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Abordagem Multidimensional*
1
Maria Teresa Gonzaga Alves
1
Maria Alice Nogueira
1
Cláudio Marques Martins Nogueira
1
Tânia de Freitas Resende
1
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Minas Gerais, Brasil
INTRODUÇÃO
DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 56, no 3, 2013, pp. 571 a 603.
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RESULTADOS
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Gráfico 1
Relação entre Proficiência em Leitura Onda 1 e NSE
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guir a vaga almejada. As escolas, por seu lado, também de forma vela-
da, podem adotar mecanismos, mais ou menos lícitos, para selecionar
alunos. Essas práticas, do lado da demanda e da oferta, contribuem
para reforçar a hierarquia entre as instituições de ensino públicas.
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Esses estudos vêm demonstrando que, cada vez mais informados – in-
clusive em virtude do surgimento de uma indústria de publicações
mais ou menos especializadas e do contato mais frequente com outros
genitores (informações “quentes”) –, alguns pais “desenvolvem um
acompanhamento mais estreito e mais adaptado às exigências da esco-
la” e às características escolares dos filhos (Van Zanten, 2009:106). E
que, em suma, eles assumem um papel pedagógico paralelo ao da es-
cola, o qual abrange atividades como: “explicar novamente as aulas”;
“criar, a partir de livros didáticos, jogos para reforçar e desenvolver os
conhecimentos escolares” (Duru-Bellate Van Zanten, 2006:165); “es-
tender e enriquecer os deveres de casa”; “transmitir métodos de traba-
lho” (Van Zanten, 2009:105-106), entre tantos outros. Sem falar do fato
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de que são os pais mais “informados” que são os mais “aptos” a “domi-
nar as situações de interação” com os profissionais da escola e a “de-
senvolver projetos individuais”, visando à boa escolaridade dos filhos
(Duru-Bellat e Van Zanten, 2006:174).
Portanto, para que haja ganho cognitivo decorrente dos bens materiais
de cultura disponíveis na residência (e supostamente reconvertidos
em rendimento escolar), é preciso ainda que existam na família dispo-
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Modelo final
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Tabela 1
Síntese dos Coeficientes de Regressão (*)
Mod1 Mod2 Mod3 Mod4 Mod5 Mod6 Mod7 Mod8 Mod9 Mod
Final
Constante 118,3 105,9 106,1 106,5 106,6 106,7 106,4 106,2 106,5 106,4
NSE 31,5 18,5 10,4 11,6 13,7 14,9 17,9 14,1 16,0 9,6
Pública 7,3 6,8 6,8 7,0 6,8 7,4 6,7 7,2 6,7
destacada
Pública fe- 18,8 14,2 14,1 14,8 15,5 17,2 15,7 16,2 13,2
deral
Privada 25,3 21,7 21,9 22,2 22,4 24,2 23,7 23,2 21,1
Conheci- 8,6 4,9
mento do
sistema de
ensino
Posse de 7,5 4,7
bens cultu-
rais
Práticas co- 6,3
tidianas de
escrita
Ordem ra- 6,5
cional do-
méstica
Práticas fa- 4,8
miliares de
leitura
Ambição 6,2
Escolar
Interação 4,2
pais / fi-
lhos
Concepção
de infância
R2 ajustado 0,24 0,34 0,38 0,38 0,37 0,37 0,36 0,36 0,35 0,39
Fonte: Elaboração própria com dados da pesquisa.
(*) Todos os coeficientes são significativos (p = 0.05)
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Embora se saiba que a escolaridade dos pais constitui um dos itens sin-
tetizados no NSE e represente uma das formas do capital cultural, a re-
dução no valor do coeficiente de regressão na presença dos fatores “in-
formações sobre o sistema escolar” e “posse de bens culturais” indica
que essas outras dimensões do capital cultural podem “compensar” o
NSE das famílias. A evidência sugere que se trata de dimensões inde-
pendentes, mas que colaboram, em conjunto, para o desempenho dos
alunos.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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veis familiares que vêm sendo apontadas pela literatura como influen-
tes no desempenho escolar dos filhos, a fim de ponderar seus efeitos re-
lativos e verificar como interagem na configuração das desigualdades
de desempenho dos alunos investigados. Para isso, assumiu-se o desa-
fio de abordar, por meio de questionário, construtos que vêm sendo
elaborados a partir de abordagens predominantemente qualitativas,
na busca de confirmá-los (ou não) quantitativamente. Os resultados
encontrados confirmam a significância, para essa análise, de aspectos
como: o NSE familiar; o tipo de estabelecimento de ensino frequenta-
do; o capital de conhecimentos sobre o sistema de ensino; a posse de
objetos culturais; as práticas cotidianas de escrita; a racionalização da
vida doméstica; as práticas familiares de leitura; a ambição escolar pa-
rental; as interações entre pais e filhos.
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NOTAS
1. Em que pese a recente publicação do livro de Barbosa (2009) que explorou a relação
entre desempenho escolar de alunos de escolas públicas de Belo Horizonte e o capital
social familiar.
2. Para maiores informações sobre o Projeto Geres, consultar Franco, Brooke e Alves
(2008).
3. No plano amostral do Projeto Geres, a base para a seleção da amostra do setor privado
incluiu apenas estabelecimentos de ensino com até três turmas para cada série.
Assim, os grandes colégios privados da cidade, inclusive os de maior prestígio, não
estão representados.
4. Como as variáveis são ordinais, o ajuste do modelo da AFC foi feito com um estima-
dor robusto do software MPLUS denominado Mean and variance-adjusted weighted le-
ast squares estimator (WLSMV), que utiliza correlação policórica (Muthén e Muthén,
2006).
5. Essa etapa da pesquisa foi realizada por meio de consultoria estatística ao projeto
dada pelo professor Daniel Seabra Matos, da Universidade Federal de Ouro Preto.
Para os interessados, o relatório técnico com informações sobre o tipo de estimador
utilizado, os itens testados em cada fator, os índices de ajustes utilizados, a qualidade
do ajuste, os níveis de significância e de precisão das estimativas pode ser requisita-
do a Maria Teresa Gonzaga Alves, uma das autoras deste artigo.
6. Acrescente-se, ainda, que foram testados também os seguintes fatores: “concepção
sobre brincadeiras”, “atividades extraescolares” e “concepção de infância”. Entre-
tanto, os dois primeiros não se mantiveram como fatores após a AFC. O último se
manteve, mas com apenas dois dos itens considerados teoricamente relevantes para
o entendimento dessa dimensão. Nesse caso, avaliou-se que o fator extraído, embora
confirmado estatisticamente, produziu um construto difícil de ser justificado. Tais
problemas podem ter resultado da formulação de itens do questionário, de especifi-
cidades da amostra ou de outras contingências. Faz-se assim necessário realizar no-
vas tentativas de estudos quantitativos e qualitativos dessas dimensões.
7. De toda forma, testes realizados com a 3a onda (a última realizada antes da aplicação
do questionário) geraram resultados convergentes.
8. As exceções foram os modelos relativos aos fatores acompanhamento do dever de
casa, ações na escolha do estabelecimento de ensino e modos de exercício da autori-
dade parental. Em vista desse resultado e por razões de espaço, esses fatores não se-
rão discutidos neste texto.
9. Evidentemente, a seleção desses referenciais teóricos não esgota a produção no cam-
po da sociologia das relações família-escola, refletindo as perspectivas dos autores e
obedecendo aos limites de espaço deste artigo.
10. A metodologia para a construção do fator “nível socioeconômico (NSE)” do Projeto
Geres está descrita em Alves e Soares (2009).
11. O emprego das aspas adverte dos riscos de uma leitura determinista dos modelos de
regressão. Nas Ciências Sociais, o uso mais adequado dos modelos de regressão deve
consistir na análise da associação entre uma variável resposta (ou dependente) e va-
riáveis independentes (chamadas de covariáveis).
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12. De acordo com a Sinopse Estatística da Educação Básica, em 2011, as escolas federais
detinham 0,5% das matrículas na educação básica; as escolas particulares, 15,5%; e as
escolas estaduais e municipais, 38,2% e 44,7%, respectivamente. Informações em
http://portal.inep.gov.br/basica-censo (acesso em 15 de agosto de 2013).
13. Esta hipótese é deduzida de uma pesquisa finalizada em 2006, cujos resultados fo-
ram publicados posteriormente (Alves, M.T.G., 2010).
14. A “Prova Brasil” é uma avaliação de rendimento escolar realizada pelo Instituto de
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep/MEC) a cada dois anos. Par-
ticipam da avaliação alunos do 5o e 9o ano do ensino fundamental de todas as escolas
públicas urbanas do país que tenham mais de 20 alunos nas séries avaliadas. Os re-
sultados, por escola e por município, são divulgados no portal do Inep, no ano se-
guinte à aplicação dos testes.
15. Cabe destacar que os alunos que participaram do projeto Geres não fizeram a Prova
Brasil, a qual foi aplicada aos alunos que estavam no final da primeira etapa do Ensi-
no Fundamental, isto é, quatro anos à frente da população de alunos da presente pes-
quisa. As médias da Prova Brasil foram utilizadas, portanto, como um indicador do
nível de qualidade da instituição escolar e não do nível de proficiência do aluno.
16. Em estudos dessa natureza, costuma-se considerar também, como variáveis de con-
trole, o sexo, a cor/raça e a adequação idade série do aluno, porque esses atributos
são reconhecidos na literatura educacional como associados ao desempenho escolar
(Barbosa, 2009). Entretanto, análises estatísticas prévias (Teste T e ANOVA) não mos-
traram diferenças significativas entre as proficiências dos alunos na primeira onda
segundo as categorias das variáveis “sexo” e “idade adequada para a série”. O teste
com a variável cor/raça do aluno revelou diferença entre as proficiências dos alunos
brancos comparados aos alunos não brancos, porém, com significância fraca e que
não persistiu nos modelos de regressão que incluíram a variável NSE.
17. O conhecimento dos pais sobre a qualidade das escolas foi avaliado solicitando aos
respondentes que indicassem as melhores escolas e Universidades de Belo Horizon-
te. As respostas foram cotejadas com os resultados de cada instituição na Prova Bra-
sil e/ou no Enem, no caso da educação básica. No caso do ensino superior, Universi-
dade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais (PUC-MG) foram tomadas pelos pesquisadores como as instituições de mais
alta performance da cidade.
18. Coleman (1997) também considera como parte do capital social familiar a rede de re-
lacionamentos da família, que não enfatizamos aqui por ser menos relevante para a
análise do fator em questão. Observa-se que o conceito de capital social de Coleman é
diferente do que foi construído por Bourdieu (1998c). Para uma comparação entre
ambos, ver Bonamino et al. (2010).
19. A dinâmica computacional do modelo stepwise consiste em introduzir inicialmente a
variável que apresenta o maior coeficiente positivo ou negativo na associação com a
variável dependente e, em cada passo subsequente, adicionar a variável com a maior
correlação parcial, testando-as para decidir sobre a remoção ou permanência no mo-
delo (Norusis, 2005).
20. Tal como no modelo 2, testou-se, no modelo final, o tipo de escola sem fazer distinção
entre escolas públicas comuns e destacadas. Isso resultou em coeficientes com valo-
res menores para as escolas particulares e a escola federal (9,3 e 17,1, respectivamen-
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APÊNDICE
Quadro 1
Variáveis Utilizadas nos Modelos de Análise
Tabela 1
Estatísticas Descritivas das Variáveis
601
Profici = $0 + $1(NSE) + ,i
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ABSTRACT
Family Factors and School Performance: A Multidimensional Approach
The article presents the results of a survey on family conditions and dynamics
and their influence on children’s performance in public and private primary
schools in Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil. The data are from a survey of
299 families and children’s proficiency tests produced by the Geres Project.
Family-related variables were constructed and multivariate linear regression
models were adjusted, starting from a basic model in which the outcome
variable was proficiency in the Portuguese language, using family
socioeconomic status and type of school as control variables. When analyzed
singly, most factors were positively associated with school performance. The
control variables and factors associated with the families’ cultural capital
prevailed when all were analyzed simultaneously. Type of school had a major
impact on proficiency, with worse performance in public schools, thus
confirming the unjust internal inequalities in the Brazilian school system.
RÉSUMÉ
Facteurs Familiaux et Performances Scolaires: Une Approche
Multidimensionnelle
Dans cet article, on présente les conclusions d’une enquête sur l’influence des
conditions et des dynamiques familiales sur les résultats scolaires d’élèves de
l’enseignement fondamental (entre 6 et 14 ans) public et privé à Belo
Horizonte. Les données proviennent d’un sondage sur 299 familles et de tests
de compétence réalisés par le Projet Geres. On a construit des facteurs se
référant aux variables familiales et ajusté divers modèles de régression
linéaire multiple, à partir d’un modèle de base dans lequel la variable réponse
est la connaissance du portugais, ayant comme variables-contrôle le niveau
socioéconomique des familles et le type d’école. La plupart des facteurs, de
façon isolée, s’est montrée positivement associée aux performances scolaires.
Les variables de contrôle et les facteurs associés au capital culturel des familles
ont prévalu quand tous ont été analysés simultanément. On souligne l’effet du
type d’école sur les compétences scolaires, ce qui confirme l’aspect pervers des
inégalités internes du système d’éducation brésilien.
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