras que permite a exploração do subsolo a partir da decisão
unicamente de seus proprietários. Além disso, os governos estaduais, municipais e federal
(inclusive o do democrata Barack Obama) em conjunto com os setores privados produtivo e
financeiro conduziram uma campanha muito bem-sucedida de propaganda entusiástica com
relação aos ganhos econômicos, sociais, ambientais e geopolíticos que seriam trazidos pela
extração e produção dos hidrocarbonetos das rochas de shale nos EUA.
Na esteira dessa excitação promovida (e aqui, supõe-se, para isso realizada), os
agentes financeiros nos EUA, que buscavam novas fronteiras de acumulação após a crise de
2008, puderam renovar suas carteiras de empréstimos muito facilmente com os produtores
de shale. Como será analisado à frente, a sustentabilidade da produção de shale gas dependeu
de constantes aportes de novos recursos, conduzindo a uma relação simbiótica entre Wall
Street, buscando novos devedores, e shale drillers, requisitando crédito.
Mazzucato (2013; 2015) elenca a emergência da atividade de shale gas nos EUA
como um dos exemplos de que os esforços de pesquisa e programas públicos de
financiamento e de desenvolvimento tecnológico, instituições típicas de um Estado
Empreendedor são capazes de ensejar. Weiss (2014), embora não mencione a atividade de
extração de óleo e gás das formações de shale como resultado das ações de promoção do
Estado estadunidense, mostra em profundidade de que forma a busca por segurança nacional
nos EUA conduz à execução de políticas industriais e tecnológicas de grande relevo,
29
responsáveis pela emergência das inovações tecnológicas que foram marcando os setores
produtivos nas últimas décadas desde o pós-guerra. Em um espectro de Estados mais e menos
ativos, a autora insere os EUA no extremo mais ativo, superando até mesmo o Estado chinês
na promoção do desenvolvimento tecnológico17.
Essa é uma breve descrição do contexto geral no mundo, mas sobretudo nos EUA,
sobre o qual se assentou o surgimento da atividade de exploração e produção de shale gas. O
Shale Boom nos EUA, em função da volumosa produção de líquidos de gás natural
(principalmente o etano), trouxe importantes alterações no cálculo da rentabilidade de novos
projetos de investimentos no setor petroquímico18 naquele território. Ao fornecer matérias-
primas e uma fonte de energia a baixos custos nos curto e médio prazos a um setor para o
qual esses custos compõem uma fatia significativa dos custos totais, os EUA lançaram-se como
um novo espaço de investimentos do setor petroquímico e, consequentemente, como um
grande competidor mundial.
Foi nesse encadeamento “shale gas e setor petroquímico” nos EUA que residiu o
interesse para a elaboração deste trabalho. Parte-se aqui da premissa de que a experiência
dos EUA pode servir de base para frutíferas reflexões sobre as condições de competitividade
do setor petroquímico no Brasil.
Para avançar nessa investigação, arrolam-se as seguintes perguntas
intermediárias:
- Há, de fato, a emergência de uma nova fonte de vantagem competitiva duradoura para o
setor industrial nos EUA com a produção de shale gas?
- Quais arranjos institucionais deram base à expansão dessa atividade? Aqui o principal
interesse está em mapear a importância do Estado em suas várias dimensões para o apoio à
consolidação do shale gas.
- Quais são, nesse novo contexto, os determinantes atuais da competitividade do setor
petroquímico?
17
Sobre a intervenção do Estado nos EUA: “Its innovation activism may indeed surprise in view of that country’s
characterization as the archetypal liberal market economy. Nevertheless, the United States is quite possibly the
preeminent power in using all these active forms of industrial governance—but often in forms that are decidedly
not conventional” (WEISS, 2014, p. 08).
18
O processo produtivo do setor petroquímico se inicia com a utilização de matérias-primas líquidas e gases (em
geral tóxicas e corrosivas) provenientes do setor petrolífero, e, a partir de reações químicas com fortes energias
de ativação (temperatura e pressão), se finda com a geração de um conjunto variado de produtos petroquímicos
(Suarez, 1986).
30
- A expansão de shale gas nos EUA e no mundo constitui uma nova ameaça ao setor
petroquímico brasileiro? Em particular, como se alteram as forças, gargalos e fragilidades da
indústria brasileira frente a essa nova fonte de oferta de matéria-prima petroquímica?
Para este estudo, partiu-se das hipóteses de que a atividade de shale gas afeta
sobremaneira, e de forma duradoura, as condições de competitividade do setor petroquímico
mundial; em segundo lugar, que o arranjo que permitiu a consolidação dessa atividade nos
EUA tem como figura central o Estado e suas articulações com o grande capital; em terceiro
lugar, que os fatores determinantes da competitividade do setor petroquímico são a alta
integração da cadeia produtiva e o acesso ao capital. Para tanto, mais do que nunca, se faz
necessária a atuação do Estado seja como produtor direto, seja na articulação dos agentes da
cadeia produtiva, na regulação da atividade e dos mecanismos de concorrência
intercapitalista, no financiamento, no desenvolvimento da infraestrutura e no fortalecimento
de uma institucionalidade favorável à inovação tecnológica; em quarto lugar, que esse novo
ambiente competitivo impõe desafios de monta para a petroquímica brasileira, elevando a
importância da presença da Petrobras na determinação da competitividade do setor.
Este tema poderia ser abordado com base num olhar e numa literatura do campo
da Organização Industrial e neo-schumpeteriano em que as oportunidades, trajetórias e
desafios tecnológicos, que surgem neste momento no setor petroquímico e na sua interação
com os setores petrolífero e de refinaria, pudessem ser o foco principal de análise. Considera-
se aqui que os reflexos do desenvolvimento e mudanças tecnológicos sobre a cadeia produtiva
petroquímica e suas eventuais novas formas de governança conformam um objeto de
pesquisa e investigação de grande importância. No entanto, a opção aqui definida foi a de
utilizar a lente da Economia Política – embora haja, ao longo de todo o trabalho, muitas
referências explícitas ou implícitas aos autores e autoras da Economia Industrial – para
observar como o Estado se articula com o grande capital na criação de novos espaços de
acumulação.
Assim, pode-se afirmar que o objetivo desta tese é o de avaliar o arranjo
produtivo-financeiro que foi estabelecido entre os setores de exploração de gás e o
petroquímico nos EUA, com um olhar atento aos papéis que Estado e o grande capital ali
desempenharam, e refletir sobre como esses elementos e atores determinantes para a
31
subproduto da refinaria que tinha, por sua vez, como principal produto a gasolina. Assim, a
oferta desse insumo se expandiu muito, pois estava ligada ao crescimento da indústria
automobilística no mercado estadunidense no início do século XX. O insumo da carboquímica,
por sua vez, dependia dos resíduos do processo da indústria siderúrgica (carbonização da
hulha para o coque siderúrgico) que, naquele momento, já tinha alcançado maturidade e não
crescia a taxas tão altas quanto as da indústria automobilística. Assim, enquanto a Europa vivia
a carboquímica no seu auge, os EUA já possuíam, em 1940, uma escala na petroquímica
considerável (GUGLIELMO, 1962). Dessas datas se pode compreender que os processos
petroquímicos e seus resultados, da forma como se apresentam nas economias modernas,
são relativamente recentes. O polietileno, por exemplo, principal resina termoplástica
atualmente, só foi produzido em escala comercial nos EUA em 1945 (GUGLIELMO, p. 27,
1962).
Mais recentemente, as plantas petroquímicas, na esteira do movimento mundial
pela diminuição do uso de combustíveis fósseis, também produzem em grande escala alguns
polímeros e insumos químicos a partir de matéria-prima de origem vegetal (como o etanol),
embora o petróleo e gás ainda continuem sendo a base para os produtos que seguem à frente
ao longo da cadeia petroquímica. Assim, de uma maneira geral, pode-se afirmar que o setor
petroquímico consome hidrocarbonetos como matéria-prima, que podem ser de origem fóssil
(óleo, gás e carvão) ou vegetal (etanol19). Petróleo e gás são, no entanto, os maiores
provedores de insumos para o setor petroquímico, uma vez que fornecem a nafta e gasóleo
(do petróleo) e o metano, etano, propano e butano (do gás natural) (Figura 1).
O nascimento da indústria da química orgânica (que produz químicos formados
principalmente por moléculas de carbono e hidrogênio) esteve relacionado à limitação de
provimento de moléculas orgânicas provenientes dos produtos naturais e à qualidade
superior dos produtos sintéticos com relação aos de base natural (GUGLIELMO, 1962, p. 71).
A consolidação e crescimento do setor petroquímico após 1950, por sua vez, dependeram
menos de sua supremacia técnica-econômica com relação à carboquímica e mais do progresso
acelerado da indústria petrolífera (e do refino do óleo para a produção de combustíveis
19
A produção de etileno à base do etanol vegetal (obtido por fermentação) é antiga e precede a petroquímica.
No entanto, Guglielmo (1962) registra que o processo de desidratação do álcool etílico de fermentação contínua
a partir dos resíduos da produção agrícola era mais custoso para a produção de etileno do que os meios sintéticos
(carvão e, depois, o petróleo).
35
20
O etileno, ou eteno, é o principal insumo (principal molécula building block) para os produtos petroquímicos.
O total produzido de etileno (145 milhões de toneladas por ano) no mundo é maior do que o restante da
produção de outros compostos orgânicos. Além de ser utilizado para a produção do polietileno, poliestireno e
PVC, também é o principal componente para a produção de óxido de etileno, aceltadeído, insumos importantes
para a fabricação de detergentes, solventes e surfactantes. De qualquer forma, vale mencionar que a produção
36
Figura 1 – Cadeia produtiva petroquímica: elo petrolífero, de refino e produtos da 1ª. e 2ª. Gerações
global de polietileno consome mais de 70% do etileno produzido (PETROCHEMICAL UPDATE, 2016a). Etileno,
propileno e butadieno fazem parte do conjunto denominado olefinas, enquanto o benzeno, tolueno e xileno são
alocados na cadeia dos hidrocarbonetos aromáticos (AMERICAN CHEMISTRY COUNCIL - ACC, 2013).
21
Uma lista relativamente extensa de produtos da 2ª. Geração e suas categorias (petroquímicos básicos,
intermediários para plásticos, intermediários para resinas termofixas, outros produtos orgânicos, intermediários
para fibras sintéticas, elastômeros, intermediários para plastificantes, plastificantes, intermediários para
detergentes e solventes industriais) pode ser averiguada no relatório do IPT (2008).
22
Assim como definido no relatório do IPT (2008): “Na verdade, a fabricação de resinas influencia a estrutura do
setor devido à sua característica de ser a demandante fundamental dos produtos petroquímicos básicos e pelas
especificidades tecnológicas da produção petroquímica – que se traduzem em dependência bilateral entre estas
duas fases da cadeia e investimentos altamente dedicados, e em decorrência disto, arranjos produtivos e
econômicos característicos.” (IPT, 2008, p. 14).
37
23
Além dessas rotas para a produção dos polímeros também pode ser citado o projeto da Aramco e da Sabic, a
partir de uma joint-venture, de transformar óleo cru diretamente em petroquímicos, dispensando a fase da
produção da nafta (MAHDI; DIPAOLA, 2016). Está ainda em fase de experimentação uma tecnologia detida pela
empresa estadunidense Siluria Technologies que, a partir da adição do oxigênio, transforma o metano em etileno
(acoplamento oxidativo do metano) (HELMAN, 2015). Para a primeira planta em escala industrial a usar essa
tecnologia e para o financiamento dos experimentos estão as empresas Braskem, The Linde Group, Saudi
Aramco, National Petrochemical Industrial Company (NatPet), Maire Tecnipoint e Air Liquide (SILURIA
TECHNOLOGIES, 2017).
38
composição química, mas sim, por especificações de desempenho, para uma ou mais
finalidades. Ex: resinas termoplásticas, fibras artificiais e elastômeros.” (p. 46).
Especialidades químicas: “são produtos diferenciados, fabricados em pequenas
quantidades, geralmente com matérias-primas compradas de terceiros, projetados para
finalidades específicas do cliente e frequentemente vendidos para um grande número de
clientes que compram pequenas quantidades. Alguns exemplos: catalisadores, corantes,
enzimas e aditivos em geral” (p. 46).
Em geral, são os setores industriais a jusante, pertencente à 3ª. geração, que
definem a categoria de agregação de valor aos produtos petroquímicos, a partir da qualidade
e sofisticação de sua demanda. Como exemplo, enquanto a construção civil e o setor
fabricante de embalagens consomem mais commodities e semicommodities, os setores
automobilístico, de aviação e de eletro-eletrônico demandam mais os plásticos com
propriedades específicas (e, por isso, a interação usuário-produtor para a fabricação e
pesquisa nesse segmento das resinas é tão importante), encontradas nas especialidades
químicas, como os plásticos de engenharia (HIRATUKA; GARCIA; SABBATINI, 2003).
O material plástico tem algumas características que lhe confere vantagens sobre
outros materiais como o ferro, alumínio e o papel. A substituição desses últimos por plástico
constitui uma trajetória tecnológica permanente que até agora não findou. A prova disso é
que o consumo per capita de plásticos aumenta mais do que o PIB per capita. Pelas
perspectivas melhores de taxas de crescimento econômico, países em desenvolvimento ainda
têm potencial de inserção do material plástico muito maior que o de países desenvolvidos.
Ademais, o consumo de plásticos por habitante no primeiro conjunto de países é muito menor
que no segundo (como exemplo, o do Brasil é de 35 kg, enquanto nos EUA e Japão é de 100
kg, segundo a Associação Brasileira da Indústria do Plástico – ABIPLAST, 2015).
As empresas de 1ª. geração, produtoras de commodities petroquímicas,
correspondem às centrais petroquímicas. Normalmente, por processo de craqueamento24,
essas empresas processam a nafta, o etano ou o etanol para transformá-los em etileno,
propileno, butadieno e outros. Em função do processo contínuo e das dificuldades de
transporte, as centrais petroquímicas estão situadas no mesmo espaço físico ou muito
24
Segundo o glossário da Braskem a investidores, o processo de craqueamento consiste na “transformação por
ruptura (cracking, quebra) de moléculas grandes em moléculas menores”. Disponível em: http://www.braskem-
ri.com.br/glossario. Acesso em: 07 de ago. 2017.
39
próximas das refinarias de petróleo ou das plantas de processamento de gás natural. Pelos
mesmos motivos, as empresas de 2ª. geração encontram-se totalmente integradas ou muito
próximas às suas fornecedoras, empresas da 1ª. geração.
O único elo da cadeia petroquímica relativamente mais disperso geograficamente
corresponde às empresas transformadoras. Elas também tendem a se concentrar nas regiões
próximas aos polos petroquímicos, mas sua viabilidade econômica, em que pese a
desvantagem de custo, até pode se manter caso se situem longe do fornecimento da matéria-
prima (valendo-se de vantagens competitivas de diferenciação, por exemplo). Alguns
produtos transformados plásticos são de difícil transporte em função de sua baixa densidade,
como os tubos e embalagens e tanques de grande porte. Nesses casos, as empresas
transformadoras dessas peças de plástico tendem a ficar próximas dos mercados
consumidores. O mesmo vale para empresas transformadoras dedicadas a setores específicos
como as de peças para automóveis, eletrodomésticos, eletroeletrônicos, alimentos. Nesses
casos, se há uma aglomeração setorial desses produtores de bens finais, os setores
fornecedores – o de transformação de plásticos é um deles – tendem a se estabelecer
próximos às indústrias clientes.
A dependência da 1ª. geração ao elo fornecedor de insumos – as refinarias de óleo
e as plantas processadoras de gás natural –, é substantiva pelas incertezas com relação ao alto
volume que é demandado e quanto ao mix de produtos que será elaborado pelas refinarias
(que depende, por sua vez, da qualidade do petróleo que está para elas disponível e das
demandas de vários mercados). No trecho seguinte, Guglielmo (1962, p. 55) apresenta esse
entrelaçamento técnico e econômico entre o setor petrolífero e petroquímico, com uma
maior vulnerabilidade do segundo setor com relação ao primeiro:
“A natureza e a tonelagem dos subprodutos petroleiros entregues à
petroquímica não dependem de dados geológicos, mas do tipo de
operações efetuadas pelas refinarias e da capacidade de tratamento, isto
é, unicamente de fatores técnicos e econômicos, sobretudo para a
refinação instalada longe das jazidas. A usina petroquímica deve, portanto,
fixar a natureza e o volume de suas fabricações, não só segundo as
possibilidades de mercado próprio, mas também conforme a de seu
fornecedor.”
fornecedor e com integração plena desses três elos produtivos (refinaria, 1ª. geração e 2ª
geração petroquímica em um mesmo grupo econômico). Segundo o autor, reside aí uma das
razões para o avanço do capital petroleiro na produção petroquímica. A integração vertical
física e societária define os melhores preços para os insumos petroquímicos, eliminando a
vulnerabilidade do setor petroquímico no que toca à sua relação com o setor fornecedor.
De acordo com ExxonMobil (2016a), 60% dos energéticos consumidos pelas
empresas químicas são usados como matéria-prima para a produção de olefinas e aromáticos
(etileno, propileno e xilenos e outros)25. A nafta sempre apresentou a maior participação
(ainda hoje corresponde a 55% do total de insumos consumidos nas plantas petroquímicas),
mas os líquidos de gás natural têm se aproximado (em 2016 corresponderam a 40%) e a
projeção dessa empresa para a petroquímica mundial é que em 2040 se igualem em
importância. Ainda assim, diferenças regionais permanecerão, uma vez que a América do
Norte e o Oriente Médio devem utilizar mais os derivados do gás natural e a petroquímica da
Ásia do Pacífico mais a nafta (p. 35). O Gráfico 1 mostra essa tendência de igualação dos
líquidos de gás natural e nafta como matéria-prima para a indústria petroquímica.
Gráfico 1– Consumo do setor químico de nafta, líquidos de gás natural e outros combustíveis, em
quadrilhões de Btu, 2010, 2025(projeção) e 2040 (projeção)
25
Outro uso importante é como geração de energia para o aquecimento para a manutenção da pressão dos
equipamentos. Segundo a organização American Fuel and Petrochemical Manufacturers - AFPM, “This process
requires large amounts of energy and sophisticated engineering. Because of these extreme operating
conditions, energy consumption accounts for a significant portion of the total cost of production” (AFPM,
2017).
41
Gráfico 2 – Participação dos custos com energia, combustível e matéria-prima no custo total da
produção de alguns petroquímicos
Gráfico 3 – Perfil dos crackers: participação (%) dos componentes resultantes do craqueamento da
nafta e do etano
Simão (2014) também mostra esses dados, chamando atenção para o fato de que
quanto mais pesada a carga (menor relação hidrogênio/carbono), menor o rendimento do
etileno. A partir do processo de craqueamento a vapor do etano é possível extrair 84% de
etileno e apenas 1,2% de propileno. A nafta, por outro lado, rende 35,0% de etileno e 18% de
propileno.
Carga
Gasóleo de
Etano Propano Butano Nafta Gasóleo Vácuo (VGO)
Gás Combustível 13,8 32,9 28,6 18,0 12,0 10,0
Etileno 84,0 46,0 46,2 35,0 28,5 26,0
Propileno 1,2 14,5 18,0 18,0 17,0 16,5
Gasolina de Pirólise 0,8 5,8 5,4 20,0 26,5 25,0
Óleo Combustível 0,2 0,8 1,8 9,0 16,0 22,5
Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
Fonte: Simão (2014, p. 60).
Já que o etano do gás natural é menos versátil que a nafta, a sua vantagem
competitiva reside, principalmente, no rendimento maior do etileno e no seu preço em
comparação com a nafta. Além disso, outra vantagem do uso do etano sobre a nafta é que
43
26
Os projetos de tecnologias alternativas para obtenção das olefinas também se tornam comprometidos nos
momentos de baixas acentuadas do preço do óleo. São os casos do MTO (methanol-to-olefins), MTP (methanol-
to-propylene) e CTO (coal-to-olefins).
44
etanol e gasolina para gerar uma octanagem mais apropriada. Nesse caso, o acesso à nafta
pela petroquímica pode ficar comprometido.
As refinarias que utilizam óleo cru e condensados como insumos também são
produtoras de etileno, porém o utilizam como energético nas próprias unidades. Conseguem
produzir em maior quantidade o propano e o propileno. No entanto, a sua comercialização
depende do mix de produtos desejados pelas refinarias e da qualidade do óleo que recebe
como insumo. Em geral, propano e propileno também tendem a ser utilizados internamente
como blend para outros produtos. Assim, a produção de propilenos, em geral, é oriunda das
plantas petroquímicas (sobretudo a base de nafta) e não das refinarias (EIA, 2014a).
Se a tendência de aumento da participação do etano como insumo dos
petroquímicos persistir, PwC (2012) relata que algumas mudanças podem ocorrer no tocante
às definições de projetos e linhas de pesquisa e no mix de produtos disponíveis (prejudicando
os produtos mais pesados, com maior número de carbonos, como o butadieno, e aumentando
suas linhas de pesquisa na química baseada na família dos etilenos). De acordo com esse
relatório, na medida em que esforços intensos de pesquisa se concentram na cadeia do
etileno, novos mercados podem se abrir e reformulações na cadeia de suprimentos e nas
alianças tecnológicas passam a ser necessárias. Ao mesmo tempo, aumenta a pressão para o
surgimento de produtos substitutos ao etileno a preços competitivos. Ademais, processos
para a produção desses substitutos terão que ser do tipo on purpose (como a desidrogenação
do propano) para serem tão eficientes quanto a produção de etileno a partir do etano.
Um novo processo produtivo formulado e já aplicado pela ExxonMobil parece ter
ido nessa direção. Em uma das plantas no seu complexo petroquímico de Cingapura, essa
empresa produz oleofinas diretamente do óleo bruto sem passar pela nafta. Essa planta da
ExxonMobil já produz 1 milhão de toneladas de etileno por ano (BLUM, 2016a).
A escolha das rotas tecnológicas nas plantas petroquímicas durante a confecção
do projeto já determina a matéria-prima que se irá utilizar ao longo da vida da planta.
Portanto, há um elevado grau de rigidez nos projetos no tocante à definição do principal
insumo a ser utilizado, nafta, etano, metanol, gas-óleo, óleo cru, etc. (PELAI, 2006). Como são
plantas intensivas em capital e especializadas a partir do insumo que utilizam, as definições
técnicas para as plantas devem ter um horizonte de longo prazo e devem considerar vários
elementos como base para a decisão, como o custo da planta, preço e condições e segurança
45
1.2. Setor petrolífero (óleo e gás): grande capital no início da cadeia petroquímica
27
Neste trabalho, em geral, utilizam-se as palavras “indústria petrolífera” ou “setor petrolífero” para designar o
conjunto de empresas produtoras de óleo bruto, gás natural e outros líquidos.
28
A história de John D. Rockefeller no comando da Standard Oil é conhecida por suas manobras e trapaças para
aumentar o grau de comando em toda a cadeia de exploração, produção, refino e distribuição do óleo nos EUA,
como a quebra de concorrentes e fornecedores com a manipulação de preços (YERGIN, 2008). A trajetória do
carvão nos EUA (na ausência da concorrência do óleo como energético) também é recheada de manobras não
concorrenciais das principais empresas, como práticas de colusão para limitar a produção e para aumentar os
preços e para influenciar o governo na criação de leis que favoreciam a indústria (ROBERTS, 2005).
46
empresas29 após ser definida a sentença da Suprema Corte dos EUA, em 1911, contra o
império de John D. Rockefeller (YERGIN, 2008).
Após a 1ª. Guerra Mundial, a partir da qual o óleo ganha uma dimensão estratégica
para a indústria bélica e segurança nacional, e com a consolidação do motor à combustão na
indústria automobilística, a demanda por óleo se amplifica. Pelo seu relativo preço baixo,
menor dano ao meio-ambiente e pelo aumento do número de automóveis, ultrapassa o
carvão como principal fonte energética dos países centrais.
Com uma injeção de nova e firme demanda por óleo se estabelecendo, iniciou-se
o período de disputa oligopólica pela produção e comércio desse recurso entre as Sete Irmãs,
grandes empresas estadunidenses e europeias (inglesas, principalmente30). Essas empresas
foram fortemente apoiadas por seus governos para a busca de reservas de óleo fora de seus
territórios, especialmente no Oriente Médio, o que aumentou a rivalidade Europa-EUA
(YERGIN, 2008).
A corrida ao petróleo em outras regiões do mundo, principalmente no Oriente
Médio, gerou medo de que ocorresse novamente uma situação de sobreoferta. Torres Filho
(2004) ilustra esse momento com o seguinte fato: enquanto os EUA aumentavam
substancialmente sua produção, sua participação mundial na oferta de petróleo caía. Como
se refere o autor, “o mundo nadava em óleo”. A expansão acelerada da produção determinava
uma tendência à queda dos preços.
Com o intuito explícito de evitar a guerra de preços e a redução drástica das
margens de lucros das empresas petrolíferas, acordos entre as Sete Irmãs foram firmados nos
anos 1930 para o controle de produção (Acordos de Achnacarry em 1930, 1932 e 1934) e
contratos de concessão com os países produtores (que estabeleceram 50%-50% de repartição
nos rendimentos entre os países e as empresas estrangeiras operadoras dos campos)
(MATHIAS, 2008).
Os acordos de partilha da renda petrolífera no Oriente Médio foram bem
favoráveis às empresas ocidentais. De acordo com Torres Filho (2004), foi essa apropriação
29
Vale lembrar que essas empresas resultantes do desmembramento (as chamadas Baby Standards) já iniciaram
suas operações com um valor muito alto e, em um ano, já valiam mais que a empresa-mãe. A maior dessas
empresas, a Exxon (Jersey Standard) em poucos anos já figurava como uma gigante petrolífera (HAUTER, 2016).
30
A Shell fundiu-se com a Royal Dutch em 1906. No início da 1ª. Guerra Mundial, Winston Churchill logrou que
o governo britânico comprasse 51% da British Petroleum (BP) para converter o combustível dos navios de carvão
para petróleo. Em 1980, Margareth Tatcher vendeu essa participação estatal inglesa na BP (HAUTER, 2016).
47
que permitiu que as empresas aumentassem os investimentos em novos campos e nos elos
downstream (refinarias e redes de distribuição) nesse período.
A ligação entre as empresas estadunidenses e a Arábia Saudita (existente até hoje)
data do fim da 2ª. Guerra Mundial, em que, de um lado, o governo dos EUA buscava assegurar
as gigantescas reservas sauditas às suas empresas e, de outro, o governo árabe desejava
eliminar a presença inglesa (TORRES FILHO, 2004).
Durante o funcionamento do Cartel das Sete Irmãs, estabeleceu-se, segundo
Mathias (2008), “a fase mais duradoura de expansão estável da indústria” (p. 40). Isso porque
o cartel impedia a diminuição dos preços, mesmo com a introdução de exploração de poços
de baixos custos, garantindo assim, alta rentabilidade para a expansão dos investimentos na
própria indústria. Para efeitos de ilustração do sucesso dessa organização oligopólica
empreendida nesse período, no início de 1950, as sete empresas detinham 90% da oferta de
petróleo e ¾ do refino e distribuição (MATHIAS, 2008, p. 41).
A contestação do oligopólio aparece em seguida com a atuação das minors que
passaram a oferecer aos países produtores uma fatia maior que 50%, obtendo, assim, também
algumas concessões importantes no Oriente Médio. A ENI, por exemplo, estatal italiana que
tinha ficado de fora dos acordos com o Oriente Médio, ofereceu 75% dos rendimentos ao Irã.
A seguir, empresas japonesas e independentes dos EUA foram na mesma direção (TORRES
FILHO, 2004).
Outro elemento perturbador na estrutura de oferta de petróleo dominada pelas
Sete Irmãs foi a reaparição da Rússia (naquele momento União Soviética) como grande
produtora e exportadora de petróleo. As exportações soviéticas de petróleo, em 1958,
passaram a ser identificadas pelo governo estadunidense como uma ação econômica
integrada à Guerra Fria (TORRES FILHO, 2004).
No entanto, a mudança política mais substantiva ocorreu com a instituição da
OPEP em 196031. Inicialmente, Irã, Iraque, Kwait, Arábia Saudita e Venezuela se reúnem para
formar essa organização, em busca de maiores rendas petrolíferas e de sua sustentação,
alterando profundamente a organização do mercado, sobretudo quando esses países
nacionalizam suas reservas (em 1967, a Argélia; em 1969/1970, a Líbia; em 1972, a Arábia
31
Segundo Hauter (2016, p. 53), a constituição da OPEP foi uma reação à redução de preços empreendida pela
Exxon e seguida pelas “irmãs” petrolíferas.
48
32
Segundo Hauter (2016, p. 56), Reza Pahlavi recebia apoio de John D. Rockefeller e de seu banco, o Chase
Manhattan.
49
OPEP sobre o cenário mundial, a dificuldade da ação coletiva entre os países membros ficou
patente no contrachoque do petróleo em meados de 1980. A Arábia Saudita, em 1985,
abandonou a função de swing-producer33, demarcando o fim do tabelamento de preços e o
aumento da importância do mercado à vista. O preço do barril saiu de US$ 31,75 em
novembro de 1985 e alcançou US$ 11,50 em abril de 1986 (TORRES FILHO, 2004).
Com o fim da coordenação dos preços pela OPEP, a desregulamentação do
mercado de óleo dos EUA e a concorrência via diminuição de preços da Inglaterra, os preços
do óleo não só desabaram, mas também ficaram sujeitos a uma grande instabilidade, assim
como estavam as taxas de câmbio e taxas de juros mundiais, dois outros preços importantes.
Esse cenário de grandes oscilações de preços fundamentais explica o crescimento das
operações financeiras, tornando o óleo uma commodity34 de grande peso nas finanças
internacionais, “regidos por expectativas voláteis em um ambiente de incerteza” (TORRES
FILHO, 2004, p. 342).
A redução drástica dos preços na década de 1980 foi resultado da diminuição da
demanda por petróleo em função das políticas de aumento da eficiência e de busca de fontes
alternativas, pelo aumento da oferta de novas fontes, como Alasca e Mar do Norte, e a
percepção de que a demanda por petróleo estava, de fato, em trajetória de descenso,
incluindo aí também a forte diminuição da demanda dos países subdesenvolvidos que
entraram em um longo período recessivo com o aumento dos juros americanos em 1979
(TORRES FILHO, 2004).
No acordo de 1986 entre EUA, OPEP e União Soviética, estabeleceu-se um preço
de referência (US$18,00) a partir do qual as alterações na produção deveriam ser realizadas
para o retorno ao preço estabelecido. A estabilidade política do Oriente Médio, por sua vez,
seria defendida pela ação militar dos EUA, que ganhou força com a dissolução da URSS em
1989 (TORRES FILHO, 1989).
Em agosto de 1990, com a invasão do Kwait pelo Iraque e a entrada dos EUA nesse
conflito, os preços internacionais se elevaram, mas voltaram a diminuir em 1997-1998 e
depois novamente em 2001 (MATHIAS, 2008).
33
Abandona a função de “ajuste de última instância” (e passa a utilizar os preços do mercado spot e de futuros)
por limitações financeiras, principalmente de balanço de pagamentos. Suas receitas de exportação que eram de
US$ 119 bilhões em 1981 passaram a US$ 36 bilhões em 1984 (TORRES FILHO, 2004).
34
A abertura de preços futuros do petróleo na Nymex é de 1983.
50
Assim, com a disparada de preços nos anos 2000, mesmo com o aumento da
oferta da OPEP, as bandas que definiam um teto para os preços deixaram de existir como
regulação desse mercado (MATHIAS, 2008).
Tanto as elevações de preços da década de 1970 quanto a dos anos 2000 não
foram orquestradas pela OPEP como forma de aumentar suas rendas petrolíferas. Ao
contrário, Torres Filho (2004) afirma que a Organização (essa foi a posição da Arábia Saudita
em 1979) entende que os extraordinários aumentos de preços são nefastos aos seus
interesses, uma vez que viabiliza a produção das regiões de alto custo, incentiva os
investimentos em energias alternativas ao petróleo e tende a afetar negativamente a
demanda no longo prazo35.
De fato, foram exatamente essas as consequências do longo ciclo de aumento dos
preços do petróleo nos anos 2000. A participação dos países da OPEP diminuiu
substancialmente, como também aumentou a participação de outras fontes de energia (como
o gás natural, dentre os combustíveis fósseis) e das fontes renováveis (energias nuclear, eólica,
solar e os biocombustíveis).
Ainda assim, vale dizer que, embora os preços altos viabilizem a produção de
petróleo nos países não pertencentes à OPEP, ao mesmo tempo, atende os interesses
econômicos de diversos países em desenvolvimento produtores do hidrocarboneto (como
Venezuela, Rússia e Brasil). Esses países, beneficiando-se dos preços elevados, também não
realizam, em seu conjunto, esforços contundentes para a redução dos preços (MATHIAS,
2008).
As nacionalizações das empresas ocorridas nos principais países produtores nos
anos 1960 e 1970 transformaram substantivamente a lógica de atuação das empresas
privadas. Ao perderem as concessões nas principais reservas de petróleo (com quantidades
elevadas e de baixo custo de extração), tornaram-se compradoras de óleo cru e, portanto,
vulneráveis às oscilações políticas desses países. A consequência foi o aumento do
investimento dessas empresas em regiões sobre as quais era exercido maior controle político
(Mar do Norte e Alaska), a despeito de terem maior custo de extração.
35
Vale o registro, no entanto, de que, se a OPEP não foi a única responsável pelos aumentos do preço do petróleo
em 1973 e 1979, também não foi essa organização que tomou medidas deliberadas para atenuar ou reverter o
aumento dos preços (TORRES FILHO, 2004).
52
36
“It would seem self evident that NOCs would be stablished and managed with the sole purpose of protecting
the interest of the people of a given state. (...) Consequently, the yearly rate of return on investments should be
of no importance but replaced by a long-term analysis of how the country has gained from the extraction and
sale of the non-renewable assets and benefit future generations. Unfortunately, such analysis by the NOCs seems
to be more exception than the rule” (SEZNEC, 2012, p. 45).
53
A despeito de haver essa linha tênue de distinção na prática entre as NOCs e IOCs,
a nacionalização das reservas de petróleo (mais do que a criação da OPEP) introduziu um
radical elemento de vulnerabilidade à atuação das IOCs. Isso porque as reservas provadas
constituem os principais ativos das empresas, sobre as quais é atribuído o seu potencial de
crescimento e, portanto, a sua capacidade de endividamento e capitalização para novos
projetos.
Como se observa na Tabela 3, as empresas NOCs, incluindo as da OPEP, e as mistas
detêm 93,5% das reservas de petróleo. Porém, sua participação na produção é de 75,9%, na
capacidade de refino, 64,6%, e, nas vendas de produto, menos ainda, 54,7%.
Tabela 3 – Importância relativa (%) das principais empresas na indústria mundial do petróleo, 2013
Independen-
Majors (IOCs) Mistas (1) tes OPEP (2) NOCs (3) 1+2+3 Total
Produção de
Petróleo 16,3 16,7 7,8 46,0 13,2 75,9 100,0
Reservas 3,9 5,0 2,6 84,4 4,2 93,5 100,0
Capacidade de
Refino 32,8 24,7 2,5 22,7 17,3 64,6 100,0
Vendas de Produto 43,1 21,4 2,2 21,5 11,9 54,8 100,0
Fonte: Adaptado de Jesus Junior (2015, p. 76).
governos e, com isso, podem oferecer termos contratuais para a venda de petróleo
diferenciados a seus clientes.
Conjugando o imperativo das IOCs de registrarem novas reservas como parte de
seus ativos e a ampliação das dificuldades em acessá-las, por conta do aumento da força
competitiva das NOCs, Maugery até admite supor que a instabilidade política dos países com
as maiores reservas provadas de petróleo (Oriente Médio, Venezuela, Rússia e Brasil) seja uma
situação mais interessante às IOCs do que a estabilidade política dos governos atuais que
tenderiam a manter sob controle e posse estatal as reservas de petróleo bem como a sua
exploração.
Sobre esse assunto, é interessante apresentar as considerações realizadas pelo
autor sobre os mitos pertencentes à ideia disseminada de que os países do Oriente Médio ou
da OPEP representam uma ameaça aos países consumidores. Esse autor destaca que nem os
cortes abruptos de produção de óleo e tampouco a elevação dos preços internacionais são
interessantes a esses países e, portanto, são bastante improváveis que ocorram, pelo menos
em um médio e longo prazos. Isso porque, em primeiro lugar, cabe lembrar o quão
dependentes as receitas fiscais dos governos desses países do Oriente Médio são das rendas
das vendas externas do petróleo. Com o crescimento populacional nesses países e a perda de
valor relativo do petróleo, a renda per capita lá diminuiu desde os choques do petróleo da
década de 197037. Como as condições socioeconômicas da população desses países
dependem do sistema de bem-estar social (provimento de serviços e infraestrutura públicos),
uma vez que a principal atividade econômica – a de extração e comercialização do petróleo –
não é intensiva em trabalho, esses países dependem do aumento das rendas advindas do
petróleo. Sobre isso, vale citar uma perspicaz afirmação de Maugery (2006, p. 262): “(...)
whereas industrial countries worry about energy security, producing countries are preoccupied
by the security of oil demand.”
Assim, embargos ou cortes drásticos de exportação aos países consumidores não
têm viabilidade econômica nem no médio prazo a esses países produtores. Além disso, o
comércio internacional de petróleo não está nas mãos dos países produtores. Triangulações
37
Segundo o dado apresentado por Maugery (2006, p. 262), o PIB per capita da Arábia Saudita que era US$
28.660 em 1981 passou para US$ 7.000 em 2000.
57
podem ser feitas facilmente para contornar qualquer embargo desse produto a alguns países
que eventualmente corram o risco de sofrer cortes de oferta.
O aumento de preços do petróleo pode engendrar três movimentos que jogam
contra os países produtores: são indutores de aumento das receitas e, portanto, dos
investimentos dos produtores marginais e de exploração de fontes não convencionais de
petróleo; motivam a busca por recursos alternativos ao petróleo (seja outros combustíveis
fósseis como também as energias de fontes renováveis); e reduzem a demanda. Para o autor,
apenas preços baixos do petróleo podem evitar que se mude bruscamente para novas fontes
de energia, processo que se presenciou na década de 1980 após os dois choques do petróleo.
Ainda assim, sobre a substituição do petróleo como insumo, combustível ou fonte de energia,
o autor sublinha que essa já é uma realidade para todos os setores de uso do óleo, exceto
para o setor de transporte. “The speed and size of that replacement are only a question of
price and reliability of supply.” (p. 263).
O autor também lista como mito o fato de que os países da OPEP representam
uma ameaça por terem no comando governos “perigosos”, sempre integrando as listas de
possíveis “terroristas”. Para esse autor, a realidade é que, dada a alta dependência de
qualquer governo às rendas do petróleo (do governo porque as rendas são usadas como
sustentação política), as ações desses países produtores estão mais voltadas para se
apresentarem permanentemente como países de alta confiança para o suprimento do óleo
do que como ameaça.
Assim, muito mais intensa seria a ameaça de que os países consumidores
imponham sanções e embargos aos países produtores do que o contrário. De qualquer forma,
vale mencionar que o comércio internacional de óleo se apresenta no século XXI tão
consolidado e integrando tão eficientemente países produtores e consumidores que mesmo
que existam países com conflitos entre si, as articulações do comércio driblariam essas
barreiras políticas (MAUGERY, 2006, p. 267).
Em suma, para esse autor, as ações políticas e militares dos países consumidores
para garantir a oferta de petróleo parecem ser guiadas por outros objetivos, pois os
determinantes da esfera econômica já são suficientes para estabilizar e assegurar os fluxos de
58
óleo ou de outros recursos energéticos aos países consumidores. “In this framework, the
notion of oil security is simply a confusing myth when referred to oil supply.”38 (p. 268).
Além disso, Seznec (2012, p. 46) sublinha um problema moral que é atribuído às
IOCs pelo fato dessas empresas atuarem com contratos produtivos e comerciais em países
com regimes autoritários e corruptos que controlam as reservas petrolíferas: “IOCs are often
caught between the requirements of the shareholders and their social responsibility in a given
area.”
Mathias (2008) sublinha que a OPEP, como cartel, tem pouco poder e possui uma
participação do mercado de óleo menor do a que detêm outros cartéis de commodities. A alta
competição na comercialização do óleo cru pode ser evidenciada pela existência e força do
mercado spot nas contratações internacionais. Na década de 1970, as transações spot
correspondiam a apenas 5% do total e, em 2004, já representavam 35%. Além disso, a autora
sublinha que a formação e consolidação do mercado spot de petróleo foram fundamentais
para a globalização da indústria petrolífera (aumentando a concorrência para os produtores
OPEP) e ocorreram em função dos choques do petróleo. Assim, a manutenção de preços altos
teria resultado em mais um efeito colateral danoso aos produtores da OPEP.
Afinal, embora haja diferenças no tipo de petróleo comercializado (gerando
descontos ou prêmios nas negociações de petróleo com características distintas dos óleos-
marcadores WTI e Brent), a existência de mercado spot permitiu (e permite) a entrada de
novos competidores, tendo sido também responsável pela manutenção da competitividade
das empresas privadas quando foram alijadas da exploração do Oriente Médio e ficaram de
fora dos acordos no âmbito da OPEP39. O desenvolvimento dos mercados spot e de futuro do
óleo minou sobremaneira as formas de atuação e controle da OPEP, tirando dessa organização
até mesmo o petróleo marcador para as suas contratações de longo prazo (que passaram a
ser o WTI e o Brent) (MATHIAS, 2008).
A consolidação do mercado spot imprime grande conteúdo concorrencial, embora
não retire a condição do mercado petrolífero de ser oligopolizado e bastante concentrado, a
38
Como será apresentado no capítulo 2, o “mito da insegurança energética” da foi utilizado nos EUA para
conseguir o apoio da população e das instâncias políticas para o apoio à exploração do shale gas e shale oil.
39
Mathias (2008, p. 70) ressalta que o aumento da participação da comercialização de óleo no mercado spot
também esteve relacionado às mudanças tecnológicas efetuadas no segmento de refino que permitiu maior
flexibilidade ao utilizar diferentes tipos do óleo cru.
59
40
“Em menos de uma década, 25 companhias de petróleo se fundiram em 3 majors e 4 supermajors.” (MATHIAS,
2008, p. 94). São, em 2016, essas empresas: BP Amoco, ExxonMobil, Shell, Conoco Phillips, Total, Chevron e ENI.
As empresas estatais também participaram de processos de aquisição, em geral, integrando atividades para
frente na cadeia petrolífera.
41
Na lista da Forbes com as maiores empresas do mundo em 2016, mesmo com a diminuição drástica do preço
do óleo, as grandes empresas petrolíferas continuam situando-se nas primeiras posições desse ranking das 2000
maiores empresas no mundo listadas em bolsas de valores. Das 10 maiores do setor produtor de óleo e gás, a
ExxonMobil ocupou a 9ª. posição no geral, a PetroChina em 17ª. posição, a Chevron em 28ª., a Total em 30ª., a
Sinopec em 31ª., a Royal Dutch Shell em 50ª., a Gazprom em 53ª., a Rosneft em 75ª., a Reliance Industries em
121ª. e a Lukoil em 122ª. posição mundial dentre todos os setores, incluindo o setor financeiro (FORBES, 2017).
60
Gráfico 4 – Preço mensal do óleo cru, cotação WTI spot price FOB, em US$ por barril, março de 1986
a março de 2017
100
80
60
40
20 dez 26, 2008; 32,98
fev 12, 2016; 28,14
0
jan jan jan jan jan jan jan jan jan jan jan jan jan jan jan jan
03, 03, 03, 03, 03, 03, 03, 03, 03, 03, 03, 03, 03, 03, 03, 03,
1986 1988 1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012 2014 2016
%
2012 2013 2014 2015 2016
Em milhões de US$ (2016/2012)
Vendas e outras receitas operacionais 451.509 420.836 394.105 259.488 218.608 -51,6
Lucro líquido atribuível à ExxonMobil 44.880 32.580 32.520 16.150 7.840 -82,5
Fluxo de caixa das operações e da
63.825 47.621 49.151 32.733 26.357 -58,7
venda de ativos
Gastos de capital e exploração 39.799 42.489 38.537 31.051 19.304 -51,5
Custos de pesquisa e
1.042 1.044 971 1.008 1.058 1,5
desenvolvimento
Dívida total no fim do ano 11.581 22.699 29.121 38.687 42.762 269,2
Valor de mercado no fim do ano 389.680 438.684 388.398 323.928 374.438 -3,9
Número de funcionários regulares no
76,9 75,0 75,3 73,5 71,1 -7,5
fim do ano (em milhares)
Fonte: Adaptado de ExxonMobil, 2016b.
%
2012 2013 2014 2015 2016
milhões de US$ (2016/2012)
A empresa francesa Total também apresentou resultados ruins (ver Tabela 7).
Entre 2014 e 2016, a receitas de vendas diminuíram 36,6%, o lucro líquido ajustado dos
segmentos de negócio, 33,9%, o fluxo de caixa, 35,5% e os investimentos, 32,7%.
Haynes and Boone (2017) listou 123 produtores de óleo e gás nos EUA que
pediram falência42 entre janeiro de 2015 e abril de 2017. Esses casos foram registrados em
sua maioria no estado do Texas (55) e de Delaware (20). O total de dívida segurada desses
casos foi de US$ 31 bilhões e de não segurada foi de US$ 48 bilhões.
Os países produtores e exportadores de óleo também foram afetados fortemente
com a diminuição drástica dos preços do petróleo. No gráfico 5, países selecionados aparecem
42
Pedidos de falência que se incluem no Capítulo 7, Capítulo 11, Capítulo 15 da legislação estadunidense e
alguns casos no Canadá (18 dos 123).
63
com superávites fiscais e em transações correntes em 2011 quando vigoravam altos preços.
Em 2016, na maioria dos casos, esses resultados se convertem em duplos déficites.
Gráfico 5 - Soma do saldo fiscal e da conta corrente em países produtores de óleo selecionados, em %
do PIB, 2011 e 2016
combustíveis fósseis por poder ser transformado nos produtos mais desejados (combustível,
fonte de aquecimento, polímeros, fertilizantes, energia elétrica), exigindo menos
processamento que outros hidrocarbonetos.
De acordo com Pinto Junior et al. (2007), além das vantagens ambientais que o
gás natural oferece relativamente à queima do carvão e do óleo, esse recurso requer menos
processamento, ao prescindir da fase do refino, e é bastante versátil no seu uso e no poder
de substituição de outros recursos43. Os autores citam como exemplo do uso do gás natural:
na indústria, como redutor siderúrgico ou como gerador de calor de processo, substituindo o
óleo e o carvão; no transporte, como combustível substituto da gasolina e óleo diesel; na
geração elétrica, concorrendo com todas as tecnologias, mas sobretudo com carvão, óleo
combustível e o diesel44 e; na indústria petroquímica, como matéria-prima não-energética, na
substituição da nafta.
Yergin (2011), outro autor que é grande entusiasta e defensor do gás natural,
ressalta, como uma das mudanças mais substantivas que ocorrerão nos próximos anos da
primeira metade do século XXI, o crescimento da participação do gás natural na matriz
energética mundial. Para tanto, foi e terá papel fundamental a exploração dos poços de shale,
produzindo o chamado shale gas.
“The new supply will include natural gas, with its growing importance for
the global economy. The rapid expansion of liquified natural gas is creating
another energy market. Shale gas, the biggest energy innovation since the
start of the new century, has turned what was an iminent shortage in the
United States into what may be a hundred-year supply and may do the
same elsewhere in the world. It is dramatically changing the competitive
positions for everything from nuclear energy to wind power. It has also
stoked, in a remarkably short time, a new environmental debate.” (p. 6).
43
Como será mencionada a seguir, os autores ressaltam que a grande desvantagem do gás relativamente aos
outros recursos reside na sua baixa densidade calórica ou no grande volume para a mesma quantidade de energia
de outros recursos, acarretando diferença de custo para o seu transporte. “(...) uma mesma quantidade de
energia na forma de gás natural ocupa um volume cerca de 1000 vezes superior à energia na forma de petróleo.”
(p. 233).
44
Gülen (2014) argumenta que a alta demanda por gás natural no mundo não ocorre necessariamente por conta
de seus preços mais baixos com relação a outros combustíveis, mas sim porque seu uso nas usinas de energia
elétrica torna os projetos mais rápidos e com menor custo de capital com relação àqueles à base de carvão ou
de outras cargas.
65
eletric power, both for its own features and as an effective – and indeed
necessary – complement to greater reliance on renewable generation. And
technology is making it more and more available, whether in terms of
advances in conventional drilling, the ability to move it over long-distance
pipelines, the expansion of LNG onto much larger scale, or, most recently,
the revolution in unconventional natural gas.” (p. 341).
45
A indústria do gás e sua comercialização já ocorrem nos EUA e Inglaterra no século XIX mas sob a forma de gás
manufaturado (proveniente do carvão) para a iluminação pública, principalmente. A comercialização do gás
natural se impulsiona a partir de 1920, mas só em 1935 é que as vendas de gás natural se mostram superiores à
do gás manufaturado e só depois de 1950 o gás natural cresce em detrimento do gás manufaturado (PINTO
JUNIOR et al., 2007).
46
Pinto Junior et al. (2007) registram que até a década de 1950 uma grande parte do gás natural encontrado foi
desperdiçada. Os autores assinalam que “mesmo nos anos 70, na época do choque do petróleo, cerca de 60%
da produção de gás no Oriente Médio era queimada. Procurar petróleo e encontrar gás era considerado um
fracasso!!!” (nota de rodapé 13, da página 249).
47
“Technology advances and declining costs have finally allowed gas to economically overcome these challenges
to become the fuel of the future.” (CHANDRA, 2006, p. 1)
66
48
Ainda atualmente, as distâncias do campo produtor ao consumo deixam reservas de gás sem exploração. Não
raro, o gás natural extraído junto com o óleo (nos poços off-shore, por exemplo), mesmo que abundante, não é
comercializado e apenas utilizado na própria plataforma como fonte de energia ou insumo para extração e
produção do óleo. O que não é utilizado, é queimado (aumentando a emissão de gases poluentes na atividade
petrolífera) (CHANDRA, 2006).
67
49
Como assinalam Pinto Junior et al. (2007): “É importante salientar que o problema tecnológico colocado pelas
plantas embarcadas vai muito além da compactação do processo de liquefação propriamente dito. Grande parte
da área ocupada por uma planta está associada à fase do processamento do gás natural e estocagem do GNL e
dos condensados produzidos pela planta.” (p. 243).
68
50
Utilizando os dados do BP Statistical Review de 2007, Mathias (2008) mostra que enquanto as transações
internacionais de óleo correspondiam em 2006 a quase 65% do total da produção desse hidrocarboneto, o
mesmo indicador para o gás natural era de 26%.
69
do gás natural nesses mercados tendem sempre a seguir a referência dos produtos
substitutos, uma vez que o gás pode ser facilmente substituído nas suas aplicações (um
esquema conhecido por netback pricing).
Nos EUA, houve uma maior disseminação dos contratos à vista (transações
baseadas no mercado spot) e, portanto, um maior descolamento dos preços do petróleo com
relação ao preço do gás, tornando a concorrência atrelada às disputas entre os ofertantes de
gás natural. A oferta tende a se concentrar nos hubs que passam a dar os preços de referência.
Nos EUA, em Luisiana, está localizado o Henry Hub, o ponto de comercialização mais
importante desse país e considerado nos contratos futuros de gás natural da NYMEX. Muito
rapidamente, a indústria de gás natural construiu uma malha de gasoduto que corta todo o
território estadunidense. Além de ser uma marca forte desse país até hoje, essa extensa rede
permitiu um volumoso comércio regional entre os países das fronteiras, Canadá e México,
sobretudo o Canadá que é um grande produtor de gás natural (MATHIAS, 2008).
Na Europa, no entanto, encontra-se um mercado de gás natural menos flexível
com presença maior de contratos de longo prazo e mais atrelados ao preço do petróleo. Outra
diferença entre a Europa (com exceção da Inglaterra) e os EUA é o de que na primeira região
predominam as empresas estatais e na segunda os agentes privados. Os gasodutos europeus
transportam recursos provenientes dos países exportadores da região (Holanda, Noruega e
Rússia) e da África (Argélia) e dos portos com plantas regasificadoras que recebem GNL. O
incremento gradativo da rede de distribuição de gás natural e dos canais de comércio exterior
na Europa permitiu a substituição do carvão como insumo das termelétricas para o gás natural
(MATHIAS, 2008).
O Japão, pelas suas características geográficas, sempre dependeu das importações
de gás natural por transporte marítimo, portanto, na sua forma liquefeita (GNL).
Primeiramente importou GNL do Alasca e, depois do choque do petróleo, buscou diversificar
os pontos de importação, aumentando a participação dos exportadores asiáticos (Brunei, Abu
Dhabi, Indonésia, Malásia e Austrália) (MATHIAS, 2008).
As reservas de gás natural da China encontram-se em regiões distantes dos
centros industriais e consumidores, o que dependeria de formidáveis investimentos em
gasodutos. Assim, esse país é consumidor de GNL, e também tem preferências por
investimentos em gasodutos a partir da Rússia e Ásia Central, com quem, como relata Mathias
70
(2008, p. 202), “tenta estabelecer contratos de longo prazo com preços abaixo do valor de
mercado do GNL.”
O Catar é um grande exportador de GNL. Uma das razões para o baixo preço do
metano comercializado por esse país é a complementação que é feita com a separação e
comercialização dos líquidos de gás natural, cujos preços melhores subsidiam a venda de mais
alta escala do metano por navios (GÜLEN, 2014).
No gráfico 6, observa-se que os preços do gás natural em diferentes mercados
(Japão, Alemanha, Reino Unido, Canadá e EUA) estavam convergindo até 2008. A partir de
2009, os preços de comercialização na América do Norte tomam uma tendência de queda
abrupta e sustentada em patamar baixo, que não foi acompanhada por outros mercados,
principalmente no Japão. Em 2012, nos EUA quase atingiu-se o preço de US$2 por Mmbtu
enquanto no Japão aproximou-se de US$17 por Mmbtu51.
Gráfico 6 – Preço do gás natural e GNL, em US$/milhões de Btu, Japão, Alemanha, Reino Unido e EUA,
1996-2015
18,00
US$ por milhões de Btu
16,00
14,00
12,00
10,00
8,00
6,00
4,00
2,00
0,00
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2012
2013
2014
2015
2002
2003
2010
2011
51
Vale lembrar que a necessidade de importação de gás natural no Japão aumentou substancialmente após a
paralisação da produção de energia nuclear de Fukushima, em 2011.
71
one in which prices would converge. The arrival of shale gas has, for the
time being, disproved that assumption. Yet the emergence of this new
resource in North America is certainly having a worldwide impact –
demostranting that the gas market is global after all – just not quite in the
way that would have been expected.” (YERGIN, 2011, p. 341).
52
CORRELJÉ, A. F. Markets for Natural Gas. In: CLEVELAND, Cutler J. Encyclopedia of Energy. Boston: Elsevier,
2004. v. 3, p. 799-808.
73
prazo. Também são relevantes negociações do tipo take or pay ou de ship or pay, em que o
consumidor se compromete a pagar um volume contratado independente de seu uso
(MATHIAS, 2008).
Mathias (2008) defende a tese de que a indústria de gás natural está caminhando
para se tornar uma indústria globalizada, a exemplo do que já ocorreu com a indústria do
petróleo. Para que o gás natural possa se tornar uma mercadoria de amplitude mundial, o
comércio internacional deve conectar os países produtores e os países consumidores sem esse
recurso natural (ou em quantidade insuficiente), tornando-o uma commodity internacional.
Mas, a globalização da indústria de gás, nos termos da autora, depende que
contratos e operações financeiras a partir dessa commodity sejam realizados no âmbito
mundial, com a participação de qualquer agente independente do país em que reside. A
autora compara o setor de óleo e o setor de gás e conclui que a indústria mundial de óleo se
encontra em estágio avançado de globalização (comércio, investimentos produtivos e
finanças), enquanto a indústria de gás natural caminha na mesma direção, ainda que se situe
em fase bem menos avançada. A expansão do comércio internacional de gás natural liquefeito
(GNL) correspondeu a um passo importante na definição de um mercado global de gás e seu
avanço contribui para transformar o gás natural em uma commodity internacional.
53
Pinto Junior et al. (2007) assinalam que o custo da construção da infraestrutura de transporte é
significativamente maior que os custos de operação e manutenção. Disso se pode se depreender o fato de que
em muito casos as empresas estatais se responsabilizam e arcam com o custo do investimento da construção e
montagem da infraestrutura de transporte para, depois, oferecer ao setor privado a sua operação.
74
a 70% dos custos totais do gás natural. Os autores apontam que a construção dos gasodutos
é cara porque compreende os custos dos dutos, o custo de desapropriação das áreas de
servidão por onde eles passam e os custos de montagem que, por sua vez, incluem “a
escavação da trincheira para o lançamento dos dutos, o transporte do duto até a área de
montagem e a soldagem dos dutos.” (p. 238). Todos esses custos aumentam conforme a
distância, portanto, a redução do custo médio depende do aumento do volume de gás
transportado. O desenvolvimento tecnológico nessa atividade de transporte de gás mirou esse
desafio, conforme atestam os autores:
“Por esta razão, as inovações tecnológicas surgiram, inicialmente, em torno
daquelas trajetórias tecnológicas clássicas que procuram explorar as
economias latentes de escala; isto é, em torno do desenvolvimento de
técnicas que permitam produzir e montar dutos cada vez maiores, com
capacidade crescente de transporte, diluindo cada vez mais o custo do
capital total em um grande volume transportado.” (PINTO JUNIOR et al.,
2007, p. 238).
financiamento para as inversões na cadeia do gás (em gasodutos, por exemplo, que requerem
maior fôlego financeiro) (MATHIAS, 2008).
Como exemplo da expansão das empresas, originalmente de óleo para o setor de
gás, estão alguns dados apresentados em Campbell et al. (2016). De acordo com a pesquisa,
os autores arriscam até a dizer que no futuro não haverá mais Big Oil Companies e sim Big Gas
Companies. Isso porque as empresas petrolíferas estão aumentando a sua participação nos
negócios do gás natural em detrimento da participação da produção de óleo e derivados. A
empresa BP foi a única das supermajors que não apresentou acréscimo da participação da
produção de gás (transformado em volume de óleo equivalente) entre 2000 e 2015. As
demais, no entanto, apresentaram. Nesse período, na Shell o peso do gás natural foi de 37%
para 49% do total da produção, na ExxonMobil de 40 para 43%, na Chevron de 27 para 33%,
na Total de 30 para 47%, na ConocoPhillips de 33 para 43% e na Eni de 37 para 48%.
A empresa BP, a que aparece com menos evolução na atividade de gás natural que
outras majors, registra que assinou o segundo contrato de produção conjunta (PSC, em inglês,
production sharing contract) com a CNPC (China National Petroleum Corporation) para o
desenvolvimento e produção do shale gas no território chinês54 (BP, 2016).
No relatório anual de 2015 da BP, a empresa posiciona-se de forma otimista
quanto ao futuro da oferta de gás natural no mundo, em especial, a proveniente das
perfurações das formações de shale.
“Natural gas is likely to play an increasing role in meeting global energy
demand, because it’s available at scale, relatively low cost and lower
carbon than other fossil fuels. By 2035 gas is expected to provide 26% of
global energy, placing it on a par with oil and coal.
We believe shale gas will contribute more than half of the growth in natural
gas globally between 2014 and 2035. In the US, the growth of shale gas has
already had a significant impact on gas demand as well as CO2 emissions,
which have fallen back to 1990s levels” (BP, 2015, p. 11).
54 De acordo com a nota da BP: “In addition to unconventional resource exploration and development, the
framework agreement covers possible future fuel retailing ventures in China, potential new oil and LNG trading
opportunities globally and carbon emissions trading, as well as sharing of knowledge around low carbon energy
and management practices” (BP, 2016).
76
Na projeção da ExxonMobil para 2040, a demanda por gás natural irá crescer mais
do que a de outros principais combustíveis (duas vezes mais do que a do óleo). A demanda
deverá ser atendida pela produção de fontes não convencionais dos EUA, mas também da
Ásia do Pacífico que, segundo a publicação, deverá ser responsável por 20% do crescimento
da produção não convencional (EXXONMOBIL, 2016a, p. 65). Ainda assim, o relatório prevê
que a maior parte da oferta mundial venha das fontes convencionais (Rússia, Oriente Médio
e África).
No Gráfico 7, podem-se visualizar as projeções realizadas no relatório da
ExxonMobil. Os EUA passarão a ser o 2º. maior exportador de gás, em função das fontes não
convencionais. A Rússia continuará sendo o primeiro em exportação.
Gráfico 7– Projeções de produção, exportação e importação de gás natural, por fonte e por região,
2010-2040
Outra empresa petrolífera que avança sobre o setor de gás natural é a Total. Essa
empresa em 2016 ampliou substantivamente sua participação na produção de shale gas nos
EUA ao adquirir o controle total dos leases em que a empresa e Chesapeake eram sócias na
bacia de Barnett Shale. Segundo Horobin (2016): “Total’s move, which could increase its
77
relatively small output in the U.S., is part of a wider pivot the company is making to pump more
natural gas than oil.”.
As supermajors são importantes representantes do setor de gás pois as
especificidades técnicas e econômicas existentes na cadeia produtiva do gás também exigem
dos agentes participantes uma envergadura própria de gigantes.
A integração vertical, por exemplo, é um movimento forçoso para os players desse
mercado tanto para aqueles que estão na ponta da exploração da cadeia, como para aqueles
que atuam como demandantes do gás natural. Enquanto os produtores precisam garantir o
escoamento e a distribuição, os consumidores precisam assegurar o acesso e algum controle
sobre o preço do gás natural. Mathias (2008, p. 178) observa que:
“Produtores procuram se integrar à jusante com o objetivo de monetizar
suas reservas e garantir o escoamento do seu produto. Do outro lado,
importadores procuram se integrar à montante para garantirem o acesso
ao produto (de preferência, diversificando a origem), reduzindo assim os
riscos tanto com relação ao suprimento quanto no tocante à negociação
junto aos produtores.”
55
Com a compra da BG Group, a Shell “has a 20 percent share of the global LNG market, scores of giant gas
tankers prowling the seas, and double the production capacity of its closest competitor, ExxonMobil” (CAMPELL
et al., 2016).
56
RUESTER, S.; NEUMANN, A. Economics of the LNG Value Chain and Corporate Strategies: An Empirical Analysis
of the Determinants of Vertical Integration. In: The 10th Annual ISNIE Conference. Boulder, Colorado, September,
2006.
78
a entrada das empresas nas etapas anteriores ou seguintes da cadeia produtiva do gás natural,
para além de onde já se estabelecem:
“Size matters when it comes to the increased capability of financing an
integration and entering new stages of the value chain which traditionally
were not considered core competences. Firm size, measured through the
asset value, has a positive and significant impact on the the degree of
vertical integration.” (RUESTER; NEUMANN, 2006, apud MATHIAS, 2008, p.
180).
As empresas estatais têm papel relevante na indústria gasífera, porém por motivos
distintos do que aqueles atribuídos para a emergência e consolidação de NOCs na produção
de petróleo. Como Mathias (2008) observa, enquanto a presença do Estado no setor produtor
e de comercialização do óleo se fez importante por conta da importância desse combustível e
matéria-prima na estrutura produtiva dos países, na indústria de gás sua presença está mais
associada à intensidade de capital de alguns elos da cadeia (como transporte) e à
especificidade dos ativos das operações de toda cadeia produtiva de gás. Essas duas
características da indústria gasífera também foram responsáveis tanto pelo atraso para que
esse hidrocarboneto fosse incluído na matriz energética dos países de forma permanente,
bem como são razões para que esse setor não tenha alcançado o mesmo nível de globalização
que o do setor de óleo (MATHIAS, 2008).
A expansão do mercado de gás natural é muito mais dependente da construção e
manutenção de infraestrutura do que o de óleo. A infraestrutura de transporte (sejam os
gasodutos, seja o GNL) é muito intensiva em capital, incluindo o alto peso da pesquisa
tecnológica, e demanda grande tempo para serem construídas. Como exemplo, um tanque de
armazenamento de gás no Japão (grande importador de GNL) leva 36 meses para a sua
construção, além de ser uma construção cara e difícil por utilizar metais especiais capazes de
armazenar o gás natural em grande quantidade (CHANDRA, 2006, p. 63).
Assim, um mercado de gás natural em algum país pode ficar inexplorado ou
subexplorado por um tempo, mas à medida em que a infraestrutura de transporte,
armazenamento57, transmissão e distribuição vai sendo viabilizada e construída, haverá,
57
Vale apontar que a estocagem do gás natural é parte integrante do sistema de transporte, em função do
caráter sazonal, em alguns países e regiões, do consumo do gás (quando este é usado principalmente para o
aquecimento dos estabelecimentos e residências no inverno). O armazenamento do GNL é realizado em tanques
próximos dos portos de exportação e de importação e a do gás natural por gasoduto é feito nos próprios
gasodutos ou em áreas subterrâneas (como a dos reservatórios gasíferos já exauridos, aquíferos ou cavernas de
sal) (CHANDRA, 2006).
79
nesses países, uma pressão sobre as instituições reguladoras e sobre os governos para que
aquela estrutura econômica seja plenamente utilizada por muitos anos. Há uma
irreversibilidade na matriz energética na medida em que a infraestrutura atrelada ao gás
natural é montada e operacionalizada. Essa pressão será maior quanto maior for a
participação do capital privado nesses investimentos.
A expansão do mercado de gás natural é tratada por Mathias (2008, p. 233) como
algo certo, porém seu ritmo depende de alguns fatores. O crescimento da indústria gasífera
depende de vultosos investimentos (em todos os elos da cadeia, incluindo GNL) e, com menos
contratos de longo prazo, os riscos se elevam. Nas suas palavras:
“Entretanto, parte destes investimentos deverá ser realizada sem a
contrapartida de retorno, uma vez que os mercados estão liberados e há
cada vez menos espaço para investimentos ponto a ponto, típicos do
modelo tradicional utilizado no início do desenvolvimento da indústria.”.
58
As vantagens de escala, no entanto, serão obtidas por aquelas que tiverem os maiores volumes de produção
por unidade de capital. Em 2003, a escala de produção brasileira era alta, porém a capacidade média das plantas
era bem inferior a de outros países (a dos EUA era 3,8 vezes maior, a da Alemanha, 1,6, a da Itália, 1,8 e a da
Coreia do Sul, 1,7) (HIRATUKA; GARCIA; SABBATINI, 2003). Em 2008, também se observavam grandes diferenças
entre as unidades produtivas no mundo com as maiores escalas de produção e as maiores unidades brasileiras.
Como exemplos, enquanto a maior unidade produtora de etileno no mundo apresentava um volume de 1.450
mil toneladas (situada na Arábia Saudita), a maior do Brasil produzia 650 mil toneladas de etileno; em PEAD, a
maior planta do mundo produzia 960 mil toneladas (também na Arábia Saudita) e a do Brasil 360 mil toneladas
(HASENCLEVER; ANTUNES, 2009). Esses dados reforçam que podem ser encontradas diferenças competitivas
importantes ao nível da planta, em função da escala de produção.
81
59
Assim como a nafta, o etileno e propileno também não são típicas commodities, dado seu alto consumo intra-
empresas.
84
upstream (refinarias e exploração de petróleo e gás) é receptor de uma renda que, nas
empresas verticalizadas, pode ser utilizada nos investimentos da fase petroquímica,
downstream60 (CHUDNOVSKY; LÓPES61, 1997, p. 54). Para as empresas petrolíferas, a
integração a jusante também é vantajosa porque o controle da matéria-prima (preço e acesso
se transforma no “factor clave para la competencia dentro del sector— y de la posibilidad de
optimizar el uso de los hidrocarburos en complejos integrados de refinerías y plantas
petroquímicas” (CHUDNOVSKY; LÓPES, 1997, p. 56).
Utilizando a abordagem dos custos de transação e os incentivos à internalização
de atividades, IPT (2008) registra que a integração física e societária no setor petroquímico
ocorre como forma de reduzir os custos de agência e de transação, “no sentido de propiciar
melhor assunção de direitos de propriedade sobre os ativos relevantes” (p. 29).
Com a mesma abordagem dos custos de transação, Pelai (2006) também explica o
imperativo de internalização dos elos produtivos a montante pelo setor petroquímico. Isso
porque esse setor apresenta quatro dos seis tipos de especificidade de ativos: especificidade
de ativos físicos (o capital fixo da petroquímica não pode ser utilizado em outras atividades),
especificidade locacional (matérias-primas gasosas ou líquidas corrosivas e tóxicas, cujo
transporte é de alto custo e complexo), ativos dedicados (as dutovias entre 1ª. e 2ª. gerações,
por exemplo) e especificidade temporal (os fluxos são contínuos, portanto, uma paralisação
por conta de falta de matéria-prima gera custos altos). Assim, há, no setor petroquímico,
incentivos para a adoção da internalização dos setores anteriores ou posteriores da cadeia em
detrimento da governança pelo mercado.
A assimetria de informações também pode ser explicação importante para as
estratégias de verticalização. Pelai (2006) destaca como problema para a governança via
mercado a falta de informações e conhecimentos (de controle, portanto) sobre as condições
de produção, oferta e custos dos insumos, bem como sobre os investimentos e suas
características (mix de produto, por exemplo) da etapa a montante.
60
Rendas que aumentam quanto maiores os preços dos hidrocarbonetos básicos. Nesses momentos, as
empresas petroquímicas integradas ao setor petrolífero possuem condições maiores de sustentarem margens
de lucro, sendo menos necessários os cortes nos investimentos, por poderem contar com subsídio cruzado das
unidades em atividade upstream.
61
Segundo os autores, a verticalização também pode trazer algumas desvantagens como a inflexibilidade
operacional, altos custos de saída e geração de ineficiências na administração de muitas unidades.
85
O autor afirma que a mesma comparação poderia ser feita utilizando uma
empresa estritamente petroquímica e uma outra petroquímica e com grande faturamento (e,
orçamento em P&D) no setor farmacêutico.
“O peso da atividade petrolífera representa uma massa econômica e
financeira que dá sustentação a diversas empresas petroquímicas, tanto
quanto a produção de conhecimentos e a inovatividade das indústrias de
base químico-farmacêutica alimenta a produção de novos produtos e
processos nas indústrias química e petroquímica” (FURTADO, 2003, p. 9).
62
Furtado (2003) designa essas rendas derivadas dos licenciamentos de tecnologia de “rendas acíclicas”. Assim,
empresas licenciadoras possuem esse trunfo com relação às demais uma vez que são usadas para manter a
rentabilidade constante nos momentos baixistas de preços dos produtos petroquímicos, que são cíclicos e
estruturais ao setor.
89
volume de investimentos em pesquisa do que o realizado pelas empresas líderes. Sendo assim,
o gap tecnológico entre umas e outras só tende a se ampliar (HIRATUKA; GARCIA; SABBATINI,
2003).
À medida que se amplia a diversificação horizontal, as empresas obtêm economias
de escopo e podem usufruir de vantagens competitivas relacionadas à intensa diversificação.
Citando exemplos das economias de escopo, Schutte (2004) elenca os ganhos derivados da
redução do custo unitário do transporte entre gerações da cadeia petroquímica, a
racionalização dos serviços básicos de infraestrutura e o aperfeiçoamento do sistema de
controle ambiental das empresas.
63
Em 2016, antes da fusão com a DuPont, a divisão global de “Embalagens e Plásticos de Especialidade” da Dow
Chemical representou 40% do EBITDA da empresa (FONTES, 2017a). Possivelmente, após a fusão, essa empresa
se encontrará com um grau de diversificação ainda maior, mesmo com a desintegração da Dow-Dupont em três
empresas diferentes.
64
Guglielmo (1962) afirma que o capital petrolífero na petroquímica foi mais ousado na expansão de suas
unidades no exterior do que o capital químico nas suas unidades petroquímicas.
91
já contava com uma grande unidade no México, cinco nos EUA e duas na Alemanha, por
exemplo) e que os fluxos de capital permaneceram fluindo fortemente para a Ásia nos anos
seguintes a 2002.
%
Região de Capacidade Capacidade
Faturamento Capacidade
Origem na Origem Total
Empresa IDE
Braskem* 2,5 Brasil 1.768 1.768 0
Equistar 5,5 EUA 5.110 5.110 0
Chevron/Phillips 5,4 EUA 3.493 3.674 4,9
Sinopec 26,1 Ásia NE 2.795 3.220 13,2
Shell (Quimíca) 11,5 Europa 3.999 6.516 38,6
Sabic 9 Oriente Médio 3.350 5.488 39
Dow 27,6 EUA 5.689 9.750 41,7
ExxonMobil (Química) 16,4 EUA 4.549 8.408 45,9
Formosa Plastics 12,2 Ásia SE 1.678 3.175 47,1
Basf (Química)** 5,3 Europa 1.580 3.012 47,5
BP Amoco 13,1 Europa 1.350 4.641 70,9
Total Seleção 132,2 52.993 34,9
* 50% Copesul + 100% Copene
** Em bilhões de Euros
1.3.5. As grandes irmãs do setor petroquímico: alguns exemplos de empresas líderes e suas
fontes de competitividade
Tabela 10 – Ranking mundial do setor químico, por faturamento, em milhões de US$, 2015
Vendas
1 Basf 76.554
2 Sinopec* 50.238
3 Dow Chemical 48.778
4 Sabic 39.450
5 Mitsubishi Chemical Holding 34.005
6 LyondellBasell Industries 32.735
7 ExxonMobil Chemical* 28.134
8 INEOS 25.678
9 Dupont 25.130
10 Linde Group 19.499
11 Toray 18.719
12 Sumitomo Chemical 18.695
13 Air Liquide 17.799
14 Total* 17.500
15 LG Chem 17.181
99 FMC 3.277
100 Petronas Chemicals Group 3.145
* Somente o setor químico
Obs: Shell ocupou a 7a. posição em 2014
Fonte: ICIS Chemical Business (2016).
95
65
Entre 1990 e 2001, Pelai (2006, p. 10) registra algumas das principais fusões, aquisições e joint-ventures desse
período: “Oxychem/Equistar e Lyondell/Millennium (1997); BP/Amoco, Borealis/PCD e Transcanada/Nova
(1998); Hanwah/Daelim e Samsung/Hyundai (1998/1999); Exxon/Mobil (1999), Elenac/Montell/Targor (2000),
Dow Chemical/Union Carbide e Phillips/Chevron (2000) e Solvay/BP (2001).”.
96
Gráfico 9 – Setor químico mundial: valores dos acordos anunciados acumulados e completos de fusões
e aquisições, em bilhões de US$, 2007-2016
66
Empresas cuja principal atividade reside na exploração e produção de petróleo e gás. Cabe a ressalva que
muitas ou quase todas empresas dessa lista das 15 maiores possuem ativos na fase upstream da cadeia
petroquímica.
67
Shell não aparece nesse ranking, pois, de acordo com a publicação da ICIS, a empresa não estava com os dados
prontos de 2015 até o momento da divulgação da pesquisa. No entanto, em 2014, o setor químico da Shell
ocupava a 7ª. posição.
97
participar do segmento upstream (com produção em 2015 de 349 milhões de barris de óleo
cru e 734 bilhões de pés cúbicos de gás natural; SINOPEC, 2015), a maior empresa
petroquímica da China também participa da produção e distribuição dos produtos derivados
do refino do petróleo, do segmento da engenharia do petróleo e no setor da Construção Civil.
Um dos exemplos recentes mais notáveis da estratégia de integração entre os
setores químico e o petrolífero parece ser dado pela criação da Sadara, em 2011, na Arábia
Saudita. Essa empresa é fruto de uma joint-venture entre Saudi Aramco e Dow Chemical e já
iniciou em 2016 a produção de petroquímicos em um complexo industrial formado por 26
plantas industriais integradas e com escala mundial. Essa empresa faz parte do plano da Arábia
Saudita de ampliar sua diversificação produtiva, utilizando principalmente sua base produtiva
de matéria-prima a partir do óleo e gás (SADARA, 2017).
Alperowicz (2016) registrou que esse investimento também é altamente inovador
(chamado pela empresa de “game changer”), em função do processo que utiliza para o
craqueamento das matérias-primas. O MFC (Mixed Feed Cracker) traz a flexibilidade de
“craquear” tanto as moléculas de nafta quanto as de etano. Com essa tecnologia, serão 3
unidades craqueadoras. Além dessas, residem no complexo mais 7 unidades que utilizam
etano do gás e mais 2 consumidoras de nafta. Etano e nafta serão fornecidos pela Saudi
Aramco. O etileno resultante será usado para polimerização nas unidades downstream da
Sadara (com a tecnologia da Dow Chemical), e o propileno, além do consumo interno, será
destinado a outra joint-venture da Sadara (com Sabic e Saudi Acrylic Acid Co.).
De acordo com o CEO da Sadara, Zian al-Labban:
“The ... mixed-feed cracker allows us to produce our own basic chemicals
on-site and, subsequently, to convert these basic chemicals into a wide
range of value-added plastics and specialty chemicals through our other
manufacturing units. It also allows us to adjust our production levels of
chemicals between naphtha-based and ethane-based feedstock in
accordance with market demand” (ALPEROWICZ, 2016).
68
De acordo com o site da Sabic: “Ranked among the world’s largest petrochemicals manufacturers, SABIC is a
public company based in Riyadh, Saudi Arabia. 70% of the Company’s shares are owned by the Saudi Arabian
government, with the remaining 30% publicly traded on the Saudi stock exchange. SABIC began in 1976 by Royal
decree and its growth has been nothing short of miraculous. Today, the company has operations in over 50
countries with a global workforce of over 35,000 talented individuals”. A empresa é dividida em 5 segmentos de
negócios: Química, Plásticos, Agronutrientes, Metais e Especialidades. (SABIC, 2017).
99
chances de sucesso para Aramco dar esse “salto”, indicando os obstáculos para se tornar uma
empresa química líder, mesmo sendo uma gigante petrolífera.
Ainda com relação ao impulso à diversificação e à internacionalização da Saudi
Aramco, vale mencionar a assinatura de um projeto conjunto com outra estatal química
chinesa, a China North Industries Group Corp., para a construção e operação de uma planta
integrada de refinaria e petroquímica. Segundo analistas, esse projeto permite que Saudi
Aramco garanta suas vendas de petróleo e ainda abre oportunidades para outros segmentos
industriais e de serviços árabes que apoiarão a implantação e operação de tal complexo
químico (GUO, 2017).
As empresas químicas e petroquímicas, em geral, são integrantes de grupos
petrolíferos ou integraram no seu histórico recente. Esse é o caso da Phillips 66 que, mesmo
sendo fruto de uma desintegração de uma petrolífera69, mantém um alto grau de
diversificação, uma vez que abriga em seu portfólio as áreas de refinarias, química e atividades
da fase midstream (dutos, estocagem, fracionamento de gás natural para a produção de LGN,
etc). Ademais, essa empresa estadunidense mantém alianças e joint-ventures com outras
grandes empresas. No segmento midstream, opera com a Phillips 66 Partners (empresa de
capital aberto da Phillips 66 desse segmento) e com a DCP Midstream70 que é uma sociedade
igualitária entre Phillips 66 e Spectra Energy (PHILLIPS 66, 2017a). No segmento petroquímico,
essa empresa é proprietária de 50% da Chevron Phillips Chemical Company LLC (CPChem) e
concentra suas operações fabris nos EUA (mais de 20 unidades industriais e 2 centros de
pesquisa) e Oriente Médio (Arábia Saudita e Catar), embora também tenha ativos produtivos
na China, Coreia do Sul e Cingapura. São os maiores produtores mundiais de polietileno de
alta densidade, segundo maior de olefina alpha, quarto maior produtor nos EUA de etileno e
maior produtor do mundo de ciclohexano (PHILLIPS 66, 2017b). Essa empresa também é
proprietária de 14 refinarias (nos EUA – 11 – e na Europa - 3) e também de empresas de
69
Essa empresa foi criada em 2012, como resultado do desmembramento da ConocoPhillips (que por sua vez
tinha sido fruto da fusão entre Phillips Petroleum e Conoco em 2002). A ConocoPhillips concentrou-se na fase
upstream de desenvolvimento e produção de gás natural e óleo (HAUTER, 2016).
70
Como registrado no site da empresa: “DCP Midstream is one of the largest natural gas gatherers and processors
and one of the largest NGL producers and marketers in the United States. As of December 31, 2015, DCP
Midstream has natural gas storage capacity of 13 billion cubic feet (BCF). Its operations gather and transport raw
natural gas and NGL through approximately 66,200 miles of pipeline. The collected gas is processed at 63 plants
and treaters owned or operated by DCP Midstream. It also owns or operates 12 NGL fractionators”.
100
Tabela 11 – Lista dos dez maiores produtores de etileno do mundo por capacidade de produção, em
toneladas por ano, 2015
Capacidade (mil ton por ano)
De complexos de De complexos de
propriedade total da propriedade parcial da
Empresa Sítios* empresa empresa
1 ExxonMobil Chemical Co. 19 15.013 8.449
2 Saudi Basic Industries Corp. 15 13.392 10.274
3 Dow Chemical Co. 21 13.045 10.529
4 Royal Dutch Shell PLC 13 5.358 6.147
5 Sinopec 13 7.895 7.275
6 Total AS 9 5.610 3.149
7 Chevron Phillips Chemical Co. 8 5.607 5.352
8 LyondellBasell 8 5.200 5.200
9 National Petrochemical Co. (Irã) 7 4.734 4.734
10 Ineos 5 4.316 3.946
* Em 1o. De janeiro de 2015. Propriedade total mais propriedade parcial
Fonte: Adaptado de Brelsford (2015, Tabela 4).
Tabela 12 – Lista dos dez maiores produtores de etileno do mundo por capacidade de produção em
complexos petroquímicos, em toneladas por ano, 2015
Capacidade (mil
Empresa Localização toneladas por ano)
1 Formosa Petrochemical Corp. Mailian, Taiwan, China 2.935
2 Nova Chemicals Corp. Joffre, Alta 2.812
3 Arabian Petrochemical Co. Jubail, Arábia Saudita 2.250
4 ExxonMobil Chemical Co. Baytown, Texas 2.200
5 ChevronPhillips Chemical Co Sweeny, Texas 1.950
6 ExxonMobil Chemical Co. Jurong Island 1.900
7 Dow Chemical Co Terneuzen, Holanda 1.800
Chocolate Bayou,
8 Ineos Olefins & Polymers Texas 1.752
9 Equistar Chemicals LP Channelview, Texas 1.750
10 Yanbu Petrochemical Co. Yanbu, Arábia Saudita 1.705
* Em 1o. de janeiro de 20015.
Fonte: Brelsford (2015, Tabela 1).
dos campos de óleo da Rosneft (SIBUR, 2014, p. 08). O relatório da Sibur explica que o preço
baixo do gás associado de petróleo (AP) que adquirem de terceiros se deve ao fato de que as
empresas de petróleo não podem queimar o gás sob pena de pagarem altas multas. Portanto,
vendem-no a um preço baixo a Sibur.
“SIBUR provides oil companies with an attractive solution for AP utilisation,
therefore, we are able to source AP at advantageous prices. Given the
limited options for using AP and the lack of alternatives for evacuating it
from oil fields, there is no market or benchmark price for AP. AP pricing is
also not subject to government regulation. As a result, we purchase AP
from oil companies at prices that are negotiated on a case-by-case basis
and typically substantially differ from the FTS regulated natural gas prices.”
(SIBUR, 2014, p. 132).
71
Por exemplo, a venda de nafta representa 8,5% do faturamento total da Sibur. Desse valor, 93% é exportado
para a Europa.
104
Figura 4 - Mapa com a extensão geográfica das unidades de extração e processadoras do gás natural
da Sibur
a derrota da Alemanha na 2ª. Guerra Mundial, essa empresa foi obrigada a abrir seus
“segredos” às empresas dos países aliados, inclusive para as estadunidenses.
Gugliemo (1962) registra que o nascimento e consolidação da indústria
petroquímica ocorreram no período em que o oligopólio concentrado em indústrias intensivas
em capital já era a regra, não oferencendo, desde o início, espaços para atuação de pequenas
ou médias empresas. Sobre o setor petroquímico:
“Não conheceu, como as indústrias mais antigas, esse crescimento de
sociedades concorrenciais, donde emergem pouco a pouco, mediante
longa série de absorções ou fusões, as poucas firmas grandes que hoje
dominam o mercado. Além disso, seus capitais provêm principalmente das
indústrias petroleira e química, às quais serve de traço de união e nas quais
a concentração financeira é particularmente avançada. Assim também
concentração igual se encontra na fundação das empresas petroquímicas”
(GUGLIELMO, 1961, p. 83).
72
Pode-se dar como exemplo a ICI (Imperial Chemical Industries) cuja estruturação contou com o apoio do
governo inglês (SCHUTTE, 2004).
73
Durante a segunda guerra, vários projetos foram incentivados pelo governo dos EUA, tendo como um dos
exemplos a borracha sintética para uso em pneus (SCHUTTE, 2004).
108
seguro das matérias-primas e do dinheiro em caixa. Na verdade, já nos anos 1970, com a
elevação dos preços do petróleo, houve uma ampliação dos processos de verticalização nas
duas pontas da cadeia. De um lado, as empresas petroquímicas procuraram realizar uma
integração a montante para terem acesso a matérias-primas mais baratas. Por outro lado, as
petrolíferas ampliaram seus investimentos nos elos a jusante para aproveitarem as
oportunidades de diversificação. Usando a informação da Chemical Economics Handbook, o
autor assinala que das 24 maiores petrolíferas, 23 operam no setor petroquímico também e,
dos maiores produtores de etileno, só a Dow Chemical e a Nova não têm unidades produtivas
no refino ou exploração de óleo e gás.
As joint-ventures são modalidades importantes de integração entre as empresas
petrolíferas e petroquímicas. Como ressaltam Mello et al. (2003), esse vínculo também se
mostra importante para melhorar o acesso à captação de recursos para novos investimentos.
Afinal, empresas petrolíferas tendem a ter acesso privilegiado aos mercados de capitais. Os
autores citam como exemplo de busca por financiamento em condições melhores com
vínculos com empresas petrolíferas até mesmo a Sinopec, empresa chinesa estatal, que conta
com forte apoio dos governos provinciais chineses.
As diversas formas de parcerias, joint-ventures e associações entre empresas
também podem ser visualizadas como poderosas barreiras à entrada de novos concorrentes
em um determinado mercado (anulando, inclusive, como possível concorrente, o próprio
parceiro). Como mostra Pelai (2006, p. 20):
“Por elevar a capacidade de inversões em ativos específicos e dedicados,
com altos custos enterrados, do ponto de vista estático, e, no sentido
dinâmico, por combinarem competências que podem gerar inovações
tecnológicas em produtos e processos, assim como ganhos de
produtividade nos processos, as associações potencializam as barreiras à
entrada constituídas por estes elementos, sinalizando aos demais
competidores obstáculos mais consistentes e críveis do que num projeto
de uma única empresa”.
As fusões e aquisições também devem ser analisadas como uma ação competitiva
das empresas petroquímicas para alcançar as fontes de vantagens competitivas mais
poderosas nesse setor, quais sejam, elevada escala produtiva e empresarial, alta diversificação
e verticalização produtivas, elevado grau de internacionalização, acesso a financiamento e a
matérias-primas a preços competitivos (HASENCLEVER; ANTUNES, 2009).
109
Quando não há agentes produtivos estatais, as ações dos governos podem tomar
formas sutis como em instituições que realizam coordenação de investimentos, regulação de
111
preços, tarifas de comércio exterior, etc. Schutte (2004, p. 55) recorda da atuação dessas
instituições no Brasil, com o CDI, e no Japão, com o Ministério da Indústria e Comércio (MITI).
A coordenação estatal responde, inclusive, por demandas que estão atreladas à
especificidades técnicas do setor petroquímico, como a evidente e inevitável
interdependência entre os elos da cadeia petroquímica, em função do alto volume de
investimentos, indivisibilidade técnica para expansão e contração, busca por economias de
escala e de aglomeração, especificidade de ativos, etc. (CHUDNOVSKY; LÓPES, 1997).
Suarez (1986) destacou a intervenção do governo dos EUA na proteção da
rentabilidade das empresas petroquímicas daquele país às quais se demandava elevação
significativa da produção para o provimento de produtos petroquímicos durante a 2ª. Guerra
Mundial74. O risco da elevação da capacidade produtiva e dos investimentos em diversificação
é sempre muito alto no setor petroquímico. Portanto, para assegurar a execução de tais
projetos durante a guerra, o Estado dos EUA entrou como garantidor dos investimentos.
Se a presença do Estado aparece como peça importante para explicar a força
competitiva de empresas transnacionais, na sua grande maioria oriundas originalmente dos
países desenvolvidos, deveria ser algo até redundante e muito trivial explanar que o governo
e os sistemas públicos são fundamentais para empresas de países subdesenvolvidos. Nesses,
menciona-se que, na estruturação dos setores de base, intensivos em capital, no bojo do
processo de substituição de importações, ou ocorreu uma espécie de “Capitalismo de Estado”,
quando o Estado atuou por meio diretamente da criação das empresas estatais, ou foi um
“Capitalismo Assistido”, quando o Estado agiu colocando em ação uma série de ações de
incentivos e subsídios para promover e tornar rentáveis setores que não o seriam apenas com
os mecanismos de mercado (nos termos utilizados por Chudnovsky e López, 1997).
Os investimentos no setor petroquímico, pelas suas características técnico-
econômicas, são carregados de grande incerteza. Como já analisado aqui, há
interdependência entre os elos da cadeia, especificidade de ativos, elevado conteúdo
tecnológico e de capital nas inversões, necessidade de economias de escala, indivisibilidades
técnicas, entre outros aspectos que tornam os investimentos da petroquímica, greenfield ou
74
Esse horrendo fato da história da humanidade serviu para alavancar sobremaneira a indústria petroquímica
nos EUA. Não só porque a guerra demandou diversos e volumosos insumos químicos, mas também porque
destruiu grande parte do setor carboquímico europeu, sobretudo o alemão, ocupado pelas empresas
petroquímicas estadunidenses com o fornecimento dos insumos químicos (SUAREZ, 1986).
112
que dão apenas sustentabilidade à produção presente, de alto risco. Nesse contexto, as
relações na cadeia petroquímica “at arm´s length” do mercado, são impensáveis, mas também
o são, muitas vezes, a coordenação via verticalização ou via contratos de longo prazo. Parece
haver aí, nesse setor, uma situação em que a coordenação estatal seja inevitável
(CHUDNOSKY; LÓPES, 1997).
O próximo capítulo tem por objetivo apresentar o papel ocupado pelo Estado e
pelo grande capital (grandes empresas e capital financeiro) na definição da competitividade
do setor petroquímico nos EUA nas décadas de 2000 e 2010. Essa experiência, ainda em
andamento, constitui uma poderosa lente pela qual se pode observar a capacidade que tem
o Estado, em meticulosa e complexa articulação com o grande capital, de abrir novos espaços
de acumulação do capital.
113
O gás natural é composto majoritamente por metano e por líquidos de gás natural
(LGN, em português, e NGL em inglês, natural gas liquids). Na Figura 5, aparecem os
componentes do chamado gás natural, quais sejam, metano (o principal em volume) e os LGN:
etano, propano, butano, pentano e outros condensados75. O propano e o butano também
podem ser agregados na categoria denominada gás liquefeito de petróleo (GLP, em português
e, em inglês, LPG, liquified petroleum gas) quando são mantidos, transportados e
comercializados em recipientes pressurizados.
75
Os pentanos e compostos com mais de 5 carbonos (condensados) são hidrocarbonetos mais pesados e já saem
para a superfície dos poços de gás na forma líquida e, nas estatísticas, são considerados da “família” do óleo cru,
são óleos leves ou natural gasoline (CHANDRA, 2006, p. 4).
114
As plantas processadoras de gás natural – que podem até estar localizadas nas
mesmas plataformas de extração de gás76 – são responsáveis por extrair o metano dos demais
elementos do composto gasoso (líquidos de gás natural e impurezas como nitrogênio, o
dióxido de carbono, água).
As porções com mais de um carbono (etano em diante) são destinadas às centrais
petroquímicas, refinarias ou uma parte pode até se misturar com o metano nos gasodutos77.
Portanto, a oferta de insumos para o setor petroquímico proveniente da exploração dos poços
gasíferos é dada, principalmente, pelos líquidos de gás natural que são separados do metano78
nas unidades processadoras de gás natural.
Como os líquidos de gás natural possuem mais moléculas de carbono, seu poder
calorífico é maior, portanto, em geral, são vendidos com um prêmio com relação ao gás
76
As plantas processadoras de gás (que separam os líquidos de gás do metano) podem estar acopladas às
unidades fracionadoras (que vão fracionar os LGN para comercializá-los separadamente). Mas, normalmente, as
plantas fracionadoras recebem os LGN de várias processadoras de gás natural (EIA, 2014a, p. 6).
77
O processamento do gás para sua purificação é realizado por conta das especificações das empresas usuárias
do gás, seja de transporte (importante para que não existam agentes corrosivos), seja das plantas petroquímicas,
de geração de energia ou de liquefação, que exigem um alto grau de pureza dos compostos. A legislação nos EUA
é rigorosa quanto ao grau de pureza do metano nos gasodutos e define multas às entregas do gás natural fora
das especificações. De acordo com EIA (2014a, p. 7): “The amount of nonhydrocarbon liquids, nitrogen (used to
lower the heat content), carbon dioxide, and other non-methane hydrocarbons and fluids in dry natural gas are
limited by various pipeline tariff regulations and noncompliance can result in producer penalties and shipping
restrictions.”.
78
O que se denomina “gás natural seco” (dry natural gas) ou, na maioria das vezes apenas “gás natural” – que é
canalizado nos gasodutos ou transformado em GNL (gás natural liquefeito; em inglês LNG, liquefied natural gas)
para o transporte de navios – é a substância composta quase que totalmente pelo metano (mais de 95% do
volume total). Pode ser denominado wet gas ou rich gas, a composição de gás natural em que há participação
dos líquidos de gás natural (mais de 5%; CHANDRA, 2006).
115
natural seco. A rentabilidade e viabilidade econômica da exploração dos poços gasíferos são
fortemente influenciadas pelas quantidades que podem ser extraídas de LGN e por seus
preços correntes. Se os preços estão altos e há demanda garantida, a venda dos LGN pode ser
a base para a atratividade de uma operação de exploração e produção de gás natural. Além
disso, Mathias (2008) assinala que em geral os LGN são vendidos a preços spot e não em
contratos de longo prazo, podendo assim, obter preços mais altos.
Assim, o mercado das empresas que exploram os reservatórios de gás natural é
composto pelos consumidores do gás metano que são sobretudo os sistemas de geração
elétrica, produção de metanol, fertilizantes e exportação, e dos líquidos de gás natural que
são o setor químico e petroquímico, sistemas de aquecimento, gás de cozinha e combustíveis.
As formações de shale nos EUA, em que se encontram com abundância o gás e os
líquidos, podem ter diferentes composições desses hidrocarbonetos. Simão (2014) ressalta
que, além de a composição variar de uma formação para outra, pode haver também variações
dentro de uma mesma formação.
Mesmo com importante heterogeneidade, os campos de shale nos EUA, alguns
em especial, se mostraram muito ricos em LGN e, por isso, a elevação rápida da produção de
shale gas foi sendo articulada com o anúncio de novos projetos de investimentos de plantas
petroquímicas, em busca do uso tanto do gás como energético quanto do etano e propano
para matéria-prima.
Simão (2014) apresenta uma tabela em que são exibidos dados comparativos
entre algumas regiões produtoras de shale gas nos EUA e a média dos poços de gás natural
convencionais. Ali se percebe que a região de Marcellus tem percentual de etano tão alto
quanto a média, mas as outras regiões, sobretudo as de Appalachian e Eagle Ford, possuem
um percentual de etano mais elevado, caracterizando-as como regiões de wet gas plays79 e,
portanto, mais ricas no provimento de insumos ao setor petroquímico.
Foi essa disponibilidade de matéria-prima petroquímica (principalmente o etano)
e de insumo energético (metano) para fornos e eletricidade que propiciou o surgimento de
perspectivas positivas para os Estados Unidos a partir de um “renascimento” do setor
petroquímico e químico naquele território.
79
Para definição de dry gas e wet gas, ver definição na nota de rodapé anterior.
116
Tabela 13 – EUA: composição do shale gas, em % do volume total, em algumas regiões produtoras e
composição média dos poços convencionais
Valor
médio* Eagle
Componente (% volume) (EUA) Marcellus Appalachian Haynesville Ford
Metano 94,300 97,131 79,084 96,323 74,595
Etano 2,700 2,441 17,705 1,084 13,824
Propano 0,600 0,010 0,566 0,205 5,425
C4+ 0,400 0,014 0,034 0,203 4,462
Hexanos+ 0,000 0,001 0,000 0,061 0,478
Dióxido de Carbono (CO2) 0,500 0,040 0,073 1,816 1,536
Nitrogênio (N2) 1,500 0,279 2,537 0,369 0,157
Inertes Totais (CO2+N2) 2,000 0,318 2,609 2,184 1,693
Total 100,0 99,9 100,0 100,1 100,5
* Valor médio da composição dos poços convencionais de gás natural nos EUA.
Fonte: Adaptado de Simão (2014, p. 24).
Tabela 14 – Produção de líquidos de gás natural, em mil barris por dia, 1980-2014
Taxa de
crescimento
médio anual (%)
1980- 2000 -
1980 1990 2000 2010 2011 2012 2013 2014
2014 2014
Estados Unidos 1.573 1.559 1.911 2.074 2.216 2.408 2.606 3.015 1,5 9,8
Arábia Saudita 369 620 1.008 1.920 1.920 1.920 1.920 1.800 3,7 -1,6
Rússia nd nd 232 574 611 647 684 720 nd 5,8
Canadá 331 426 699 597 591 611 639 666 1,6 2,8
Emirados Árabes
Unidos 35 135 200 389 525 585 611 641 6,8 13,3
Catar 10 40 133 287 318 336 352 352 8,4 5,2
Noruega 42 86 124 267 281 306 305 327 4,8 5,2
México 193 428 346 332 334 318 320 320 1,2 -0,9
Argélia 36 135 220 340 322 342 300 300 4,9 -3,1
Tailândia nd 13 60 141 184 205 198 203 nd 9,5
Mundo 3.108 4.088 6.375 8.869 9.095 9.481 9.595 10.059 2,7 3,2
Fonte: Adaptado de EIA – International Energy Statistics.
Hydrocarbon Gas Liquids80., compostos por LGN e por gases de refinaria liquefeitos (em inglês,
LRG, liquefied refinery gases)81.
A Figura 6 ilustra os componentes do HGL e os processos produtivos
intermediários e iniciais para esses líquidos de gás, com destaque para as plantas
processadoras de gás e as refinarias (que recebem óleo cru e condensados e separam os gases
liquefeitos de refinarias).
80
Antes da 1ª. Guerra Mundial, não se sabia que os hidrocarbonetos de gás líquidos pudessem ser um produto
com potencial comercial. Um problema em um gasoduto fez necessário isolá-los do metano, e aí sua separação
determinou a necessidade de encontrar para eles fins comerciais (EIA, 2015a).
81 Como atesta EIA (2014a, p. 1): “The increasing economic importance of these volumes, as a result of their
significant growth in production, has revealed the need for better data accuracy and transparency to improve the
quality of historical data and projections for supply, demand, and prices of these liquids, co-products, and
competing products. To reduce confusion in terminology and improve its presentation of data, EIA has worked
with industry and federal and state governments to clarify gas liquid terminology and has developed the term
Hydrocarbon Gas Liquids, or HGL.”
118
incremento de HGL nos EUA foi oriundo dos poços gasíferos e das plantas
processadoras/fracionadoras de gás.
No Gráfico 10, fica evidente a maior participação das plantas processadoras de gás
para a oferta de HGL nos EUA. Dos 3,5 milhões de barris por dia, as refinarias contribuíram
apenas com um pouco mais de 0,5 milhão em 2014.
Vale ressaltar que as refinarias estão produzindo grande volume de HGL. Porém,
como são produtoras de diesel e gasolina, seus principais produtos utilizam alguns HGLs no
interior de seus processos produtivos, principalmente como matéria-prima (blend) para a
fabricação dos produtos de mais alto valor (como a utilização do propano para a produção do
diesel ou dos pentanos plus na adição à gasolina) (EIA, 2014a). O etano, com seu alto poder
calorífico, é utilizado como energético nas refinarias. Dessa forma, a oferta de alguns
importantes HGLs (como o etano e o propano) fica mais dependente das atividades
exploratórias do gás natural.
Gráfico 10 – EUA: produção de HGL, em milhões de barris por dia, nas unidades processadoras de gás
e nas refinarias, 2004-2014
Gráfico 11 – EUA: crescimento da produção de HGL (excluindo a rejeição) nas plantas de gás natural e
a produção de gás natural ao mercado, primeiro trimestre de 2008=1,00, 2008-2017
A projeção do EIA (2016b) é que o etano seja o LGN com maior crescimento em
função de “seis plantas petroquímicas consumidoras de etano” que iniciarão suas atividades
em 2017. Estima-se que seu consumo irá triplicar entre 2016 e 2018 (de 0,2 Mbd para 0,6
Mbd).
Gráfico 12 – EUA: capacidade produtiva alimentada por etano e o consumo de etano, em milhões de
barris por dia, 2013-2018 (projeção 2017 e 2018)
Gráfico 13 – EUA: produção, consumo e exportações líquidas de etano, em milhões de barris por dia,
2013-2018 (projeção em 2017 e 2018)
Em volume, o principal HGL que pode ser retirado dos poços de gás natural é o
etano. No entanto, o Gráfico 14 exibe um crescimento do propano (e um pouco menos, mas
também, do butano) a taxas mais elevadas do que o do etano entre 2014 e 2016. Explica-se
esse movimento pelos baixos preços do etano no mercado estadunidense, como pode ser
visualizado no Gráfico 15.
Gráfico 14 – EUA: produção de HGL nas plantas de gás natural (eixo esquerdo), em milhões de barris
por dia, e gás natural comercializado (eixo direito), em bilhões de pés cúbicos por dia, 2008-2017
que o preço do etano ficou abaixo do gás natural até 2015. A projeção é que volte a retornar
para o patamar acima do preço do gás natural em 2017, em função do aumento da demanda
com os novos projetos em construção que deve eliminar a abundância do etano e os preços
muito baixos.
Gráfico 15 – Preços dos HGLs relativamente ao gás natural e ao óleo cru, em US$ por milhões de Btu,
Janeiro de 2013 – Fevereiro de 2016
exportação), mesmo que alto, ainda será menor do que o do crescimento da produção. É por
isso que as exportações de etano passam a ser vitais para a sobrevivência das empresas de
exploração de gás natural. Os EUA exportam etano por dutos para o Canadá desde 2013 e,
mais recentemente (2015-2016), realizaram exportações de etano transcontinentais por
navios. A empresa INEOS exportou etano dos EUA para suas próprias unidades produtivas na
Noruega e Reino Unido82 e outras empresas como Sabic, Reliance e Borealis estão com
carregamentos de navios contratados para entregas de etano na Índia e Inglaterra
(PETROCHEMICAL UPDATE, 2016a).
Gráfico 16 – Média mensal dos preços (spot) da nafta e etano (Gráfico a) e média mensal dos spreads
do preço spot do etileno sobre os preços spot da nafta e etano (Gráfico b), Janeiro de 2010 - Novembro
de 2014
82
Para exportar etano dos EUA para a sua unidade na Escócia, no Reino Unido, a empresa INEOS foi beneficiária
de um empréstimo garantidor de £$230 milhões do governo britânico para construir as instalações de
importações de etano do shale gas estadunidense e aí permitir a continuidade da planta petroquímica de
Grangemouth com ameaça de fechar por falta de competitividade de seus insumos (KOLLEWE, 2014).
124
Gráfico 17 – Média mensal dos preços (spot) do propano (Gráfico a) e média mensal dos spreads do
preço spot do propileno sobre os preços do propano (Gráfico b), Janeiro de 2010 - Novembro de 2014
O propano, o segundo mais importante LGN que pode ser recuperado dos poços
gasíferos, tem como seus principais usos o aquecimento das instalações pelo seu poder
calorífico e também como insumo para a petroquímica que pode transformá-lo em etileno e
propileno. Nos EUA, como aumentou a participação do etano como insumo para o etileno, a
produção de propileno diminuiu e incentivou a implantação de plantas com tecnologia de
desidrogenação do propano (PDH – propane dehydrogenation) para a produção do propileno,
com plantas dedicadas83.
Os EUA já possuem uma planta de PDH, de propriedade da Flint Hills, que consome
30.000 barris por dia de propano, e a planta da Dow Chemical que iniciou operações
comerciais em dezembro de 2015, com consumo de propano de 35.000 barris por dia. Outra
planta, da Enterprise Products, que utiliza PDH como processo, terá início em 2017 com
consumo de 35.000 barris por dia de propano. As três juntas terão capacidade nominal para
produzir 1.500 mil toneladas métricas de propileno por ano (EIA, 2016b).
A empresa BASF tinha um projeto para uma planta on purpose de propileno, na
Costa do Golfo estadunidense. Essa planta teria escala mundial e atenderia à necessidade da
empresa dessa olefina na América do Norte. Utilizaria a tecnologia methane-to-propylene e
começaria em 2019. De acordo com o executivo da empresa, a proposta dessa planta era de
83
Segundo o EIA (2016b, p.11), o rendimento de propileno com o uso dessa tecnologia PDH é maior do que o da
produção de propileno nas plantas que produzem também etileno, diminuindo no médio prazo o consumo
líquido do propano como insumo petroquímico para a produção do propileno.
125
aumentar a integração produtiva para trás e aumentar sua produção de propileno, usufruindo
da produção de custo baixo de gás natural proveniente das atividades das formações de shale.
Como mostra Chang (2014):
“BASF intends to further strengthen its backward integration and grow its
propylene-based downstream activities, leading to a stronger position in
North America,” said Ehle.”
“(...) “Due to abundant shale gas reserves in the US, natural gas will be price
advantaged vis-a-vis other feedstock for the production of propylene,
which would give the plant a strong cash cost position,” she added 84.”
Gráfico 18 – EUA: consumo de etano e propano, em mil barris por dia, das plantas petroquímicas
existentes (até 2014) e planejadas (2014-2018)
84 No entanto, o projeto foi engavetado. De acordo com o comunicado da empresa, a volatilidade no preço das
matérias-primas e o ambiente econômico prevalecente foram as principais razões, permanecendo, porém, o
interesse no projeto em condições diferentes das atuais (BASF, 2016).
85
Os principais compradores de propano, os chineses, estão aproveitando a oferta abundante para renegociar
contratos com exigências de novos descontos. Com isso, algumas empresas estadunidenses preferem não vender
e até pagar multas às transportadoras por rompimento de contrato a vender a preços muito baixos (PAYNE;
AIZHU, 2016).
126
da metade do volume consumido pela capacidade produtiva dos EUA existente antes de 2014.
O incremento da produção de etileno, cujo insumo é o etano, acontecerá sobretudo em 2017,
quando serão adicionados 40 mil barris por dia no volume total produzido de etileno com o
início de novas plantas (Tabela 16).
Tabela 16 – EUA: capacidade adicional de plantas de etileno que utilizam etano como insumo, em
milhões de barris por dia, e crescimento projetado do consumo de etano, 2013-2017
Previsão
2013 2014 2015 2016 2017
Expansões da capacidade (incluindo
restarts e debottlenecking) 0,04 0,04 0,04 0,03 0,04
Novas plantas de etileno na na na na 0,37
Conversões de insumos 0,00 0,01 0,01 0,01 na
Total anual por meio de adição de
capacidade (fim do ano) 0,04 0,05 0,05 0,04 0,40
Crescimento do consumo anual 0,11 0,06 0,00 0,05 0,08
na= não aplicável
Fonte: EIA (2016b, p. 6).
O elevado crescimento da produção dos líquidos de gás natural nos EUA a partir
de 2008 com a exploração dos poços de shale gas pode ser definido como a principal mudança
que alterou a avaliação dos projetos de investimento para o setor petroquímico e químico nos
EUA nas décadas de 2000 e 2010.
Em uma análise dos principais países que teriam aumento da capacidade
produtiva no setor petroquímico no mundo realizada por Hasenclever e Antunes (2009),
embora os EUA fossem, em 2008, os principais produtores, esse país não aparecia na lista dos
países que iriam liderar os investimentos em expansão produtiva, dando lugar a China, Índia,
Arábia Saudita, Taiwan, Rússia e Irã86. A razão apontada pelas autoras do estudo é que o custo
do etano, principal matéria-prima da petroquímica dos EUA, era muito mais alto do que o dos
86
A única exceção, entre os petroquímicos básicos e as resinas, apareceu nos investimentos para a produção de
PET. Nessa resina, a China era a maior produtora, mas os EUA lideravam novos investimentos (HASENCLEVER;
ANTUNES, 2009, p. 25).
127
outros produtores, como os do Oriente Médio. Essa região, sim, seria a principal investidora
em nova capacidade porque contava com disponibilidade de etano e propano, separados do
gás natural, a baixo preço, menor do mundo.
O que se sabe agora é que esse cenário se alterou, pois, no final da década de
2000, em função da abundância e baixo preço do etano nos EUA, a indústria petroquímica
estadunidense ganhou competitividade significativa, ao ponto de ser palco de vários
investimentos greenfield de 1ª. e 2ª. gerações da cadeia petroquímica, além de expansões da
capacidade produtiva atual e conversão de plantas petroquímicas para a utilização de etano
como insumo (EIA, 2015b).
Isso porque, como mostra Simão (2014), em 2012, os EUA alcançaram um custo
de produção de etileno menor (US$316/tonelada) do que o da Arábia Saudita
(US$455/tonelada) que sempre foi o benchmarking para custos baixos no setor. A diferença
de custo com relação à Ásia (US$1.717/tonelada) e com relação à média histórica dos EUA
(US$985/tonelada) é mais acentuada ainda.
Tabela 17 – EUA, Arábia Saudita e Ásia: estimativa do custo de produção de etileno, em US$ por
tonelada, 2012
Estados Unidos
Arábia
Recente Ásia
Saudita Histórico
(2012)
Custos de matéria-prima
Gás natural US$/MMBtu 0,75 3,00 12,50
Óleo cru US$/BBL 100,00
Equivalente US$/t 483 148 615 964
Razão para 1 ton de etileno 1,29 1,29 1,29 2,98
Custo da carga (etano) US$/t 483 190 793 2.874
Catalisador e outros US$/t 0 2 2 2
Total US$/t 483 192 795 2.876
Outros custos
Céditos de subprodutos US$/t 276 153 431 1.565
Utilidades US$/t 149 109 454 235
Custos diretos US$/t 99 167 167 172
Custo de produção do etileno US$/t 455 316 985 1.717
Margem típica do etileno 2,50% 2,50% 2,50% 2,50%
Preço do etileno US$/t 466 323 1.009 1.760
Fonte: Simão (2014, p. 44).
Tabela 18 – EUA, Arábia Saudita e Ásia: estimativa do custo de produção de HDPE, em US$ por
tonelada, 2012
Estados Unidos
Arábia
Recente Ásia
Saudita Histórico
(2012)
Custos de matéria-prima
Gás natural US$/MMBtu 0,75 3,00 12,50
Óleo cru US$/BBL 100,00
Etileno US$/t 466 323 1.009 1.760
Razão para 1 ton de HDPE 1,025 1,025 1,025 1,025
Etileno (por ton de HDPE) US$/t 478 332 1.035 1.804
Utilidades US$/t 31 12 48 31
Custos diretos US$/t 51 51 51 51
Outros custos US$/t 132 132 132 132
Custos totais US$/t 692 526 1.266 2.018
Margem típica do etileno US$/t 3% 3% 3% 3%
Preço potencial de venda do HDPE US$/t 713 542 1.304 2.079
Fonte: Simão (2014, p. 45).
Gráfico 19 – Custos estimados de produção de petroquímicos: posição relativa dos EUA em 2005 e
2015
Com a queda do preço do etano nos EUA (cotação Mont Belvieu), o spread obtido
pelas empresas estadunidenses com base no etano cresceu mais do que o das empresas da
Ásia e dos EUA com produção de etileno a base da nafta, alargando a diferença de
lucratividade entre as primeiras e as últimas, principalmente no período em que o petróleo
ainda estava com preço alto87.
Na estimativa divulgada pela ACC (2016), toda vez que a relação entre o preço do
óleo e do gás for acima de 7, a competitividade da petroquímica nos EUA se eleva. De acordo
com o Gráfico 20, a relação foi favorável à indústria nos EUA a partir de 2006, com forte
incremento em 2012 e com projeção de se manter entre os anos 2016 e 2022.
87
EIA (2016b) aponta que alguns crackers já têm plena flexibilidade quanto ao uso dos insumos (etano, propano,
butano ou nafta) para a produção do etileno e, portanto, podem escolhê-los a partir de seus preços correntes.
Dependendo do insumo utilizado, há geração de co-produtos como propileno, butileno e outros aromáticos (p.
6).
130
Gráfico 21 – Média das margens de custo variável do polietileno de alta densidade, EUA, Europa e
Nordeste Asiático, US$ e Euro por tonelada, 2010-2016 (2016 até maio)
Gráfico 22 – Diferença de preço entre nafta na União Europeia e etano nos EUA e mudança na relação
nafta/etano na Arábia Saudita
Gráfico 23 – EUA: investimentos da indústria química ligados ao shale gas anunciados acumulados,
em bilhões de US$ e números de projetos, Dez 2010-Mar 2016
Sobre esses valores sistematizados pela ACC, Blum (2016b) detalha as regiões que
serão mais beneficiadas com os investimentos (sobretudo no sul do Texas, incluindo a área de
132
Gráfico 24 – EUA: expansão da capacidade de etileno entre 2012 e 2022, em mil toneladas por ano
Projeta-se que, ao final de 2022, nos EUA, com base nos projetos já em execução
ou em andamento avançado dos planos de investimento, haja uma capacidade total de
88
De acordo com o presidente dessa empresa para a divisão global de “Embalangens e Plásticos de
Especialidades”, há perspectivas de ampliação da produção de polietileno na América Latina (na Argentina), mas
até o ano de 2017 o foco dos investimentos da empresa está nos projetos de expansão da região do Golfo nos
EUA e da joint-venture com a Saudi Aramco no complexo de Sadara (FONTES, 2017).
133
produção a mais de etileno superior a 16 milhões de toneladas por ano. Com relação a 2016,
a adição de capacidade é 8 vezes maior.
Gráfico 25 – EUA: adições de capacidade de produção de etileno acumulado, em mil toneladas por
ano, 2012-2022
18.000
16.000
14.000
12.000
10.000
8.000
6.000
4.000
2.000
0
2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021 2022
Tabela 19 – EUA: início das operação dos novos crackers de etano e das plantas de polímeros
Empresa Capacidade etileno Início Resinas Início
Chevron Phillips Chemical 1,5 milhão ton 4t 2017 HDPE, LLDPE 2t 2017
ExxonMobil Chemical 1,5 milhão ton 4t 2017 PE 4t 2017
Dow Chemical 1,5 milhão ton 2t 2017 PE, LDPE 2t 2017
Formosa Plastics 1,59 milhão ton NA LDPE/HDPE NA
Sasol 1,5 milhão ton 3t 2018 Sasol/Ineos HDPE 4t 2017
Sasol LDPE/LLDPE 3t 2018
Shell 1,5 milhão ton PE 2020
Axiall/Lotte 1,0 milhão ton 1t 2019
Fonte: Adaptado de Greenwood (2017).
também contará com a proximidade dos produtores de shale gas da base de Marcellus e do
mercado consumidor estadunidense. A previsão é de que, no início de 2020, quando a planta
iniciar a produção, serão consumidos 100 mil barris por dia de etano para uma capacidade de
produção de 1,6 milhão de toneladas por ano de polietileno (PETROCHEMICAL UPDATE,
2016b).
Também devem ser ressaltadas as ampliações da capacidade de produção da
LyondellBasell, em várias de suas unidades. Essa empresa anunciou em setembro de 2016
uma nova planta para a produção de polietileno de alta densidade (HDPE, em inglês) no seu
complexo no Texas (La Porte). Terá uma capacidade de produção dessa resina de 500 mil
toneladas métricas. A construção se iniciará em 2017, com projeção para o início das
operações em 2019 (LYONDELLBASELL, 2016).
ExxonMobil possui três projetos em andamento para a expansão de produção de
polietileno nos EUA. Duas novas unidades de polietileno linear de baixa densidade (LLDPE, em
inglês) em Mont Belvieu estão em construção e terão o mesmo porte que a expansão da
unidade de Beaumont (650 mil toneladas por ano de adição na capacidade de produção de
polietileno). Há ainda um quarto projeto no estado do Texas em joint-venture com a Sabic.
Sobre esse projeto, Blum (2016c) relata que a ideia é instalar um complexo na Costa do Golfo
para aproveitar a infraestrutura portuária da região, inserindo, portanto, um conteúdo
exportador no cálculo de viabilidade do projeto. Se a construção se iniciar em 2017, o início
da produção está previsto para 2020. Além da elevada produção de etileno (com perspectiva
de ter o maior cracker de etano do mundo), o projeto também inclui plantas para a
manufatura de plásticos, uma unidade de produção de glicol-monoetileno (MEG) e duas de
produção de polietileno (BLUM, 2017; BAUMGARTEN, 2017).
Adiciona-se, aos projetos de expansão anunciados, o empreendimento conjunto
de NOVA89, Borealis e Total. Em uma joint-venture, essas três empresas desenvolverão e serão
proprietárias de um “new light feed cracker and a new Boystar® polyethylene (PE) facility in
Bayport, Texas”. As expectativas positivas desse projeto estão fundadas na alta integração
89
A despeito do headquarter da NOVA estar situado no Canadá e suas plantas industriais estarem no Canadá e
nos EUA, essa empresa é uma subsidiária da International Petroleum Investment Company (IPIC), uma empresa
que administra os investimentos do fundo soberano dos Emirados Árabes. Esse mesmo grupo também detém
64% da Borealis (NOVA Chemicals, 2017). Em 2017, o grupo investidor Mubadala e IPIC se fundiram e se
transformaram na Mubadala Investment Company, uma empresa 100% estatal dos Emirados Árabes
(MUBADALA, sd).
135
entre a 1ª. geração (craker da Total) e a 2ª. geração (planta de polietileno da Borealis e Nova)
e o potencial exportador dessa produção que visa atender a demanda externa crescente por
polietileno. As exportações para a América Latina e para a Ásia, em conjunto com um mercado
estadunidense em crescimento, são as apostas das empresas para que o volume de polietileno
(625 mil toneladas por ano) a ser entregue pelo projeto em 2021 (quando iniciará a produção)
não contribua ainda mais para a superprodução dessa resina nos EUA (NOVA CHEMICALS,
2017).
Na Dow Chemical, empresa com maior investimento em expansão da capacidade
nos EUA, além do novo cracker de etano com escala mundial, adicionam-se novas capacidades
produtivas de “400,000 tonnes/year of Dow’s ELITE polyethylene (PE), 350,000 tonnes/year of
low density PE (LDPE), 320,000 tonnes/year of elastomers, and 200,000 tonnes/year of
ethylene propylene diene monomer (EPDM)”, com início previsto para o 2º. semestre de 2017
(PETROCHEMICAL UPDATED, 2017).
Nos investimentos novos dos EUA, há uma sinalização de um viés exportador
também para as resinas termoplásticas. Blum (2016b) divulga os resultados do relatório da
consultoria IHS. De acordo com a pesquisa no mercado petroquímico, há uma tendência para
uma sobreoferta de polietileno e polipropileno e para que os EUA se tornem grandes
concorrentes do Oriente Médio nas exportações de poliolefinas. De acordo com a reportagem,
24 milhões de toneladas métricas de nova capacidade de polietileno entrarão em operação
até 2020 – o que representa 25% do consumo mundial dessa resina – das quais 8 milhões de
toneladas métricas serão adicionadas por plantas nos EUA.
Por conta disso, alguns projetos de expansão de capacidade para a produção dos
petroquímicos básicos têm sido adiados, alguns indeterminadamente. O projeto de
construção de um complexo petroquímico no estado de Virgínia Ocidental da Braskem,
denominado Ascent (Appalachian Shale Cracker Enterprise), é um dos exemplos de projetos
paralisados, em função dos baixos preços dos petroquímicos e da perda de competitividade
relativa do gás natural enquanto insumo da petroquímica (FONTES, 2016b) 90.
90
Não se pode, contudo, negligenciar o impacto negativo da operação Lava a Jato no Brasil sobre a Braskem na
sua capacidade de permanecer com seus planos de investimentos. A empresa foi condenada a pagar uma multa
de R$ 3,1 bilhões (FONTES, 2017b) pelas acusações de pagamento de propina para contratos de compra de nafta
com a Petrobras em condições privilegiadas. O resultado positivo da empresa em 2016 que deveria ser recorde,
com o reconhecimento da multa e provisão para seu pagamento, passou a ser negativo (perda líquida de R$ 452
milhões, segundo Fontes, 2017b). Além disso, nesse complexo petroquímico, a principal empresa investidora
seria a Odebrecht Ambiental (para que a Braskem não ficasse com indicadores de alavancagem e endividamento
136
Gráfico 26 – IPEX (ICIS Global Petrochemical Index): medida da mudança média de preços dos
petroquímicos ponderados pelo seu peso por capacidade produtiva, janeiro de 1993=100, jan 1995-
jan 2016
450
400
332,2482
350
janeiro de 1993=100
300
250
200
215,5484
150
100
50
0
jul/96
jul/99
jul/02
jul/05
jul/08
jul/11
jul/14
jan/95
jan/98
jan/01
jan/04
jan/07
jan/10
jan/13
jan/16
abr/97
abr/00
abr/03
abr/06
abr/09
abr/12
abr/15
out/95
out/98
out/01
out/04
out/07
out/10
out/13
Fonte: ICIS Petrochemical Index – IPEX (2017).
altos), pertencente ao grupo Odebrecht (LAMUCCI, 2014). Como se sabe, o grupo Odebrecht também foi um dos
grupos econômicos mais fortemente afetados pela Operação Lava a Jato.
91
O PVC é destacado como altamente dependente dos mercados externos, em função da oferta maior que a
demanda no mercado interno dos EUA (GREENWOOD, 2016).
137
Mesmo com essa tendência à sobreoferta dos petroquímicos e aos baixos preços,
em uma pesquisa com representantes do setor, 46% dos respondentes acreditam que haverá
uma segunda onda de investimentos no setor petroquímico nos EUA com metade da carga
produtiva da primeira; 26% acreditam que será algo com 75% da capacidadade produtiva da
primeira onda e 22% responderam que será do mesmo tamanho da primeira. Essa segunda
onda deverá contar com os investimentos de Total com Borealis e NOVA, Shell, ExxonMobil
com Sabic, Dow Chemicals e LyondellBasell (PETROCHEMICAL UPDATE, 2017).
No próximo item, apresentam-se alguns dados que ilustram a importância
estratégica do gás natural na matriz energética e produtiva estadunidense, oferecendo pista
das razões pelas quais esse recurso é alvo permanente de um importante arcabouço de
políticas.
Tabela 21 – Lista dos dez maiores consumidores de gás natural e total do consumo de energia, em
milhões de toneladas de óleo equivalente, 2014
Gás Total
Natural
Part (%) Part (%)
EUA 695,3 22,7 2.298,7 17,8
Rússia 368,3 12,0 681,9 5,3
China 166,9 5,4 2.972,1 23,0
Irã 153,2 5,0 252,0 1,9
Japão 101,2 3,3 456,1 3,5
Arábia Saudita 97,4 3,2 239,5 1,9
Canadá 93,8 3,1 332,7 2,6
México 77,2 2,5 191,4 1,5
Alemanha 63,8 2,1 311,0 2,4
Emirados Árabes Unidos 62,4 2,0 103,2 0,8
Mundo Total 3.065,5 100,0 12.928,4 100,0
Fonte: Adaptado de BP (2017).
Gráfico 27 – EUA: consumo de energia por fonte de energia, participação (%), 1970, 1980, 1990, 2000,
2010, 2014
Na projeção para 2040, óleo e gás natural terão exatamente a mesma participação
na matriz energética dos EUA. Calcula-se que o consumo de gás natural e de outros renováveis
(além da biomassa e da hidroelétrica) apresentará os maiores acréscimos. O consumo de
carvão deverá ter uma redução drástica, mas ainda assim permanecerá um pouco acima das
demais fontes de energia (EIA, 2016c).
92
O avanço do gás natural para o mercado de geração de energia elétrica nos EUA se deu em detrimento do
consumo das energias renováveis pelo setor elétrico. Segundo Hauter (2016), as políticas de desregulamentação,
responsáveis por esse movimento, contaram, inclusive, com grandes instituições de preservação ambiental que
foram cooptadas pelo discurso (ou pelo dinheiro das petrolíferas?) do livre-mercado e seus resultados
pretensamente benéficos sobre a eficiência energética, e pelo do gás natural como um combustível de transição
ao futuro com menos poluição por dióxido de carbono.
140
Gráfico 28 – EUA: consumo de energia, em quadrilhões de Btu, por fonte de energia, 1776-2015 e
projeção para 2040
Entre 2000 e 2016, dentre as fontes renováveis que mais cresceram no consumo
total de energia dos EUA apontam-se a energia eólica (3.599%) e a energia solar (825%).
Mesmo com esse avanço, em participação, as fontes renováveis mais importantes
permanecem sendo a biomassa (46,8%) e a hidroelétrica (24,4%). Do total da biomassa
consumida em 2016, 47,8% eram provenientes dos biocombustíveis, 41,1% da madeira e
11,1% dos resíduos (Gráfico 29).
Gráfico 29 – EUA: consumo de energia de fontes renováveis por fonte, em participação (%) e em
trilhões de Btu, 2000 e 2016
100%
90%
80% Biomassa; Biomassa;
70% 3.008,2 4.754,4
60%
Eólica; 57,1
50% Solar; 63,4
40% Eólica; 2.110,6
Uma das razões para o crescimento recente do consumo de gás natural nos EUA
está no seu uso para a geração de energia elétrica nesse país. A Figura 8 exibe os dados de
141
2009 dos setores demandantes, por tipo de recurso energético nos EUA. Pode-se observar
que o principal destino do gás natural foi o segmento residencial e comercial (35%), seguido
do setor industrial (32%) e a geração elétrica (30%). Do outro lado, nota-se que o principal
recurso utilizado pelo setor produtor de energia elétrica foi o carvão (48%), seguido da energia
nuclear (22%) e gás natural (18%).
Com a atualização dos dados de 2016, fica evidente a substituição gradativa do
carvão como principal insumo para a geração de energia elétrica nos EUA, mesmo que ainda
esteja posicionado neste ano como principal fonte. Como o setor elétrico corresponde a quase
40% do total de energia consumida nos EUA, as alterações nas suas fontes primárias de
energia se assemelham ao que ocorre na matriz energética geral desse país. Assim, a
diminuição da participação do carvão em 2016 com relação a 2009 (48% versus 34%) como
fonte de energia para o setor elétrico ocorreu em proveito do gás natural (18% versus 27%) e
das energias renováveis (11% versus 15%). Nota-se também que, com relação aos dados de
2009, o gás natural passou a ser mais importante que a energia nuclear para a geração de
energia elétrica (27% do gás e 22% da energia nuclear).
Gráfico 31 – EUA: produção de energia primária, por fonte, em quadrilhões de Btu, 2000-2015
30,0
25,0
quadrilhões de btu
20,0
15,0
10,0
5,0
0,0
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
Gás Natural Seco Óleo e outros líquidos* Carvão
Energia nuclear Renováveis**
Em uma série histórica (Gráfico 32), observa-se que o gás natural nunca tinha
ocupado o primeiro lugar na produção de energia primária nos EUA antes de 2011, ainda que
no início de 1970 tenha atingido o mesmo nível da produção de óleo e outros líquidos.
Interessante também notar que, de fins da década de 1980 até 2010, ou seja, em torno de 30
anos, a produção de carvão representou a maior fonte de oferta de energia primária nos EUA.
Gráfico 32 – EUA: produção de energia primária, por fonte, em quadrilhões de Btu, 1949-2015
30
25
20
15
10
0
1949
1951
1953
1955
1957
1959
1961
1963
1965
1967
1969
1971
1973
1975
1977
1979
1981
1983
1985
1987
1989
1991
1993
1995
1997
1999
2001
2003
2005
2007
2009
2011
2013
2015
Gás Natural
Óleo cru e outros líquidos
Carvão
Energia Renovável
Energia nuclear
Gráfico 33 – EUA: importação de energia primária, por fonte, em quadrilhões de Btu, 1949-2015
25 22,1
quadrilhões de Btu
20
15
16,3
10
5 4,1
2,8
0
1958
1949
1952
1955
1961
1964
1967
1970
1973
1976
1979
1982
1985
1988
1991
1994
1997
2000
2003
2006
2009
2012
2015
Óleo Cru
Produtos do petróleo, excluindo biocombustíveis
Gás Natural
Carvão
Biocombustíveis
Eletricidade
93
Produtos de petróleo, segundo o glossário da U.S. Energy Information Administration – EIA (EIA, 2017c),
incluem: “unfinished oils, liquefied petroleum gases, pentanes plus, aviation gasoline, motor gasoline, naphtha-
type jet fuel, kerosene-type jet fuel, kerosene, distillate fuel oil, residual fuel oil, petrochemical feedstocks,
special naphthas, lubricants, waxes, petroleum coke, asphalt, road oil, still gas, and miscellaneous products”.
145
Gráfico 34 – EUA: exportação de energia primária, por fonte, em quadrilhões de Btu, 1949-2015
10 8,2
quadrilhões de Btu
8
6
4
1,8
2
0
1958
1949
1952
1955
1961
1964
1967
1970
1973
1976
1979
1982
1985
1988
1991
1994
1997
2000
2003
2006
2009
2012
2015
Produtos de petróleo, excluindo biocombustíveis
Carvão
Gás Natural
Óleo Cru
Biocombustíveis
Eletricidade
35
30,2
30
25
quadrilhões de Btu
20
15
10
10,9
5
0
1949
1952
1955
1958
1961
1964
1967
1970
1973
1976
1979
1982
1985
1988
1991
1994
1997
2000
2003
2006
2009
2012
2015
-5
e 2015, mas, como observado nos gráficos anteriores, em unidade de energia, também se
reduziram as importações e aumentaram as exportações, em função do aumento da produção
interna nos EUA.
600.000
500.000 190.436
400.000
300.000
Em milhões de US$
200.000
100.000
0 102.955
1974
1976
1978
1980
1982
1984
1986
1988
1990
1992
1994
1996
1998
2000
2002
2004
2006
2008
2010
2012
2014
-100.000
-200.000 -87.481
-300.000
-400.000 -415.810
-500.000
No próximo item, tem-se por objetivo apresentar de que maneira o shale gas se
insere na matriz energética dos EUA e como contribuiu para as mudanças analisadas aqui no
que se refere à oferta de energia primária, consumo e balança comercial.
O shale gas, gás natural retirado de fontes geológicas não convencionais, as rochas
de shale, passou a ter uma participação importante nos EUA para os mercados de gás natural,
o mercado energético, o de distribuição para residências e comércio e o composto por
indústrias e setores consumidores do gás (transporte, comércio exterior, petroquímica,
indústria química, etc.).
Nos próximos 2 subitens, analisam-se o surgimento desse tipo específico de gás
natural, algumas características do processo produtivo que permitiu extrair gás e, depois óleo,
das rochas de shale nos EUA, e as regiões produtoras nesse país.
147
94
Segundo Russell (2014), George Mitchell, o proprietário dessa empresa, era conhecido por ser uma pessoa
preocupada com o meio-ambiente. De acordo com Hauter (2016), de fato, George Mitchell alcançou essa
reputação, a despeito de seu histórico de atuação (exitosa, inclusive) para impedir a acentuação do rigor das
regras ambientais. A autora também cita os processos milionários contra a empresa em razão da contaminação
do solo e aquíferos de uma comunidade. Mitchell foi condenado em primeira instância, mas conseguiu trocar o
processo de jurisdição e aí o veredicto modificou-se em seu favor. O filho de Mitchell comentou o paradoxo da
vida de seu pai: “George Mitchell promoted ´sustainability´ but was a fossil fuel magnate who never invested in
renewable energy” (HAUTER, 2016, p. 93). Ao lado de outras pessoas como Ken Lay da Enron, Dick Cheney da
Halliburton e Larry Nichols da Devon Energy (que depois comprou a Mitchell Energy), George Mitchell era um
defensor do gás natural como um “bridge fuel” para um mundo com menos carbono. Em 1998, Bill Clinton
encomendou um estudo sobre as perspectivas ambientais com o uso do gás natural que contou com a
participação de pessoas da Mitchell Energy e da Enron. A conclusão do estudo foi de que o futuro da energia nos
EUA deveria ter como centro o uso do gás natural (HAUTER, 2016, p. 87).
95
Sernovitz (2016) lhe dá a alcunha de “Henry Ford do shale” (p. 17).
96
Em Hauter (2016) há um capítulo específico (Devon: big fish polluting a small pond) que registra a influência
política dessa empresa na criação e sustentação de leis estaduais e federais que favorecem a indústria petrolífera,
muitas delas em explícito detrimento do meio-ambiente. Como será visto à frente, Devon é uma das grandes
contribuintes de campanhas de lideranças políticas que protegem os interesses das empresas de óleo e gás.
151
Gráfico 37 – EUA: produção de gás natural, em bilhões de pés cúbicos por dia, por método de extração,
2000-2015
97
O óleo que é retirado das áreas de shale em geral é denominado de tight oil, e não shale oil ou oil shale. Oil
shale sequer é óleo. Oil shale diz respeito ao kerogênio que, de acordo com a definição de Sullivan (2012, p. 11),
“This is near oil. (...) it needs to be processed further before it can be used as a feedstok into these oil refineries”.
Na definição da Society of Petroleum Engineers - SPE (2011, p. 208), shale oils são: “Shale, siltstone, and marl
deposits highly saturated with kerogen. Whether extracted by mining or in-situ processes, the material must be
extensively processed to yield a marketable product (synthetic crude oil).”.
Segundo a nota de terminologia do EIA (2013): “Although the terms shale oil and tight oil are often used
interchangeably in public discourse, shale formations are only a subset of all low permeability tight formations,
which include sandstones and carbonates, as well as shales, as sources of tight oil production. Within the United
States, the oil and natural gas industry typically refers to tight oil production rather than shale oil production,
because it is a more encompassing and accurate term with respect to the geologic formations producing oil at
any particular well. EIA has adopted this convention, and develops estimates of tight oil production and resources
in the United States that include, but are not limited to, production from shale formations.” (p. 4).
152
natural. Além disso, mesmo que já houvesse notícias de que o gás finalmente estava sendo
extraído competitivamente das jazidas de shale, não se acreditava que de uma rocha com tão
baixa permeabilidade pudesse migrar um líquido (SERNOVITZ, 2016)98.
O tempo diferente de “boom” do shale oil e do shale gas não permitiu que
Sernovitz, um investidor e analista do mercado financeiro do setor de óleo e gás, vislumbrasse
com facilidade a importância que também teria a exploração do óleo nas áreas não
convencionais. Confessou no seguinte trecho: “And in a trend that should by now be clear, I
was also late to recognize how the U.S. shale oil renaissance would piggyback on – and
eventually take over – the shale gas boom” (SERNOVITZ, 2016, p. 44)
Exibe-se, no Gráfico 38, que o fraturamento hidráulico chega com força e
expressão na extração do óleo apenas a partir de 2009. Como será visto no item a seguir, é a
partir desse ano que as grandes empresas integradas passam a operar nas áreas de shale.
Gráfico 38 – EUA: produção de óleo, por método de extração, em milhões de barris por dia, 2000-2015
98
As empresas EOG e Continental, ao final, conseguiram extrair óleo das formações de shale porque incluíram
às técnicas de fraturamento hidráulico e horizontal, o fraturamento multifaseado (SERNOVITZ, 2016, p. 46).
153
que os obtidos nos poços de gás convencionais. Assim, mesmo que os custos de produção dos
poços de shale sejam mais altos, os custos unitários, em função da maior produtividade,
podem ser até 50% menores do que os obtidos pela extração de gás nos poços convencionais
(dados de 2011).
Deste breve histórico pelo menos duas observações devem ser extraídas. A
primeira delas diz respeito ao fato de surgir na literatura e debate acadêmico e na mídia a
expressão “Shale Revolution”. Pelos dados de crescimento de produção dos hidrocarbonetos
provenientes das formações de shale, de fato, nota-se algo extraordinário ocorrendo. Como
citado pelo IHS (2013, ES-1), autoriza-se o uso do termo “Revolução” em função de drásticas
mudanças no cenário e perspectivas para o mercado de gás natural nos EUA: nesse país
passou-se de uma situação de escassez de oferta para a de abundância, de altos custos de
extração em fontes não-convencionais para moderados e, de um cenário de alta dependência
das importações para o de uma tendência de autosuficiência em gás natural.
Guardadas as devidas proporções com os eventos de fato revolucionários e de
grande envergadura na história no tocante aos saltos tecnológicos, supõe-se que aqui se
verifica sim um componente de certo modo disruptivo, porque abre espaços novos de
acumulação de capital e reduz substancialmente os custos de extração, determinando um
novo referencial de custos para a indústria petrolífera (óleo e gás). De qualquer forma, vale
apontar que tal movimento ocorre em um setor energético que tende a não pertencer ao
futuro. Afinal, espera-se que as energias renováveis e menos emissoras de poluentes
predominem sobre os combustíveis fósseis no futuro. Sendo assim, tem-se uma mudança
tecnológica não desprezível com a adoção do fraturamento hidráulico nas rochas de shale,
porém aplicada em espaços antigos do capitalismo, que parecem estar sendo contestados
pelas energias mais limpas do ponto de vista da emissão de gases de efeito estufa.
Vale comentar um segundo ponto. Dado que a tecnologia de fraturamento
hidráulico (na maioria das vezes associada ao direcionamento horizontal) se difundiu para
outras formações rochosas não convencionais, a menção honrosa a essa dita “revolução” teria
que ser creditada ao fraturamento hidráulico, tornando-se mais justa, portanto, a
denominação “Hydraulical fracturing revolution”99 e não “Shale Revolution”. A informação de
99
Russell (2014) ousou chamar seu país, os EUA, após a disseminação do fraturamento hidráulico como
“Frackistan” (p. 12). Como o autor sentenciou: “whether you fear fracking or celebrate it, that´s a lot of holes in
the ground” (p. 12). Em uma outra passagem, usou a estimativa de que mais de 15 milhões de estadunidenses
154
que rochas de shale guardavam hidrocarbonetos era havia muito conhecida. A novidade do
início do século XXI foram as técnicas para extrair os hidrocarbonetos de lá de forma
competitiva (na verdade, até vantajosa) com relação às áreas de extração convencionais. Na
avaliação de Bartik et al. (2016), a adoção da tecnologia de fraturamento hidráulico nas rochas
de shale foi tão importante para o setor energético quanto a comercialização da energia
nuclear.
Ainda assim, vale o reforço de que a tecnologia de fraturamento não é produto
dos anos 1990 ou 2000. Foram décadas de aprimoramentos, testes, experimentações,
pesquisa e ciência coletiva (privada, mas sobretudo pública) que permitiram o sucesso da
extração, do ponto de vista tecnológico, em formações não convencionais, apenas no início
do século XXI.
“We´ve been fracking since the Truman administration and drilling
directionally before that. But the ingenuity now dedicated to making
cheaper hydrocarbon widgets is remarkable, from designing drill bits that
allow us to penetrate rock much faster to manufacturing rigs that can
“walk” from own well to another.” (SERNOVITZ, 2016, p. 59).
em 2013 moravam numa distância de uma milha de um poço que foi perfurado por fracking nos últimos anos (p.
19).
100
Sernovitz (2016) não utilizou essas expressões. O termo utilizado para a interação entre empresas foi “gossip”,
fofoca em português, ilustrando assim o caráter informal das interações humanas que muitas vezes são
responsáveis por inovações e aprimoramentos tecnológicos (p. 42).
155
Gráfico 39 – EUA: evolução dos indicadores de produtividade e produção de uma empresa de gás
natural, 2007-2011
2.3.2. Exploração de gás não-convencional nos EUA: produção de shale gas e sua
localização geográfica
Reunindo as estimativas de produção total de gás nos EUA com a da produção das
áreas de shale gas, pode-se observar a importância crescente do shale gas e seu significativo
ritmo de crescimento ao longo da década de 2000 com relação a outras fontes101.
No Gráfico 40, pode-se notar que as fontes de shale gas passaram a ficar mais
expressivas na produção de gás natural já entre 2007 e 2008, mas, em fins de 2009 é que a
curva ganhou uma inclinação mais acentuada. Também se observa que a produção de gás não
derivada das fontes de shale, no período entre 2005 e 2015, diminuiu em termos absolutos
no tocante ao volume, enquanto a produção proveniente das áreas de shale se elevou
substancialmente, sendo responsável, portanto, por todo o acréscimo da produção de gás
natural dos EUA nesse período.
Gráfico 40 – EUA: volumes de produção de dry shale gas e o total de produção de gás natural, em
milhões de pés cúbicos por dia, Jan de 2005-Nov 2015
70.000
60.000
50.000
Em milhões de pés cúbicos por dia
40.000
30.000
20.000
10.000
0
jan/05
jan/10
jan/15
jul/07
jul/12
dez/07
dez/12
fev/07
fev/12
nov/05
nov/10
nov/15
mai/08
mai/13
abr/06
abr/11
jun/05
jun/10
jun/15
mar/09
out/08
out/13
mar/14
set/06
set/11
ago/09
ago/14
101
Para a correta leitura dos Gráficos 40 e 41 apresentados a seguir vale descrever as seguintes observações
quanto à base de dados: a) utilizou-se como dado da produção total de gás a estimativa de natural gas production
(gross withdrawals) que, no glossário da EIA, está definido como: “Full well stream volume from both oil and gas
wells, including all natural gas plant liquids and nonhydrocarbon gases after oil, lease condensate, and water
have been removed. Also includes production delivered as royalty payments and production used as fuel on the
lease.”; b) as estimativas do shale gas estão definidas como dry shale gas, portanto, também segundo o glossário
do EIA: “Natural gas which remains after: 1) the liquefiable hydrocarbon portion has been removed from the gas
stream (i.e., gas after lease, field, and/or plant separation); and 2) any volumes of nonhydrocarbon gases have
been removed where they occur in sufficient quantity to render the gas unmarketable”. Ou seja, nessa
comparação, a primeira estimativa da produção de gás natural é mais ampla do que a segunda, o que permite
afirmar que a importância do shale gas no total da produção de gás nos EUA deve ser ainda maior. Definições
extraídas de EIA (2017c).
158
No Gráfico 41, a importância das fontes de shale para a produção de gás natural
dos EUA mostra-se ainda mais clara. As fontes convencionais onshore e offshore apresentaram
reduções contínuas, principalmente após o início da década de 2000, enquanto as fontes não
convencionais (coalbed methane, shale gas e tight gas) ganharam peso na estrutura produtiva
e na contribuição para o crescimento desse recurso.
Cabe aqui abrir parênteses para uma breve explicação a respeito do gás não-
convencional retirado dos reservatórios de carvão. Nessas jazidas de carvão, há metano preso
nas camadas carboníferas que, por sua rasa profundidade, são relativamente fáceis de retirar.
No entanto, essas camadas são permeadas por água e, para que o metano possa ser extraído,
é necessária primeiramente a retirada de água desses reservatórios. Nos estágios iniciais da
produção, um volume muito grande de água salina pode ter que ser retirado e a sua disposição
pode aumentar muito os custos do projeto da retirada do gás natural (CHANDRA, 2006, p. 33).
Esse gás retirado das jazidas carboníferas é denominado coalbed methane e pode ser uma
fonte importante para a produção de gás natural não convencional em alguns países, como
Canadá, Austrália, EUA e China. Como mostra o Gráfico 41, nos EUA a produção de coalbed
methane aumentou consideravelmente, alcançando quase 2 trilhões de pés cúbicos em 2012.
Outra abertura de parênteses deve ser feita para a definição de tight gas, uma
fonte de gás natural que também aparece nos gráficos seguintes e ganhou importância no
período recente nos EUA. O gás natural denominado tight gas é aquele que é extraído de
rochas de baixa permeabilidade conhecidas como sandstone ou das carbonate formations. A
exploração de gás nessas áreas ganhou incentivos fortes com o Natural Gas Policy Act de 1978
(EIA, 2017e).
Na projeção realizada pelo EIA no Annual Energy Outlook 2016 para o ano de 2040,
o gás natural proveniente das fontes não convencionais dos reservatórios de shale gas e da
produção de tight oil ganham uma importância extraordinária, seja em valores absolutos, seja
em proporção às outras fontes de gás natural. O tight gas aumentará em volume, porém
manterá sua participação, consolidando sua posição como segunda maior fonte de gás natural
nos EUA (Gráfico 42).
159
Gráfico 41 – EUA: produção de gás natural, por fonte, em trilhões de pés cúbicos, 1990-2012
12
Em trilhões de pés cúbicos
10
2007
2012
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2008
2009
2010
2011
Alaska Coalbed methane
Lower 48 offshore Lower 48 onshore conventional
Tight gas Shale Gas
.
Gráfico 42 – EUA: projeção da produção de gás natural, por fonte, em trilhões de pés cúbicos, 1990-
2040
Gráfico 43 – EUA: total de reservas provadas de gás natural (shale e outras fontes), em trilhões de pés
cúbicos, 2007-2014
Pelo Gráfico 44, nota-se o crescimento substantivo das reservas provadas de gás
natural nos EUA nos anos das décadas de 2000 e de 2010. De 1970 aos fins de 1990, as reservas
tinham se reduzido e mantido em baixo patamar (menos que 200 trilhões de pés cúbicos). Os
dados do gráfico anterior revelam que as fontes de shale gas tiveram uma contribuição
essencial para o crescimento recente das reservas provadas de gás natural nos EUA.
Gráfico 44 – EUA: reservas provadas em gás natural, em trilhões de pés cúbicos, 1964-2014
Gráfico 45 – EUA: produção de shale gas, em bilhões de pés cúbicos por dia, por região produtora,
2000-2015
50
45
Em bilhões de pés cúbicos por dia
40
35
30 Marcellus
25 Utica
20 Haynesville
Eagle Ford
15
Fayeteville
10
Barnett
5
Rest of US shales
0
01/jan/04
01/jan/05
01/jan/06
01/jan/07
01/jan/08
01/jan/09
01/jul/09
01/jan/10
01/jul/10
01/jul/11
01/jul/12
01/jul/13
01/jul/14
01/jul/15
01/jul/16
01/jul/04
01/jul/05
01/jul/06
01/jul/07
01/jul/08
01/jan/11
01/jan/12
01/jan/13
01/jan/14
01/jan/15
01/jan/16
Rest of US 'shale' Antrim (MI, IN, & OH) Bakken (ND & MT)
Woodford (OK) Barnett (TX) Fayetteville (AR)
Eagle Ford (TX) Haynesville (LA & TX) Utica (OH, PA & WV)
Marcellus (PA,WV,OH & NY)
Tabela 22 – EUA: participação (%) das regiões produtoras de shale gas (dry gas), em volume, março de
2016
%
Marcellus (PA,WV,OH & NY) 38,5
Eagle Ford (TX) 10,8
Haynesville (LA & TX) 8,4
Utica (OH, PA & WV) 8,2
Barnett (TX) 7,6
Fayetteville (AR) 5,1
Woodford (OK) 4,9
Bakken (ND) 2,3
Antrim (MI, IN, & OH) 0,5
Rest of US 'shale' 13,7
Total 100,0
Fonte: Adaptado de EIA (2017g).
163
102
Em função da diminuição dos preços de óleo e gás, as receitas dessa empresa em 2015 passaram para US$
30,9 bilhões. O prejuízo contabilizado foi de US$ 4,5 bilhões (CONOCOPHILLIPS, 2015, p. 4).
165
a baixa rentabilidade que predominava nos projetos de perfuração nas áreas modernas, como
as de shale, associados ao uso e exploração de tecnologias em fase de experimentação. Para
empreendimentos com tais características poucas empresas apresentavam a quantidade de
recursos financeiros e as capacidades técnicas necessários. Segundo os autores, a Mitchell
Energy, no entanto, “(...) needed to find a new source of natural gas supply and had the
financial resources and the technical capability” (WANG; XUE, 2014, p. 4).
O cenário se transformou no momento em que as tecnologias desenvolvidas pela
Mitchell Energy se consolidaram. Afinal, diminuiu-se radicalmente o custo de operação dos
poços e aumentou-se a atratividade econômica dessa atividade. A partir de 2000, essas novas
perspectivas para a produção de shale gas definiram a fase denominada shale boom e criaram
novos espaços de acumulação para mais agentes. Nessa fase, a porcentagem de “infrequent
drillers” (aqueles que exploram no máximo 5 poços de shale gas com técnicas modernas) no
total de empresas ficou em torno de 30% ao longo dos anos 2000s (chegaram a atingir 40%
em 2005). Por esse motivo, a participação das quatro maiores empresas caiu sensivelmente
no mesmo período.
A presença de muitas empresas é explicada pela diminuição das barreiras à
entrada e também porque, com a disseminação da tecnologia de fraturamento, é possível
arrendar uma porção de terra e contratar serviços de perfuração de outras empresas nos EUA.
Portanto, a presença dos “infrequent drillers” diz também respeito às operações de
especulação com o arrendamento de terras (arrendar a terra a baixo preço e repassar o lease
a maior preço) e não propriamente à produção sustentada de shale gas. Para manter o
arrendamento, as empresas precisam perfurar apenas um poço por terra arrendada.
Conforme atestam os autores, pode haver um número alto empresas investidoras nas áreas
de shale (interessadas na especulação com o preço dos arrendamentos) e não
necessariamente muitas empresas produtoras de shale gas em alto volume. Assim, o número
elevado de empresas de pequeno porte se deve à legislação que permite aos donos de terra
a propriedade dos recursos minerais em seu subsolo. Ao final, os autores sugerem que, por
ser essa uma exclusividade dos EUA, essa estrutura de mercado mais pulverizada não deve ser
observável em outros países que venham a se dedicar a essa atividade no início da prospecção
das áreas, de alto risco.
167
Wang e Xue (2014) consideram que a atividade de shale gas, mesmo com as
descobertas tecnológicas de perfuração já disseminadas nos EUA, permanece como uma
atividade arriscada uma vez que as características geológicas das formações rochosas de shale
de cada país são distintas e exigem muitos investimentos, tornando, portanto, uma atividade
não acessível a pequenas empresas. De fato, a presença de grandes empresas em outros
países em que as bacias de shale estão sendo exploradas é marcante desde o início, por
exemplo a Chevron na Argentina e CNPC (China National Petroleum Corporation) e BP na
China.
Os autores também mostram que há uma alta concentração da produção de shale
gas das áreas de extração moderna nas quatro maiores empresas (Chesapeake Energy, Devon
Energy, XTO Energy e Southwestern Energy) em termos de exploração. Entre 1982 e 2012,
essas empresas perfuraram 39% do total de poços. As 30 maiores empresas exploraram 77%
do total. Dessas 30 empresas, 27 são empresas independentes de exploração e produção de
gás e óleo e 3 são empresas integradas (Shell, Chevron e ExxonMobil). A XTO Energy é uma
empresa da ExxonMobil, fruto de uma fusão dessas duas empresas ocorridas em 2010. No seu
site (EXXONMOBIL, 2017c), a ExxonMobil, via XTO Energy, relata ser proprietária da maior
reserva de gás natural dos EUA e a maior produtora desse recurso nesse país. Relata também
que sua principal atividade nas formações tight e de shale está na extração de gás natural,
embora também produzam óleo bruto dessas formações. Em ExxonMobil (2014), a empresa
registra que a XTO tem presença em todas grandes bacias de extração não convencional nos
EUA e se situa entre os cinco maiores arrendatários desse país.
Hauter (2016) registra que, em busca de capital, muitas empresas das áreas de
shale gas nos EUA realizaram joint-ventures com empresas estrangeiras, como as empresas
chinesas, sul-coreanas e espanholas. A Devon Energy, uma das principais empresas de
extração de shale gas e “a maior companhia petrolífera sediada em Oklahoma e uma das
maiores empresas de óleo e gás dos EUA” (HAUTER, 2016, p. 97) realizou em 2012 um contrato
de joint-venture com uma subsidiária da Sinopec103, maior empresa chinesa de óleo e gás e
petroquímicos com quase mais de 800 mil empregados e receita anual de US$ 294 bilhões
(FORTUNE, 2016).
103
“Sinopec is investing $2.2 billion, underwriting Devon´s costs for drilling, in exchange for 30 percent
ownership in Devon´s 1.4 million acres of holdings in five plays: the Mississipian Lime, Tuscaloosa Marine Shale,
Niobrara, Ohio Utica Shale, and Michigan Basin.” (HAUTER, 2016, p. 97).
168
De acordo com Hauter (2016), os elevados preços do gás natural nos EUA e a frouxidão
do ambiente regulatório permitiram às empresas independentes atuarem na atividade de
shale gas e crescerem. Como a autora relata, os altos preços serviram também para viabilizar
permanentes financiamentos e captação de recursos no mercado financeiro. Para a Mitchell
Energy, por exemplo, Hauter (2016, p. 91) cita a subscrição em 1987 do Goldman Sachs e First
Boston de US$250 milhões em dívida privada e, dois anos depois o First Boston emitiu outros
US$200 milhões. Em 1993, a empresa levantou mais US$123 milhões oferecendo ações. A
imponente expansão da empresa esteve ancorada em alto endividamento.
Atribuindo menor importância ao papel desempenhado pelas empresas de pequeno
porte de extração de petróleo, Wang e Krupnick (2013) oferecem uma informação relevante
quanto à estrutura de mercado no início das atividades de shale gas. Segundo os autores, a
empresa pioneira Mitchell Energy deve ser considerada pequena se comparada com as “major
international oil and gas companies”, mas é considerada grande perante as pequenas
empresas independentes produtoras de gás nos EUA. Os autores enfatizam que as pequenas
empresas independentes não tinham capacidade de operar nos estágios iniciais de
investimento dessa atividade, uma das mais intensivas em capital. Além disso, os autores
afirmam:
“Indeed, it was large independent natural gas firms (e.g., Mitchell Energy,
Devon Energy, and Republic Energy) that made large amounts of
investments in the early stage of shale gas development, and the United
States has a considerable number of large independent natural gas firms”
(WANG; KRUPNICK, 2013, p. 30).
energia elétrica. Essa alta dos preços, além de elevar suas receitas correntes, reduzia as taxas
de juros e de captação de recursos dessa empresa.
A abundância monetária também foi uma das marcas da atuação da Chesapeake,
fundada e liderada por Aubrey McClendon104, uma das principais empresas que operaram no
início e foram responsáveis pelo boom na atividade de shale gas. Sernovitz (2016, p. 36)
menciona que McClendon ficou conhecido por ser o Steve Jobs da revolução do shale.
No entanto, essa empresa se transformou em uma das maiores empresas de shale
gas nos EUA105, não pela inovação tecnológica e sim pela engenhosidade financeira. Quando
percebeu a oportunidade dada pelos altos preços do gás natural nos EUA, Chesapeake passou
a comprar tudo o que era e o que podia ser relacionado a gás natural (de shale
principalmente): empresas, propriedades e leases, recebendo dos bancos a denominação
“compradora em última instância”. Em 2005, foram US$ 10 bilhões, e em 2006, 2007 e 2008,
mais US$ 15 bilhões em aquisições no setor por essa empresa (SERNOVITZ, 2016).
Para obter tantos recursos, o mercado financeiro estadunidense, sua imensa
liquidez e suas inovações em produtos foram essenciais:
“By Aubrey´s charms, Chesapeake raised the necessary capital through a
tangle of old-fashioned ways (issuing new stock, taking on new debt early,
often, and enthusiastically) and new-fashioned ways (foreign joint venture
partners, getting “carried” on capital spending by other oil companies,
subsdiary preferred shares, and clever structures like volumetric
production payments.” (SERNOVITZ, 2016, p. 38).
104
Esse empresário, que chegou a ficar bilionário com as atividades de shale gas, morreu em 2 de março de 2015,
em um acidente de carro, cujas causas permanecem desconhecidas, mas não se descarta a possibilidade de
suicídio. Alguns dias antes do acidente, McClendon havia sido acusado pela Justiça dos EUA por ter realizado um
conluio com uma outra empresa, dirigida por um ex-sócio na Chesapeake, de não participarem de leases nas
mesmas áreas a fim de manterem os preços baixos. Após a compra por uma empresa, a outra teria participação
na operação. No dia seguinte em que McClendon morreu, a acusação foi retirada, embora autoridades tenham
dito que manteriam as investigações sobre o setor. Além dessa ação anti-truste, o empresário, que já tinha saído
da presidência da Chesapeake por denúncias de manipulação financeira em proveito próprio, já não conseguia
mais levantar fundos para a empresa nova que tinha sido aberta por ele e seus ativos pessoais já estavam sendo
oferecidos como garantias nas tentativas de empréstimos (SHIFFMAN; GROW; FLAHERTY, 2016).
105
Em 2005, Chesapeake era a segunda maior produtora de gás natural nos EUA, atrás apenas de ExxonMobil
(SHIFFMAN; GROW; FLAHERTY, 2016).
170
(2016) afirma que 18 meses depois de setembro de 2008, o mercado financeiro voltou a bem
receber o setor petrolífero.
Esse período de consolidação da atividade de shale gas (2008-2014) nos EUA é
marcado pelas aquisições de fatias das empresas independentes e de pequeno e médio porte
pelas majors e super majors do setor petrolífero. Nas Tabelas 23 e 24, percebem-se como
compradoras nos anos de 2010 e 2011 nas regiões de Marcellus e Utica as empresas Chevron,
Royal Dutch Shell, Statoil, ExxonMobil e Total.
Tabela 23 – EUA: lista das 10 maiores empresas em vendas e compras de ativos na formação
geológica de Marcellus, em milhões de US$, 2010-2011
Valor Valor
10 maiores empresas das 10 maiores empresas das
vendedoras vendas compradoras compras
Atlas Energy 5.999 Chevron 6.475
East Resources 4.700 Royal Dutch Shell 4.700
Chesapeake Energy 4.654 Statoil 4.383
Dominion 4.022 Consol 3.570
Consol 3.612 Noble Energy 3.419
Chief Oil & Gas; Tug Hill 2.465 ExxonMobil 2.290
Phillips Resources; TWP 1.690 Reliance 2.091
Anadarko Petroleum 1.400 Mitsui 1.400
Exco Resources 950 BG 950
Anschutz Exploration 850 Chesapeake Energy 950
Fonte: Energy Intelligence (2015, p. 9).
Tabela 24 – EUA: lista das 10 maiores empresas em vendas e compras de ativos na formação
geológica de Utica, em milhões de US$, 2010-2011
Valor Valor
das das
10 maiores vendedoras vendas 10 maiores compradoras compras
Chesapeake Energy 2.630 Total 2.325
Hess 924 American Energy Partners 1.517
Marquette Exploration 750 Hess 1.343
The Oxford Oil Company 653 Gulfport Energy 983
Consol 593 Eclipse Resources 653
Windsor Ohio 592 EnerVest 358
EnerVest; EV Energy Partners 574 Antero Resources 352
Royal Dutch Shell 309 BP 328
Rhino Resources Partners 205 Halcon Resources 207
NCL Appalachian Partners 164 Magnum Hunter Resources 167
Fonte: Energy Intelligence (2015, p. 9).
106
Em 2016, Rex Tillerson foi nomeado Secretário de Estado dos EUA, no governo de Donald Trump.
172
mercado de produtos quanto nos mercados financeiros, “geralmente conflitantes” (p. 02).
Sobre isso, baseando-se em Dosi (1990107), a autora adiciona: “Indeed, the financial structure
of the economy (e.g. credit based versus debt based) will determine the speed and the
pressures felt in selection processes, and affect diferent opportunities for learning and
acquiring capabilites.” (MAZZUCATO, 2013, p. 3).
As especificidades do mercado financeiro, bem como as políticas monetária,
industrial, fiscal e tributária nos EUA parecem ter sido fundamentais para a explicação do
financiamento das atividades de shale gas, tanto para sua emergência no momento das
inovações mais radicais quanto no momento de consolidação do setor.
No próximo item, apresentam-se os fatores que explicam os elevados níveis
estruturais (em oposição a uma mera conjuntura) de endividamento das empresas que
exploram shale gas (e também tight oil) nos EUA, sobretudo as de médio porte cujos
rendimentos próprios não são capazes de sustentar o elevado número de leasing, de novas
perfurações e os retornos rapidamente decrescentes.
107
In DOSI, Giovanni. Finance, innovation and industrial change. Journal of Economic Behavior and Organization,
v. 13, n. 3, p. 299-319, June 1990.
108
O Henry Hub está localizado no estado de Luisiana e serve de ponto de convergência de nove gasodutos
interestaduais e quatro intraestaduais. O preço do gás comercializado lá serve de referência primária para os
contratos futuros de gás natural comercializados na NYMEX (HAUTER, 2016, p. 181).
174
Gráfico 46 – EUA: preço spot do gás natural (Henry Hub), em US$/MBtu, jan 1997-jun 2017
16
out-2005; 13,4
14
jun-2008; 12,7
12
US$ /Milhões de Btu
10
dez-2000; 8,9
8
0 mar-2016; 1,7
nov-2009
set-2000
jul-2002
set-2011
jul-2013
ago-2001
jun-2003
ago-2012
jun-2014
nov-1998
mai-2004
mar-2006
mai-2015
fev-2007
mar-2017
out-1999
out-2010
jan-1997
dez-1997
jan-2008
dez-2008
abr-2005
abr-2016
Fonte: Adaptado de Thompson Reuters via EIA (2017i).
Tabela 25 – EUA: média do preço spot do gás natural Henry Hub, em US$/MBtu, 1997-2016
Década Ano-0 Ano-1 Ano-2 Ano-3 Ano-4 Ano-5 Ano-6 Ano-7 Ano-8 Ano-9
1990 2,5 2,1 2,3
2000 4,3 4,0 3,4 5,5 5,9 8,7 6,7 7,0 8,9 3,9
2010 4,4 4,0 2,8 3,7 4,4 2,6 2,5
Fonte: Adaptado de Thompson Reuters via EIA (2017i).
Gráfico 47 – Taxa média de produção de áreas de exploração de shale gas nos EUA, em milhões de
metros cúbicos, por ano de atividade do poço
Simão (2014) ressalta que a produção de shale gas foi beneficiada também pelo
fato de que as formações de shale ficam majoritariamente em terras privadas e não federais.
Nas terras privadas, as negociações são mais fáceis de serem realizadas109.
109
Sernovitz (2016) argumenta que, se por um lado, alguns proprietários entram na categoria NIMBY (“Not In
My Backyard”) e aumentam a pressão para a proibição da atividade exploratória em alguma região, por outro
lado, o sucesso do arrendamento de terras e, portanto, a permissão para a exploração de óleo e gás deve-se à
existência de proprietários que, em função da alta renda a ser auferida pelo arrendamento, fazem parte da
categoria YIMBY (“Yes In My Backyard”). Na Inglaterra, por exemplo, não há a categoria YIMBY porque as leis de
177
3500
3000
1862
2500 1875 1919 1761
1878
1648 1767 1541
2000 1380
1190 977
1086
1155 1032
1500 916 355 380
831 423 365
379 351 254 193
458 470 344 246
221 241 220
1000 369 256
342 372 252 269
344 266 241 243 372 406
225 228 291 356
197 280 265 406
157 171 177 265 252
140 230 248 238
500 179 201 211
156
316 324 355 384 356 383 424 423 419 397 319
227 262 214 244 290
0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015
América Latina Europa África Oriente Médio Ásia Pacífico Canadá EUA
acesso aos recursos no subsolo são diferentes. Embora haja promessas das autoridades públicas inglesas de que
a localidade receberá parte da renda da extração, os ganhos para as pessoas são indiretos e os motivos para
pertencer apenas à categoria NIMBY são muito maiores.
178
Gráfico 49 – EUA: produtividade dos poços de óleo que utilizam fraturamento hidráulico, por mês de
produção
110
Ainda em aprovação pelas autoridades públicas nos EUA, Baker Hughes deve ser incorporada ao
departamento de óleo e gás da General Eletric. Juntas, formando uma empresa de US$ 32 bilhões, elas devem
ultrapassar a Halliburton, número 2 no setor de equipamentos e serviços para E&P e se aproximarem da líder do
setor, a empresa Schlumberger (CLOUGH, 2016).
179
Gráfico 50 – EUA, Região de Marcellus: produção de gás natural total e por equipamento (rig), em
milhares de pés cúbicos por dia, janeiro de 2007 - julho de 2017
25.000.000 16.000
14.000
20.000.000
12.000
10.000 pés cúbicos por dia)
15.000.000
8.000
por dia)
10.000.000 6.000
4.000
5.000.000
2.000
- -
Sep-08
Sep-13
Jul-09
Jul-14
Jan-07
Jan-12
Jan-17
Mar-11
Mar-16
Nov-07
Nov-12
May-10
May-15
Gráfico 51 – EUA: produção de gás natural, em bilhões de metros cúbicos por dia, e contagem de
equipamentos, 2005-2016
Gráfico 52 – EUA: preços de breakeven baseado no preço do barril de óleo equivalente, por áreas de
shale produtoras de gás e óleo, 2013-2016
2.4.2.2. Arranjo estabelecido entre “Shale World” e Wall Street: liquidez abundante e
necessidade do comércio externo
para a formação de uma “bolha”, pronta para estourar, uma vez que as transações de
empréstimos foram realizadas em bases muito frágeis.
Rogers (2013) denuncia essa suspeita relação entre o mercado financeiro e a
indústria de exploração e produção de gás concentrada nas áreas de shale. Segundo a autora,
os bancos conseguiriam saber que o rápido crescimento da produção do gás natural produziria
um excesso do produto, levando aos baixos preços. Sabiam também que a alavancagem
financeira das empresas de exploração e produção de gás era muito alta e dependente de
recorrentes empréstimos e de altos preços. Mas, ainda assim, o sistema financeiro
permaneceu sustentando um clima de entusiasmo com o shale gas (“shale gas frenzy”) para
que os empréstimos não cessassem e as empresas pudessem, com a sustentação do fluxo de
caixa (com exploração de novos poços), pagar pelo menos o serviço de seu elevado estoque
de dívidas.
A campanha publicitária em torno do “negócio” do shale gas, realizada pelo
mercado financeiro, colocou os holofotes nos altos preços do gás natural em 2008 (que
alcançou US$13,00/mcf sendo que a média histórica era de US$5-6/mcf), afirmando que
aquele era um novo patamar normal de preços. O resultado da intensa propaganda foi o
volume imenso de empréstimos às empresas que, de acordo com os novos preços, iriam
usufruir de receitas altamente promissoras nos anos seguintes (ROGERS, 2013).
As imagens promovidas por Wall Street para esse novo “produto” não eram
condizentes com os números e resultados que, de fato, emergiam dos campos de operação.
E nem poderiam, pois, a tecnologia ainda estava sendo testada, as diferenças nas formações
de shale ainda estavam sendo exploradas e, portanto, não havia nada de definitivo para
embasar os relatórios que tinham que ser divulgados a investidores. Além disso,
propositalmente ou não, autoridades estaduais enviavam dados de desempenho dos poços
com significativo atraso. Como explica Rogers (2013, p. 8):
“It wasn't until Q3 of 2009 that enough production history on shale wells in
the Barnett had been filed with the Texas Railroad Commission that well
performance could be checked. What emerged was significantly different
from the operators’ original rosy projections.
(...) The issue of well performance disclosure has continued to mask
problems in shale production. States such as Pennsylvania and Ohio do not
release well performance data on a timely basis, which makes it very
difficult to get a true picture of actual well history”
183
No período entre 2008, o crash, e 2014, de acordo com Sernovitz (2016, p. 49), o
capital voltou a fluir para as empresas de óleo e gás nos EUA, que voltaram a ser “one of the
most popular kids in town”. Como esse período foi marcado pela entrada das grandes
empresas via aquisições, o autor afirma que: “(...) the U.S. shale revolution transformed from
a collection of plays in out-of-the way places into the defining force of the global oil and gas
industry.” (p. 49).
No Gráfico 53, ilustra-se a elevação do valor da captação de recursos das empresas
desse setor, seja por venda de ações, seja por dívida. De acordo com Loder, Olson e Kopecki
(2015), as empresas produtoras nos campos de shale levantaram no mercado de capitais US$
44 bilhões em títulos e venda de ações no 1º semestre de 2015. A consequência do
endividamento se revela no alto pagamento de juros. Loder (2015) ilustra esse
estrangulamento financeiro das empresas citando que as despesas financeiras da Continental
Resources apresentaram o mesmo valor das da ExxonMobil, uma empresa 20 vezes maior.
A reportagem de Loder, Olson e Kopecki (2015) também mostra, com um
exemplo, a complacência do sistema financeiro para permanecer com os empréstimos a
empresas claramente com problemas financeiros:
“Halcon Resources Corp. almost ran into trouble with its banks in June
2013. And again in March 2014. And in February 2015.
Each time, the shale driller came close to violating debt limits set by its
lenders, endangering a credit line that provided as much as $1.05 billion in
much-needed cash. Each time, Halcon’s banks, led by JPMorgan Chase &
Co. and Wells Fargo & Co., loosened their restrictions, allowing Halcon to
keep borrowing”.
Gráfico 53 – EUA: formas de captação de recursos pelos shale drillers, 1º semestre de 2007-
1º.semestre de 2015
Gráfico 54 – EUA: itens do fluxo de caixa das empresas de petróleo onshore, em bilhões de dólares,
anualizados, 2012-2016
111
As exportações e importações de gás natural nos EUA são regidas pelo Natural Gas Act de 1938 que obriga as
empresas a pedirem autorizações para o Departamento de Energia para realizar uma ou as duas dessas
operações (U.S. Department of Energy – DOE, 2017).
112
Nos EUA, é o Departamento de Energia (DOE) que aprova a construção e operação de terminais de exportação
de GNL para países fora dos tratados de livre comércio (HAUTER, 2016).
187
bem maiores) são importantes para a viabilidade do shale gas e, portanto, ao invés de
aumentar, contribuem para preços menores de gás natural no longo prazo do que haveria na
ausência dessa atividade113.
Hauter (2016) destaca que os advogados da indústria do gás nos EUA, com a
necessidade de exportação do gás natural para a viabilidade financeira da atividade, mudaram
seus argumentos. Ao invés de enaltecerem a capacidade do gás natural de trazerem segurança
energética aos EUA, passaram a defender as exportações desse recurso energético como
forma de evitar as fortes oscilações de preço e, no longo prazo, assegurar a oferta de gás aos
residentes do país.
A primeira exportação de gás natural (GNL) para a Europa ocorreu em abril de
2016 e foi realizada por Cheniere Energy com sua planta de liquefação Sabine Pass114. Com a
possibilidade de uso do Canal do Panamá, a primeira exportação para Ásia ocorreu em agosto
de 2016 e seu anúncio foi celebrado, uma vez que essa região constitui o maior mercado para
GNL. A expectativa é que essas vendas aumentem sobremaneira com a expansão do Canal
(WEBER; MALIK, 2016).
Entre março e novembro de 2016 foram registrados cinco navios com cargas de
GNL para países do Oriente Médio (Emirados Árabes Unidos, Jordânia e Kwait), conforme se
observa no Quadro 2, mostrando a expansão comercial dos EUA até mesmo para países com
grandes reservas de gás natural ou próximos a países com importantes produção e reserva.
113
Rosenberg (2014) vai além e propõe ao final de seu relatório que políticos nos EUA acabem também com a
proibição às exportações de petróleo. Para justificar, utiliza o argumento de política externa contra os “abusos”
da Rússia e OPEP, a saber: “Oil exports might also reduce the effectiveness of attempts by other producers, like
Russia or OPEC, to exert new price-increasing cartel dynamics” (p. 31).
114
Sabine Pass era, originalmente, uma estrutura portuária para a importação de GNL. Em 2008, no ano do início
de suas atividades para importação, Cheniere estava com US$ 2 bilhões em dívida e ainda encarava a eclosão da
crise financeira e o boom do shale gas cuja oferta abundante tornava desnecessária a importação de gás.
Segundo Hauter (2016, p. 178), com importante apoio do governo Obama nas mudanças regulatórias de
comércio exterior do setor e com aporte de mais US$ 7 bilhões dos investidores financeiros, Cheniere conseguiu
reverter o malogro que seria Sabine Pass ao transformá-la em uma estrutura para a exportação de GNL.
188
Quadro 2 – EUA: preço das exportações de gás natural liquefeito do Terminal de Sabine Pass para o
Oriente Médio, em US$ por milhões de Btu (MBtu), 2016
Data de
saída País de destino Preço (FOB)
28/03/2016 Emirados Árabes Unidos 3,95
10/05/2016 Kuwait 3,12
18/07/2016 Jordânia 5,60
01/09/2016 Kuwait 5,32
11/09/2016 Jordânia 5,53
Fonte: Adaptado de Krane (2016).
cru também foram removidas nos EUA, em dezembro de 2015. Até esse período, as
exportações desse hidrocarboneto ocorriam praticamente apenas para o Canadá. Segundo
EIA (2017j), após o fim das restrições em 2015, os EUA já exportaram petróleo para 26 países.
Assim, tanto para óleo como para o gás, os Estados Unidos passam da posição de importador
para a de exportador, alterando as relações geoeconômicas e geopolíticas.
EUA para Europa tende a estreitar o espaço para os tradicionais exportadores de gás para esse
mercado, Rússia e Noruega.
Talvez o maior efeito do ponto de vista geopolítico da “Revolução do Shale” só
possa ser visualizado por meio do segmento produtor de óleo115. Como já analisado aqui, a
tecnologia de fraturamento horizontal foi, após ser aplicada na exploração do gás, utilizada
para a perfuração e extração de óleo nas áreas onshore nos EUA. Entre 2011 e 2014, a
produção de óleo nesse país cresceu 14%, em média, ao ano e o inseriu como maior produtor
mundial. De uma maneira sintética, com o incremento excepcional partindo dos EUA (com
promessas políticas de que esse país migrava à autossuficiência energética), conjugado à
contenção do crescimento da demanda mundial e à recusa da Arábia Saudita em reduzir sua
produção, o preço do petróleo caiu drasticamente, de mais de US$ 100,00 em 2014 para
US$46,00 em 2016, com passagem no patamar de US$ 20-30 o barril no início de 2015 (Gráfico
4).
Sernovitz (2016) faz uma breve reflexão sobre quais poderiam ser algumas das
consequências para os EUA na ausência da “Frack Revolution”, citando que uma delas, na sua
visão, seria a ampliação do poder da Rússia, Irã e de outros países do Oriente Médio.
“Yet when I see a billboard like the one put up by Yoko Ono and Sean
Lennon asking New York City drivers to “Imagine there´s no fracking”, I
cringe. That´s because I imagine it. If the U.S. shale revolution hadn´t
happened, oil and gas prices would probably be triple what they are today,
the United States might, like Europe, still be feebly climbling out of the
global recession, our trade balance would be weaker, the dolar in the pits,
American coal consumption and carbon emissions would be increasing, the
Canadian oil sands would be the dominant source of new North American
oil, poor people throughout the world would have less access to energy,
the power of Putin and Middle Eastern monarchies would be dangerously
magnified, and thriving Iran would be in a much better position to laugh off
attempts to limit its quest foi nuclear bombs.” (SERNOVITZ, 2016, p. 9).
Para além do efeito nos preços, há implicações sobre o fato dos EUA diminuírem
os volumes importados de óleo e de gás de alguns de seus tradicionais parceiros comerciais,
como a África e o Oriente Médio, no caso do óleo. De acordo com Rosenberg (2014), o óleo
exportado pelos países da África é do tipo leve, mais parecido com os acréscimos do óleo
bruto e outros líquidos que estão sendo extraídos das regiões de shale. Portanto, esses países
115
Rosenberg (2014) ressalta essa importância relativamente maior no setor produtor de óleo para as mudanças
mundiais e justifica: “The changes are more significant for oil than for natural gas because of the large, globally
integrated nature of the oil market and the relative ease of transporting oil” (p. 6).
191
estão sendo obrigados a encontrar outros pontos para exportação. O óleo do Oriente Médio
é mais apropriado para as refinarias estadunidenses e a importação desses países não caiu
muito (até que as refinarias sejam capazes de processar diferentes tipos de óleo), mas já há
um deslocamento importante das exportações de óleo do Oriente Médio para áreas
importadoras mais dinâmicas, como a China.
Esse deslocamento dos fluxos e contratos de comércio de óleo em direção à Ásia,
segundo a autora, traz efeitos positivos, pois torna os EUA menos dependentes do Oriente
Médio, mas define um traço novo na qualidade do comércio internacional, que é a
intensificação das relações comerciais e de investimentos em toda a cadeia petrolífera e
petroquímica entre países que possuem governos fortes e centralizadores, aumentando as
negociações fora das referências de mercado e distorcendo os preços.
Outra consequência apontada pela autora é a possibilidade de manutenção de
preços baixos do petróleo por tempo prolongado116, trazendo perdas para a produção
estadunidense. Esse cenário só ocorreria se a OPEP não aceitar cortar a produção (ou seja,
não aceitar perder market-share), se a produção de países que estava paralisada (Irã, Líbia e
Iraque) voltar a subir e se nenhum movimento disruptivo novo ocorrer no mercado do
petróleo. A produção de shale oil dos EUA significaria um grande teste para a OPEP e sua
capacidade de manter a coesão interna.
Além disso, a produção dos EUA também obriga os países exportadores
acostumados a contratos com preços favoráveis a se adaptarem a uma nova situação de
preços menores. Isso porque a produção estadunidense se mostrou bastante elástica,
tornando baixa a chance de os preços do óleo voltarem ao patamar de US$100,00.
De acordo com Rosenberg (2014), essa nova condição de baixos preços do
petróleo traz impactos para a capacidade de gastos dos governos dos produtores de petróleo,
para a obtenção de divisas e para a realização de novos projetos de investimentos com custos
de extração mais altos. A perda de força econômica desses países afetará a sustentação
política de seus governos e também o seu raio de ação político-militar regional, em função da
diminuição dos valores para apoiar e ajudar os países aliados e da proximidade.
Os EUA ainda se beneficiam com o avanço da atividade extrativa não-convencional
dos hidrocarbonetos em função do acúmulo de suas reservas estratégicas (SPR, Strategic
116
Rosenberg (2014) realiza sua análise antes do movimento de redução drástica dos preços do petróleo.
192
Petroleum Reserves) que podem ser usadas num bloqueio comercial extraordinário a um
aliado, a fim de aliviar a restrição energética ao aliado e conter essa tentativa de países rivais.
Sobre a SPR, Rosenberg propõe que haja uma ação coordenada dos países importadores para
aumentarem sua SPR e utilizá-la para evitar novos choques de preços de petróleo ou só sua
ameaça. Grandes volumes de reservas em diversos países aliados e uma gestão conjunta
poderiam substituir, em alguns casos, ações militares, uma vez que cortes de fluxos de energia
(ou só ameaça) vindos de países não aliados deixam de ser viáveis com várias reservas que
podem ser compartilhadas nesses momentos. Essa seria uma forma de prolongar os ganhos
geopolíticos do shale oil, mesmo quando essa produção findar.
Enfim, esses dois relatórios citados são bastante entusiastas da atividade de
exploração de poços não convencionais nos EUA. Para seus autores, os ganhos geopolíticos
são evidentes uma vez que fortalecem a posição estadunidense e enfraquecem seus
adversários históricos (Rússia e Cuba117, por exemplo) e os considerados “perigosos e
instáveis”, como os países da OPEP118. Portanto, ao final, ambos propõem total apoio do
governo federal e dos estados (principalmente os produtores) e do legislativo para que se
estendam no tempo os efeitos positivos da elevada produção de hidrocarbonetos nos EUA.
Nas palavras de Rosenberg (2014):
“Creating the market conditions necessary to sustain and expand the boom
should be a priority for economic and political leaders, both to increase
revenue and to enable stronger, more assertive U.S. foreign policy and
military leadership. To accomplish this, leaders must embrace pro-
manufacturing policies, relatively unencumbered energy exports and
relatively free trade in energy.” (ROSENBERG, 2014, p. 31).
(...)This could be accomplished through favorable tax and permitting terms
and private sector partnerships. It would attract gas-intensive industries,
such as petrochemical and fertilizer production, to the United States,
create jobs, enhance the balance of payments and boost U.S. economic
competitiveness.” (ROSENBERG, 2014, p. 34).
117
Os reflexos sobre Cuba se dão em função da situação econômica extremamente complicada em que se
encontra a Venezuela, país que mais deve ter colaborado nos anos recentes para o provimento a baixo preço de
combustível à ilha.
118
Segue proposta de Rosenberg (2014) para esses países: “To achieve strategic and political aims with regard
to adversarial petro-state actors, the United States can highlight poor fiscal management in these states and
adopt punitive, coercive measures, such as energy sanctions, to exacerbate their economic problems and popular
dissent” (p. 33).
193
Obama elegeu a China como único país com poder para contestar a hegemonia
estadunidense. Assim, para lograr focar seus esforços militares e diplomáticos na Ásia, era
necessário retirar-se ou reduzir substancialmente suas ações no Oriente Médio. Segundo o
autor, enquanto permaneceram os altos preços do petróleo, Washington pôde por em marcha
a saída dos conflitos do Oriente Médio (retirada das tropas do Iraque e Afeganistão, acordo
nuclear com o Irã e pressão para Israel estabelecer acordo com a Palestina, etc.). Essa retirada
não agradou os sauditas, principalmente pelo avanço das forças xiitas do Irã, e determinou a
mudança radical da Arábia Saudita sobre o controle dos preços, provocando a sua drástica
diminuição e colocando em risco a produção de hidrocarbonetos não convencionais. Com isso,
Ragmonet (2015) não arrisca determinar se a estratégia dos EUA – apoiada pela produção e
exportação de hidrocarbonetos – será bem-sucedida para os próximos anos, a depender da
longevidade dos preços baixos. O autor pergunta:
“Estas novas circunstâncias obrigam Barack Obama a reconsiderar os seus
planos. A crise do fracking poderia representar o fim da auto-suficiência de
energia fóssil nos Estados Unidos e, portanto, o regresso à dependência do
Oriente Médio (também da Venezuela, por exemplo). Por agora, Riad
parece ter ganho a aposta. Até quando?”.
“And ironically, one of the governments that has had the most ‘visible hand’
in innovation policy, investing in key areas, providing both research funding
as well as early stage capital financing, has been the US government.”
(MAZZUCATO, 2013, p. 6).
2.6.1. Política tecnológica para a indústria petrolífera: intensificação a partir dos anos
1970
119
Afinal, de acordo com a autora, as inovações a serem promovidas pelos recursos públicos devem gerar um
crescimento econômico mais “inteligente, inclusivo e sustentável” (MAZZUCATO, 2015, p. 2). Em outro trabalho,
ao propor a necessidade de que o direcionamento dos recursos públicos deva ser debatido com a sociedade, a
autora afirma: “This is especially important in the development of today´s ´green´ renewable energy sector, where
public sector actors should be resisting the pressures by the big energy companies to continue within a fossil fuel
trajectory. Instead, recent developments (mainly but not only in the United States), whereby the state has been
the lead actor in promoting the shale gas (fossil fuel) revolution, go against this suggestion” (MAZZUCATO, 2013,
p. 7).
195
autores, vale apontar que dois conjuntos de atores se destacam para o surgimento dessas
novas tecnologias, o setor público e o setor privado, em conjunto, mas com a força da inicativa
e dos recursos monetários do primeiro120. O apoio do governo federal com pesquisa básica e
aplicada, incentivos fiscais e compartilhamento de custos de pesquisa com as empresas
mostraram-se essenciais para que a prospecção, exploração e produção de shale gas
pudessem ocorrer com custos que viabilizassem a atividade.
As justificativas para os programas de P&D criados pelo governo dos EUA iniciados
na década de 1970 assentavam-se no fato de que a apropriabilidade das inovações
tecnológicas para extração de gás e óleo é baixa pois estas são de difícil patenteamento ou
licenciamento. Considerava-se também que havia uma disputa no direcionamento dos
investimentos das grandes empresas de petróleo entre as fontes convencionais e não
convencionais e que as empresas dariam preferências para as primeiras. Portanto, a pesquisa
para fontes não-convencionais teria que contar com os aportes e participação dos programas
públicos.
Ao mesmo tempo, os programas, para serem elaborados e postos em prática,
contavam com a justificativa da segurança energética do território estadunidense. Para o
direcionamento de recursos públicos para pesquisas e incentivos à produção de gás em
campos não-convencionais, apresentava-se como pano de fundo a severa escassez de gás que
ocorreu nos EUA na década de 1970 e, de uma maneira mais ampla, os choques do petróleo
que detonaram uma crise energética no âmbito mundial, mas com mais fortes restrições sobre
o consumo estadunidense (em função do embargo e do alto consumo de óleo desse país).
As atenções logo se voltaram para as reservas de recursos fósseis não-
convencionais que não eram acessíveis ao estado tecnológico daquele momento. Passaram a
ser foco os depósitos de coalbed methane, gás natural de tight sands e shale gas
(SHELLENBERGER et al., 2012).
A busca de soluções que diminuíssem a dependência externa de obtenção de
energia passou pela criação em 1974 da Energy Research and Development Administration
(ERDA) e, em 1977, do Departamento de Energia (DOE) que abrigou as atribuições do ERDA.
120
Como exemplo, Shellenberger et al. (2012) registram que uma tecnologia pioneira (perfuração com broca de
diamante) foi fruto de uma parceria entre a General Eletric e a Energy Research and Development Administration
–ERDA.
196
Segundo os registros de Wang e Krupnick (2013), entre 1973 e 1976, o orçamento federal para
pesquisa em energia, inclusive de combustíveis fósseis, cresceu consideravelmente:
“In October 1977, DOE was created to consolidate in one agency the
responsibilities for energy policy and R&D programs, including those of
ERDA and the energy-related responsibilities of the US Departments of
Agriculture, Commerce, Housing and Urban Development, and
Transportation (..). The budget for energy research, especially for fossil
energy programs, significantly increased. NETL (2010, p. 255) notes that
“between 1973 and 1976, total federal spending on energy research more
than doubled, and the fossil-energy component increased more than
tenfold from 1974 ($143 million) to 1979 ($1.41 billion)” (WANG;
KRUPNICK, 2013, p. 7).
Com a mesma perspectiva que Shellenberger et al. (2012), para Wang e Krupnick
(2013), vários fatores colaboraram para a emergência e desenvolvimento das atividades
produtivas de shale gas, mas o principal foram as inovações tecnológicas que tornaram
economicamente viável a exploração do shale gas. Para tanto, os laboratórios públicos de
pesquisa tiveram papel ativo.
Em 1976, o Morgantown Energy Research Center (MERC121) e o Bureau of Mines
criaram um programa de grande contribuição para as novas tecnologias, o Eastern Gas Shales
Project, que reunia universidades e empresas da Pensilvânia e West Virginia para
experimentos conjuntos. Shellenberger et al. (2012) registram a atuação da MERC e sua
contribuição para o desenvolvimento da perfuração horizontal, patenteada por dois de seus
engenheiros.
Antes ainda, entre 1967 e 1969, um experimento importante foi realizado pela
Comissão de Energia Atômica nos EUA nas rochas de shale. Embora a tecnologia atômica
tenha sido considerada perigosa para extração de gás, esse experimento trouxe resultados
considerados bastante positivos pois mostrou que, de alguma forma, era possível tirar o gás
preso nas rochas de shale (NORDHAUS; SHELLENBERGER, 2012)122.
121
O MERC corresponde ao atual National Energy Techonology Laboratory (NETL), integrante do DOE. Segundo
a instituição, os objetivos de suas pesquisas são: “Enabling domestic coal, natural gas, and oil to economically
power our Nation’s homes, industries, businesses, and transportation” e “Protecting our environment and
enhancing our energy Independence” (NETL, 2017).
122 Sobre esse tipo de intervenção pública e suas consequências, vale registrar uma declaração de Bill Gates: “A
key element to get an energy breakthrough is more basic research. And that requires the government to take the
lead. Only when that research is pointing towards a product then we can expect the private sector to kick in (BILL
GATES, apud MAZZUCATO, 2015, p. 11).
197
123
O Gas Research Institute foi criado pela Federal Energy Regulatory Commission (FERC) e era uma associação
entre os laboratórios de pesquisa do Departamento de Energia e a indústria do gás natural. Seu financiamento
provinha de um imposto sobre a produção de gás natural (SHELLENBERGER; NORDHAUS, 2011). De acordo com
Nordhaus e Shellenberger (2012) essa configuração jurídica mostrou-se interessante para a geração de inovações
no shale gas e deveria ser copiada para a promoção de pesquisa nas “energias verdes”. A sua vantagem consistia
na forte representatividade do setor privado e no seu isolamento das decisões do Congresso e da burocracia
federal. “Federal investments in applied research and demonstration of new green energy projects ought to be
similarly insulated from political meddling and rent seeking”.
198
muito maior do que as existentes no início do século anterior, até porque o uso inicial do
fraturamento hidráulico era realizado em formações de limestone, muito diferentes das
características geológicas das rochas de shale. Para essas últimas, foram necessários muito
mais água, areia, químicos e pressão, além do direcionamento horizontal de vastas distâncias.
“But dismissing the importance of federal support for new shale gas
technologies in the ’70s and ‘80s because private firms had succeeded in
fracking for oil in the ’40s and ’50s is like suggesting that postwar military
investments in jet engines were unnecessary because the Wright Brothers
invented the propeller plane in 1903.” (NORDHAUS; SHELLENBERGER,
2012).
124
“RPSEA is formed by a consortium of premier U.S. energy research universities, industry, independent research
organizations and state and federal agencies” (RPSEA, 2017a). E os objetivos da instituição são: “(...) provide a
stewardship role in ensuring the focused research, development and deployment of safe and environmentally
sensitive technology that can effectively deliver hydrocarbons from domestic resources to the citizens of the
United States.”(RPSEA, 2017b).
200
125
A lista completa de projetos aprovados e financiados com pedidos até 2011 (inclusive) pode ser obtida nas
páginas 28-41 do Relatório Anual de 2013 do RPSEA (RPSEA, 2013). Em 2012, último ano de abertura de
solicitações, foram aprovados 4 projetos no programa Unconventional Resources.
201
das atividades exploratórias com o uso do fraturamento hidráulico para outros países, como
se pode observar nesse trecho:
“O informe mostra que, em quase todos os países estudados, o
desenvolvimento do gás de xisto está “estreitamente vinculado” a uma
agência do governo norte-americano, o Programa de Obtenção Técnica
Não Convencional do Gás (UGTEP). Vinculada ao Departamento de Estado
norte-americano, a UGTEP ofereceu desde 2010 uma grande variedade de
assistência técnica em torno da exploração de gás.
Os seus críticos afirmam que a agência incentiva a fratura hidráulica sob o
disfarce da diplomacia norte-americana. “O UGTEP utiliza os canais oficiais
do governo e o dinheiro dos contribuintes norte-americanos para
promover a fratura hidráulica em todo o mundo, abrindo a porta aos
principais atores mundiais da indústria do petróleo e do gás”, alerta a
Amigos da Terra Europa no seu informe”
exploração do shale gas, por meio da divulgação local de notícias e fatos (UNITED STATES
ENVIRONMENTAL AGENCY - EPA, 2017).
Como um dos principais entraves à expansão da produção de gás natural advindo
das rochas de shale é sua maculada reputação com relação ao meio-ambiente, fica evidente
a importância de um programa de apoio para a expansão internacional das empresas que já
adquiriram competências e ativos no segmento da exploração de áreas não-convencionais
com tecnologia de fraturamento hidráulico e horizontal. Com a pressão de crescente parte da
sociedade estadunidense para a paralisação ou para aumento do rigor da regulação sobre as
atividades de fraturamento hidráulico, a migração dessa atividade para países com reservas
de shale gas, mas ainda desestruturadas socialmente para impedir tal atividade, torna-se uma
inevitável frente de expansão capitalista no setor petrolífero.
O conjunto de ações emanadas do governo e direcionadas à indústria do óleo e
gás e que diz respeito ao sistema de apoio e benefícios ao desenvolvimento tecnológico do
setor foi descrito neste item. Com mais ênfase, os benefícios fiscais que receberam os
produtores estadunidenses no setor petrolífero são apresentados no próximo item. De acordo
com Shellenberger e Nordhaus (2011), entre 1978 e 2007, o Departamento de Energia
estadunidense gastou US$ 24 bilhões com pesquisa em energia a partir de combustíveis
fósseis, sem contar os recursos (segundo os autores, mais bilhões de dólares) que foram para
o Gas Research Institute e as isenções tributárias nesse período para os produtores de gás
não-convencional.
Para explicar o sucesso do shale gas no período mais recente, Medlock III, Jaffe e
Hartley (2011) são peremptórios ao afirmar que o incentivo fiscal do Intangible Drilling Cost
(IDC) foi fundamental para a permanência de pequenas empresas na operação dessa
atividade, pois permite, em geral, uma redução de 70% dos custos totais do desenvolvimento
e exploração de um poço de óleo ou gás. O IDC é utilizado para manter a competitividade
atual das empresas de óleo e gás, mas cabe mencionar que esse mecanismo fiscal está em
vigência desde 1916, determinando diferenças importantes de carga tributária entre o setor
petrolífero e outros setores. Afinal, o benefício dos IDCs, ao permitir a dedução das despesas
no ano em que eles ocorrem, libera caixa da empresa para a continuidade dos investimentos.
As empresas independentes de petróleo podem deduzir 100% dos “custos intangíveis” e as
grandes corporações podem capitalizar 30% desses custos e realizar diferimento do
pagamento em até 60 meses (TAXPAYER FOR COMMON SENSE, 2014a).
Empresas de outros setores, nos seus primeiros anos de operação, quando estão
na fase de montagem de seus ativos, também podem capitalizar os gastos iniciais e deduzi-los
como depreciação nos anos seguintes (depreciation allowance). Pequenas empresas, em
geral, ainda têm um benefício maior, pois podem deduzir já no primeiro ano um valor de até
US$ 1 milhão. A diferenciação setorial – que beneficia mais a indústria petrolífera do que as
demais, inclusive mais do que as pequenas empresas, no geral – está no fato de que com a
ampla categorização de IDCs, essas empresas de óleo e gás podem realizar um desconto maior
no primeiro ano (no caso das independentes) e ganhando mais tempo (no caso das integradas)
do que suas congêneres em outros setores (TAXPAYER FOR COMMON SENSE, 2014a).
A categoria de IDC é considerada muito ampla porque despesas comuns (mão-de-
obra, insumos) são tratadas pelas regras fiscais como se fossem despesas de pesquisa e
desenvolvimento. O argumento dos legisladores que ofereceram e mantêm essa renúncia
fiscal é que as atividades de perfuração são de alto risco, uma vez que o recurso fóssil pode
não ser encontrado ou não encontrado na quantidade esperada, requerendo incentivos
fiscais. No entanto, o Taxpayer for Common Sense (2014a) registra que as mesmas técnicas
(equipamentos, produtos e processos) são utilizadas em vários poços e não há incerteza
elevada e tampouco esforços novos de pesquisa. Não levando isso em consideração, a
legislação define que todos os gastos para a preparação do campo para a perfuração e
205
126
A empresa Devon Energy, atualmente a maior empresa independente de óleo e gás nos EUA, foi fundada em
1971 e fez uso desse esquema tributário vantajoso (master limited partership) em 1984. Em 1988, abriu o capital
e realizou em seguida 28 operações de fusões e aquisições e realizou operações no exterior. Em 2012, captou
bilhões em um acordo com a Sinopec (HAUTER, 2016, p. 102).
207
IDCs (Intangible Drilling Costs). Esse poderoso incentivo fiscal contribui para explicar o
acelerado ritmo de perfuração e desenvolvimento de novos poços de shale gas, inclusive pelas
empresas independentes.
Além dos recursos públicos federais destinados ao setor petrolífero nos EUA, há
que se sublinhar o papel que também assumem as instâncias estaduais e municipais na
promoção do desenvolvimento do shale gas, sobretudo quando inseridas em regiões já
produtoras. Por exemplo, em 2011, a Shell anunciou a intenção de investimento de uma
planta de craqueamento de etano para aproveitar o acesso à matéria-prima barata
proveniente da formação de Marcellus. Esse anúncio detonou uma espécie de guerra fiscal
entre os estados daquela região e a proposta da Pensilvânia saiu vitoriosa ao oferecer uma
renúncia fiscal e subsídios grandiosos para receber o investimento da Shell. Segundo o relato
de State Impact (2017), a Shell foi beneficária de uma anistia de 15 anos de impostos do
governo do estado e de um crédito fiscal US$ 2,10 para cada galão de etano que a empresa
comprar de empresas de gás natural do próprio estado por 25 anos. Estima-se que esse crédito
pode alcançar US$1,65 bilhão e será o maior incentivo fiscal já ofertado na história do estado.
A justificativa do governador para esse montante de incentivos é a de que a produção de
etileno iria atrair e gerar novos investimentos no setor de transformação de plásticos,
oferecendo à localidade a perspectiva de cerca de 17.000 novos empregos127.
Outro exemplo de influência do aparelho político-legislativo-judiciário dos estados
nos incentivos à indústria petrolífera é oferecido por Roth (2016). Narra este autor que o
município Denton, no estado do Texas, em 2014, logrou banir a atividade de fracking a partir
de uma votação, o primeiro município naquele estado a conseguir tal feito. No entanto, os
legisladores estaduais anularam o desejo daqueles cidadãos e cidadãs a partir de uma lei que
não permite, naquele estado, que decisões locais se sobreponham às do estado no tocante à
regulação da indústria petrolífera. O argumento utilizado pelas autoridades públicas foi de
que as pessoas comuns não tinham conhecimento técnico sobre o setor e, assim, não
poderiam determinar regras locais que afetassem as atividades econômicas que o
envolvessem. De acordo com o relato, ao final, mesmo tentando recorrer na Jutiça, o governo
127
Vale ressaltar, no entanto, que essa estimativa foi realizada pela entidade patronal American Chemistry
Council (ACC) e não por estudos de instituições acadêmicas e outras de interesse público (DETROW, 2012).
208
Tabela 27 – EUA: gastos anuais com lobby da indústria de óleo e gás, em US$, 1998-2014
Ano US$
1998 62.656.290
1999 60.019.200
2000 52.072.083
2001 51.292.571
2002 58.601.396
2003 56.713.514
2004 52.423.127
2005 66.459.269
2006 75.194.103
2007 86.509.482
2008 135.037.287
2009 174.684.820
2010 147.874.543
2011 150.721.677
2012 140.687.783
2013 144.991.531
2014 141.370.272
Total 1.657.308.948
Fonte: Adaptado de Taxpayer for Common Sense (2015, p. 8).
O relatório de Taxpayer for Common Sense (2015, p. 4) ainda divulga que uma
parte importante das e dos lobistas que atuam nas câmaras legislativas dos EUA são egressos
das instituições públicas mais importantes de regulamentação de energia, como o
Department of Energy (DOE) e Department of Interior (DOI). Em 2014, dos 819 lobistas, 496
tinham previamente trabalhado para ou eram membros do Congresso, de comitês do
Congresso ou em uma agência federal (54, por exemplo, com passagem pela Casa Branca).
Além disso, cabe mencionar que não estão contabilizados nesses valores as
despesas das empresas com: mídias; financiamento a pesquisas; doações legais com
campanhas presidenciais, de governadores e prefeitos nos EUA, tampouco os valores
envolvidos nas ações dessas empresas com lobby, financiamento de campanha, propaganda
e espionagens em outros países nos quais reside parte importante dos ativos dessas empresas
ou onde há interesses de entrada.
210
Tabela 28 – EUA: lista das vinte maiores contribuições de empresas para membros do Congresso no
ciclo eleitoral, em US$, 2014
Organização US$
Koch Industries 9.513.335
Ken Davis Finance 2.927.295
Chevron Corp 2.099.893
ExxonMobil 2.057.953
Marathon Petroleum 1.291.745
Western Refining 1.291.139
Occidental Petroleum 1.135.740
Devon Energy 819.945
Valero Energy 732.500
Chesapeake Energy 718.690
Bonanza Oil 666.500
Energy Transfer Equity 658.459
Halliburton Co 621.241
Marmik Oil 539.850
Petco Petroleum 531.500
BP 515.841
Independent Petroleum Assn of America 514.900
Williams Companies 495.800
Nustar Energy 480.069
Red Apple Group 470.900
Total 28.083.295
Fonte: Adaptado de Taxpayer for Common Sense (2015, p. 6).
Amaral e Roberto (2016), lembrando que o lobby é legítimo nos EUA pois é
ancorado na 1ª. Emenda da Constituição que protege a liberdade de expressão, apresentam
em seu artigo a força que o “lobismo” possui sobre a política estadunidense na manutenção
ou criação de leis que favorecem as corporações:
“Assim, o lobby representa a influência das corporações na prática,
inserindo-se na burocracia norte-americana como um mecanismo interno
da produção de leis e de tomada de decisão. Os interesses de determinados
grupos se constituem como parte da estrutura política norte-americana
devido a um sistema político que abraça o lobismo como parte legítima da
produção legislativa do país”
Interessante notar que Ted Cruz foi o maior receptor de doações para a prévia da
campanha presidencial de 2016 pela indústria do petróleo e gás. Como se observa nos dados
da Tabela 29, a indústria de óleo e gás foi o nono grupo com maior valor nas doações,
destinando 90% dos valores (de US$ 24 milhões) para os candidatos do Partido Republicano
e, individualmente, para Ted Cruz, pessoa que mais recebeu doações desse grupo.
Tabela 29 – EUA: Valor das doações dos dez maiores grupos de interesses, em US$, no ciclo de eleição
2015-2016
De acordo com Sachs (2017a), o grupo Koch Industries agiu livremente por
décadas para se apropriar do sistema político dos EUA, integrando também outros interesses
213
corporativos de direita. Com a vitória de Trump na presidência dos EUA, segundo o autor, o
lobby da indústria petrolífera sequer é mais necessário. Afinal, empresas como ExxonMobil,
Koch Industries e Continental Energy possuem as chaves do Departamento de Estado, da
Agência de Proteção Ambiental e do Departamento de Energia nos EUA128.
Ao mesmo tempo, a influência da indústria petrolífera sobre a alternativa política
à Trump que havia, a candidata Hillary Clinton do Partido Democrata, também iria ser elevada.
As informações da campanha presidencial dos EUA de 2016 de Hillary mostram a sua
dependência ao financiamento de campanha da indústria petrolífera. Um exemplo é dado por
Mindock (2016): o Greenpeace estimou que a candidata recebeu de apenas um evento de
levantamento de fundos realizados por Charif Souki, grande investidor da indústria de gás
natural nos EUA, US$ 650.000129. Faz sentido que a campanha de Hillary tenha se beneficiado
com grandes quantias de doações da indústria petrolífera, uma vez que atuou na promoção
das atividades de fracking enquanto foi Secretária do Departamento de Estado do governo
Obama (MINDOCK, 2016).
Com esses dados, buscou-se mostrar que há ações de Estado dos EUA, quer sejam
originalmente oriundas do poder executivo quer sejam do legislativo, que buscam
propositadamente influenciar os resultados financeiros, de produção e dos investimentos das
empresas petrolíferas. Para isso, ocorrem grandiosas despesas das empresas desse setor por
meio de doações de campanha, lobbies e financiamento a pesquisas. Esse conjunto de ações
do Estado e das empresas parece ser responsável pela manutenção de alta rentabilidade e da
permanência do vigor da acumulação de capital estadunidense nesse setor.
Arlie Russell Hochschild, autora do livro “Strangers in their Own Land: Anger and
Mourning on the American Right” (OUTRAS PALAVRAS, 2016) traz como um dos personagens
da narrativa um ambientalista que se volta contra o Estado, ao invés de culpar as empresas
petrolíferas e petroquímicas pelos efeitos nocivos ao meio-ambiente e por serem receptoras
de recursos públicos (via isenções, subsídios e diversos tipos de apoio da máquina pública).
Segundo a autora, as empresas nos EUA acabam se livrando da má reputação, a partir de suas
128
Naomi Klein argumenta que a presidência de Trump traz preocupações em várias frentes e, a nomeação de
um CEO da ExxonMobil para a Secretaria de Estado se transforma apenas em uma nota de rodapé, quando em
outras situações deveria ser um grandioso escândalo à democracia estadunidense (ADAMS, 2017).
129
Vale mencionar que a presença de Hillary Clinton neste evento mostra que seu governo não seria radical
opositor à tecnologia do fracking. Isso porque o evento ocorreu no estado de Colorado, em um momento em
que vários municípios tinham votado pelo banimento dessa atividade em seu território. O recebimento do apoio
financeiro da indústria à sua campanha confirma o compromisso de seu governo com esse setor.
214
boas ações de marketing e relações públicas que, por exemplo, estão sempre anunciando aos
locais onde elas se instalam quão bem-aventurados são por receberem os empregos e o
progresso gerados por aqueles investimentos. Citando sua pesquisa realizada no estado de
Luisiana e se referindo às empresas petrolíferas e petroquímicas:
“Elas constroem, no entanto, plantas altamente automatizadas que
importam trabalhadores de fora, filipinos instaladores de tubulações e
químicos do Instituto Tecnológico de Massachusetts. Geram pouquíssimos
postos de trabalho permanentes para as pessoas da Luisiana, algo em torno
de 16%, segundo a maioria das estimativas. O resto são professores,
enfermeiras, funcionários públicos… Mas a empresa goza de boa
reputação. Enquanto isso, é o Estado que faz o trabalho sujo das empresas.
Sua função é dizer que protege as pessoas da poluição, quando de fato não
as protege. Assim, as pessoas odeiam o Estado e amam as empresas.
Os progressistas chegam e perguntam, consternados: “Como você pode
amar a empresa que está contaminando e odiar o Estado que poderia
solucionar o seu problema?”. As pessoas não vêem as coisas assim. Esse é
um Estado refém. Não me estranha que elas não gostem dele. Ele está
dominado, é um instrumento do petróleo” (OUTRAS PALAVRAS, 2016).
Explicitam-se nesse relato dois aspectos que aqui interessam: 1) as pessoas têm a
percepção de que o Estado está a serviço das empresas petrolíferas e não do povo e; 2) elas
atribuem as consequências positivas dos investimentos desse setor exclusivamente às
empresas e as negativas exclusivamente ao Estado, que não foi capaz de protegê-las dos
danos causados com esses investimentos.
Sendo assim, observa-se a força das corporações, petrolíferas inclusive, na
determinação de definições políticas que as beneficiem, pois contam até mesmo com as
populações que são afetadas negativamente com os efeitos nocivos dos investimentos das
empresas em algumas regiões.
No próximo item, apresenta-se mais detidamente o posicionamento do
presidente Barack Obama com relação às atividades de shale gas analisando seus discursos
“State of the Union Address”.
Após suceder George W. Bush, presidente republicano que não mediu esforços
para beneficiar – pelo menos no que toca ao apoio fiscal – as empresas petrolíferas (um bom
exemplo é o Energy Policy Act de 2005), o governo de Barack Obama foi menos tendencioso,
ou buscou sê-lo. Ainda assim, como no seu governo não houve um distanciamento radical dos
215
combustíveis fósseis, seus discursos não puderam omitir o apoio ao crescimento desses
recursos que trouxeram mudanças positivas substantivas para a política e economia dos EUA.
Pela análise dos discursos do “State of The Union Address” é possível perceber,
nos anos iniciais (2009 a 2012), um governante bastante entusiasmado com o impulso que
seria dado em seu governo aos setores e às pesquisas das energias renováveis – e, portanto,
um governo comprometido com a guerra ao “aquecimento global”. No entanto, em 2012, vale
destacar a menção ao gás natural como o combustível necessário para um período de
transição a uma matriz energética menos poluidora. Senão, vejamos.
No discurso inaugural de seu governo em 2009, Barack Obama apresentou o uso
per capita intenso dos combustíveis fósseis como uma ameaça à segurança dos EUA (porque
“fortalece os adversários”) e como responsável pelas mudanças climáticas (THE WHITE
HOUSE, 2009a). A seguir, no State of The Union Address de 2009, o presidente nomeou os
países que estão à frente dos EUA na produção nos setores das energias renováveis (China,
Alemanha, Japão e Coreia) e indicou que o foco desse seu governo que ali se inaugurava, no
campo da energia, estava nos setores das fontes renováveis.
No discurso “State of The Union Address” de 2010, Obama apresentou
explicitamente o seu apoio às energias renováveis, pelo fato de que esses setores seriam
importantes para a geração de empregos naquele momento (para recuperar a economia
estadunidense da recessão de 2009) e no longo prazo (como importantes centros de
inovações tecnológicas e, portanto, necessários para manter a competitividade desse país e
garantir o primeiro lugar no pódio da concorrência internacional nessas tecnologias ligadas às
“energias limpas”).
No entanto, no mesmo discurso, o presidente menciona a continuidade e
expansão nas áreas de energia nuclear, produção de óleo e gás em novas áreas offshore e até
do carvão, embora a seguir tenha criticado os que se opõem às evidências científicas de
aquecimento global.
“But to create more of these clean energy jobs, we need more production,
more efficiency, more incentives. And that means building a new
generation of safe, clean nuclear power plants in this country. It means
making tough decisions about opening new offshore areas for oil and gas
development. It means continued investment in advanced biofuels and
clean coal technologies. And, yes, it means passing a comprehensive energy
and climate bill with incentives that will finally make clean energy the
profitable kind of energy in America.
216
I know there have been questions about whether we can afford such
changes in a tough economy. I know that there are those who disagree with
the overwhelming scientific evidence on climate change. But here's the
thing -- even if you doubt the evidence, providing incentives for energy-
efficiency and clean energy are the right thing to do for our future -–
because the nation that leads the clean energy economy will be the nation
that leads the global economy. And America must be that nation.” (THE
WHITE HOUSE, 2010).
à tecnologia que a viabilizou. Também de forma meticulosa, nesse discurso de 2012, como
pode ser notado a seguir, Obama vincula o crescimento da produção e do uso do gás natural
à continuidade dos investimentos e do forte apoio do Estado em direção a energias mais
limpas, inserindo o gás, um combustível fóssil, nessa categoria.
“But with only 2 percent of the world’s oil reserves, oil isn’t enough. This
country needs an all-out, all-of-the-above strategy that develops every
available source of American energy. A strategy that’s cleaner, cheaper,
and full of new jobs.
We have a supply of natural gas that can last America nearly 100 years. And
my administration will take every possible action to safely develop this
energy. (...)
The development of natural gas will create jobs and power trucks and
factories that are cleaner and cheaper, proving that we don’t have to
choose between our environment and our economy. And by the way, it was
public research dollars, over the course of 30 years, that helped develop
the technologies to extract all this natural gas out of shale rock – reminding
us that government support is critical in helping businesses get new energy
ideas off the ground.” (THE WHITE HOUSE, 2012).
Como notou Yergin (2013), nesse discurso, Obama alçou o apoio ao gás natural à
condição de “all-of-the-above strategy”, sacramentando a importância desse hidrocarboneto
nas políticas energética, industrial e científica estadunidense. No entanto, no discurso de
Obama certa dose de hipocrisia pode ser observada no trecho que veio logo a seguir:
“We’ve subsidized oil companies for a century. That’s long enough. It’s time
to end the taxpayer giveaways to an industry that rarely has been more
profitable, and double-down on a clean energy industry that never has
been more promising. Pass clean energy tax credits. Create these jobs.”
(THE WHITE HOUSE, 2012).
130
Essa analogia entre o gás natural e a ponte como transição ao futuro com o mínimo de combustível fóssil
também foi utilizada como argumento por instituições nos EUA de proteção ambiental. Hauter (2016) aponta
seu desapontamento com essa constatação: “Unfortunately, even as hundreds of grassroots groups are battling
to stop fracking, some of the largest environmental groups in the nation and many of their funders tout fracked
natural gas as a “bridge fuel” or at least tacitly accept its use” (HAUTER, 2016, p.1).
219
higher fuel standards, the typical family this year should save about $750
at the pump.” (THE WHITE HOUSE, 2015).
“We’re taking steps to give homeowners the freedom to generate and store
their own energy - something, by the way, that environmentalists and Tea
Partiers have teamed up to support. And meanwhile, we’ve cut our imports
of foreign oil by nearly 60 percent, and cut carbon pollution more than any
other country on Earth. (Applause.) Gas under two bucks a gallon ain’t bad,
either.” (THE WHITE HOUSE, 2016)
Esse trecho do presidente Obama permite ressaltar duas posições oficiais da Casa
Branca. De um lado, os discursos mostram que desde o início esse governo esteve
comprometido com a aceleração dos investimentos na produção e em pesquisa nos setores
voltados às fontes de energia renováveis, em detrimento das energias mais poluidoras e que
mais contribuem para as mudanças climáticas. Por outro lado, as críticas do governo recaíram
sobre o óleo (sobretudo nas tentativas de retirada das isenções fiscais às grandes empresas
de óleo) e carvão, enquanto o gás natural, também um combustível fóssil, acabou ficando de
fora dessas críticas, ganhando o status de “energia mais limpa”.
“Now we’ve got to accelerate the transition away from old, dirtier energy
sources. Rather than subsidize the past, we should invest in the future -
especially in communities that rely on fossil fuels. We do them no favor
when we don't show them where the trends are going. That’s why I’m going
to push to change the way we manage our oil and coal resources, so that
they better reflect the costs they impose on taxpayers and our planet. And
that way, we put money back into those communities, and put tens of
thousands of Americans to work building a 21st century transportation
system” (THE WHITE HOUSE, 2016).
substituíveis em alguns casos. Portanto, é difícil imaginar a retirada dos benefícios fiscais das
majors do óleo, sem que a atividade de gás natural não seja prejudicada. Para refutar uma
argumentação desse tipo, a presidência poderia alegar que a produção de shale gas foi em
sua maioria realizada por pequenas empresas ou produtores independentes e não por majors.
Mas, como já apresentado neste trabalho, as majors também incorporaram as atividades
onshore nos EUA com os poços não convencionais em sua carteira de investimento e produção
e foram, inclusive, responsáveis pelo sucesso do incremento da produção interna de óleo e
gás nesse país depois de 2014 com a redução dos preços do petróleo e manutenção dos baixos
preços do gás.
Quando se observam as diretrizes do Climate Action Plan, instituído em 2013131, o
apoio às energias renováveis em detrimento dos combustíveis fósseis fica mais explícito ainda.
Na verdade, o que se tem muito evidente é, de fato, uma preocupação com a poluição (os
gases de efeito-estufa, sobretudo) e suas consequências para drásticas alterações do clima.
Há três linhas de ação: 1) cortar as emissões de carbono nos EUA, 2) preparar os EUA para os
impactos da mudança climática e 3) liderar esforços internacionais para combater e se prepar
para as alterações ambientais (THE WHITE HOUSE, 2013b).
No que toca à emissão de gases poluentes, o plano ressalta a contribuição do
aumento do uso de gás natural nas plantas de geração elétrica, embora maior ênfase seja
atribuída ao crescimento das energias renováveis na nova capacidade de geração elétrica do
país. O plano credita principalmente às “forças de mercado” a presença do gás natural como
insumo do setor elétrico (THE WHITE HOUSE, 2013b).
Os programas de incentivo financeiro ao desenvolvimento tecnológico são
destinados nesse plano aos segmentos produtores de energias renováveis (biocombustíveis,
energia solar e eólica) e às empresas que reduzam a emissão de poluentes (por exemplo,
tecnologias de sequestro de carbono). O plano também anuncia metas a serem atendidas por
empresas de automóveis, de geração de energia e de outros equipamentos para o aumento
da eficiência no consumo de energia e combustíveis (THE WHITE HOUSE, 2013b).
131
O Climate Action Plan foi instituído em 2013 pelo presidente Obama e engloba um número grande de
propostas e diretrizes com vistas à diminuição da emissão de gases de efeito estufa. Para obter tal objetivo, o
plano inclui o aumento de regras às empresas de óleo e gás e de transporte para a diminuição da liberação de
gás metano e gás carbônico na atmosfera. Ao mesmo tempo em essas novas regulamentações ao setor de óleo
e gás aumentam, o governo amplia seus incentivos ao desenvolvimento de energias renováveis, sobretudo solar
e eólica (THE WHITE HOUSE, 2013b).
221
O plano lança também um olhar cuidadoso sobre as emissões de metano que são
atribuídas a diversas atividades, dentre elas, agricultura, minas de carvão e indústria de óleo
e gás. A atenção sobre o metano pode ser vista a partir da elaboração de uma estratégia
interministerial, reunindo várias agências, em colaboração com os estados, para melhorar o
acesso aos dados, buscar best practices e melhores tecnologias de redução da emissão e
identificar instituições e incentivos que possam ser utilizados na redução da emissão do
metano. Como exemplo dessa política, o documento oferece a colaboração entre agências
federais e locais que houve nos poços de Bakken para reduzir a ventilação e a queima do
metano nos poços (THE WHITE HOUSE, 2013b).
Assim, tanto pela análise dos discursos oficiais de Obama quanto pelas ações
planejadas no Climate Energy Plan, se observa que o apoio do governo às atividades de shale
gas nunca foi ostensivo e menções a elas foram tímidas; diferentemente dos trechos em que
se mencionavam a evolução e crescimento das tecnologias, investimentos e produção de
energia ligada às fontes renováveis. No que concerne aos combustíveis fósseis, mesmo que a
expansão de sua produção tenha sido louvada (até por ter trazido importantes consequências
aos EUA), oficialmente, as ações do governo miravam mais a sua restrição do que o seu
engrandecimento. Daí que em vários trechos dos discursos puderam ser notadas
contradições. Mesmo assim, para ambientalistas com maior rigor, como Wenonah Hauter, o
governo do presidente Obama foi muito permissivo com as atividades de fracking, podendo-
se ilustrar esse viés com a atuação da EPA que, segundo Hauter (2016) ignorou a ciência que
mostrava os severos danos dessa atividade ao meio-ambiente e com a nomeação de vários
secretários e secretárias (Ernest Moniz como Secretário de Energia, Sally Jewell como
Secretária do Interior e Gina McCarthy como diretora da EPA) que era explicitamente
favoráveis à exploração do shale gas.
Essas considerações sobre a visão do governo Obama sobre as atividades de
fraturamento hidráulico nas rochas de shale são importantes para depois compará-las ao
próximo mandato presidencial, o de Donald Trump, esse sim, com viés explícito e foco total
no apoio aos combustíveis fósseis.
Ressalte-se aqui que no seu primeiro dia na presidência, Trump prometeu eliminar
o Climate Action Plan e descreveu na página da Casa Branca o “Primeiro Plano de Energia dos
EUA” (“An American First Energy Plan”). Lá, diferentemente de seu antecessor, estão
222
explícitos o apoio e os incentivos ao shale gas e shale oil inclusive com o uso das terras
federais:
“Sound energy policy begins with the recognition that we have vast
untapped domestic energy reserves right here in America. The Trump
Administration will embrace the shale oil and gas revolution to bring jobs
and prosperity to millions of Americans. We must take advantage of the
estimated $50 trillion in untapped shale, oil, and natural gas reserves,
especially those on federal lands that the American people own.” (THE
WHITE HOUSE, 2017).
Além disso, nessa primeira descrição do plano energético de seu governo, Trump
também se comprometeu a eliminar as “pesadas” regulações ao setor petrolífero e a reviver
a indústria do carvão. As preocupações com as ações políticas de Trump que colocam em risco
os ganhos obtidos no governo Obama com a diminuição da emissão dos gases de efeito estufa
e com elevado crescimento das fontes renováveis para a geração de energia são tão grandes
que, conforme alude Naomi Klein, a nomeação de um CEO da ExxonMobil para a Secretaria
de Estado se transforma apenas em uma nota de rodapé, quando em outras situações deveria
ser um grandioso escândalo à democracia estadunidense (ADAMS, 2017). Em igual direção
está a decisão desse presidente de retirar os EUA dos Acordo Climático de Paris. Sachs (2017b),
no entanto, vaticina que há um direcionamento tão forte dos investimentos, da opinião
pública e dos governos com relação ao incremento das energias renováveis que nem os
incentivos de Donald Trump às indústrias produtoras dos combustíveis fósseis poderão deter
essa direção para a qual migra a matriz energética dos países. Lomborgh (2017), por sua vez,
pondera que não é a saída dos EUA do Acordo que irá destruir os planos do G-20 de evitar o
aquecimento global, pois segundo o autor este já é irreversível132, como também não há
razões para acreditar em uma rota inequívoca de migração da matriz energética do
predomínio dos combustíveis fósseis para o de energias renováveis, mesmo com a
permanência dos EUA133.
132
Segundo os dados apresentados, para a temperatura aumente menos do que a meta de 2 graus, relativamente
à era pré-industrial, neste século, o planeta teria que reduzir a emissão de dióxido de carbono em 6 trilhões de
toneladas. Se todos os países cumprirem o Acordo, a diminuição será de 56 bilhões de toneladas. Além disso,
não há garantias que os países cumpram o Acordo até porque as evidências mostram que o Protocolo de Quioto
não teve efeito nenhum na melhoria das condições climáticas.
133
Isso porque, segundo o autor, mesmo com décadas de subsídios e nas projeções mais otimistas de que todos
os países cumpram com as metas de Paris, a projeção da International Energy Agency é de que as energias eólica
e solar representarão em 2040 1,9% e 1% do consumo mundial.
223
Com efeito, observa-se que há um debate muito amplo nesse tema que envolve
conhecimentos sobre física, economia, biologia, política e outros campos do conhecimento e
de interação humana, tornando-o tão complexo, instigante e angustiante (quando se tenta
analisar sob um único prisma e com premissas simplificadoras).
Após a análise da experiência da exploração de shale gas nos EUA e seus vínculos
com o setor petroquímico, no próximo capítulo, o foco recai sobre a situação competitiva do
setor petroquímico no Brasil, lançando luz à qualidade da relação econômica que se
estabelece entre este setor e seu elo fornecedor de matéria-prima.
224
sua participação nos produtos básicos para uma sociedade à medida em que o
desenvolvimento socioeconômico ocorre. Os transformados plásticos encontram-se no
material para a construção civil, para a agricultura, embalagens para alimentos e bebidas e os
materiais hospitalares (seringas, bolsas, frascos), etc. Assim, ressalta o autor, na medida em
que avançam os programas de distribuição de renda, os efeitos sobre o consumo de plástico
são muito altos e vão além do crescimento do PIB per capita.
Hasenclever e Antunes (2009) ressaltam a forte tendência de substituição de
vários materiais por resinas plásticas. Mesmo nos países desenvolvidos, esse movimento
ainda se observa em função do alto nível das exigências nos padrões técnicos, mas, nos países
em desenvolvimento, o aumento da participação dos plásticos na escolha dos materiais para
embalagens, peças, componentes e acessórios é ainda mais acelerada. A difusão das resinas
termoplásticas mais sofisticadas é mais limitada em países nos quais os padrões técnicos ainda
se encontram em baixo patamar de rigor e qualidade.
Há um risco expressivo para países subdesenvolvidos integrados à economia
global caso não consigam obter competitividade nos setores básicos; risco de que o país possa
ficar fortemente vulnerável às importações de bens de alto valor adicionado e de básicos,
tornando o crescimento econômico altamente dependente das importações e, portanto,
sujeitando o país a recorrentes constrangimentos externos, além dos efeitos nefastos sobre o
emprego do país e do desadensamento produtivo.
O setor petroquímico, como um dos setores de insumos básicos, é chave para a
determinação da produtividade e competitividade dos setores a jusante. Assim, é um dos
setores que se situam no centro do debate no Brasil sobre a necessidade de troca de insumos
nacionais por importados em momentos prolongados de valorização cambial (caso do Brasil
praticamente desde 1995, com alguns breves períodos de desvalorização real da moeda
brasileira), como forma de preservar a rentabilidade na produção de manufaturas dos setores
que se encontram à frente do setor petroquímico. De acordo com seus proponentes, os
setores compradores se beneficiam com a redução de custos com a compra dos insumos
importados. Com menor preço dos insumos importados, o aumento do valor adicionado nos
setores compradores mais do que compensa a diminuição da produção dos setores
fornecedores.
227
Tabela 30 – Brasil: exportações e importações em participação (%) das vendas da indústria química,
2004-2013
Importações/Vendas Exportações/Vendas
(%) (%)
2004 24,0 9,8
2005 21,2 10,2
2006 21,1 10,8
2007 23,1 10,3
2008 28,4 9,6
2009 25,8 10,3
2010 26,2 10,2
2011 25,5 9,5
2012 26,9 9,3
2013 28,6 8,7
Fonte: BNDES (2014, p. 114).
134
Vale mencionar que os defensivos agrícolas importados corresponderam, em 2012, a 56% da demanda interna
brasileira. O coeficiente de importação do segmento surpreende ainda mais se levado em conta que o Brasil é o
maior mercado mundial para esses produtos (BAIN & COMPANY; GAS ENERGY, 2014b).
230
Assim, dessa análise da balança comercial, podem-se extrair dois grandes desafios
ao setor petroquímico brasileiro. De um lado, é imperiosa a produção interna das
especialidades químicas, com vistas à diminuição do gigantesco déficite comercial e à
conquista, pelas empresas de capital nacional, de competências tecnológicas e condições
competitivas no mesmo nível das líderes mundiais para, inclusive, fazer avançar seus projetos
de internacionalização produtiva. De outro lado, a produção de commodities deve
permanecer volumosa e competitiva para abarcar o grande mercado interno brasileiro ainda
de baixa renda per capita.
Guerra (1991, p. 242) oferece dois motivos para que as grandes empresas
petroquímicas brasileiras não abandonem a produção de petroquímicos básicos para se
concentrarem nas especialidades químicas (ainda que esse tenha sido o movimento de
231
135
IPT (2008, p. 19) aponta como exemplos de empresas da 2ª. Geração que se situam fora dos polos: um
complexo em Alagoas ligado ao polo de Camaçari, fabricante de produtos da corrente cloro-química e PVC, em
Minas Gerais há uma planta de PET e no Amazonas há uma planta de poliestireno que conta com estireno
importado. Há também, um empreendimento mais recente, em Pernambuco (Petroquímica Suape em parceria
com Citepe – Companhia Integrada Têxtil de Pernambuco), integrado ao porto de Suape, uma planta de uma
empresa italiana (M&G Chemicals) com produção de PET, PTA e fibras de poliéster.
233
Tabela 31 – Brasil: Maiores empresas dos setores químico e petroquímico, por faturamento, em
milhões de US$, 2015
Vendas (Em
Empresa Controle milhões de US$)
1 Braskem Brasileiro 8.956,20
2 Bayer Alemão 2.712,30
3 Yara Brasil Norueguês 2.543,30
4 Syngenta Suíço 2.370,10
5 Basf Alemão 2.312,40
6 Valefert Brasileiro 1.759,20
7 Mosaic Americano 1.706,70
8 Heringer Brasileiro 1.691,30
9 Hydro Alunorte Norueguês 1.607,40
10 Monsanto Americano 1.166,20
11 DuPont Americano 1.021,60
Braskem
12 Petroquímica Brasileiro 957,3
13 White Martins Americano 790,9
14 Dow Americano 777,5
15 FMC Química Americano 640,7
16 3M Americano 622,1
17 Akzo Nobel Holandês 614
18 Rhodia Francês 589,8
19 Oxiteno Nordeste Brasileiro 573,6
20 Dow Agro Americano 544,2
Fonte: Adaptado de Exame - Melhores e Maiores (2016).
234
136
Em 1974, o banco (ainda com a sigla BNDE) ganhou uma nova envergadura e poder de atuação na estruturação
e estímulo aos setores de base e de bens de capital com os aportes dos recursos do PIS e do PASEP
(BETTENCOURT; BETTENCOURT; FARO, 2010).
137
O BNDE, ao invés de esperar as demandas privadas por empréstimos, identificava as áreas estratégicas e
necessárias para o desenvolvimento industrial do país (e para a eliminação dos graves constrangimentos
externos) e induzia as empresas e os setores a investirem. Como relatou Marcos Vianna, presidente do banco de
1970 a 1979, “Perdi a conta das vezes que convoquei empresários para se reunirem com o corpo técnico do
banco e, juntos, discutirem projetos de expansão de seus negócios. Tal iniciativa, não raro, era recebida com
espanto pelo empresariado, tão desacostumado que estava de ver o Estado voluntariamente investir no setor
produtivo e, mais do que isso, de vislumbrar potencial de crescimento em sua própria atividade.”
(BETTENCOURT; BETTENCOURT; FARO, 2010, p. 122).
236
agências públicas como CACEX, CDI, FINEP, INPI, CPA, CNP138 e os ministérios jogaram também
papéis cruciais de financiamento, regulação, governança e política industrial (CÁRIO, 1997, p.
242).
A configuração do tripé (empresa estatal, capitais privados nacionais e capitais
estrangeiros) na formação da indústria petroquímica no Brasil teve suas especificidades.
Suarez (1986) defende que o setor petroquímico foi uma arena de atuação poderosa da
tecnoburocracia estatal brasileira a partir dos anos 1960. Esta, esclarece o autor, não deve se
confundir com o Estado, pois essas instâncias não compartilhavam dos mesmos interesses.
Por exemplo, enquanto a presença do capital estrangeiro no Brasil era determinada por uma
política de Estado, a tecnoburocracia, guiada pelo nacionalismo (e não pelo estatismo),
divergia nesse assunto com outros quadros do Estado. Assim, a tecnoburocracia e o capital
estrangeiro disputavam fazer predominar seus interesses nas políticas do Estado. Em 1964, a
tecnoburocracia saiu vitoriosa ao aliar-se aos militares. O setor petroquímico é um exemplo
emblemático dessa aliança. O ex-presidente Ernesto Geisel, primeiro como presidente da
Petrobras e ao fim como presidente da Norquisa, simboliza essa união entre setor
petroquímico, tecnoburocracia e militares.
Mesmo assim, como se sabe, o capital estrangeiro não foi expulso do país após
1964, tampouco do setor petroquímico, mas, Suarez (1986) defende que este, atuando em
um espaço produtivo sob o comando da tecnoburocracia (e esta muito bem respaldada pelos
militares), não usufruiu das benesses e espaços que conseguiu em outros setores da economia
brasileira: “Em outras palavras, o capital multinacional tinha tanto interesse na petroquímica
(como vimos) quanto nas indústrias de bens de consumo duráveis; contudo, ao contrário
destas não foi possível implantar aquela” (SUAREZ, 1986, p. 68, nota de rodapé no. 10).
O esquema tripartite concebido para o setor petroquímico tanto na área produtiva
quanto na gerencial foi caracterizado por muitos conflitos. Ao fim do período, nesse embate,
o capital nacional (estatal e privado) resultou vitorioso e a ação da tecnoburocracia (que atuou
em defesa do capital nacional) na formação e consolidação dos polos petroquímicos mostrou-
se fundamental para tal desfecho139.
138
Abreviações para Carteira de Comércio Exterior, Conselho de Desenvolvimento Industrial, Financiadora de
Estudos e Projetos, Instituto Nacional de Propriedade Industrial, Conselho de Política Aduaneira, Conselho
Nacional de Petróleo.
139
Não se deve inferir que a marginalização das empresas estrangeiras petroquímicas no modelo implementado
no Brasil correspondeu a uma perda de posição internacional dessas empresas relativamente às brasileiras. O
237
licenciamento de tecnologia, por um lado, gerou às empresas estrangeiras uma renda extraordinária (fruto da
monopolização anterior da tecnologia), e, por outro lado, funcionou como pressão para que essas empresas, por
meio de investimentos abundantes em novos processos e produtos, se protegessem da entrada das novas
empresas dos países subdesenvolvidos. Com isso, mesmo com o repasse de tecnologia, a diferença entre as
empresas líderes e brasileiras tendeu a aumentar (FURTADO, 2003). Como sintetizou o autor: “Isso permite
antever um cenário mais restritivo do que no passado recente em termos do acesso às novas tecnologias no
futuro próximo.” (p. 59).
140
O capital da Refinaria União era composto por ações preferenciais de Alberto Soares Sampaio e Walther
Moreira Salles (KLEIN, 2011).
238
necessidade, até porque a idéia inicial era que fosse um empreendimento apenas privado.
Diante da pressão pela substituição de importações por produção interna, a participação
estatal ocorre para preencher espaços que não interessaram ao capital privado
(principalmente ao estrangeiro141) e para coordenar um volume expressivo de investimentos
com implicações intersetoriais complexas que determinavam a necessidade de um ente
centralizador de decisões, planejamento e com capacidade de financiamento (SCHUTTE,
2004).
Mesmo que o capital estrangeiro possuísse o porte, as competências tecnológicas
e a capacidade de financiamento, ampliar os investimentos internacionais no segmento de
produção de commodities petroquímicas em países da periferia, cuja necessidade era de
investimentos de alta escala, baixa rentabilidade e longo prazo de maturação, definitivamente
não estava incorporado nas estratégias de suas matrizes naquele momento. Interessava, nos
países subdesenvolvidos, a produção de itens com maior valor agregado unitário, trajetória à
qual estavam sendo direcionados os investimentos e seus esforços tecnológicos naquele
momento e que apresentavam maior dinamismo. Além disso, de suas unidades no exterior,
as estrangeiras aqui no Brasil (Rhodia, Solvay e Union Carbide) podiam importar os insumos
básicos e concentrarem sua produção nos itens mais sofisticados (SCHUTTE, 2004).
Dessa forma, a Petrobras foi “liberada” para participar do setor petroquímico. No
entanto, pela lei da época, a Petrobras não poderia ter participação minoritária nas suas
associações com outras empresas. A solução concebida, em 1968, foi a criação da Petroquisa,
uma subsidária da Petrobras que poderia se associar a capitais privados e estrangeiros em
quaisquer empreendimentos com quaisquer participações.
Formou-se, então, o polo petroquímico de São Paulo, em torno da construção da
Petroquímica União (PQU) numa combinação tripartite, mas com controle do capital privado
nacional, o grupo Unipar, que se criou com a junção do grupo Capuava e Moreira Salles,
detendo o controle da central de matérias-primas142. A Petroquisa, naquele momento, tinha
participação secundária, mas estava com o importante papel de ser fornecedora da nafta à
141
A Phillips Petroleum, em 1967, abandona o projeto da Petroquímica União e, então, a Petrobras entra como
sócia (KLEIN, 2011).
142
Além da central de matérias-primas, participaram do polo, por exemplo, Poliolefinas, Companhia Paulista de
Monômeros, Oxiteno e Polibrasil (KLEIN, 2011)
239
143
No fim dos anos 1960, o grupo privado controlador da PQU, passa por grave crise financeira com a saída do
grupo Moreira Salles e com a falência do Banco União Comercial que pertencia ao grupo Capuava, fazendo com
que a Petroquisa assumisse, então, o controle acionário da PQU (SUAREZ, 1986).
144
Além disso, segundo Marcos Vianna, apesar de gigantesca pressão do empresariado paulista, a expansão do
polo de São Paulo só intensificaria os problemas que já constavam sabidamente em São Paulo, como a excessiva
concentração industrial com um parque produtivo petroquímico arcaico e a poluição, tendo nesse último aspecto
Cubatão como símbolo evidente (BETTENCOURT; BETTENCOURT; FARO, 2010, p. 122).
240
145
O fato de o polo de Camaçari ter sido fruto de um intenso, complexo e cuidadoso planejamento prévio e, para
compensar as desvantagens operacionais com relação ao polo paulista (principalmente em função da distância
do mercado consumidor), o projeto de engenharia contou com alguns trunfos, como a aglomeração física, a
escala elevada e a integração entre as unidades produtivas de 1ª. e 2ª. geração e, portanto, uma alta eficiência
operacional do complexo petroquímico como um todo (SUAREZ, 1986).
146
Suarez (1986, p. 133) mostra inclusive que, diferentemente da história de formação de outros setores, no
Brasil, como o siderúrgico, o capital estrangeiro teve papel irrelevante na viabilização financeira dos projetos.
Em Camaçari, com relação ao uso de recursos próprios o grupo estrangeiro apresentou uma participação de 8,3%
(o Estado, 28,5%, o grupo nacional, 22,1%, e Finor e assemelhados, 41,2%) e também, na captação via
financiamento, o fornecimento de crédito externo correspondeu a apenas 14,4% do uso de capital de terceiros
(o BNDE, 68,6%, o Aval/BNDE, 12,9% e outros financiamentos no país, 2,1%). Como frisou Suarez (1986, p. 134),
“ao adquirir a tecnologia em troca da participação acionária, o modelo tripartite reduzia ainda mais a necessidade
de recursos externos”.
241
A força política recebida pelo polo de Camaçari pode ser ilustrada com a
participação e engajamento pessoal de Ernesto Geisel. Primeiramente, na presidência da
Petrobras, reconheceu a importância estratégica da criação de Camaçari. Em 1979, logo após
deixar a presidência da República – lá, cabe destacar que aprovou criação do polo do Sul –, já
assumiu a presidência da Copene. Segundo Schutte (2004), em 1980, Geisel foi o “primeiro
presidente da holding Norquisa (nordeste Química S.A.), que aglutinava as 17 empresas
privadas acionistas da Copene, da qual também era presidente. Geisel presidiu a Norquisa e a
Copene durante 15 anos, renunciando em dezembro de 1995, alguns meses antes de morrer”
(SCHUTTE, 2004, p. 108).
A história da criação do polo do Rio Grande do Sul, em Triunfo, a partir da fundação
da Copesul, central de matérias-primas, possui uma trajetória parecida com a do polo
nordestino. Com as altas projeções de crescimento da demanda realizadas no bojo do II PND
e para cumprir um dos principais objetivos do plano que era implantar um setor produtor de
bens de capital robusto no Brasil, o setor petroquímico surgiu como alvo de expansão da
capacidade produtiva do país, tanto porque forneceria insumos para mais um ciclo de
crescimento, quanto porque atuaria como demandante dos bens de capital a serem
produzidos no país (SUAREZ, 1986).
De acordo com Rocha (2009), a Copesul tinha como objetivo expandir a produção
de petroquímicos contribuindo para o processo de substituição de importações de insumos
básicos, desconcentrar a produção, ser um ponto de referência para competição com países
da América do Sul (concorrência com a Argentina), aumentar a força do capital nacional no
esquema tripartite (diga-se que este era um dos objetivos principais gerais do II PND), a partir
de mecanismos mais efetivos que pudessem melhorar o desenvolvimento tecnológico das
empresas brasileiras147. Para isso, a FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos) teve um papel
importante “em financiar investimentos de capacitação tecnológica, centralização da
147
Vale ressaltar que enquanto o capital estrangeiro participou do polo de Camaçari aportando tecnologia, na
Copesul, sua atuação já foi mais direcionada para a transferência tecnológica.
242
avaliação dos contratos de tecnologia no INPI e aceitação do valor da tecnologia como parte
do capital no caso de joint-ventures com empresas estrangeiras (...).” (ROCHA, 2009, p. 49).
Com a intenção de fortalecer a perna do capital privado nacional e suas
capacitações tecnológicas, no polo do Sul, a atuação da Petroquisa iria ficar limitada à central
de matérias-primas, enquanto a segunda geração ficaria sob o controle do grupo privado
nacional. No entanto, os grupos nacionais não tinham envergadura para a participação em
três polos. Assim, a Petroquisa amplia sua participação no polo sul, mesmo não sendo o plano
original, repetindo, em termos, o modelo tripartite adotado na Bahia (SUAREZ, 1986).
Se o sucesso desse conjunto de ações pode ser celebrado, críticas também podem
ser registradas. Uma delas diz respeito ao malogro da criação de competências internas para
a condução do desenvolvimento tecnológico brasileiro no setor (GUERRA, 1994; CÁRIO, 1997),
a despeito do uso de mecanismos que buscavam o aprimoramento da transferência
tecnológica por parte dos sócios estrangeiros148. Esse obstáculo criado pelos sócios
estrangeiros pode ser obervado nesse trecho de Rocha (2009, p. 52):
“Um dos motivos em desencorajar investimentos concorrentes era forçar
as players internacionais a aceitarem o modelo tripartite e as exigências de
transferência tecnológica. Se este modelo parece ter ajudado a
desenvolver a engenharia de detalhamento e a otimização de processos,
por outro lado, contribuiu para criar empecilhos quanto ao
desenvolvimento de tecnologia in-house, que muitas vezes não interessava
nem ao sócio estrangeiro nem ao local que participavam de outros
empreendimentos na petroquímica.”
148
Suarez (1986, p. 131) destaca que o capital japonês apresentou uma participação maior nos contratos de joint-
venture e com cláusulas de transferência de tecnologia. O capital estadunidense mostrava-se avesso a esse tipo
de participação que não lhe assegurava o controle das operações.
243
149
A entrada no segmento da química fina podia ser exemplificada pelo controle que a Petroquisa e Norquisa
assumiram na Salgema, empresa cujo subproduto era o cloro, portanto, insumo da cloroquímica e da COPERBO,
empresa produtora de borracha sintética, que se juntou à empresa Álcoolquímica para a produção de ácido
acético e acetato de vinila. Esses dois segmentos cloroquímica e álcooquímica, em conjunto com a petroquímica,
seriam fundamentais para a participação competitiva na produção de especialidades químicas, cujo principal
setor consumidor é o farmacêutico. Os governos estaduais da Alagoas, no primeiro caso, e de Pernambuco, no
segundo, por meio de suas agências de desenvolvimento foram fundamentais para a viabilização de um polo
cloroquímico e álcoolquímico nessas regiões (SUAREZ, 1986).
244
150
Criada em 1980, a Norquisa, uma holding das 17 empresas de segunda geração de Camaçari, passou a deter
47,2% do controle acionário da Copene, quase semelhante ao da Petroquisa, 48,2%.
245
delegar aos agentes internos a responsabilidade pelo presente e futuro deste setor industrial”
(p. 10).
Enfim, o setor petroquímico alcança a década de 1990 mostrando um
desempenho bastante positivo: elevada escala (por meio de três polos petroquímicos),
integração produtiva (por meio da Petroquisa com participação acionária em quase todos os
empreendimentos), baixa capacidade ociosa (com exportações compensando a diminuição da
demanda interna), melhorias contínuas nos processos produtivos e capacidades tecnológicas
em franco crescimento (refletido pelos planos de entrar no segmento da química fina, como
o próximo passo para a expansão). O modelo do tripé, sob a liderança da Petrobras (a partir
de sua subsidiária Petroquisa), incontestavelmente tinha sido bem-sucedido. De Paulo Cunha,
presidente da Abiquim à época, em 1982, ouviu-se a seguinte frase em seu discurso de
abertura de um seminário: “É preciso insistir no modelo que está certo, no modelo que deu
certo” (SUAREZ, 1986, p. 213). Como será visto no item a seguir, esse modelo, ainda que muito
bem avaliado, passou a ser contestado na década de 1990.
visasse o desenvolvimento do setor petroquímico sob um novo modelo. Como explicita nesse
trecho:
“A gestão do programa de privatização procurou se pautar pelo
imediatismo a se preocupar com medidas aglutinadoras de empresas que
tomassem maior tempo, perdendo, com este procedimento, a
oportunidade de reestruturar a indústria através da formação de grandes
grupos econômicos com maior porte empresarial para se obter melhores
vantagens competitivas.” (CÁRIO, 1997, p. 247).
O setor petroquímico foi um dos alvos prioritários do PND pois respondia aos
critérios delineados no plano, de acordo com a experiência internacional: “segmento de boa
rentabilidade, com passivo não elevado, sem requisitos de grandes inversões e de reduzida
possibilidade de fracasso de venda” (CÁRIO, 1997, p. 244).
Um dos entrevistados por Schutte (2004) realiza o registro de que a petroquímica
no Brasil já era privada. Afinal, na estrutura “a três”, dois segmentos de atores eram privados,
o capital nacional e o capital estrangeiro. A intenção era apenas de, finalmente, expulsar
totalmente o Estado do setor petroquímico. Como se observou no item anterior, no polo de
Camaçari, a Norquisa tinha a mesma participação acionária que a Petroquisa no início de 1980.
A própria Petroquisa, tentando defender sua permanência no setor após a
desestatização, mostrou em relatórios o quanto a sua presença era essencial para o aumento
dos rendimentos privados, pela sua influência na expansão do setor petroquímico e seus
desdobramentos para outros setores a partir de fortes efeitos multiplicadores. Além disso,
não apresentava prejuízo e, portanto, não requeria recursos públicos, e, com os resultados
positivos na petroquímica ainda contribuía para a rentabilidade da Petrobras (CÁRIO, 1997, p.
245).
Mas, o modelo escolhido para a privatização do setor petroquímico seguiu os
termos conforme o proposto pelo BNDES, no qual o viés liberal predominava. O mercado se
sobrepôs a quaisquer outras formas de coordenação, como, por exemplo, a junção das
participações acionárias e a sua venda em bloco, que seria a proposta da Petroquisa, ou a
venda das ações da Petroquisa, a partir de conjuntos regionais para formar grupos de
empresas de acordo com a divisão dos polos, que era a proposta da Abiquim (ROCHA, 2009).
Até houve uma tentativa de vincular a participação do BNDES na privatização ao
reordenamento societário visando a constituição de grandes grupos privados, mas a maioria
247
Metanor ou do Deten: “os sócios privados não queriam comprar a participação estatal,
entendendo a vantagem de manter a Petrobras como sócia fornecedora da matéria-prima.”
A saída da Petrobras como sócia e a expectativa de formação de uma estrutura
fragmentada (com vários sócios e com a perda da integração societária entre 1ª. e 2ª.
gerações) no cenário pós-privatização eram tão desabonadoras que não atraíram o interesse
do capital estrangeiro na compra das participações que estavam sendo leiloadas (gerando,
mesmo sem querer, uma barreira à desnacionalização do setor) (Schutte, 2004).
Rocha (2009) elenca ainda duas razões para ocupação do capital privado nacional
no espaço aberto na venda das participações da Petroquisa em detrimento do capital
estrangeiro: uma de ordem interna e outra externa. A razão interna reside na força que
empresas nacionais lograram deter ao longo da construção do setor, segundo o formato
tripartite. Nesse período, grupos de porte considerável puderam ser formados e se mostraram
capazes de disputar os leilões de forma competitiva. A outra razão, externa, está relacionada
ao concomitante processo de reestruturação mundial que provocou dois movimentos que
diminuíram a importância da América Latina nos programas de investimento e expansão das
empresas estrangeiras multinacionais: a) a redução do grau de diversificação com
concentração em áreas da química fina em que a América Latina não proporcionava relevante
mercado consumidor e, b) o deslocamento da produção petroquímica para o Oriente Médio
cuja atratividade estava baseada no baixo preço das matérias-primas. A única exceção a esse
movimento teria sido o aumento da capacidade de produção da Dow Chemical na Argentina
naquele período.
Schutte (2004, p. 134) também aponta como razão para a não desnacionalização
do setor, assim como ocorreu em tantos outros setores que passaram pelo processo de
desestatização, a presença da tecnoburocacia “com visões não raramente nacionalistas”, a
despeito de enfraquecida e já sob o controle de gerências com visão liberal.
Já depois da criação da Braskem e seu controle sobre a Copene, sobre uma parte
da Copesul e de várias empresas de 2ª. geração, o controle acionário do setor petroquímico é
analisado por Gomes, Dvorsak e Heil (2005), como exibido na Tabela 32. Podem-se observar
a baixa participação do capital estrangeiro (15% do total e só 4% das centrais de matéria-
prima) e a concentração do controle na Braskem (42% no total, sendo 56% nas centrais e 38%
249
na 2ª. Geração) e em outros três grupos privados (Unipar, Ipiranga e Suzano) que detinham
32% nas centrais e 36% na 2ª. geração.
Esse movimento de fortalecimento de grupos nacionais na petroquímica foi
considerado importante e diversos autores analisaram suas causas e consequências. Schutte
(2004), define esse resultado como um sucesso e o atribui às ações do Estado brasileiro no
período anterior à privatização que buscaram deliberadamente a formação de grupos
nacionais competitivos.
“Ninguém tem dúvida de que, sem a participação ativa do Estado, não seria
constituído um dos dez maiores complexos químicos do mundo. O modelo
de intervenção (...) não só visou garantir a existência da petroquímica, mas
implicou também, de forma implícita, evitar que fosse dominada por
empresas transnacionais. Para isso, o Estado investiu muito na formação
de uma classe empresarial petroquímica, o que de fato foi outro elemento
de sucesso. Nesse aspecto, existe grande similaridade com a política
governamental que acompanhou a criação do setor petroquímico na Coréia
do Sul.” (SCHUTTE, 2004, p. 240).
O autor (p. 241) também assinala a marca nacionalista que distingue o empresário
da petroquímica do dos demais setores: “O que Fiori (1997) escreveu a respeito do grande
empresário nacional não vale no setor petroquímico: “quando não vendeu ou fechou sua
empresa, manteve sua opção de sócio menor associado ao capital multinacional”.
Tabela 32 – Brasil: participação (%) dos grupos na capacidade instalada de produção, 2005
Grupos Produtos básicos Polímeros Subtotal Outros Total
Mil t/a % Mil t/a % Mil t/a % Mil t/a % Mil t/a %
Braskem 3.923 56,0 2.328 38,2 6.251 47,7 339 13,3 6.590 42,1
Unipar 897 12,8 862 14,1 1.759 13,4 298 11,7 2.057 13,1
Ipiranga 1.016 14,5 650 10,7 1.666 12,7 0 0,0 1.666 10,6
Suzano 310 4,4 696 11,4 1.006 7,7 0 0,0 1.006 6,4
Petrobras 609 8,7 367 6,0 976 7,5 0 0,0 976 6,2
Elekeiroz 0 0,0 0 0,0 0 0,0 420 16,5 420 2,7
Ultra 0 0,0 0 0,0 0 0,0 362 14,2 362 2,3
Unigel 0 0,0 0 0,0 0 0,0 240 9,4 240 1,5
Estrangeiro 248 3,5 1.193 19,6 1.441 11,0 891 34,9 2.332 14,9
Total 7.003 100,0 6.096 100,0 13.099 100,0 2.550 100,0 15.649 100,0
Fonte: Gomes, Dvorsak e Heil (2005, p. 97).
250
José Serra, então senador, deu uma entrevista para o Estado de São Paulo, em
29/09/1997, na qual ressaltou a importância da presença do capital nacional (bem como o da
Petrobras) no setor petroquímico. Schutte (2004, p. 216) registrou esse trecho da entrevista
do senador. Nas palavras de José Serra:
“Em setores como o petroquímico é preciso encarar essa questão sob uma
ótica global e não local. Não tenho dúvida da necessidade de o país ter
grupos privados fortes para concorrer com as grandes empresas
internacionais. O retorno da Petrobras à área petroquímica é praticamente
indispensável, dado o tamanho da empresa. Para que o setor petroquímico
seja forte, terá inevitavelmente de ser concentrado”.
151
A União e seus agentes (BNDES e BNDESPar) são proprietários de apenas 46% do capital social da Petrobras
(a União com 28,7%), no entanto, possuem controle acionário por deterem 60,5% das ações com direito a voto
(JESUS JUNIOR, 2015, p. 142).
251
Schutte (2004) ressalta que o preço da nafta deve ser considerado um preço
político e não de mercado. Isso se deve a pelo menos dois motivos. O primeiro diz respeito ao
seu uso concorrente como aditivo da gasolina. A decisão da Petrobras de como alocar a nafta
(considerando que não há quantidade suficiente produzida a ser destinada para a
petroquímica e para o setor de combustíveis) é uma decisão política.
O segundo motivo diz respeito ao fato de que a nafta não é propriamente uma
commodity pois o seu maior consumo ocorre no interior das empresas, restando apenas uma
pequena parte que é comercializada no exterior. Portanto, ela não possui um preço definido
no mercado internacional da mesma maneira que as commodities tradicionais para as quais o
volume transacionado é alto e os mercados são representados por um número considerável
de ofertantes e demandantes. Nesse sentido, Schutte (2004, p. 190) questiona a referência
252
ARA (Amsterdã, Roterdã e Antuérpia) para a nafta brasileira, uma vez que somente 7% do
volume de nafta europeia é comercializada internacionalmente, sendo o restante consumido
na cadeia produtiva petroquímica dessa região.
Assim, sublinha-se com esse debate o papel que a Petrobras cumpre para a
petroquímica brasileira no tocante a, mais do que mera fornecedora, ser cumpridora de sua
própria existência enquanto uma empresa estatal com função pública. Se assim não for, as
empresas petroquímicas brasileiras podem esperar ter, na fase a montante da cadeia, uma
empresa com uma atuação puramente comercial, sem nenhum outro objetivo a não ser o
lucro. Schutte (2004) mostra esse conflito no trecho a seguir:
“Ao amputar o braço petroquímico, contrariando a lógica da estrutura do
setor, deixou-se uma ambiguidade em torno do papel da Petrobras. Das
duas uma: ou a Petrobras é vista como peça-chave no desenho da
petroquímica brasileira ou entra somente como vendedora de nafta. Neste
último caso, por que ela deveria deixar de pedir o preço mais alto possível?
A Petrobras terá de assumir o seu papel de formulador de políticas para o
setor, além de ser uma empresa de capital aberto. O problema da nafta, ao
final não é só o preço hoje, mas como garantir o suprimento no futuro.”
(SCHUTTE, p. 192).
Schutte (2004, p. 22) mostra o conflito para as empresas estrangeiras em não mais
estarem associadas a projetos que garantiam a integração com o elo upstream com a retirada
da Petroquisa e, portanto, o fornecimento de nafta no longo prazo: “Diante dessa indefinição,
as transnacionais preferiram não se arriscar e deixaram o mercado para as empresas
nacionais.”.
Por outro lado, como explicita Rocha (2009), a presença monopólica da Petrobras
no refino de petróleo e, portanto, como única produtora nacional de nafta ao setor
petroquímico, na visão das empresas estrangeiras também gerava um conflito. Afinal, nos
outros países, essas empresas estão “normalmente acostumadas a atuarem de forma
integrada desde o refino” (p. 45).
Como se pôde observar na Tabela 3, as majors possuem uma participação
expressiva no segmento do refino e de comercialização final, tanto em comparação com
outros segmentos da indústria mundial de petróleo, quanto com seus pares com outras
configurações jurídicas (mistas e NOCs). Sendo assim, o elo do refino constitui uma fase
estratégica para a rentabilidade e sobrevivência das majors. Operar em outros países, no setor
petroquímico, e ficar dependente das estratégias das refinarias desse país, não deve ser uma
253
decisão trivial quando a verticalização e integração, desde a exploração de óleo e gás, é a regra
nos países em que operam.
No Brasil, o fornecimento da nafta às centrais petroquímicas (e, portanto,
indiretamente a todos os elos para frente da cadeia) representa tanto o braço petrolífero da
petroquímica como o braço petroquímico da Petrobras. No mundo, a integração patrimonial
dessas fases constitui regra comum de organização industrial das principais petroquímicas e
petrolíferas. Como evidenciou Schutte (2004), a Petroquisa só foi criada por conta das
restrições legais, senão, a Petrobras teria suas próprias plantas petroquímicas, como ocorre
no segmento de refino de petróleo.
Prevendo a reestruturação que viria com a onda privatista de 1980 e 1990 e que
também atingiria o setor petroquímico, Guerra (1991, p. 250) alertou que a saída da
Petroquisa não poderia também resultar em uma eliminação do apoio público ao setor. Além
de estar na contramão das atitudes observadas na ação dos governos dos países centrais, o
passo seguinte a ser dado pela petroquímica naquele momento, o de avançar sobre o
segmento da química fina, iria exigir muitos incentivos do governo para que os atores privados
do setor, de fato, pudessem alcançar o nível tecnológico de fronteira daquele momento. Além
desse tipo de apoio, o subsídio da nafta à petroquímica teria que ser mantido. Ou então,
poderia ser redefinido de uma forma em que a lógica macroeconômica de ajuste fiscal daquele
momento não se traduzisse em perda substantiva de competitividade do setor petroquímico
com a retirada do subsídio. A avaliação entre eliminar os incentivos públicos para melhorar as
finanças públicas via diminuição de gastos ou manter os incentivos públicos para melhorar as
finanças públicas via aumento da arrecadação teria que ser feita cuidadosamente na decisão
de eliminar o subsídio da matéria-prima (GUERRA, 1991).
Uma outra mostra do peso das matérias-primas no desempenho do setor
petroquímico brasileiro está na análise dos dados da PIA-IBGE, entre 1996 e 2006, realizada
por Hasenclever e Antunes (2009). Nesse período, o valor da transformação industrial do
segmento produtor de resinas e petroquímicos básicos decresceu (16,4% nas resinas e 4,6%
nos petroquímicos básicos) porque os custos de operações industriais (COI) aumentaram mais
do que o valor bruto da produção (VBP) (no segmento de resinas, o COI elevou-se 68,8% e o
VBP 34,8%). O ajuste da redução do VTI recaiu sobre a folha de pagamentos (diminuição de
quase 50% dos salários pagos no segmento de resinas) e no número de pessoal ocupado
254
152
O processo de reestruturação do setor petroquímico brasileiro começa em 1994, com a venda dos ativos
estatais e saída de algumas empresas estrangeiras (ROCHA, 2009).
153
O questionamento principal dizia respeito à escolha da Odebrecht para compor o projeto, uma vez que,
segundo os críticos, a seleção confere privilégios a uma empresa em detrimento de outras. (SCHUTTE, 2004).
259
154
Muitas vezes se utiliza aqui neste trabalho Petrobras e Petroquisa como sinônimos, mas a Petroquisa só foi
totalmente incorporada à Petrobras em 2012 (PETROBRAS..., 2012). Conforme registrado, com a incorporação,
“a Petrobras passou a ter participação direta no capital da Braskem”.
260
Na Tabela 33, Mello et al. (2003) expõem a condição da Braskem perante seus
concorrentes estrangeiros: com a presença de uma empresa estatal de forma relativamente
tímida e sem a integração com o elo a montante. Outras empresas apresentam participação
de média a forte do agente estatal e, com exceção das empresas coreanas LG Chem e Honam,
têm seu braço petrolífero.
Portanto, na década de 2000, retorna o agente estatal, mas ainda persiste uma
estrutura fragmentada, de baixa escala patrimonial (sobretudo das plantas da 2ª. geração),
reduzida integração e muitas empresas. A falta de integração patrimonial entre a 1ª. e 2ª.
gerações é registrada como uma estrutura que parecia apenas se conformar no Brasil.
A baixa integração patrimonial entre as gerações e os segmentos da cadeia
petroquímica também era responsável por uma grave fragilidade do setor brasileiro: a alta
incidência de tributos em cascata, em função das intensas trocas intrassetoriais para a
formulação de produtos químicos ou petroquímicos (FURTADO, 2003).
A partir dessas fragilidades, foi se desenhando (tardiamente, diga-se) a
consolidação patrimonial do setor em torno do grupo Odebrecht. Em 2001, esse grupo deu
um importante passo ao adquirir o controle da central de matéria-prima de Camaçari
(Copene) e, portanto, realizar a concentração patrimonial na 1ª. geração (pois já tinha adquido
o controle da Copesul, em Triunfo). Esse movimento foi considerado de grande importância,
conforme atesta o trecho:
“Os movimentos recentes de reestruturação societária no Brasil, com a
compra da COPENE e a perspectiva de formação da Petroquímica do
Sudeste, permitem vislumbrar finalmente um encaminhamento do
problema principal da estrutura petroquímica brasileira, que há muito
tempo repousa na divergência entre o tamanho das suas empresas e a
norma competitiva internacional” (FURTADO, 2003, p. 59).
credores155. Segundo Furtado, outros grupos brasileiros eram mais prudentes em termos
financeiros. Nas suas palavras: “Mais uma vez assumiu mais riscos do que tem sido a tônica
deste capitalismo de grandes empresas líquidas, verdadeiras tesourarias de bancos”. Ou seja,
a agressividade dos investimentos do grupo sinalizava ali suas pretensões e interesses de
longo prazo no setor petroquímico brasileiro, permitindo-se, inclusive, adotar uma estratégia
mais arriscada.
Outro marco importante do processo de reestruturação do setor ocorreu em
2002, com a fundação da Braskem, fruto da integração da Copene, OPP, Trikem, Proppet,
Nitrocarbono e Polialden, empresas da Organização Odebrecht e do Grupo Mariani
(BRASKEM, 2015b, p. 8).
Em 2006, a expansão da empresa ocorreu com a compra da Politeno e, em 2007,
com a aquisição dos ativos químicos do grupo Ipiranga (BRASKEM, 2017a). A grandeza de seu
porte em nível nacional revelou-se claramente em 2010, quando a Braskem comprou a
Quattor (junção da Suzano Petroquímica – empresa que tinha sido comprada pela Petrobras
em 2007, Rio Polímeros e Polietilenos União). Com essa aquisição, Braskem passou a controlar
as quatro centrais petroquímicas e a ser a única empresa petroquímica brasileira participando
das 1ª. e 2ª. gerações da cadeia petroquímica. Em 2008, a Braskem constou na lista das
maiores empresas petroquímicas das Américas na terceira posição e a Quattor na sétima
posição (HASENCLEVER; ANTUNES, 2009). Com a incorporação da Quattor, em 2015, a
Braskem foi considerada a maior empresa petroquímica produtora de resinas termoplásticas
do continente americano e a sexta maior do mundo com 16 milhões de toneladas de químicos,
petroquímicos básicos e resinas (BRASKEM, 2015b, p. 8).
Em 2015, o mercado brasileiro consumiu 4,927 milhões de toneladas de resinas,
dos quais a Braskem forneceu 3,362 milhões de toneladas, ou seja, quase 70%156 do mercado
interno brasileiro157 (BRASKEM, 2015b, p. 39). Com a elevada participação nas vendas do
mercado nacional, a empresa ganhou robustez para iniciar, ainda que tardiamente, um
155
De acordo com Furtado (2001), o alto endividamento poderia ser visto como um problema do ponto de vista
do baixo dinamismo inovativo da empresa daí decorrente. Afinal, recursos que deveriam estar sendo
encaminhados aos laboratórios de pesquisa da empresa eram absorvidos pelo setor financeiro.
156
No mercado apenas das poliolefinas (polietileno e polipropileno) a fatia de mercado da Braskem no Brasil foi
de 73% (BRASKEM, 2015b, p. 43)
157
As vendas para o mercado interno brasileiro corresponderam a 52% das receitas líquidas totais da empresa
em 2015. Do restante, 22% vieram das exportações brasileiras, 17% das vendas das unidades dos EUA e da
Europa e 9% de revenda (BRASKEM, 2015b, p. 38).
263
158
A empresa ampliará ainda mais sua posição como maior produtora de polipropileno dos EUA com uma nova
fábrica em La Porte, no Texas, com capacidade de 450 mil toneladas por ano, adicionando 30% da capacidade
total da empresa na produção dessa resina nos EUA. O investimento será de R$ 2,2 bilhões e a produção está
programada para se iniciar em 2020 (FONTES, 2017c).
264
Com essa nova planta, Braskem assegurou ser um dos três grandes produtores do
mundo dessa resina. Esse é um bom exemplo de como essa empresa petroquímica brasileira,
a partir de uma configuração propícia pôde lograr avançar no processo de internacionalização
e na pesquisa e produção de bens de alto valor agregado. No entanto, evidencia que bases
produtivas e de inovação nos EUA, ao se mostrarem mais competitivas, podem ser preferidas
nas decisões de produção e pesquisa de uma empresa multinacional, como a Braskem, em
detrimento da base brasileira.
De acordo com Braskem (2017b), a empresa contava com as seguintes operações
nos EUA:
“Com mais de 700 integrantes nos EUA, a Braskem America tem sede
regional na Filadélfia, estado da Pensilvânia, e conta com seis unidades
industriais: quatro no Texas (La Porte, Oyster Creek e Seadrift), uma na
Pensilvânia (Marcus Hook) e uma em West Virginia (Kenova).
Adicionalmente, seu moderno Centro de Inovação & Tecnologia, em
Pittsburgh, Pensilvânia, contribui para fortalecer a parceria entre a
Braskem e seus clientes na América do Norte, apoiando o desenvolvimento
de soluções inovadoras e aprimorando produtos e processos existentes. Em
meados de 2016, a Braskem anunciou melhorias em seu Centro de
Inovação e Tecnologia de Pittsburgh, com o aumento da capacidade de
pesquisa e desenvolvimento em PEUAPM, visando apoiar o lançamento da
produção de UTEC nos EUA.”
Gráfico 56 – Ranking de produção de resinas, em mil toneladas por ano, nas Américas
considerava o setor com maior escala empresarial que anteriormente e também já aparecia a
presença da Petrobras no setor como supridora de matéria-prima para a petroquímica em um
arranjo mais vantajoso.
“Nesse caso, as recentes consolidações de dois grupos nacionais – Braskem
e Quattor – vêm representar uma grande oportunidade para consolidação
desse setor. Ao mesmo tempo, o ressurgimento da Petrobras como agente
no setor de petroquímica sugere potencial de que os requisitos de
segurança e preço de insumos venham a ser equacionados” (SARTI;
HIRATUKA, 2010, p. 152).
159
Segundo reportagem do Valor Econômico (EMPRESA... , 2017), a proposta inicial da Petrobras em 2009 era
de fusão entre as duas empresas (Braskem e Quattor). No entanto, dado o alto endividamento da Quattor à
época, a participação da Unipar na nova empresa (acionista da Quattor em conjunto com Petrobras) resultaria
pequena demais. Assim, os acionistas da Unipar optaram pela venda de sua participação à Braskem. A Petrobras,
além de transformar sua participação na Quattor em participação na Braskem, também contribuiu com o maior
aporte na capitalização da nova empresa que veio a seguir (R$2,5 bilhões, além do aporte de R$ 1 bilhão da
Odebrecht e cerca de R$270 milhões do BNDES). Assim, a divisão acionária resultante na Braskem após a
aquisição da Quattor foi 38% para Odebrecht, 36% para Petrobras e 5% para o BNDES (EMPRESA..., 2017).
266
freassem as inovações das empresas (porque eram compensadas pela alta competência
técnica), podiam diminuir tanto o potencial econômico das inovações para outros setores (o
uso das inovações pelo setor de transformados plásticos, por exemplo) quanto a capacidade
das empresas de perpetuar seu poder de inovação e de geração de vantangens produtivas ao
longo do tempo (aqui estavam as fragilidades concernentes à gestão dos conhecimentos e
incentivos à inovação no interior das empresas).
Olhando para as mais importantes contribuições da Braskem em termos de
inovação de produtos, uma área para a qual a empresa, com essa configuração, logrou obter
avanços e alta competitividade internacional foi na de desenvolvimento e produção de
biopolímeros ou a de plásticos verdes. A maioria dos relatórios setoriais brasileiros (GORAYEB
et al., 2013; BAIN &COMPANY, 2014b; por exemplo) apontam um enorme potencial da
estrutura produtiva brasileira nos diversos segmentos que podem utilizar fontes renováveis
para seus insumos, entre os quais, o setor energético com os subprodutos da cana-de-açúcar
e celulose de 2ª. geração; o setor químico com a expansão do uso da oleoquímica ou da
álcoolquímica e da biodiversidade brasileira para insumos para fragrâncias, corantes,
essências e aditivos; o setor de combustível com a expansão do bioetanol, o setor de
exploração e produção de óleo e gás que precisa aumentar o componente “verde” de suas
atividades e, além de outros exemplos, também o setor petroquímico que pode ter uma
relativa especialização nas rotas dos biopolímeros.
O caminho de diversificação da petroquímica para a “química verde” ou a química
com o uso dos insumos renováveis torna-se nítido ao visualizar as empresas com forte base
petroquímica que apresentam uma carteira de produtos “verdes”, como é o caso da Rhodia,
Oxiteno e, também, da Braskem.
O apelo mercadológico à produção de químicos não derivados dos combustíveis
fósseis tem, basicamente, duas fundamentações: 1) o insumo é renovável e, 2) tem um
equilíbrio energético positivo (isto é, por ser proveniente de uma produção agrícola, o produto
químico pode capturar mais dióxido de carbono do que emiti-lo à atmosfera).
De acordo com a análise das ameaças e forças competitivas da indústria química
brasileira realizada por BNDES (2014), constitui uma força do setor o custo da biomassa local,
que permite que empresas invistam na promissora rota tecnológica dos químicos de base
renováveis. O relatório também cita o tamanho e as perspectivas de crescimento do mercado
267
revela muitas questões a serem resolvidas160. No trecho apresentado a seguir, Sarti e Hiratuka
(2010) apresentam algumas delas: a insuficiência da produção interna, o uso da nafta para o
setor de combustíveis e a política de preços da Petrobras:
“Um problema adicional para a expansão do setor parece ser a
disponibilidade de matéria-prima, principalmente em curto e médio prazos
em que a expansão de refinarias ainda será insuficiente para a geração de
nafta necessária e a expansão da produção de gás natural tem como
prioridade outros usos que não o petroquímico. Nesse caso, deve-se
enfatizar a necessidade de priorização do uso industrial do gás. Mais
importante, deve-se chamar a atenção à presença de práticas monopolistas
por parte da Petrobras” (SARTI; HIRATUKA, 2010, p. 153).
Gráfico 57 – Brasil: Volumes anuais de produção e importação líquida de nafta, em mil m3, 2000-2012
160
Furtado (2010) oferece como exemplo uma fala de Sérgio Gabrielli, presidente da Petrobras, em um seminário
para o próprio setor petroquímico em 2009, de que a Petrobras não ia oferecer matéria-prima competitiva à
petroquímica porque teria outras prioridades.
269
Gráfico 58 – Brasil: produção de nafta nas refinarias brasileiras, em mil barris de óleo equivalente,
2000-2016
60.000
em mil barris de óleo equivalente
50.000
40.000
30.000
20.000
10.000
Simão (2014) elenca as razões para o alto volume de nafta importada ou, dito de
outro modo, baixo volume de nafta produzida internamente no Brasil. Em primeiro lugar, o
óleo da Bacia de Campos que tem chegado nas refinarias é mais pesado do que as cargas
anteriores e essa característica determina um rendimento de nafta menor. Um segundo
ponto, já mencionado aqui, diz respeito a seu uso para compor o “pool” da gasolina brasileira
para equilibrar seu grau de octanagem, em função do alto teor do etanol nesse combustível.
Outra consideração está relacionada à alta participação dos derivados do petróleo
consumidos pelos transportes rodoviários de carga e passageiro de grande porte (óleo diesel,
41% do total, como se observa no Gráfico 59) como resultado da produção das refinarias
brasileiras.
Gráfico 59 – Brasil: Perfil da produção de derivados de petróleo nas refinarias no Brasil, 2012
Mas, até agora (2017), em operação, existe o trem I da Refinaria de Abreu e Lima
(iniciou em 2014) e prosseguem as atividades para a construção do trem II dessa refinaria. Os
demais projetos estão todos paralisados (PETROBRAS, 2017a). Os projetos das refinarias
Premium I e Premium II, segundo a nota da Petrobras de 11/11/2015, foram
descontinuados161.
Em notícia veiculada pela Petrobras, em 22/07/2016, as obras da Unidade
Processadora de Gás Natural (UPGN) do COMPERJ serão reiniciadas, mas ainda estão
postergadas as da Refinaria Trem I. Além disso, a Refinaria Trem II e a unidade de lubrificantes
foram canceladas162.
As perspectivas que constam em Bain & Company; Gas Energy (2014a, p. 16) eram
que, em 2030, quando já em operação a Refinaria Abreu e Lima, os dois trens do Comperj, os
dois trens da refinaria Premium I e a refinaria Premium II, haveria uma oferta local de nafta
50% maior do que a demanda, e ainda constando uma preocupação, naquele momento, se
aquele excedente seria destinado ao setor petroquímico.
Como sabido, 2015 e 2016 revelaram-se anos de grandes rupturas e a Petrobras
(e todo o seu entorno) talvez tenha sido uma das instituições brasileiras mais atingidas. Assim,
mantém-se, neste momento, o cenário desalentador anterior da elevada dependência de
importação da nafta. O preço desse produto importado é 5 a 7% maior do que o seu
equivalente local, em função dos custos de transporte (BAIN & COMPANY; GAS ENERGY,
2014a, p. 9). Além disso, o acordo realizado entre Braskem e Petrobras em 2015 com relação
ao preço, foi registrado pela Braskem como insatisfatório. Segundo as palavras do presidente
da empresa, Fernando Musa, no Relatório Anual de 2015:
“Depois de quase três anos de negociações, a Braskem assinou com a
Petrobras um novo contrato para fornecimento de um volume de 7 milhões
161
“Informamos que, em 2013, contratamos consultoria com intuito de revisar o projeto das refinarias Premium
I e II, buscando possibilidades de otimização e redução de investimentos. Após o desenvolvimento das revisões
do projeto, de outras iniciativas que tomamos, como busca de parcerias e de uma reavaliação das projeções de
mercado, não foram obtidos resultados econômicos satisfatórios, nos levando a decidir pela descontinuidade
dos projetos, conforme consta do Fato Relevante divulgado em 27/01/2015” (PETROBRAS, 2015).
162
“Nosso Conselho de Administração (CA) aprovou, em reunião realizada nesta sexta-feira, a reavaliação do
projeto do Comperj. Essa decisão permitirá a continuidade das atividades de implantação das unidades do
Comperj associadas à Unidade de Processamento de Gás Natural (UPGN). (...) Nosso CA aprovou ainda a
postergação do investimentos e preservação dos equipamentos das demais unidades da Refinaria Trem 1 até
dezembro de 2020 e orientou que continuem os esforços em busca de parceiros para dar continuidade aos
investimentos. Os projetos da Refinaria Trem 2 e da Unidade de Lubrificantes do Comperj foram cancelados”
(PETROBRAS, 2016a).
272
Tabela 34 – Brasil e Mundo: participação (%) das matérias-primas convencionais nos custos totais da
petroquímica, 2014
Brasil Mundo
Nafta 70 47
Carvão 0 17
Metano 21 12
LGN - 10
Cargas Pesadas - 7
Etano - 7
Etano +Propano 7 -
Etanol 2 -
Total 100 100
Fonte: Adaptado de ABIQUIM (2014, p. 44).
163
No acordo firmado no final de 2015, o preço da nafta vendido pela Petrobras à Braskem será de 102,1% da
referência internacional ARA e os termos do contrato podem ser revistos pelas duas partes a partir do terceiro
ano (BRASKEM, 2015b, p. 41).
273
Tabela 35– Brasil e Mundo: participação (%) das matérias-primas para a produção do etileno, 2014
Brasil Mundo
Nafta 83 57
Etano - 15
Gasóleo - 13
Propano - 8
Butano - 5
Outros - 2
Etano +Propano 12 -
Etanol 5 -
Total 100 100
Fonte: Adaptado de ABIQUIM (2014, p. 45).
IPT (2008) explica que a forma de precificação da nafta no Brasil (preço spot da
nafta no mercado europeu – referência ARA – mais os custos de internalização, mesmo que a
produção seja totalmente brasileira e próxima do consumo) contribui sobremaneira para a
perda de competitividade da petroquímica brasileira. Afinal, o preço da nafta brasileira se
estabelece em alto patamar e ainda fica suscetível às oscilações do câmbio brasileiro e do
274
preço internacional. Esses dois componentes do preço inevitavelmente são repassados aos
segmentos a jusante, com perdas sensíveis à grande parte da estrutura produtiva e de
consumo brasileira.
Dos quatro polos petroquímicos (Camaçari, Capuava, Triunfo e Duque de Caxias),
apenas o do estado do Rio de Janeiro não usa nafta como matéria-prima164. No entanto, tem-
se lá uma capacidade de produção de resinas, no total, menor do que a dos demais polos,
embora produza um volume alto de polietileno (GOMES; DVORSAK; HEIL, 2005).
De acordo com Simão (2014), que usou dados fornecidos pela Braskem, o polo de
Capuava produz 700 mil toneladas por ano de etileno e 300 mil de propileno, o de Camaçari
1.280 mil de etileno e 550 mil de propileno e o de Triunfo gera 1.452 mil toneladas de etileno
e 660 mil de propileno por ano. O polo de Duque de Caxias tem uma capacidade menor, 540
mil de etileno e 75 mil toneladas de propileno.
Por ser o único que utiliza exclusivamente o gás como matéria-prima, o polo do
estado do Rio de Janeiro não produz butadieno e aromáticos165. Os outros três polos, com
cargas mais pesadas, possuem produção dessas outras cadeias petroquímicas e, com
integração com as empresas de 2ª. geração, logram produzir uma diversidade grande de
petroquímicos como poliestireno expandido e cumeno (Capuava), caprolactama e etilbenzeno
(Camaçari) e etilbenzeno, estireno e poliestireno (em Triunfo) (ABIQUIM, 2014).
Nas Figuras 12 e 13, é possível perceber o elevado nível de diversificação do
complexo petroquímico da Bahia (Polo de Camaçari, Figura 12) em contraste com o do Rio de
Janeiro (Polo de Duque de Caxias, Figura 13).
164
Está registrado em Braskem (2015b, p. 6) que essa empresa iria em 2016 importar etano dos EUA e flexibilizar
o cracker de Camaçari para utilizar tanto a nafta quanto o gás.
165
O etileno produzido no complexo do Rio de Janeiro é gerado por meio da utilização do propano e etano
obtidos das correntes de gás natural que se extraem em conjunto com a exploração de óleo. O etano é mais
eficiente para a geração do etileno do que o propano, porém o custo de sua separação do metano nas unidades
processadoras de gás natural (UPGN) é alto e só compensa economicamente com expressivos volumes de
consumo de etano e com preços do etano também altos. Para encaminhar o gás natural às UPGNs (e para a
viabilizar a construção de infraestrutura de transporte) devem-se garantir essas condições, bem como um
consumo de metano expressivo para fins não químicos (energia elétrica, em grande parte) (MONTENEGRO; PAN,
2000).
275
Simão (2014) analisou os impactos advindos da maior oferta de gás natural nos
EUA (em função da atividade de shale gas) sobre a indústria petroquímica brasileira, do ponto
de vista dos processos de produção e da matéria-prima utilizada. A autora registra que o preço
baixo e a abundância de gás natural nos EUA foram responsáveis por “ressuscitar” a indústria
petroquímica nesse país, o que pode ser demonstrado a partir do aumento de produção de
petroquímicos e dos investimentos já realizados ou anunciados para os próximos anos
(inclusive de empresas estrangeiras que não tinham ainda plantas nesse país) para o
aproveitamento do etano, oriundo do gás natural. A maior oferta de etano a preços baixos
permitiu o aumento da produção de petroquímicos utilizando essa matéria-prima, diminuindo
a participação do uso da nafta nos processos industriais petroquímicos daquele país e,
também, da média mundial.
Como já observado, o etano como insumo das empresas de 1ª. geração dá origem
aos produtos da cadeia do etileno. A nafta, por sua vez, apesar de estabelecer-se em um preço
mais alto (e gerar, portanto, um etileno mais caro relativamente ao etileno do gás), permite
uma produção mais diversificada viabilizando melhor a produção de propileno, butadieno e
aromáticos. Embora se saiba da maior produção de gás que advirá da exploração dos
hidrocarbonetos do pré-sal, a autora considera a nafta como matéria-prima permanente e
principal da petroquímica brasileira. Segundo Simão (2014) há que se considerar que uma
parte do gás extraído do pré-sal será reinjetado nos poços para aumento da recuperação do
petróleo e outra parte importante será utilizado como insumos das termolétricas. Enfim, a
autora conclui: “(...) a indústria petroquímica brasileira continuará pautada principalmente
277
em nafta, matéria-prima mais cara em comparação com o etano, mais barato em algumas
regiões do globo.”(p. 113).
Em que pese essa forma de aprisionamento da petroquímica à nafta, a autora
apresenta uma janela de oportunidades para a petroquímica brasileira. Dada a diminuição da
produção e rentabilidade nos EUA de propileno, butadieno e aromáticos, o Brasil – que utiliza
e continuará utilizando a nafta – poderá ampliar seus investimentos nas tecnologias que
permitam a produção desses elementos para se beneficiar da menor disponibilidade e do
maior preço que esses produtos vêm apresentando no mercado mundial. Essas tecnologias se
apresentam nos processos atuais de craqueamento a vapor, mas também podem ser vistas
nas refinarias (por FCC) e nos processos on-purpose. Esses últimos ainda podem contar com
matérias-primas de origem não-fóssil, como o etanol.
A despeito da visualização dessa oportunidade, a autora é bastante enfática no
que concerne ao elevado grau de ameaça que surge para a petroquímica brasileira (1ª., 2ª. e
3ª. gerações) com o etileno norte-americano (pois inclui também Canadá e México) barato e
abundante.
Para Marcos de Marchi, diretor da ABIQUIM, o principal desafio para a indústria
petroquímica continua sendo o acesso de longo prazo às matérias-primas a preços
competitivos e cita a indústria dos EUA que obteve expressivos ganhos de competitividade
por meio da obtenção de insumo de baixo custo (o shale gas). A boa perspectiva da indústria
petroquímica brasileira seria a de que se visualiza uma oportunidade com o gás do pré-sal.
Nas palavras desse representante da indústria química: “Os Estados Unidos têm o gás de xisto
e o Brasil tem o pré-sal” (FONTES, 2016c).
A proposta da Abiquim é que a indústria poderia receber o gás natural da
Petrobras a preços competitivos internacionalmente e a União ressarciria a petrolífera pelas
diferenças de preços. A União, por sua vez, seria recompensada na arrecadação maior de
impostos com a venda de químicos que utilizariam o gás como matéria-prima (FONTES,
2016d). Além dos preços competitivos e da definição de contratos de fornecimento estáveis
de longo prazo, a entidade propõe a instalação de uma unidade processadora de gás natural
dedicada à petroquímica.
Um exemplo da baixa competitividade das unidades industriais no Brasil
dependentes do gás natural como matéria prima é o fechamento da Copenor (Companhia
278
166
A Metanor foi fundada em 1969 para produzir o metanol. Em 1976, iniciou sua produção em Camaçari, polo
petroquímico escolhido em função da infraestrutura e das vantagens de aglomeração (principalmente a
proximidade com clientes-produtores). Com os derivados do metanol, a empresa atende os produtores de
grande parte das indústrias nacionais de tecidos de poliéster, madeira compensada e aglomerada, acrílicos,
defensivos agrícolas, produtos farmacêuticos, tintas e vernizes (COPENOR, 2017a).
167
São os segmentos: Cosméticos e produtos de higiene pessoal; Defensivos agrícolas; Aditivos alimentícios para
animais; Químicos para E&P; Aromas, sabores e fragrâncias; Derivados de celulose; Aditivos alimentícios para
humanos; Derivados do silício; Tensoativos; Derivados de butadieno e isopreno; Derivados de aromáticos;
Poliuretanos e seus intermediários; Lubrificantes; Fibras de carbono; Poliamidas especiais; Poliesteres de alta
tenacidade; Oleoquímicos e Químicos de fontes renováveis.
168
De acordo com o estudo, a baixa competitividade está associada à pequena escala de produção dos
petroquímicos de 1ª. geração quando comparadas com as plantas de escala mundial. A escala de produção de
etileno no Brasil correspondeu à 50% das menores plantas dos 1º. Quartil da curva de capacidade global em
2013, a do propileno, 71%, a do benzeno, 49%, a do tolueno, 49%, a do p-xileno, 20% e a do butadieno, 78%
(BAIN & COMPANY; GAS ENERGY, 2014a, p. 10).
279
Para BNDES (2014), dentre as principais fraquezas do setor químico brasileiro está
a “incerta disponibilidade atual de matérias-primas de origem petroquímica, notadamente a
nafta e o gás natural” (p. 112) e o seu alto custo. Também se apontam como entraves a novos
investimentos no setor químico o elevado custo do financiamento, a baixa diversificação das
empresas, capacitação tecnológica baixa nas empresas de especialidades, obstáculos
regulatórios e de infraestrutura (logística e energia).
Enfim, nos parece ser um consenso entre analistas e representantes do setor
petroquímico de que a matéria-prima petroquímica constitui uma grave barreira para a
expansão do setor petroquímico brasileiro e para a competitividade de suas empresas.
O provimento de matéria-prima ao setor petroquímico (nafta e etano,
principalmente) está quase todo concentrado na Petrobras. O fornecimento de insumos
petroquímicos da 1ª. geração para a 2ª. geração – os chamados petroquímicos básicos –, por
sua vez, está restrito à Braskem e à Petrobras, conforme se ilustra no Gráfico 62. Outro dado
também importante na relação entre Petrobras e Braskem é o de que 78,2% das despesas
totais da Braskem correspondeu em compras de nafta, condensado, etano, propano e HLR em
2015 (BRASKEM, 2015b, p. 77), cujo fornecimento em quase sua totalidade é realizado pela
Petrobras.
169
Para Bueno e Sattamini (2017), a saída da Petrobras da produção e dos investimentos em pesquisas em
biocombustíveis (principalmente os de 2ª. e 3ª. geração) irá distanciar o Brasil dos compromissos do Acordo de
Paris e tirar flexibilidade e resiliência do setor energético brasileiro quanto às oscilações do preço do petróleo e
à segurança energética. Além disso, a Petrobras ficará sem uma fonte importante de receitas que seria derivada
das patentes em biocombustíveis.
281
CONCLUSÃO
segundo colocado, e mais que quatro vezes maior do que o consumo chinês. Esse consumo
de gás natural nos EUA representou 30,2% do total de energia primária consumida no país,
participação que cresceu entre 2000 e 2010, enquanto a do carvão diminuiu. O aumento da
demanda do gás em substituição ao carvão ocorreu no setor de geração elétrica dos EUA, na
mudança de insumo para as termoelétricas. Esse recurso também passou a ser a principal
fonte de oferta de energia primária nos EUA a partir de 2011, tirando a liderança do carvão
que vinha desde 1988. O aumento da produção propiciou também a redução das importações
e o aumento das exportações de gás natural.
O gás natural proveniente das áreas de shale nos EUA foi o responsável por todo
o crescimento da produção de gás natural neste país pelo menos desde 2008, ano em que a
produção do shale gas aumentou e a das demais áreas diminuiu. O resultado é que, em 2015,
a produção de shale gas se aproximou do volume produzido nas demais áreas dos EUA: em
torno de 40 bilhões de pés cúbicos por dia de shale gas e 50 bpc/d de outras fontes. Em 2014,
a participação das áreas de shale nas reservas provadas de gás natural nos EUA alcançou 50%
do total.
Mas, talvez a maior contribuição que o shale gas tenha oferecido ao mercado
energético do país foi o uso de sua tecnologia de extração, o fraturamento hidráulico
horizontal, para a extração do óleo em áreas não convencionais. Em 2015, do total de óleo
produzido nesse país, 51% foi oriundo de poços nos quais se utilizava esse método de
extração. Usufruindo de maiores rendimentos do que na extração convencional, a produção
de óleo também subiu significativamente nos EUA, contribuindo para a redução das
importações líquidas de energia primária (de um pico de 30 quadrilhões de Btu em 2006 para
10,9 quadrilhões de Btu em 2015). Assim, a revolução do shale gas, que se estendeu com
rapidez para a atividade de extração de petróleo, alterou substantivamente o cenário
energético nos EUA e, por conseguinte, no mundo.
A emergência da atividade de shale gas se deu nos EUA no contexto de uma grave
crise internacional, deflagrada em solo estadunidense, mas com repercussão imediata no
resto do mundo, a crise financeira de 2008. Diante disso, o governo de Barack Obama, recém
empossado, utilizou a nascente e promissora atividade econômica de exploração de gás
natural nas formações geológicas de shale como uma oportunidade para a consecução de três
grandes objetivos: “renascimento” da competitividade do setor industrial como um todo, com
287
ser guiada mais por motivações ideológicas, desconsiderou outros papéis que as estatais
cumpriam na governança dos setores industriais, como a de coordenação em uma estrutura,
na época da privatização, ainda com alto grau de dispersão patrimonial.
Os limites a uma política neoliberal estão sempre postos em países
subdesenvolvidos e o caso do setor petroquímico é ilustrativo desses limites. Após a
privatização, os movimentos das empresas no setor acabaram por serem determinados pela
realidade: um setor com empresas de pequeno porte (relativamente às líderes mundiais), com
baixa integração na cadeia (também diferente das líderes) e com necessidade de expansão da
capacidade produtiva. E aí, nessas condições, a necessidade da presença do ente estatal, que
tem a capacidade de coordenação, de mobilização de recursos e de financiamento mostrou-
se incontornável.
Portanto, em função da realidade da competição capitalista em nível mundial, da
estrutura patrimonial e produtiva das empresas petroquímicas no Brasil e com a percepção
do governo Lula das necessidades de um país em desenvolvimento para uma inserção
internacional altiva, o Estado (Petrobras, BNDES e outras instituições que puderam retomar,
em algum grau, políticas industriais ativas) voltou a aparecer no setor petroquímico brasileiro
com mais evidência e a Braskem foi constituída (na sua forma atual, depois da aquisição da
Quattor) com uma estrutura com elevado grau de integração na cadeia (1ª. e 2ª. geração na
mesma empresa com um sócio produtor de matéria-prima petrolífera, a Petrobras) e com um
porte, condições empresariais e de capital que permitiram, inclusive, nos anos seguintes, a
sua internacionalização. A participação expressiva da Petrobras no setor petroquímico
brasileiro atribuiu à empresa uma posição determinante para a definição da competitividade
do setor no Brasil, bem como da dos setores a jusante.
No entanto, mesmo com a sócia Petrobras, o setor petroquímico permaneceu
enfrentando o gargalo da matéria-prima. Se, por um lado, essa empresa pôde colaborar para
o melhor acesso às fontes de financiamento, para o compartilhamento das redes de inovação,
para o aproveitamento de sinergias e para o processo de internacionalização da Braskem, por
outro lado, não foi garantia para o suprimento de matéria-prima competitiva e seus
desdobramentos para os demais elos da cadeia petroquímica.
300
Mas, a Economia não está isolada da Política. A direção dos esforços públicos nos
EUA ocorreu naquela apontada por grupos poderosos. O setor petrolífero, composto por
empresas que se situam entre as maiores empresas privadas industriais do mundo, possui
uma influência política imensa nesse país. Os irmãos Koch são o maior símbolo desse poder,
mas a nomeação de executivos das super majors para compor quadros estratégicos e de
grande envergadura do governo de Trump demonstra como essa força está menos
concentrada do que se pensa, ou do que se deseja.
Assim, o propósito aqui não foi o de saudar essa relação Estado-Grande Capital
nos EUA como um projeto ideal político-econômico, até porque seria ignorar por completo os
efeitos nefastos que essa relação tem tido sobre a natureza, sobre a concentração de renda,
sobre a geração de guerras, fome e de outras formas de violência. O objetivo foi o de
apresentar a maneira pela qual uma imensa arquitetura institucional público-privada nos EUA
durante décadas (e que no período recente incluiu manobras jurídicas, financeiras e
regulatórias de grande envergadura) é posta em ação para criar e sustentar uma atividade
econômica de bases econômico-políticas frágeis, como é a extração e produção de shale gas.
Procurou-se, por essa lente, evidenciar que Estado e grande capital, articulados, são
poderosas máquinas de criar e sustentar novos espaços de acumulação.
Com o estudo da experiência demonstrada nos EUA com a exploração de shale
gas e sua conexão com o setor petroquímico, compreende-se que os países que não
mostrarem essa articulação entre Estado e grande capital (petrolífero, petroquímico, químico
e financeiro) estarão se distanciando das referências da competição mundial em toda a cadeia
petroquímica e, no futuro próximo, abrindo mão de uma parcela da produção industrial que
é, por um lado, básica, e ao mesmo tempo, rica em encadeamentos produtivos e
desenvolvimento tecnológico.
Assim, um dos objetivos deste trabalho foi o de iluminar os desafios para a
sustentação de um setor petroquímico brasileiro competitivo, robusto, e com empresas
capazes de liderar os investimentos do setor no mundo. Embora fujam estritamente do
escopo deste trabalho, acredita-se que é importante tecer algumas considerações sobre
possíveis desdobramentos sobre o setor de uma saída da Petrobras e, no limite, de uma
completa desnacionalização do setor petroquímico brasileiro.
302
avance para os segmentos de maior conteúdo tecnológico e de maior estabilidade dos preços
internacionais.
Enfim, ao nosso ver, deverá ser observado um reforço da condição de
subdesenvolvimento do Brasil e ampliação das assimetrias tecnológicas, produtivas e sociais
entre o território e povo brasileiros e os países centrais ou alguns em desenvolvimento que,
por sua vez, continuarão com suas políticas industriais, fiscais, tecnológicas e monetárias
ativas e direcionadas ao aumento do progresso tecnológico e à sustentação de altos níveis de
desenvolvimento (no caso dos países centrais) ou de altas taxas de crescimento do PIB per
capita e de melhoria dos indicadores sociais (nos países em desenvolvimento).
Os efeitos positivos da preservação de um setor petroquímico nacional
transbordam para além das fronteiras do setor ou da cadeia produtiva petroquímica do país.
As resinas termoplásticas e os insumos químicos derivados dos petroquímicos básicos são
matéria-prima para um amplo leque de outros produtos em vários setores, muitos dos quais
básicos, como as embalagens e as peças para eletrônicos, eletrodomésticos e automóveis.
Assim, os ganhos de produtividade e toda gama de inovações oriundos do setor petroquímico
se refletem em elevação da competitividade em um nível sistêmico. Um maior grau de
controle sobre os investimentos do setor petroquímico (seja no aumento da capacidade
produtiva, aumento da carteira de produtos, seja em atualização tecnológica dos processos)
determina um trunfo importante para os formuladores e executores de política industrial que
almejam elevar a competitividade da estrutura produtiva brasileira de maneira geral. Como
afirmou Suarez (1986, p.36), o setor petroquímico deve ser visto como um estruturador das
economias modernas, cuja dinâmica se atrela à da economia como um todo.
Além disso, um setor petroquímico nacional e competitivo, com seu menor
coeficiente de importação, também permite maior controle sobre variações bruscas dos
preços internos (sobretudo em momentos de desvalorização cambial) e um maior
direcionamento dos gastos com pesquisas para o território nacional, contribuindo para
adensar a infraestrutura de pesquisa e inovação do país. Ainda sobre as inovações, vale
mencionar que o setor petroquímico, embora seja um setor com certa maturidade
tecnológica, mantém evidentes e ricos encadeamentos e possibilidades de pesquisas
conjuntas com os setores químico e petrolífero, e os usuários dos produtos petroquímicos
305
(alguns dos quais demandam plásticos de alto grau de complexidade tecnológica, como o
setor aeroespacial, automobilístico, de equipamentos e material para o setor de saúde, etc.).
Também deve ser levado em conta o fato de que a venda da maior petroquímica
brasileira para uma empresa estrangeira significa o repasse de uma história de pelo menos 50
anos de esforços e recursos públicos brasileiros para o exterior, sem o compromisso de que
esses não serão totalmente destruídos pelos novos donos em pouco tempo. Nesse sentido, a
manutenção da Petrobras na estrutura acionária da Braskem é fundamental para a
permanência do capital nacional e, portanto, para a preservação dos interesses nacionais em
diversos âmbitos.
Enfim, em uma interpretação diversa daquela esposada pela gestão atual da
Petrobras, acredita-se que quanto mais fortes forem, no presente, os vínculos existentes na
relação entre a Petrobras e o setor petroquímico – embora essa configuração se assemelhe
ao formato que se observou no passado – mais próxima a estrutura produtiva industrial
brasileira estará do futuro.
306
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328
Tabela 1 – Produção mundial de óleo e outros líquidos, classificação por 2016, em mil barris
por dia, 2000, 2005, 2010-2016
2000 2005 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Estados Unidos 7.732 6.900 7.549 7.862 8.894 10.073 11.779 12.757 12.354
Arábia Saudita 9.470 10.931 10.075 11.144 11.635 11.393 11.505 11.986 12.349
Rússia 6.584 9.598 10.367 10.519 10.642 10.780 10.838 10.981 11.227
Irã 3.852 4.218 4.417 4.465 3.819 3.615 3.725 3.897 4.600
Iraque 2.613 1.833 2.490 2.801 3.116 3.141 3.285 4.031 4.465
Canadá 2.703 3.041 3.332 3.515 3.740 4.000 4.271 4.389 4.460
Emirados Árabes
Unidos 2.660 2.919 2.895 3.320 3.401 3.627 3.674 3.928 4.073
China 3.257 3.642 4.077 4.074 4.155 4.216 4.246 4.309 3.999
Kuwait 2.244 2.668 2.560 2.913 3.169 3.129 3.101 3.068 3.151
Brasil 1.276 1.706 2.137 2.179 2.145 2.110 2.341 2.525 2.605
Mundo 74.934 81.908 83.251 84.026 86.183 86.606 88.826 91.704 92.150
* inclui óleo e líquidos de gás natural e exclui biocombustíveis, coal-to-liquids e gas-to-liquids.
Fonte: Adaptado de BP (2017).
Tabela 2 – Produção mundial de petróleo e outros líquidos, em mil barris por dia, 1990,
2000, 2010, 2015
Var (%)
1990 2000 2010 2015 2000/2015
Petróleo e outros líquidos 66.437 77.729 88.280 96.744 24,5
Óleo cru e outros líquidos 65.482 75.885 85.917 94.223 24,2
Óleo cru e lease condensate 60.498 68.527 74.573 80.455 17,4
Líquidos de Gás Natural 4.523 6.376 8.919 10.557 65,6
Outros líquidos 341 982 2.424 3.211 227,0
Ganhos de refinaria 875 1.009 2.363 2.521 149,9
participação (%) 1990 2000 2010 2015
Petróleo e outros líquidos 100,0 100,0 100,0 100,0
Óleo cru e outros líquidos 98,6 97,6 97,3 97,4
Óleo cru e lease condensate 91,1 88,2 84,5 83,2
Líquidos de Gás Natural 6,8 8,2 10,1 10,9
Outros líquidos 0,5 1,3 2,7 3,3
Ganhos de refinaria 1,3 1,3 2,7 2,6
Fonte: U.S. Energy Information Administration. International Energy Statistics.
329
Tabela 3 – Produção mundial de gás natural, classificação por 2016, em bilhões de pés
cúbicos por dia, 2000, 2005, 2010-2016
2000 2005 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Estados Unidos 52,4 49,5 58,4 62,7 65,7 66,3 70,9 74,1 72,3
Rússia 51,0 56,1 57,0 58,7 57,1 58,5 56,3 55,6 55,9
Irã 5,8 9,9 14,7 15,5 16,0 16,1 18,0 18,3 19,5
Catar 2,4 4,4 12,7 14,1 15,2 17,2 16,8 17,3 17,5
Canadá 16,2 16,5 14,0 14,0 13,6 13,7 14,2 14,4 14,7
China 2,7 4,9 9,6 10,5 10,8 11,8 12,7 13,2 13,4
Noruega 4,8 8,3 10,4 9,8 11,1 10,5 10,5 11,3 11,3
Arábia Saudita 4,8 6,9 8,5 8,9 9,6 9,7 9,9 10,1 10,6
Argélia 8,5 8,5 7,8 8,0 7,9 8,0 8,1 8,2 8,8
Austrália 2,9 3,6 4,9 5,1 5,5 5,7 6,2 7,0 8,8
Mundo 232,2 268,4 308,9 318,3 323,5 329,3 335,3 341,6 342,7
Fonte: Adaptado de BP (2017).
2010/
2015
2000 2005 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 (%)
Óleo* 3.589,6 3.936,3 4.085,4 4.125,7 4.176,2 4.220,9 4.254,8 4.341,0 4.418,2 6,3
Gás Natural 2.181,7 2.499,2 2.874,2 2.926,3 3.010,5 3.054,4 3.073,0 3.146,7 3.204,1 9,5
Carvão 2.384,7 3.134,3 3.635,6 3.807,2 3.817,3 3.887,0 3.889,4 3.784,7 3.732,0 4,1
Nuclear 584,3 626,1 625,9 600,1 559,2 563,9 575,0 582,7 592,1 -6,9
Hidroelétrica 601,1 660,8 778,7 792,3 832,1 859,2 879,3 883,2 910,3 13,4
Outros
Renováveis 49,0 82,3 170,1 203,6 238,5 280,7 317,3 366,7 419,6 115,6
Solar 0,3 1,0 7,7 14,6 22,6 31,1 44,4 58,0 75,4 657,6
Eólica 7,1 23,6 77,3 98,8 119,2 145,8 160,5 187,4 217,1 142,5
Biomassa 41,6 57,7 85,2 90,2 96,7 103,8 112,3 121,4 127,1 42,5
Total 9.390,5 10.939,0 12.170,0 12.455,3 12.633,8 12.866,0 12.988,8 13.105,0 13.276,3 7,7
Var (%)
2000 2005 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2010/2015
China 3.352,7 6.083,6 8.118,7 8.806,7 8.979,4 9.218,8 9.224,1 9.164,5 9.123,0 12,9
Estados Unidos 5.976,0 6.108,2 5.754,6 5.617,3 5.406,0 5.544,3 5.599,9 5.445,0 5.350,4 -5,4
Índia 965,4 1.209,3 1.667,2 1.741,2 1.872,8 1.933,1 2.085,9 2.157,4 2.271,1 29,4
Rússia 1.474,4 1.489,4 1.509,8 1.572,1 1.582,2 1.533,8 1.542,2 1.521,9 1.490,1 0,8
Japão 1.218,2 1.276,7 1.182,4 1.192,1 1.284,4 1.274,6 1.240,8 1.206,6 1.191,2 2,0
Alemanha 849,5 822,2 779,9 761,0 770,7 795,1 749,4 751,1 760,8 -3,7
Coreia do Sul 462,4 521,2 609,8 645,6 644,1 646,5 644,3 654,0 662,1 7,2
Irã 326,3 436,7 548,2 560,9 564,2 594,7 623,7 616,5 630,9 12,5
Arábia Saudita 287,1 370,2 501,5 518,4 543,7 552,9 589,0 611,7 621,8 22,0
Indonésia 268,4 341,5 429,5 481,1 510,8 523,4 477,1 492,5 531,4 14,7
Mundo 24.003,4 28.549,8 31.528,4 32.413,0 32.759,7 33.226,1 33.342,5 33.303,9 33.432,0 5,6
Fonte: Adaptado de BP (2017)
Tabela 6 – Produção mundial de gás natural, em trilhões de pés cúbicos, 2012, e projeções,
2020, 2025, 2030, 2035, 2040
Projeções
2012 2020 2025 2030 2035 2040
Total 119,7 134,0 149,4 167,5 185,4 202,4
Shale gas e outros* 22,3 33,1 43,8 54,2 67,8 80,9
Gás convencional 97,4 100,9 105,7 113,3 117,6 121,5
* shale gas, tight gas e coalbed methane.
Fonte: U. S. Energy Information Administration – International Energy Outlook 2016
Tabela 7 – China, Canadá e Estados Unidos: Produção de gás natural, em trilhões de pés
cúbicos, 2012, e projeção, 2040, por tipo de área de extração
4) Evaluation of Fracture Systems and Stress Fields Within the Marcellus Shale and Utica
Shale and Characterization of Associated Water Disposal Reservoirs - Appalachian
Basin: projeto iniciado em 2009 e terminado em 2013, no valor de US$ 1,2 milhão, do
170
“The objective of this project was to conduct a preliminary evaluation of novel methods for stimulating gas
production from low-permeability rocks, including shale, tight sands, and coal bed formations. Specifically, the
goal was to assess the feasibility of using a saw to cut a deep slot from a horizontal borehole into the formation
at 5,000 to 10,000 foot depths.” (RPSEA, 2007a).
171
“The objective of this project is to test whether the composition of natural gas in tight gas sand reservoirs can
be used to track and model gas migration and distribution in these reservoirs. Specifically, the project will
examine the feasibility of using gas composition to understand: 1) gas migration processes in tight gas reservoirs;
2) controls on gas distribution in the reservoir; 3) controls on pressure distribution in the reservoir; and 4) lateral
and vertical compartmentalization of the reservoir.” (RPSEA, 2007b).
172
O objetivo do projeto foi: “To develop techniques and methodologies for increasing the success ratio and
productivity of shale gas wells in the New Albany formation, which has not been exploited, to a level at which
the otherwise noncommercial wells become commercial producers. Scientific and technical analyses will be
combined with field data acquisition, testing, and field validation to produce an integrated project plan for
geologic, geochemical, reservoir engineering, and production stimulation studies, as well as a detailed field data
acquisition and testing plan addressing all major issues.” (RPSEA, 2007c).
334
qual US$ 1 milhão financiado pela RPSEA. Participaram desse projeto University of
Pittsburgh, Chesapeake Energy Corporation, Jeter Field Service, RARE Technology,
AscendGeo, AOA Geophysics, Inc., Austin Powder Company, Seismic Source
Company173.
5) Reconciling top-down and bottom-up greenhouse gas and air pollutant emission
estimates from unconventional gas development in the Denver-Julesburg Basin:
projeto iniciado em 2014 e ainda ativo (data prevista para terminar: junho de 2016). O
orçamento é de US$ 4,9 milhões, dos quais US$ 3,2 milhões financiados pela RPSEA.
Participa desse projeto a Colorado School of Mines174.
173
“The objective of the project is to use rock physics modeling in combination with new seismic data-acquisition
technologies based on cableless boxes and accelerated-weight and vector-explosive sources to demonstrate how
combinations of offset-dependent and azimuth-dependent P-wave and S-wave attributes can be used to
optimize exploitation of fractured, shale-gas reservoirs”. (RPSEA, 2008).
174 “
The objective of the project is to provide the scientific and industrial communities with a tested, standardized
research protocol for estimating methane emissions from onshore oil and gas systems in a given natural gas
production basin anywhere in the continental US. This protocol shall include advancements in both bottom-up
and top-down components, aiming to reconcile potential differences between results from the two approaches.
Reconciliation is defined as reducing the gap observed in prior studies between inventories and measurements
with the goal of achieving the closest agreement possible considering relevant uncertainty analysis for each
approach.” (RPSEA, 2012).
335