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Desigualdade Trigonométrica

Juscelino Silva
2 de outubro de 2007

Resumo
Os objetivos dessas notas é mostrar que a soma das cotangentes
√ dos ângulos
internos de um triângulo qualquer é maior ou igual que 3. Este problema
trata-se de um belo resultado sobre desigualdades trigonométricas, o qual me
foi passado pelo prof. Ricardo César do colégio Pólos da cidade de Iguatu no
estado do Ceará.

Considere um triângulo ABC, com ângulos internos dados por x, y, z, como na figura
abaixo.

y z
B C

Figura 1: triângulo ABC

Queremos estabelecer uma estimativa inferior para a soma

cotg x + cotg y + cotg z. (1)

É conhecido que
x+y+z=π
daı́ isolando z, substituindo na equação 1 e usando a identidade

cotg (π − α) = −cotg α

1
segue que devemos estimar por baixo a soma

cotg x + cotg y − cotg (x + y). (2)

Consideremos então a função de duas variáveis ϕ : (0, π) × (0, π) − {(π/2, π/2)} → R


definida por
ϕ(x, y) = cotg x + cotg y − cotg (x + y). (3)
O domı́nio da função ϕ representa, geometricamente, a seguinte figura. Estamos à

( 0 ,π) (π, π)

(π/2 ,π/2)

( 0 ,0) ( 0, π)

Figura 2: Domı́nio da função ϕ

procura de pontos (a, b), pertecentes ao domı́nio de ϕ, que a minimizem, i.e., pontos
(a, b) tais que

ϕ(a, b) 6 ϕ(x, y), ∀ (x, y) ∈ (0, π)2 − {(π/2, π/2)}. (4)

No intuito de facilitar nossa tarefa, façamos as mudanças de variáveis

cotg x = t, cotg y = s (5)

e usando que
cotg x · cotg y − 1
cotg (x + y) =
cotg x + cotg y
temos a função ψ : R2 − {(α, −α); α ∈ R} → R dada por

1 − ts t2 + s2 + ts + 1
ψ(s, t) = t + s + = . (6)
t+s t+s
Devemos então estudar os pontos que extremizam a função ψ. Temos que tais pontos
extremizantes devem ser crı́ticos para tal função, uma vez que a mesma é uma função
diferenciável. É conhecido que um ponto (a, b) será crı́tico para a função ψ se, e
somente se, vale que
∇ψ(a, b) = 0 (7)

2
onde ∇ψ(t, s) = (ψt (t, s), ψs (t, s)) é o vetor gradiente da função em questão. Uma
simples derivação, usado a regra do quociente, mostra que
t2 + 2ts − 1 s2 + 2ts − 1
ψt (t, s) = , ψs (t, s) = (8)
(t + s)2 (t + s)2
daı́ usando que
ψt (a, b) = ψs (a, b) = 0 (9)
2 2
segue que a = b , e daı́ sendo a = b a única solução, uma vez que a = −b é uma
reta não contida no domı́nio de ψ. Usando ainda a condição 9 temos

1 3
a2 + 2a2 − 1 = 0 ⇒ a2 = ⇒ a = ± .
3 3
Lembrando-se ainda da mudança de variáveis 5, segue que
√ √
3 3
cotg x = ou cotg x = −
3 3
daı́ concluindo que
π 2π
x= ou x =
3 3
uma vez que a função cotangente é injetiva em (0, π). Notemos ainda que a solução
x = 2π/3 não é compatı́vel, pois lembre que como a = b segue que cotg x = cotg y,
daı́ terı́amos também que y = 2π/3, o que totalmente impossı́vel em triângulo, pois
todo triângulo tem no máximo um ângulo obtuso.
É um fato bastante conhecido do cálculo diferencial que o fato de um ponto ser
crı́tico não é suficiente para que o mesmo seja uma máximo ou um mı́nimo. É necessário
fazermos ainda o teste da derivada segunda para podermos deliberar sobre tal fato.
Devemos analisar o sinal de
· ¸
ψtt (a, b) ψts (a, b)
det[Hess ψ(a, b)] = det = ψtt (a, b)·ψss (a, b)−ψ2ts (a, b).
ψst (a, b) ψss (a, b)
(10)
Se tal sinal for positivo, tem-se que o ponto é de mı́nimo (local), se o sinal for negativo,
o ponto em questão será de máximo (local), já se tal determinante for nulo, o ponto
será de sela (frustando as nossas esperanças!).
Lembre-se que como as derivadas parciais de segunda ordem de ψ são contı́nuas,
temos, pelo Lema de Schwartz, que ψst = ψts . A matriz Hess ψ é chamada de matriz
hessiana de f.
Calculando as segundas derivadas de ψ temos, depois de algumas poucas simpli-
ficações,
2(s2 + 1) 2(t2 + 1) 2(1 − ts)
ψtt (s, t) = , ψss (s, t) = e ψts (s, t) = . (11)
(t + s)3 (t + s) 3 (t + s)3

3
Com bases nas expressões acima, segue
4
det[Hess ψ(t, s)] = 4
> 0, ∀ (t, s) ∈ R2 − {(α, −α); α ∈ R}. (12)
(t + s)

Em particular, temos que


√ √ 9
det[Hess ψ( 3/3, 3/3)] = > 0
4
implicando, por considerações anteriores, que tal ponto é de mı́nimo (local). Como,
devido os nossos cálculos, não existirem mais ponto crı́ticos, e ainda,
√ o determinante

da matriz hessiana não mudar de sinal, segue então que o ponto ( 3/3, 3/3) é um
ponto de mı́nimo global para ψ, assim como desejávamos. Segue então que
√ √ √
ψ(t, s) > ψ( 3/3, 3/3) = 3 (13)

o que voltando para a nossa variável inicial segue que



cotg x + cotg y + cotg z > 3 (14)

e a igualdade é válida se, e somente se, o triângulo ABC for equilátero. Temos então
que está finalizada a nossa procura por uma estimativa inferior para a função ϕ(x, y),
obtendo assim a nossa desigualdade. Concluı́mos que o triângulo tal qual minimiza a
soma das cotangentes dos ângulos internos é o triângulo equilátero.

π /3

π /3 π /3
B C

Figura 3: triângulo equilátero

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