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Cita-acção #3:
Visita Guiada
Le cinéaste qui se fait esclave de l’argent n’a plus la liberté de se faire esclave de la liberté.
Abril 3, 2018
Há conceitos que, de tanto usados e abusados, hoje significam pouco ou nada. Um é “cineasta Jusqu’à la garde
(2017) de Xavier
independente ou marginal”, outro é “cineasta experimental”. Dir-se-ia que era preciso fazer reset a Legrand
estes conceitos – lavá-los de todas as impurezas que foram ganhando com o passar do tempo – Abril 2, 2018
para aqui poder resumir rapidamente a obra complexa e desafiante do francês Marcel Hanoun.
Sim, terão havido poucos cineastas mais independentes, mais livres das amarras “canonizantes”
A velha rapôsa do
que fazem da história do cinema uma colecção de fórmulas e derivações. No caso de Hanoun, a
cacifo número 1
nossa dificuldade – de espectadores e escritores – começa por conseguirmos “domar” a sua
Abril 1, 2018
linguagem, entendê-la nas suas profundas ligações. Mas serão assim tão profundas? Estarão elas
em profundidade ou à superfície? É Hanoun que diz em entrevista a André Cornand e Abraham
Segal: “Acho que os meus filmes estão extremamente organizados, e são muito simples, por isso, 11.ª Festa do
eles acabam por ser acessíveis e não são de maneira alguma intelectuais. Eles são feitos de carne. Cinema Italiano:
Eles estão vivos. Eles têm sentimentos. Eles têm pele.” Passemos então a mão por esta pele. novo lme de
Ermanno Olmi
Abril 1, 2018
Una Mujer
Fantástica (2017)
de Sebastián Lelio
Março 31, 2018
Sandome no
satsujin (2017) de
Hirokazu Koreeda
Março 29, 2018
* preenchimento obrigatório
Endereço Electrónico
L’été (1968) de Marcel Hanoun
*
A tetralogia da estações foi realizada entre 1968 e 1973. Não esteja à espera das articulações Primeiro Nome
transparentes entre os títulos e os filmes tal como entre os filmes entre si. Estamos longe, por
exemplo, dos projectos fílmicos – de longo prazo – de Éric Rohmer. Hanoun trabalha filme a filme
e, dentro do filme, trabalha-o verticalmente, consoante o sentido do vento da sua inspiração: “eu Último Nome
vivo o meu trabalho dia-a-dia, numa base dialéctica e ‘imediata'”, confidencia na mesma entrevista.
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05/04/2018 A tetralogia das estações de Marcel Hanoun: um cinema livre que desabrocha | À pala de Walsh
O seu cinema baseia-se num diálogo intenso e por vezes violentamente íntimo com as imagens. No Subscreva
prefácio do seu notável livro aforístico de reflexão fílmica, Cinéma cinéaste: Notes sur l’image
écrite, Nicole Brenez resume assim o gestus essencial do seu cinema e, lato sensu, da sua “escrita”:
“a rarefação plástica; a reflexividade como filosofia do esquisso; a abertura ao desastre; a
interpelação ética feita ao espectador; o amor às formas breves; a invenção infinita de formas de GOSTE DE NÓS NO FACEBOOK
corte” (p. 10). A propósito do ritmo de corte no seu cinema, Brenez avança com a ideia de uma
“ciência da montagem (…) que se inspira muito no modelo musical da fuga” – ela, a fuga, vigora,
errática e, agora sim, livre e permanentemente aberta à experiência, no cinema de Hanoun. Foi À pala de Walsh
9,1 mil curtidas
sempre com esta liberdade e independência (esta “escrava liberdade”) que Hanoun escreveu e
realizou os seus filmes. Foram perto de 60 as obras que assinou e escreveu um punhado de livros
de reflexão, onde se destaca o já citado Cinéma cinéaste – espantoso livro irmão das Notas sobre o
Cinematógrafo de Robert Bresson. Curtir Página
Hanoun começou a sua carreira na longa-metragem – antes notabilizara-se como fotógrafo – com Seja o primeiro de seus amigos a curtir
uma obra pungente, Une simple histoire (1959). História de uma mãe e de uma filha entregues à isso.
sua sorte em plena cidade de Pais. Procuram uma vida na grande selva urbana. Acabarão por
depender da bondade – e da esmola – de estranhos. É um filme seco e humanamente avassalador.
São essas também as características principais daquele que será o filme mais visto de Hanoun:
L’authentique procès de Carl-Emmanuel Jung (1966). Retrato duro – frio, necessariamente frio –
do julgamento de um criminoso de guerra nazi. Como facilmente se antevê, neste “teatro judicial”
encenar-se-á uma micro Nuremberga onde se explana a crise de representação aberta pela Shoah
– numa espécie de resposta ao famoso filme de Stanley Kramer, Hanoun no momento de mostrar
as imagens do Holocausto dá-nos a ver apenas um quadro em branco, são as não-imagens de que
falava Serge Daney, aquelas que são sempre insuficientes para enquadrar a dimensão inominável
do que representam. O que muda destes filmes para L’été (1968)? O gesto de uma revolução, o
estilhaçamento – político, moral e cultural – que foi o Maio de 68. A revolução pára enquanto a
personagem se retira, de férias, na sua casa do campo. Ou será esse “intervalo” o lugar certo para
se (re)pensar – política e sentimentalmente – o sentido da utopia revolucionária? O filme vive de
uma alternância aforística – escrita de imagens como imagens da escrita – entre a imagem em
movimento e a imagem parada. A animação do cinema com a fixidez da fotografia. Como escreve
Hanoun, em Cinéma Cinéaste (p.75), “L’absence du mouvement, mouvement suprême”.
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cinema está aí no mundo, basta sabê-lo regar e, na altura justa, estender a mão para colher os
seus frutos. Escreve Hanoun ainda nesse livro de aforismos: “Le mystère du film à être, à devenir,
fait ma nécessité du cinéma.” O cinema não é feito por…, ele faz-se a si mesmo. É preciso criar
condições para este “devenir”.
O cineasta é espectador – veremos como este conceito é levado até às suas últimas consequências
em L’automne. Mas antes de mais importa falar nos filmes do meio, L’hiver (1969) e Le
printemps (1972). São experiências de desabrochamento fílmico. Exigentes, quase impenetráveis,
mas só até certo ponto. Até àquele ponto em que já estamos plenamente entre as imagens. O
filme a fazer-se, o filme a fazer-nos? Em L’hiver abre-se no cinema de Hanoun a instância do
metafilme. Não só este é um filme sobre um filme, questionamento da fronteira entre a vida e o
cinema, ele é também um filme que só tem um assunto: a sua própria possibilidade – ou, na
realidade, mais contundentemente, a sua impossibilidade – de ser cinema. “Le film n’a pas de sujet,
il est le sujet du film” (p. 43). Um realizador a rodar um documentário na cidade de Bruges decide
que quer fazer um outro filme. A partir daqui temos o cinema a dobrar-se sobre si mesmo. As
imagens chocam, oscilam, banham-se de cor, luz e preto-e-branco. Pinturas, fachadas de edifícios,
rostos e natureza. É um filme dentro da cabeça de um cineasta, mas não é Otto e mezzo (Oito e
Meio, 1963) nenhum. É, antes de mais, uma tentativa de materializar em imagens o convulso
processo criativo. L’hiver é, assume Hanoun na entrevista citada, o resultado de um cinema “em
estado bruto”. Como se o cineasta tivesse conscientemente criado uma ficção toda ela
com outtakes. Outtakes como lugar do mais potente espaço off: “C’est le hors visible, c’est le hors-
champ qui nourrit son identité” (p. 40). Mais à frente, escreve ainda Hanoun em Cinéma cinéaste:
“Le film est moins une soustraction de ses images réelles qu’une addition de ses images absentes.”
(p. 82) As sobras da imaginação como prato principal? Em certo sentido sim, mas, de novo, o
processo é mais natural, menos “intelectual”: um desabrochamento, para ser mais exacto.
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Do Inverno passamos para a Primavera, a estação mais violenta de todas – Hanoun fala de Le
printemps como um “filme de horror”. A “ciência da montagem” atinge o seu cume. A montagem
alternada, aprimorada originalmente em Griffith, é aqui objecto de reflexão – no sentido total do
termo “reflexão”. Hanoun cria uma ponte invisível entre duas histórias: num cenário campestre,
acompanhamos o dia-a-dia de uma menina, nas suas brincadeiras, e a sua avó, nos afazeres
domésticos; nas redondezas – esta vizinhança, claro, é apenas sugerida na montagem, como uma
releitura do efeito de Kulechov – acompanhamos as movimentações de um homem em fuga,
alguém que terá cometido um crime do qual pouco sabemos. Percorre ele a paisagem à procura
de um destino que lhe possa sanear a culpa? A montagem é perversa, na medida em que apenas
sugere uma ligação entre estas duas histórias – será o homem o pai da menina, ou melhor, o pai
que a menina aguarda? No fim o homem é apanhado pela câmara – o zoom atinge o corpo como
uma bala. A câmara ganha corpo no espectro dramático deste filme não para o concluir mas para o
interromper indefinidamente. É um acto de verdadeira violência: “Au cinéma, la vraie violence est
dans l’interruption de la violence.” (p. 128) O cinema volta a ser o assunto principal aqui. A
realidade da rodagem – e da montagem – não cessa de operar o filme de dentro para fora, como
uma espiral. A tendência é para intelectualizar, pensarmos narrativa e simbolicamente o que
pertence ao domínio sensorial – musical! – do plano e do corte. Mas, afinal, o que quer dizer
Hanoun sobre esta “máquina de matar pessoas (más)” chamada cinema?
Chegamos ao Outono. O cinema de Hanoun sai do mundo e recolhe-se. Michael Lonsdale, actor
principal da tetralogia e aqui alter ego de Hanoun – mais até do que já fora em L’hiver -, olha para
nós. A câmara permanece imóvel e, portanto, apetece dizer que lhe devolve o olhar. Mas não
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05/04/2018 A tetralogia das estações de Marcel Hanoun: um cinema livre que desabrocha | À pala de Walsh
sabemos ao certo o que o filme dentro do filme dá a ver. Apenas ouvimos o filme que Hanoun
fabrica na mesa de montagem. Estamos na presença de uma das obras mais essenciais sobre o
processo de montagem. Uma espécie de Shirin (2008) em que o protagonista não é o espectador,
mas o cineasta. O cineasta como espectador. O primeiro de todos os espectadores. Lonsdale
monta um filme com a ajuda da sua assistente, interpretada por Tamia. Os dois estão fechados na
caixa. Os dois olham o filme, que olha de volta – os dois olham-nos a nós, espectadores destes
espectadores, deste, apetece dizer, puro espectáculo do filme que desabrocha, deste “corpo-a-
corpo” constante. “L’œill, l’image, un corps à corps.” (p. 64)
Estamos todos fechados no plano do filme e no lugar daquela sala de montagem. O tempo
também se enclausura e, com isso, ganha densidade, espessura. Habitamos aquele plano, aquela
sala. Habitamos, com isto, o corpo do próprio filme – sentimo-nos próximos dessa pele e dessa
carne chamada cinema. L’automne não é apenas o quarto – e último – filme da tetralogia das
estações de Hanoun. Ele é a culminação, radical na sua nudez, de um exercício, momento-limite a
partir do qual o cinema não pode avançar mais. Vemos pouco o filme que está a ser montado, mas
vemos tudo o que ele desperta no seu primeiro espectador, o cineasta. Com isso, somos levados
ao íntimo da criação, onde o cinema vive e pensa.
A Tetralogia das Estações está editada num pack de DVDs, com legendas em inglês e contendo um
booklet (do qual extraí as citações referentes à entrevista a Hanoun). A cortesia é da fabulosa
Re:Voir. Este texto só foi possível graças à parceria que estabelecemos com esta editora. A ela o
meu agradecimento pela prontidão e simpatia. E os meus parabéns pelo trabalho que continuam a
desenvolver em favor de um cinema escravo da liberdade.
A Caixa de DVDs em questão pode ser adquirida aqui. O fabuloso livro de Hanoun aqui
abundantemente citado, Cinéma cinéaste, também pode ser adquirido na loja Re:Voir aqui.
ABRAHAM SEGAL ANDRÉ CORNAND D.W. GRIFFITH ÉRIC ROHMER LEV KULECHOV
LUÍS MENDONÇA
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"The great creators, the thinkers, the artists, the scientists, the inventors,
stood alone against the men of their time. Every new thought was
opposed. Every new invention was denounced. But the men of
unborrowed vision went ahead. They fought, they suffered, and they paid
- but they won." Howard Roark (Gary Cooper) in The Fountainhead (1949)
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ROBERT BRESSON
ROBERTO ROSSELLINI
YASUJIRO OZU
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