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Laércio Góes
Universidade Federal da Bahia
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1. Introdução
O alvo principal das discussões sobre os desequilíbrios comunicacionais dos países não-
alinhados foram as quatro agências de notícias que concentram boa parte das informações
destinadas ao público mundial. As duas principais agências europeias, a Agence France
Presse (AFP) e a britânica Reuters, e as duas agências americanas, a Associated Press (AP) e
a United Press International (UPI). As acusações contra estas agências desencadearam uma
série de ataques na imprensa ocidental, mesmo na mídia comercial dos países do Terceiro
Mundo, que interpretaram como um perigo à liberdade de imprensa e uma ameaça ao
princípio do livre fluxo da informação (MATTELART, 2001).
Depois de mais de dois anos de trabalho, no Relatório McBride constatou-se que o fluxo de
informações se dava de forma ordenada e concentrada nos sentidos Norte/Sul e Oeste/Leste –
explicitando a divisão do mundo em termos de pobreza e ideologia. Era primeira vez que um
documento, legitimado por uma instituição das Nações Unidas, dava visibilidade aos
desequilíbrios estruturais no campo da comunicação e propunha algumas sugestões para
solucioná-los. Foi a primeira visão estrutural crítica sobre a ordem cultural e comunicacional
emitida por uma instituição internacional e também a primeira a tratar os problemas de
comunicação em sua dimensão histórica (MATTELART, 2005; 2006).
Desde a publicação do Relatório McBride, a atuação das agências de notícias continua com a
mesma força e abrangência. São organizações que atuam e operam globalmente na produção,
venda e distribuição de material jornalístico. Um pequeno grupo que funciona como cartel e é
responsável pela seleção e organização das informações para os meios de comunicação
(jornais, rádio, redes de televisão e provedores online), instituições financeiras, governos e
indivíduos ao redor do mundo. As grandes agências desempenham o papel, de certo modo, de
selecionador (gatekeeper) de notícias mundial (BOYD-BARRETT e RANTANEN, 1998).
Estudos sugerem que as agências ocidentais fornecem mais de 75% das notícias sobre os
países em desenvolvimento, o que forçam estes países verem as questões da perspectiva
ocidental (RAMPAL, 1995 apud FAHMY, 1995). Boa parte das notícias internacionais flui
verticalmente das nações desenvolvidas para aquelas em desenvolvimento através das
agências de notícia ocidentais (FAHMY, 2005). Wu (2000, apud FAHMY, 2005) constata em
suas pesquisas que, na maioria dos países, a cobertura das notícias internacionais gravita em
torno das poucas nações poderosas. A cobertura das notícias internacionais parece ser reflexo
e constituinte do sistema global, que é latentemente estruturado pelas culturas, economia e
política do mundo. Assim, o conteúdo e o volume do fluxo das notícias são influenciados por
fatores comerciais, tamanho territorial, laços culturais, recursos de comunicação e a distância
física (WU, 2000; 2003).
Embora a agência russa Itar-Tass fosse considerada uma das cinco maiores agências de
notícia do mundo, não competiu seriamente com as grandes agências ocidentais desde a
dissolução da União Soviética (RANTANEN e BOYD-BARRETT, 2004 apud HORVIT,
2006). Desde seu início, a Itar-Tass tem sido vista como uma máquina de propaganda,
transmitindo a notícia que reflete os interesses do governo. Mesmo com a queda do
comunismo, é vista ainda como uma agência de notícia oficial do governo russo apesar das
reformas nos anos 80 que a aproximou mais do papel desempenhado pelas agências ocidentais
(ALLEYNE e WAGNER, 1993 apud HORVIT, 2006).
Como Itar-Tass, a agência de notícia estatal chinesa Xinhua foi estabelecida como uma porta-
voz oficial do partido comunista que controla o governo. Hoje, jornalistas da agência que
trabalham fora da China têm imunidade diplomática. Por a Xinhua tentar competir com a
crescente economia de mercado da China, a agência tem produzido conteúdos com mais
credibilidade e menos tendencioso (FAISON, 1996 apud HORVIT, 2006). Igualmente às
outras grandes agências de notícia, a Xinhua tem também aumentado a sua presença na
Internet.
Para muitos críticos, as grandes agências de notícias ocidentais atuam nas perspectivas,
suposições e interesses de seus jornalistas, da administração e das nações desenvolvidas do
Norte em que estão sediadas (RAUCH, 2003 apud HORVIT, 2006). Além disso, a cobertura
dessas organizações dominantes de notícias não é objetiva, mas reproduz estereótipos e
apresenta mais os interesses dos países ricos do que dos países em desenvolvimento
(ALTSCHULL, 1994 apud HORVIT, 2006).
Em sua análise sobre o cruzamento da economia política das agências de notícias e a troca de
informações no ciberespaço entre 2001 e 2006, Paterson (2006) concluiu que as notícias
online têm repetido as desigualdades ou limitações do jornalismo internacional produzido pela
mídia tradicional, havendo pouca diversidade de informação na Web, apesar do senso comum
esperar o contrário. Diferentemente do que afirmou Baldessar (2008), de que a nova
configuração de acesso às informações através das redes eletrônicas não confirmaria mais as
conclusões do Relatório McBride sobre a lógica do fluxo informativo centro/periferia. Nos
últimos anos, o fluxo de notícias internacionais tem aumentado aparentemente a diversidade
do conteúdo original, mas na realidade tem diminuído ou permanecido estático.
O autor define alguns portais de notícias na Internet como os cibermediários, que reproduzem
conteúdo das agências de notícias, muitas vezes, com pouca edição. Grandes produtores de
conteúdo como a Time Warner (CNN interativo) ou Microsoft/General Eletric (MSNBC),
atuam na maioria das vezes como cibermediário. Outro fenômeno observado por Paterson é
da indústria dos agregadores de notícias contidos nos sites do Yahoo, Altavista, Google e
Excite, onde alguns poucos produtores de conteúdo originais fornecem notícias
internacionais, apesar da pretensão desses agregadores de serem fonte de diversidade
(PATERSON, 2006).
Quais os fatores que levam à concentração midiática? O relatório conclui que, embora às
vezes se deva a razões ou a pressões políticas, nos principais setores da comunicação a
concentração é provocada sobretudo pelas condições que regem a obtenção de benefícios nos
mercados nacionais e mundial e a circulação de capitais. Naquele momento, já levava em
conta também o surgimento das novas tecnologias como fator de integração vertical, como no
caso das indústrias dos computadores, em que certas empresas não se contentam em realizar
pesquisas e fabricar e vender máquinas, mas se encarregam ainda do funcionamento e da
conservação desses sistemas, proporcionando inclusive os meios de programação. Como
exemplo de concentração cita o jornalismo:
Embora na maioria dos países haja hoje uma ou várias agências nacionais de
imprensa, essas agências freqüentemente dispõem de recursos humanos,
materiais e técnicos insuficientes, motivo pelo qual sua produção de
informação tem que ficar complementada por uma contribuição externa.
Essa é uma das razões pelas quais os meios de comunicação social desses
países ainda dependem, em grande parte, das notícias selecionadas e
transmitidas por importantes agências estrangeiras (UNESCO, 1983).
Os avanços tecnológicos, por si só, como assinala o Relatório e como bem sabemos hoje com
a Internet, não democratizam o acesso às informações, pois não estão ao alcance de todos ou
de todas as regiões, mas “oferecem um potencial considerável para diversificação das
mensagens ou maior democratização da comunicação”:
Como reconhece Gohn (2003), os recursos tecnológicos são as grandes armas estratégicas
utilizadas na organização e mobilização do movimento e a Internet tem sido o principal
instrumento de comunicação na elaboração de suas agendas O uso das tecnologias de
comunicação e informação complementa e aumenta as oportunidades para a construção do
conhecimento e a ação política direta.
Dentro de uma leitura gramsciana, o ciberespaço na atualidade seria o ambiente onde as idéias
contra-hegemônicas dos movimentos sociais encontram instrumento, divulgação e penetração
na sociedade civil para exercer a sua luta. A sua importância estaria na ruptura da
unidirecionalidade da comunicação; a pluralidade e diversidade de informações e pontos de
vistas que a Web oferece; as novas possibilidades que o público tem de verificar, direta ou
indiretamente, a veracidade da informação que está recebendo, e de tomar sua própria
decisão. Na web, os movimentos sociais têm voz, não só em seus canais de comunicação
próprios, mas também através da mídia alternativa que compartilham dos mesmos valores e
idéias.
Moraes (2007), em sua pesquisa na qual analisa sites de mídia alternativa na Web, descreve a
Internet como um ecossistema digital caracterizado por arquitetura descentralizada,
multiplicação de fontes de emissão, disponibilização ininterrupta de dados, sons e imagens,
utilização simultânea e interações singulares que, em sua impressionante variedade de usos,
permite a produção e difusão de informações com sentido contra-hegemônico — isto é, de
questionamento do neoliberalismo e da ideologia mercantilista da globalização, bem como de
denúncia de seus efeitos anti-sociais
Como ocorre atualmente com a Internet, o Relatório já vislumbrava que as novas tecnologias
abririam novos caminhos para a informação e permitiriam aos que eram “receptores passarem
a ser participantes ou terem a ilusão de participar da comunicação”. Os grupos que se dedicam
a este tipo de comunicação foram classificados em três categorias: oposição radical, de
origem política, religiosa ou filosófica; movimentos de comunicação locais e comunitários; e
os sindicatos ou outros grupos sociais que têm as suas próprias redes de comunicação. Há
diferenças entre essas categorias, mas todas elas se opõem às formas social, cultural e
politicamente hegemônicas da comunicação:
Na primeira década do Século XXI, têm-se multiplicado as vozes que defendem o direito à
comunicação e políticas públicas contra a concentração midiática. Como avalia Mattelart
(2005), a sociedade civil organizada se faz escutar cada vez mais nos debates internacionais e
tem empregado “formas inéditas e permanentes de contrapoder democrático em nível nacional
e local, construindo uma força ético-moral contra a apropriação indevida da esfera pública
pelas lógicas da concentração político-financeira”.
Dentre as sugestões feitas pelo Relatório McBride para se contrapor à alta concentração
midiática, o desenvolvimento de uma comunicação alternativa é a que, principalmente com o
surgimento da Internet, tem-se tornado uma realidade (MELO, 2005). O uso das tecnologias
de comunicação e informação complementa e aumenta as oportunidades para a construção do
conhecimento e a ação política direta. A publicação na Internet reduz custos e facilita a
distribuição (ATTON, 2005). Na Web, organismos sociais podem ampliar a circulação de
conteúdos críticos, debater alternativas ao neoliberalismo e difundir reivindicações éticas
(MORAES, 2004).
No Brasil, destaca-se a ação do MST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra) que, através
de sua homepage, reinterpreta as informações divulgadas pelos jornais e redes de televisão
brasileiras. Tem ainda a Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi) que busca
sensibilizar e mobilizar a mídia, a sociedade e o poder público para a promoção e defesa dos
Direitos da Criança e do Adolescente. Uma das linhas de ação é o monitoramento de mídia,
com a clipagem de notícias sobre infância e adolescência de 116 jornais e revistas. A partir
das matérias publicadas, a Rede edita o boletim A Criança e o Adolescente na Mídia, um
resumo com as principais notícias do universo infanto-juvenil e envia esses materiais para um
mailing de mais de 15 mil contatos e publica-os em seu site. Outro movimento que se
destaca, neste caso no México, é o Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), que
aderiu e atua ativamente via internet desde 1994 (PAIVA, 2001).
5. Conclusões
São ainda utópicas? Sim. Romper o poder e alcance dos grandes conglomerados de
comunicação, com seus oligopólios mundiais, não será realidade apenas com o uso de
comunicação alternativa através da Internet. Mas as condições estão dadas para uma maior
organização da sociedade civil e surgimento de novas vozes, com novos pontos de vista e
opiniões, interligados em rede de interesses e objetivos comuns.
Como bem destacou o Relatório McBride, o ser humano tem direito à informação. Direito que
deve ser buscado com pressões junto aos governos e parlamentos para aprovação de medidas
que realmente incentivem e possibilitem uma verdadeira democratização da comunicação
numa sociedade justa e plural. Como salientou Melo (2008), esperamos que o legado daqueles
pioneiros que protagonizaram as batalhas comandadas por Sean MacBride possa ser um
referencial neste início do século XXI para balizar ações, intervenções e realizações.
6. Referências
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