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UM SOPRO DE ETERNIDADE
Autor
CLARK DARLTON
Tradução
RICHARD PAUL NETO
Digitalização e
GANDALF01
Revisão
ARLINDO_SAN
Desta vez foi Gucky quem foi abraçado —
e quase foi viver no futuro.
Continuavam a viver no platô mais elevado, que ficava junto às cavernas dos
“uuuns”. Na última semana, o sol caminhara de forma quase imperceptível, mas o
relâmpago que se mantinha no céu, congelado pela lentidão do tempo, já havia
desaparecido. Durante quarenta horas mantivera-se inalterado entre as nuvens e o solo.
O Tenente Rous e os cinco homens que se encontravam em sua companhia
esperavam impacientes que lá na planície voltasse a aparecer a pequena janela luminosa,
que permitiria seu regresso ao Universo normal. Mas esperaram em vão.
O encontro da K-7 e de sua tripulação, desaparecida há meses, representava um raio
de esperança. Mas o fato de que poucos minutos se haviam passado para o comandante
da nave auxiliar, enquanto Rous vivera cerca de três meses no Universo normal, não era
muito animador.
A esfera de sessenta metros de altura mantinha-se no platô, à sombra das rochas. Lá
em cima, sobre o cume da montanha, ainda se via a nuvem de fumaça que era o
prenúncio de irrupção vulcânica. Mas pelos seus cálculos essa irrupção só se verificaria
dali a alguns anos.
Além deles não havia nenhuma vida naquele planeta, ao qual Rous dera o nome de
mundo de cristal. Ou melhor, não havia nenhuma vida perceptível, já que aqui tudo se
movia setenta e duas mil vezes mais devagar. Tudo estava submetido às leis do outro
plano temporal. Tudo!
Só mediante a criação de campos antigravitacionais e o deslocamento a uma
velocidade superior à da luz — que aqui era de cerca de quatro quilômetros por segundo
— os seres e objetos podiam ser trazidos ao plano temporal dos homens. Pois era
somente a manutenção de sua dimensão temporal que os distinguia face à ausência de
vida.
O físico Fritz Steiner e o biólogo Ivã Ragow se mantinham em ponto mais afastado
do platô. André Noir, o hipno, estava próximo deles. Entre os terranos, um estranho ser
estava agachado no solo e executava movimentos absolutamente normais. Era um dos
“uuuns” trazidos para o plano temporal dos homens, para fins de estudo. Noir conseguira
estabelecer uma espécie de comunicação com esse ser. Criava-lhe uma imagem mental, e
dava a entender o que desejava saber.
A palestra era praticamente unilateral, mas foi suficiente para proporcionar uma
surpresa.
Fred Harras lidava com o hipertransmissor da K-7, que também fora trazido ao seu
plano temporal. Expedia incessantemente o texto de socorro, na esperança absurda de que
alguém pudesse ouvi-lo.
Josua, o meteorólogo, assumira seu posto junto ao lugar em que devia estar a gazela,
isto é, na outra dimensão. Foi ali que haviam penetrado na dimensão estranha, e se um
dia surgisse uma possibilidade de voltar, a mesma deveria tornar-se visível naquele lugar.
A pequena janela luminosa desaparecera há oito dias. Há oito dias terranos,
evidentemente. Se os cálculos fossem corretos, um dia durava nada menos de duzentos
anos nesse mundo do “tempo parado”.
— Acabo de perguntar por que seus companheiros nos atacaram — disse Noir, com
uma expressão pensativa no rosto. — Se interpretei corretamente os sinais que emitiu em
resposta à minha pergunta, quer negar tudo. Diz que não tem nada a ver com o ataque.
— Está mentindo! — exclamou Steiner, examinando atentamente a estranha criatura
que se mantinha entre eles.
O ser devia ter um metro e meio de altura e seu aspecto lembrava o de uma
gigantesca lagarta dotada de tocos de asas reluzentes. Logo abaixo da cabeça de inseto,
havia duas presas. Os outros membros podiam ser designados como pés.
— É claro que tem receio de ser responsabilizado pelo ataque — completou Steiner.
— Talvez esteja dizendo a verdade — disse Ragow, olhando para além do “uuum”.
— Os juízos apressados já deram origem a muitas injustiças.
— Acontece que neste mundo não existem outros seres inteligentes — disse Steiner,
insistindo em sua tese.
Se Noir não tivesse intervindo na discussão, teria surgido outro debate acalorado
entre os dois cientistas.
— Por favor, cavalheiros! Tanto seria prejudicial emitirmos um juízo apressado
como negarmos a gravidade da situação. É bem verdade que não encontramos nenhum
ser inteligente no mundo de cristal, com exceção das grandes lagartas. Mas daí não se
pode concluir que realmente não existam outras inteligências. Para falar com franqueza,
acho um tanto estranha a idéia de que justamente estes animais nos tenham atacado, ainda
mais com o auxílio de dispositivos de retardamento controlado, que nos tornaram visíveis
aos seus olhos. Seja como for, uma coisa é certa: não estamos em segurança neste lugar,
embora tudo se mova setenta e duas mil vezes mais devagar que na Terra.
O Tenente Rous atravessou o platô, caminhando em sua direção. Mostrava-se
preocupado.
Já montamos o hiper-receptor — disse, lançando um olhar desconfiado para o
“uuum”. — Por enquanto Harras não obteve qualquer resposta às suas mensagens. Por
isso podemos ter certeza que só nós estamos no plano temporal estranho.
— Será que os “uuuns” não estão captando nossa mensagem? — perguntou Steiner.
Rous deu de ombros.
— Pensei que o senhor já soubesse. O prisioneiro não lhe deu nenhuma resposta a
essa indagação? É perfeitamente possível que os aparelhos de rádio por eles usados sejam
totalmente diferentes.
— Este sujeito é estúpido! — disse Steiner em tom indignado. — Afirma que o
ataque veio de outro lado.
Noir ergueu-se lentamente.
— Quer saber de uma coisa, tenente? — disse, cruzando os braços sobre o peito. —
Tenho a mesma impressão de Ragow; acho que a pista que estamos seguindo é falsa. Os
“uuuns”, que é o nome que lhes damos, não são os verdadeiros donos desse mundo.
Rous ergueu as sobrancelhas. Steiner resmungou em tom de surpresa, enquanto
Ragow fazia um gesto de assentimento.
— As verdadeiras inteligências deste plano temporal são diferentes — prosseguiu
Noir. — Não tenho certeza, mas acontece que esta lagarta compreende o que lhe quero
dizer. Suas reações permitem a conclusão bastante segura de que está tão espantada
quanto nós em virtude do ataque. Receio que estejamos perdendo nosso tempo, tenente. É
como se algum astronauta que pousasse na Terra quisesse interrogar os cães ou as vacas
sobre a situação política de nosso planeta. — disse Rous, lançando um olhar mais atento
para a lagarta. — O Senhor quer dizer que a ameaça vem de outro lado.
— Exatamente. Para os desconhecidos o tempo passa mais devagar, mas não deixa
de passar. Tenho certeza de que já prepararam outro ataque contra nós. Não se esqueça
que aquilo que para eles representa um segundo para nós corresponde a vinte horas.
— Quer dizer que desde quando nos encontramos aqui apenas se passaram uns dez
segundos — disse Rous em tom pensativo. — Se considerarmos que já houve um ataque,
teremos de concluir que a reação das inteligências deste mundo é extremamente rápida. É
possível que nosso fator de conversão não seja cem por cento exato, mas não existe a
menor dúvida de que representa uma aproximação bastante razoável. Quer dizer que
temos de contar com a possibilidade de que o novo ataque não demorará. O que podemos
fazer para proteger-nos contra esta investida?
— Somos mais rápidos que eles — disse Steiner. — Poderemos desviar-nos.
— Neste plano temporal, a velocidade relativa do som é de meio centímetro por
segundo — ponderou Rous. — Já sabemos que o campo energético defensivo permite
que, no interior desta atmosfera, atinjamos a velocidade da luz. E essa velocidade sempre
chega a quatro quilômetros por segundo. Nestas condições, a monobra de desvio não
constitui nenhum prazer. Um belo dia conseguirão atingir-nos.
Antes que alguém pudesse responder, o minúsculo receptor que Rous trazia no pulso
emitiu um zumbido. Era o aparelho por meio do qual os homens se mantinham em
contato.
Rous comprimiu um botão e falou para dentro do minúsculo microfone:
— Quem é?
— Josua! — disse o africano, que se encontrava a uns cem quilômetros dali. — A
janela luminosa voltou. Mas...
Rous teve a impressão de que levara um choque. Por um instante tudo começou a
girar diante dos seus olhos.
— O quê? — perguntou em tom de espanto. — A janela voltou?
— Sim; mas é maior. Tem uns duzentos metros de diâmetro.
Rous fitou Steiner, Ragow e Noir.
— Vamos. Depressa! Para a K-7. Colocaremos os trajes arcônidas arcônidas. Iremos
imediatamente para onde está Josua.
Voltando a falar para dentro do microfone, disse:
— Iremos já, Josua. Mantenha-nos informados. Permanecerei em recepção.
Os pensamentos em Rous precipitaram-se. Seria impossível decolar com a nave
auxiliar, pois esta não fora trazida de volta ao plano temporal normal. Sua massa imensa
estava submetida às leis naturais desse plano temporal, e se tornava praticamente imóvel.
Não teriam outra alternativa senão levar os tripulantes, um por um, com os trajes
arcônidas, em direção à janela luminosa. E, para garantir o funcionamento do gerador de
campo de refração...
Subitamente as idéias de Rous estacaram.
— O que foi que Josua disse? Duzentos metros?
Só agora Rous começou a compreender que uma coisa tremenda devia ter
acontecido. O que abrira o caminho de volta não era o velho gerador, mas outro,
completamente novo. A janela pela qual tinham vindo era muito menor.
Perplexo e cheio de esperanças absurdas, foi atrás de Steiner, Ragow e Noir, que já
corriam em direção à K-7. Nem viu que a lagarta-gigante o seguia agilmente.
Toda sua atenção estava voltada para a voz de Josua. A voz saída do pequeno alto-
falante do aparelho que Rous trazia no pulso já não era tão forte, mas continuava
perfeitamente compreensível.
— É inacreditável! Uma nave esférica; só pode ter sido uma nave esférica. Passou
em alta velocidade pela janela luminosa. Está desacelerando fortemente. A altitude é de
uns trezentos metros! — admirava-se Rous.
“Uma nave esférica! Só poderia ser Rhodan?”, pensou o tenente e sentiu-se
dominado pela alegria. “Estamos salvos! Rhodan não nos abandonou.”
Correu o mais depressa que pôde em direção à rocha sob a qual Harras havia
instalado sua estação de rádio. O pequeno aparelho já havia captado a voz de Josua.
Quando Rous chegou, Já estava a par.
— Passe à faixa normal! — gritou Rous. — Chame Rhodan e ligue à recepção.
Enquanto isso, Steiner e Ragow alcançaram a K-7 e alarmaram a tripulação, que não
desconfiava de nada.
Dali a alguns segundos, tudo pareceu estar de pernas para o ar...
Noir logo voltou a andar a passo lento. Sabia que agora os segundos já não
contavam. Por que apressar-se, se os outros estavam cuidando de tudo? Sem apressar-se,
foi para junto das jaulas em que estavam presos os “uuuns”. Eram ao todo cinco
exemplares, que não se encontravam em sua dimensão temporal originária, e já viviam
tão rápido como os terranos.
— “Uuum”? — murmurou interrogativamente o mutante.
Subitamente Noir teve certeza de que essas lagartas não eram os verdadeiros donos
da dimensão estranha. Era o que indicava sua reação diante dos fatos. Nenhum ser
inteligente que dominasse um universo adotaria o procedimento dos “uuuns”. Só mesmo
criaturas subalternas agiriam assim.
Seriam ou servos ou escravos; em hipótese alguma eram senhores.
Rous saltou para junto de Harras quando o receptor começou a funcionar. O
zumbido monótono do alto-falante foi interrompido. No mesmo instante, os homens que
se encontravam no platô ouviram a voz forte e distorcida que naquele momento parecia
uma verdadeira tábua de salvação.
— Aqui fala o cruzador ligeiro Sambo, comandado por Perry Rhodan. Recebemos
sua mensagem. Transmita um raio vetor. Permaneçam em contato.
Harras soltou um grito de júbilo, abraçou o Tenente Rous e bateu em suas costas.
Uma semana de espera angustiosa e ininterrupta havia chegado ao fim. Dali a pouco
deixariam de ser prisioneiros do tempo e voltariam ao seu Universo.
Rous dirigiu-se a Steiner, que viera correndo da K-7.
— E agora, tenente? — perguntou o físico. — Vamos colocar os trajes, ou
esperaremos até que sejamos encontrados? Talvez seria conveniente anunciar nossa
posição ou transmitir sinais goniométricos.
— Harras já está cuidando disso — disse Rous para tranqüilizá-lo. — Recolha os
prisioneiros “uuuns” juntamente com Noir e Ragow. Vamos levá-los. Nossos telepatas
conseguirão extrair de sua mente o segredo que cerca os atacantes. A K-7 será deixada
para trás. Assim que Rhodan chegar, não poderemos perder tempo!
Steiner pôs-se a rir. Rous sentiu que apenas se tratava de uma reação provocada pela
sensação de alívio e alimentada pela tensão inacreditável da última semana. Durante sete
dias haviam sido prisioneiros do tempo.
— Não poderemos perder tempo! — repetiu Steiner entre risadas; não conseguia
controlar-se. — Qual é o tempo a que se refere?
Um sorriso discreto surgiu no rosto de Rous; preferiu não responder à pergunta do
físico.
Na verdade, não saberia o que responder.
***
No momento em que a Sambo atravessou a janela que dava para o outro plano
temporal, Rhodan perdeu o contato com a Drusus. O rosto de Bell desapareceu das telas
como se nunca tivesse estado lá. Os sinais de rádio cessaram. O céu modificou-se. ficou
vermelho, com uma ligeira tonalidade violeta.
Imediatamente Rhodan ouviu palavras distorcidas ditas em inglês. Com um
movimento rápido, corrigiu a sintonização e ouviu o pedido de socorro da expedição
desaparecida.
Suspirou aliviado.
“O Tenente Rous e seus homens estão vivos!”, conjeturou surpreso.
Respondeu rapidamente, a fim de estabelecer contato. Assim que o receptor indicou
a direção do raio vetor, a Sambo voltou a acelerar.
Nesses segundos de tensão, o rato-castor Gucky mantinha-se sentado no sofá e
procurava captar pensamentos estranhos. Para ele, a distância não fazia a menor
diferença. Por isso não era de admirar que dali a pouco sua voz aguda anunciasse:
— O Tenente Rous está passando relativamente bem. Os membros da expedição
estão em perfeitas condições. E os homens da K-7 não dão sinal de terem sofrido
qualquer dano. Além disso...
Rhodan, que ouvira meio distraído, estremeceu por dentro. Interrompeu Gucky em
tom áspero.
— O que foi que você disse? Os homens da K-7? O que quer dizer com isso? Faz
mais de um ano que a K-7 desapareceu.
Gucky empertigou-se. Perdeu um pouco de sua atitude indolente.
— O Tenente Rous encontrou a K-7. A tripulação foi trazida de volta da outra
dimensão temporal por meio de um método especial, descoberto por Ragow ou por
Steiner. Pelo que deduzo dos pensamentos dessa gente, para a K-7 passaram-se
exatamente dois minutos, embora há sete meses o primeiro encontro com os invisíveis já
datasse de mais de quatro meses.
— Receio — disse Sikermann sem muito entusiasmo — que não seremos capazes
de estabelecer leis universais sobre as relações entre os diversos tempos. É bem possível
que até conosco se verifiquem certas distorções da dimensão temporal.
— Não enfeie o diabo mais do que ele é — pediu Rhodan. — Siga o raio vetor e
procure pousar perto do Tenente Rous. Gucky, continue a investigar os pensamentos dos
desaparecidos, para que não tenhamos de perder tempo em explicações quando
pousarmos. Acho que não poderemos perder um segundo, pois do contrário Bell poderá
morrer de ansiedade.
Compreenderam o que queria dizer, e também compreenderam que estava falando
muito sério. Se dois minutos equivaliam a três meses, o que não se diria se tivessem de
passar alguns meses nessa dimensão? Sabiam que não existia qualquer padrão por meio
do qual pudessem ser determinadas as distorções, pois a experiência lhes ensinara que
esta variava bastante.
Paciência...
Rhodan lançou os olhos para a planície imobilizada. Viu os rios reluzentes e
cristalinos e as ondas imobilizadas em meio ao movimento. Parecia que lá no horizonte
estava chovendo, mas algumas horas ou até dias se passariam até que os pingos de chuva
atingissem o solo. Num cálculo ligeiro, avaliou em dez centímetros por hora a velocidade
da queda.
O Tenente Sikermann disse em meio ao silêncio:
— Os instrumentos registram uma solicitação bastante intensa dos campos
energéticos. O que será?
Rhodan lançou um ligeiro olhar para as escalas. As respectivas posições foram
gravadas em sua memória quase fotográfica, e foi assim que dali a poucos segundos pôde
responder.
— É a resistência do ar, Sikermann. Por aqui tudo obedece às leis do respectivo
plano temporal, inclusive a atmosfera. Em termos relativos, estamos cortando o ar a uma
velocidade correspondente a dez mil vezes a do som. Se não fossem os campos
defensivos, a nave já teria entrado em combustão. De qualquer maneira convém
desacelerar, tenente. Daqui a pouco deveremos chegar.
Os sinais goniométricos tornaram-se mais intensos. Dali a alguns segundos, Rhodan
viu a K-7 imóvel sobre o platô. Minúsculas figuras corriam de um lado para outro. Eram
os membros da expedição desaparecida, e os tripulantes da nave auxiliar, que
desaparecera há tempos em Mirsal.
Um minuto depois, o Tenente Rous e Rhodan estavam frente a frente.
— Sinto-me feliz por tê-lo encontrado, tenente. Não podemos perder tempo. Daqui a
pouco o senhor poderá contar o que aconteceu. Gucky e o telepata Marshall já me
forneceram os detalhes mais importantes. Estou informado. Mande transferir a tripulação
da K-7 para a Sambo. Que prisioneiros são estes? Parecem lagartas.
— Nós os chamamos de “uuuns”, porque seus gritos, modificados pela dilatação do
tempo, tinham esse som. De início pensávamos que fossem as inteligências do outro
plano temporal, mas posteriormente Noir desenvolveu outra teoria. Acha que são os
servos ou escravos dos verdadeiros donos deste mundo.
— Quer dizer que os “uuuns” não são os verdadeiros donos desse mundo — disse
Rhodan com um ligeiro sorriso. — Faço votos de que um dia possamos travar
conhecimento com os verdadeiros.
Nem desconfiava de que este dia estava muito próximo.
— Devemos esperar a qualquer momento um novo ataque desses seres — disse
Rous em tom insistente. — Os inimigos já tiveram tempo para preparar-se. Há poucos
dias nós os rechaçamos e destruímos sua nave de observação.
— Nave de observação? — perguntou Rhodan.
— Perfeitamente; aos seus olhos somos invisíveis — explicou Rous em tom
apressado. — Nossos movimentos são tão rápidos que se tornam imperceptíveis. Por isso
pegaram uma pequena nave auxiliar e nela montaram dez câmaras que captavam nossa
imagem. A mesma era gravada em filmes ou fitas de vídeo e retardados. Na décima
câmara eles nos viam tal qual realmente somos. Estudando os destroços, chegamos a esta
conclusão.
— Poderíamos fazer o contrário, se bem que isso seria bem mais difícil — disse
Rhodan com um sorriso.
O rosto de Perry voltou a tornar-se sério.
— Acha que poderão usar novamente o aparelho de retardamento para atacar-nos?
— Não tenho a menor dúvida. — Rous acenou com a cabeça, mas subitamente ficou
calado, pois junto às jaulas dos “uuuns” houve um tumulto. Alguém gritou algumas
palavras, mas Rous e Rhodan não conseguiram entendê-las.
— Tome todas as providências para que possamos decolar dentro de dez minutos —
disse Rhodan. — Não quero perder mais tempo.
Rous afastou-se e Rhodan passou a dedicar sua atenção às jaulas, que também
seriam levadas para a Sambo.
Gucky não deixou de aproveitar o tempo de que dispunha na dimensão estranha,
mesmo que não tivesse recebido ordens específicas para agir.
O rato-castor logo que descobriu as lagartas gigantes e estabeleceu o contato
telepático. Não conseguiu transmitir seus pensamentos e desejos aos “uuuns”, mas pôde
ler perfeitamente o que aqueles seres pensavam.
E seus pensamentos eram bastante elucidativos.
Gucky agachou-se na frente da jaula. Permaneceu concentrado até que chegassem os
homens que levariam as jaulas para a Sambo.
— Não os prendam — disse Gucky em tom indignado, saltitando nervosamente de
um lado para outro. — São inofensivos. Os donos da outra dimensão abusaram deles,
Não são as criaturas que vocês pensam.
Houve certo espanto. Ragow aproximou-se e, durante alguns minutos, conversou
aos cochichos com Gucky. O que este lhe disse confirmou suas suposições. As lagartas
não passavam de servos dos invisíveis.
Gucky sentiu-se tranqüilizado quando Ragow lhe garantiu que as lagartas teriam um
tratamento adequado e decente.
Mais de cinco minutos faltavam até a decolagem da Sambo, e Gucky resolveu
aproveitá-los. Teleportou-se para uma rocha não muito distante e examinou as cavernas.
Em todos os lugares encontrou as lagartas imóveis, que ao contrário das prisioneiras
permaneciam em sua dimensão temporal, e não executavam o menor movimento. Aliás,
elas se mexiam, mas seus movimentos eram setenta e duas mil vezes mais lentos que os
de Gucky. Vistas a olho nu eram imóveis como o granito. E também tinham a dureza do
granito, pois a força da inércia, aumentada setenta e duas mil vezes, tornava sua pele
totalmente insensível.
Havia outra coisa submetida às leis naturais dos dois planos existenciais que se
cortavam neste ponto.
Gucky não demoraria a descobrir.
O rato-castor manteve-se imóvel diante do grupo das lagartas imobilizadas, e
prestou atenção ao seu uuum prolongado. Por aqui o som só percorria cinco milímetros
por segundo, isto é, o som originário do outro plano temporal. Era claro que esse
retardamento não deixaria de produzir seus efeitos acústicos.
“Estas lagartas imobilizadas no tempo devem pensar”, imaginou Gucky. “Por que
não tento descobrir o que se passa em seus pequenos e primitivos cérebros? Não são
prisioneiras como as outras; estão livres. Talvez revelem alguma coisa que suas
semelhantes estão ocultando.”
Gucky passou à recepção e... cambaleou. Quase chegou a cair.
“Por todos os sistemas solares do Saco de Carvão... o que será isso?”, pensou
assustado.
O cérebro de Gucky não captou pensamentos inteligíveis e ordenados; apenas ouviu
um conjunto de impulsos prolongados, totalmente incompreensíveis, que lembravam uma
peça de música eletrônica. Em termos acústicos, poderia dizer que era como se
encostasse o ouvido a uma casa de abelhas. Não conseguiu distinguir e classificar os
impulsos.
Desligou-se imediatamente e isolou a parte telepática de seu cérebro de mutante.
Orientou-se com um olhar e teleportou-se para o lugar em que Rhodan se encontrava.
Materializou-se bem a seu lado.
— Então? — perguntou Rhodan com a voz tranqüila. Estava acostumado em ver o
rato-castor surgir do nada. — Trate de subir a bordo. Decolaremos dentro de poucos
minutos.
Gucky relatou em tom exaltado a experiência que acabara de fazer com as lagartas.
Era a primeira vez que não conseguia encontrar qualquer explicação para um fenômeno.
— Afinal, consegui ler os pensamentos dos outros “uuuns”, ou melhor, das outras
lagartas. Por que com as que vi agora foi diferente? Também devem pensar, não é?
Rhodan mostrou um ligeiro sorriso irônico.
— É claro que pensam, Gucky; e pensam da mesma forma que as outras. Apenas,
seu pensamento se desenvolve em outro plano temporal. Pensam mais devagar. O que
você captou foram seus impulsos mentais, transmitidos num ritmo setenta e duas mil
vezes mais lento.
O rato-castor não respondeu. As palavras de Rhodan pesavam em sua consciência,
pois compreendeu imediatamente o alcance das conseqüências que teriam de ser
extraídas daquela explicação.
Nunca poderia haver uma comunicação entre o homem e o “uuum”! O contato só se
tornava possível quando um se transportasse para a dimensão do outro.
Gucky saiu saltitando em direção à Sambo.
Rhodan insistiu para que partissem o quanto antes. Só ele compreendia todo o
alcance de um retardamento. Caso não estivesse muito enganado, para Bell, que se
encontrava a bordo da Drusus, já deviam ter passado várias horas ou até dias.
Rhodan foi o último a pisar no passadiço inclinado que levava à escotilha de
entrada. Lançou um olhar ligeiro para a K-7. A nave teria de ficar onde estava, pois no
momento era praticamente impossível trazê-la de volta à sua dimensão temporal.
Sikermann, que já estava sentado junto aos controles, aguardava nervosamente a
ordem de decolar. Gucky se dirigira ao setor em que Ragow e Noir cuidavam das lagartas
prisioneiras. Passou a interessar-se tremendamente por aqueles seres vindos de outra
dimensão. Agora, que contava com o auxílio de Noir, não teve a menor dificuldade de
entrar em contato com aqueles seres.
A conversa poderia ser iniciada.
Rhodan fez um sinal para Sikermann quando a luz verde se acendeu, anunciando
que todas as escotilhas estavam fechadas e a nave achava-se pronta para decolar.
— Suba devagar. Não acelere muito. A rota já é conhecida. Pousaremos ligeiramente
a meio caminho para recolher Josua, o meteorólogo. Depois vamos diretamente à janela
luminosa.
Os minutos seguintes passaram-se com uma rapidez extraordinária. Josua foi
recolhido e o vôo prosseguiu. Rhodan fitava Ininterruptamente as largas telas frontais da
sala de rumando. Não tirava os olhos da planície que deslizava embaixo deles. O tenente
Rous corrigia a rota sempre que isso se tornava necessário. Afinal, não havia ninguém
que não conhecesse a rota entre o vulcão e a janela luminosa tão bem quanto ele.
Bem longe, junto à linha do horizonte, a uns cem quilômetros de distância, via-se
uma “parede” escura e opaca. Essa “parede” se erguia bem alto, mas tornava-se cada
vez mais fraca e transparente. Rous explicou a Rhodan que essa “parede” não passava de
energia pura, ou então de tempo transformado em matéria. O fenômeno fora provocado
por um efeito colateral ainda desconhecido do gerador de campo de curvatura.
Tempo transformado em matéria...!
Rhodan sentiu um calafrio quando o significado dessas palavras atingiu sua
consciência. Era inacreditável! Mas devia ser isso mesmo.
A Sambo passou pelo lugar onde antigamente se situara a pequena “muralha” do
tempo.
Alcançaram a planície onde havia uma área vitrificada, ainda incandescente.
— Foi ali que o raio energético mortal dos atemporais atingiu a superfície — disse
Rous em tom indiferente. — Isso aconteceu há cerca de oito dias. A rocha ainda não se
solidificou.
Rhodan não deu atenção às palavras de Rous, nem ao círculo incandescente.
Seus olhos sempre atentos haviam notado um ligeiro movimento no sentido de
deslocamento da nave.
Era no lugar em que o anel luminoso assinalava o ponto de contato das duas
dimensões.
A Janela luminosa continuava no mesmo lugar. Portanto, o caminho de volta a seu
plano temporal não estava fechado. Poderiam abandonar este Universo estranho.
Acontece que não puderam...
Com o formato de torpedo, umas vinte naves compridas, vindas do espaço, correram
vertiginosamente em direção ao anel luminoso e abriram um tremendo fogo com suas
peças energéticas contra o fenômeno luminoso. As naves desconhecidas percorriam dois
quilômetros por segundo. Em sua dimensão temporal, isso correspondia à metade da
velocidade da luz.
Estendida diante da abertura na barreira do tempo, a cortina de fogo tornava-se cada
vez mais densa. Rhodan viu imediatamente que seria impossível romper a barragem. Os
campos defensivos de sua nave não resistiriam.
Só restava uma possibilidade...
3
Ivã Ragow sacudiu a cabeça e fitou John Marshall com uma expressão de
perplexidade, como se tivesse feito a sugestão de saltar da nave. Noir mantinha uma
atitude de expectativa. Procurava descobrir uma explicação para o fato de que as lagartas,
até então imóveis, começavam a adaptar-se a seu plano temporal.
— Não existe a menor dúvida. Nós as estamos assumindo sem atingir a velocidade
relativa da luz. Não posso dar nenhuma explicação, mas o fato é incontestável. Os
membros das lagartas já se movem com cinqüenta por cento da velocidade normal. Se a
modificação prosseguir no mesmo ritmo, daqui a meia hora serão tão rápidas como nós.
— Ainda bem que não é o contrário — disse Noir.
Os olhos de Ragow estreitaram-se.
— Será que nós perceberíamos se isso acontecesse? — perguntou com a voz
embaraçada.
— O quê? — ao que parecia, Noir não estava compreendendo.
Ragow explicou:
— Será que nós perceberíamos se fosse o contrário? Não existe nenhum ponto
neutro de referência pelo qual possamos guiar-nos.
Noir compreendeu. E Marshall também.
— Ragow, será que o senhor quer dizer que...
Marshall não teve tempo de expor sua opinião, pois nesse momento ouviu-se o som
estridente do intercomunicador da nave. O rosto de Rhodan apareceu na pequena tela.
— Peço a todos os oficiais e chefes de equipes científicas que compareçam a uma
reunião na sala dos oficiais. A reunião terá início dentro de dez minutos.
A tela apagou-se.
Marshall fitou Ragow.
— Então; o que me diz? — perguntou, pois já reconhecera os pensamentos e as
conjeturas que enchiam a mente do russo. — Ao que parece, em outro lugar também já
estão pensando como o senhor.
Ragow fez um gesto afirmativo.
— Daqui a dez minutos saberemos.
Lançou mais um olhar para as lagartas, que se libertavam progressivamente e num
ritmo cada vez mais veloz da rigidez do tempo, e saiu da sala sem dizer uma palavra.
John Marshall seguiu-o, andando devagar.
***
— Quer dizer que as conclusões são as seguintes, e todas elas trazem uma
conseqüência inequívoca. Procurem descobri-la.
Rhodan fez uma ligeira pausa e fitou os rostos dos homens. Os oficiais da Sambo
mantinham-se de pé junto aos técnicos e mutantes. Seus rostos estavam sérios, pois
sabiam perfeitamente que Rhodan deveria ter um motivo importante para convocar uma
reunião enquanto estavam sendo perseguidos pelas naves pretas.
— Em primeiro lugar, Ragow descobriu que os movimentos das lagartas presas
começavam a adaptar-se aos nossos padrões de tempo. Tornaram-se cada vez mais
rápidas e já atingiram mais da metade da velocidade normal. Além disso, constatamos
que, ao que tudo indica, os robôs conseguiram seguir-nos, embora nossos movimentos
sejam setenta e duas mil vezes mais rápidos. Até aqui ficamos quebrando a cabeça em
vão para descobrir como conseguiram. Parece, todavia, que este ponto já não é tão
Importante.
“Gucky e Ras só encontraram robôs, e estes também viviam num ritmo um pouco
mais lento que o de nosso plano temporal. Quer dizer que mais uma vez isso prova que
houve um processo de adaptação. Mas o que esclareceu a situação foi a queda da outra
nave e sua destruição. Se bem que não possamos excluir a hipótese de que o inimigo
pode, mediante o uso de fatores que não conhecemos, aproximar-se de outro plano
temporal, seria absurdo supormos que isso aconteça com todo o planeta, conforme
pareceu indicar a explosão.”
Fez uma pequena pausa, para que suas palavras produzissem o efeito desejado.
Porém a maior parte dos ouvintes não se atreveu a extrair das mesmas a única conclusão
lógica, pois esta seria muito fantástica e... terrível.
Mas Rhodan não gostava que seus amigos fossem mantidos na incerteza. Fez um
ligeiro movimento com a mão e entrou em contato com a sala de comando:
— Sikermann, ligue a tela grande e transfira a imagem captada para a sala de
comando. Poderemos usar a tela de intercomunicação.
Esperou até que esta se iluminasse e exibisse a superfície do planeta de cristal, que
deslizava lentamente. Ou melhor, já não deslizava lentamente embaixo da Sambo. O
planeta girava em alta velocidade.
— Não aumentamos a velocidade — disse Rhodan com a voz tranqüila. — Apenas,
nosso vôo tornou-se mais rápido em virtude da adaptação dos planos temporais. Tenente
Sikermann, ligue o amplificador e diminua a velocidade da Sambo, para que possamos
reconhecer os detalhes da superfície. Fique de olho nas naves que nos perseguem.
A imagem projetada na tela tornou-se pouco nítida. O deserto e as montanhas
tornaram-se visíveis, passaram a deslizar mais devagar, e finalmente foram substituídos
por um cenário tão surpreendente que houve um murmúrio entre os espectadores.
No mundo de cristal a existência se desenvolvia num ritmo tão lento que não havia
qualquer movimento perceptível. Toda vida parecia extinta e imobilizada.
Até agora.
Acontece que naquele instante centenas de lagartas andavam pela tela, seguiam suas
ocupações, e fizeram como se nunca tivessem vivido num ritmo mais lento. Já não se
percebia qualquer diferença na dimensão temporal.
Os espectadores reconheceram alguns habitantes de Tats-Tor, que haviam sido
atingidos pelo contato dos dois planos, perdendo sua dimensão temporal e
desaparecendo. Mas agora viviam no mundo de cristal — e viviam num ritmo tão rápido
como as lagartas... e como as pessoas que se encontravam na Sambo.
Alguém gemeu. Devia ser uma pessoa que compreendia onde Rhodan pretendia
chegar.
Ivã Ragow adiantou-se.
— Já desconfiei disso quando examinei as lagartas enjauladas e vi que as mesmas
começavam a mover-se. Não é seu plano temporal que se adapta ao nosso, mas nosso
plano está perdendo a dimensão temporal que lhe é própria. Na verdade, estamos vivendo
num ritmo setenta e duas mil vezes mais lento que os homens da Terra ou os tripulantes
da Drusus. Cada segundo que passamos aqui...
Interrompeu-se e cobriu o rosto com as mãos.
Rhodan aproximou-se e colocou a mão sobre seu ombro.
— Isso é apenas uma suposição, Ragow. Ninguém sabe realmente quanto tempo está
passando, e devemos ter o cuidado de não tirar conclusões precipitadas. Uma coisa é
certa: estamos nos adaptando ao outro plano temporal, e não existe a menor dúvida de
que estaremos perdidos se não voltarmos bem depressa ao nosso Universo. Mas nem por
isso se pode dizer que a cada segundo, que passamos aqui, os homens da Drusus
envelhecem vinte dias. As relações entre os dois planos são flexíveis e indefiníveis. Não
conhecemos as leis que os regem, e que produzam todas as diferenças. Crest saiu de junto
de Atlan, com o qual estivera conversando em voz baixa.
— Existe alguma explicação para o fenômeno? — perguntou.
Rhodan sacudiu a cabeça.
— Esperava que o senhor fizesse essa pergunta, Crest. Infelizmente só posso
responder que por enquanto não existe. O senhor tem alguma explicação? Ou Atlan?
— Sim; temos uma explicação — disse Crest, procurando disfarçar o orgulho. —
Mas não podemos garantir que seja correta. Nos últimos dez mil anos nunca houve um
fenômeno igual a este. É completamente novo. Mas nossa tecnologia também é nova.
Como por exemplo o gerador de campo de curvatura. Sabemos que com ele conseguimos
romper a barreira que nos separava do outro plano temporal. Porém ninguém sabe dizer
qual é a influência que o aparelho exerce sobre o tempo em si. Há algumas horas
encontramo-nos sob a influência dos campos de curvatura que envolvem todo o planeta.
Além disso, atravessamos várias vezes a cúpula do tempo, que é a formação negra que
envolveu o gerador. No solo, a ruptura dessa parede não é possível, mas em grande
altitude, onde esta se torna mais fácil, pode ser realizada. Sabemos quais são os efeitos
desses fatos sobre nossa dimensão temporal?
Todos ficaram em silêncio. Nem mesmo Rhodan respondeu. Desconfiava de que
Crest encontrara a solução do mistério, muito embora isso não lhes adiantasse nada.
A única coisa que sabiam era que se haviam tornado prisioneiros de outra dimensão
temporal.
De uma dimensão temporal incrustada no Universo normal, que aos poucos o ia,
decompondo e inundando.
Rhodan perguntou a si mesmo se realmente seria uma catástrofe, mas logo voltou ao
presente duro e implacável.
— Vamos atacá-los — disse.
Os rostos confiantes de seus oficiais lhe revelaram que ninguém pensara em outra
possibilidade.
Será que existia outra possibilidade?
***
As duas naves-torpedo que os perseguiam haviam se aproximado. Mais uma vez,
Rhodan reduziu a velocidade e mandou que Gucky e Ras atacassem ao mesmo tempo. O
africano levou a arma de radiações. Já sabia que condições o aguardavam na nave
inimiga e tinha certeza de que não demoraria em derrubá-la. Os robôs esféricos eram
relativamente inofensivos e fáceis de subjugar.
Gucky, porém, preferiu mais uma vez não levar nenhuma arma. Tinha certeza de que
poderia desarmado lidar com os desconhecidos.
Poucos segundos antes do momento em que saltaram, uma coisa muito importante
aconteceu num lugar bem distante.
***
— Eles se tornam visíveis, mestre.
O ser ouviu as palavras do comandante da frota cujas unidades estavam paradas
junto ao anel luminoso para impedir que os estranhos regressassem a seu plano temporal.
Fez um gesto de surpresa.
— Visíveis? O que quer dizer com isso?
— Ainda são mais rápidos que nós; mais ou menos o dobro. Mas já podemos vê-los
sem recorrer à tela.
— Como é que vocês me vêem? — perguntou com a voz tensa.
— De forma normal e com a mesma velocidade.
Houve um suspiro aliviado.
— Nesse caso os estranhos estão sendo absorvidos por nosso plano temporal —
constatou. — Vencemos. Continue a bombardear o anel luminoso, para que não possam
fugir. Queremos pegá-los vivos, para descobrir como vieram para cá sem que de início
perdessem sua dimensão temporal. Iniciem a perseguição. Desligarei os aparelhos e
passarei à velocidade normal.
— Três das minhas naves saíram em perseguição dos desconhecidos. Uma delas
caiu.
O mestre registrou a observação. Depois disse:
— Se os estranhos não cessarem a resistência, atacarei com a nave-mãe.
Permaneceremos em contato.
Com um forte movimento de seus robustos membros puxou o acelerador para trás.
A velocidade da gigantesca nave diminuiu rapidamente.
Aproximou-se lentamente da superfície do mundo de cristal.
***
Gucky caiu fortemente e viu-se no chão de um corredor. Permaneceu imóvel e
aguçou o ouvido, mas não escutou os passos de qualquer robô. Concluiu que não haviam
percebido sua chegada. Mas era possível que estivesse enganado. Talvez o espreitassem.
Era muito raro que Gucky sentisse medo. Na verdade, o sentimento que de repente
passou a dominá-lo não era o medo, apenas a “certeza apavorante” de estar só. E a idéia
de que a qualquer momento poderia teleportar-se a um lugar seguro não o tranqüilizava
muito.
Em algum lugar, no interior do corpo metálico, trabalhavam máquinas. Ninguém
saberia dizer de que tipo eram as máquinas propulsoras criadas pelos enigmáticos seres.
Mas era de se supor que podiam atingir e ultrapassar a velocidade da luz. Sem esse
pressuposto técnico não poderia haver qualquer espécie de navegação espacial
interestelar.
Gucky caminhou tranqüilamente pelo corredor, sempre preparado para pôr-se em
segurança com um salto de teleportação. Sua tarefa consistia apenas em inutilizar a nave.
Ao que tudo indicava, não havia nenhum ser vivo a bordo, e esse fato tornava muito mais
fácil sua decisão. Todavia...
Uma das portas estava aberta.
Dava para um recinto no qual, em vez de telas, havia simples vigias. Gucky viu a
paisagem do planeta de cristal deslizar embaixo da nave; aliás, o planeta já não era de
cristal. A vida despertara do estado de rigidez. Toda diferença das dimensões temporais
havia desaparecido.
Mais adiante, a Sambo voava pelo espaço; era perfeitamente visível. A nave inimiga
também reduziu a velocidade, de maneira tal que ambas se deslocassem à mesma
velocidade. Concluiu que os robôs aguardavam; no momento não estavam atacando.
No corredor surgiu um zumbido, seguido do ruído de alguma coisa que se arrastava.
Gucky saltou para o lado e colocou-se atrás da porta.
“Será que há alguém a bordo, alguém que não seja um robô?”, pensou indagando-
se.
Um vulto maciço surgiu na porta. Pelo canto dos olhos Gucky percebeu que não se
tratava de uma das esferas. Desta vez, era algo muito diferente.
Abaixou-se para não ser visto. No interior do recinto, a luz não era muito forte. Ao
que parecia, os seres vinham de um mundo que gravitava em torno de um sol
envelhecido. Mas o que é que isso tinha que ver com os robôs?
O vulto maciço rolou para dentro da sala.
Gucky sabia que um robô não precisava andar necessariamente para locomover-se.
Este rolava sobre rodinhas colocadas embaixo de seu corpo. E o corpo era quase
retangular, com quatro membros de cada lado, e mais dois na frente e dois atrás. O vulto
não possuía cabeça; no lugar da mesma havia duas antenas encimadas por uma esfera
dourada, que balançavam lentamente. Gucky teve a impressão de sentir alguma coisa
parecida com uma corrente elétrica muito fraca, que provocou cócegas em seu corpo.
Isso não representava um perigo direto, mas poderia assumir esse caráter.
Aquilo que tinha diante de si era um robô. Por enquanto não conhecia a função que
ele desempenhava. Gucky já não tinha tanta pressa em derrubar a nave. Estava
interessado no robô. Qual seria sua reação ao perceber a presença de Gucky?
Por enquanto isso não aconteceu.
O colosso rolou para dentro da sala e parou no centro da mesma. Manteve-se imóvel
e agitou as antenas. Seriam os órgãos sensoriais, com os quais via e ouvia? Qual seria o
princípio de seu funcionamento?
Os fluxos mentais invisíveis atingiram o desconhecido e seguraram-no. Gucky
sentiu perfeitamente que o robô notou a influência estranha e procurou mover-se.
Mas Gucky não o soltou.
Ao mesmo tempo, saiu de seu esconderijo e caminhou lentamente em torno do
monstro, preparado para fugir a qualquer movimento. Queria descobrir onde era a
“frente” do mesmo.
Isso não era tão fácil assim. Sempre se é tentado a procurar um rosto, por mais
estranho que seja um ser. Até uma máquina costuma possuir um rosto. Mas este robô não
possuía nenhum.
Não descobriu a finalidade dos doze braços. Nas extremidades dos tentáculos havia
pequenas figuras esféricas, cujo formato parecia mudar constantemente. Às vezes
lembravam uma mão, outras vezes um par de tenazes, e depois uma simples esfera.
Aquelas mãos deviam ser feitas de material flexível, sendo capazes de modificar o
formato segundo a finalidade que deveriam desempenhar. Tratava-se de uma conquista
tecnológica que nem sequer os arcônidas conheciam.
Gucky tentou influenciar ou mesmo eliminar a modificação do formato, mas não
conseguiu. Por isso não pôde impedir que de repente na extremidade do braço que lhe
ficava mais próximo surgisse uma coisa estranha, cuja finalidade não compreendeu logo.
Lembrava vagamente um garfo de quatro dentes, cujas pontas estivessem dirigidas
sobre Gucky. Não parecia ser uma arma, mas também não era nenhum brinquedo.
Desviou-se ligeiramente, segurando o braço do robô. Mas nem mesmo sua capacidade
telecinética pôde exercer qualquer influência sobre os processos que se desenrolavam no
interior do monstro, pois não sabia como funcionava o mecanismo. Por isso o choque
elétrico veio de surpresa.
Gucky sentiu que o fogo percorria seus nervos e atingia o cérebro. Suas capacidades
parapsicológicas ficaram paralisadas. O robô ficou livre. Virou-se e com um leve
zumbido rolou em direção ao rato-castor imobilizado.
Gucky não conseguiu fazer o menor movimento. Com um susto repentino descobriu
que cometera um erro imperdoável: subestimara um inimigo.
Viu os doze braços estenderem-se em sua direção e sentiu a forte pressão das
tenazes que o envolveram.
***
Ras Tschubai teve mais sorte.
Quando materializou-se, notou que valera a pena concentrar-se sobre a sala de
comando da nave inimiga. Viu-se bem atrás dos três robôs esféricos e conseguiu inutilizá-
los com um único disparo da arma energética, antes que pudessem fazer qualquer
movimento e sequer notassem sua presença. Antes de iniciar a destruição sistemática da
sala de comando, resolveu dar uma volta pela nave.
Procedeu com muita cautela, mas não descobriu nada de novo. As instalações
continuavam a ser um mistério, pois apesar do treinamento hipnótico que recebera, não
chegava a ser um cientista.
Quando estava inspecionando uma sala cujas paredes estavam cobertas de bobinas
gigantes, ouviu passos que se aproximavam. Não chegou a compreender a finalidade do
mecanismo. Um dos conhecidos robôs esféricos começou a manipular as chaves e voltou
a sair da sala sem que tivesse notado a presença de Ras.
À medida que o africano penetrava no interior da nave, o zumbido dos propulsores e
do mecanismo de direção tornava-se mais forte e grave. Finalmente, depois de uma curta
teleportação, viu-se no meio das máquinas vibrantes da central de propulsão.
Abaixou-se imediatamente atrás de um gigantesco bloco metálico prateado e olhou
em torno.
De início pensou Que o gigantesco recinto estivesse vazio e fosse controlado à
distância, mas logo reconheceu o engano.
Deslizando pelo solo praticamente sem produzir qualquer ruído e deslocando-se
entre os geradores e os quadros de comando, gigantescas sombras manipulavam uma
chave ou outra.
Manipulavam...?
Eram robôs de trabalho, o que Ras percebeu ao primeiro olhar. Suas mãos
consistiam de ferramentas de toda espécie, com as quais controlavam e abasteciam as
máquinas. Seu formato diferia tanto, que não havia como chegar a qualquer conclusão
sobre o corpo do construtor. Aliás, não havia o menor indício sobre a forma do inimigo,
fosse ele quem fosse.
Ras manteve-se escondido, para observar tudo que fosse possível antes de dar início
à destruição. Qualquer informação poderia ser decisiva para a vida ou a morte dos
homens.
Lembrou-se de seu aparelho de comunicação audiovisual, que deveria funcionar,
visto que a adaptação dos dois tempos estava consumada. Comprimiu um botão para ligá-
lo e disse em voz baixa:
— Aqui fala Ras Tschubai.
A resposta veio dentro de poucos segundos. Quem falou foi o próprio Rhodan.
— Aqui é a Sambo. O que houve?
— Encontro-me na sala de máquinas da nave inimiga. Vejo robôs, mas nenhum ser
orgânico. Segurarei a câmara de tal maneira que o senhor veja tudo.
— Espere dez segundos — ordenou Rhodan. — Ligarei os aparelhos de registro de
imagem, para que possamos documentar tudo. Nossos técnicos precisarão de algum
tempo para estudar as máquinas.
Ras esperou os dez segundos e ligou a câmara. Ficava embaixo do minúsculo
aparelho que trazia no pulso, e que não era maior que um relógio de pulso. Movia
lentamente o braço de um lado para outro.
Enquanto isso fazia ligeiros comentários.
— Estes robôs têm um formato diferente. Até parece que seus inventores recorreram
a uma construção diferente para cada finalidade. As esferas são oficiais, pois parece que
são muito versáteis. E, naquela ocasião, estavam armadas. Não tenho certeza se isso
acontece com os robôs que estão aqui. Não sei ainda como são os verdadeiros criadores
dessa tecnologia, Não existe a menor indicação. É possível que Gucky tenha mais sorte.
— Não temos qualquer contato com Gucky. Não responde às nossas mensagens. E
não houve qualquer mensagem telepática.
Ras não respondeu. Levantou-se um pouco para dirigir a pequena câmara a todos os
cantos da sala. Provocou um ligeiro ruído, que foi superado inteiramente pelo zumbido
das máquinas.
Será que foi mesmo?
O robô de trabalho que se encontrava mais próximo parou em meio ao movimento.
Um dos braços foi descendo lentamente. Depois rolou em direção ao esconderijo do
africano.
— Notaram minha presença — cochichou Ras em tom assustado. — Tenho de
iniciar a destruição...
— Espere mais um pouco! — ordenou Rhodan em tom enfático. — Salte para outra
sala e volte mais tarde à sala de máquinas. Precisamos de mais algumas fotografias.
Deixe o aparelho ligado; pouco importa que haja uma localização goniométrica.
Ras não teve tempo de responder. O robô havia rolado para junto dele e mantinha
estendidos quatro braços, como se quisesse agarrar um inimigo invisível.
Realmente agarrou... mas agarrou o vazio...
Ras materializou-se dois pavimentos mais em cima, num pavilhão metálico cujo teto
tinha um estranho formato de abóbada. Consistia num estranho material leitoso, no qual
confusas faixas coloridas corriam de um lado para outro. Enquanto Ras estava olhando,
as faixas foram adquirindo contornos definidos.
Transformaram-se num quadro nítido No mesmo instante, Ras sentiu uma suave
pressão no cérebro e cedeu à mesma. Não era telepata, mas de repente pareceu ser capaz
de ler pensamentos, pois em sua consciência surgiu uma voz perceptível, que disse:
— O que você viu, forasteiro, foi a realidade.
Naquele instante, Rhodan perguntou:
— O que houve, Ras? Onde está o senhor? A imagem captada é muito apagada.
Desligue a câmera.
Ras cochichou:
— Alguém falou comigo. No meu cérebro. Por via telepática. O que devo fazer?
Rhodan não respondeu imediatamente. Depois de algum tempo, ordenou:
— Tenha cuidado. Pode ser urna armadilha. Não o incomodarei mais, para não
distrair sua atenção. Continue a transmitir.
A transmissão não desviava a atenção de Ras.
A voz voltou a soar em sua consciência e repetiu a mesma frase. No teto o quadro
começou a tornar-se mais nítido. Um planeta girava em torno de seu eixo e corria em
torno de um sol branco-amarelado. Ras teve a impressão de encontrar-se a algumas
horas-luz daquele mundo, assistindo a uma reprodução concentrada no tempo.
A imagem projetada no teto tornou-se maior e mais nítida. O espectador parecia
precipitar-se em direção ao planeta, que girava em torno de seu eixo, aproximadamente
uma vez por segundo. Levava uns cinco ou seis minutos para completar uma volta em
torno do sol.
O planeta foi crescendo. Ras distinguiu continentes e mares.
Aquelas formas lhe eram familiares.
Subitamente o africano estremeceu ao perceber a verdade.
O planeta que via diante de si era a Terra!
Ras Tschubai ficou rígido de pavor. Os estranhos seres conheciam a Terra. Sabiam
de onde vinha Rhodan.
A Terra girava setenta e duas mil vezes mais depressa que sua velocidade normal.
Ras Tschubai viu-a sob esse ângulo de visão. No plano temporal, transformara-se num
desses seres.
Subitamente notou uma coisa.
De início pensou que fosse engano. Mas depois percebeu que enxergara bem. Os
olhos viam perfeitamente os continentes — a África e a América, e, entre os dois, o
Atlântico.
E no meio do Atlântico um pequeno continente que já deixara de existir na Terra.
Atlântida!
A voz estranha voltou a soar em seu cérebro.
— O que você está vendo, forasteiro, é a realidade. Há um tempo que vocês
designam como a fração de um ano.
Ras fitou atentamente o planeta que girava vertiginosamente e a Atlântida, que se
tornava visível pela fração de um segundo.
Cada segundo era um dia.
E cada dia representava duzentos movimentos de translação em torno do sol...
Ras sentiu-se tonto.
“Quando, em sua dimensão temporal, os seres teriam tirado essas fotografias? Há
dez mil anos, quando os dois planos se cruzaram pela primeira vez?”, indagou-se
mentalmente.
De repente, percebeu qual seria o destino da expedição, se não acontecesse um
milagre. Se permanecessem por uma semana naquele plano temporal, mais de mil anos se
passariam em seu Universo. O Império Solar, o Império dos Arcônidas e Perry Rhodan já
teriam desaparecido.
Tudo desaparecido e esquecido.
Num gesto de desespero, Ras Tschubai levantou a arma energética e destruiu o
quadro da Terra que girava vertiginosamente. O quadro apagou-se.
Dez ou vinte portas abriram-se no salão circular. Gigantescas figuras quadrangulares
entraram. Se Gucky as visse, elas lhe pareceriam familiares. Suas antenas dirigiram-se
para Ras, e um brilho azulado surgiu em torno das esferas douradas...
Mas Ras foi mais rápido.
Antes que as ondas de choque paralisantes pudessem atingi-lo, teleportou-se para a
sala de máquinas. Parou no centro da mesma e abriu fogo contra os quadros de comando,
as fileiras de instrumentos e os robôs de trabalho.
Pingos de metal caíam ao solo. Os isolamentos se queimavam, e raios fulgurantes
corriam de um bloco a outro. Ras ouviu uma detonação. Perdeu o equilíbrio e teria caído
se não estivesse encostado a um gerador.
A nave inclinou-se para a frente e correu em direção à superfície do planeta.
— Não perca tempo! — gritou Rhodan. — Está caindo.
Ras acenou com a cabeça; seu rosto parecia zangado.
— Já sei — respondeu.
Lançou mais um olhar para o caos e concentrou-se para efetuar o salto.
Ainda viu uma porta oval abrir-se nos fundos. Dois ou três dos colossos angulares
penetraram na sala. Ainda chegou a sentir a primeira onda de choque das armas que
portavam, mas a mesma veio tarde. Não conseguiu romper a concentração de sua mente.
Saltou.
A nave preta correu vertiginosamente em direção ao solo pedregoso. Sua proa
pontuda penetrou profundamente na montanha. Dentro de poucos segundos foi
despedaçada por uma enorme explosão.
Ras Tschubai materializou-se ao lado de Rhodan, na sala de comando da Sambo.
Esteve a ponto de suspirar aliviado, mas antes disso viu o rosto de Rhodan.
— Missão cumprida — anunciou em tom objetivo e tentou ler nos rostos de Crest
ou de Sikermann o que havia acontecido.
Rhodan fez um gesto afirmativo e disse:
— A nave para a qual Gucky saltou está sendo desviada da rota. Aumentou a
velocidade e voa em direção a um ponto situado fora do sistema. Gucky não responde às
nossas mensagens — lançou um olhar para Ras. — Tem uma idéia do que poderia ter
acontecido?
Ras logo se lembrou dos robôs com suas ondas de choque paralisantes. Talvez o
rato-castor tivesse sido surpreendido pelos mesmos. Isso não era do seu feitio, mas era
perfeitamente possível que tivesse subestimado o perigo e confiado demais em suas
extraordinárias faculdades.
— Eles têm robôs de combate que usam armas que não conhecemos. Emitem ondas
de choque cuja causa é desconhecida. Talvez...
— Isso é altamente provável! — interrompeu Rhodan, que já imaginava o que Ras
iria dizer. — Pegaram Gucky.
Dirigiu-se a Sikermann.
— Siga a nave. Precisamos saber para onde levarão Gucky.
Ras venceu suas dúvidas e perguntou:
— Quer que tente...?
— Não! — disse Rhodan em tom resoluto. — Se Gucky estiver morto, o senhor
chegará tarde. Se estiver vivo, saberá o que fazer. Permaneceremos perto dele, para que
possa saltar assim que seja capaz. Além disso, talvez encontremos a pista dos verdadeiros
inimigos.
John Marshall encontrava-se um tanto afastado, perto de Atlan. Até então mantivera-
se em silêncio. Subitamente soltou uma exclamação, concentrou-se e disse:
— Foi Gucky. Apenas um ligeiro impulso, como se subitamente tivesse despertado
para adormecer logo em seguida. Não foi uma idéia definida, mas apenas um impulso de
medo, de um medo terrível.
Marshall fitou Rhodan com uma expressão preocupada. — A esta hora não gostaria
de estar no couro de Gucky.
— Nem eu — disse Rhodan.
Em seus olhos surgiu uma expressão de insegurança, mas logo se tornaram firmes
como sempre. Fitou a tela. A nave preta inimiga, a bordo da qual se encontrava Gucky,
tornara-se maior, pois a Sambo estava acelerando. O planeta de cristal foi-se afastando
rapidamente, tornando-se cada vez menor.
— Nada acontecerá a nosso Gucky. Se esses seres realmente sabem ler
pensamentos, não se atreverão a fazer qualquer coisa a Gucky, pois saberão que não
descansarei antes de varrer seu plano temporal do Universo, mesmo que isso me custe a
vida.
Ras manteve-se em silêncio. Ninguém disse nada.
Sentiram que Rhodan estava falando sério.
5
Gucky fitou sua mão com uma expressão de pavor, depois que esta acabara de
“atravessar” Rhodan. Logo se deu conta de que a mão era matéria e, portanto, realidade.
Se havia alguma coisa que não fosse real, devia ser Rhodan.
Seus olhos dirigiram-se para o espírito de Rhodan, pois o que tinha diante de si não
poderia ser outra coisa. Mas a Terra que tinha sob os pés, o capim, tudo isso devia ser
real, pois do contrário não conseguiria manter-se de pé...
Gucky não teve tempo para outras reflexões. Um punho invisível, vindo do nada,
agarrou-o e o arrastou para a escuridão do infinito em que o tempo deixara de existir.
Sentiu que se desmaterializara, como se sua mente se tivesse concentrado sobre uma
teleportação.
Mas aquilo aconteceu independentemente de sua vontade.
Gucky não saberia dizer quanto tempo durou esse estado, se é que havia uma
possibilidade de medir uma situação dessas em termos de tempo. De repente, viu-se
novamente capaz de sentir alguma coisa. E o que sentiu foi um calor benfazejo que o
envolvia.
O calor significava vida e...
E o funcionamento do cérebro!
Abriu os olhos, para orientar-se e, se necessário, saltar de novo, fosse para onde
fosse. Mas antes que pudesse ver qualquer coisa, ouviu um grito de espanto e de alívio:
— Olhem; é Gucky!
Ao mesmo tempo, os pensamentos afluíram à sua mente e o envolveram numa
torrente de alegria e simpatia.
— Sim; voltou — disse Rhodan e por alguns segundos esqueceu a grande nave
negra. — Gucky você nos meteu um susto. Por que não saltou logo, quando percebeu que
sua vingança se dirigia apenas contra um robô?
O rato-castor olhou lentamente em torno e estudou os rostos dos presentes com uma
expressão pensativa. Parecia ter certa dificuldade em rememorar os acontecimentos.
— Há quanto tempo desapareceu a nave pequena? — perguntou, fitando a tela.
Rhodan fez um sinal para Marshall, que pretendia dizer alguma coisa.
— Há alguns minutos, Gucky. Suponho que neste meio tempo você tenha estado na
grande nave. O que viu por lá?
O rato-castor sacudiu lentamente a cabeça. Por um segundo fitou os olhos de Atlan,
nos quais havia um brilho de eternidade, como se estes pudessem dar respostas às
perguntas que trazia na mente. Depois de algum tempo anunciou:
— Faz dez segundos que saltei da pequena nave. Mas neste meio tempo
materializei-me em outro lugar: na Terra.
Rhodan reprimiu uma expressão de espanto e viu os olhares perplexos dos outros. A
afirmativa de Gucky encerrava duas impossibilidades que teriam de ser esclarecidas.
— Você não pode ter saltado há dez segundos, Gucky, pois a nave foi destruída há
três minutos com o transmissor fictício. Portanto, você deve ter cometido um engano no
que diz respeito ao tempo. — Rhodan respirou profundamente. — E quando você diz que
esteve na Terra só pode ter feito uma piada sem graça, não é?
Os olhos castanhos do rato-castor refletiram o medo do desconhecido, do medonho,
do inexplicável, para o qual não havia resposta. Num gesto de súplica cruzou os
bracinhos sobre o peito.
— Saltei há dez segundos, Perry, e estive na Terra. Vi o céu azul, senti o cheiro do ar
tépido e... vi você.
Rhodan recuou um pouco. Certificou-se de que o Tenente Sikermann não tirava os
olhos da nave negra e se mantinha preparado para reagir imediatamente a qualquer ato.
— Você me viu?
Gucky fez que sim.
— Você estava num prado verde cheio de flores. No céu havia pequenas nuvens.
Materializei-me bem perto de você, a menos de dois metros. Eu o chamei, mas você não
ouviu. Parecia não reconhecer-me quando caminhei em sua direção. Quis dar-lhe a mão.
E depois...
A voz de Gucky morreu em meio a um som queixoso que expressava um medo
indisfarçável. A lembrança da experiência terrível ameaçava dominar o rato-castor,
geralmente tão corajoso e inteligente. Crest aproximou-se por trás e pousou a mão sobre
seu ombro. Gucky voltou a acalmar-se.
— Minha mão “atravessou” seu corpo, Perry. O que encontrei não foi seu corpo,
mas seu espírito. Não, não foi um sonho — olhou para baixo, inclinou o corpo e passou a
mão pelos pés. — As sementes de capim ainda estão aqui.
Rhodan lançou um olhar de perplexidade para Crest e Atlan.
— O que será isso? Uma alucinação?
Atlan aproximou-se. Lançou um olhar reconfortador para Gucky e, dirigindo-se a
Rhodan, disse:
— Não, não pode ser uma alucinação, bárbaro. Existem certas coisas que ainda não
compreendemos, porque excedem a capacidade de nossa inteligência. De qualquer
maneira, deveríamos recorrer à lógica para procurar uma explicação. Suponhamos que
Gucky não se tenha enganado, exceto quanto à duração do salto. Neste ponto, deve ter
havido um engano, pois a nave da qual Gucky saltou foi destruída três minutos antes de
ele ter aparecido aqui. Conclui-se que Gucky esteve a caminho durante três minutos,
embora acredite que só levou dez segundos para efetuar o salto.
— Prossiga, meu velho — pediu Rhodan ao arcônida, quando este fez uma pausa.
— Estamos curiosos para ouvir o que você tem a dizer.
— Sinto decepcioná-los — disse Atlan, reprimindo a curiosidade dos outros. — Não
sei muito mais que isso. O salto de teleportação levou Gucky para um campo atemporal.
Concentrou-se em Rhodan. Mas uma coisa é certa. Na momento em que Gucky saltou,
você não estava aqui, e sim na Terra.
— Parece que todo mundo ficou louco! — disse Rhodan, sacudindo a cabeça.
Atlan não deixou que esta observação o perturbasse.
— Admitamos que Gucky tenha saltado para dentro de uma barreira energética, que
os seres enigmáticos colocaram em torno de suas naves. Quem nos garante que realmente
se trata de uma barreira energética? Talvez seja uma barreira temporal. Gucky saltou para
o interior da mesma e foi transportado para o passado ou para o futuro. Mas seu cérebro
tinha de cumprir uma ordem: levá-lo para junto de Rhodan. Acontece que você ainda, ou
já, se encontrava na Terra. Por isso Gucky foi levado à Terra. É a única explicação que
encontro para o fenômeno.
Crest acenou lentamente com a cabeça. Mas Rhodan ainda não se deu por satisfeito.
— Por que me transformei num espírito? Gucky não acaba de afirmar que sua mão
passou por mim?
Atlan acenou com a cabeça; não parecia muito impressionado.
— Não conhecemos os efeitos de uma viagem pelo tempo, ainda mais uma viagem
puramente espiritual. Mas posso imaginar perfeitamente que o encontro de dois seres
separados pelo passado, presente ou futuro não se realize no plano material. Em outras
palavras, Gucky viu um Rhodan que já existiu ou ainda existirá. E você, Rhodan, nem
poderia notar a presença de Gucky.
— É fantástico! — disse Rhodan, convencido de que a explicação de Atlan
realmente possuía uma base lógica. — Então você quer dizer que durante dez segundos
Gucky permaneceu no futuro?
— Ou no passado — disse Atlan, confirmando a tremenda suposição. — É bem
verdade que não posso explicar por que não ficou lá. Levou apenas dez segundos para
voltar ao presente, pois, do contrário, neste momento, não poderia estar na Sambo.
— Se é assim — interveio Crest — Gucky conseguiu atravessar a barreira que
separa os dois planos temporais. Durante dez segundos, deve ter vivido na velocidade que
prevalece no Universo normal, e com seu regresso voltou a ingressar no plano temporal
estranho. Tudo isso é bastante aleatório.
— Tudo isso é uma loucura rematada! — disse John Marshall em meio ao silêncio.
— Contradiz a todas as leis da natureza e não resiste a qualquer espécie de raciocínio. Só
um louco acreditaria nisso.
— Pelo contrário — disse Atlan com a maior tranqüilidade. — Seria uma loucura
não acreditar nessas possibilidades, pois com isso nos privaríamos da única chance de
desvendar os segredos fundamentais do Universo.
Desta vez não houve ninguém que o contraditasse.
***
No momento em que o contato telepático foi interrompido, o mestre compreendeu
que seu prisioneiro havia fugido. Quase no mesmo instante, olhou para a tela e viu que o
inimigo desconhecido entrava em posição de ataque.
— Ligar a barreira do tempo! — disse.
Logo a seguir, mandou recolher os grampos magnéticos e liberou a nave menor. O
canhão de proa foi colocado em posição e disparou um tiro que não produziu qualquer
efeito.
Depois, de um instante para outro, a pequena nave de guerra desapareceu. Parecia
ter entrado em transição.
O contato com as dezessete naves mantidas junto ao anel luminoso continuava e
funcionava perfeitamente. O mestre aproveitou a pausa para informá-los sobre a situação.
Por enquanto ninguém que se encontrasse no outro plano temporal procurara vir em
auxílio dos estranhos.
— Manter a barreira energética. Repelir qualquer ataque. Conservem-se juntos. O
inimigo só sabe destruir nossas naves uma após a outra.
Aquilo eram simples suposições. Afinal, o que se sabia sobre o inimigo? De que
forma conseguira romper a barreira do tempo? O que pretendia com isso?
O ser refletia intensamente, procurando uma resposta às indagações que acabara de
formular a si mesmo.
Não a conseguiu. Resolveu fazer mais uma tentativa de apoderar-se dos
desconhecidos.
***
Atlan estava ao lado de Rhodan, quando o reluzente campo energético — ou
temporal — que envolvia a nave negra se apagou de repente.
Ao mesmo tempo, o cano da arma energética foi recolhido para o interior do vulto
metálico. Ao que parecia, pretendiam suspender o ataque.
— O que significa isso? — perguntou Rhodan em tom de dúvida.
Fitaram as telas e procuraram uma resposta. Lá embaixo o planeta de cristal girava
lentamente em torno de seu eixo. A vida despertara em sua superfície, e qualquer
diferença entre os dois planos temporais deixara de existir.
Se a situação fosse outra, Rhodan teria demonstrado um interesse imenso pela
civilização das lagartas, e faria esforços para libertar os arcônidas e outras raças atingidas
pela frente do tempo. Mas agora, que ele mesmo se tornara prisioneiro da outra dimensão
temporal, achava que o mais importante era pensar na própria segurança e no regresso ao
seu Universo.
A Sambo e a grande nave gravitavam a pequena distância em torno do planeta,
deslocando-se em queda livre.
Atlan estendeu o braço.
— Estão abrindo uma escotilha — dali a pouco acrescentou. — Não se trata de um
canhão.
O Tenente Sikermann lançou um olhar indagador para Rhodan. Sua mão direita
estava pousada sobre os comandos das armas defensivas da nave. Na sala de armamentos,
o Capitão Rodes Aurin aguardava a ordem de abrir fogo.
Rhodan sacudiu lentamente a cabeça. Tal qual os outros, fitava a tela que reproduzia
nitidamente a escotilha aberta da nave inimiga. Pela primeira vez um ser humano pôde
ver o interior do gigante negro.
Não viram muita coisa.
Provavelmente tratava-se apenas de uma espécie de comporta de ar, pela qual se
podia entrar ou sair da nave.
Será que eles...?
Viram uma sombra negra. Devia ter cerca de um metro de altura, meio de largura e a
mesma espessura. Sikermann imediatamente ligou o amplificador. Viram se tratar de um
ser que envergava um traje protetor. Tinha pernas e braços e aproximava-se da periferia
da comporta. Parou e ficou esperando. Os homens que se encontravam na Sambo tiveram
a impressão de que ele os observava.
— O que é isso? — perguntou Rhodan, sem esperar que ninguém respondesse.
Gucky e Marshall disseram quase ao mesmo tempo:
— Isso pensa!
Os dois telepatas perceberam nitidamente os impulsos, que de início eram bastante
débeis, se bem que de início não os compreendessem. O pensamento daquele ser devia
processar-se por trilhas totalmente diversas e desconhecidas.
— Será que é o verdadeiro representante dessa raça enigmática?
Marshall deu de ombros.
— Não sei, mas sempre acreditei que eles fossem diferentes.
— É um erro formular suposições num caso como este — disse Rhodan com uma
ligeira recriminação. — Tomem cuidado! O campo defensivo deles foi desligado. Isso
significa que receberemos visita. Sikermann, desligue nosso campo.
O tenente parecia assustado.
— E se de repente houver um ataque? Qualquer disparo energético nos liquidará!
— Faça o que estou dizendo, Sikermann. No momento não existe o menor perigo.
Vamos receber visita. Veja só: o sujeito saiu da nave e vem flutuando nesta direção.
Todos viram.
Envergando o traje espacial, o vulto empurrara-se agilmente da comporta e vinha
lentamente em direção à Sambo. Quase no mesmo instante, o campo energético da nave
terrana apagou-se. A distância entre as naves inimigas não era superior a quinhentos
metros.
— Ele calculou muito bem o trajeto — disse Atlan em meio ao silêncio de
expectativa. — Ele nos atingiria mesmo sem qualquer correção de curso. Não quer
recebê-lo na comporta, bárbaro?
Sem tirar os olhos da tela, Rhodan disse:
— Ficarei na sala de comando. Gucky poderá recebê-lo.
— Gucky?
— Isso mesmo: Gucky. Se não me engano, o embaixador dos desconhecidos tem
muita coisa em comum com ele, isto é, o tamanho reduzido e a capacidade de raciocinar.
Então, Gucky; você vai?
O rato-castor saiu caminhando em direção à porta.
— É claro que vou. Para onde deverei levar o visitante?
— Traga-o para cá. Mas tenha cuidado. Não sabemos quais são suas intenções ao vir
à nossa nave. Procure descobrir alguma coisa em seus pensamentos. E ao menor indício
de traição...
— Compreendo — disse Gucky e desapareceu no corredor.
Marshall fitou a porta que voltara a fechar-se.
— Eu deveria ter ido com ele, chefe.
Rhodan sacudiu a cabeça.
— Não devemos assustar o visitante, seja ele quem for. Gucky é pequeno e tem um
aspecto relativamente inofensivo. Nós temos quase o dobro do tamanho dessa criatura.
Isto representaria uma desvantagem para ele, pois poderia ter uma surpresa negativa
quando estivesse frente a frente conosco.
— Permita-me tentar manter contato mental com Gucky — pediu Marshall, que não
estava disposto a ignorar os fatos que pudessem ocorrer.
Rhodan não teve qualquer objeção.
A imagem do desconhecido projetada na tela tornou-se mais nítida e o traje pode ser
visto melhor. Deslizou para fora da tela e sumiu das vistas dos espectadores.
Gucky já se havia teleportado à comporta. Com alguns movimentos ligeiros, entrou
no traje especial pressurizado e fechou a escotilha interna. Depois deixou que o ar
respirável saísse da eclusa e abriu a escotilha externa.
O visitante encontrava-se a cinqüenta metros de distância e dirigia-se com uma
estranha segurança à comporta, como se já soubesse onde esta ficava. Talvez fosse apenas
um acaso, mas Gucky não acreditava no acaso.
— Venho em paz — foi o pensamento que atingiu nitidamente seu cérebro vigilante.
— Se vocês souberem captar pensamentos, compreenderão que apenas desejo a paz.
Vocês me compreendem?
Gucky refletiu antes de responder. Teve tempo de sobra. Procurou Marshall e
estabeleceu contato mental com ele. Perguntas e respostas corriam rapidamente de um
lado para outro. Depois disso desfez o campo defensivo que criara em seu cérebro, em
relação aos pensamentos do estranho, a fim de que ele não pudesse acompanhar a palestra
telepática mantida com Marshall.
— Quem é você? — perguntou o rato-castor, revelando sua qualidade de telepata, tal
qual sugerira Rhodan por intermédio de Marshall, que o consultara durante o intercâmbio
telepático. O que significava a revelação desse segredo para quem dispunha de um
exército de mutantes altamente qualificados?
— Sou Kruukh — foi a resposta. — Os mestres mandaram que procurasse vocês.
Quer dizer que não é nenhum “uuuns”, constatou Gucky com certo alívio. Haviam
mandado outra pessoa. O rato-castor não sabia por quê, mas tinha medo desses seres. Era
um medo instintivo, que não sabia explicar.
— Nós o esperamos, Kruukh.
O desconhecido pousou suavemente no envoltório da Sambo e entrou na comporta.
Não parecia conhecer receio ou dúvidas.
— Você é o comandante da nave?
— Não; sou apenas um dos seus servos — foi a resposta cautelosa de Gucky.
Enquanto fechava a escotilha externa e esperava que o ar penetrasse na comporta,
teve oportunidade de estudar o visitante. Queria livrar-se quanto antes do traje
desconfortável. Talvez conseguisse convencer o visitante a desmascarar-se. Pela lâmina
translúcida não se via muita coisa. Mas Gucky ao menos teve a impressão de ver um
rosto atrás da mesma.
— Nosso ar é respirável para você? — perguntou.
A resposta foi imediata.
— É, a atmosfera de nosso planeta é idêntica.
Gucky saiu do traje pressurizado e pendurou-o no gancho apropriado. Ao mesmo
tempo abriu a escotilha interna.
O visitante imitou-o.
O ser que o rato-castor viu dali a pouco era estranho, mas seu aspecto não era de
infundir medo.
No primeiro instante, Gucky não soube com quem Kruukh poderia ser comparado,
pois não havia um verdadeiro paralelo com qualquer habitante da Terra.
A parte superior tinha o aspecto de uma gigantesca lagosta. Os olhos negros e
brilhantes ficavam sobre tentáculos longos e móveis; naquele instante fitavam o rato-
castor com certa curiosidade. Parecia não ter nariz nem boca, ou então esses órgãos
ficavam num ponto recôndito. Quatro braços finos, cada um com três dedos, distribuíam-
se por igual para os quatro lados. O estranho ser poderia estender a mão para qualquer
lado sem modificar a posição do corpo.
A parte inferior do tronco estava revestida com uma poderosa blindagem. Dois
membros não muito longos e grosseiros deviam ser os pés, sobre os quais aquele ser se
movia lentamente. Tal qual Gucky, o visitante não usava qualquer tipo de roupa. E não se
via nenhuma arma.
— Sou Kruukh — disse novamente a mensagem telepática. — Meus senhores
querem que eu fale com o comandante.
Não usou o verbo falar, mas o significado do impulso era este. Queria transmitir
uma mensagem de seu senhor a Perry Rhodan.
— Siga-me — respondeu Gucky e caminhou à sua frente.
Naquele instante, bem que gostaria de ter olhos nas costas...
John Marshall tateava em direção ao visitante. Conseguira acompanhar a palestra
entre Gucky e o estranho, motivo por que já estava informado.
A mão de Sikermann continuava pousada sobre a alavanca que ativaria o campo
energético. Ao menor sinal de perigo, ele o ligaria. Com isso, a Sambo ficaria isolada.
A porta abriu-se. Gucky entrou na sala de comando, deixou que o enviado passasse
e piou:
— Permitam que faça a apresentação. Este é Kruukh, embaixador dos invisíveis.
Sobre os pés curtos, o caranguejo-abelha — Gucky dera este nome à estranha
criatura — foi saltitando para dentro da sala. Os olhos salientes fitaram os presentes um
por um. Finalmente parou e fez uma mesura diante de Rhodan. Seus impulsos mentais
foram reforçados. Tomaram-se tão intensos que puderam ser percebidos até mesmo por
quem não era telepata. Kruukh devia ter um dom extraordinário nesta área.
— Você é o comandante e o mestre dos estranhos vindos de outro plano temporal?
— perguntou; na verdade estava fazendo uma constatação. — Meu senhor, um druuf,
manda dizer que qualquer resistência será inútil. Vocês perderam sua dimensão temporal
da mesma forma que todos os outros seres de seu Universo que foram atingidos por
nossa dimensão temporal. Não existe nenhum caminho de volta. Capitulem.
Rhodan fitou o estranho ser com os olhos estreitados. Havia nele alguma coisa que
lhe desagradava, mas não sabia o que era. Compreendeu que era um erro julgar uma
inteligência desconhecida com base nas características externas. Lançou um olhar
significativo para Atlan.
O arcônida imortal manteve-se imóvel. Fitava Kruukh com a maior atenção. Seus
olhos eternos exprimiam desconfiança. Esse fato confirmou as suposições de Rhodan.
Este também estava desconfiando, mas preferiu não pensar nisso, a fim de não
prevenir aquele ser dotado de faculdades telepáticas.
— Seja bem-vindo em nossa nave, Kruukh — disse Rhodan em voz alta, para que
os não-telepatas também pudessem entendê-lo. — As exigências de seu senhor nos
causam espanto. Como podemos capitular sem luta diante de inimigos, se não sabemos
sequer como eles são? Além disso, ainda é bastante duvidoso que realmente tenhamos de
permanecer neste plano temporal. Se as intenções dos druufs são honestas, por que não
permite ao menos que tentemos regressar através do anel luminoso pelo qual viemos?
Kruukh fitou Rhodan.
— Não conheço os motivos de meus mestres; apenas cumpro suas ordens. Estes
querem que, como prova de que vocês se renderam, o comandante desta nave venha
comigo. É só o que tenho a dizer e pedir.
— É muita coisa. — disse Atlan, lançando um olhar de advertência para Rhodan.
A posição tensa de seu corpo revelava que a qualquer momento aguardava um
ataque do caranguejo-abelha. Nem ele mesmo saberia dizer de que espécie seria o ataque.
Dirigindo-se a Marshall, Rhodan disse em voz alta:
— Chame André Noir, Ralf Marten e Fellmer Lloyd. Queremos saber a quantas
andamos com Kruukh.
Assim que Marshall se retirou, prosseguiu:
— Verificaremos se aquilo que você diz é verdade, Kruukh. Depois poderá retirar-se
e levar nossa resposta ao seu mestre.
O caranguejo-abelha não respondeu. Em compensação fez uma coisa que só foi
notada pelo telepata Gucky. Bloqueou o cérebro e ativou um setor até então não
utilizado...
E passou ao ataque.
Quando Marshall entrou na sala de comando juntamente com os três mutantes a
chamado de Rhodan, o ataque já havia sido desferido. No primeiro instante, ninguém
desconfiou.
— Wuriu Sengu está a postos — anunciou Marshall.
Sengu era o espia japonês, que sabia enxergar através da matéria sólida, motivo por
que via tudo que se passava na sala de comando.
— Os outros três estão comigo.
— Encostaremos a Sambo junto à nave dos druufs e subiremos a bordo — disse
Rhodan com uma estranha monotonia na voz. — Eles só querem nosso bem.
Marshall logo foi colocado em estado de alarma. Rhodan não poderia ter aceito essa
condição tão depressa. Era impossível. Lançou um olhar ligeiro para Atlan e Crest. O
imortal parecia um tanto tenso. Parado ao lado do outro arcônida, deixava pender
frouxamente os braços. Em seus olhos eternos não se via o brilho da vida.
Da mesma forma que Rhodan e Atlan, Crest parecia um boneco.
André Noir, o hipno, sentiu algo estranho, pois notou instintivamente que aquilo
fora obra de alguém que dispunha do mesmo dom que ele. Tratava-se de um processo de
influenciação de efeito retardado, uma espécie de estado pós-hipnótico.
“Estes quatro devem ser submetidos ao mesmo tratamento”, pensou Kruukh,
cometendo o erro fatal.
Não calculara com a possibilidade de alguém ler seus pensamentos, mesmo que não
os irradiasse diretamente.
Sem nada deixar perceber, Marshall, que evidentemente captara o pensamento de
Kruukh, disse:
— Noir, agora é sua vez.
Noir sabia o que Marshall queria dizer com isso. O francês era hipno e graças a essa
qualidade fora incorporado ao Exército de Mutantes. Se alguém lhe pedisse que fizesse
uso de sua faculdade, não havia necessidade de explicar de que faculdade se tratava. E, se
Marshall não falava em termos claros, devia ter seus motivos.
O caranguejo-abelha estava despreparado e foi atingido pela força total dos
impulsos hipnóticos, que romperam suas resistências naturais e se apossaram de seu
cérebro. Antes que Kruukh compreendesse que o feitiço virara contra o feiticeiro, estava
submetido à influência de Noir.
— Pronto — disse o hipno com a voz tranqüila. — O que devo fazer com ele?
Marshall refletiu febrilmente. Não queria nem podia tomar qualquer decisão sem a
concordância de Rhodan. Antes de mais nada, Perry e os arcônidas teriam de ser
libertados da coação hipnótica que o medonho visitante colocara em torno de suas
consciências.
— Desligue-o por cinco minutos, para que não nos possa causar qualquer mal.
Depois liberte Rhodan.
Dali a dois minutos, Kruukh se encontrava diante de Marshall, numa atitude
completamente apática e relativamente inofensiva, sem saber o que estava acontecendo
em torno dele. Seu cérebro mantinha-se passivo e suspendera toda atividade intelectual.
Noir pôde passar tranqüilamente ao tratamento dos homens que haviam sido submetidos
à influência hipnótica, a fim de restituir-lhes a vontade própria.
No momento em que ficou livre da constrição, o rosto de Rhodan retratava o
espanto. Era estranho, mas lembrava-se do que havia acontecido. A interferência mental
não fora muita intensa.
— Não pude evitar, pois foi muito rápido — disse. — Nem Gucky nem eu notamos
as intenções deste visitante pouco agradável. Em si a idéia de hipnotizar-nos não é nada
má. Teríamos caído tranqüilamente na armadilha deles. Ainda bem que nossos hipnos são
melhores. Obrigado, Noir.
— Agradeça a Marshall; foi ele que desconfiou imediatamente — disse o hipno em
tom modesto e voltou a dedicar sua atenção ao prisioneiro. — O que vamos fazer com
ele?
— Mande que durante uma semana mantenha uma atitude completamente
indiferente. Será nosso refém. Quanto aos druufs mostraremos a eles que descobrimos
sua trama. Talvez se lembrem de outra melhor.
Noir submeteu Kruukh a um tratamento hipnótico e levou o prisioneiro apático para
fora da sala de comando. A Sambo dispunha de compartimentos destinados à guarda de
visitantes indesejáveis.
De resto, convém mencionar que Ivã Ragow logo mostrou-se interessado pelo
caranguejo-abelha.
Rhodan fez um sinal para Sikermann.
— Ligar o campo defensivo. Preparar o radiador de impulsos. Abrir fogo contra a
nave deles. Aurin, prepare o transmissor fictício. Iniciaremos um ataque em grande
escala.
Menos de três segundos depois, a gigantesca nave negra foi envolvida por uma
torrente de energia chamejante. Em alguns lugares, as chapas de metal começavam a
derreter. Mas o prejuízo não foi grande, pois a reação do comandante dos druufs foi
imediata. Os disparos energéticos logo começaram a ser repelidos pelo campo cintilante,
enquanto as partes atingidas esfriavam rapidamente.
— Transmissor fictício! — disse Rhodan em tom exaltado. — Fogo!
Mais tarde ninguém saberia dizer se o transmissor fictício realmente funcionou com
tamanha rapidez, ou se naquele instante a nave inimiga entrou em transição. De qualquer
maneira, o gigante desapareceu no mesmo instante em que o Capitão Aurin abriu fogo.
O lugar em que antes se encontrara estava vazio.
Rhodan não tirou os olhos da tela quando disse:
— Tome a rota do anel luminoso, Sikermann. Procuraremos forçar passagem.
Atlan estremeceu quase imperceptivelmente.
— Pretende ignorar a cortina de fogo, bárbaro? Será que isso não é muito arriscado?
Rhodan sacudiu a cabeça.
— Já compreendi que cada segundo representa um risco muito maior. Se ficarmos
aqui, estaremos perdidos. A tentativa de regressar ao nosso plano temporal representa um
risco menor. O que ternos a perder, já que nos vemos diante da alternativa? Nada, meu
caro; não temos nada a perder.
— Rota estabelecida — disse Sikermann. Sua voz exprimia insegurança, mas
decisão. — Qual será a velocidade?
— Parta. Depois veremos o resto.
7
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