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UM SOPRO DE ETERNIDADE

Autor
CLARK DARLTON

Tradução
RICHARD PAUL NETO

Digitalização e
GANDALF01

Revisão
ARLINDO_SAN
Desta vez foi Gucky quem foi abraçado —
e quase foi viver no futuro.

Cinqüenta e sete anos se passaram, desde a pretensa


destruição da Terra!
Rhodan tornou-se aliado do robô regente de Árcon, pois uma
ameaça da proporções incalculáveis ocorreu na Via Láctea: os
invisíveis...
Perry, através de uma sofisticada aparelhagem, já está ciente
do local do próximo ataque desse inimigo sem dimensões. Trata se
do segundo planeta do sol Morag: Tats-Tor.
O administrador do Império Solar envia uma expedição
àquele estranho mundo. O Tenente Rous, comandante desta
expedição, usando o GCR, invade o universo inimigo... Entretanto
um contratempo naquele planeta sem tempo levou a expedição a
tornar-se prisioneira do mundo de cristal.
E sete meses se passaram...
Perry não tem outra alternativa: teriam de penetrar pela
janela do tempo, o mais rápido possível, pois a missão de Rous
poderá perder-se, ou melhor, ficar na Eternidade...

======= Personagens Principais: = = = = = = =


Perry Rhodan — Administrador do Império Solar.
Reginald Bell — Amigo e representante de Perry Rhodan.
Erb — Que recebeu um bom conselho de Gustavo VI.
Tenente Marcel Rous — Chefe da expedição do tempo
desaparecida.
Gucky — O rato-castor que vê um “fantasma”.
Ras Tschubai — Um dos teleportadores do Exército de
Mutantes.
Kruukh — Um servo obediente.
1

A 7.132 anos-luz, Tats-Tor, segundo planeta do sistema, gravitava em torno do sol


de Morag, Este mundo fora colonizado há cinco milênios por arcônidas, que passaram a
viver da exportação de valiosas matérias-primas e do comércio com os povos do Império
Arcônida.
Mas a misteriosa frente temporal passou por Tats-Tor e causou o desaparecimento
de toda vida orgânica, deixando para trás um mundo vazio, onde não havia mais nada que
vivesse, muito embora as cidades estivessem intatas. Mas os homens, que por ali
costumavam respirar, amar e lutar, não haviam deixado de existir. Encontravam-se em
algum lugar, num plano temporal diferente.
Perry Rhodan teve seus motivos para pousar em Tats-Tor, pois foi daí que a
expedição do tempo por ele planejada e chefiada pelo Tenente Marcel Rous partiu para
desaparecer no nada.
Isso aconteceu em janeiro, há mais de sete meses.
No mês de janeiro do ano 2.041, mais precisamente.
E hoje, no dia 16 de julho, Perry Rhodan voltava pela terceira vez ao planeta Tats-
Tor. Quando o mundo despovoado surgiu nas telas da nave Drusus, os pensamentos de
Rhodan recuaram no tempo. Lembrou-se das primeiras duas visitas ao planeta, que não
trouxeram nenhum resultado, nenhuma esperança para os desaparecidos...
Isto aconteceu no dia 13 de janeiro de 2.041.
Fazia dez dias que não havia o menor sinal da expedição do tempo. O Tenente Rous
e seus cinco companheiros haviam atravessado a lente energética criada pelo gerador de
campo de refração, penetrando no plano temporal estranho, no momento exato em que a
área de superposição passava por Tats-Tor, tornando invisível tudo que tivesse vida.
Acontece que Marcel Rous não voltou conforme se previra.
Rhodan pousou em Tats-Tor com o supercouraçado Drusus, um veículo espacial
esférico de um quilômetro e meio de comprimento, e depois de algumas buscas encontrou
a gazela, em cujo interior fora instalado o gerador de campo de refração.
Esse aparelho genial permitia que um indivíduo penetrasse no outro plano temporal,
no momento em que se verificasse a superposição, sem perder a própria dimensão
temporal.
Em outras palavras: as condições existentes no outro plano existencial, que diferiam
enormemente das condições normais, não exerciam a menor influência sobre um homem
que nele penetrasse através da lente energética criada pelo gerador de campo de refração.
Um plano temporal estranho cruzava o Universo normal. Em todos os lugares em
que ocorria uma interseção direta, a vida orgânica desaparecia por completo. Era um
perigo mais temível que qualquer outro que tivesse existido, pois este estendia-se por
toda a Via Láctea.
Rhodan e Reginald Bell, acompanhados por alguns mutantes, caminharam com uma
sensação indefinida em direção à gazela solitária, abandonada em pleno deserto. Eram os
únicos seres vivos que se encontravam naquele mundo; até os insetos e os vermes haviam
deixado de existir. A frente do tempo arrastara tudo, deixando para trás apenas a matéria
inorgânica e as plantas. Isso provava que existiam certas diferenças entre a fauna e a
flora, e que as mesmas não deixavam de ser consideradas pelo plano temporal diferente
do nosso.
Reginald Bell pigarreou discretamente e procurou disfarçar o nervosismo. Não
queria que os outros percebessem que estava com medo.
— Já faz dias que... bem, que desapareceram — disse com a voz embaraçada. — Se
conseguiram penetrar no outro plano temporal pela fresta luminosa, por que não
conseguem voltar?
Rhodan lançou-lhe um ligeiro olhar, enquanto prosseguia tranquilamente em sua
caminhada.
— Viemos para cá justamente com a finalidade de encontrar a resposta a essa
pergunta, Bell. Tenho a Impressão de que as respostas possíveis se contam pelas centenas.
Dependerá de nós encontrar a única resposta correta. Ali está a gazela!
Apontou para a nave de longo curso, formada por um disco de trinta metros de
altura. Ainda se encontravam a duzentos metros da mesma.
— Na sala de comando, estão os controles do gerador de campo de refração. Logo
veremos o que lhes aconteceu. — completou.
— O que poderia ter acontecido? — perguntou Bell com a voz insegura.
Sem olhá-lo, Rhodan respondeu:
— Acho que não existe nada que não possa entrar em pane...
Durante o restante da caminhada Bell manteve um silêncio obstinado.
A escotilha externa estava aberta, motivo por que não tiveram a menor dificuldade
em penetrar na pequena nave especial. Lá adiante, a menos de um quilômetro de
distância, via-se o vulto ameaçador da Drusus. Se surgisse o menor sinal de perigo, a
artilharia do gigante espacial seria acionada.
Mas nada aconteceu quando Perry Rhodan e seus companheiros entraram na
comporta de ar e avançaram até a sala de comando da gazela.
E não demorou que obtivessem uma resposta inequívoca e nada satisfatória à
pergunta que acabara de ser formulada.
Os pingos de metal endurecidos que viram no chão liso da sala de comando diziam
bastante. Mas Rhodan não era um homem que se contentasse com pouca coisa. Tentou
pessoalmente colocar o aparelho em funcionamento, mas não demorou em reconhecer
que suas tentativas seriam inúteis.
O gerador de campo de retração da gazela estava totalmente inutilizado. As bobinas
estavam queimadas e os fios derretidos. Era praticamente impossível fazer os reparos no
local.
— Pelo menos já sabemos o que aconteceu — disse Bell.
Rhodan fez um gesto afirmativo.
— Isto não servirá de consolo para os membros da expedição desaparecida. Como
poderemos tirá-los da prisão do tempo?
— Vamos construir outro gerador — sugeriu um dos mutantes.
— Isso mesmo — disse Rhodan com um aceno de cabeça. — É a única
possibilidade, Mas para isso teremos de regressar à Terra. O Centro de Pesquisas de
Terrânia é o único lugar em que o projeto poderá ser levado avante. Tomara que o
Tenente Rous e seus homens não desanimem.
Bell lançou um olhar pensativo para as telas apagadas da gazela e disse:
— Faço votos de que não percam muito tempo...
Rhodan sacudiu a cabeça.
— Quem não deve perder tempo somos nós — disse e saiu imediatamente da
pequena nave.
Sabia que aqui não poderiam fazer mais nada, e sua permanência representaria a
perda de preciosas horas ou dias.
E foi assim que, dali a algumas semanas, Perry Rhodan voltou a pousar com a
Drusus no planeta Tats-Tor. Desta vez, trazia um gerador de campo de refração de grande
potência
***
Levaram um dia para montar o aparelho no deserto, ao lado da gazela. Os técnicos
vindos da Terra estavam plenamente convencidos de que o engenho por eles criado não
deixaria de funcionar. Rhodan e Bell faziam votos de que tivessem razão.
Os mesmos votos eram formulados por Gucky, que desta vez também pôde vir. O
rato-castor caminhava atrás dos dois homens. Seu “rosto” estava muito sério e trazia as
orelhas em pé. Apoiava-se na cauda larga. Nos olhos castanhos brilhava algo como uma
dúvida. Mas, de resto, aquele animal extremamente inteligente não revelava seus
sentimentos.
A rigor Gucky não era um animal. Era membro do Exército de Mutantes e dispunha
de pelo menos três capacidades parapsicológicas; ainda não se tinha certeza se nele
existiam capacidades latentes do mesmo tipo. De qualquer maneira, era telepata,
telecineta e teleportador, falava perfeitamente várias línguas e possuiu uma inteligência
que faria inveja a muitos homens.
Gucky caminhava ereto; nessa posição media pouco menos de um metro. Era uma
mistura de rato e castor, mas seu comportamento era inteiramente humano, embora
geralmente preferisse não usar qualquer vestimenta. Parecia que os pêlos cor de ferrugem
lhe bastavam.
Rhodan parou junto aos técnicos, que haviam montado o aparelho bem ao lado da
gazela. Os projetores apontavam na mesma direção para a qual antes se dirigiam os do
aparelho inutilizado. Se não surgisse um imprevisto, o círculo luminoso que permitiria o
ingresso no outro plano temporal deveria surgir assim que se ligasse o aparelho.
— Já terminaram? — perguntou Rhodan ao engenheiro-chefe, apontando para o
complicado aparelho. — Quando poderemos iniciar a experiência?
— Assim que os condutores tenham sido ligados aos geradores da Drusus. O
gerador de campo de refração precisa de um elevado volume de energia para criar o
campo temporal.
Rhodan acenou com a cabeça e virou-se.
— Irei pessoalmente. Gucky e os mutantes irão comigo. Bell ficara aqui e assumirá
o comando se alguma coisa não der certo.
— Se alguma coisa não der certo? — perguntou Gucky com sua voz aguda e
chiante. — E depois?
— É um risco que teremos de assumir — disse Rhodan em tom tranqüilo. — Foi o
que fez o Tenente Rous... e está desaparecido. Acontece que já conhecemos a explicação
do fato. Sem o gerador, o regresso do outro plano temporal está fechado. E este aparelho
não falhará; nossos técnicos cuidarão disso. Poderemos regressar quando quisermos.
Voltou a dirigir-se aos homens da equipe científica.
— Quanto tempo demorará?
— Uma hora — respondeu um deles.
***
O sol Morag só caminhara um pequeno pedaço; ainda ia alto no céu. O deserto do
planeta Tats-Tor, vermelho e sem vida, jazia sob seus raios escaldantes. Era um
verdadeiro documento que atestava a ausência da vida no planeta atingido pela frente do
tempo.
Rhodan ajeitou o radiador de impulsos que trazia no cinto e lançou mais um olhar
para os companheiros. A seu lado, Gucky tremia de impaciência, mas Rhodan sentiu o
medo que o desconhecido infundia no coração de seu pequeno amigo. Por mais valente
que fosse o pequeno rato-castor, o plano temporal estranho era uma coisa que não
compreendia muito bem, e por isso tinha medo.
— Ficaremos lado a lado — disse Rhodan, colocando a mão sobre o ombro de
Gucky. — Assim que passarmos pela fresta de luz, você deverá colocar-se em recepção
telepática, para que possamos encontrar o quanto antes o Tenente Rous. John Marshall
cuidará dos aparelhos de rádio. E eu cuidarei para que não sejamos surpreendidos por um
eventual inimigo. Já sabemos que lá todos os acontecimentos se desenrolam num ritmo
temporal setenta e duas mil vezes mais lento. Por isso não teremos de recear qualquer
inimigo.
Fez um sinal para a equipe técnica.
— Pronto, senhores.
Bell mantinha-se um tanto afastado e esforçou-se para aparentar indiferença. Em seu
interior rugia a tempestade dos sentimentos mais diversos. Naturalmente sentia-se
satisfeito por não ter de participar da experiência. Não temia um inimigo que pudesse
enfrentar corpo a corpo, mas a penetração numa esfera de vida estranha e desconhecida
era um ato de audácia que exigia mais que a simples coragem.
Apesar disso, gostaria de participar. A aventura exercia um encanto muito forte
sobre ele.
Mas de outro lado...
Não conseguiu prosseguir em seus pensamentos contraditórios. Gucky, que era
telepata, virou-se abruptamente e disse:
— Você não sabe o que quer, gorducho — acontece que Bell não era gordo, apenas
um tanto baixote.
Mas o rato-castor gostava de exagerar, desde que isso aborrecesse seu amigo do
peito.
— Às vezes, fica satisfeito porque outros terão de tirar a prosa do outro plano
temporal, mas depois fica aborrecido por não poder estar presente enquanto nós
estivermos queimando as cucas. Se você ficar bem bonzinho, eu lhe trarei um relógio de
lá. Anda setenta e duas mil vezes mais devagar, motivo por que poderá controlar muito
bem suas horas de folga.
Antes que Bell soubesse o que responder, o engenheiro-chefe ligou o suprimento de
energia. Com um zumbido grave, foram surgindo os campos magnéticos, que serviriam
para abrir uma fresta na barreira do tempo, Essa fresta se revelaria por um débil arco
luminoso, que seria como a janela para entrarem na outra dimensão.
Mas nada disso aconteceu. Todas as peças da maquinaria firmemente ancorada ao
solo começaram a vibrar, o zumbido tornou-se mais forte, mas não se via o menor sinal
do arco luminoso.
O engenheiro lançou um olhar de espanto para os ponteiros trêmulos dos medidores
e sacudiu a cabeça. Rhodan aproximou-se e, falando alto para superar o zumbido,
perguntou:
— O que houve? O campo magnético não está sendo levantado?
— Está sendo levantado, sim — confirmou o engenheiro em tom de perplexidade,
sem tirar os olhos dos ponteiros. — Não vejo o menor defeito. Tudo funciona segundo os
planos. A esta hora a fresta luminosa já deveria ter aparecido. Não compreendo...
Naquele momento, há pouco mais de seis meses, ninguém compreendeu. De início a
decepção foi arrasadora. Procuraram um defeito no gerador de campo luminoso, até que
uma cabeça inteligente de Terrânia tivesse a idéia de procurá-lo em outro lugar.
Mais precisamente nas condições reinantes em Tats-Tor.
Fora um golpe duro para Rhodan, que já não poderia ter a menor dúvida de que a
expedição do tempo comandada pelo Tenente Rous estava perdida para sempre.
***
Três meses depois do dia em que se desenrolaram estes acontecimentos, um homem
chamado Erb — chefe da equipe física da divisão eletrônica — entrou no gabinete de
Perry, situado muito acima das ruas de Terrânia.
Rhodan acabara de manter uma palestra com o administrador de Vênus e estava
desligando o videofone. A tela apagou-se. Sem demonstrar maior interesse, pediu ao
físico que se acomodasse do outro lado de sua mesa. Pensava se tratar de um relatório de
rotina.
— O que posso fazer pelo senhor? — disse, iniciando a palestra, embora seus
pensamentos estivessem longe dali.
Os colonos de Vênus haviam solicitado maior autonomia administrativa, e não via
nenhum motivo para deixar de conceder. Ainda acontecia...
— Acho — disse Erb — que já descobri por que o gerador de campo de refração
deixou de funcionar em Tats-Tor.
Rhodan estremeceu ligeiramente e esqueceu-se do planeta Vênus. Inclinou-se para a
frente e fitou o tísico.
— Tats-Tor! A expedição desaparecida! Já não tinha a menor esperança de poder
fazer alguma coisa por Rous. Não desperte um falso otimismo em minha mente, Erb —
fez um gesto de desprezo. — Tolice. Não ligue ao que estou dizendo, Erb. Diga o que
descobriu. Qualquer detalhe é importante, desde que possa ser útil aos nossos homens.
O físico, uma criatura extremamente simpática, de cabelos grisalhos, respondeu com
um sorriso embaraçado. Em seus olhos lia-se certa perplexidade, mas Rhodan conhecia
seus homens. Erb era um de seus colaboradores mais competentes no terreno da física
eletrônica.
— Na verdade, quem encontrou a resposta não fui eu, mas Gustavo VI.
— Gustavo VI? — perguntou Rhodan em tom de espanto.
— Isso mesmo. Foi o nome que demos ao computador positrônico de nossa seção. É
claro que não tem a capacidade dos computadores instalados nas grandes naves, muito
menos a do grande computador de Vênus, mas já nos prestou bons serviços. Resolvi
introduzir em Gustavo VI todas as informações sobre o outro plano temporal que
chegaram a meu conhecimento. Devo confessar que às vezes trabalhei na base de simples
suposições. Depois de várias indagações as respostas começaram a adquirir forma. E
alguns ensaios provaram que são corretas. É praticamente impossível que tenha havido
um engano.
Rhodan esquecera todos os outros problemas que o preocupavam na qualidade de
administrador do Império Solar. Depois de três meses de calma relativa voltara a
defrontar-se com o fantasma — o fantasma do outro plano temporal que cruzava o
Universo conhecido, trazendo a desgraça a todos os lugares em que os dois planos se
cortavam.
— Prossiga, Erb. Quais foram as respostas que o computador lhe deu?
O físico já não estava sorrindo. Seu rosto adquirira uma estranha dureza e rigidez.
Os olhos fitavam Rhodan sem o menor sinal de embaraço.
— De início indaguei se o gerador de campo de refração por nós construído
funcionava perfeitamente, já que em Tats-Tor falhara de forma tão lamentável. Da
resposta do computador depreende-se sem a menor sombra de dúvida que não cometemos
qualquer erro e que o aparelho funciona perfeitamente. Face a isso, naquele dia também
deveria ter trabalhado. Acontece que não funcionou! Portanto, devia haver algum erro.
Rhodan acenou com a cabeça, mas não interrompeu o físico, embora este fizesse
uma pausa. Depois de alguns segundos, Erb prosseguiu:
— Resolvi procurar o erro em outro lugar, e para isso recorri a Gustavo. Fornecida
com um teor de probabilidade de noventa e sete por cento, a resposta diz que não existe
qualquer erro.
— Não houve nenhum erro? — perguntou Rhodan em tom de espanto. — Explique-
se melhor.
— Bem, na verdade existe um erro, mas este é de natureza puramente teórica. O erro
que cometemos foi o de supormos que, depois da superposição das duas dimensões
temporais, as condições são idênticas às que se verificam enquanto o processo de
superposição está em curso.
Rhodan fitou Erb. Seus olhos tremiam ligeiramente.
— Faça o favor de repetir!
Erb repetiu. Depois manteve-se num silencio cheio de expectativa. Será que Rhodan
chegaria à mesma conclusão que lhe foi fornecida dias atrás? Se fosse assim, a perfeição
lógica do raciocínio estaria comprovada.
Rhodan falou devagar:
— Quer dizer que teremos de construir um gerador de campo de refração que atenda
à variação das condições? Seria um gerador que continue eficaz mesmo depois que a
frente do tempo passar por um mundo...
Erb fez um gesto afirmativo.
— Perfeitamente; o problema é este. Gustavo VI calculou que a transferência para o
outro plano temporal só se torna possível durante a superposição, ou logo após a mesma.
Mas se um tempo excessivamente longo tiver passado depois do processo de
superposição, o gerador que possuímos não conseguirá penetrar no outro plano temporal.
E ainda: é impossível penetrar no outro plano antes que tenha ocorrido a superposição.
— Compreendo — disse Rhodan, acenando lentamente com a cabeça e levantando
os olhos. — Acredita que seria possível construirmos um aparelho desse tipo?
— Sim senhor; acredito. Basta introduzir certas modificações nos campos
magnéticos superpostos, que produzem o campo temporal. Na essência, a coisa é muito
simples; mas, se o senhor me pedisse que lhe explicasse, teria de entregar os pontos.
Acho que compreende o que quero dizer...
— Compreendo muito bem! — disse Rhodan com um sorriso, reclinando-se na
poltrona. Quanto tempo levará para construir o novo gerador? Ou acredita que
poderíamos usar o aparelho que já possuímos?
— Acho que usar o mesmo GCR não seria conveniente. As modificações parecem
fáceis, mas de fato não o são. Uma modificação do aparelho seria muito mais difícil que a
construção de outro. Permita que lhe faça um pedido?
— Está bem, Erb. O senhor poderá exercer quaisquer poderes e dispor dos recursos
financeiros que se tornarem necessários. E não se esqueça que o que está em jogo não é
apenas a vida de seis homens que penetraram em outro plano temporal, mas também a
descoberta de uma arma capaz de enfrentar o terrível inimigo. As interseções dos dois
planos existenciais estão ocorrendo nos pontos mais diversos do Universo. Já imaginou o
que aconteceria se por algum acaso a Terra fosse atingida por uma dessas zonas?
Erb empalideceu, mas logo se levantou e disse em tom resoluto:
— O senhor pode confiar em mim. Amanhã poderei apresentar-lhe os planos. A
construção demorará alguns meses, mas o projeto será coroado de êxito.
— Alguns meses? — repetiu Rhodan. — Isso é muito demorado.
O físico não contestou essa afirmativa, mas deu os motivos por que a construção não
poderia ser mais rápida. Naquele instante, Rhodan teve a idéia que decidiria o destino da
Via Láctea.
— Preste atenção, Erb. Quero fazer mais uma pergunta: o tamanho do gerador de
campo de refração exerce alguma influência sobre a segurança de seu funcionamento?
Em outras palavras: Não há dúvida de que um gerador maior criará uma fresta mais
ampla no plano luminoso; acho que sobre este ponto estamos de acordo. O que quero
saber é o seguinte: Esse fator afetará o trabalho do aparelho, ou o senhor pode garantir a
segurança do funcionamento, mesmo que o gerador seja maior?
— O tamanho do gerador é indiferente.
— Excelente! Nesse caso faça com que a abertura circular na barreira do tempo
tenha diâmetro superior a cem metros.
Erb fitou Rhodan com uma expressão de pasmo.
— Cem metros? Isso seria uma coisa enorme. Até agora as frestas luminosas nunca
mediram mais que alguns metros...
— É possível sob o ponto de vista tecnológico ou não é?
— Não há dúvida. Todos os componentes teriam de ser reforçados. Apenas receio
que o peso do aparelho seria tamanho que o transporte para Tats-Tor e sua montagem
naquele planeta...
— Um instante! — interrompeu Rhodan com um sorriso. — É bom que não haja
qualquer mal-entendido. O novo gerador não será retirado da nave. Quero que seja
colocado na Drusus e lá permaneça para sempre. Será um equipamento constante da
nave, que poderá ser usado a qualquer hora e transportado a qualquer lugar. É possível
nessas condições?
Erb começou a compreender quais eram as intenções de Rhodan. Fez um gesto
afirmativo.
— É possível, e mesmo assim não levarei mais que dois ou três meses. O senhor
terá um gerador capaz de criar uma fresta de luz diante da Drusus, que lhe permitirá a
qualquer momento enviar um cruzador ao outro plano existencial.
— É exatamente o que pretendo fazer — disse Rhodan com a maior calma.
***
Rhodan continuava a fitar o planeta que ocupava o centro da tela. Seus pensamentos
voltaram ao presente. Aquilo que tinha diante de si era Tats-Tor, um mundo despovoado
pelos desconhecidos vindos de outro tempo. Se havia uma ligação entre tempo e espaço,
a expedição do Tenente Rous ainda devia estar lá.
No coração da gigantesca Drusus, jazia o bloco enorme do novo gerador de campo
de refração. Os respectivos controles haviam sido instalados na cúpula de observação.
Dali se poderia olhar exatamente para dentro da janela luminosa de duzentos metros de
diâmetro. Lá embaixo, no hangar, o cruzador leve Sambo estava preparado para ser
retirado da nave. Seu diâmetro era de cem metros. Portanto, haveria uma distância de
segurança de cem metros entre o envoltório da nave e os limites da fresta luminosa.
Erb e a equipe de pesquisas de Terrânia garantiam que o novo gerador seria capaz de
romper a barreira para o outro plano temporal.
A Drusus continuou a desacelerar e dali a uma hora pousou junto à gazela que ainda
se encontrava em Tats-Tor. Os suportes telescópicos penetraram profundamente no solo
arenoso, até atingirem a rocha. Apesar disso, os campos antigravitacionais teriam de
continuar ligados, pois, do contrário o peso imenso romperia a rocha e faria a nave
penetrar na crosta do planeta.
Rhodan saiu da sala de comando e dirigiu-se à cúpula de observação. Bell, Baldur
Sikermann, imediato da Drusus, e Erb já o aguardavam. Gucky mantinha-se quieto no seu
canto; até parecia que nem estava presente. John Marshall, comandante do Exército de
Mutantes, interrompeu a palestra que vinha mantendo com Sikermann e lançou um olhar
de expectativa para Rhodan.
— Chegou a hora — disse Rhodan com a voz embaraçada.
Esperava este momento por meses e removera todas as dúvidas sobre o êxito do
empreendimento, mas agora, poucos minutos antes da decolagem, os receios surgiram em
sua mente.
O que se pretendia fazer não era realizar um avanço no espaço, que já não infundia
pavor à Humanidade. Desta vez, tratava-se de uma incursão pelo tempo. E Rhodan não
pôde deixar de confessar que, mesmo para ele, o tempo continuava a ser um fator
desconhecido.
Além de ser um fator desconhecido, era um fator perigoso.
O Primeiro-Tenente Sikermann ficou em posição de sentido.
— A Sambo está pronta para decolar — anunciou — Toda a tripulação está à bordo,
inclusive Atlan e Crest.
— Também os mutantes de que podemos dispor — acrescentou Marshall — exceto
eu e Gucky.
Rhodan fez um gesto afirmativo.
— Bell assumirá o comando da Drusus e manterá todos os receptores
constantemente em recepção. Mesmo os de hiper-rádio. Não acredito que seja possível
estabelecer comunicação através da barreira do tempo, mas não podemos deixar de
considerar qualquer chance de manter contato. Há outro detalhe.
Rhodan dirigiu-se a Bell e fitou-lhe os olhos.
— Ninguém sabe quanto tempo se passará no plano normal enquanto a Sambo
permanecer na dimensão estranha. Por isso é indispensável que a Drusus nos espere neste
lugar, mesmo que a incursão dure semanas ou até meses. Entendido, Bell?
— Entendido, Perry — respondeu Bell com uma voz extraordinariamente macia. —
Esperaremos, aconteça o que acontecer. E o gerador de campo de refração permanecerá
ligado.
— Aliás — disse Erb em tom objetivo — trata-se antes de um gerador de campo de
curvatura, pois o campo luminoso é fortemente curvado. De outra forma a penetração no
outro plano temporal não será possível, a não ser no momento em que o mesmo entra em
contato com o nosso. É uma pequena diferença, mas não deixa de ser importante, motivo
por que temos de mencioná-la.
Rhodan fitou Erb; um sorriso surgiu em seus lábios.
— Já que o senhor costuma ser tão meticuloso, não deveríamos ter o menor receio
em confiar nossa vida ao seu aparelho, Mr. Erb.
— Não é isso que me preocupa — respondeu o físico com a voz tranqüila. — O
senhor pode confiar plenamente no novo gerador de campo de curvatura. O que me
preocupa são as relações entre nosso Universo e o outro plano temporal. Até aqui o tempo
era considerado a única constante existente no Universo. E hoje sabemos que nem mesmo
o tempo é constante.
— Concordo plenamente com o senhor. — disse Rhodan com a voz muito séria. —
Todos sabemos que não podemos perder tempo. Mas é um risco que devemos assumir, a
não ser que queiramos ser varridos um belo dia pelo outro plano temporal.
Olhou para o relógio.
— Acho que poderemos dar início à experiência em cinco minutos.
Fitou a superfície sem vida do planeta. À sua direita encontrava-se a gazela
abandonada, que trouxera o Tenente Rous há mais de sete meses. Os projetores do
gerador de campo de curvatura estavam dirigidos para um ponto situado à esquerda e à
frente da nave de reconhecimento. Este ponto poderia ser visto também de bordo da
Sambo, que aguardava um seu hangar, pronta para decolar. As escotilhas já estavam
abertas, motivo por que a Sambo poderia abandonar a qualquer momento o ventre
gigantesco da Drusus.
— Vamos embora — disse Perry.
Bell e Erb olharam-se. Estenderam a mão para Rhodan.
— Boa sorte, Perry — disse Bell com a voz abafada. — Confie em nós.
— O senhor voltará — disse Erb e passou a dedicar a sua atenção aos controles do
aparelho do qual dependia o destino de todos.
— Obrigado — respondeu Rhodan e fez um gesto para Sikermann, Marshall e
Gucky.
Depois saiu a passo firme da sala de observação e dirigiu-se ao corredor. Marshall
seguiu-o. Sikermann saiu por último.
Gucky escorregou devagar do sofá para o chão, caminhou lentamente em direção a
Bell e segurou-lhe a mão.
— Tomara que não demore demais até que nos reencontremos — disse com a voz
comovida, ao mesmo tempo que fazia um gesto para Erb. — Não sei se no outro plano
temporal as cenouras são tão gostosas como a bordo da Drusus. Mas garanto que as
cenouras não são a única coisa que me fará ansiar pelo regresso à Drusus. Você também
está incluído entre essas coisas.
Por estranho que possa parecer, Bell permaneceu sério e pacato.
— Cuide bem do chefe, Gucky — pediu e bateu suavemente no ombro de seu amigo
peludo. — Fique sempre perto dele e proteja-o. Acho que nunca senti tanto ao vê-lo partir
como desta vez. Não se deve acreditar em pressentimentos, mas...
— Não se deve mesmo! — concordou o rato-castor e estendeu a mão para Erb. —
Tomara que essa sua caixa de curvatura realmente funcione!
Gucky tratava todo mundo por você, fosse qual fosse o nome ou a graduação. E
ninguém levava isso a mal, já que o rato-castor gozava de certos privilégios.
— Vai dar certo — disse Erb, colocando a mão sobre os controles do gerador de
campo de curvatura. — Está na hora de subir a bordo da Sambo. O campo será ligado
exatamente dentro de dois minutos.
— Chegarei antes de Rhodan — asseverou Gucky, concentrou-se e saltou.
Ou melhor, tornou-se invisível de um instante para outro, e no mesmo momento
materializou-se no hangar, dando tremendo susto num jovem cadete que se dirigia à
comporta.
Rhodan e Sikermann entraram juntos no hangar, seguidos de perto por Marshall.
O hangar era um recinto gigantesco, pois afinal abrigava vários cruzadores esféricos
de cem metros de diâmetro. Aliás, o lugar por onde dali a poucos minutos o cruzador
partiria não era propriamente uma comporta. As paredes deslizaram, criando a abertura.
Um pedaço do envoltório da nave havia desaparecido. Lá fora, o deserto escaldante do
planeta morto estendia-se diante deles.
Logo depois, outro mundo passaria a existir naquele deserto, um mundo invisível,
oculto pela barreira do tempo. Era um mundo em que toda vida corria num ritmo setenta
e duas mil vezes mais lento. Era praticamente só isso que se sabia.
Sem dizer uma palavra, Rhodan entrou na Sambo e sentou-se na poltrona do co-
piloto. Na tela, bem à sua frente, via-se o deserto de Tats-Tor. O centro da tela mostrava o
céu. Era ali que deveria surgir a redonda janela luminosa, por onde penetrariam na outra
dimensão...
Sikermann sentou-se ao lado de Rhodan. Suas mãos grossas seguraram firmemente
os controles. Seu rosto não exprimia nada, mas Rhodan sentiu os pensamentos exaltados
de seu piloto.
Gucky não foi aos recintos destinados aos mutantes. Preferiu passear pela sala de
comando, onde se acomodou sobre um leito, encostando-se à parede. Seus olhos
inteligentes observavam tudo que Rhodan e Sikermann faziam. Seus nervos e sentidos
estavam em estado de alerta, e sua concentração fora regulada para o grau de alarma. A
qualquer momento poderia utilizar suas incríveis capacidades parapsicológicas, caso isso
se tornasse necessário.
O som estridente do primeiro sinal de decolagem encheu todos os compartimentos
da Sambo. As escotilhas fecharam-se automaticamente, isolando o interior da nave do
mundo exterior, O vácuo do espaço cósmico não representaria qualquer perigo; mas o
tempo...?
O segundo sinal soou.
Rhodan olhou para as mãos musculosas de Sikermann, que aguardava o comando de
partida. Depois disso lançou os olhos para a tela de imanem. Tudo estava como antes. A
gazela jazia no deserto, quieta e abandonada. O céu estava límpido; não havia nuvens.
Com a mão direita, Rhodan ligou o telecomunicador e o radiorreceptor, que o
manteria em contato com a sala de comando da Drusus. Os homens que se encontravam a
bordo da Sambo também o ouviriam. Se houvesse algum imprevisto, ninguém ficaria na
incerteza.
— Bell! Estamos prontos para decolar. Como estão as coisas por aí?
O rosto de Bell surgiu na tela.
— Faltam sessenta segundos, Perry! Espere até que veja o círculo luminoso.
— Naturalmente. O que está pensando neste instante?
Bell fez uma careta.
— Nem queira saber!
— O que poderá acontecer, se não voltarmos depressa? — adivinhou Rhodan. —
Enquanto Erb conseguir manter ligado o gerador de campo de curvatura, poderemos
voltar assim que quisermos. E logo que encontrarmos Rous...
— Quanto tempo demorará?
Rhodan não respondeu. Quando olhou para o relógio, Bell disse:
— Faltam dez segundos. Veremos se esse negócio funciona.
— Funcionará! — disse Erb, que se mantinha mais afastado.
Rhodan não o via.
Os dez segundos passaram-se com uma lentidão infinita.
— Erb está ligando o aparelho — anunciou Bell.
Rhodan tirou os olhos da pequena tela e voltou a fitar a grande. O céu que se
estendia por cima do deserto continuava límpido, mas em vários lugares surgia um brilho
pálido. Parecia uma miragem surgida do nada, uma ilusão projetada no ar. Embora o
fenômeno surgisse em lugares diferentes, o conjunto formava um círculo.
E era um círculo que tinha pouco mais de duzentos metros de diâmetro.
O terceiro sinal de decolagem soou no interior da Sambo.
Rhodan não deixou que nada desviasse sua atenção.
O círculo luminoso tornava-se cada vez mais nítido; seus contornos iam se
definindo. Dali a vinte segundos, não apresentava mais a menor falha. Era perfeitamente
visível e emitia um forte brilho, destacando-se contra o céu límpido. Mas, na parte
abrangida pelo círculo, o céu estava modificado.
Só agora Rhodan percebeu que, no interior da janela luminosa, o céu era
avermelhado. Nuvens imóveis cobriam este céu avermelhado — nuvens que antes não
estavam lá.
Eram as nuvens do outro plano temporal.
— Pronto! — disse Rhodan e fez um sinal para Sikermann. — Decole com a
aceleração máxima para a atmosfera. Dentro de dez segundos.
Os atos de Sikermann foram automáticos. Cada pessoa que se encontrava a bordo da
Sambo sabia o que devia fazer.
A extremidade inferior do fenômeno luminoso pairava vinte metros acima do
deserto de Tats-Tor. Ninguém poderia atingi-lo sem uma máquina voadora.
Dez segundos depois de Rhodan ter dado a ordem de comando, a Sambo saiu do
ventre da Drusus, precipitando-se na atmosfera do planeta Tats-Tor. Passando rente ao
solo arenoso, a nave foi ganhando velocidade e se dirigia para o campo de curvatura
luminoso, que separava os dois universos.
Bell e Erb viram a Sambo penetrar na janela luminosa, e desaparecer imediatamente.
No mesmo instante, cessaram-se todos os sinais emitidos pelo cruzador ligeiro. O
rosto de Rhodan desapareceu da tela, como se tivesse sido apagado por um punho
invisível. Neste mundo, Perry Rhodan, o Exército de Mutantes e a Sambo já não
existiam.
E no outro inundo?
Bell fitou a tela vazia com os olhos semicerrados.
A longa espera teve inicio,..
2

Continuavam a viver no platô mais elevado, que ficava junto às cavernas dos
“uuuns”. Na última semana, o sol caminhara de forma quase imperceptível, mas o
relâmpago que se mantinha no céu, congelado pela lentidão do tempo, já havia
desaparecido. Durante quarenta horas mantivera-se inalterado entre as nuvens e o solo.
O Tenente Rous e os cinco homens que se encontravam em sua companhia
esperavam impacientes que lá na planície voltasse a aparecer a pequena janela luminosa,
que permitiria seu regresso ao Universo normal. Mas esperaram em vão.
O encontro da K-7 e de sua tripulação, desaparecida há meses, representava um raio
de esperança. Mas o fato de que poucos minutos se haviam passado para o comandante
da nave auxiliar, enquanto Rous vivera cerca de três meses no Universo normal, não era
muito animador.
A esfera de sessenta metros de altura mantinha-se no platô, à sombra das rochas. Lá
em cima, sobre o cume da montanha, ainda se via a nuvem de fumaça que era o
prenúncio de irrupção vulcânica. Mas pelos seus cálculos essa irrupção só se verificaria
dali a alguns anos.
Além deles não havia nenhuma vida naquele planeta, ao qual Rous dera o nome de
mundo de cristal. Ou melhor, não havia nenhuma vida perceptível, já que aqui tudo se
movia setenta e duas mil vezes mais devagar. Tudo estava submetido às leis do outro
plano temporal. Tudo!
Só mediante a criação de campos antigravitacionais e o deslocamento a uma
velocidade superior à da luz — que aqui era de cerca de quatro quilômetros por segundo
— os seres e objetos podiam ser trazidos ao plano temporal dos homens. Pois era
somente a manutenção de sua dimensão temporal que os distinguia face à ausência de
vida.
O físico Fritz Steiner e o biólogo Ivã Ragow se mantinham em ponto mais afastado
do platô. André Noir, o hipno, estava próximo deles. Entre os terranos, um estranho ser
estava agachado no solo e executava movimentos absolutamente normais. Era um dos
“uuuns” trazidos para o plano temporal dos homens, para fins de estudo. Noir conseguira
estabelecer uma espécie de comunicação com esse ser. Criava-lhe uma imagem mental, e
dava a entender o que desejava saber.
A palestra era praticamente unilateral, mas foi suficiente para proporcionar uma
surpresa.
Fred Harras lidava com o hipertransmissor da K-7, que também fora trazido ao seu
plano temporal. Expedia incessantemente o texto de socorro, na esperança absurda de que
alguém pudesse ouvi-lo.
Josua, o meteorólogo, assumira seu posto junto ao lugar em que devia estar a gazela,
isto é, na outra dimensão. Foi ali que haviam penetrado na dimensão estranha, e se um
dia surgisse uma possibilidade de voltar, a mesma deveria tornar-se visível naquele lugar.
A pequena janela luminosa desaparecera há oito dias. Há oito dias terranos,
evidentemente. Se os cálculos fossem corretos, um dia durava nada menos de duzentos
anos nesse mundo do “tempo parado”.
— Acabo de perguntar por que seus companheiros nos atacaram — disse Noir, com
uma expressão pensativa no rosto. — Se interpretei corretamente os sinais que emitiu em
resposta à minha pergunta, quer negar tudo. Diz que não tem nada a ver com o ataque.
— Está mentindo! — exclamou Steiner, examinando atentamente a estranha criatura
que se mantinha entre eles.
O ser devia ter um metro e meio de altura e seu aspecto lembrava o de uma
gigantesca lagarta dotada de tocos de asas reluzentes. Logo abaixo da cabeça de inseto,
havia duas presas. Os outros membros podiam ser designados como pés.
— É claro que tem receio de ser responsabilizado pelo ataque — completou Steiner.
— Talvez esteja dizendo a verdade — disse Ragow, olhando para além do “uuum”.
— Os juízos apressados já deram origem a muitas injustiças.
— Acontece que neste mundo não existem outros seres inteligentes — disse Steiner,
insistindo em sua tese.
Se Noir não tivesse intervindo na discussão, teria surgido outro debate acalorado
entre os dois cientistas.
— Por favor, cavalheiros! Tanto seria prejudicial emitirmos um juízo apressado
como negarmos a gravidade da situação. É bem verdade que não encontramos nenhum
ser inteligente no mundo de cristal, com exceção das grandes lagartas. Mas daí não se
pode concluir que realmente não existam outras inteligências. Para falar com franqueza,
acho um tanto estranha a idéia de que justamente estes animais nos tenham atacado, ainda
mais com o auxílio de dispositivos de retardamento controlado, que nos tornaram visíveis
aos seus olhos. Seja como for, uma coisa é certa: não estamos em segurança neste lugar,
embora tudo se mova setenta e duas mil vezes mais devagar que na Terra.
O Tenente Rous atravessou o platô, caminhando em sua direção. Mostrava-se
preocupado.
Já montamos o hiper-receptor — disse, lançando um olhar desconfiado para o
“uuum”. — Por enquanto Harras não obteve qualquer resposta às suas mensagens. Por
isso podemos ter certeza que só nós estamos no plano temporal estranho.
— Será que os “uuuns” não estão captando nossa mensagem? — perguntou Steiner.
Rous deu de ombros.
— Pensei que o senhor já soubesse. O prisioneiro não lhe deu nenhuma resposta a
essa indagação? É perfeitamente possível que os aparelhos de rádio por eles usados sejam
totalmente diferentes.
— Este sujeito é estúpido! — disse Steiner em tom indignado. — Afirma que o
ataque veio de outro lado.
Noir ergueu-se lentamente.
— Quer saber de uma coisa, tenente? — disse, cruzando os braços sobre o peito. —
Tenho a mesma impressão de Ragow; acho que a pista que estamos seguindo é falsa. Os
“uuuns”, que é o nome que lhes damos, não são os verdadeiros donos desse mundo.
Rous ergueu as sobrancelhas. Steiner resmungou em tom de surpresa, enquanto
Ragow fazia um gesto de assentimento.
— As verdadeiras inteligências deste plano temporal são diferentes — prosseguiu
Noir. — Não tenho certeza, mas acontece que esta lagarta compreende o que lhe quero
dizer. Suas reações permitem a conclusão bastante segura de que está tão espantada
quanto nós em virtude do ataque. Receio que estejamos perdendo nosso tempo, tenente. É
como se algum astronauta que pousasse na Terra quisesse interrogar os cães ou as vacas
sobre a situação política de nosso planeta. — disse Rous, lançando um olhar mais atento
para a lagarta. — O Senhor quer dizer que a ameaça vem de outro lado.
— Exatamente. Para os desconhecidos o tempo passa mais devagar, mas não deixa
de passar. Tenho certeza de que já prepararam outro ataque contra nós. Não se esqueça
que aquilo que para eles representa um segundo para nós corresponde a vinte horas.
— Quer dizer que desde quando nos encontramos aqui apenas se passaram uns dez
segundos — disse Rous em tom pensativo. — Se considerarmos que já houve um ataque,
teremos de concluir que a reação das inteligências deste mundo é extremamente rápida. É
possível que nosso fator de conversão não seja cem por cento exato, mas não existe a
menor dúvida de que representa uma aproximação bastante razoável. Quer dizer que
temos de contar com a possibilidade de que o novo ataque não demorará. O que podemos
fazer para proteger-nos contra esta investida?
— Somos mais rápidos que eles — disse Steiner. — Poderemos desviar-nos.
— Neste plano temporal, a velocidade relativa do som é de meio centímetro por
segundo — ponderou Rous. — Já sabemos que o campo energético defensivo permite
que, no interior desta atmosfera, atinjamos a velocidade da luz. E essa velocidade sempre
chega a quatro quilômetros por segundo. Nestas condições, a monobra de desvio não
constitui nenhum prazer. Um belo dia conseguirão atingir-nos.
Antes que alguém pudesse responder, o minúsculo receptor que Rous trazia no pulso
emitiu um zumbido. Era o aparelho por meio do qual os homens se mantinham em
contato.
Rous comprimiu um botão e falou para dentro do minúsculo microfone:
— Quem é?
— Josua! — disse o africano, que se encontrava a uns cem quilômetros dali. — A
janela luminosa voltou. Mas...
Rous teve a impressão de que levara um choque. Por um instante tudo começou a
girar diante dos seus olhos.
— O quê? — perguntou em tom de espanto. — A janela voltou?
— Sim; mas é maior. Tem uns duzentos metros de diâmetro.
Rous fitou Steiner, Ragow e Noir.
— Vamos. Depressa! Para a K-7. Colocaremos os trajes arcônidas arcônidas. Iremos
imediatamente para onde está Josua.
Voltando a falar para dentro do microfone, disse:
— Iremos já, Josua. Mantenha-nos informados. Permanecerei em recepção.
Os pensamentos em Rous precipitaram-se. Seria impossível decolar com a nave
auxiliar, pois esta não fora trazida de volta ao plano temporal normal. Sua massa imensa
estava submetida às leis naturais desse plano temporal, e se tornava praticamente imóvel.
Não teriam outra alternativa senão levar os tripulantes, um por um, com os trajes
arcônidas, em direção à janela luminosa. E, para garantir o funcionamento do gerador de
campo de refração...
Subitamente as idéias de Rous estacaram.
— O que foi que Josua disse? Duzentos metros?
Só agora Rous começou a compreender que uma coisa tremenda devia ter
acontecido. O que abrira o caminho de volta não era o velho gerador, mas outro,
completamente novo. A janela pela qual tinham vindo era muito menor.
Perplexo e cheio de esperanças absurdas, foi atrás de Steiner, Ragow e Noir, que já
corriam em direção à K-7. Nem viu que a lagarta-gigante o seguia agilmente.
Toda sua atenção estava voltada para a voz de Josua. A voz saída do pequeno alto-
falante do aparelho que Rous trazia no pulso já não era tão forte, mas continuava
perfeitamente compreensível.
— É inacreditável! Uma nave esférica; só pode ter sido uma nave esférica. Passou
em alta velocidade pela janela luminosa. Está desacelerando fortemente. A altitude é de
uns trezentos metros! — admirava-se Rous.
“Uma nave esférica! Só poderia ser Rhodan?”, pensou o tenente e sentiu-se
dominado pela alegria. “Estamos salvos! Rhodan não nos abandonou.”
Correu o mais depressa que pôde em direção à rocha sob a qual Harras havia
instalado sua estação de rádio. O pequeno aparelho já havia captado a voz de Josua.
Quando Rous chegou, Já estava a par.
— Passe à faixa normal! — gritou Rous. — Chame Rhodan e ligue à recepção.
Enquanto isso, Steiner e Ragow alcançaram a K-7 e alarmaram a tripulação, que não
desconfiava de nada.
Dali a alguns segundos, tudo pareceu estar de pernas para o ar...
Noir logo voltou a andar a passo lento. Sabia que agora os segundos já não
contavam. Por que apressar-se, se os outros estavam cuidando de tudo? Sem apressar-se,
foi para junto das jaulas em que estavam presos os “uuuns”. Eram ao todo cinco
exemplares, que não se encontravam em sua dimensão temporal originária, e já viviam
tão rápido como os terranos.
— “Uuum”? — murmurou interrogativamente o mutante.
Subitamente Noir teve certeza de que essas lagartas não eram os verdadeiros donos
da dimensão estranha. Era o que indicava sua reação diante dos fatos. Nenhum ser
inteligente que dominasse um universo adotaria o procedimento dos “uuuns”. Só mesmo
criaturas subalternas agiriam assim.
Seriam ou servos ou escravos; em hipótese alguma eram senhores.
Rous saltou para junto de Harras quando o receptor começou a funcionar. O
zumbido monótono do alto-falante foi interrompido. No mesmo instante, os homens que
se encontravam no platô ouviram a voz forte e distorcida que naquele momento parecia
uma verdadeira tábua de salvação.
— Aqui fala o cruzador ligeiro Sambo, comandado por Perry Rhodan. Recebemos
sua mensagem. Transmita um raio vetor. Permaneçam em contato.
Harras soltou um grito de júbilo, abraçou o Tenente Rous e bateu em suas costas.
Uma semana de espera angustiosa e ininterrupta havia chegado ao fim. Dali a pouco
deixariam de ser prisioneiros do tempo e voltariam ao seu Universo.
Rous dirigiu-se a Steiner, que viera correndo da K-7.
— E agora, tenente? — perguntou o físico. — Vamos colocar os trajes, ou
esperaremos até que sejamos encontrados? Talvez seria conveniente anunciar nossa
posição ou transmitir sinais goniométricos.
— Harras já está cuidando disso — disse Rous para tranqüilizá-lo. — Recolha os
prisioneiros “uuuns” juntamente com Noir e Ragow. Vamos levá-los. Nossos telepatas
conseguirão extrair de sua mente o segredo que cerca os atacantes. A K-7 será deixada
para trás. Assim que Rhodan chegar, não poderemos perder tempo!
Steiner pôs-se a rir. Rous sentiu que apenas se tratava de uma reação provocada pela
sensação de alívio e alimentada pela tensão inacreditável da última semana. Durante sete
dias haviam sido prisioneiros do tempo.
— Não poderemos perder tempo! — repetiu Steiner entre risadas; não conseguia
controlar-se. — Qual é o tempo a que se refere?
Um sorriso discreto surgiu no rosto de Rous; preferiu não responder à pergunta do
físico.
Na verdade, não saberia o que responder.
***
No momento em que a Sambo atravessou a janela que dava para o outro plano
temporal, Rhodan perdeu o contato com a Drusus. O rosto de Bell desapareceu das telas
como se nunca tivesse estado lá. Os sinais de rádio cessaram. O céu modificou-se. ficou
vermelho, com uma ligeira tonalidade violeta.
Imediatamente Rhodan ouviu palavras distorcidas ditas em inglês. Com um
movimento rápido, corrigiu a sintonização e ouviu o pedido de socorro da expedição
desaparecida.
Suspirou aliviado.
“O Tenente Rous e seus homens estão vivos!”, conjeturou surpreso.
Respondeu rapidamente, a fim de estabelecer contato. Assim que o receptor indicou
a direção do raio vetor, a Sambo voltou a acelerar.
Nesses segundos de tensão, o rato-castor Gucky mantinha-se sentado no sofá e
procurava captar pensamentos estranhos. Para ele, a distância não fazia a menor
diferença. Por isso não era de admirar que dali a pouco sua voz aguda anunciasse:
— O Tenente Rous está passando relativamente bem. Os membros da expedição
estão em perfeitas condições. E os homens da K-7 não dão sinal de terem sofrido
qualquer dano. Além disso...
Rhodan, que ouvira meio distraído, estremeceu por dentro. Interrompeu Gucky em
tom áspero.
— O que foi que você disse? Os homens da K-7? O que quer dizer com isso? Faz
mais de um ano que a K-7 desapareceu.
Gucky empertigou-se. Perdeu um pouco de sua atitude indolente.
— O Tenente Rous encontrou a K-7. A tripulação foi trazida de volta da outra
dimensão temporal por meio de um método especial, descoberto por Ragow ou por
Steiner. Pelo que deduzo dos pensamentos dessa gente, para a K-7 passaram-se
exatamente dois minutos, embora há sete meses o primeiro encontro com os invisíveis já
datasse de mais de quatro meses.
— Receio — disse Sikermann sem muito entusiasmo — que não seremos capazes
de estabelecer leis universais sobre as relações entre os diversos tempos. É bem possível
que até conosco se verifiquem certas distorções da dimensão temporal.
— Não enfeie o diabo mais do que ele é — pediu Rhodan. — Siga o raio vetor e
procure pousar perto do Tenente Rous. Gucky, continue a investigar os pensamentos dos
desaparecidos, para que não tenhamos de perder tempo em explicações quando
pousarmos. Acho que não poderemos perder um segundo, pois do contrário Bell poderá
morrer de ansiedade.
Compreenderam o que queria dizer, e também compreenderam que estava falando
muito sério. Se dois minutos equivaliam a três meses, o que não se diria se tivessem de
passar alguns meses nessa dimensão? Sabiam que não existia qualquer padrão por meio
do qual pudessem ser determinadas as distorções, pois a experiência lhes ensinara que
esta variava bastante.
Paciência...
Rhodan lançou os olhos para a planície imobilizada. Viu os rios reluzentes e
cristalinos e as ondas imobilizadas em meio ao movimento. Parecia que lá no horizonte
estava chovendo, mas algumas horas ou até dias se passariam até que os pingos de chuva
atingissem o solo. Num cálculo ligeiro, avaliou em dez centímetros por hora a velocidade
da queda.
O Tenente Sikermann disse em meio ao silêncio:
— Os instrumentos registram uma solicitação bastante intensa dos campos
energéticos. O que será?
Rhodan lançou um ligeiro olhar para as escalas. As respectivas posições foram
gravadas em sua memória quase fotográfica, e foi assim que dali a poucos segundos pôde
responder.
— É a resistência do ar, Sikermann. Por aqui tudo obedece às leis do respectivo
plano temporal, inclusive a atmosfera. Em termos relativos, estamos cortando o ar a uma
velocidade correspondente a dez mil vezes a do som. Se não fossem os campos
defensivos, a nave já teria entrado em combustão. De qualquer maneira convém
desacelerar, tenente. Daqui a pouco deveremos chegar.
Os sinais goniométricos tornaram-se mais intensos. Dali a alguns segundos, Rhodan
viu a K-7 imóvel sobre o platô. Minúsculas figuras corriam de um lado para outro. Eram
os membros da expedição desaparecida, e os tripulantes da nave auxiliar, que
desaparecera há tempos em Mirsal.
Um minuto depois, o Tenente Rous e Rhodan estavam frente a frente.
— Sinto-me feliz por tê-lo encontrado, tenente. Não podemos perder tempo. Daqui a
pouco o senhor poderá contar o que aconteceu. Gucky e o telepata Marshall já me
forneceram os detalhes mais importantes. Estou informado. Mande transferir a tripulação
da K-7 para a Sambo. Que prisioneiros são estes? Parecem lagartas.
— Nós os chamamos de “uuuns”, porque seus gritos, modificados pela dilatação do
tempo, tinham esse som. De início pensávamos que fossem as inteligências do outro
plano temporal, mas posteriormente Noir desenvolveu outra teoria. Acha que são os
servos ou escravos dos verdadeiros donos deste mundo.
— Quer dizer que os “uuuns” não são os verdadeiros donos desse mundo — disse
Rhodan com um ligeiro sorriso. — Faço votos de que um dia possamos travar
conhecimento com os verdadeiros.
Nem desconfiava de que este dia estava muito próximo.
— Devemos esperar a qualquer momento um novo ataque desses seres — disse
Rous em tom insistente. — Os inimigos já tiveram tempo para preparar-se. Há poucos
dias nós os rechaçamos e destruímos sua nave de observação.
— Nave de observação? — perguntou Rhodan.
— Perfeitamente; aos seus olhos somos invisíveis — explicou Rous em tom
apressado. — Nossos movimentos são tão rápidos que se tornam imperceptíveis. Por isso
pegaram uma pequena nave auxiliar e nela montaram dez câmaras que captavam nossa
imagem. A mesma era gravada em filmes ou fitas de vídeo e retardados. Na décima
câmara eles nos viam tal qual realmente somos. Estudando os destroços, chegamos a esta
conclusão.
— Poderíamos fazer o contrário, se bem que isso seria bem mais difícil — disse
Rhodan com um sorriso.
O rosto de Perry voltou a tornar-se sério.
— Acha que poderão usar novamente o aparelho de retardamento para atacar-nos?
— Não tenho a menor dúvida. — Rous acenou com a cabeça, mas subitamente ficou
calado, pois junto às jaulas dos “uuuns” houve um tumulto. Alguém gritou algumas
palavras, mas Rous e Rhodan não conseguiram entendê-las.
— Tome todas as providências para que possamos decolar dentro de dez minutos —
disse Rhodan. — Não quero perder mais tempo.
Rous afastou-se e Rhodan passou a dedicar sua atenção às jaulas, que também
seriam levadas para a Sambo.
Gucky não deixou de aproveitar o tempo de que dispunha na dimensão estranha,
mesmo que não tivesse recebido ordens específicas para agir.
O rato-castor logo que descobriu as lagartas gigantes e estabeleceu o contato
telepático. Não conseguiu transmitir seus pensamentos e desejos aos “uuuns”, mas pôde
ler perfeitamente o que aqueles seres pensavam.
E seus pensamentos eram bastante elucidativos.
Gucky agachou-se na frente da jaula. Permaneceu concentrado até que chegassem os
homens que levariam as jaulas para a Sambo.
— Não os prendam — disse Gucky em tom indignado, saltitando nervosamente de
um lado para outro. — São inofensivos. Os donos da outra dimensão abusaram deles,
Não são as criaturas que vocês pensam.
Houve certo espanto. Ragow aproximou-se e, durante alguns minutos, conversou
aos cochichos com Gucky. O que este lhe disse confirmou suas suposições. As lagartas
não passavam de servos dos invisíveis.
Gucky sentiu-se tranqüilizado quando Ragow lhe garantiu que as lagartas teriam um
tratamento adequado e decente.
Mais de cinco minutos faltavam até a decolagem da Sambo, e Gucky resolveu
aproveitá-los. Teleportou-se para uma rocha não muito distante e examinou as cavernas.
Em todos os lugares encontrou as lagartas imóveis, que ao contrário das prisioneiras
permaneciam em sua dimensão temporal, e não executavam o menor movimento. Aliás,
elas se mexiam, mas seus movimentos eram setenta e duas mil vezes mais lentos que os
de Gucky. Vistas a olho nu eram imóveis como o granito. E também tinham a dureza do
granito, pois a força da inércia, aumentada setenta e duas mil vezes, tornava sua pele
totalmente insensível.
Havia outra coisa submetida às leis naturais dos dois planos existenciais que se
cortavam neste ponto.
Gucky não demoraria a descobrir.
O rato-castor manteve-se imóvel diante do grupo das lagartas imobilizadas, e
prestou atenção ao seu uuum prolongado. Por aqui o som só percorria cinco milímetros
por segundo, isto é, o som originário do outro plano temporal. Era claro que esse
retardamento não deixaria de produzir seus efeitos acústicos.
“Estas lagartas imobilizadas no tempo devem pensar”, imaginou Gucky. “Por que
não tento descobrir o que se passa em seus pequenos e primitivos cérebros? Não são
prisioneiras como as outras; estão livres. Talvez revelem alguma coisa que suas
semelhantes estão ocultando.”
Gucky passou à recepção e... cambaleou. Quase chegou a cair.
“Por todos os sistemas solares do Saco de Carvão... o que será isso?”, pensou
assustado.
O cérebro de Gucky não captou pensamentos inteligíveis e ordenados; apenas ouviu
um conjunto de impulsos prolongados, totalmente incompreensíveis, que lembravam uma
peça de música eletrônica. Em termos acústicos, poderia dizer que era como se
encostasse o ouvido a uma casa de abelhas. Não conseguiu distinguir e classificar os
impulsos.
Desligou-se imediatamente e isolou a parte telepática de seu cérebro de mutante.
Orientou-se com um olhar e teleportou-se para o lugar em que Rhodan se encontrava.
Materializou-se bem a seu lado.
— Então? — perguntou Rhodan com a voz tranqüila. Estava acostumado em ver o
rato-castor surgir do nada. — Trate de subir a bordo. Decolaremos dentro de poucos
minutos.
Gucky relatou em tom exaltado a experiência que acabara de fazer com as lagartas.
Era a primeira vez que não conseguia encontrar qualquer explicação para um fenômeno.
— Afinal, consegui ler os pensamentos dos outros “uuuns”, ou melhor, das outras
lagartas. Por que com as que vi agora foi diferente? Também devem pensar, não é?
Rhodan mostrou um ligeiro sorriso irônico.
— É claro que pensam, Gucky; e pensam da mesma forma que as outras. Apenas,
seu pensamento se desenvolve em outro plano temporal. Pensam mais devagar. O que
você captou foram seus impulsos mentais, transmitidos num ritmo setenta e duas mil
vezes mais lento.
O rato-castor não respondeu. As palavras de Rhodan pesavam em sua consciência,
pois compreendeu imediatamente o alcance das conseqüências que teriam de ser
extraídas daquela explicação.
Nunca poderia haver uma comunicação entre o homem e o “uuum”! O contato só se
tornava possível quando um se transportasse para a dimensão do outro.
Gucky saiu saltitando em direção à Sambo.
Rhodan insistiu para que partissem o quanto antes. Só ele compreendia todo o
alcance de um retardamento. Caso não estivesse muito enganado, para Bell, que se
encontrava a bordo da Drusus, já deviam ter passado várias horas ou até dias.
Rhodan foi o último a pisar no passadiço inclinado que levava à escotilha de
entrada. Lançou um olhar ligeiro para a K-7. A nave teria de ficar onde estava, pois no
momento era praticamente impossível trazê-la de volta à sua dimensão temporal.
Sikermann, que já estava sentado junto aos controles, aguardava nervosamente a
ordem de decolar. Gucky se dirigira ao setor em que Ragow e Noir cuidavam das lagartas
prisioneiras. Passou a interessar-se tremendamente por aqueles seres vindos de outra
dimensão. Agora, que contava com o auxílio de Noir, não teve a menor dificuldade de
entrar em contato com aqueles seres.
A conversa poderia ser iniciada.
Rhodan fez um sinal para Sikermann quando a luz verde se acendeu, anunciando
que todas as escotilhas estavam fechadas e a nave achava-se pronta para decolar.
— Suba devagar. Não acelere muito. A rota já é conhecida. Pousaremos ligeiramente
a meio caminho para recolher Josua, o meteorólogo. Depois vamos diretamente à janela
luminosa.
Os minutos seguintes passaram-se com uma rapidez extraordinária. Josua foi
recolhido e o vôo prosseguiu. Rhodan fitava Ininterruptamente as largas telas frontais da
sala de rumando. Não tirava os olhos da planície que deslizava embaixo deles. O tenente
Rous corrigia a rota sempre que isso se tornava necessário. Afinal, não havia ninguém
que não conhecesse a rota entre o vulcão e a janela luminosa tão bem quanto ele.
Bem longe, junto à linha do horizonte, a uns cem quilômetros de distância, via-se
uma “parede” escura e opaca. Essa “parede” se erguia bem alto, mas tornava-se cada
vez mais fraca e transparente. Rous explicou a Rhodan que essa “parede” não passava de
energia pura, ou então de tempo transformado em matéria. O fenômeno fora provocado
por um efeito colateral ainda desconhecido do gerador de campo de curvatura.
Tempo transformado em matéria...!
Rhodan sentiu um calafrio quando o significado dessas palavras atingiu sua
consciência. Era inacreditável! Mas devia ser isso mesmo.
A Sambo passou pelo lugar onde antigamente se situara a pequena “muralha” do
tempo.
Alcançaram a planície onde havia uma área vitrificada, ainda incandescente.
— Foi ali que o raio energético mortal dos atemporais atingiu a superfície — disse
Rous em tom indiferente. — Isso aconteceu há cerca de oito dias. A rocha ainda não se
solidificou.
Rhodan não deu atenção às palavras de Rous, nem ao círculo incandescente.
Seus olhos sempre atentos haviam notado um ligeiro movimento no sentido de
deslocamento da nave.
Era no lugar em que o anel luminoso assinalava o ponto de contato das duas
dimensões.
A Janela luminosa continuava no mesmo lugar. Portanto, o caminho de volta a seu
plano temporal não estava fechado. Poderiam abandonar este Universo estranho.
Acontece que não puderam...
Com o formato de torpedo, umas vinte naves compridas, vindas do espaço, correram
vertiginosamente em direção ao anel luminoso e abriram um tremendo fogo com suas
peças energéticas contra o fenômeno luminoso. As naves desconhecidas percorriam dois
quilômetros por segundo. Em sua dimensão temporal, isso correspondia à metade da
velocidade da luz.
Estendida diante da abertura na barreira do tempo, a cortina de fogo tornava-se cada
vez mais densa. Rhodan viu imediatamente que seria impossível romper a barragem. Os
campos defensivos de sua nave não resistiriam.
Só restava uma possibilidade...
3

— Pronto! — disse alguém. — Pode ligar.


Sombras deslizavam pelos corredores e compartimentos da gigantesca nave, que
circulava a grande distância em torno daquele sistema solar. Corria à velocidade da luz,
sem que o compensador de tempo tivesse sido ligado. O efeito esperado surgiu
imediatamente. Os estranhos que haviam penetrado em sua dimensão tornaram-se
visíveis.
— Está ligado — soou a resposta vinda da nave-mãe, que se encontrava a várias
horas-luz de distância, mantendo-se na atmosfera do planeta, à espreita do inimigo. —
Pode orientar-nos.
Isso era imprescindível, pois só assim os estranhos se tornavam visíveis nas telas do
gigante espacial. As naves menores continuavam “cegas” e dependiam das ordens do
gigante, que dirigia a ação.
A sombra inclinou-se sobre as telas.
Lá embaixo, naquele mundo quase superpovoado, havia um movimento intenso. Há
pouco um planeta de outro plano temporal fora atingido pela frente do tempo, e os seres
estranhos foram transferidos ao seu plano existencial. As lagartas cuidariam deles; levá-
los-iam aos alojamentos e lhes forneceriam alimento, A comunicação não representava
qualquer problema, pois os estranhos já não viviam mais depressa que eles, já que se
haviam adaptado a seu ritmo.
...Com exceção daqueles que, mediante o auxílio da técnica, conseguiram penetrar
em seu plano temporal, conservando sua própria dimensão. Moviam-se com tamanha
rapidez que permaneciam invisíveis. Representavam um perigo, pois o objetivo dos
invisíveis consistia em igualar os dois planos.
A estação retransmissora de imagem funcionava perfeitamente.
— As armas estão preparadas? — perguntou alguém.
— Estão preparadas! — foi a resposta vinda da nave capitania.
— Pois aumente a velocidade para aproximadamente metade da luz. Essa
velocidade é tão elevada que nem mesmo os estranhos poderão desviar-se do ataque. Eu
os orientarei.
Antes que a frota de guerra pudesse executar a ordem, uma coisa estranha
aconteceu.
Lá embaixo, perto do lugar em que minutos atrás os seis estranhos haviam
penetrado em seu plano existencial, surgiu um fenômeno luminoso, um anel gigantesco.
Os observadores enigmáticos já conheciam o fenômeno. Era causado pelo aparelho que
permitiu aos outros seres o ingresso em seu plano temporal.
“Estariam recebendo reforços?”, pensou um deles.
O anel chamejante fechou-se. Quase no mesmo instante, uma esfera escura surgiu
no centro do mesmo. Vinda do nada, penetrou naquele mundo e logo desacelerou. Num
vôo seguro, dirigiu-se calmamente às montanhas onde a esfera menor estava à espera.
O receptor captou impulsos distorcidos.
O mestre ordenou à sua frota:
— Aguardem!
As naves pretas esperaram. Dali a meio segundo veio a contra-ordem:
— Atacar! Dirigirei a ação.
Haviam passado já uns dez minutos. Em suas telas os desconhecidos se deslocavam
à velocidade natural. Para eles, o tempo também passava mais depressa do que para
aqueles que não se deslocavam à velocidade da luz,
— Vôo concêntrico à metade da velocidade da luz.
Os sinais de comando provocaram a reação das naves. Desenvolvendo a velocidade
ordenada, vinte cruzadores esguios precipitaram-se para a superfície do planeta e abriram
fogo.
Mas logo receberam outras ordens...
***
O Tenente Rous deu de ombros. Estava perplexo.
— Sinto muito, mas não lhe posso dar qualquer explicação. Steiner também não
sabe o que fazer. Pelos nossos cálculos, para eles não devem ter passado mais de dez
segundos desde o momento em que penetramos neste plano temporal. Não é possível que
nestes dez segundos tenham descoberto qualquer método novo.
— Acontece que descobriram! — disse Rhodan em tom enfático, acrescentando
com a voz séria: — Estão reagindo em milésimos de segundo. Parece impossível, mas a
prova está aí. Se não encontrarmos uma explicação, estaremos liquidados.
Enquanto falava, não tirava os olhos da tela.
As naves desconhecidas tinham formato extremamente longo, fino e pontudo. Eram
feitas de metal negro. Haviam descido junto à janela luminosa e bombardeavam-na com
suas peças de artilharia energética. Colocaram uma verdadeira barreira de energia
chamejante à frente da mesma, tornando impossível a volta ao Universo do homem ou a
chegada de novos reforços.
— Não poderíamos atacar as naves pretas?
Rhodan fez um gesto afirmativo.
— É claro que poderíamos, mas não sei como nossos campos defensivos reagirão a
raios energéticos que percorrem apenas quatro quilômetros por segundo. O senhor tem
uma idéia sobre isso?
Rous sacudiu a cabeça. De lugar mais afastado, Steiner disse:
— Imagino quais são suas suposições. Os raios energéticos estão sujeitos às leis do
outro plano temporal. Sua força destrutiva deve ser maior — hesitou um pouco. — Será
que não poderia ser menor?
— O senhor acha que devemos experimentar? — perguntou Rhodan.
Steiner não respondeu. Rhodan soltou um suspiro.
— Uma coisa é certa. Eles nos vêem, e não com um atraso de cinco minutos; no
máximo o atraso é de cinco segundos. Fizeram algum progresso. Não sei o que fazer.
Sikermann, peça a Crest e Atlan que compareçam à sala de comando.
A Sambo encontrava-se a vinte quilômetros da janela luminosa. A mão de
Sikermann estava pousada sobre a alavanca de aceleração. Assim que um dos feixes
energéticos que bloqueavam sua retirada se dirigisse para eles, poderia fazer com que a
nave disparasse para o alto. Disporia de dez segundos.
Crest foi o primeiro que entrou na sala de comando. Sua figura alta e veneranda,
com os cabelos brancos, os olhos avermelhados de albino e as mãos finas provavam que
era arcônida. Sorriu para Rhodan e os outros homens e acomodou-se numa das poltronas.
Atlan, o imortal, não tinha o aspecto de arcônida. Vivera durante dez mil anos na
Terra, entre os homens, sem ser reconhecido, e adotara alguns de seus hábitos. A máscara
que costumava exibir deixara seus sinais, apagando algumas das características do
arcônida. Também sorriu. Seu sorriso exprimia uma ironia misturada com uma sensação
de superioridade, que em outra oportunidade teria irritado Rhodan.
Hoje não.
— Não tive a intenção de trazê-los nesta expedição — disse com a voz mais
tranqüila possível. — Foram os senhores que insistiram dela participar. Por isso quero
dizer-lhes que encontramo-nos numa situação para a qual não vejo nenhuma saída.
Relatou em palavras ligeiras o que acabara de acontecer. Crest e Atlan ouviram sem
interrompê-lo. Seus rostos exprimiam preocupação; mesmo Atlan deixara de sorrir.
— Agora não sabe o que fazer, não é, bárbaro? — perguntou Atlan em tom irônico.
— E quer que nós, que não passamos de arcônidas degenerados, o ajudemos. Não acha
que é uma pretensão um tanto absurda?
— De forma alguma — respondeu Rhodan. — Nunca afirmei que você ou Crest
fossem indivíduos degenerados. Pelo contrário! Acho que são os representantes mais
capazes de seu povo. Por que estamos discutindo? Seria melhor se todos refletíssemos
para descobrir um meio de voltar à nossa dimensão temporal. Isto aqui não é o passado,
nem o presente ou o futuro. Apenas é... diferente.
Atlan fez um gesto afirmativo.
— Sim, Perry; concordo com você. Isto aqui é diferente. Mas soubemos vir; logo,
saberemos voltar.
— Mas não será através da barragem existente junto à janela luminosa.
Atlan voltou a fazer um gesto afirmativo.
— Antes de mais nada precisamos encontrar uma explicação de como subitamente
esses seres conseguiram reagir tão depressa, embora, segundo se diz, vivam setenta e
duas mil vezes mais devagar que nós. O que terá acontecido?
— Bem que gostaria de saber... — principiou o Tenente Rous, mas Atlan fez um
gesto para que se calasse.
— Saberemos, desde que saibamos usar a lógica. A primeira lembrança que me
ocorre é a das lagartas que temos a bordo. Perderam sua dimensão temporal e se
adaptaram à nossa. Não seria possível que os invisíveis também tivessem feito essa
adaptação?
— Foi exatamente o que pensei — disse Rhodan, sem dar a menor atenção ao
sorriso de Atlan. — Continue.
— A coisa é muito simples. Até hoje não sabemos exatamente o que acontece
quando se atinge a velocidade da luz, porque nunca tivemos oportunidade de
experimentar. À nossa velocidade da luz, entramos em transição, com o que os
compensadores de tempo passam a funcionar automaticamente. Até hoje ninguém tentou
viajar à velocidade da luz sem esses aparelhos. Exceto o Tenente Rous e seus homens. E,
mesmo ali, isso foi feito apenas em sentido relativo. De qualquer maneira, o senhor não
poderá deixar de reconhecer que isto representa uma resposta.
Rhodan acenou com a cabeça, mas preferiu não contestar o imortal. Aguardou
tranquilamente para ver se Atlan confirmaria as suposições que lhe haviam ocorrido.
— O que poderia ter acontecido quando esses seres tiveram a idéia de voar também
à velocidade da luz? Será que com isso a concepção do tempo sofreu uma deformação?
Passaram a viver tão depressa como nós? O que terá acontecido se assim foi? Será que
nos vêem da mesma forma que nós nos vemos? Para eles o tempo passará tão depressa
como para nós? Terão de morrer mais depressa, porque vivem mais depressa? Ainda
teremos tempo para desenvolver estas especulações. O que importa é encontrar uma
explicação, e, face ao que acabo de dizer, acredito que já a encontramos.
— Isso seria...! — disse Steiner em tom de espanto e lançou um olhar de
perplexidade para Atlan, que retribuiu o olhar com um sorriso.
Rhodan e Sikermann fizeram gestos de assentimento. Crest mantinha-se tranqüilo e
mudo, mas em seus olhos calmos brilhava o orgulho que sua ascendência lhe infundia.
Ainda sabiam desenvolver um raciocínio coerente e extrair conclusões decisivas.
Ao menos Atlan era capaz disso.
Rhodan disse:
— Sinto-me mais tranqüilo ao ouvir uma explicação relativamente simples, embora
ainda não tenhamos nenhuma prova de que seja correta — lançou um olhar para a tela. —
Três das naves pretas suspenderam o fogo. Sobem relativamente devagar e viram a proa
para nós. Acredito que daqui a pouco teremos oportunidade de apurar a diferença de
tempo pela qual eles se aproximaram de nós. Então poderemos deduzir seu tempo de
reação.
Atlan sentara ao lado de Crest. Os dois arcônidas conversavam em voz baixa.
Rhodan percebeu que discutiam os meios de atingir o inimigo.
— Mantenha a Sambo preparada para partir a qualquer momento — disse Rhodan,
dirigindo-se ao piloto e voltou a contemplar a tela.
As três naves desconhecidas haviam subido às camadas superiores da atmosfera,
sempre com a proa dirigida para a Sambo. Tornava-se evidente que pretendiam lançar um
ataque.
— Guie-se pelos meus comandos, tenente! Precisamos descobrir dentro de quanto
tempo conseguem reagir a uma modificação na situação — observou Rhodan.
Tratava-se de uma oportunidade única de verificar o tempo de reação. Por ocasião
do primeiro ataque desfechado contra o Tenente Rous esse tempo fora de cinco minutos.
Mas agora talvez tivesse sofrido uma redução acentuada.
As três naves emitiram um lampejo. Rhodan percebeu-o no mesmo instante em que
os raios atingiram os campos defensivos da Sambo. Antes disso, não poderia vê-los.
Os ponteiros executaram movimentos violentos e o zumbido que se ouvia no
interior da nave cresceu subitamente.
— Vamos embora! — gritou Rhodan.
A reação de Sikermann foi imediata. A Sambo saltou e atingiu a estratosfera do
mundo de cristal. Dali a pouco alcançou a marca dos dois quilômetros por segundo,
deixando para trás os raios energéticos que a perseguiam. Mas as três naves não
desistiram. Seguiram-na.
Três quilômetros por segundo; isso correspondia a setenta e cinco por cento da
velocidade relativa da luz. Rhodan não sabia explicar como os seres conseguiam vê-los..
Se a teoria de Atlan fosse correta...
Mas poderia sê-lo? Ás três naves que os perseguiam só percorriam dois quilômetros
por segundo. Em seu plano temporal isso era apenas metade da velocidade da luz.
Rhodan desistiu de quebrar a cabeça sobre o problema. Não poderia saber que lá
fora, a vários dias-luz do mundo de cristal, a nave-mãe dos seres cruzava o espaço à
velocidade verdadeira da luz — verdadeira no sentido do outro plano temporal — e
mantinha contato com as unidades da frota negra através das estações retransmissoras.
— Os campos defensivos agüentaram — disse Atlan em tom seco. Interrompera por
um instante a palestra que vinha mantendo com Crest. — Mas tenho minhas dúvidas
sobre se agüentarão o bombardeio de dezessete peças de artilharia.
— Neste caso estamos de pleno acordo, arcônida — respondeu Rhodan com a voz
tranqüila. — Nem vamos arriscar a experiência. Apenas gostaria de saber por quanto
tempo ainda poderemos brincar de esconder com o inimigo.
— Brincar...? — perguntou Gucky de repente. — Será que eles brincam de
esconder?
Rhodan respirou fortemente e dirigiu-se ao rato-castor.
— Quero evitar qualquer mal-entendido — disse em tom enfático. — Ninguém
afirmou que estão brincando. Sei que você gosta de brincar, mas esta não é a hora.
Subitamente estacou e lançou um olhar atento para o rato-castor.
— Bem, ao menos a palavra brincar não seria uma designação adequada — fez
outra pausa para refletir. — Chame Ras Tschubai! — disse.
Gucky chilreou algumas palavras incompreensíveis, mas obedeceu. Escorregou do
sofá e caminhou em direção à porta. Mas antes de chegar lá resolveu outra coisa. Parou,
concentrou-se e desapareceu em meio a uma nuvem de ar tremeluzente.
Preferira teleportar-se.
Atlan não era telepata.
— O que pretende fazer com Ras Tschubai? — perguntou.
Rhodan não tirou os olhos da tela. Embaixo deles deslizava a superfície do mundo
de cristal. Na verdade, o planeta já se transformara numa gigantesca esfera, em torno da
qual a Sambo se deslocava à velocidade de três quilômetros por segundo. Dessa forma,
estariam razoavelmente protegidos contra um eventual ataque de surpresa.
— Ras Tschubai é um teleportador, tal qual Gucky. Pretendo enviar os dois a uma
das naves inimigas.
Até mesmo Atlan espantou-se com o plano. Depois de alguns segundos de silêncio,
perguntou:
— Por quê?
Com um sorriso suave, Rhodan respondeu:
— Quero saber como são esses seres. Apenas isto.
***
Ivã Ragow, o biólogo, não se interessava pelo aspecto exterior dos inimigos, nem
pelos ataques que a frota deles vinha desfechando contra a Sambo. O que o mantinha
ocupado naquele momento era o estudo da vida psíquica das lagartas aprisionadas. Noir e
John Marshall ajudaram-no. Com o auxílio destes, conseguira até estabelecer uma
verdadeira comunicação com esses seres.
Noir era hipno. Não tinha a menor dificuldade em projetar uma imagem mental nos
cérebros dos prisioneiros, e essa mensagem correspondia exatamente àquilo que se
pretendia dizer ou perguntar aos mesmos. As lagartas formulavam a resposta em seus
pensamentos, e esta era captada por Marshall, o telepata.
Era tudo muito simples.
Ragow sacudiu a cabeça de espanto.
— Noir, pergunte-lhes se conhecem seus senhores, e de que forma recebem as
ordens dos seus superiores.
Noir concentrou-se para criar a respectiva imagem mental. Marshall procurou sentir
a resposta. Quando veio, sacudiu a cabeça.
— Nunca os viram, Ragow. Segundo afirmam, as ordens são transmitidas pelo rádio
ou por meio de robôs.
— Coitados — disse Ragow em tom distraído. — Quer dizer que nunca os viram,
embora vivam no mesmo plano temporal. É de espantar. Talvez sejam criaturas muito
esquivas.
Depois de algum tempo, Marshall disse:
— Não é isso. Pelo que dizem as lagartas, eles não têm nada de esquivo. Devem ter
um motivo todo especial para nunca aparecer. Não consigo descobrir mais que isto.
Ragow contemplou os prisioneiros. Depois dedicou sua atenção a outra jaula, na
qual estavam três lagartas imóveis. Esses exemplares haviam sido levados para bordo da
Sambo por meio de um campo antigravitacional. Foram deixados no seu plano temporal,
para que pudessem ser estudados assim que chegassem à Terra.
— Talvez — dissera Steiner — o salto pelo hiperespaço traga uma surpresa.
Uma das lagartas mantinha o corpo ereto e estava levantando a presa do lado direito.
Nas últimas duas horas, os membros finos haviam subido dez centímetros.
As outras estavam deitadas. Parecia que estavam pensando. Era possível que
realmente estivessem.
Ragow voltou a olhar a que estava de pé.
A presa direita subira mais cinco centímetros.
Não numa hora, mas em pouco menos de dois minutos.
***
Ras Tschubai, um africano, era de estatura robusta e, tal qual os outros mutantes,
recebera a ducha celular do planeta Peregrino, que lhe conferia uma imortalidade relativa,
ao menos por um tempo ligeiramente superior a sessenta anos.
Seu dom era o da teleportação.
De repente, apareceu na sala de comando ao lado de Gucky, e anunciou a Rhodan
que estava pronto para entrar em ação.
A Sambo continuava a circular em torno do planeta de cristal, nome que lhe fora
dado em virtude de sua vida paralisada. As três naves negras dos inimigos seguiam-na em
ritmo um pouco mais lento. Esforçavam-se para atingir a esfera mais veloz. Alguns
disparos energéticos isolados erraram o alvo móvel.
Rhodan pediu a Sikermann que não permitisse que a distância fosse reduzida a
menos de cem quilômetros. Numa distância dessas não havia como fazer uma pontaria
segura, ainda mais que na dimensão em que se encontravam a mesma correspondia a 25
segundos-luz.
Dirigiu-se a Ras Tschubai e Gucky.
— Olhem a tela de popa. Ali estão as três naves. A distância é de cem quilômetros.
Saltem juntos e permaneçam sempre um ao lado do outro. Quero saber como são esses
seres. Gucky procurará manter contato telepático com eles, enquanto Ras lhe dará
cobertura. Se forem atacados, defendam-se. É possível que aqueles que se encontram
naquelas naves não vivam mais devagar que nós. Portanto, tenham cuidado.
— Talvez não sejam telepatas — ponderou o rato-castor.
— Nesse caso voltem e levem Noir. Ras Tschubai tirou o radiador do cinto e
destravou-o. Ao que parecia, não estava disposto a assumir qualquer risco. Gucky não
levou nenhuma arma, mas fez esta pergunta:
— Que tal se depositássemos uma bombinha nessas naves-aspargo?
Rhodan reprimiu um sorriso.
— Calma, meu filho! Ainda não sabemos quais são as intenções deles. É possível
que apenas se sintam ameaçados e estejam agindo para defender-se. O que determina o
caráter de um indivíduo não são seus atos, mas os seus motivos.
— Suas palavras são muito sábias — respondeu Gucky em tom irônico e fez uma
mesura. Seus olhos castanhos piscaram alegremente. — Tomara que eles tenham a
mesma opinião.
— Procurem voltar depressa — disse Rhodan. — Boa sorte!
Gucky aproximou-se de Ras Tschubai e segurou-lhe a mão. Fizeram um sinal,
concentraram-se ao mesmo tempo e desapareceram.
Por algum tempo Rhodan fitou o espaço vazio; depois voltou a dirigir-se a
Sikermann:
— Mantenha a rota. Modifique-a apenas se surgir um caso de emergência. A
velocidade deverá ser constante.
Estava muito curioso para saber o que os dois teleportadores lhe contariam.
***
Ao notar a rematerialização, Gucky sentiu a mão do africano pousada na sua. O
salto simultâneo fora bem sucedido, pois não se haviam afastado um do outro.
Em torno deles reinava a penumbra. Sob seus pés havia um soalho flexível,
semelhante a um tapete de plástico. As paredes brilhavam numa luz indefinida, que delas
parecia emanar. O teto era negro e máquinas desconhecidas vibravam.
Não se ouvia mais nada.
— Está escutando alguma coisa, com exceção do som das máquinas?
O africano fez que não. Depois de uma pausa, cochichou:
— E você? Está captando impulsos mentais?
Gucky sacudiu a cabeça.
— Apenas percebo alguns fragmentos confusos, semelhantes aos que captei das
lagartas petrificadas. Mas os impulsos vêm de muito longe; sinto-o por causa da
intensidade. Um momento! Isso mesmo, sou um burro!
— Sempre acreditei que fosse um rato-castor — disse Ras Tschubai...
Gucky não estava disposto a ouvir piadas.
— O que captei foram os impulsos mentais dos homens que se encontram na Sambo
e dos seres do mundo de cristal. Nesta nave não há ninguém que esteja pensando. Ou
então estão usando aparelhos de bloqueio. Não consigo localizar ninguém.
Ras esteve a ponto de responder, mas resolveu ficar quieto...
Ouviram o som fraco de passos. Eram irregulares e arrastados. Estavam se
aproximando.
— Vem alguém — disse Ras em tom assustado.
Forçou a vista, mas o corredor que agora já conseguia enxergar fez uma curva.. Os
passos vinham do outro lado da curva e aproximavam-se inexoravelmente.
O africano segurou o braço de Gucky.
— Não acha que devíamos...
— Dar o fora? Nem pense nisso! Muito bem; concordo plenamente em que
procuremos um esconderijo, pois quero olhar esse ser com toda calma. Vamos até ali.
A poucos metros de distância encontraram um nicho. Provavelmente se destinava ao
depósito de certos objetos. Naquele momento prestava um serviço excelente a Ras e
Gucky, já que os escondeu dos olhos do alguém que se aproximava.
Os olhos dos mutantes já se haviam acostumados à semi-escuridão; viam
perfeitamente os arredores. Nas paredes, junto às fontes de luz, viram figuras esquisitas,
cuja finalidade não conseguiram adivinhar. Gucky logo percebeu que não se tratava de
quadros. Antes pareciam esculturas, se bem que não tivesse muita certeza. Havia várias
portas que levavam a compartimentos desconhecidos.
Uma sombra começou a tomar forma.
Não media mais de um metro, tinha formato esférico e, pelo que se via, dispunha de
vários membros que lhe serviam à locomoção. Finos tentáculos ou antenas subiam
verticalmente, balançando levemente.
O ser aproximou-se. Os detalhes tornaram-se perceptíveis.
Ras esforçou-se em vão para procurar os olhos, a boca ou as orelhas.
“Estranho, esse ser parece não ter rosto!”, admirou-se o mutante.
Seu corpo era assimétrico. Não era redondo nem quadrado, nem gordo ou magro.
Parecia um grande pingo de metal líquido endurecido repentinamente.
Ras Tschubai falou com a voz quase inaudível.
— Ele se move muito devagar, mas não há dúvida de que se move. Logo, encontra-
se em nosso plano temporal.
Gucky acenou com a cabeça, mas não disse nada. Seus olhos fascinados
contemplavam o ser que deslizava lentamente na direção em que se encontravam. O
termo deslizar era a expressão correta para designar essa forma de locomoção. Às pernas
— ou membros — moviam-se ininterruptamente. Duas ou três das pernas curtas sempre
estavam em contato com o solo. Praticamente poderia caminhar, fosse qual fosse
praticamente a posição de seu corpo.
“Um ouriço-do-mar amassado! É este o aspecto desse ser. Para que servem as
antenas? Será um telepata?”, pensou o rato-castor.
Gucky fez mais um esforço para penetrar na mente do estranho ser, que se
encontrava a menos de dois metros. A tentativa fracassou, da mesma forma que as
anteriores. Os impulsos tateantes de Gucky esbarraram numa muralha.
Ras tinha razão. O ser movia-se devagar, embora certamente tivesse passado por um
processo de adaptação. Mas era possível que aquilo fossem apenas os movimentos
naturais de uma inteligência que tinha tempo.
A idéia do tempo provocou um calafrio em Gucky, que logo se lembrou de sua
missão. Precisava encontrar um meio de entrar em contato com o estranho.
Mas teria de ser justamente com este? Talvez fosse preferível observar essas
criaturas por mais algum tempo, antes de apresentar-se às mesmas. Era bem possível que
fosse apenas um tripulante de categoria subalterna. Se Gucky entrasse em contato com
alguém, esse alguém deveria ser o comandante do cruzador negro.
Mantiveram-se em silêncio e imóveis, até que o indefinível se tivesse afastado.
Ras suspirou aliviado.
— Que seres serão estes? — perguntou em tom de espanto. — Serão Insetos ou
mamíferos? Será que pensam? conseguiu apurar alguma coisa?
— Não há dúvida de que pensam, do contrário não poderiam travar uma guerra —
respondeu Gucky em tom sarcástico. — Mas, para dizer a verdade, não consegui captar
nenhum pensamento. Você viu as pernas? São dispostas de tal forma que ele sempre “cai”
sobre os pés. Enquanto anda, todas se movem.
Fez uma pequena pausa.
— Quase parece um autômato — acrescentou.
Ras não respondeu.
— Vamos à sala de comando — disse, adivinhando os pensamentos do rato-castor.
— Estou curioso para ver a reação deles quando aparecermos à sua frente.
— Já que seu aspecto é tão estranho, acreditarão que somos monstros — conjeturou
Gucky com certa dose de lógica. — Tomara que não se assustem muito.
— Se virem você em primeiro lugar — principiou Ras, mas preferiu não prosseguir.
Era melhor assim.
Gucky soltou um ligeiro chiado e disse:
— Vamos saltar para a sala de comando. Mas gostaria primeiro de saber onde fica!
Esse era o problema. Um teleportador só pode chegar ao destino quando pode vê-lo
ou ao menos imaginá-lo. Em outras palavras, alguém lhes deveria ter descrito o local, ou
eles mesmo já deviam ter estado lá.
Naquele momento, nenhuma dessas condições se verificava.
Gucky deu de ombros.
— Vamos andando; talvez tenhamos sorte. Se aparecer alguém, escondemo-nos num
nicho. Estes existem em toda parte. Além disso, os “ouriços” são tão lentos que
dificilmente poderão representar um perigo maior.
Depois da segunda curva, alcançaram o ser que já haviam visto. Os passos que
ouviam poderiam induzir em engano quanto à velocidade com que esse ser se deslocava.
A cada passo avançava no máximo dez centímetros, e entre um passo e outro decorriam
uns três ou quatro segundos.
Esperaram até que desaparecesse por uma porta. Isso demorou quase dois minutos.
— Estão um pouco atrasados no tempo — cochichou Gucky.
Nem desconfiava de que tinha razão, embora num sentido bem diferente do que
acreditava.
Depois que o caminho ficou livre, avançaram mais depressa. Não se encontraram
com mais nenhum daqueles seres. Não tiveram maiores dificuldades em achar a sala de
comando, pois a nave não possuía o conhecido formato esférico, sendo comprida e de
diâmetro reduzido. Por isso a sala de comando só poderia ficar na proa.
O corredor terminava diante de uma porta.
Ras Tschubai não saberia dizer por que ele e Gucky viam aquela parede lisa como
uma porta. Não havia o menor sinal disso. Não viram nenhuma maçaneta ou botão,
nenhuma reentrância em que pudessem enfiar a mão a fim de desencadear o impulso que
ativaria o fecho.
Era uma parede lisa — apenas isso.
Gucky começou a tatear e sentiu o primeiro obstáculo telecinético.
— É uma fechadura eletrônica — cochichou. — Só pode ser ativada por meio de
ondas elétricas. Eles sempre carregam um transmissor, quando pretendem passar por uma
porta. É estranho.
— Você pode abrir a porta? — perguntou Ras com a voz preocupada.
— Tentarei — consolou-o Gucky e concentrou-se na tarefa.
Enquanto isso, o africano montava guarda. Continuava a segurar o punho do
radiador de impulso, ao qual nenhum tipo de matéria resistiria, desde que desenvolvesse
toda sua potência.
Atrás da parede — ou da porta ouviu-se um ruído, Ouviu-se um ligeiro clic. A
parede escorregou para o lado. Surgiu um grande compartimento, cheio de instrumentos e
estranhos aparelhos. Não havia dúvida de que era a sala de comando da nave preta.
A primeira coisa a chamar a atenção de Ras foi uma gigantesca tela oval, embutida
na parede da frente. Nela se viu a Sambo, aparentemente imóvel e na expectativa, quando
na verdade se deslocava à velocidade de três quilômetros por segundo.
À frente da tela estavam três daqueles deres. Ao que parecia, não haviam notado que
a porta se abrira. Ao menos não procuraram deter os intrusos. Ao lado deles,
encontravam-se pesados blocos de metal que abrigavam máquinas ou outras instalações
desconhecidas.
Num canto, mais à direita, outra tela, um pouco menor, brilhava.
Ao vê-la, Ras estremeceu, embora não compreendesse a imagem projetada na tela.
Dois círculos cercavam um ponto, deslocavam-se lentamente e voltavam ao mesmo
lugar. Um dos círculos era vermelho e o outro verde. Era evidente que alguém cuidava
para que os dois círculos se cobrissem e para que o ponto ficasse exatamente no centro
dos mesmos.
Ras não compreendeu a finalidade daquilo, mas imaginava se tratar de um
dispositivo destinado a manter a rota fixada. Essa suposição era correta, mas naquele
momento ainda não sabia disso.
O ser que se encontrava entre os outros dois virou-se lentamente.
Gucky continuava a esforçar-se para estabelecer contato telepático com a estranha
criatura, mas não conseguiu. Não sentiu a menor reação mental. Até parecia que os
estranhos seres não passavam de autômatos sem alma; era ao menos a impressão de
Gucky.
Tentou o método acústico.
— Por que nos perseguem? — perguntou na língua dos arcônidas, conhecida em
todo o Universo. — Não queremos a guerra.
O ser finalmente acabara de virar-se por completo. Era evidente que ainda não havia
atingido o plano temporal dos terranos. Mas aproximava-se perigosamente do mesmo.
Gucky e Ras viram que os membros destinados à locomoção retraíram-se para
dentro da pele do ser esférico. Em compensação surgiram braços, em cuja extremidade se
viam vários instrumentos. Eram pequenas tenazes, chaves de fenda, dedos e até ventosas.
Deveriam possuir uma inteligência muito versátil.
Mas não tinham rosto.
Gucky e Ras não compreendiam como podiam ver, ouvir ou falar... se é que podiam.
Um dos braços encolheu-se lentamente, e dali a meio minuto uma abertura redonda
saiu do ventre esférico.
O indefinível não emitia qualquer impulso mental, motivo por que Gucky não pôde
descobrir as intenções daquele ser estranho. Foi tomado de surpresa, tal qual Ras, quando
ele abriu fogo.
Sem o menor aviso, um ofuscante raio energético passou entre Ras e Gucky,
batendo na parede e abrindo-se em leque...
— Seu bicho nojento! — gritou Gucky e saltou por baixo do raio, à procura de
abrigo.
Encontrou um bloco de metal que o protegeria. Enquanto isso, seus fluxos
telecinéticos atingiram o ser e obrigaram-no a rolar um pouco para trás. O raio energético
subiu na vertical e derreteu o teto da sala de comando.
Ras também procurara abrigo. E não hesitou em utilizar a arma que trazia. Olhando
por cima do bloco, fez pontaria, puxou o gatilho e não o soltou até que o estranho ser,
envolto em fogo, suspendesse o ataque. Até então ninguém resistira a um banho
energético com este.
Alguma coisa caiu pesadamente, produzindo um som metálico.
Gucky levantou cautelosamente a cabeça, e procurou descobrir a causa do estranho
ruído.
A visão oferecida ao rato-castor era tão espantosa que, por um instante, decisivo
esqueceu-se dos outros dois seres que se encontravam na sala de comando.
O atacante se abrira.
Uma larga fenda surgira na esfera, pondo à mostra seu interior. Os fios prateados,
chamuscados pelo calor e descoloridos em vários pontos, com as curvas e os
entrelaçamentos complicados, lembravam o interior de um sofisticado computador
eletrônico. As caixinhas metálicas, algumas delas destruídas, caíram de seus suportes
ruidosamente ao chão, onde se imobilizavam. Um tubo estourou com um ruído surdo, ou
então uma coisa que parecia um tubo. Uma chama azul levantou-se para apagar-se em
seguida. Subitamente o cheiro de borracha queimada e de ozônio encheu a sala de
comando.
Ras disse em tom assustado:
— Robôs! Não passam de robôs!
Gucky continuava a fitar o quadro que não conseguia compreender.
— São robôs; é verdade — confirmou, mas logo acrescentou: — Mas não podemos
afirmar que essas esferas realmente sejam os verdadeiros cabeças do ataque.
Ras esteve a ponto de responder, mas não teve tempo.
— Cuidado! — berrou e levantou o radiador de impulsos, para abrir fogo sem fazer
pontaria.
As outras duas esferas já deveriam ter registrado a derrota do colega. Agiram de
acordo com essa percepção e passaram ao ataque. O aviso de Ras Tschubai chegou no
último instante. Gucky desapareceu atrás do bloco metálico e procurou realizar sua
intervenção por via telecinética. Mas, face à lentidão das reações dos robôs, Ras gozava
de certa vantagem e conseguiu dominar a situação sem o auxílio de Gucky.
Com dois disparos rápidos liquidou os atacantes.
O quadro que se oferecia na sala de comando era desolador. Não podia haver muita
coisa que escapara à destruição. Os dois anéis coloridos escorregaram para fora da tela, e
Ras constatou que também a posição da Sambo mudava constantemente na tela oval.
A nave dos robôs desviava-se da rota. A superfície do planeta de cristal tornou-se
visível e aproximava-se vertiginosamente.
— Temos que dar o fora! — gritou Ras e preparou-se para saltar.
Gucky viu que não havia outra alternativa. Não havia mais nada que pudessem
encontrar nessa nave, e seria impossível permanecer ali caso não quisessem arriscar a
vida.
— Vamos saltar! — disse com a voz queixosa e exibiu o dente roedor, sem sorrir
como costumava fazer quando isso acontecia, — Mas ainda vamos dar uma olhada nas
outras canoas. Já sabemos do que se trata. Mas agora vamos voltar à Sambo.
Desmaterializaram-se.
Dali a dois minutos a nave dos robôs explodiu violentamente na superfície do
planeta de cristal.
Ao lado de Rhodan, na sala de comando da Sambo, Rous contemplava o espetáculo
com os olhos semicerrados.
— Não pode ser! — disse em tom assustado e empalideceu. — É impossível!
— O quê? — perguntou Rhodan laconicamente.
— É impossível que todo o planeta, todo o plano temporal se adapte ao nosso. Tem
outra explicação para o fato de que a detonação verificada lá embaixo se tornou visível
aos nossos olhos? Veja! O cogumelo da explosão sobe ligeiro pela atmosfera. Devia subir
lentamente, de forma quase imperceptível. Antes os pingos de chuva caíam apenas alguns
centímetros por hora, e agora...
Rhodan fez um gesto afirmativo.
— Quer uma explicação? — manteve-se imóvel que nem uma estátua, mas os
cantos de sua boca tremiam. — Não existe qualquer outro plano temporal, Tenente Rous.
Ao menos por enquanto.
Porém Perry já sabia que esse plano temporal existia; apenas, não se atrevia a
reconhecê-lo... pois isso significaria o fim de todas as esperanças.
4

Ivã Ragow sacudiu a cabeça e fitou John Marshall com uma expressão de
perplexidade, como se tivesse feito a sugestão de saltar da nave. Noir mantinha uma
atitude de expectativa. Procurava descobrir uma explicação para o fato de que as lagartas,
até então imóveis, começavam a adaptar-se a seu plano temporal.
— Não existe a menor dúvida. Nós as estamos assumindo sem atingir a velocidade
relativa da luz. Não posso dar nenhuma explicação, mas o fato é incontestável. Os
membros das lagartas já se movem com cinqüenta por cento da velocidade normal. Se a
modificação prosseguir no mesmo ritmo, daqui a meia hora serão tão rápidas como nós.
— Ainda bem que não é o contrário — disse Noir.
Os olhos de Ragow estreitaram-se.
— Será que nós perceberíamos se isso acontecesse? — perguntou com a voz
embaraçada.
— O quê? — ao que parecia, Noir não estava compreendendo.
Ragow explicou:
— Será que nós perceberíamos se fosse o contrário? Não existe nenhum ponto
neutro de referência pelo qual possamos guiar-nos.
Noir compreendeu. E Marshall também.
— Ragow, será que o senhor quer dizer que...
Marshall não teve tempo de expor sua opinião, pois nesse momento ouviu-se o som
estridente do intercomunicador da nave. O rosto de Rhodan apareceu na pequena tela.
— Peço a todos os oficiais e chefes de equipes científicas que compareçam a uma
reunião na sala dos oficiais. A reunião terá início dentro de dez minutos.
A tela apagou-se.
Marshall fitou Ragow.
— Então; o que me diz? — perguntou, pois já reconhecera os pensamentos e as
conjeturas que enchiam a mente do russo. — Ao que parece, em outro lugar também já
estão pensando como o senhor.
Ragow fez um gesto afirmativo.
— Daqui a dez minutos saberemos.
Lançou mais um olhar para as lagartas, que se libertavam progressivamente e num
ritmo cada vez mais veloz da rigidez do tempo, e saiu da sala sem dizer uma palavra.
John Marshall seguiu-o, andando devagar.
***
— Quer dizer que as conclusões são as seguintes, e todas elas trazem uma
conseqüência inequívoca. Procurem descobri-la.
Rhodan fez uma ligeira pausa e fitou os rostos dos homens. Os oficiais da Sambo
mantinham-se de pé junto aos técnicos e mutantes. Seus rostos estavam sérios, pois
sabiam perfeitamente que Rhodan deveria ter um motivo importante para convocar uma
reunião enquanto estavam sendo perseguidos pelas naves pretas.
— Em primeiro lugar, Ragow descobriu que os movimentos das lagartas presas
começavam a adaptar-se aos nossos padrões de tempo. Tornaram-se cada vez mais
rápidas e já atingiram mais da metade da velocidade normal. Além disso, constatamos
que, ao que tudo indica, os robôs conseguiram seguir-nos, embora nossos movimentos
sejam setenta e duas mil vezes mais rápidos. Até aqui ficamos quebrando a cabeça em
vão para descobrir como conseguiram. Parece, todavia, que este ponto já não é tão
Importante.
“Gucky e Ras só encontraram robôs, e estes também viviam num ritmo um pouco
mais lento que o de nosso plano temporal. Quer dizer que mais uma vez isso prova que
houve um processo de adaptação. Mas o que esclareceu a situação foi a queda da outra
nave e sua destruição. Se bem que não possamos excluir a hipótese de que o inimigo
pode, mediante o uso de fatores que não conhecemos, aproximar-se de outro plano
temporal, seria absurdo supormos que isso aconteça com todo o planeta, conforme
pareceu indicar a explosão.”
Fez uma pequena pausa, para que suas palavras produzissem o efeito desejado.
Porém a maior parte dos ouvintes não se atreveu a extrair das mesmas a única conclusão
lógica, pois esta seria muito fantástica e... terrível.
Mas Rhodan não gostava que seus amigos fossem mantidos na incerteza. Fez um
ligeiro movimento com a mão e entrou em contato com a sala de comando:
— Sikermann, ligue a tela grande e transfira a imagem captada para a sala de
comando. Poderemos usar a tela de intercomunicação.
Esperou até que esta se iluminasse e exibisse a superfície do planeta de cristal, que
deslizava lentamente. Ou melhor, já não deslizava lentamente embaixo da Sambo. O
planeta girava em alta velocidade.
— Não aumentamos a velocidade — disse Rhodan com a voz tranqüila. — Apenas,
nosso vôo tornou-se mais rápido em virtude da adaptação dos planos temporais. Tenente
Sikermann, ligue o amplificador e diminua a velocidade da Sambo, para que possamos
reconhecer os detalhes da superfície. Fique de olho nas naves que nos perseguem.
A imagem projetada na tela tornou-se pouco nítida. O deserto e as montanhas
tornaram-se visíveis, passaram a deslizar mais devagar, e finalmente foram substituídos
por um cenário tão surpreendente que houve um murmúrio entre os espectadores.
No mundo de cristal a existência se desenvolvia num ritmo tão lento que não havia
qualquer movimento perceptível. Toda vida parecia extinta e imobilizada.
Até agora.
Acontece que naquele instante centenas de lagartas andavam pela tela, seguiam suas
ocupações, e fizeram como se nunca tivessem vivido num ritmo mais lento. Já não se
percebia qualquer diferença na dimensão temporal.
Os espectadores reconheceram alguns habitantes de Tats-Tor, que haviam sido
atingidos pelo contato dos dois planos, perdendo sua dimensão temporal e
desaparecendo. Mas agora viviam no mundo de cristal — e viviam num ritmo tão rápido
como as lagartas... e como as pessoas que se encontravam na Sambo.
Alguém gemeu. Devia ser uma pessoa que compreendia onde Rhodan pretendia
chegar.
Ivã Ragow adiantou-se.
— Já desconfiei disso quando examinei as lagartas enjauladas e vi que as mesmas
começavam a mover-se. Não é seu plano temporal que se adapta ao nosso, mas nosso
plano está perdendo a dimensão temporal que lhe é própria. Na verdade, estamos vivendo
num ritmo setenta e duas mil vezes mais lento que os homens da Terra ou os tripulantes
da Drusus. Cada segundo que passamos aqui...
Interrompeu-se e cobriu o rosto com as mãos.
Rhodan aproximou-se e colocou a mão sobre seu ombro.
— Isso é apenas uma suposição, Ragow. Ninguém sabe realmente quanto tempo está
passando, e devemos ter o cuidado de não tirar conclusões precipitadas. Uma coisa é
certa: estamos nos adaptando ao outro plano temporal, e não existe a menor dúvida de
que estaremos perdidos se não voltarmos bem depressa ao nosso Universo. Mas nem por
isso se pode dizer que a cada segundo, que passamos aqui, os homens da Drusus
envelhecem vinte dias. As relações entre os dois planos são flexíveis e indefiníveis. Não
conhecemos as leis que os regem, e que produzam todas as diferenças. Crest saiu de junto
de Atlan, com o qual estivera conversando em voz baixa.
— Existe alguma explicação para o fenômeno? — perguntou.
Rhodan sacudiu a cabeça.
— Esperava que o senhor fizesse essa pergunta, Crest. Infelizmente só posso
responder que por enquanto não existe. O senhor tem alguma explicação? Ou Atlan?
— Sim; temos uma explicação — disse Crest, procurando disfarçar o orgulho. —
Mas não podemos garantir que seja correta. Nos últimos dez mil anos nunca houve um
fenômeno igual a este. É completamente novo. Mas nossa tecnologia também é nova.
Como por exemplo o gerador de campo de curvatura. Sabemos que com ele conseguimos
romper a barreira que nos separava do outro plano temporal. Porém ninguém sabe dizer
qual é a influência que o aparelho exerce sobre o tempo em si. Há algumas horas
encontramo-nos sob a influência dos campos de curvatura que envolvem todo o planeta.
Além disso, atravessamos várias vezes a cúpula do tempo, que é a formação negra que
envolveu o gerador. No solo, a ruptura dessa parede não é possível, mas em grande
altitude, onde esta se torna mais fácil, pode ser realizada. Sabemos quais são os efeitos
desses fatos sobre nossa dimensão temporal?
Todos ficaram em silêncio. Nem mesmo Rhodan respondeu. Desconfiava de que
Crest encontrara a solução do mistério, muito embora isso não lhes adiantasse nada.
A única coisa que sabiam era que se haviam tornado prisioneiros de outra dimensão
temporal.
De uma dimensão temporal incrustada no Universo normal, que aos poucos o ia,
decompondo e inundando.
Rhodan perguntou a si mesmo se realmente seria uma catástrofe, mas logo voltou ao
presente duro e implacável.
— Vamos atacá-los — disse.
Os rostos confiantes de seus oficiais lhe revelaram que ninguém pensara em outra
possibilidade.
Será que existia outra possibilidade?
***
As duas naves-torpedo que os perseguiam haviam se aproximado. Mais uma vez,
Rhodan reduziu a velocidade e mandou que Gucky e Ras atacassem ao mesmo tempo. O
africano levou a arma de radiações. Já sabia que condições o aguardavam na nave
inimiga e tinha certeza de que não demoraria em derrubá-la. Os robôs esféricos eram
relativamente inofensivos e fáceis de subjugar.
Gucky, porém, preferiu mais uma vez não levar nenhuma arma. Tinha certeza de que
poderia desarmado lidar com os desconhecidos.
Poucos segundos antes do momento em que saltaram, uma coisa muito importante
aconteceu num lugar bem distante.
***
— Eles se tornam visíveis, mestre.
O ser ouviu as palavras do comandante da frota cujas unidades estavam paradas
junto ao anel luminoso para impedir que os estranhos regressassem a seu plano temporal.
Fez um gesto de surpresa.
— Visíveis? O que quer dizer com isso?
— Ainda são mais rápidos que nós; mais ou menos o dobro. Mas já podemos vê-los
sem recorrer à tela.
— Como é que vocês me vêem? — perguntou com a voz tensa.
— De forma normal e com a mesma velocidade.
Houve um suspiro aliviado.
— Nesse caso os estranhos estão sendo absorvidos por nosso plano temporal —
constatou. — Vencemos. Continue a bombardear o anel luminoso, para que não possam
fugir. Queremos pegá-los vivos, para descobrir como vieram para cá sem que de início
perdessem sua dimensão temporal. Iniciem a perseguição. Desligarei os aparelhos e
passarei à velocidade normal.
— Três das minhas naves saíram em perseguição dos desconhecidos. Uma delas
caiu.
O mestre registrou a observação. Depois disse:
— Se os estranhos não cessarem a resistência, atacarei com a nave-mãe.
Permaneceremos em contato.
Com um forte movimento de seus robustos membros puxou o acelerador para trás.
A velocidade da gigantesca nave diminuiu rapidamente.
Aproximou-se lentamente da superfície do mundo de cristal.
***
Gucky caiu fortemente e viu-se no chão de um corredor. Permaneceu imóvel e
aguçou o ouvido, mas não escutou os passos de qualquer robô. Concluiu que não haviam
percebido sua chegada. Mas era possível que estivesse enganado. Talvez o espreitassem.
Era muito raro que Gucky sentisse medo. Na verdade, o sentimento que de repente
passou a dominá-lo não era o medo, apenas a “certeza apavorante” de estar só. E a idéia
de que a qualquer momento poderia teleportar-se a um lugar seguro não o tranqüilizava
muito.
Em algum lugar, no interior do corpo metálico, trabalhavam máquinas. Ninguém
saberia dizer de que tipo eram as máquinas propulsoras criadas pelos enigmáticos seres.
Mas era de se supor que podiam atingir e ultrapassar a velocidade da luz. Sem esse
pressuposto técnico não poderia haver qualquer espécie de navegação espacial
interestelar.
Gucky caminhou tranqüilamente pelo corredor, sempre preparado para pôr-se em
segurança com um salto de teleportação. Sua tarefa consistia apenas em inutilizar a nave.
Ao que tudo indicava, não havia nenhum ser vivo a bordo, e esse fato tornava muito mais
fácil sua decisão. Todavia...
Uma das portas estava aberta.
Dava para um recinto no qual, em vez de telas, havia simples vigias. Gucky viu a
paisagem do planeta de cristal deslizar embaixo da nave; aliás, o planeta já não era de
cristal. A vida despertara do estado de rigidez. Toda diferença das dimensões temporais
havia desaparecido.
Mais adiante, a Sambo voava pelo espaço; era perfeitamente visível. A nave inimiga
também reduziu a velocidade, de maneira tal que ambas se deslocassem à mesma
velocidade. Concluiu que os robôs aguardavam; no momento não estavam atacando.
No corredor surgiu um zumbido, seguido do ruído de alguma coisa que se arrastava.
Gucky saltou para o lado e colocou-se atrás da porta.
“Será que há alguém a bordo, alguém que não seja um robô?”, pensou indagando-
se.
Um vulto maciço surgiu na porta. Pelo canto dos olhos Gucky percebeu que não se
tratava de uma das esferas. Desta vez, era algo muito diferente.
Abaixou-se para não ser visto. No interior do recinto, a luz não era muito forte. Ao
que parecia, os seres vinham de um mundo que gravitava em torno de um sol
envelhecido. Mas o que é que isso tinha que ver com os robôs?
O vulto maciço rolou para dentro da sala.
Gucky sabia que um robô não precisava andar necessariamente para locomover-se.
Este rolava sobre rodinhas colocadas embaixo de seu corpo. E o corpo era quase
retangular, com quatro membros de cada lado, e mais dois na frente e dois atrás. O vulto
não possuía cabeça; no lugar da mesma havia duas antenas encimadas por uma esfera
dourada, que balançavam lentamente. Gucky teve a impressão de sentir alguma coisa
parecida com uma corrente elétrica muito fraca, que provocou cócegas em seu corpo.
Isso não representava um perigo direto, mas poderia assumir esse caráter.
Aquilo que tinha diante de si era um robô. Por enquanto não conhecia a função que
ele desempenhava. Gucky já não tinha tanta pressa em derrubar a nave. Estava
interessado no robô. Qual seria sua reação ao perceber a presença de Gucky?
Por enquanto isso não aconteceu.
O colosso rolou para dentro da sala e parou no centro da mesma. Manteve-se imóvel
e agitou as antenas. Seriam os órgãos sensoriais, com os quais via e ouvia? Qual seria o
princípio de seu funcionamento?
Os fluxos mentais invisíveis atingiram o desconhecido e seguraram-no. Gucky
sentiu perfeitamente que o robô notou a influência estranha e procurou mover-se.
Mas Gucky não o soltou.
Ao mesmo tempo, saiu de seu esconderijo e caminhou lentamente em torno do
monstro, preparado para fugir a qualquer movimento. Queria descobrir onde era a
“frente” do mesmo.
Isso não era tão fácil assim. Sempre se é tentado a procurar um rosto, por mais
estranho que seja um ser. Até uma máquina costuma possuir um rosto. Mas este robô não
possuía nenhum.
Não descobriu a finalidade dos doze braços. Nas extremidades dos tentáculos havia
pequenas figuras esféricas, cujo formato parecia mudar constantemente. Às vezes
lembravam uma mão, outras vezes um par de tenazes, e depois uma simples esfera.
Aquelas mãos deviam ser feitas de material flexível, sendo capazes de modificar o
formato segundo a finalidade que deveriam desempenhar. Tratava-se de uma conquista
tecnológica que nem sequer os arcônidas conheciam.
Gucky tentou influenciar ou mesmo eliminar a modificação do formato, mas não
conseguiu. Por isso não pôde impedir que de repente na extremidade do braço que lhe
ficava mais próximo surgisse uma coisa estranha, cuja finalidade não compreendeu logo.
Lembrava vagamente um garfo de quatro dentes, cujas pontas estivessem dirigidas
sobre Gucky. Não parecia ser uma arma, mas também não era nenhum brinquedo.
Desviou-se ligeiramente, segurando o braço do robô. Mas nem mesmo sua capacidade
telecinética pôde exercer qualquer influência sobre os processos que se desenrolavam no
interior do monstro, pois não sabia como funcionava o mecanismo. Por isso o choque
elétrico veio de surpresa.
Gucky sentiu que o fogo percorria seus nervos e atingia o cérebro. Suas capacidades
parapsicológicas ficaram paralisadas. O robô ficou livre. Virou-se e com um leve
zumbido rolou em direção ao rato-castor imobilizado.
Gucky não conseguiu fazer o menor movimento. Com um susto repentino descobriu
que cometera um erro imperdoável: subestimara um inimigo.
Viu os doze braços estenderem-se em sua direção e sentiu a forte pressão das
tenazes que o envolveram.
***
Ras Tschubai teve mais sorte.
Quando materializou-se, notou que valera a pena concentrar-se sobre a sala de
comando da nave inimiga. Viu-se bem atrás dos três robôs esféricos e conseguiu inutilizá-
los com um único disparo da arma energética, antes que pudessem fazer qualquer
movimento e sequer notassem sua presença. Antes de iniciar a destruição sistemática da
sala de comando, resolveu dar uma volta pela nave.
Procedeu com muita cautela, mas não descobriu nada de novo. As instalações
continuavam a ser um mistério, pois apesar do treinamento hipnótico que recebera, não
chegava a ser um cientista.
Quando estava inspecionando uma sala cujas paredes estavam cobertas de bobinas
gigantes, ouviu passos que se aproximavam. Não chegou a compreender a finalidade do
mecanismo. Um dos conhecidos robôs esféricos começou a manipular as chaves e voltou
a sair da sala sem que tivesse notado a presença de Ras.
À medida que o africano penetrava no interior da nave, o zumbido dos propulsores e
do mecanismo de direção tornava-se mais forte e grave. Finalmente, depois de uma curta
teleportação, viu-se no meio das máquinas vibrantes da central de propulsão.
Abaixou-se imediatamente atrás de um gigantesco bloco metálico prateado e olhou
em torno.
De início pensou Que o gigantesco recinto estivesse vazio e fosse controlado à
distância, mas logo reconheceu o engano.
Deslizando pelo solo praticamente sem produzir qualquer ruído e deslocando-se
entre os geradores e os quadros de comando, gigantescas sombras manipulavam uma
chave ou outra.
Manipulavam...?
Eram robôs de trabalho, o que Ras percebeu ao primeiro olhar. Suas mãos
consistiam de ferramentas de toda espécie, com as quais controlavam e abasteciam as
máquinas. Seu formato diferia tanto, que não havia como chegar a qualquer conclusão
sobre o corpo do construtor. Aliás, não havia o menor indício sobre a forma do inimigo,
fosse ele quem fosse.
Ras manteve-se escondido, para observar tudo que fosse possível antes de dar início
à destruição. Qualquer informação poderia ser decisiva para a vida ou a morte dos
homens.
Lembrou-se de seu aparelho de comunicação audiovisual, que deveria funcionar,
visto que a adaptação dos dois tempos estava consumada. Comprimiu um botão para ligá-
lo e disse em voz baixa:
— Aqui fala Ras Tschubai.
A resposta veio dentro de poucos segundos. Quem falou foi o próprio Rhodan.
— Aqui é a Sambo. O que houve?
— Encontro-me na sala de máquinas da nave inimiga. Vejo robôs, mas nenhum ser
orgânico. Segurarei a câmara de tal maneira que o senhor veja tudo.
— Espere dez segundos — ordenou Rhodan. — Ligarei os aparelhos de registro de
imagem, para que possamos documentar tudo. Nossos técnicos precisarão de algum
tempo para estudar as máquinas.
Ras esperou os dez segundos e ligou a câmara. Ficava embaixo do minúsculo
aparelho que trazia no pulso, e que não era maior que um relógio de pulso. Movia
lentamente o braço de um lado para outro.
Enquanto isso fazia ligeiros comentários.
— Estes robôs têm um formato diferente. Até parece que seus inventores recorreram
a uma construção diferente para cada finalidade. As esferas são oficiais, pois parece que
são muito versáteis. E, naquela ocasião, estavam armadas. Não tenho certeza se isso
acontece com os robôs que estão aqui. Não sei ainda como são os verdadeiros criadores
dessa tecnologia, Não existe a menor indicação. É possível que Gucky tenha mais sorte.
— Não temos qualquer contato com Gucky. Não responde às nossas mensagens. E
não houve qualquer mensagem telepática.
Ras não respondeu. Levantou-se um pouco para dirigir a pequena câmara a todos os
cantos da sala. Provocou um ligeiro ruído, que foi superado inteiramente pelo zumbido
das máquinas.
Será que foi mesmo?
O robô de trabalho que se encontrava mais próximo parou em meio ao movimento.
Um dos braços foi descendo lentamente. Depois rolou em direção ao esconderijo do
africano.
— Notaram minha presença — cochichou Ras em tom assustado. — Tenho de
iniciar a destruição...
— Espere mais um pouco! — ordenou Rhodan em tom enfático. — Salte para outra
sala e volte mais tarde à sala de máquinas. Precisamos de mais algumas fotografias.
Deixe o aparelho ligado; pouco importa que haja uma localização goniométrica.
Ras não teve tempo de responder. O robô havia rolado para junto dele e mantinha
estendidos quatro braços, como se quisesse agarrar um inimigo invisível.
Realmente agarrou... mas agarrou o vazio...
Ras materializou-se dois pavimentos mais em cima, num pavilhão metálico cujo teto
tinha um estranho formato de abóbada. Consistia num estranho material leitoso, no qual
confusas faixas coloridas corriam de um lado para outro. Enquanto Ras estava olhando,
as faixas foram adquirindo contornos definidos.
Transformaram-se num quadro nítido No mesmo instante, Ras sentiu uma suave
pressão no cérebro e cedeu à mesma. Não era telepata, mas de repente pareceu ser capaz
de ler pensamentos, pois em sua consciência surgiu uma voz perceptível, que disse:
— O que você viu, forasteiro, foi a realidade.
Naquele instante, Rhodan perguntou:
— O que houve, Ras? Onde está o senhor? A imagem captada é muito apagada.
Desligue a câmera.
Ras cochichou:
— Alguém falou comigo. No meu cérebro. Por via telepática. O que devo fazer?
Rhodan não respondeu imediatamente. Depois de algum tempo, ordenou:
— Tenha cuidado. Pode ser urna armadilha. Não o incomodarei mais, para não
distrair sua atenção. Continue a transmitir.
A transmissão não desviava a atenção de Ras.
A voz voltou a soar em sua consciência e repetiu a mesma frase. No teto o quadro
começou a tornar-se mais nítido. Um planeta girava em torno de seu eixo e corria em
torno de um sol branco-amarelado. Ras teve a impressão de encontrar-se a algumas
horas-luz daquele mundo, assistindo a uma reprodução concentrada no tempo.
A imagem projetada no teto tornou-se maior e mais nítida. O espectador parecia
precipitar-se em direção ao planeta, que girava em torno de seu eixo, aproximadamente
uma vez por segundo. Levava uns cinco ou seis minutos para completar uma volta em
torno do sol.
O planeta foi crescendo. Ras distinguiu continentes e mares.
Aquelas formas lhe eram familiares.
Subitamente o africano estremeceu ao perceber a verdade.
O planeta que via diante de si era a Terra!
Ras Tschubai ficou rígido de pavor. Os estranhos seres conheciam a Terra. Sabiam
de onde vinha Rhodan.
A Terra girava setenta e duas mil vezes mais depressa que sua velocidade normal.
Ras Tschubai viu-a sob esse ângulo de visão. No plano temporal, transformara-se num
desses seres.
Subitamente notou uma coisa.
De início pensou que fosse engano. Mas depois percebeu que enxergara bem. Os
olhos viam perfeitamente os continentes — a África e a América, e, entre os dois, o
Atlântico.
E no meio do Atlântico um pequeno continente que já deixara de existir na Terra.
Atlântida!
A voz estranha voltou a soar em seu cérebro.
— O que você está vendo, forasteiro, é a realidade. Há um tempo que vocês
designam como a fração de um ano.
Ras fitou atentamente o planeta que girava vertiginosamente e a Atlântida, que se
tornava visível pela fração de um segundo.
Cada segundo era um dia.
E cada dia representava duzentos movimentos de translação em torno do sol...
Ras sentiu-se tonto.
“Quando, em sua dimensão temporal, os seres teriam tirado essas fotografias? Há
dez mil anos, quando os dois planos se cruzaram pela primeira vez?”, indagou-se
mentalmente.
De repente, percebeu qual seria o destino da expedição, se não acontecesse um
milagre. Se permanecessem por uma semana naquele plano temporal, mais de mil anos se
passariam em seu Universo. O Império Solar, o Império dos Arcônidas e Perry Rhodan já
teriam desaparecido.
Tudo desaparecido e esquecido.
Num gesto de desespero, Ras Tschubai levantou a arma energética e destruiu o
quadro da Terra que girava vertiginosamente. O quadro apagou-se.
Dez ou vinte portas abriram-se no salão circular. Gigantescas figuras quadrangulares
entraram. Se Gucky as visse, elas lhe pareceriam familiares. Suas antenas dirigiram-se
para Ras, e um brilho azulado surgiu em torno das esferas douradas...
Mas Ras foi mais rápido.
Antes que as ondas de choque paralisantes pudessem atingi-lo, teleportou-se para a
sala de máquinas. Parou no centro da mesma e abriu fogo contra os quadros de comando,
as fileiras de instrumentos e os robôs de trabalho.
Pingos de metal caíam ao solo. Os isolamentos se queimavam, e raios fulgurantes
corriam de um bloco a outro. Ras ouviu uma detonação. Perdeu o equilíbrio e teria caído
se não estivesse encostado a um gerador.
A nave inclinou-se para a frente e correu em direção à superfície do planeta.
— Não perca tempo! — gritou Rhodan. — Está caindo.
Ras acenou com a cabeça; seu rosto parecia zangado.
— Já sei — respondeu.
Lançou mais um olhar para o caos e concentrou-se para efetuar o salto.
Ainda viu uma porta oval abrir-se nos fundos. Dois ou três dos colossos angulares
penetraram na sala. Ainda chegou a sentir a primeira onda de choque das armas que
portavam, mas a mesma veio tarde. Não conseguiu romper a concentração de sua mente.
Saltou.
A nave preta correu vertiginosamente em direção ao solo pedregoso. Sua proa
pontuda penetrou profundamente na montanha. Dentro de poucos segundos foi
despedaçada por uma enorme explosão.
Ras Tschubai materializou-se ao lado de Rhodan, na sala de comando da Sambo.
Esteve a ponto de suspirar aliviado, mas antes disso viu o rosto de Rhodan.
— Missão cumprida — anunciou em tom objetivo e tentou ler nos rostos de Crest
ou de Sikermann o que havia acontecido.
Rhodan fez um gesto afirmativo e disse:
— A nave para a qual Gucky saltou está sendo desviada da rota. Aumentou a
velocidade e voa em direção a um ponto situado fora do sistema. Gucky não responde às
nossas mensagens — lançou um olhar para Ras. — Tem uma idéia do que poderia ter
acontecido?
Ras logo se lembrou dos robôs com suas ondas de choque paralisantes. Talvez o
rato-castor tivesse sido surpreendido pelos mesmos. Isso não era do seu feitio, mas era
perfeitamente possível que tivesse subestimado o perigo e confiado demais em suas
extraordinárias faculdades.
— Eles têm robôs de combate que usam armas que não conhecemos. Emitem ondas
de choque cuja causa é desconhecida. Talvez...
— Isso é altamente provável! — interrompeu Rhodan, que já imaginava o que Ras
iria dizer. — Pegaram Gucky.
Dirigiu-se a Sikermann.
— Siga a nave. Precisamos saber para onde levarão Gucky.
Ras venceu suas dúvidas e perguntou:
— Quer que tente...?
— Não! — disse Rhodan em tom resoluto. — Se Gucky estiver morto, o senhor
chegará tarde. Se estiver vivo, saberá o que fazer. Permaneceremos perto dele, para que
possa saltar assim que seja capaz. Além disso, talvez encontremos a pista dos verdadeiros
inimigos.
John Marshall encontrava-se um tanto afastado, perto de Atlan. Até então mantivera-
se em silêncio. Subitamente soltou uma exclamação, concentrou-se e disse:
— Foi Gucky. Apenas um ligeiro impulso, como se subitamente tivesse despertado
para adormecer logo em seguida. Não foi uma idéia definida, mas apenas um impulso de
medo, de um medo terrível.
Marshall fitou Rhodan com uma expressão preocupada. — A esta hora não gostaria
de estar no couro de Gucky.
— Nem eu — disse Rhodan.
Em seus olhos surgiu uma expressão de insegurança, mas logo se tornaram firmes
como sempre. Fitou a tela. A nave preta inimiga, a bordo da qual se encontrava Gucky,
tornara-se maior, pois a Sambo estava acelerando. O planeta de cristal foi-se afastando
rapidamente, tornando-se cada vez menor.
— Nada acontecerá a nosso Gucky. Se esses seres realmente sabem ler
pensamentos, não se atreverão a fazer qualquer coisa a Gucky, pois saberão que não
descansarei antes de varrer seu plano temporal do Universo, mesmo que isso me custe a
vida.
Ras manteve-se em silêncio. Ninguém disse nada.
Sentiram que Rhodan estava falando sério.
5

Aquele que se encontrava na gigantesca nave disse:


— Repita a mensagem!
— Capturamos um dos estranhos, mestre. É diferente dos senhores. Talvez seja um
servo. Não sabemos como conseguiu penetrar em nossa nave.
Alguns segundos se passaram antes que ordenasse:
— Tragam o prisioneiro à minha nave. Depressa!
Desligou e por alguns minutos manteve-se imóvel em sua poltrona.
Depois tomou toda as medidas para receber o prisioneiro.
***
Gucky não perdeu os sentidos.
Era incapaz de fazer qualquer movimento, mas viu o robô aproximar-se. As esferas
douradas continuavam a cuspir chamas azuladas, que corriam em sua direção e o
mantinham preso. Embora não pudesse concentrar-se para executar um salto de
teleportação, ainda estava em condições de avaliar e analisar a situação em que se
encontrava.
Caíra em poder do inimigo, daqueles seres desconhecidos, que os haviam absorvido
com seu plano temporal. Era bem possível que dentro em breve se defrontasse com o
mais estranho ser que jamais fora visto por outro em todo o Universo. Mas pagaria um
preço elevado por isso. Talvez a experiência lhe custasse a vida.
Antes de mais nada, sentiu-se aborrecido com sua falta de cautela. Era vaidoso
como qualquer ser inteligente. E o fato de que aquilo acontecera justamente com ele
ferira seu orgulho. Caíra numa armadilha, e suas capacidades maravilhosas não serviam
para nada. Não era possível ativar o setor do cérebro por meio do qual executava a
teleportação. E no terreno do telecinético tinha a mesma capacidade de uma criança
recém-nascida. Quanto à telepatia, não teria necessidade de experimentá-la. Afinal, os
robôs não têm a menor inclinação telepática.
O monstro quadrado encontrava-se bem à frente. Os tentáculos pendiam
frouxamente junto ao corpo metálico. Só as antenas continuavam a expelir chispas
energéticas. E estas eram suficientes para paralisar Gucky.
Apesar disso, o rato-castor teve a impressão de sentir um calafrio quando outra
sombra gigantesca surgiu na porta e um segundo robô penetrou na sala. Era uma
reprodução exata do colosso que vira em primeiro lugar. Os dois levantaram os braços e
se deram as mãos.
“Deve ser uma espécie de contato ou comunicação”, pensou.
Sim, devia ser isso mesmo. A esperança secreta de poder libertar-se não se cumpriu.
Gucky tentou superar a paralisia nervosa para ativar o cérebro, mas foi em vão. Sempre
que tentava, as dores aumentavam tanto que desistia imediatamente.
Tentou virar os olhos para ver as vigias. Ficou espantado ao notar que a Sambo
havia desaparecido. Numa posição lateral viu o sol branco-amarelado em meio ao
Universo negro. Antes o sol fora vermelho, em virtude do deslocamento da dimensão
temporal. Quer dizer que até isso voltara ao normal.
A nave devia ter alterado a rota. Pelo que Gucky podia ver, corria pelo espaço, em
direção a um destino desconhecido. Uma teleportação cega seria mais perigosa a cada
segundo que passava. O salto para o vácuo era arriscado, pois se não conseguisse
desmaterializar-se no mesmo instante, estaria perdido.
Um segundo poderia bastar para orientar-se.
Mas também poderia ser suficiente para matá-lo.
Por um instante a superfície do planeta de cristal passou por baixo de uma das vigias
de cristal. Sobre a superfície via-se um cogumelo, que só poderia ter sido formado por
uma explosão atômica.
Gucky suspirou aliviado. Podia respirar; ainda bem. Nem ele nem Ras usavam trajes
protetores.
Só agora deu-se conta de que a atmosfera na nave inimiga era respirável, embora só
houvesse robôs a bordo. Qual seria a finalidade disso?
Mas por que iria refletir sobre coisas que não poderia esclarecer?
A missão de Ras fora coroada de êxito. A segunda nave acabara de detonar na
superfície do planeta de cristal. A nuvem-cogumelo não poderia ter outra causa.
Se fosse capaz, Gucky teria suspirado de inveja. Mas o alívio que sentiu foi mais
forte que esse sentimento egoísta. O inimigo havia perdido mais uma nave, e nesse
instante Rhodan já deveria saber que seu pequeno amigo caíra nas mãos do inimigo.
Estendido para além das vigias, o Universo era completamente negro. Milhares de
estrelas cobriam a escuridão absoluta como se fossem um véu, dando-lhe um brilho
prateado que lembrava o infinito. De repente, alguma coisa interrompeu esse brilho
prateado.
Gucky viu pelo canto dos olhos. Uma sombra negra de formato oval cobriu as
estrelas de tal forma que se percebiam seus contornos. Aproximava-se rapidamente.
Gucky não conseguiu avaliar a posição da sombra, mas calculou que devia medir mais de
mil metros.
Seria uma nave?
Será que possuíam naves desse tamanho? Provavelmente eram as inteligências
dominantes do outro plano temporal e já conheciam a astronáutica há milênios...
Não; não era isso. Podia ser assim pelo cálculo de tempo terrano, mas sob o ponto
de vista do inimigo o nascimento de Cristo só ocorrera há dez dias.
Subitamente Gucky se apavorou. Deu-se conta de que provavelmente aquelas naves
já percorriam a Galáxia há um milhão de anos, sem que ninguém as visse.
Um ligeiro solavanco passou pela nave, no momento em que esta entrou em contato
com o gigante. Ouviu-se um ruído forte quando os grampos envolveram o torpedo,
ligando as duas naves.
A palestra silenciosa dos robôs chegou ao fim. O que chegara por último retirou-se.
Subitamente as vigias fecharam-se, sem que a iluminação na sala se tornasse mais
forte. Na semi-escuridão Gucky mal conseguia vislumbrar os contornos dos objetos. Os
traços do robô distinguiam-se contra a parede que emitia um brilho pálido, mas mesmo
que Gucky não o tivesse visto, os raios azuis expelidos pelas antenas esféricas
constituiriam um sinal inequívoco de sua presença.
De repente os raios azulados se apagaram.
No início Gucky nem percebeu, de tão aliviado que se sentiu com a súbita cessação
da dor nervosa a que já se acostumara. Parecia que o cérebro até então estivera preso num
envoltório de aço cujas paredes se derreteram como que por milagre, deixando-o livre.
Instantaneamente Gucky compreendeu.
O robô libertara-o da constrição nervosa por sentir-se seguro de sua presa. Agora,
que estavam estreitamente amarrados à nave capitânia, a fuga seria impossível.
A primeira idéia que acudiu a Gucky foi a de teleportar-se. Mas não conseguiu
privar-se do prazer de exercer uma pequena vingança no lugar dos acontecimentos,
mesmo que isso pudesse representar um novo perigo.
O robô nem sabia o que estava acontecendo quando seus doze tentáculos e as
antenas foram dobradas para trás por uma força invisível, vinda do nada. As instalações
eletrônicas existentes em seu corpo obedeceram aos comandos e ofereceram resistência
ao inimigo invisível, mas o resultado foi exatamente o contrário do que seria de esperar.
Os fusíveis começaram a queimar. Uma faísca saltou atrás da “pele” metálica,
queimando importantes contatos. Outro curto-circuito fez com que o colosso
estremecesse. As antenas dobradas expeliam raios azuis, mas estes erravam pela sala e se
perdiam no teto. Gucky não sentiu o efeito dos mesmos.
O monstro fez uma última tentativa para defender-se do ataque que, segundo
supunha, estava sendo desfechado pela pequena criatura que tinha à sua frente, mas isso
foi o fim.
Gucky saltou para trás, apavorado, quando o último fusível se queimou, produzindo
um forte estalo. O grande robô cambaleou e caiu desajeitadamente ao solo, como se de
repente tivesse perdido o equilíbrio. Em seu interior ouviu-se um tilintar, como se alguém
tivesse derramado uma lata cheia de parafusos. Nas costas e no peito surgiu uma mancha
incandescente, e Gucky teve a impressão de que estava na hora de dar o fora.
Concentrou-se sobre a superfície pedregosa do planeta de cristal, desmaterializou-se
e saltou.
Mas não chegou longe.
A rematerialização foi forçada e não ocorreu no lugar que previra.
No momento em que conseguiu enxergar, Gucky sentiu uma dor cruciante. Caía
num vazio infinito, mas conseguia respirar. Antes que se preparasse para novo salto, um
pensamento surgiu em seu cérebro. O pensamento não era dele, mas provinha de um
impulso mental estranho que penetrara forçadamente em seu cérebro. Devia ser o
comando mental de...
— Você não correrá o menor perigo, forasteiro, desde que se entregue a mim.
Gucky sentiu-se dominado pelo pânico. Teve medo de encontrar-se com algum ser
estranho.
Mudou de opinião e preferia agora não ver nenhum desses seres. Queria voltar para
a Sambo, para junto de Rhodan e dos outros amigos.
No momento em que fechou desesperadamente os olhos e ativou o setor do cérebro
que lhe permitiria realizar a teleportação, viu Rhodan à sua frente.
Saltou para o desconhecido, a fim de escapar do alcance daquela voz.
Mergulhou profundamente num abismo...
A luz voltou a surgir.
Quando abriu os olhos, viu-se num prado verde, sob um céu azul. O capim chegava
até os quadris e o ar era tépido e aromático, como só o ar do planeta Terra poderia ser.
A dois metros dele, viu Perry Rhodan, que lançava um olhar sonhador para as
nuvens que desfilavam pelo céu.
Gucky não compreendeu, mas o fato de ver Rhodan diante de si fez com que
esquecesse todas as dúvidas. Qualquer engano era impossível.
— Perry! — disse Gucky com a voz estridente e caminhou em direção ao bom
amigo. — Perry, estou tão satisfeito por eu ter conseguido escapar. Está zangado porque
fugi?
Rhodan nem se mexeu. Parecia não ouvir as palavras do rato-castor. Continuava a
fitar o céu, como se estivesse procurando alguma coisa.
Gucky espantou-se. Mas fosse qual fosse a maneira pela qual viera parar neste lugar,
fossem quais fossem as peças que as outras dimensões temporais lhe tivessem pregado, o
que importava era que já não havia o menor perigo.
— Perry! — disse O rato-castor com a voz abafada. — Saltei e...
Ergueu-se e estendeu a mão em direção a Rhodan.
Porém a mão de Gucky passou por Rhodan.
Não encontrou qualquer resistência...
***
O Tenente Sikermann firmou os controles. Sem tirar os olhos da tela frontal, disse:
— A nave preta está desacelerando. Quer que eu...?
— Mantenha a mesma distância, Sikermann. Antes de atacarmos, devemos saber se
está só.
Logo viram que não estava só.
Os contornos de uma gigantesca nave alongada surgiram na tela. Devia ter mais de
mil metros de comprimento e pairava no espaço. Não se podia reconhecer a forma de
propulsão. Não havia nenhuma abertura no envoltório liso. O gigante esperava no espaço,
que nem uma sombra imóvel e pavorosa, aguardando a nave menor, que se aproximava
lentamente, até que os grampos magnéticos cingissem seu corpo.
— É a nave capitânia! — disse Rhodan em voz baixa, como se receasse que
pudessem ouvi-lo. — Só pode ser isso. Será que nos vêem?
Sikermann deu de ombros.
— É bem possível. Talvez não receiem nenhum ataque, porque têm um refém. É
Gucky.
Rhodan virou-se para Marshall.
— Nada ainda, John? Não está captando nenhum impulso de Gucky?
— Raramente. E os impulsos sempre são confusos e incompletos. Sua intensidade é
bastante variável. Às vezes os impulsos são mais fortes, outras vezes são tão fracos que
mal consigo percebê-los. Infelizmente não os compreendo.
— O certo é que Gucky ainda está vivo e se encontra a bordo da nave menor —
constatou Rhodan.
Hesitou por um momento. Depois dirigiu-se a Ras:
— Tschubai, daqui a pouco você terá de saltar. Não vejo outra possibilidade de tirar
Gucky de lá.
— Poderíamos atacar — disse Sikermann. — Com nossas armas...
— ...mataríamos Gucky! — completou Rhodan em tom de espanto. — Não. desta
vez a violência não resolverá nada. Só os mutantes nos poderão ajudar.
Atlan aproximou-se e colocou a mão sobre o ombro de Rhodan.
— Assim que seu amiguinho estiver em segurança, deveríamos pensar seriamente
em voltar ao nosso plano temporal. Estou muito preocupado, bárbaro...
— Eu também — confessou Rhodan e permaneceu imóvel, como se receasse que de
outra forma o imortal poderia tirar a mão de seu ombro. — Já demoramos demais nesta
dimensão. Ainda não sei como faremos para romper a barreira energética. O risco seria
muito grande.
— O risco de ficar aqui por mais tempo e perder todo o tempo do Universo é muito
maior — Atlan sacudiu a cabeça. — Durante os poucos segundos que dura a ruptura
forçada da barreira energética a Sambo não poderá sofrer avarias sérias.
— E os seres estranhos, Atlan? O que faremos para descobrir como e quem são?
Talvez nunca consigamos descobrir.
— Descobriremos, sim — e talvez logo, quando Gucky estiver conosco.
Rhodan voltou a dedicar sua atenção à tela e esteve a ponto de dizer alguma coisa,
quando Marshall soltou um grito de espanto.
— É Gucky! Está chamando! Capto perfeitamente seus pensamentos! Pode fugir,
mas ainda está esperando. Vê um robô com antenas em cujas pontas existem esferas
douradas...
— Os robôs com que me encontrei são do mesmo tipo — disse Ras apressadamente.
Marshall não deixou que estas palavras o distraíssem.
— Quer inutilizar o robô antes de voltar. Não sabe onde estamos. Ao que parece não
está captando meus pensamentos. Talvez nem esteja interessado nisso. Está atacando...
Ouviram ansiosamente as palavras do telepata, que relatou os detalhes da luta que o
rato-castor travava com o robô, na medida em que os pensamentos apressados de Gucky
o permitiam. Não foi muita coisa, mas depois de algum tempo Marshall pôde anunciar:
— Está liquidado! Conseguiu. Neste momento, ele se concentra para o salto. Está
pensando no senhor, Rhodan. Agora... saltou...
Marshall manteve-se calado por um instante e passou os olhos pela sala de
comando, como se esperasse ver Gucky.
— Desapareceu. Não consigo captar mais nenhum pensamento. Gucky saltou...
Subitamente os olhos de Rhodan se estreitaram. Seu olhar atingiu Crest, Atlan e por
fim ficou preso a Marshall.
— Saltou?
— Perdi o contato. Deve ter saltado. Ou está morto.
Uma expressão dura surgiu no rosto de Rhodan. Parecia esculpido em pedra. Por
alguns segundos reinou um silêncio completo na sala de comando. Ninguém falava.
De repente, Rhodan dirigiu-se a Sikermann:
— Siga em direção às duas naves. Vamos atacar — adiantou-se e baixou a alavanca
do intercomunicador. — Alarma! Preparar todos os postos de combate. Capitão Aurin,
prepare o transmissor fictício.
Pretendia utilizar em primeiro lugar a arma mais eficiente.
O transmissor fictício viera do planeta Peregrino, um mundo artificial. Este era o
mundo do imortal, um ser misterioso, feito exclusivamente de energia, que concedera a
Rhodan o benefício do prolongamento da vida. O transmissor podia teleportar porções de
matéria, transferindo-a de um instante para outro a qualquer lugar, fosse qual fosse a
distância. Se os campos da gigantesca nave negra estivessem em superposição, a mesma
desapareceria como se nunca tivesse estado lá. Retomaria ao Universo de quatro
dimensões, a mil ou cem mil anos-luz de distância, e estaria perdida no tempo e no
espaço.
Depois de dez segundos, a Sambo desacelerou e entrou em posição de ataque.
O intercomunicador emitiu um estalido. A voz de Aurin saiu do alto-falante:
— Transmissor regulado para o alvo. Aguardo ordem de abrir fogo.
— Um momento — respondeu Rhodan.
Esperava a primeira ação da nave inimiga...
Não teve de esperar muito.
Os grampos magnéticos soltaram a nave menor, libertando-a. Logo recuaram para
dentro do envoltório. Uma parede reluzente surgiu entre as naves negras e a Sambo. As
sombras das duas naves inimigas pareciam boiar no interior de uma bolha quase
transparente.
Um campo defensivo energético não exercia qualquer influência sobre a eficácia do
transmissor fictício, pois este teleportava o objeto através da barreira, passando pela
quinta dimensão, quando isso se tornasse necessário.
Mas ao que parecia o inimigo não tinha a intenção de entregar-se sem luta a um
destino incerto. Na proa da nave maior, algumas placas negras escorregaram para o lado,
deixando livre o cano em espiral de um canhão eletrônico, que se dirigiu contra a Sambo.
Nos fundos da sala, Crest mantinha-se tenso e respirava de modo acelerado. Sua
tensão aumentou quando percebeu as intenções do inimigo.
— Olhem! — exclamou Atlan quando viu o lampejo fulgurante, que bateu contra o
campo energético da Sambo, abrindo-se em leque.
Rhodan acenou com a cabeça; parecia contrariado.
— Gostaria tanto de saber como eles são. É uma pena! — inclinou-se ligeiramente,
sem tirar os olhos da tela. — Aurin! Fogo! Dispare durante dez segundos contra a nave
menor. É possível que depois disso o gigante se torne razoável.
Nos segundos seguintes não aconteceu muita coisa.
De início, teve-se a impressão de que a luminosidade do envoltório protetor das
naves negras crescia, mas depois o campo energético se abriu, para voltar a fechar-se.
Desta vez só envolveu a nave maior. A menor permaneceu por um instante sem proteção,
como que abandonada pelo irmão maior, depois desapareceu sem deixar o menor
vestígio.
Acontece que o fato produziu estranhos efeitos colaterais...
O transmissor fictício havia sido construído no Universo normal, motivo por que era
regido pelas leis do mesmo. A transferência da Sambo para outro plano temporal não
poderia modificar esse fato. A pequena nave negra foi arrancada com uma força
inconcebível da quarta dimensão e atirada para a quinta dimensão, onde não havia tempo
nem espaço.
Para a quinta dimensão do outro plano temporal!
A violência e a velocidade do fenômeno era setenta e duas mil vezes maior que a
que se verifica numa teleportação comum. O tempo da outra dimensão tinha a
consistência da matéria.
A nave teleportada bateu contra uma muralha de tempo materializado.
Desfez-se em átomos, mas com isso abriu uma fresta na muralha do tempo. Sem que
Rhodan ou qualquer dos ocupantes da Sambo percebesse, foram atirados até certo trecho
do passado. Isso não se revelava no mundo exterior, pois o efeito ficava restrito às
imediações do local d acontecimento.
Mas a catástrofe temporal evitou que Rhodan sofresse uma terrível surpresa, pois se
não tivesse ocorrido, ele teria perdido muitos anos. E nestes anos o Império Solar talvez
se teria esfacelado.
O fato é que apenas viu uma abertura cintilante no lugar em que antes estivera a
nave negra. Enquanto seu cérebro registrava o fato e procurava explicar o fenômeno, a
fresta voltou a fechar-se. Tudo voltou ao estado anterior.
— Deste estamos livres — disse o Tenente Sikermann em tom indiferente. — E
agora...
— Capitão Aurin! — gritou Rhodan para dentro do intercomunicador. — Mantenha
o transmissor preparado, mas só abra fogo quando receber ordens expressas para isso.
— Entendido! — respondeu a voz áspera.
— Nossos campos defensivos não resistirão por muito tempo ao bombardeio
inimigo — advertiu Sikermann com a voz preocupada. — Se não atacarmos logo...
— Vamos esperar mais um pouco disse Rhodan. — Afinal, viram com os próprios
olhos como são nossas armas. Acho que pautarão seu comportamento de acordo com esse
fato.
Atlan perguntou:
— Será que eles têm olhos?
6

Gucky fitou sua mão com uma expressão de pavor, depois que esta acabara de
“atravessar” Rhodan. Logo se deu conta de que a mão era matéria e, portanto, realidade.
Se havia alguma coisa que não fosse real, devia ser Rhodan.
Seus olhos dirigiram-se para o espírito de Rhodan, pois o que tinha diante de si não
poderia ser outra coisa. Mas a Terra que tinha sob os pés, o capim, tudo isso devia ser
real, pois do contrário não conseguiria manter-se de pé...
Gucky não teve tempo para outras reflexões. Um punho invisível, vindo do nada,
agarrou-o e o arrastou para a escuridão do infinito em que o tempo deixara de existir.
Sentiu que se desmaterializara, como se sua mente se tivesse concentrado sobre uma
teleportação.
Mas aquilo aconteceu independentemente de sua vontade.
Gucky não saberia dizer quanto tempo durou esse estado, se é que havia uma
possibilidade de medir uma situação dessas em termos de tempo. De repente, viu-se
novamente capaz de sentir alguma coisa. E o que sentiu foi um calor benfazejo que o
envolvia.
O calor significava vida e...
E o funcionamento do cérebro!
Abriu os olhos, para orientar-se e, se necessário, saltar de novo, fosse para onde
fosse. Mas antes que pudesse ver qualquer coisa, ouviu um grito de espanto e de alívio:
— Olhem; é Gucky!
Ao mesmo tempo, os pensamentos afluíram à sua mente e o envolveram numa
torrente de alegria e simpatia.
— Sim; voltou — disse Rhodan e por alguns segundos esqueceu a grande nave
negra. — Gucky você nos meteu um susto. Por que não saltou logo, quando percebeu que
sua vingança se dirigia apenas contra um robô?
O rato-castor olhou lentamente em torno e estudou os rostos dos presentes com uma
expressão pensativa. Parecia ter certa dificuldade em rememorar os acontecimentos.
— Há quanto tempo desapareceu a nave pequena? — perguntou, fitando a tela.
Rhodan fez um sinal para Marshall, que pretendia dizer alguma coisa.
— Há alguns minutos, Gucky. Suponho que neste meio tempo você tenha estado na
grande nave. O que viu por lá?
O rato-castor sacudiu lentamente a cabeça. Por um segundo fitou os olhos de Atlan,
nos quais havia um brilho de eternidade, como se estes pudessem dar respostas às
perguntas que trazia na mente. Depois de algum tempo anunciou:
— Faz dez segundos que saltei da pequena nave. Mas neste meio tempo
materializei-me em outro lugar: na Terra.
Rhodan reprimiu uma expressão de espanto e viu os olhares perplexos dos outros. A
afirmativa de Gucky encerrava duas impossibilidades que teriam de ser esclarecidas.
— Você não pode ter saltado há dez segundos, Gucky, pois a nave foi destruída há
três minutos com o transmissor fictício. Portanto, você deve ter cometido um engano no
que diz respeito ao tempo. — Rhodan respirou profundamente. — E quando você diz que
esteve na Terra só pode ter feito uma piada sem graça, não é?
Os olhos castanhos do rato-castor refletiram o medo do desconhecido, do medonho,
do inexplicável, para o qual não havia resposta. Num gesto de súplica cruzou os
bracinhos sobre o peito.
— Saltei há dez segundos, Perry, e estive na Terra. Vi o céu azul, senti o cheiro do ar
tépido e... vi você.
Rhodan recuou um pouco. Certificou-se de que o Tenente Sikermann não tirava os
olhos da nave negra e se mantinha preparado para reagir imediatamente a qualquer ato.
— Você me viu?
Gucky fez que sim.
— Você estava num prado verde cheio de flores. No céu havia pequenas nuvens.
Materializei-me bem perto de você, a menos de dois metros. Eu o chamei, mas você não
ouviu. Parecia não reconhecer-me quando caminhei em sua direção. Quis dar-lhe a mão.
E depois...
A voz de Gucky morreu em meio a um som queixoso que expressava um medo
indisfarçável. A lembrança da experiência terrível ameaçava dominar o rato-castor,
geralmente tão corajoso e inteligente. Crest aproximou-se por trás e pousou a mão sobre
seu ombro. Gucky voltou a acalmar-se.
— Minha mão “atravessou” seu corpo, Perry. O que encontrei não foi seu corpo,
mas seu espírito. Não, não foi um sonho — olhou para baixo, inclinou o corpo e passou a
mão pelos pés. — As sementes de capim ainda estão aqui.
Rhodan lançou um olhar de perplexidade para Crest e Atlan.
— O que será isso? Uma alucinação?
Atlan aproximou-se. Lançou um olhar reconfortador para Gucky e, dirigindo-se a
Rhodan, disse:
— Não, não pode ser uma alucinação, bárbaro. Existem certas coisas que ainda não
compreendemos, porque excedem a capacidade de nossa inteligência. De qualquer
maneira, deveríamos recorrer à lógica para procurar uma explicação. Suponhamos que
Gucky não se tenha enganado, exceto quanto à duração do salto. Neste ponto, deve ter
havido um engano, pois a nave da qual Gucky saltou foi destruída três minutos antes de
ele ter aparecido aqui. Conclui-se que Gucky esteve a caminho durante três minutos,
embora acredite que só levou dez segundos para efetuar o salto.
— Prossiga, meu velho — pediu Rhodan ao arcônida, quando este fez uma pausa.
— Estamos curiosos para ouvir o que você tem a dizer.
— Sinto decepcioná-los — disse Atlan, reprimindo a curiosidade dos outros. — Não
sei muito mais que isso. O salto de teleportação levou Gucky para um campo atemporal.
Concentrou-se em Rhodan. Mas uma coisa é certa. Na momento em que Gucky saltou,
você não estava aqui, e sim na Terra.
— Parece que todo mundo ficou louco! — disse Rhodan, sacudindo a cabeça.
Atlan não deixou que esta observação o perturbasse.
— Admitamos que Gucky tenha saltado para dentro de uma barreira energética, que
os seres enigmáticos colocaram em torno de suas naves. Quem nos garante que realmente
se trata de uma barreira energética? Talvez seja uma barreira temporal. Gucky saltou para
o interior da mesma e foi transportado para o passado ou para o futuro. Mas seu cérebro
tinha de cumprir uma ordem: levá-lo para junto de Rhodan. Acontece que você ainda, ou
já, se encontrava na Terra. Por isso Gucky foi levado à Terra. É a única explicação que
encontro para o fenômeno.
Crest acenou lentamente com a cabeça. Mas Rhodan ainda não se deu por satisfeito.
— Por que me transformei num espírito? Gucky não acaba de afirmar que sua mão
passou por mim?
Atlan acenou com a cabeça; não parecia muito impressionado.
— Não conhecemos os efeitos de uma viagem pelo tempo, ainda mais uma viagem
puramente espiritual. Mas posso imaginar perfeitamente que o encontro de dois seres
separados pelo passado, presente ou futuro não se realize no plano material. Em outras
palavras, Gucky viu um Rhodan que já existiu ou ainda existirá. E você, Rhodan, nem
poderia notar a presença de Gucky.
— É fantástico! — disse Rhodan, convencido de que a explicação de Atlan
realmente possuía uma base lógica. — Então você quer dizer que durante dez segundos
Gucky permaneceu no futuro?
— Ou no passado — disse Atlan, confirmando a tremenda suposição. — É bem
verdade que não posso explicar por que não ficou lá. Levou apenas dez segundos para
voltar ao presente, pois, do contrário, neste momento, não poderia estar na Sambo.
— Se é assim — interveio Crest — Gucky conseguiu atravessar a barreira que
separa os dois planos temporais. Durante dez segundos, deve ter vivido na velocidade que
prevalece no Universo normal, e com seu regresso voltou a ingressar no plano temporal
estranho. Tudo isso é bastante aleatório.
— Tudo isso é uma loucura rematada! — disse John Marshall em meio ao silêncio.
— Contradiz a todas as leis da natureza e não resiste a qualquer espécie de raciocínio. Só
um louco acreditaria nisso.
— Pelo contrário — disse Atlan com a maior tranqüilidade. — Seria uma loucura
não acreditar nessas possibilidades, pois com isso nos privaríamos da única chance de
desvendar os segredos fundamentais do Universo.
Desta vez não houve ninguém que o contraditasse.
***
No momento em que o contato telepático foi interrompido, o mestre compreendeu
que seu prisioneiro havia fugido. Quase no mesmo instante, olhou para a tela e viu que o
inimigo desconhecido entrava em posição de ataque.
— Ligar a barreira do tempo! — disse.
Logo a seguir, mandou recolher os grampos magnéticos e liberou a nave menor. O
canhão de proa foi colocado em posição e disparou um tiro que não produziu qualquer
efeito.
Depois, de um instante para outro, a pequena nave de guerra desapareceu. Parecia
ter entrado em transição.
O contato com as dezessete naves mantidas junto ao anel luminoso continuava e
funcionava perfeitamente. O mestre aproveitou a pausa para informá-los sobre a situação.
Por enquanto ninguém que se encontrasse no outro plano temporal procurara vir em
auxílio dos estranhos.
— Manter a barreira energética. Repelir qualquer ataque. Conservem-se juntos. O
inimigo só sabe destruir nossas naves uma após a outra.
Aquilo eram simples suposições. Afinal, o que se sabia sobre o inimigo? De que
forma conseguira romper a barreira do tempo? O que pretendia com isso?
O ser refletia intensamente, procurando uma resposta às indagações que acabara de
formular a si mesmo.
Não a conseguiu. Resolveu fazer mais uma tentativa de apoderar-se dos
desconhecidos.
***
Atlan estava ao lado de Rhodan, quando o reluzente campo energético — ou
temporal — que envolvia a nave negra se apagou de repente.
Ao mesmo tempo, o cano da arma energética foi recolhido para o interior do vulto
metálico. Ao que parecia, pretendiam suspender o ataque.
— O que significa isso? — perguntou Rhodan em tom de dúvida.
Fitaram as telas e procuraram uma resposta. Lá embaixo o planeta de cristal girava
lentamente em torno de seu eixo. A vida despertara em sua superfície, e qualquer
diferença entre os dois planos temporais deixara de existir.
Se a situação fosse outra, Rhodan teria demonstrado um interesse imenso pela
civilização das lagartas, e faria esforços para libertar os arcônidas e outras raças atingidas
pela frente do tempo. Mas agora, que ele mesmo se tornara prisioneiro da outra dimensão
temporal, achava que o mais importante era pensar na própria segurança e no regresso ao
seu Universo.
A Sambo e a grande nave gravitavam a pequena distância em torno do planeta,
deslocando-se em queda livre.
Atlan estendeu o braço.
— Estão abrindo uma escotilha — dali a pouco acrescentou. — Não se trata de um
canhão.
O Tenente Sikermann lançou um olhar indagador para Rhodan. Sua mão direita
estava pousada sobre os comandos das armas defensivas da nave. Na sala de armamentos,
o Capitão Rodes Aurin aguardava a ordem de abrir fogo.
Rhodan sacudiu lentamente a cabeça. Tal qual os outros, fitava a tela que reproduzia
nitidamente a escotilha aberta da nave inimiga. Pela primeira vez um ser humano pôde
ver o interior do gigante negro.
Não viram muita coisa.
Provavelmente tratava-se apenas de uma espécie de comporta de ar, pela qual se
podia entrar ou sair da nave.
Será que eles...?
Viram uma sombra negra. Devia ter cerca de um metro de altura, meio de largura e a
mesma espessura. Sikermann imediatamente ligou o amplificador. Viram se tratar de um
ser que envergava um traje protetor. Tinha pernas e braços e aproximava-se da periferia
da comporta. Parou e ficou esperando. Os homens que se encontravam na Sambo tiveram
a impressão de que ele os observava.
— O que é isso? — perguntou Rhodan, sem esperar que ninguém respondesse.
Gucky e Marshall disseram quase ao mesmo tempo:
— Isso pensa!
Os dois telepatas perceberam nitidamente os impulsos, que de início eram bastante
débeis, se bem que de início não os compreendessem. O pensamento daquele ser devia
processar-se por trilhas totalmente diversas e desconhecidas.
— Será que é o verdadeiro representante dessa raça enigmática?
Marshall deu de ombros.
— Não sei, mas sempre acreditei que eles fossem diferentes.
— É um erro formular suposições num caso como este — disse Rhodan com uma
ligeira recriminação. — Tomem cuidado! O campo defensivo deles foi desligado. Isso
significa que receberemos visita. Sikermann, desligue nosso campo.
O tenente parecia assustado.
— E se de repente houver um ataque? Qualquer disparo energético nos liquidará!
— Faça o que estou dizendo, Sikermann. No momento não existe o menor perigo.
Vamos receber visita. Veja só: o sujeito saiu da nave e vem flutuando nesta direção.
Todos viram.
Envergando o traje espacial, o vulto empurrara-se agilmente da comporta e vinha
lentamente em direção à Sambo. Quase no mesmo instante, o campo energético da nave
terrana apagou-se. A distância entre as naves inimigas não era superior a quinhentos
metros.
— Ele calculou muito bem o trajeto — disse Atlan em meio ao silêncio de
expectativa. — Ele nos atingiria mesmo sem qualquer correção de curso. Não quer
recebê-lo na comporta, bárbaro?
Sem tirar os olhos da tela, Rhodan disse:
— Ficarei na sala de comando. Gucky poderá recebê-lo.
— Gucky?
— Isso mesmo: Gucky. Se não me engano, o embaixador dos desconhecidos tem
muita coisa em comum com ele, isto é, o tamanho reduzido e a capacidade de raciocinar.
Então, Gucky; você vai?
O rato-castor saiu caminhando em direção à porta.
— É claro que vou. Para onde deverei levar o visitante?
— Traga-o para cá. Mas tenha cuidado. Não sabemos quais são suas intenções ao vir
à nossa nave. Procure descobrir alguma coisa em seus pensamentos. E ao menor indício
de traição...
— Compreendo — disse Gucky e desapareceu no corredor.
Marshall fitou a porta que voltara a fechar-se.
— Eu deveria ter ido com ele, chefe.
Rhodan sacudiu a cabeça.
— Não devemos assustar o visitante, seja ele quem for. Gucky é pequeno e tem um
aspecto relativamente inofensivo. Nós temos quase o dobro do tamanho dessa criatura.
Isto representaria uma desvantagem para ele, pois poderia ter uma surpresa negativa
quando estivesse frente a frente conosco.
— Permita-me tentar manter contato mental com Gucky — pediu Marshall, que não
estava disposto a ignorar os fatos que pudessem ocorrer.
Rhodan não teve qualquer objeção.
A imagem do desconhecido projetada na tela tornou-se mais nítida e o traje pode ser
visto melhor. Deslizou para fora da tela e sumiu das vistas dos espectadores.
Gucky já se havia teleportado à comporta. Com alguns movimentos ligeiros, entrou
no traje especial pressurizado e fechou a escotilha interna. Depois deixou que o ar
respirável saísse da eclusa e abriu a escotilha externa.
O visitante encontrava-se a cinqüenta metros de distância e dirigia-se com uma
estranha segurança à comporta, como se já soubesse onde esta ficava. Talvez fosse apenas
um acaso, mas Gucky não acreditava no acaso.
— Venho em paz — foi o pensamento que atingiu nitidamente seu cérebro vigilante.
— Se vocês souberem captar pensamentos, compreenderão que apenas desejo a paz.
Vocês me compreendem?
Gucky refletiu antes de responder. Teve tempo de sobra. Procurou Marshall e
estabeleceu contato mental com ele. Perguntas e respostas corriam rapidamente de um
lado para outro. Depois disso desfez o campo defensivo que criara em seu cérebro, em
relação aos pensamentos do estranho, a fim de que ele não pudesse acompanhar a palestra
telepática mantida com Marshall.
— Quem é você? — perguntou o rato-castor, revelando sua qualidade de telepata, tal
qual sugerira Rhodan por intermédio de Marshall, que o consultara durante o intercâmbio
telepático. O que significava a revelação desse segredo para quem dispunha de um
exército de mutantes altamente qualificados?
— Sou Kruukh — foi a resposta. — Os mestres mandaram que procurasse vocês.
Quer dizer que não é nenhum “uuuns”, constatou Gucky com certo alívio. Haviam
mandado outra pessoa. O rato-castor não sabia por quê, mas tinha medo desses seres. Era
um medo instintivo, que não sabia explicar.
— Nós o esperamos, Kruukh.
O desconhecido pousou suavemente no envoltório da Sambo e entrou na comporta.
Não parecia conhecer receio ou dúvidas.
— Você é o comandante da nave?
— Não; sou apenas um dos seus servos — foi a resposta cautelosa de Gucky.
Enquanto fechava a escotilha externa e esperava que o ar penetrasse na comporta,
teve oportunidade de estudar o visitante. Queria livrar-se quanto antes do traje
desconfortável. Talvez conseguisse convencer o visitante a desmascarar-se. Pela lâmina
translúcida não se via muita coisa. Mas Gucky ao menos teve a impressão de ver um
rosto atrás da mesma.
— Nosso ar é respirável para você? — perguntou.
A resposta foi imediata.
— É, a atmosfera de nosso planeta é idêntica.
Gucky saiu do traje pressurizado e pendurou-o no gancho apropriado. Ao mesmo
tempo abriu a escotilha interna.
O visitante imitou-o.
O ser que o rato-castor viu dali a pouco era estranho, mas seu aspecto não era de
infundir medo.
No primeiro instante, Gucky não soube com quem Kruukh poderia ser comparado,
pois não havia um verdadeiro paralelo com qualquer habitante da Terra.
A parte superior tinha o aspecto de uma gigantesca lagosta. Os olhos negros e
brilhantes ficavam sobre tentáculos longos e móveis; naquele instante fitavam o rato-
castor com certa curiosidade. Parecia não ter nariz nem boca, ou então esses órgãos
ficavam num ponto recôndito. Quatro braços finos, cada um com três dedos, distribuíam-
se por igual para os quatro lados. O estranho ser poderia estender a mão para qualquer
lado sem modificar a posição do corpo.
A parte inferior do tronco estava revestida com uma poderosa blindagem. Dois
membros não muito longos e grosseiros deviam ser os pés, sobre os quais aquele ser se
movia lentamente. Tal qual Gucky, o visitante não usava qualquer tipo de roupa. E não se
via nenhuma arma.
— Sou Kruukh — disse novamente a mensagem telepática. — Meus senhores
querem que eu fale com o comandante.
Não usou o verbo falar, mas o significado do impulso era este. Queria transmitir
uma mensagem de seu senhor a Perry Rhodan.
— Siga-me — respondeu Gucky e caminhou à sua frente.
Naquele instante, bem que gostaria de ter olhos nas costas...
John Marshall tateava em direção ao visitante. Conseguira acompanhar a palestra
entre Gucky e o estranho, motivo por que já estava informado.
A mão de Sikermann continuava pousada sobre a alavanca que ativaria o campo
energético. Ao menor sinal de perigo, ele o ligaria. Com isso, a Sambo ficaria isolada.
A porta abriu-se. Gucky entrou na sala de comando, deixou que o enviado passasse
e piou:
— Permitam que faça a apresentação. Este é Kruukh, embaixador dos invisíveis.
Sobre os pés curtos, o caranguejo-abelha — Gucky dera este nome à estranha
criatura — foi saltitando para dentro da sala. Os olhos salientes fitaram os presentes um
por um. Finalmente parou e fez uma mesura diante de Rhodan. Seus impulsos mentais
foram reforçados. Tomaram-se tão intensos que puderam ser percebidos até mesmo por
quem não era telepata. Kruukh devia ter um dom extraordinário nesta área.
— Você é o comandante e o mestre dos estranhos vindos de outro plano temporal?
— perguntou; na verdade estava fazendo uma constatação. — Meu senhor, um druuf,
manda dizer que qualquer resistência será inútil. Vocês perderam sua dimensão temporal
da mesma forma que todos os outros seres de seu Universo que foram atingidos por
nossa dimensão temporal. Não existe nenhum caminho de volta. Capitulem.
Rhodan fitou o estranho ser com os olhos estreitados. Havia nele alguma coisa que
lhe desagradava, mas não sabia o que era. Compreendeu que era um erro julgar uma
inteligência desconhecida com base nas características externas. Lançou um olhar
significativo para Atlan.
O arcônida imortal manteve-se imóvel. Fitava Kruukh com a maior atenção. Seus
olhos eternos exprimiam desconfiança. Esse fato confirmou as suposições de Rhodan.
Este também estava desconfiando, mas preferiu não pensar nisso, a fim de não
prevenir aquele ser dotado de faculdades telepáticas.
— Seja bem-vindo em nossa nave, Kruukh — disse Rhodan em voz alta, para que
os não-telepatas também pudessem entendê-lo. — As exigências de seu senhor nos
causam espanto. Como podemos capitular sem luta diante de inimigos, se não sabemos
sequer como eles são? Além disso, ainda é bastante duvidoso que realmente tenhamos de
permanecer neste plano temporal. Se as intenções dos druufs são honestas, por que não
permite ao menos que tentemos regressar através do anel luminoso pelo qual viemos?
Kruukh fitou Rhodan.
— Não conheço os motivos de meus mestres; apenas cumpro suas ordens. Estes
querem que, como prova de que vocês se renderam, o comandante desta nave venha
comigo. É só o que tenho a dizer e pedir.
— É muita coisa. — disse Atlan, lançando um olhar de advertência para Rhodan.
A posição tensa de seu corpo revelava que a qualquer momento aguardava um
ataque do caranguejo-abelha. Nem ele mesmo saberia dizer de que espécie seria o ataque.
Dirigindo-se a Marshall, Rhodan disse em voz alta:
— Chame André Noir, Ralf Marten e Fellmer Lloyd. Queremos saber a quantas
andamos com Kruukh.
Assim que Marshall se retirou, prosseguiu:
— Verificaremos se aquilo que você diz é verdade, Kruukh. Depois poderá retirar-se
e levar nossa resposta ao seu mestre.
O caranguejo-abelha não respondeu. Em compensação fez uma coisa que só foi
notada pelo telepata Gucky. Bloqueou o cérebro e ativou um setor até então não
utilizado...
E passou ao ataque.
Quando Marshall entrou na sala de comando juntamente com os três mutantes a
chamado de Rhodan, o ataque já havia sido desferido. No primeiro instante, ninguém
desconfiou.
— Wuriu Sengu está a postos — anunciou Marshall.
Sengu era o espia japonês, que sabia enxergar através da matéria sólida, motivo por
que via tudo que se passava na sala de comando.
— Os outros três estão comigo.
— Encostaremos a Sambo junto à nave dos druufs e subiremos a bordo — disse
Rhodan com uma estranha monotonia na voz. — Eles só querem nosso bem.
Marshall logo foi colocado em estado de alarma. Rhodan não poderia ter aceito essa
condição tão depressa. Era impossível. Lançou um olhar ligeiro para Atlan e Crest. O
imortal parecia um tanto tenso. Parado ao lado do outro arcônida, deixava pender
frouxamente os braços. Em seus olhos eternos não se via o brilho da vida.
Da mesma forma que Rhodan e Atlan, Crest parecia um boneco.
André Noir, o hipno, sentiu algo estranho, pois notou instintivamente que aquilo
fora obra de alguém que dispunha do mesmo dom que ele. Tratava-se de um processo de
influenciação de efeito retardado, uma espécie de estado pós-hipnótico.
“Estes quatro devem ser submetidos ao mesmo tratamento”, pensou Kruukh,
cometendo o erro fatal.
Não calculara com a possibilidade de alguém ler seus pensamentos, mesmo que não
os irradiasse diretamente.
Sem nada deixar perceber, Marshall, que evidentemente captara o pensamento de
Kruukh, disse:
— Noir, agora é sua vez.
Noir sabia o que Marshall queria dizer com isso. O francês era hipno e graças a essa
qualidade fora incorporado ao Exército de Mutantes. Se alguém lhe pedisse que fizesse
uso de sua faculdade, não havia necessidade de explicar de que faculdade se tratava. E, se
Marshall não falava em termos claros, devia ter seus motivos.
O caranguejo-abelha estava despreparado e foi atingido pela força total dos
impulsos hipnóticos, que romperam suas resistências naturais e se apossaram de seu
cérebro. Antes que Kruukh compreendesse que o feitiço virara contra o feiticeiro, estava
submetido à influência de Noir.
— Pronto — disse o hipno com a voz tranqüila. — O que devo fazer com ele?
Marshall refletiu febrilmente. Não queria nem podia tomar qualquer decisão sem a
concordância de Rhodan. Antes de mais nada, Perry e os arcônidas teriam de ser
libertados da coação hipnótica que o medonho visitante colocara em torno de suas
consciências.
— Desligue-o por cinco minutos, para que não nos possa causar qualquer mal.
Depois liberte Rhodan.
Dali a dois minutos, Kruukh se encontrava diante de Marshall, numa atitude
completamente apática e relativamente inofensiva, sem saber o que estava acontecendo
em torno dele. Seu cérebro mantinha-se passivo e suspendera toda atividade intelectual.
Noir pôde passar tranqüilamente ao tratamento dos homens que haviam sido submetidos
à influência hipnótica, a fim de restituir-lhes a vontade própria.
No momento em que ficou livre da constrição, o rosto de Rhodan retratava o
espanto. Era estranho, mas lembrava-se do que havia acontecido. A interferência mental
não fora muita intensa.
— Não pude evitar, pois foi muito rápido — disse. — Nem Gucky nem eu notamos
as intenções deste visitante pouco agradável. Em si a idéia de hipnotizar-nos não é nada
má. Teríamos caído tranqüilamente na armadilha deles. Ainda bem que nossos hipnos são
melhores. Obrigado, Noir.
— Agradeça a Marshall; foi ele que desconfiou imediatamente — disse o hipno em
tom modesto e voltou a dedicar sua atenção ao prisioneiro. — O que vamos fazer com
ele?
— Mande que durante uma semana mantenha uma atitude completamente
indiferente. Será nosso refém. Quanto aos druufs mostraremos a eles que descobrimos
sua trama. Talvez se lembrem de outra melhor.
Noir submeteu Kruukh a um tratamento hipnótico e levou o prisioneiro apático para
fora da sala de comando. A Sambo dispunha de compartimentos destinados à guarda de
visitantes indesejáveis.
De resto, convém mencionar que Ivã Ragow logo mostrou-se interessado pelo
caranguejo-abelha.
Rhodan fez um sinal para Sikermann.
— Ligar o campo defensivo. Preparar o radiador de impulsos. Abrir fogo contra a
nave deles. Aurin, prepare o transmissor fictício. Iniciaremos um ataque em grande
escala.
Menos de três segundos depois, a gigantesca nave negra foi envolvida por uma
torrente de energia chamejante. Em alguns lugares, as chapas de metal começavam a
derreter. Mas o prejuízo não foi grande, pois a reação do comandante dos druufs foi
imediata. Os disparos energéticos logo começaram a ser repelidos pelo campo cintilante,
enquanto as partes atingidas esfriavam rapidamente.
— Transmissor fictício! — disse Rhodan em tom exaltado. — Fogo!
Mais tarde ninguém saberia dizer se o transmissor fictício realmente funcionou com
tamanha rapidez, ou se naquele instante a nave inimiga entrou em transição. De qualquer
maneira, o gigante desapareceu no mesmo instante em que o Capitão Aurin abriu fogo.
O lugar em que antes se encontrara estava vazio.
Rhodan não tirou os olhos da tela quando disse:
— Tome a rota do anel luminoso, Sikermann. Procuraremos forçar passagem.
Atlan estremeceu quase imperceptivelmente.
— Pretende ignorar a cortina de fogo, bárbaro? Será que isso não é muito arriscado?
Rhodan sacudiu a cabeça.
— Já compreendi que cada segundo representa um risco muito maior. Se ficarmos
aqui, estaremos perdidos. A tentativa de regressar ao nosso plano temporal representa um
risco menor. O que ternos a perder, já que nos vemos diante da alternativa? Nada, meu
caro; não temos nada a perder.
— Rota estabelecida — disse Sikermann. Sua voz exprimia insegurança, mas
decisão. — Qual será a velocidade?
— Parta. Depois veremos o resto.
7

A Sambo corria em direção ao débil anel luminoso perfeitamente visível acima da


planície. Desenvolvia a velocidade relativa da luz.
A cortina energética criada pelas pequenas naves negras não se tornaram menos
espessa. Eram apenas cinco ou seis unidades que concentravam seu fogo sobre a abertura
que permitiria o regresso ao outro Universo.
O anel luminoso parecia precipitar-se em sua direção, os raios energéticos
procuraram atingi-los, mas foram muito lentos.
A Sambo conseguiu passar.
Atrás deles, o céu perdeu a cor; voltou a ser límpido e azul. O deserto de Tats-Tor
passou vertiginosamente, enquanto Sikermann desacelerava.
Uma voz saiu do alto-falante.
Era Bell.
— Não esperávamos que voltassem tão depressa. Para que serve esse buraco
luminoso? Quer que o desliguemos?
Rhodan segurou o microfone do telecomunicador.
— Aqui fala Rhodan. Desliguem imediatamente os geradores de campo de
curvatura.
Dali a dez segundos veio a resposta:
— Foram desligados! Conte logo o que aconteceu.
Rhodan suspirou aliviado e reclinou-se na poltrona. Parecia que um peso de cem
quilos acabara de sair de seus ombros. Atlan aproximou-se.
— Não quer perguntar a Bell quanto tempo passou por aqui? — perguntou. — Só
depois disso poderemos ficar tranqüilos.
Antes que Rhodan pudesse responder, a voz de Bell saiu dos alto-falantes:
— Por que bateram em retirada tão depressa? Vocês passaram menos de dois
minutos do lado de lá!
Rhodan fitou Atlan e levantou-se abruptamente.
— Então? — disse em tom exaltado. — O que me diz?
O imortal deu de ombros.
— O que posso dizer? Aconteceu exatamente o contrário do que esperávamos.
— Gucky — disse Rhodan com uma calma forçada. — Você não acredita que seu
estranho comportamento junto aos robôs poderia ser a chave do mistério?
O rato-castor limitou-se a sacudir a cabeça.
Sikermann desacelerou o suficiente para que pudesse descrever uma curva e trazer a
Sambo de volta. Pousou-a ao lado da gigantesca Drusus.
Crest começou a falar:
— Recuperamos nossa dimensão temporal.
Um olhar para a tela confirmou a afirmativa.
Viram um homem sair da escotilha da Drusus em velocidade normal, descer pela
rampa e dirigir-se à Sambo.
Era Bell.
Dali a cinco minutos apertou a mão de Rhodan e dos outros.
— Quer dizer que não deu certo. Ou deu?
— Ficamos por lá algumas horas, meu caro — disse Rhodan. — Não me peça que
lhe dê uma explicação para a distorção do tempo, pois não a tenho.
— Pois eu tenho — disse Atlan para sua surpresa. — E a explicação é simples. Já
falamos sobre isso. Acho que o fato tem alguma relação com o transmissor fictício. O
aparelho atirou a nave inimiga contra a barreira do tempo, enquanto nos transferiu para o
passado, e para um passado de muitos anos atrás. Só assim se explica que a diferença
entre os dois planos temporais praticamente se compensou, isso por puro acaso. Tivemos
sorte; apenas isso.
Naquele instante, ouviu-se o som estridente do intercomunicador.
Era Ivã Ragow.
São as lagartas, chefe. Ficaram imóveis de novo. A mesma coisa aconteceu com o
tal do Kruukh. O que devo fazer?
— Nada — disse Rhodan e desligou. Muito sério, disse aos presentes. — Acho que
isso representa a prova de que jamais poderá haver qualquer entendimento entre nós e os
druufs. Não é porque nós ou eles não queiramos, mas apenas porque ninguém pode. A
natureza opõe-se a tal tipo de entendimento.
— Talvez aconteça um milagre — disse Crest em voz baixa.
Atlan fez um gesto de assentimento.
— Crest está com a razão. O que sabemos sobre o outro plano temporal é pouco,
mas encontramos um caminho que nos leva a eles. A primeira tentativa terminou em
fracasso. Não conseguimos estabelecer contato positivo. Da próxima vez pode ser
diferente. Se fosse você, não desistiria tão depressa, bárbaro. Será que os homens já
desistiram alguma vez?
Rhodan fitou Atlan por muito tempo. Depois sacudiu lentamente a cabeça.
— Não, Atlan, os homens nunca fizeram isso. Você tem razão. Por um instante eu
me esqueci de que somos homens. Nunca desistimos, por mais difícil que seja um
problema. Um belo dia teremos um encontro com os invisíveis. E nesse dia, eles terão de
nos dar algumas explicações.
— Vamos tentar logo? Afinal, só perdemos alguns minutos. O dia é longo! — falou
Bell em tom impaciente.
Rhodan colocou a mão sobre seu ombro.
— Meu querido e velho Bell, você diz que apenas perdemos alguns minutos. Só por
acaso foram alguns minutos. A expedição poderia perfeitamente ter durado alguns
decênios. Pensarei mil vezes antes de arriscar novamente o salto pela barreira do tempo.
Vamos voltar à Terra.
E a decisão foi esta. A bordo da Drusus, que já havia recolhido a Sambo, nada
lembrava a ventura do planeta de cristal.
Nada, com exceção de algumas lagartas imóveis, enrijecidas na posição em que se
encontravam no momento em que foi rompida a barreira do tempo e... de um druuf
imóvel.
***
Dali a alguns meses, Perry Rhodan se encontrava logo após o nascer do sol na
periferia da cidade de Terrânia, num lugar que há meio século ainda era um deserto. Hoje
um capim viçoso e algumas árvores cresciam no local.
Rhodan gostava de andar vez por outra a sós por ali, a fim de apreciar o nascer do
sol. Próximo, ficava o túmulo de Ernst Ellert, um homem admirável, cujo espírito era
capaz de correr para o futuro, Um belo dia esse espírito não voltou mais. Desaparecera no
espaço-tempo, e estaria vagando por lá, à procura do corpo, que jaz intato no mausoléu,
aguardando a volta do espírito que o animaria.
Quem sabe? Talvez um dia...
De repente, Rhodan teve ti impressão de não estar só.
Olhando o céu, tinha-se a impressão de que choveria dali a um ou dias; mas por
enquanto o tempo era seco, o capim estava em flor.
A brisa ligeira tangia as acima do solo.
A sensação de não estar só durou apenas dez segundos. Desapareceu tão depressa
como viera.
Rhodan sentiu um calafrio, mas os raios acalentadores do sol logo o espantaram.
Fez meia-volta. Estava na hora de voltar para Terrânia. A caminhada até o carro que
o esperava lhe faria muito bem.
Subitamente estacou...
Perto do lugar em que ficara parado havia pequenos rastros inconfundíveis no solo.
Logo os reconheceu.
Eram de Gucky, e dez segundos antes ainda não estavam lá!
Porém, naquele instante, Gucky se encontrava entre os colonos de Vênus...
O cérebro de Rhodan reagiu imediatamente. Lembrou-se das horas de incertezas
passadas no mundo de cristal, que já haviam mergulhado no mar da eternidade.
Subitamente compreendeu que o círculo acabara de fechar-se.
Prosseguiu na sua caminhada, Dali a sessenta minutos, quando se encontrava em
Terrânia e iniciava o trabalho de todo dia, ninguém desconfiaria de que há uma hora atrás
um sopro de eternidade atingira Perry Rhodan.
...E uma recordação que há muito pertencera ao passado.
Haveria uma recordação que pertencesse ao futuro?

***
**
*

A volta ao Universo foi garantida. Mas Perry


Rhodan não poderá ignorar esses atacantes
extratemporais... nem esquecer o robô regente de Árcon.
Em Os Escravos Cósmicos, título do próximo
volume, acontecimentos marcantes vão se desenrolar.

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