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Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 1.302.738 - SC (2011/0257601-3)

RECORRENTE : BANCO FINASA S/A


ADVOGADO : JULIANA MÜHLMANN PROVEZI E OUTRO(S)
RECORRIDO : JOSE DOHOPIATI
ADVOGADO : EXPEDITO ARNAUD FORMIGA FILHO

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

Cuida-se de recurso especial interposto por BV FINASA S.A., com


fundamento no art. 105, III, “a” e “c”, da CF, contra acórdão proferido pelo
TJ/SC.
Ação: de revisão contratual, proposta por JOSE DOHOPIATI, em
face do recorrente, na qual requer a declaração de nulidade de cláusulas que
entende abusivas, constantes de contrato de financiamento bancário, garantido por
alienação fiduciária.
Sentença: julgou parcialmente procedentes os pedidos, para vedar a
capitalização dos juros em qualquer periodicidade, a cumulação da comissão de
permanência com a correção monetária, juros e multa, sobrestar os efeitos da mora
do devedor, até a readequação do contrato (e-STJ fl. 157/163).
Acórdão: o TJ/SC negou provimento ao apelo do recorrente (e-STJ
fls. 201/207), nos termos da seguinte ementa:

REVISIONAL. Financiamento para aquisição de veículo automotor.


Capitalização. Ausência de previsão expressa. Inadmissibilidade. Comissão de
Permanência cumulada com outros encargos abusivos. Honorários
Advocatícios. Prequestionamento.
A capitalização de juros é inadmitida quando ausente cláusula expressa
prevendo sua incidência.
A cobrança de comissão de permanência somente é possível desde que
contratada e não cumulada com outros encargos.
Verificada a cobrança de encargos abusivos – capitalização e comissão
de permanência – o afastamento da mora é decorrência lógica, por ausente
voluntariedade no inadimplemento do contrato.
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O julgador não está obrigado a se manifestar expressamente sobre cada
fundamento legal trazido pelas partes em face de prequestionamentos. (e-STJ
fl. 202)

Recurso especial: alega violação dos arts. 112, 122, 174, 175, 478,
313 e 315 do CC/02; 5º da MP 2170-36/01; 28, § 1º, da Lei nº 10.931/04; 46 e 52
do CDC; bem como dissídio jurisprudencial (e-STJ fl. 210/240). Afirma a
existência de cláusula expressa de capitalização, em conformidade com a
legislação aplicável, visto constarem expressamente do contrato as taxas de juros
mensal e anual incidentes. Sustenta estar efetivamente caracterizada a mora.
Prévio juízo de admissibilidade: o TJ/RS negou seguimento ao
recurso especial (e-STJ fl. 294/319), dando azo à interposição do AResp
71.839/SC, provido para determinar a conversão do recurso (e-STJ fl. 328).
É o relatório.

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.302.738 - SC (2011/0257601-3)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI


RECORRENTE : BANCO FINASA S/A
ADVOGADO : JULIANA MÜHLMANN PROVEZI E OUTRO(S)
RECORRIDO : JOSE DOHOPIATI
ADVOGADO : EXPEDITO ARNAUD FORMIGA FILHO

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

I - Delimitação da controvérsia
A par do pedido de reconhecimento da caracterização da mora,
cinge-se a controvérsia a estabelecer se a mera divergência entre a taxa de juros
anual e o duodécuplo da taxa de juros mensal, constantes numericamente em
contratos bancários, é suficiente para caracterizar a existência de cláusula
contratual expressa de capitalização de juros.

II - Da possibilidade de contratação da capitalização mensal


A partir da MP 2170-36/00, passou-se a admitir a contratação de
capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano nos contratos
bancários em geral. Com a edição da Lei 10.931/04, essa possibilidade foi
também adotada para a novel modalidade de Cédula de Crédito Bancário.
Chamado a se manifestar diversas vezes acerca da aplicabilidade dos
dispositivos legais autorizadores da incidência da capitalização das taxas de juros
contratadas no âmbito do Sistema Financeiro Nacional, o STJ acabou por firmar
seu entendimento no sentido de que, conquanto lícita, a incidência de
capitalização em qualquer periodicidade não prescinde de expressa contratação.

Em outros termos, a controvérsia do presente recurso especial tende a


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complementar a jurisprudência firmada, no sentido de estabelecer quais os limites
da exigência de contratação expressa, posicionando-se quanto à suficiência da
exposição, nos contratos, de valores numéricos de taxa de juros anual superior à
soma das taxas de juros remuneratórios mensais no período de um ano.
Há precedentes da 4ª Turma do STJ em que se vem admitindo como
cláusula contratual expressa de capitalização a mera divergência numérica entre
as taxas de juros remuneratórios mensais e anuais constantes do contrato. Nesse
sentido: AgRg no REsp 714.510/RS, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 22/08/2005;
AgRg no REsp 735.711/RS, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ 12/09/2005;
AgRg no REsp 1.231.210/RS, Rel. Min. Raul Araújo, DJe 01/08/2011; entre
outros.
III – Da boa fé objetiva e dos deveres anexos
A boa fé objetiva, enquanto regra de comportamento orientado por
padrões sociais de lisura, honestidade e correção, impõe novos paradigmas para a
análise judicial de cláusulas contratuais. Passa-se a exigir das partes contratantes
uma atuação refletida, com cooperação e em colaboração para que o contrato
firmado atinja seu objetivo e realize, por fim, o interesse de ambas as partes.
De outro lado, se impõe à atuação judicial a necessidade de,
primeiramente, delimitar qual seja a conduta esperada em cada situação concreta,
para posteriormente confrontá-la àquela efetivamente praticada.
Na hipótese dos autos, convém olhar o contrato revisado sob as lentes
da cláusula geral de boa-fé objetiva, adotada no âmbito contratual e aplicável
tanto às relações contratuais em geral, como às relações de consumo. Nesse
diapasão, sobressaem os deveres anexos, entre os quais se ressalta o dever de
informação.

No mercado de consumo, do qual o mercado financeiro é espécie, a


informação ao consumidor é oferecida em dois momentos principais: a que
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antecede a contratação, v.g., a publicidade, e aquela prestada no exato momento
da contratação. E é precisamente esse dever de informação, prestado formalmente
no ato da contratação, que circunda a hipótese dos autos.
O direito à informação, considerado absoluto por Rizzato Nunes
(Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 5ª ed. São Paulo : Saraiva,
2010. p. 708), nos termos delineados pelo Código de Defesa do Consumidor,
decorre especialmente do princípio da transparência, consectário, por sua vez, da
adoção da boa-fé objetiva e do dever anexo de prestar as informações necessárias
à formação, desenvolvimento e conclusão do negócio jurídico entabulado entre as
partes.
Assim, a interpretação sistemática dos arts. 4º, 6º, 31, 46 e 54 do
CDC leva-nos à conclusão de que, para se desincumbir de seus deveres mútuos de
informação, os contratantes devem prestar todos os esclarecimentos, de forma
correta, clara, precisa e ostensiva, a respeito dos elementos essenciais ao início da
relação contratual. E mais, o cumprimento desse dever, até mesmo em
consequência da objetividade da boa-fé, não toma em consideração a intenção do
agente em ludibriar, omitir ou lesionar a parte contrária; o que se busca
efetivamente é proteção dos contratantes.
Em matéria de contratos bancários, os juros remuneratórios são
essenciais e preponderantes na decisão de contratar. São justamente essas taxas de
juros que viabilizam a saudável concorrência e que levam o consumidor a optar
por uma ou outra instituição financeira.
Entretanto, apesar de sua irrefutável importância, nota-se que a
maioria da população brasileira ainda não compreende o cálculo dos juros
bancários. Vê-se que não há qualquer esclarecimento prévio, tampouco se
concretizou o ideal de educação do consumidor, previsto no art. 4º, IV, do CDC.
Nesse contexto, a capitalização de juros está longe de ser um instituto
conhecido, compreendido e facilmente identificado pelo consumidor médio
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comum. A realidade cotidiana é a de que os contratos bancários, muito embora
estejam cada vez mais difundidos na nossa sociedade, ainda são incompreensíveis
à maioria dos consumidores, que são levados a contratar e aos poucos vão
aprendendo empiricamente com suas próprias experiências.
A partir dessas premissas, obtém-se o padrão de comportamento a ser
esperado do homem médio, que aceita a contratação do financiamento a partir do
confronto entre taxas nominais ofertadas no mercado. Deve-se ainda ter em
consideração, como medida da atitude objetivamente esperada de cada
contratante, o padrão de conhecimento e comportamento do homem médio da
sociedade de massa brasileira. Isso porque vivemos numa sociedade de profundas
disparidades sociais, com relativamente baixo grau de instrução.
Por outro lado, atribui-se à instituição financeira – detentora de
elevado conhecimento a respeito dos valores envolvidos, dos métodos de cálculo
e ainda do perfil de seu cliente e dos riscos operacionais envolvidos – o dever de
prestar as informações de forma clara e evidente, no intuito de dar concretude ao
equilíbrio entre as partes das relações de consumo. Desse modo, o CDC impõe
expressamente a prestação de esclarecimentos detalhados, claros, precisos,
corretos e ostensivos, de todas as cláusulas que compõem os contratos de
consumo, sob pena de abusividade.
Cumpre-nos, então, definir se a constância expressa das taxas de
juros anual e mensal é, por si só, clara o bastante aos olhos do consumidor, a
ponto de se antever a existência da capitalização e seus elementos essenciais,
como a periodicidade. Isso porque o consentimento informado do consumidor às
cláusulas contratuais que lhe são impostas é deduzido do entendimento de que a
previsão das referidas taxas permitem ao consumidor conhecer os exatos termos
contratados.

IV – Do contrato sub judice


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Primeiramente, sobreleva notar que o contrato trazido à apreciação do
Poder Judiciário se refere a financiamento bancário, formalizado por meio de
contrato de adesão e garantido por cláusula de alienação fiduciária.
O TJ/SC, no acórdão recorrido, obstou a cobrança da capitalização de
juros, pois entendeu que
no caso concreto, ausente cláusula redigida de maneira clara prevendo o
emprego de capitalização, ocorrendo a prática implícita de anatocismo ao
prever juros anuais de 21,79%, quando o percentual mensal é de 1,66% que
multiplicado por doze (meses) resulta em 19,92% ao ano (fl. 23). Esta prática é
vedada por afrontar o princípio da transparência (…) (e-STJ fl. 204).

De outro lado, o recorrente alega divergência jurisprudencial,


apontando como paradigma acórdão proferido no julgamento do AgRg REsp
735.140/RS, Rel. Min. Jorge Scartezzini, Quarta Turma, DJ 05/12/2005, em que
se reconheceu a existência de contratação expressa da capitalização de juros, sob
o seguinte fundamento:
Ademais, conforme consta do acórdão recorrido, houve a pactuação
expressa da capitalização mensal, verbis :
A taxa de juros remuneratórios prevista no pacto é de 2,19% ao mês.
Assim, computados juros de forma linear (sem capitalização), chegaríamos a
taxa de 26,28% ao ano, ou seja, inferior a apontada no contrato ( 29,70% ao
ano). Conclui-se, daí, que os juros estão sendo exigidos de forma capitalizada.
(fls. 300).

Diante do suporte fático delineado no acórdão de origem,


encontram-se numericamente expressas no contrato as taxas de juros mensais e
anuais. Verificou-se ainda que a taxa de juros anual é superior à taxa mensal
multiplicada por doze (meses). Portanto, vê-se comprovada a prática de
capitalização no contrato revisado.
De fato, para ter validade contra o consumidor, o CDC exige que as
cláusulas contratuais sejam redigidas em língua portuguesa, de forma clara e
ostensiva, ou seja, as cláusulas devem ser compreensíveis plenamente. Dessarte, o

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que se questiona é a clareza e precisão da singela exposição numérica entre as
taxas de juros.
Assinale-se, antes de mais nada, que a capitalização pode se dar em
diversas periodicidades: anual, mensal e, até mesmo, diária. Isso porque,
legalmente, permitiu-se a capitalização com periodicidade inferior a um ano, nos
termos do art. 5º da MP 2170-36/00.
Apenas a título ilustrativo, o financiamento objeto do contrato
judicialmente revisado, será quitado após 36 meses. Desse modo, por mero
cálculo aritmético, deduz-se que a taxa média anual, constante expressamente do
contrato, mesmo nos casos de capitalização anual de juros, não corresponderá ao
duodécuplo da taxa de juros mensal, pois, após o decurso de cada ano, incidirá a
capitalização dos juros do período, elevando, por consequência, a taxa média
anual.
Assim, mesmo para aqueles dotados de profundo conhecimento
acerca da matéria, a simples visualização das taxas de juros não é suficiente para
compreensão adequada de qual periodicidade de capitalização está sendo ofertada
ou imposta ao consumidor.
A periodicidade da capitalização, por sua vez, é dado relevante para a
apuração da taxa de juros real incidente no contrato, bem como para o
acompanhamento da evolução do saldo devedor.

Ademais, nota-se que as taxas de juros mensais usualmente


contratadas correspondem a números fracionários (1,66% no contrato revisado).
Assim, mesmo a apuração dos valores anuais, calculados por método simples,
demandaria a utilização de meios eletrônicos para a maioria da população
brasileira, dificultando sobremaneira a identificação visível à primeira vista da
própria divergência da taxa de juros anual e o duodécuplo da taxa mensal.
Por esses fundamentos, concluo que a menção numérica às taxas de
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juros incidentes no contrato, conquanto colabore para a compreensão dos termos
contratados, não é, por si só, suficiente ao efetivo cumprimento do dever legal de
prestação da adequada e transparente informação, que deve se encontrar escrita de
forma compreensível ao consumidor.
Assim, por violação da cláusula geral de boa-fé objetiva, entendo não
pactuada expressamente a incidência de capitalização de juros, devendo ser
afastada qualquer que seja a periodicidade.

V – Da caracterização da mora
A jurisprudência do STJ, a respeito da matéria impugnada pelo
agravante, firmou-se no sentido de que o reconhecimento da abusividade nos
encargos exigidos no período da normalidade contratual (capitalização de juros)
descarateriza a mora (REsp 1.061.530/RS, 2ª Seção, de minha relatoria, DJe
10/03/2009).

Forte nessas razões, NEGO PROVIMENTO ao recurso especial.

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