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Redesenho e Análise do Mercado de

Admissão aos Centros de Pós-Graduação


em Economia no Brasil à Luz da Teoria dos
Jogos: Um Experimento Natural em
Desenho de Mercados
Felipe P. Bardella∗ , † , Marilda Sotomayor‡ , §

Conteúdo: 1. Introdução; 2. O Modelo Matemático de Admissão às Instituições; 3. Formas de


Organização do Mercado de Admissão às Instituições; 4. Manipulabilidade; 5. O
Mercado da ANPEC; 6. Um Mercado Fictício e Resultados Experimentais;
7. Implicações dos Resultados Experimentais Sobre o Mercado da ANPEC;
8. Conclusão e Comentários Finais; A. Apêndice.
Palavras-chave: Matching, Alocação, Estabilidade, Manipulabilidade.
Códigos JEL: C78, D78.

A ANPEC é uma associação de Centros de pós-graduação em


Economia que realiza anualmente um exame para classificar os
candidatos à admissão nesses Centros. Essa classificação é usada pelas
Instituições na elaboração de suas preferências sobre os candidatos. No
procedimento de admissão atual, uma forma de ação descoordenada é
usada para alocar os candidatos aos Centros. Descrevemos a história da
organização desse mercado ao longo dos últimos 30 anos. Analisamos
o mercado descentralizado e explicamos as razões do insucesso
do mecanismo centralizado de 1997. Observações empíricas são
fundamentadas pela teoria existente e por novos resultados teóricos
apresentados. Um novo desenho para esse mercado visando corrigir as
falhas apresentadas no modelo atual é proposto.

The ANPEC is an association of graduate Centers in Economics in


Brazil which provides, every year, an examination that ranks the candidates
who want to be admitted by these Centres. This classification is used
∗ Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda. E-mail: felbard@gmail.com
† Estetrabalho é oriundo da tese de mestrado de Felipe Bardella na Universidade de São Paulo. Os dados e informações sobre
o mercado apresentados no artigo foram obtidos com a Coordenação do Exame da ANPEC e com os Coordenadores de todos
os Centros participantes. Agradecemos ao professor Mauro Lemos, Ex-Secretário Executivo da ANPEC, e aos Coordenadores de
todos os Centros pelas informações prestadas.
‡ Escola de Pós-Graduação em Economia – Fundação Getulio Vargas – E-mail: marildas@usp.br
§ Parcialmente apoiado pelo CNPq.

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Felipe P. Bardella e Marilda Sotomayor

by the Institutions to elaborate their preferences on the candidates. The


allocation procedure of candidates to graduate Economic Schools in Brazil
is descentralized. We describe the history of the organization of this Market
along the last 30 years. We analyse the descentralized Market and explain
the reasons of the failure of the centralized mechanism of 1997. Empirical
observations are fundamented by the existent theory and by new theoretical
results presented. A new design for this Market is proposed, aiming to
correct the failures presented in the actual model.

1. INTRODUÇÃO
Desde o início da década de 80, a Associação Nacional dos Centros de Pós-Graduação em Economia –
ANPEC – realiza anualmente um exame para classificar cerca de 1500 candidatos à admissão nos cursos
de pós-graduação em economia oferecidos pelos seus Centros Membros. Este exame consta de provas
escritas sobre cinco disciplinas: Matemática, Estatística, Macroeconomia, Microeconomia e Economia
Brasileira, realizadas, no mesmo dia e hora, em várias cidades brasileiras. Antes da realização das provas
os candidatos apresentam à ANPEC uma lista com seis Centros Membros e estes apresentam uma lista
de pesos para cada uma das provas, que serão utilizados para computar o grau final dos candidatos
e o seu número de vagas. Após a realização das provas a ANPEC divulga os graus dos estudantes e
as classificações dos mesmos segundo os pesos atribuídos por cada Centro. A partir de então, toda a
interação entre Centros e candidatos é feita de forma descoordenada, com os Centros fazendo ofertas
aos candidatos melhor colocados de acordo com seus critérios, dentre aqueles que os relacionaram em
suas listas de preferências. Os candidatos, por sua vez, têm um prazo para aceitar ou rejeitar as ofertas.
Neste artigo denominaremos “mercado da ANPEC” este mercado de admissão de candidatos aos Centros
de pós-graduação em Economia que usa o exame da ANPEC como critério de seleção.
A literatura existente sobre mercados de admissão de candidatos às Instituições indica que os
mercados descentralizados tendem a evoluir gradualmente em direção a um procedimento coordenado
que, em geral, permanece em uso de forma duradoura.1
O mercado descentralizado da ANPEC experimentou este processo de mudanças no período
compreendido entre o início da década de 90 e o ano de 1997. Conforme descrito em Sotomayor
(1996b), muitos problemas foram observados nesse mercado no decorrer desse período: os Centros
menos procurados não conseguiam preencher suas vagas; outros desconsideravam os candidatos que
não os tivessem escolhido em primeira opção por se sentirem desprestigiados (consequentemente,
alguns candidatos com rendimento médio nas provas acabavam não sendo escolhidos por nenhum
Centro); um candidato que recebia uma oferta após ter aceitado outra menos preferível, e um Centro
que, para garantir o preenchimento de suas vagas, tivesse feito ofertas a candidatos menos preferidos,
se arrependiam das decisões tomadas. Para tentar contornar estes problemas, várias mudanças foram
propostas e implementadas pela ANPEC. Em relação aos Centros, estes ora aumentavam, ora reduziam
os prazos de resposta dados aos candidatos, na tentativa de admitirem estudantes com melhores graus.
Quanto aos candidatos, as mudanças se referiam à forma pela qual estes deveriam apresentar suas
listas de preferências. Até 1992 era solicitado que estes relacionassem quatro Centros em ordem de
preferência estrita. A partir de 1993 os candidatos passaram a indicar somente três Centros sem revelar
suas prioridades e, por fim, em 1996, esse número foi aumentado para seis, permanecendo a omissão
da ordem de prioridade. Entretanto essas medidas não resolveram os problemas acima mencionados.
Assim foi que, motivada pelo trabalho de Sotomayor (1996b), a ANPEC implementou em 1997 um
procedimento centralizado como uma forma coordenada de ação. Estudantes e Centros declaravam

1 Ver Roth e Xing (1994) ou Bardella (2005).

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suas preferências a uma Central que usava um algoritmo devido a Gale e Shapley (1962), que tem sido
usado com sucesso em inúmeros outros mercados para produzir uma alocação dos candidatos para os
Centros. A grosso modo, a alocação produzida por esse algoritmo tem uma propriedade que garante
que se um candidato preferir outro Centro a aquele para o qual foi alocado (ou permanecer sem escola),
então este Centro não desejará abrir mão de nenhum dos candidatos alocados a ele para admitir o novo
candidato; se um Centro puder melhorar o seu grupo de candidatos admitindo um novo candidato, ou
trocando-o com algum do grupo, então esse novo candidato não concordará em trocar o Centro para o
qual foi alocado pelo novo Centro. Uma tal alocação é chamada estável.
Uma outra propriedade importante é que esta alocação é a mais preferida fracamente por todos
os candidatos a qualquer outra alocação estável. Por isso é denominada alocação estável ótima para os
candidatos. Revertendo-se os papéis entre candidatos e Instituições no algoritmo, obtém-se a alocação
estável ótima para as Instituições (pode ser a mesma) com propriedades simétricas (ver Roth e Sotomayor,
1990).
Contudo, diferentemente do que costuma ser observado em mercados centralizados que adotam
o algoritmo de Gale e Shapley, o mercado da ANPEC abandonou o procedimento centralizado no ano
seguinte. Em 1998, voltou-se a aplicar o mecanismo descentralizado de 1996. Esse procedimento
foi adotado pela ANPEC até 2006 sem nenhuma mudança aparente, sugerindo que os problemas que
levaram a ANPEC a optar pelo mecanismo centralizado de 1997 tinham sido sanados. Entretanto,
em 2006 algum tipo de descontentamento levou a ANPEC a substituir o mecanismo por um novo
procedimento que vem sendo usado até os dias de hoje. Este procedimento imita, na prática, o
algoritmo de Gale e Shapley que produz a alocação estável ótima para as Instituições. O mecanismo
continua descentralizado, com os Centros fazendo as ofertas diretamente aos candidatos, mas usa
algumas regras distintas das do mecanismo de Gale e Shapley: os candidatos continuam submetendo
uma lista com até seis Centros, sem indicar as prioridades, e enquanto no algoritmo de Gale e Shapley as
únicas aceitações definitivas por parte dos candidatos ocorrem somente na etapa final, o que possibilita
ao candidato, durante todo o procedimento, desconsiderar uma oferta após receber uma outra mais
preferida, no mecanismo usado pela ANPEC os candidatos podem aceitar definitivamente uma oferta
em uma etapa qualquer.
Uma análise do mercado da ANPEC à luz da Teoria dos Jogos, como foi feita em Sotomayor
(1996b) para a primeira fase do mercado descentralizado, é crucial para o entendimento das falhas dos
procedimentos anteriormente usados que comprometeram o sucesso desses mecanismos e a predizer
o comportamento dos participantes no procedimento atual. O presente artigo tenciona oferecer a
análise desse mercado no período de 1997 até o presente ano. A teoria existente e alguns resultados
teóricos novos são usados para fundamentar as nossas conclusões, obtidas a partir dos relatos
fornecidos por alguns coordenadores dos Centros em 1997 e dos dados sobre as listas de preferências
apresentadas pelos candidatos e sobre as alocações produzidas pelo mecanismo usado, fornecidos pelos
coordenadores dos Centros em 2005. Na fase atual, os efeitos causados pela mudança nas regras do
algoritmo de Gale e Shapley são visíveis. Por um lado, os Centros se sentem desprestigiados quando
um candidato aceita sua oferta “condicionalmente”. Por outro lado, as novas regras lhes dão o poder
de pressionar o candidato a uma aceitação definitiva. O mercado apresenta, dessa forma, um retrocesso
significativo na sua evolução.
O artigo está organizado em seis seções, incluindo esta introdução. Na seção 2 modelamos o
mercado da ANPEC como o mercado de admissão de candidatos a Instituições, conhecido na literatura
como “College Admissions Model”. Este modelo foi introduzido por Gale e Shapley em seu artigo seminal
de 1962 e será denominado doravante “Modelo de Admissão às Instituições”. Na seção 3 apresentamos
as formas de organização de mercados de admissão às Instituições que têm sido apontadas na
literatura. Apresentamos e discutimos as causas de possíveis falhas em mecanismos descentralizados e
centralizados. Na seção 4 provamos três novos resultados referentes às questões de manipulabilidade de
mecanismos estáveis centralizados e apresentamos um exemplo ilustrativo. Na subseção 5.1 estudamos
o mecanismo centralizado da ANPEC de 1997 e usamos os resultados teóricos da seção 4 para entender

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as causas do insucesso desse mecanismo. Na subseção 5.2 descrevemos e analisamos o mecanismo


descentralizado da ANPEC a partir de observações empíricas sobre o funcionamento deste mercado
no período de 1998 a 2005. Modelamos o mercado como um jogo dinâmico com dois estágios e
descrevemos o comportamento observado dos participantes em cada estágio do jogo. Na seção 6
descrevemos e analisamos o mecanismo implementado em 2006. Na subseção 5.3, analisamos o
mercado descentralizado da ANPEC atual, instituído em 2006. Na seção 6 construímos um modelo
teórico fictício a partir das observações empíricas sobre o mercado da ANPEC e realizamos simulações
deste modelo. Utilizamos os resultados das alocações simuladas para derivarmos conclusões sobre o
mercado real da ANPEC. Na seção 8 concluímos e mostramos que o mercado da ANPEC está em condições
de migrar definitivamente para um mecanismo centralizado. No Apêndice A apresentamos alguns
resultados já conhecidos sobre o modelo cooperativo formal descrito na seção 2 e as demonstrações
dos resultados enunciados no texto.

2. O MODELO MATEMÁTICO DE ADMISSÃO ÀS INSTITUIÇÕES

Existem dois conjuntos finitos e disjuntos de participantes: C, com m candidatos, e I, com n


Instituições. Cada Instituição i possui uma cota qi , representando o número de vagas que dispõe. Cada
candidato c tem uma ordenação de preferências estritas sobre o conjunto I ∪ {c} e cada Instituição i
tem uma ordenação de preferências estritas sobre o conjunto C ∪ {i}. Denotaremos por P (h) a lista
de preferências de h, para todo participante h ∈ C ∪ I. Assim, P (c) = i1 , i4 , c, i2 , i3 significa que
c prefere i1 a i4 , e a colocação de c em P (c) depois de i4 significa que c prefere não ingressar em
nenhuma Instituição a ingressar em i2 ou i3 . As Instituições aceitáveis para c são aquelas preferíveis
por c a si mesmo. Da mesma forma definimos um candidato aceitável para uma Instituição. Dadas
duas Instituições i e i0 , indicaremos que o candidato c prefere (estritamente) i a i0 pela notação
i >c c0i e indicaremos que c prefere (estritamente) ingressar em i a não ser admitido por nenhuma
Instituição pela notação i >c c. A preferência não estrita será denotada por ≥c . Semelhantemente,
definimos >i e ≥i . Denotaremos por PC o conjunto de preferências de todos os candidatos, PC =
P (c1 ), P (c2 ), . . . , P (cm ). Denotaremos por PI o conjunto de preferências de todas as Instituições,
PI = P (i1 ), P (i2 ), . . . , P (in ). Estaremos assumindo que as preferências das Instituições sobre grupos
de candidatos são correspondentes às suas preferências sobre candidatos individualmente. Isto é, se
A é um conjunto de candidatos com cardinalidade menor do que qi e c e c0 são dois candidatos
não pertencentes ao conjunto A, então A ∪ {c} >i A ∪ {c0 } se e somente se c >i c0 . Para os
nossos propósitos somente necessitamos conhecer as preferências das Instituições sobre candidatos
individuais. Assim, denotaremos por P = {PC , PI } a estrutura de preferências de candidatos e
Instituições. Representaremos por PC /P 0 (c) (resp. P/P 0 (c)) o conjunto de preferências obtido de PC
(resp. P ) pela substituição de P (c) por P 0 (c), mantendo as outras preferências inalteradas. Finalmente,
o modelo de admissão às Instituições é representado por M = (C,I,P,q), onde q é o vetor de cotas das
Instituições.
A principal atividade do mercado é encontrar uma alocação dos candidatos para as Instituições que
respeite as cotas dos participantes. Cada candidato é designado a, no máximo, uma Instituição; cada
Instituição pode admitir, no máximo, sua cota de candidatos. O candidato que não for admitido por
nenhuma Instituição será designado a si mesmo e será chamado “auto-designado”. Uma Instituição que
tiver algum número de vagas não preenchidas será designada a si mesma em cada uma dessas vagas.
Se um candidato é alocado a uma Instituição então o candidato pertence ao grupo que foi designado
para a Instituição.
Genericamente, designaremos uma alocação por µ. Assim µ(c) = i denota que o candidato c foi
designado à Instituição i pela alocação µ; µ(i) = {c1 , c2 , i, i} denota que a Instituição i, com cota de 4,
admitiu os candidatos c1 e c2 e têm duas vagas não preenchidas.

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Definição 2.1. Uma alocação µ é individualmente racional se para todo par (c,i) tal que µ(c) = i, c é
aceitável para i e i é aceitável para c.
Definição 2.2 Uma alocação µ é estável se é individualmente racional e não existem um candidato c e uma
Instituição i, não associados pela alocação µ e tal que (a)i >c µ(c) e (b)c >i τ , para algum τ em µ(i).
Portanto, numa alocação estável, todos os pares associados pela alocação são mutuamente
aceitáveis. Um candidato c e uma Instituição i, como na Definição 2.2, são ditos causar uma
instabilidade em µ. Por um abuso de linguagem diremos que (c,i) bloqueia a alocação µ, ou que (c,i) é
um par bloqueante para a alocação µ.
Definição 2.3. A alocação estável µC é chamada estável ótima para os candidatos para o mercado (C,I,P,q)
se µC (c) ≥c µ(c) para todo candidato c e para toda alocação estável µ. A alocação estável µI é chamada
estável ótima para as Instituições para o mercado (C,I,P,q) se µI (i) ≥i µ(i) para toda Instituição i e para
toda alocação estável µ.
A existência de alocações estáveis foi provada em Gale e Shapley (1962) e em Sotomayor (1996a).
A demonstração de Gale e Shapley é construtiva, dada por um algoritmo, descrito na próxima seção,
que produz num número finito de etapas uma alocação estável. A demonstração de Sotomayor é não
construtiva.
Definição 2.4. Uma lista P 0 (y) é uma lista de preferências truncada para o agente y se P 0 (y) é obtida da
lista de preferências verdadeira P (y), pela remoção de todos os agentes menos preferidos que x, para algum
x pertencente a P (y).

3. FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DO MERCADO DE ADMISSÃO ÀS INSTITUIÇÕES


Em geral os mercados de admissão às instituições começam descentralizados, com a alocação sendo
realizada de forma descoordenada pelos próprios participantes através de livre negociação segundo
suas preferências. Em grandes mercados, nos quais a comunicação entre todos os participantes se
torna difícil, não se pode esperar que uma alocação estável ocorra como resultado de negociações
descoordenadas entre eles.
Se as alocações produzidas são instáveis, então os pares bloqueantes, se identificados, preferirão
fazer seus arranjos independentemente a participar do processo de admissão. Se alocações instáveis
são produzidas sistematicamente, os organizadores do mercado quererão substituir as regras do
procedimento por outras, e assim sucessivamente.
As principais causas da existência de alocações instáveis em mercados descentralizados são:

(a) Processo de antecipação: os participantes passam a fechar acordos antecipadamente, sendo


induzidos a tomar decisões sem dispor de toda a informação necessária para definir suas
preferências;

(b) Desuniformização de informação: as Instituições não são uniformemente informadas sobre


quais candidatos já foram admitidos quando têm de fazer uma oferta; os candidatos não podem
voltar atrás na palavra empenhada e não são uniformemente informados sobre quais Instituições
já preencheram suas vagas quando têm de decidir se aceitam ou rejeitam uma oferta. Em
consequência, as Instituições agem fazendo ofertas “explosivas” (o candidato deve aceitar ou
rejeitar a oferta no momento em que a recebe) aos candidatos ou exigem uma resposta em prazo
muito curto. Pressionados, os candidatos podem aceitar uma oferta da qual irão se arrepender
caso recebam posteriormente uma oferta mais preferível.

(c) Data para o encerramento do mercado: alguns mercados têm data de encerramento, o que
deixa algumas Instituições sem possibilidade de realizar novas transações para preencher vagas
restantes.

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Historicamente, na maioria dos casos existentes na literatura, os mercados de admissão às


Instituições evoluem para a forma de organização centralizada. Neste modelo, uma Central – também
chamada “agente centralizador” – recebe as listas ordenadas de preferências das Instituições e dos
candidatos e as utiliza como insumo para algum algoritmo que produz como resultado uma alocação
entre os participantes. Assim, só necessitamos considerar a função que, para cada input, descreve a
alocação que o algoritmo produz. Tal função é chamada mecanismo de alocação. Se um mecanismo
de alocação é adotado para uso em um mercado particular (C,I,P,q), ele induz um jogo na forma
estratégica. Os jogadores são os candidatos e as Instituições; o conjunto de estratégias de cada jogador
são todas as possíveis listas ordenadas de preferências deste jogador (candidato ou Instituição) sobre os
jogadores do lado oposto (Instituição ou candidato). Definidas as estratégias de cada participante (listas
ordenadas), as regras do jogo estabelecidas pelo mecanismo produzem uma alocação. Os jogadores
comparam alocações usando suas preferências verdadeiras P , que chamamos de estratégias sinceras.
Um mecanismo é estável se ele produz sempre uma alocação estável para as preferências submetidas.
Em geral, a organização centralizada com mecanismo de alocação estável é bem sucedida e se mantém
com o tempo. Podemos observar na literatura que em poucos casos os mercados retornam à organização
descentralizada.

Dois algoritmos devidos a Gale e Shapley têm sido usados como mecanismo de alocação estável em
inúmeros mercados centralizados. As descrições abaixo são cotadas de Sotomayor (1996b).

Algoritmo de Gale e Shapley com os candidatos fazendo as ofertas (Algoritmo Gale-Shapley).


Cada candidato se candidata à admissão na sua Instituição favorita, isto é, na primeira Instituição de sua
lista. As Instituições com excesso de candidatos aceitarão, temporariamente, os melhores candidatos
que preencherem as suas vagas e rejeitarão os demais. Esta é a primeira etapa do algoritmo. Na
segunda etapa, os candidatos rejeitados se candidatam à admissão na sua segunda Instituição favorita
e novamente as Instituições com excesso de candidatos preencherão as suas vagas, temporariamente,
com os melhores candidatos e rejeitarão os demais, etc. O algoritmo terminará quando todo candidato
for admitido temporariamente ou tiver sido rejeitado por todas as Instituições de sua lista. Neste caso
as aceitações se tornam definitivas e uma alocação final é determinada.

Algoritmo de Gale e Shapley com as instituições fazendo as ofertas (Algoritmo NRMP).


Cada Instituição i, com qi vagas, faz uma oferta de admissão aos qi candidatos mais preferidos de sua
lista. Os candidatos que receberem ofertas de mais do que uma Instituição aceitarão, temporariamente,
aquela que eles preferirem e recusarão as outras. Seus nomes são então removidos das listas de todas
as Instituições cujas ofertas tenham sido recusadas por eles. Esta é a primeira etapa do algoritmo.
As Instituições que não tiverem preenchido suas vagas, novamente, farão uma oferta ao conjunto de
candidatos mais preferidos de suas listas de forma a não ultrapassar a sua cota. Os candidatos que
receberem novas ofertas, novamente rejeitarão todas, exceto a sua favorita. Esta é a segunda etapa, etc.
O algoritmo terminará quando, depois de alguma etapa, nenhuma Instituição puder fazer mais ofertas,
ou porque sua cota estiver preenchida, ou porque já tiver esgotado sua lista. Neste caso as aceitações
se tornam definitivas e uma alocação final é determinada.

Neste artigo nos referiremos ao primeiro algoritmo simplesmente como algoritmo Gale-Shapley. O
segundo algoritmo, com as instituições fazendo as ofertas, foi usado pela National Resident Matching
Program – NRMP – de 1951 a 1998 como procedimento de alocação de médicos para programas de
residência nos hospitais dos EUA. Este algoritmo será referenciado doravante como algoritmo NRMP.
Gale e Shapley, no seu artigo seminal de 1962, provaram que o algoritmo Gale-Shapley produz a
alocação estável ótima para os candidatos e que o algoritmo NRMP produz a alocação estável ótima
para as Instituições. Um simples exemplo com dois candidatos e duas Instituições mostra que os dois
algoritmos não necessitam produzir o mesmo resultado. Podem existir muitas alocações estáveis para

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um dado mercado de admissão dos candidatos. Entretanto, Gale e Shapley também provaram que a
alocação estável ótima para os candidatos é a menos preferida por todas as Instituições a qualquer
outra alocação estável e a alocação estável ótima para as Instituições é a menos preferida por todos os
candidatos a qualquer alocação estável.
O processo de evolução temporal dos mercados de admissão estudados na literatura, da
descentralização para a centralização, ocorre ao longo de três etapas (ver Roth e Xing, 1994). As
principais características da etapa 1 são:

(a) organização descentralizada, sem padronização em relação ao momento em que as ofertas das
Instituições devem ser feitas e em relação ao prazo de resposta dado aos candidatos;
(b) crescimento do mercado favorecendo a procura por acordos cada vez mais cedo – processo de
antecipação – e consequente incentivo à redução paulatina dos prazos de resposta, evoluindo
para as ofertas explosivas. Esse tipo de oferta é causado pelo desejo de cada Instituição de que
as ofertas feitas sejam respondidas a tempo de, em caso de rejeição, poderem fazer ofertas aos
próximos candidatos de sua lista de preferências, antes que estes tenham aceitado alguma outra
oferta.

As principais características da etapa 2 são:

(a) organização descentralizada;


(b) criação de uma associação das Instituições para estabelecer regras para frear o processo de
antecipação.

Por fim, a etapa 3 é caracterizada pela organização centralizada, quando um mecanismo


centralizado de alocação é então implementado.
O exemplo mais conhecido de um mercado de admissão às Instituições que evoluiu da forma de
organização descentralizada para a centralizada, passando pelas etapas 1, 2 e 3, é o mercado de médicos
residentes e hospitais nos EUA.2
Embora a maioria dos mercados que evoluem para a centralização sejam mantidos centralizados,
foram observados casos em que alguns mercados retornam para a descentralização. O insucesso de
mecanismos centralizados foi pesquisado por Roth (1989) e McKinney et alii (2005).
São duas as razões de insucesso em mercados centralizados apontados por estes autores:

(a) Alocações instáveis: a aplicação de algoritmos que produzem alocações instáveis como resultado
do mecanismo centralizado ocasiona a descontinuidade do mecanismo;
(b) Oferta maior que a demanda: quando a oferta de vagas nas instituições é superior à demanda
por parte dos candidatos, as instituições têm incentivos para buscar acordos fora do mecanismo
centralizado.

Roth (1989) analisou oito mercados, independentes, de residências médicas no Reino Unido, que
implementaram mecanismos centralizados simultaneamente e tiveram resultados distintos: enquanto
alguns obtiveram bastante sucesso e mantiveram o mecanismo em operação até os dias de hoje,
outros se viram obrigados a alterar seus algoritmos ou a abandoná-los definitivamente alguns anos
depois. Os mercados que obtiveram sucesso implementaram um dos algoritmos de Gale e Shapley para
gerar alocações estáveis. Os mercados que não foram bem sucedidos usavam algoritmos que geravam
alocações instáveis. Como nestes mercados a participação no mecanismo era obrigatória para todos
os candidatos, eles tinham o incentivo de buscar, antes de o mecanismo ser realizado, acordos mais
2 Uma descrição detalhada da evolução desse mercado pode ser vista em Roth e Sotomayor (1990).

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favoráveis com os hospitais, acordos estes que seriam garantidos pelo mecanismo através da submissão
das preferências adequadas (manipulação do mecanismo). Quando os mecanismos foram abandonados,
cerca de 80% das alocações eram arranjadas antes da aplicação do mecanismo.
McKinney et alii (2005), por sua vez, observou que mudanças nas condições do mercado de residência
médica para a especialidade de gastroenterologia nos Estados Unidos ocorridas em 1996 provocaram
diminuição da demanda dos candidatos pelas Instituições e consequente busca por parte destas por
arranjos fora do mecanismo, para não correr o risco de ficar com vagas não preenchidas. A partir de
então, o processo de antecipação se intensificou e a quantidade de parcerias arranjadas pelo mecanismo
caiu ano a ano até este mercado ser formalmente abandonado em 2000.
O mercado de alocação de economistas para os centros de pós-graduação em Economia no Brasil
evoluiu da descentralização para a centralização, alcançada em 1997. Devido a causas distintas
das apontadas por Roth (1989) e McKinney et alii (2005), este mercado voltou em 1998 para a
descentralização, forma de organização de mercado que é mantida até os dias de hoje.

4. MANIPULABILIDADE
Além da estabilidade, outra propriedade desejável para um mecanismo de alocação é que ele seja
não manipulável, isto é, que gere incentivo para que os participantes declarem suas verdadeiras
preferências, pois, dessa forma, a alocação será estável em relação às verdadeiras preferências.
Isto ocorre quando um participante não tem nenhum benefício em adulterar suas preferências ao
submetê-las ao mecanismo.
Suponha que um mecanismo de alocação estável é utilizado e um grupo de participantes tenha
informação sobre as preferências dos outros participantes. A questão é então saber se este grupo
poderia tirar vantagem disto, informando preferências diferentes de suas verdadeiras preferências.
Um mecanismo de alocação é à prova de estratégia ou é não manipulável individualmente se,
em todo jogo estratégico induzido pelo mecanismo, nenhum jogador puder se beneficiar por usar como
estratégia uma lista de preferências diferente da sua lista de verdadeiras preferências. Um mecanismo de
alocação é coletivamente não manipulável se, em todo jogo estratégico induzido pelo mecanismo, não
houver nenhum conjunto de jogadores, os quais possam, adulterando suas verdadeiras preferências,
obter um resultado mais vantajoso para cada um deles.
Se um mecanismo de alocação estável é à prova de estratégia, em qualquer jogo estratégico induzido
por este mecanismo, cada participante tem o incentivo de revelar suas verdadeiras preferências, o que
garante a estabilidade dos resultados em relação a estas preferências.
Nas subseções seguintes apresentamos os resultados teóricos (já existentes e novos) que serão
usados na secção 5 para explicar o insucesso dos mecanismos centralizados da ANPEC de 1997.

4.1. Resultados Preliminares Existentes


Foi demonstrado por Dubins e Freedman (1981) e Gale e Sotomayor (1985) que o mecanismo
de alocação que produz sempre a alocação estável ótima para os candidatos é não manipulável
individualmente e coletivamente pelos candidatos. Formalmente,

4.1.1. Teorema 4.1.1 (Teorema da Não-manipulabilidade). Dubins e Freedman (1981) e Gale e Sotomayor
(1985).
Seja P um perfil de preferências para os candidatos e Instituições. Seja P 0 obtida de P pela substituição
de P (c) por P 0 (c) para todo c ∈ C 0 ⊆ C. Seja µC a alocação estável ótima para os candidatos para o
mercado definido por P . Então não existe nenhuma alocação estável para P 0 , que seja preferida à µC por
todos os membros de C 0 .

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A Proposição 4.1.1 nos oferece uma condição necessária e suficiente para que um candidato possa
manipular um dado mecanismo estável.
Proposição 4.1.1. Sotomayor (1996b). Considere o mercado (C,I,P,q) e um candidato c. Um
mecanismo de alocação estável que produz a alocação µ é manipulável por c se e somente se µC (c) 6= µ(c).
Em Sotomayor (1996b) é considerado uma versão do mercado da ANPEC onde as preferências das
Instituições são dadas exclusivamente pela classificação dos estudantes segundo sua média ponderada
no exame nacional. Desta forma os Centros não têm comportamento estratégico nos jogos induzidos
pelos mecanismos centralizados. Do Teorema da não manipulabilidade e da Proposição 4.1.1 obtemos o
seguinte resultado importante para tais mercados:
Teorema 4.1.2. Sotomayor (1996b). Considere o mercado de admissão (C,I,P,q). Suponha que as
preferências das Instituições são fixas. Então, o mecanismo de alocação estável definido pelo algoritmo
Gale-Shapley é à prova de estratégia.
Para os mercados de admissão às Instituições em que estas podem declarar qualquer lista de
preferências, não existe nenhum mecanismo de alocação estável que seja não manipulável (ver Roth,
1982, Roth e Sotomayor, 1990).3 Um resultado mais forte, apresentado em Sotomayor (2012), mostra que
se o mecanismo não produz a alocação estável ótima para um dos lados do mercado quando usado para
um dado mercado de admissão às Instituições, então algum agente desse lado tem incentivos em não
reportar sua verdadeira lista de preferências. Em 1985, Roth mostrou que o mecanismo que produz a
alocação estável ótima para as Instituições é manipulável pelas Instituições. Desses resultados podemos
concluir que o mecanismo que produz a alocação estável ótima para as Instituições é manipulável pelas
Instituições e pelos candidatos.

4.2. Manipulação por Truncamento: Resultados Principais


Uma forma de manipulação natural para um agente é submeter sua lista de preferências verdadeira
truncada. Diremos que um agente manipula por truncamento quando ele se beneficia submetendo ao
mecanismo uma lista de preferências verdadeira truncada. O Teorema 4.2.1 nos dá condições suficientes
para que o mecanismo que produz a alocação estável ótima para os candidatos seja manipulável
individualmente por uma Instituição por truncamento. Na verdade as conclusões do teorema valem
para qualquer mecanismo estável diferente do ótimo para as Instituições.
Teorema 4.2.1. Considere o mercado (C,I,P,q) e uma Instituição i ∈ I. Se a Instituição i preenche
todas as suas vagas em µI então ela pode obter µI (i) em qualquer mecanismo estável, truncando P (i) no
candidato menos preferido de µI (i).
Corolário 4.2.1. Considere o mercado (C,I,P,q) e uma Instituição i ∈ I. Considere um mecanismo
estável que produz a alocação µ para o mercado (C,I,P,q). Se µI (i) 6= µ(i) então a Instituição i pode
manipular o mecanismo truncando P (i) no candidato menos preferido de µI (i).
O Corolário 4.2.1 afirma que, quando µI (i) 6= µ(i), para manipular com sucesso o mecanismo
estável que produz a alocação µ, basta que a Instituição i conheça o seu candidato menos preferido em
µI (i) (que denominamos cm ) e trunque a lista nele. Assim a Instituição conseguirá ter um resultado
mais preferido que o dado por µ(i). Além disso, truncando em cm a Instituição obterá µI (i) em
qualquer mecanismo estável. No entanto, o Teorema 4.2.2 nos mostra que existem riscos para esta
manipulação, pois se a Instituição truncar a lista verdadeira em algum candidato mais preferido que
cm ela ficará com vagas não preenchidas em qualquer mecanismo estável.
Teorema 4.2.2 Considere o mercado (C,I,P,q) e uma Instituição i. Suponha que existam cm ∈ µI (i),
tal que cm é o candidato menos preferido por i em µI (i), e cj em P (i), com cj >i cm . Se a Instituição

3 Encontrar condições que garantam a existência de um mecanismo estável não manipulável tem sido objeto de interesse de
alguns autores. Nesta direção podemos citar Alcalde e Barberà (1994) que provaram que se o domínio das preferências das
Instituições for restrito a uma certa classe de preferências, o mecanismo que produz a alocação estável ótima para os candidatos
é não manipulável.

RBE Rio de Janeiro v. 68 n. 4 / p. 425–455 Out-Dez 2014 433


Felipe P. Bardella e Marilda Sotomayor

i truncar P (i) em cj , então ela não preencherá todas as suas vagas em nenhum mecanismo estável para o
novo mercado
O Exemplo 4.2.1 ilustra o risco que a Instituição i corre ao tentar manipular o mecanismo definido
pelo algoritmo Gale-Shapley sem saber quem é o candidato cm ∈ µI (i), menos preferido por i em µI (i).

Exemplo 4.2.1 (Tentativa de manipulação mal sucedida) Considere o seguinte mercado de Instituições
e candidatos em que cada Instituição tem cota 2, o conjunto de Instituições é I = {i1 , i2 , i3 },
o conjunto de candidatos é C = {c1 , c2 , c3 , c4 , c5 , c6 } e as listas de preferências são dadas por:
P (i1 ) = c1 , c5 , c2 , c3 , c4 , c6 ; P (i2 ) = c1 , c5 , c2 , c4 , c6 , c3 ; P (i3 ) = c1 , c5 , c3 , c6 , c4 , c2 ; P (c1 ) =
i1 , i2 , i3 ; P (c2 ) = i2 , i1 , i3 ; P (c3 ) = i3 , i2 , i1 ; P (c4 ) = i3 , i2 , i1 ; P (c5 ) = i1 , i2 , i3 ; P (c6 ) = i2 , i3 , i1 .
Esse mercado apresenta somente duas alocações estáveis, a alocação estável ótima para os
candidatos e a alocação estável ótima para as Instituições. Dessa forma, aplicando os algoritmos de
Gale-Shapley e NRMP podemos encontrar, respectivamente, µC (i1 ) = {c1 ,c5 }, µC (i2 ) = {c2 , c6 },
µC (i3 ) = {c3 , c4 } e µI (i1 ) = {c1 , c5 }, µI (i2 ) = {c2 , c4 }, µI (i3 ) = {c3 , c6 }.
Como µI (i2 ) 6= µC (i2 ), o Corolário 4.2.1 implica que a Instituição i2 pode manipular o algoritmo
de Gale-Shapley truncando sua lista de preferências verdadeira. Suponha que i2 saiba que c4 é o
candidato menos preferido que ela recebe na alocação estável ótima para as Instituições. Então, basta i2
truncar sua lista de preferências em c4 para obter um resultado preferido. Ou seja, se i2 declara a lista
de preferências P 0 (i2 ) = c1 , c5 , c2 , c4 , i2 e todos os outros participantes declaram suas verdadeiras
preferências, o resultado do algoritmo de Gale-Shapley é µ0C = µI .
Agora suponhamos que i2 desconhece quem é o candidato menos preferido que ela recebe na
alocação estável ótima para as Instituições, mas i2 decide tentar manipular o mecanismo que produz a
alocação estável ótima para os candidatos declarando a lista de preferências P 00 (i2 ) = c1 , c5 , c2 , i2 .
Se todos os outros jogadores declaram suas verdadeiras preferências, o resultado é µ00C dado por
µ00C (i1 ) = {c1 , c5 }, µ00C (i2 ) = {c2 , i2 }, µ00C (i3 ) = {c3 , c6 } e µ00C (c4 ) = {c4 }.
Como i2 truncou sua lista de preferências antes de c4 ela ficou com uma vaga não preenchida
em µ00C , o que ilustra o resultado do Teorema 4.2.2. Por fim, esta alocação não é estável para as
verdadeiras preferências, pois o par (i2 , c4 ) bloqueia µ00C . Com isso, i2 tem incentivo em buscar um
arranjo subsequente com c4 , e isso nem sempre pode ser possível e permitido pelo mecanismo. 

5. O MERCADO DA ANPEC

5.1. Mercado Centralizado da ANPEC de 1997


No ano de 1997 a ANPEC decidiu implementar um mecanismo centralizado de alocação como uma
tentativa definitiva de resolver os problemas enfrentados nos anos anteriores. Foi inicialmente acordado
pelo Conselho Deliberativo da Associação que o mecanismo seria aplicado em caráter experimental
naquele ano. No entanto, o mecanismo descrito a seguir foi utilizado de forma definitiva em outubro de
1997 para fazer a alocação de cerca de aproximadamente 600 candidatos a 19 Centros de pós-graduação
em Economia. Cada um dos Centros foi dividido em duas categorias: Centros com bolsa de estudos
e Centros sem bolsa de estudos. Assim, os estudantes deveriam definir suas preferências sobre 38
instituições. No ato da inscrição para o exame, os candidatos informariam suas listas de preferências à
Central. Após a realização das provas e a divulgação dos resultados, as Instituições definiriam suas listas
de preferências, de acordo com os pesos por elas atribuídos aos cinco testes realizados e informariam à
Central. Um software, implementando o algoritmo Gale-Shapley, seria usado para encontrar a alocação
estável ótima para os candidatos.
Entretanto, este procedimento não foi bem sucedido. As causas do seu insucesso, em especial as
questões decorrentes de tentativas de manipulação, são discutidas a seguir.

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no Brasil à Luz da Teoria dos Jogos: Um Experimento Natural em Desenho de Mercados

5.1.1. Causas do Insucesso do Mercado Centralizado da ANPEC de 1997

A justificativa para o insucesso de mercados centralizados apresentada na subseção 2.1 não se


aplica ao mercado centralizado da ANPEC de 1997. De fato, o mecanismo centralizador gerou alocações
estáveis segundo as preferências declaradas e, de acordo com o Teorema da Não-manipulabilidade, tinha
a propriedade desejável de ser não manipulável individualmente e coletivamente pelos candidatos. Por
outro lado, o interesse cada vez maior por parte de economistas e novos Centros de pós-graduação
em Economia em ingressar no mercado da ANPEC tem, desde o início da década de 90, levado este
mercado a apresentar crescimento estável de oferta e demanda, com a demanda dos candidatos sempre
superando a oferta de vagas dos Centros de pós-graduação. Entretanto o mecanismo centralizado de
1997 foi abandonado em 1998. As razões para tal medida, distintas das apontadas na literatura para
justificar o insucesso de mecanismos centralizados, estão discutidas abaixo.

(a) Falta de conhecimento do mecanismo: não houve tempo, nem divulgação suficiente, para que os
participantes aprendessem o mecanismo, confiassem nele e se acostumassem com a nova forma
de organização do mercado.
O mecanismo centralizado de alocação foi apresentado para os coordenadores dos Centros
em uma curta palestra durante reunião do Conselho Deliberativo da ANPEC, em abril de
1997. Nesta reunião foi acordado que o mecanismo seria aplicado em caráter experimental
naquele ano. Os estudantes declarariam suas preferências para a ANPEC e o algoritmo seria
aplicado como uma simulação. A alocação definitiva seria gerada pela operação descentralizada
antiga e, então, estudantes e Centros poderiam comparar os dois resultados e comprovar a
eficiência do mecanismo centralizado. A simulação teria como objetivo divulgar e ensinar o
mecanismo e, assim, fazer com que os participantes confiassem na nova forma de organização do
mercado (este foi o procedimento adotado no mercado NRMP). Entretanto, numa decisão tomada
posteriormente, os Centros decidiram pular esta etapa e aplicar o mecanismo de forma definitiva
em outubro de 1997.
Nenhum outro procedimento junto às Instituições e candidatos foi realizado objetivando ensinar
o funcionamento do mecanismo e a maneira correta de elaborar as listas de preferências.
Assim, os estudantes não estavam cientes de que era ótimo para eles revelar suas verdadeiras
preferências (Teorema 4.1.1) e nem as Instituições conheciam as consequências do truncamento
incorreto das listas de preferências (Teorema 4.2.2).

(b) Os estudantes tinham de declarar suas preferências antes de receberem as informações para
definí-las: os estudantes declararam suas listas ordenadas de preferências no ato da inscrição
para o exame (três meses antes da realização das provas).
Acontece que, na falta de um canal eficiente para divulgar as informações sobre os Centros, as
preferências de muitos estudantes somente foram definidas após as informações obtidas nas
conversas e visitas aos Centros, realizadas posteriormente à divulgação dos resultados dos testes.
Além disso, o fato de cada Instituição se desdobrar em duas – Instituição com bolsa de estudos e
Instituição sem bolsa de estudos – confundiu os candidatos que não tinham bem definidas suas
preferências. Dessa forma, muitos candidatos mudaram suas preferências após a submissão de
suas listas.4

4 No modelo atual, os estudantes também declaram uma lista no ato da inscrição para o exame. No entanto, trata-se de uma lista
de Centros aceitáveis, sem ordenação de preferências. Só depois de divulgados os resultados dos testes e realizadas as visitas
aos Centros é que os candidatos decidem qual oferta aceitar. É neste momento que muitos deles, de fato, têm definidas suas
preferências no atual modelo.

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(c) Falhas na aplicação do algoritmo Gale-Shapley: a primeira aplicação do algoritmo teve falhas
técnicas gerando insegurança em relação à alocação resultante e abalando a credibilidade do
mecanismo.
Estas falhas beneficiaram Centros menos concorridos e prejudicaram alguns dos Centros mais
procurados, como a FGV/RJ, que receberam alunos que não tinham sido listados por eles. Outros
Centros menos procurados receberam melhores candidatos, como a UFRGS. O problema no
software foi identificado e solucionado e o algoritmo foi aplicado uma segunda vez.

(d) Tentativa frustrada de manipulação por parte de algumas Instituições: alguns Centros
truncaram suas listas em posições inadequadas e ficaram com vagas não preenchidas na alocação
final.
O incidente apontado em (c), juntamente com a falta de conhecimento sobre as propriedades
do mecanismo apontada em (a), fez com que o algoritmo passasse a ser visto por Centros
menos concorridos como um procedimento “milagroso”, capaz de lhes proporcionar os melhores
estudantes. Assim, na segunda aplicação do algoritmo, após o reparo do software, e imbuídos
pela falsa crença, esses Centros reduziram o número de candidatos aceitáveis em suas listas,
truncando-as em posições inadequadas, na certeza de preencherem suas vagas com os melhores
estudantes.

O Exemplo 4.2.1 ilustra o risco que a Instituição corre ao tentar manipular o algoritmo Gale-Shapley
via truncamento das preferências, sem saber exatamente qual candidato deve ser o último aceitável
de sua nova lista. Pelo Teorema 4.2.2, se a Instituição truncar incorretamente, ela ficará com vagas
não preenchidas. Isto ocorreu com os Centros que truncaram suas listas em posições incorretas,
na esperança de receberem estudantes melhor classificados do que costumavam receber nos anos
anteriores. Como resultado, tais Centros não conseguiram preencher todas as suas vagas, o que gerou
muitas insatisfações.
Dessa forma, após a divulgação da alocação, estes Centros, inconformados, buscaram novos arranjos
fora do mecanismo para preencherem as vagas remanescentes. Aqueles que foram bem sucedidos
tiveram suas vagas preenchidas com candidatos que possivelmente já estavam alocados a outras
Instituições pelo algoritmo, acarretando outros arranjos fora do mecanismo, e assim por diante.5
Por fim, a combinação dos problemas apontados acima, em especial a falta de conhecimento do
mecanismo por parte dos participantes do mercado e as falhas técnicas na aplicação do algoritmo
Gale-Shapley, propiciou um ambiente de insegurança sobre o mecanismo centralizado no mercado.
Desta forma, com a credibilidade do algoritmo Gale-Shapley fortemente abalada, o Conselho
Deliberativo da ANPEC determinou que o mecanismo centralizado fosse descontinuado.

5.2. Análise do Mercado Descentralizado da ANPEC (1998 a 2005) Através de


Observações Empíricas
A partir de 1998 o mercado da ANPEC voltou a aplicar o mecanismo descentralizado de 1996. Este
mecanismo foi utilizado até 2005, o que nos sugere que as alocações resultantes foram, de certa forma,
satisfatórias para Centros e candidatos. O mecanismo descentralizado do mercado da ANPEC utilizado
de 1998 a 2005 pode ser assim descrito: os estudantes, ao se inscreverem no concurso, submetem listas
de preferências não ordenadas com, no máximo, seis Centros. Depois da realização das provas, a ANPEC

5 Observe que aqui também se deu o fenômeno a que nos referimos na seção 1, de que a quebra do compromisso assumido por um

dado candidato com uma dada Instituição é de maneira geral incentivada por outras Instituições. É importante observar que
este problema não teria ocorrido se as Instituições tivessem se comprometido a respeitar a alocação produzida pelo mecanismo.
Nesse caso, talvez os Centros tivessem tido mais interesse em conhecer as propriedades do mecanismo e da alocação por ele
produzida antes de declarar suas preferências.

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no Brasil à Luz da Teoria dos Jogos: Um Experimento Natural em Desenho de Mercados

publica a classificação dos estudantes obtida pela média ponderada segundo os pesos de cada Centro.
De posse das listas, os Centros fazem ofertas aos candidatos melhor colocados, dentre aqueles que os
relacionaram em suas listas de preferências, até preencherem suas vagas.6
Nesta seção analisaremos o funcionamento do mercado descentralizado da ANPEC descrito acima.
Analisar mercados descentralizados é muito difícil pela falta de informação e pela vasta quantidade
de ações estratégicas possíveis para os participantes. No entanto, a partir de informações recebidas dos
coordenadores de pós-graduação dos diversos Centros e da coordenação da ANPEC, podemos apresentar
um conjunto de observações sobre o funcionamento deste mercado e descrever as possibilidades
de comportamento estratégico que surgem para os participantes no jogo dinâmico de dois estágios
induzido pelo mecanismo.
No 1◦ estágio do jogo os candidatos são chamados a informar as suas listas de Instituições aceitáveis.
O conjunto de ações de cada candidato são todas as possíveis listas com, no máximo, seis Centros.
No 2◦ estágio do jogo, tendo sido tornadas públicas as preferências dos Centros pelos candidatos,
as Instituições fazem suas ofertas e os candidatos retornam com suas respostas. Uma ação para um
Centro é fazer, ou uma oferta aberta (sem prazo de resposta definido), ou uma oferta explosiva, para um
dado conjunto de candidatos selecionados pelo Centro. Os candidatos podem escolher entre 3 tipos de
ações: ação moderada (aceitar a oferta mais preferida no momento e recusá-la se posteriormente receber
outra melhor); ação de risco (recusar todas as ofertas até receber a primeira mais preferida) ou ação de
segurança (aceitar a oferta disponível mais preferida no momento e se comprometer com ela até o final
do mecanismo, mesmo que receba outras melhores posteriormente). Em geral, no 2◦ estágio, os Centros
não são uniformemente informados sobre que estudantes já foram admitidos por outros Centros e os
estudantes não são uniformemente informados sobre que Centros já preencheram suas vagas.
O jogo continua com sucessivas repetições do 2◦ estágio até que todos os Centros tenham
preenchido suas vagas ou até que aqueles que não as tenham preenchido já tenham feito ofertas a
todos os candidatos aceitáveis por eles.
Portanto, a ANPEC não regulava o tempo de operacionalização do mercado, na medida em que não
eram determinados prazos em que as ofertas deveriam permanecer abertas, prazos de resposta dos
estudantes e nem mesmo o prazo de encerramento do jogo. Com isso, as transações neste mercado se
desenrolavam ao longo de semanas a partir da divulgação dos resultados das provas. Alguns Centros
levavam meses para encerrarem suas negociações. Diante desta constatação, podemos fazer uma
observação importante com a Proposição 5.2.1, que será útil para a análise do mecanismo.
Proposição 5.2.1. Assumindo que não existe uma data determinada para o encerramento do mercado, se
todos os candidatos jogarem a ação moderada, então a alocação final será a alocação estável ótima para as
Instituições, segundo as listas de instituições aceitáveis fornecidas pelos candidatos e as preferências usadas
no decorrer do mecanismo, independentemente das Instituições fazerem ofertas abertas ou explosivas.
Isto é, se um candidato pode “voltar atrás na palavra empenhada” e as Instituições podem fazer
ofertas até se esgotarem todas as possibilidades, o mecanismo simula o algoritmo NRMP. A seguir
apresentamos os fatos observados em cada um dos estágios do mecanismo descentralizado da ANPEC.

a) Análise do primeiro estágio do jogo

Ao analisar o 1◦ estágio do jogo, verificamos que o percentual de candidatos que declara 6 (seis)
Centros em suas listas aumentou de 48% em 1998 para 71% em 2004, como mostra a figura 2.

6 Até2005 a ANPEC solicitava que os Centros enviassem uma lista com os estudantes que já tivessem sido aceitos 10 dias após
a divulgação dos resultados dos testes e outra 20 dias após. A ANPEC consolidava tais informações e divulgava aos Centros a
relação total dos estudantes aceitos em cada Centro. Isto objetivava identificar os estudantes que tinham aceitado o convite de
mais de um Centro. No entanto, apesar do edital do concurso determinar a eliminação do candidato que agia desta forma, isto
de fato não ocorria. A ANPEC apenas informava para os Centros quem eram estes candidatos e cabia aos Centros envolvidos
exigirem uma definição por parte do estudante

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Figura 1: Percentual de candidatos que declara 6 Centros

Podemos supor que os candidatos acreditem que esta ação seja a melhor para eles. Certamente
um candidato que declara 6 Centros em sua lista maximiza a quantidade de ofertas que recebe no 2◦
estágio do jogo. No entanto, esta ação pode não ser a melhor para os candidatos, dentre as que podem
ser tomadas no 1o estágio do jogo, como ilustrado a seguir.
Exemplo 5.2.1 (Continuação do Exemplo 4.2.1) (um candidato pode manipular o mecanismo
descentralizado reduzindo sua lista de Centros aceitáveis). Considere o mercado apresentado no Exemplo
4.2.1. Vimos que esse mercado apresenta somente duas alocações estáveis que são exatamente
a alocação estável ótima para os candidatos e a alocação estável ótima para as Instituições,
respectivamente, µC (i1 ) = {c1 , c5 }, µC (i2 ) = {c2 , c6 }, µC (i3 ) = {c3 , c4 } e µI (i1 ) = {c1 , c5 },
µI (i2 ) = {c2 , c4 } e µI (i3 ) = {c3 , c6 }.
Suponha agora que c6 declare somente sua Instituição mais preferida como aceitável, ou seja,
P 0 (c6 ) = i2 , enquanto que todos os outros candidatos mantém o seu conjunto de Instituições aceitáveis
dado em P . Suponha que as condições da Proposição 5.2.1 são satisfeitas. Então a alocação resultante
é µ0I = µC , que é preferido por c6 a µI . 
Concluímos então que os candidatos não conhecem a possibilidade de manipulação ilustrada no
exemplo acima, ou, se a conhecem, não dispõem das informações necessárias para realizá-la. Assim
sendo, declarar 6 Centros se torna a melhor ação para os candidatos, pois é a ação que maximiza a
quantidade de ofertas no 2◦ estágio do jogo dinâmico.
Ainda no 1◦ estágio, podemos avaliar quais são os Centros mais preferidos pelos candidatos com
base na quantidade de vezes que cada Centro aparece nas listas de preferências dos candidatos. Os
dados de 1998 a 2004 nos mostram que existem sete Centros que são mais apontados pelos candidatos
(figura 3).
Os sete Centros mais preferidos são: IPE/USP, IE/UNICAMP, EPGE/FGV-RJ, IE/UFRJ, PUC-RJ, UNB e
FGV-SP. O IPE/USP, por sua vez, oferece dois cursos distintos de pós-graduação, o curso de Teoria
Econômica e o curso de Economia das Instituições e Desenvolvimento.7 Dessa forma, para efeito de

7 Até
2004 o candidato poderia declarar apenas IPE/USP em sua lista de preferências para concorrer a vagas nos dois cursos,
como se tivesse declarado os dois. A partir de 2005 isto não foi mais possível. O aluno tinha de determinar em sua lista de

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modelagem, vamos considerar dois Centros distintos. Assim temos um total de oito Centros mais
preferidos: IPE/USP(TE), IPE/USP(EID), IE/UNICAMP, EPGE/FGV-RJ, IE/UFRJ, PUC-RJ, UNB e FGV-SP.

Figura 2: Percentual médio de candidatos que declara cada Centro (1998-2004)

b) Análise do segundo estágio do jogo

No 2◦ estágio do jogo os Centros fazem suas ofertas e os candidatos respondem, dentro do prazo
oferecido, aceitando ou não essas ofertas, ambos seguindo as ações descritas anteriormente.
Relativamente ao comportamento dos candidatos, observamos que eles estavam dispostos a
voltar atrás em compromissos assumidos, agindo de acordo com a ação moderada.8 A repetição do
mecanismo descentralizado da ANPEC ao longo dos anos que se seguiram possibilitou aos participantes
experimentar um processo de aprendizado. A ausência de punição, as vantagens financeiras oferecidas
por algumas Instituições para atrair candidatos que já estavam comprometidos com outros Centros
(oferecimento de bolsa quando o estudante não tem bolsa ou um acréscimo no valor da bolsa) encorajava
os candidatos a voltar atrás em acordos firmados quando recebiam ofertas mais preferidas.
Dessa forma, os candidatos aprenderam que a ação moderada não lhes prejudicava. Do ponto de
vista estritamente estratégico, a ação moderada lhes dava um resultado melhor ou igual que o obtido
com a ação de segurança ou com a ação de risco.
Os Centros, por sua vez, costumavam fazer ofertas abertas. Havia casos de Centros mais agressivos,
que determinavam prazos de resposta mais curtos e pressionavam os candidatos por respostas mais
rápidas. No entanto, em sua maioria os Centros faziam apenas ofertas abertas.9 Eles aprenderam que as
ofertas explosivas induziam os candidatos a usar a ação moderada, o que claramente não lhes convinha:
o candidato aceitava a oferta, mas, posteriormente, podia voltar atrás na palavra empenhada. Neste
caso, o Centro que acreditara já ter preenchido uma das vagas tinha que entrar novamente no jogo em
busca de outro candidato.

preferências para qual curso desejava concorrer, IPE/USP(TE) ou IPE/USP(EID). Ele poderia concorrer aos dois, mas tinha que
declarar os dois em sua lista.
8 Aslistas consolidadas divulgadas pela ANPEC aos Centros constantemente apresentavam casos de estudantes comprometidos
com mais de uma Instituição. Os coordenadores dos Centros nos confirmaram que tais casos ocorriam todos os anos em grande
parte das Instituições.
9 Alguns que determinavam prazos de resposta mais curtos costumavam ainda conceder ampliações desse prazo quando
solicitadas por candidatos que possuíam ofertas de outros Centros.

RBE Rio de Janeiro v. 68 n. 4 / p. 425–455 Out-Dez 2014 439


Felipe P. Bardella e Marilda Sotomayor

Portanto, em todos os casos, fazer uma oferta explosiva nunca era melhor do que fazer uma oferta
aberta se os candidatos jogavam a ação moderada.
Observamos também que os Centros mais procurados convidavam os candidatos melhor colocados
em suas listas para visitar seus campi, na tentativa de influenciar a decisão dos candidatos. Estes
Centros coordenavam as datas de suas visitas e os prazos de respostas às suas ofertas a fim de que:

i) não houvesse datas coincidentes de visitas (os candidatos podiam participar de todas as visitas);

ii) a data limite para respostas às suas ofertas fosse posterior às datas de todas as outras visitas (os
candidatos podiam decidir com o máximo de informação possível sobre os Centros).10

As repetições do 2◦ estágio eram lentas. Quando um Centro pensava que já preenchera todas as suas
vagas, recebia a notícia da desistência de um candidato e tinha então que tentar preencher a vaga aberta
com algum outro candidato. O mecanismo de alocação acabava sendo um processo demorado, que se
desenrolava ao longo de semanas, com os Centros mais preferidos liderando o processo e definindo seus
alunos mais rapidamente.

c) Análise do resultado obtido no jogo

O primeiro ponto a se destacar em relação ao resultado da alocação é que os oito Centros mais
preferidos geralmente recebiam os melhores estudantes em suas listas. Mais que isto, havia três
Centros que se destacavam mais que os outros e, geralmente, completavam suas vagas com candidatos
classificados até a posição de número 50 em suas listas. Esses três Centros serão referenciados doravante
como Centros tipo 1. Os outros cinco Centros mais procurados costumavam preencher a maioria de
suas vagas com candidatos classificados no intervalo entre o número 50 e o número 120 nas suas listas.
Tais Centros serão referenciados doravante como Centros tipo 2. Por fim, os demais dezesseis Centros
existentes no período de 1998 a 2005 recebiam candidatos classificados a partir da posição 120 em suas
listas.11 Estes Centros serão referenciadas doravante como Centros tipo 3.
Outro ponto importante que se observa é que a intersecção dos conjuntos de candidatos melhor
colocados segundo a classificação da ANPEC e segundo as classificações de cada Centro é muito grande.
Em média, cerca de 70% dos 50 melhores candidatos segundo a classificação da ANPEC também estão
entre os 50 melhores candidatos pelos critérios de todos os outros Centros. Quando consideramos
somente 80% dos Centros, essa média sobe para 85%. Ou seja, 85% dos 50 melhores candidatos
classificados pela ANPEC também estão entre os 50 melhores candidatos para, pelo menos, 80% dos
Centros.
Por outro lado, para os candidatos com classificação entre 50 e 120 pelo critério da ANPEC, 45% tem
classificação na mesma faixa pelos critérios de todos os outros Centros. Quando consideramos somente
80% dos Centros esse índice sobe consideravelmente para 74%, em média. Por fim, 85% dos candidatos
com classificação entre 120 e 300 pelo critério da ANPEC tem classificação na mesma faixa pelos critérios
de todos os outros Centros. Considerando somente 80% dos Centros, a média sobe para 95%.
Esses dados nos permitem, a título de simplificação, usar a mesma referência definida para os
Centros para representar os candidatos: os candidatos classificados até a posição de número 50 segundo

10 Os Centros mais procurados acabavam fazendo ofertas para praticamente o mesmo grupo de candidatos. Com isso, cada Centro
podia fazer ofertas para um número maior que sua cota tendo “certa” segurança de que sua oferta seria aceita por apenas uma
parcela desse grupo de estudantes, menor ou igual a sua cota.
11 OApêndice B da tese de Bardella (2005) apresenta os dados sobre as alocações produzidas pelo mecanismo descentralizado
da ANPEC no período de 1998 a 2004. As ilustrações B1, B2, e B3 apresentam os grupos de candidatos admitidos por cada
Centro por faixa de classificação dos candidatos segundo o critério próprio do Centro. As ilustrações B4, B5 e B6 apresentam os
grupos de candidatos admitidos por cada Centro por faixa de classificação dos candidatos segundo o critério da ANPEC (ver em
www.teses.usp.br).

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os critérios da ANPEC serão chamados candidatos tipo 1; os com classificação entre 50 e 120 serão
chamados candidatos tipo 2; e os demais serão chamados candidatos tipo 3.12
Os três Centros tipo 1 somam juntos 50 vagas, sendo 20 da EPGE/FGV-RJ, 15 do IPE/USP(TE) e 15
da PUC-RJ. Os cinco Centros tipo 2 somam 79 vagas e os Centros tipo 3, 232 vagas. Dessa forma, cada
Centro oferece, em média, 15 vagas. A tabela abaixo apresenta todos os Centros com a classificação
proposta por tipos e o número de vagas oferecidas (baseado no edital do concurso ANPEC do ano de
2003).

Tabela 1: Classificação dos Centros por tipos

Tipo Tipo 1 Tipo 2 Tipo 3

CEDEPLAR/UFMG
EPGE/FGV-RJ

IPE/USP(EID)

PPGE/UFRGS
IE/UNICAMP

PIMES/UFPE
NAEA/UFPA
IPE/USP(TE)

CME/UFBA
CAEN/UFC

UNESP/AR
ME/UFFES

ME/UFU

UEM-PR

UFPB/JP
IE/UFRJ

PUC-SP
FGV-SP
PUC-RJ

UFPR

UFSC
UNB

UCB

UFF
Centro
No de Vagas 20 15 15 16 20 15 10 18 15 15 20 15 10 12 20 15 20 12 15 15 6 12 15 15

As observações sobre o resultado da alocação e a consequente classificação por tipos nos ajudam
a fundamentar melhor o comportamento dos agentes no 2◦ estágio do jogo. Podemos supor que, de
maneira geral, os candidatos preferiam qualquer Centro tipo 1 a qualquer Centro de outro tipo, mas,
no início do 2◦ estágio do jogo, muitos não tinham claras suas preferências em relação aos três Centros
tipo 1. Neste caso, os candidatos desejavam conhecer melhor os Centros antes de tomar a decisão
final. Isto justificava o esforço por parte dos Centros tipo 1 de organizarem visitas aos seus campi e
de municiarem os candidatos com todo tipo de informação acadêmica, na tentativa de influenciá-los.
Assim, os Centros tipo 1 acabavam competindo pelo mesmo grupo de candidatos (tipo 1). Observamos
que eles coordenavam suas ações em relação às visitas e aos prazos de resposta. Qualquer oferta
explosiva neste momento induziria os candidatos a usar a ação moderada.
Analogamente, os Centros tipo 2 competiam pelo mesmo grupo de candidatos e coordenavam suas
ações em relação às visitas e aos prazos de resposta. Também é razoável supor que os candidatos,
em geral, preferiam Centros tipo 2 a Centros tipo 3, embora não tivessem claras suas preferências em
relação aos cinco Centros tipo 2 antes das visitas.
Em vez das ofertas explosivas, observa-se que os Centros de tipos 1 e 2 concediam prazos de resposta
suficientes para os candidatos definirem suas preferências. Os Centros tipo 2 costumavam conceder um
prazo ainda maior, possibilitando aos candidatos avaliarem eventuais ofertas dos Centros tipo 1.
Como os Centros tipo 3 competiam por um grupo maior de candidatos, não costumavam organizar
visitas. Os prazos de resposta concedidos por uma parte dos Centros tipo 3 era maior que o tempo dos
Centros tipo 2. Entretanto, identificamos Centros tipo 3 que pressionavam os candidatos por respostas
mais rápidas, e outros que mudavam seus prazos de resposta ano a ano. Evidentemente, apesar do
processo de aprendizado experimentado pelos candidatos, não podemos descartar o fato de existirem
pessoas que encaravam com seriedade a palavra empenhada junto a uma Instituição. Quando um
candidato como este recebia uma oferta de um Centro tipo 3 mais agressivo, surgia a possibilidade de
alocações instáveis neste mecanismo.

12 Os dados completos sobre as intersecções dos conjuntos de candidatos de mesmo tipo para os Centros são apresentados
na tabela B1 do Apêndice B da tese de Bardella (2005). Oito Centros (três do tipo 2 e cinco do tipo 3) também ponderam
a nota da prova discursiva de Economia Brasileira na formação de suas listas de preferências, mas isto não aparece nas
estatísticas apresentadas no Apêndice B, pois as provas discursivas são corrigidas pelos próprios Centros e incorporadas nas
listas publicadas pela ANPEC posteriormente. Segundo o coordenador de um desses Centros, a avaliação das provas discursivas
não provoca grandes alterações na lista publicada pela ANPEC.

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Felipe P. Bardella e Marilda Sotomayor

Portanto, baseados nessas observações empíricas sobre o mercado da ANPEC, podemos concluir que
o sub-mercado formado pelos Centros e candidatos de tipos 1 e 2 simulava o algoritmo NRMP. Assim,
se os participantes usassem suas verdadeiras preferências no decorrer do procedimento, a alocação
resultante seria estável segundo estas preferências.
Para os Centros e candidatos de tipo 3 essa conclusão não é tão clara. Mesmo se todos os Centros
tipo 3 adotassem ofertas abertas e os candidatos jogassem ações moderadas, seria comum o não
preenchimento de vagas em determinados Centros e a não alocação de determinados candidatos. Temos
aqui um novo tipo de problema que não tem sido apontado nos mercados descentralizados existentes na
literatura. Ele é causado pelo fato das listas de Centros aceitáveis serem limitadas em até seis Centros.

5.3. Análise do Mercado Descentralizado da ANPEC com Regulação Sobre os


Aceites (2006 A 2013)
A partir de 2006 a ANPEC passou a adotar uma nova sistemática para confirmação da natureza das
aceitações das ofertas recebidas pelos candidatos: “definitiva” ou “condicional”. Todas tais confirmações
são informadas no portal da ANPEC, www.ANPEC.org.br, através do preenchimento do formulário:
Confirmação de Aceite. Esta sistemática foi adotada em caráter experimental em 2006 e se tornou
definitiva a partir de então.
Importante destacar que não houve alteração da forma de submissão das listas dos candidatos –
segue sendo lista de até seis Centros sem ordem de prioridade – nem do procedimento de convites dos
Centros – os convites continuam sendo feitos diretamente pelos Centros aos candidatos.
Dessa forma, podemos continuar tratando este mercado como um mercado descentralizado, mas
que dispõe de uma regulamentação sobre as aceitações das ofertas pelos candidatos. São as seguintes
as regras que foram criadas (retiradas do manual do concurso):

1. Os candidatos submetem suas listas contendo no máximo seis Centros, sem ordem de prioridade,
no ato da inscrição para o exame (aproximadamente três meses antes de realizarem os testes).

2. Nenhum Centro pode fazer ofertas antes da divulgação dos resultados dos testes.

3. Os Centros terão uma semana após a divulgação dos resultados para entrar em contato com os
candidatos. Os Centros, ao se proporem aos candidatos, irão fornecer aos mesmos uma senha
individual e específica por centro e por rodada.

4. Todo candidato que tiver recebido uma oferta de um Centro membro da ANPEC deverá entrar no
portal www.ANPEC.org.br e preencher o formulário denominado Confirmação de Aceite. O aceite
pelo candidato pode ser “definitivo” ou “condicional”.
[4a.] No aceite definitivo, o candidato nomeará o Centro de sua escolha e não receberá mais
ofertas de outros centros.
[4b.] No aceite condicional ele irá assinalar o Centro que o convidou, mas também irá revelar
qual é o Centro no qual desejaria ser aceito.

5. Finda a primeira rodada, iniciará a segunda, com prazo definido em calendário próprio. Nas
duas primeiras rodadas, os candidatos podem escolher entre duas opções: aceite definitivo ou
condicional. Na terceira e última rodada, só será possível o aceite definitivo.

Dessa forma, o processo de alocação dos candidatos aos Centros se desenvolve ao longo de três
rodadas, com os convites sendo feitos de forma descentralizada pelos Centros e os aceites sendo
confirmados pelos candidatos através do site de aceites. Finda a terceira rodada, os candidatos que
ainda não tiverem logrado admissão deverão procurar diretamente os Centros de sua escolha e inquirir

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Tabela 2: Calendário de rodadas do mercado da ANPEC aplicado em 2012

Data Dia Atividade


05/nov Segunda Divulgação dos resultados na Internet às 14h.
07a14/11 Semana de Convites aos Candidatos.
21/nov Quarta Início da primeira rodada (envio da confirmação de aceite pelos candidatos - 8h).
23/nov Sexta Término primeira rodada, aceite condicional - 12h e definitivo - 18h.
26/nov Segunda Início segunda rodada - 8h.
27/nov Terça Aceite condicional até 18h.
28/nov Quarta Término segunda rodada - 15h.
29/nov Quinta Início terceira rodada, aceite somente definitivo - 8h.
30/nov Sexta Término terceira rodada - 18h.

sobre possível existência de vaga. Assim, as ofertas e respostas voltam a ser descoordenadas. A seguir
apresentamos, para fins ilustrativos, o calendário das rodadas aplicado no ano de 2012.
Analisando-se esse novo mecanismo, pode-se dizer que as novas regras tendem a estabelecer a
sequência do algoritmo NRMP. A cada rodada os Centros fazem suas ofertas e os candidatos aceitam
a oferta mais preferível no momento e rejeitam as demais. Se as informações (aceites e revelação
de Centros preferidos) dos candidatos forem processadas corretamente pela ANPEC a cada rodada de
respostas, e se não houver falhas e desvios de conduta por parte dos Centros, este novo mecanismo
simulará em três rodadas o algoritmo NRMP para as listas limitadas (até 6 Centros) de Centros aceitáveis
submetidas pelos candidatos.
No entanto, os Centros têm pressionado os estudantes a só aceitarem as ofertas de forma definitiva.
Tal atitude por parte dos Centros é possibilitada pelo fato do manual do concurso estabelecer que
o aceite condicional em determinada rodada desobriga o Centro a convidar o candidato para as
próximas rodadas do mercado. O manual dispõe claramente que, em caso de aceite condicional, não
há garantia de vaga para o candidato. Dessa forma, os Centros podem impor aos candidatos a condição
de só aceitarem as ofertas de forma definitiva. Para ilustrar ainda mais esse poder por parte dos
Centros, reproduzimos a seguir extrato do manual do concurso aplicado em 2011: “Em caso do aceite
condicional, não há garantia de vaga ou de bolsa. Por isto, o candidato só deve optar pelo aceite
condicional se realmente não estiver disposto a aceitar o convite daquele Centro específico”. Ou seja, se
o candidato considerar o Centro que lhe está fazendo a oferta aceitável, ele se vê obrigado a responder
o aceite de forma definitiva. Uma vez que o candidato aceita definitivamente determinada oferta, ele
não recebe mais ofertas nas demais rodadas.
Neste sentido, as novas regras, na prática, dificultaram muito para os candidatos adotarem a ação
moderada, o que prejudica a simulação do algoritmo NRMP por parte dos Centros e candidatos, em
especial os de tipos 1 e 2. Consequentemente, pode-se esperar maior incidência de instabilidades
nas alocações resultantes do novo mecanismo do que no mecanismo descentralizado de 1998 a 2005.
Por outro lado, devido ao tamanho da ANPEC, nem sempre é possível realizar todas as transações em
apenas três rodadas. É portanto comum a existência de ofertas e respostas após a terceira rodada.
Tais transações são feitas de forma descoordenada, com grande possibilidade de gerar instabilidades, e
envolvendo principalmente Centros e candidatos tipo 3. Uma solução para tais problemas ainda não foi
encontrada pela ANPEC.

6. UM MERCADO FICTÍCIO E RESULTADOS EXPERIMENTAIS


O modelo proposto nesta seção é originalmente baseado no mecanismo que vigorou no mercado
da ANPEC até 2005 e nas constatações apresentadas na subseção 5.2. No entanto, como discutimos
na subseção 5.3, o mecanismo implementado a partir de 2006 apenas formalizou o comportamento

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moderado dos candidatos frente às ofertas das instituições no 2◦ estágio do jogo dinâmico, visto que os
candidatos agora têm, oficialmente, a possibilidade de aceitar determinada oferta de forma temporária,
condicionalmente a receber uma oferta mais preferida em rodada posterior. Dessa forma, os resultados
obtidos são válidos para discutirmos o mecanismo de alocação do mercado da ANPEC no período de 1998
a 2013, em especial, os problemas decorrentes da limitação das listas de Centros aceitáveis submetidas
pelos candidatos no primeiro estágio do jogo dinâmico.
Propomos um mercado descentralizado fictício de admissão às Instituições, no qual se mantém
aproximadamente a mesma relação proporcional entre os jogadores e a mesma estrutura de tipos
descrita na subseção 5.2. Assumimos três hipóteses distintas em relação ao grau de conhecimento que
os candidatos têm sobre seus tipos. Estamos interessados em identificar possibilidades de ocorrência de
instabilidades na alocação resultante do mecanismo descentralizado para avaliarmos a eficiência deste
mecanismo. Com isso, podemos apontar alguns problemas que devem ocorrer também no mercado real
da ANPEC.
O mercado fictício M ∗ proposto é composto por 50 candidatos, sendo quatro do tipo 1, seis do tipo 2
e 40 do tipo 3, e por 14 Instituições, sendo duas do tipo 1, três do tipo 2 e nove do tipo 3. Cada Instituição
possui uma cota igual a dois, representando o número de vagas de que dispõe. Denotaremos por N(j)
o conjunto de Instituições do tipo j = 1,2,3. Definimos N (1) = {i11 , i12 }, N (2) = {i21 , i22 , i23 }
e N (3) = {i31 , i32 , . . . , i39 }. Denotaremos por M (j) o conjunto de candidatos do tipo j = 1,2,3.
Definimos M (1) = {c11 , c12 , c13 , c14 }, M (2) = {c21 , c22 , . . . , c26 }, e M (3) = {c31 , c32 , . . . , c340 }.
Sobre as preferências das Instituições assumiremos que as preferências das Instituições sobre o grupo
de candidatos são correspondentes (como definido na seção 2) e todas as Instituições têm as mesmas
preferências P (i) sobre os candidatos, P (i) = c11 , c12 , c13 , c14 , c21 , c22 , c23 , c24 , c25 , c26 , c31 , c32 , c33 ,
. . . , c340 , para todo i ∈ N (1) ∪ N (2) ∪ N (3). Sobre as preferências dos candidatos assumiremos que:

(a) todas as Instituições são aceitáveis por todos os candidatos;


(b) todo candidato prefere qualquer Instituição do tipo 1 a qualquer Instituição do tipo 2, e prefere
qualquer Instituição do tipo 2 a qualquer Instituição do tipo 3;
(c) dados um candidato c, uma Instituição do tipo 1, i1 , uma Instituição do tipo 2, i2 , e uma
Instituição do tipo 3, i3 , a probabilidade de i1 ocupar a posição 1 (ou a posição 2) na lista de
preferências verdadeira de c é 1/2 e de ocupar qualquer outra posição é zero; a probabilidade de i2
ocupar qualquer posição de 3 a 5 é 1/3 e de ocupar qualquer outra posição é zero; a probabilidade
de i3 ocupar qualquer posição de 6 a 14 é 1/9 e de ocupar qualquer outra posição é zero.

Assim como no mercado da ANPEC, o processo de alocação neste mercado fictício induz um jogo
dinâmico que ocorre em dois estágios. No primeiro, os candidatos submetem uma lista de Instituições
aceitáveis com, no máximo, quatro Instituições, sem conhecer as preferências das Instituições. No
segundo, as Instituições fazem as ofertas e os candidatos, já conhecendo seus tipos e as preferências das
Instituições, respondem. Assumiremos que os candidatos sempre usam a ação moderada no 2◦ estágio,
e que não há uma data determinada para o encerramento do mercado. Dessa forma, o processo de
alocação simula o algoritmo NRMP. Como os candidatos sempre jogam a ação moderada no 2◦ estágio,
podemos assumir que a estratégia de um candidato no jogo dinâmico é determinada apenas pela ação
escolhida para o 1◦ estágio do jogo.
Pela Proposição 6.1 abaixo, o mercado onde os participantes listam suas verdadeiras preferências
só tem uma alocação estável (alocação esta que seria obtida se os candidatos pudessem listar todas as
Instituições e agissem de acordo com sua lista de preferências verdadeira). Também pela Proposição 6.1,
o mercado onde as Instituições listam suas verdadeiras preferências e os candidatos listam a restrição
de suas preferências verdadeiras às quatro Instituições listadas no mecanismo, só tem uma alocação
estável. (Observe que essas preferências dos candidatos não são necessariamente as suas verdadeiras
preferências sobre todas as Instituições disponíveis no mercado).

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Proposição 6.1. Se os candidatos têm preferências estritas sobre as Instituições, as Instituições têm
preferências estritas sobre candidatos individuais e as preferências dos participantes de um dos lados do
mercado são coincidentes, então o conjunto das alocações estáveis é unitário.

A seguir apresentamos as simulações do modelo assumindo três hipóteses distintas em relação ao


grau de conhecimento que os candidatos têm sobre seus tipos no 1◦ estágio.

Hipótese 1: Os candidatos conhecem seus tipos no 1◦ estágio do jogo dinâmico

Sob esta hipótese, os candidatos tipo 1 deverão listar ambas as Instituições tipo 1, os candidatos tipo
2 deverão listar todas as Instituições tipo 2 e, como todas as Instituições são aceitáveis para qualquer
candidato, na alocação resultante as Instituições tipo 1 e 2 preencherão suas vagas com candidatos tipo
1 e 2, respectivamente. Assim, os candidatos tipo 3 deverão, no equilíbrio, listar apenas Instituições
tipo 3. Como existem 40 candidatos tipo 3 e somente 18 vagas em Instituições tipo 3, 22 candidatos
ficarão sem Instituição.
Embora um candidato saiba que é tipo 3, ele não sabe qual sua posição nas preferências das
Instituições no momento de submeter sua lista. Assim, se, por exemplo, tal candidato vem a ser o
nono candidato tipo 3 preferido pelas Instituições (c39 ), pode acontecer dos oito candidatos tipo 3 mais
preferidos serem alocados para precisamente as mesmas quatro Instituições tipo 3 listadas pelo dado
candidato. Neste caso, o candidato (c39 ) ficará sem Instituição. Assumindo que qualquer lista de quatro
Instituições tipo 3 dá ao candidato a mesma chance de ficar sem Instituição, podemos concluir que
listar as quatro Instituições tipo 3 mais preferidas oferece ao candidato sua melhor alocação esperada.
Formalmente temos:

Proposição 6.2. Considere o mercado M ∗ . Seja c um candidato de qualquer tipo e seja L(c) a lista de
Instituições aceitáveis declarada por c ao mecanismo. Então, listando um subconjunto próprio de Instituições
aceitáveis de L(c), c não pode obter uma Instituição mais preferida do que a que obteria listando L(c).

Teorema 6.1. Considere o mercado M ∗ . É uma estratégia fracamente dominante para os candidatos tipo
1 declarar todas as Instituições tipo 1 em suas listas de Instituições aceitáveis.

Teorema 6.2. Considere o mercado M ∗ . É uma estratégia fracamente dominante para os candidatos tipo
2 declarar todas as Instituições tipo 2 em suas listas de Instituições aceitáveis.

Teorema 6.3. Considere o mercado M ∗ . Suponha que os candidatos tipo 1 e tipo 2 seguem as estratégias
fracamente dominantes de declarar todas as Instituições do seu tipo em suas listas de Instituições aceitáveis.
Então, nenhuma Instituição consegue preencher uma vaga com um candidato de tipo inferior ao seu.

Supondo que os candidatos declaram todas as Instituições do seu tipo em suas listas de Instituições
aceitáveis, podemos realizar alguns testes do modelo sob a hipótese 1. Como este mecanismo
descentralizado simula o algoritmo NRMP, então devemos analisar somente os problemas decorrentes
da limitação imposta às listas de Instituições aceitáveis declaradas pelos candidatos.
Fizemos 10 simulações do modelo. Para estas simulações as preferências dos candidatos sobre
Instituições do mesmo tipo foram formadas aleatoriamente através do gerador de números aleatórios
do software econométrico Eviews. Os resultados obtidos são apresentados na tabela 4.
Pela tabela 4 observamos que em apenas 20% dos casos o mecanismo gera uma alocação estável
(alocações µ1D e µ1F ). Nos outros 80% há a ocorrência de pelo menos uma instabilidade. Em dois
casos, alocações µ1C e µ1G , encontramos o máximo de seis instabilidades, que pode ser considerado
uma quantidade pequena, dado o grande número de jogadores do modelo. Também destacamos que
todas as instabilidades encontradas ocorrem entre candidatos tipo 3 e Instituições tipo 3, sendo estes

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Tabela 3: Número de instabilidades nas alocações simuladas sob a hipótese 1

Alocação µ1A µ1B µ1C µ1D µ1E µ1F µ1G µ1H µ1I µ1J Média
No total de instabilidades 3 3 6 0 2 0 6 1 4 3 2.8
No de instabilidades com Centros tipo 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0.0
No de instabilidades com Centros tipo 2 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0.0
No de instabilidades com Centros tipo 3 3 3 6 0 2 0 6 1 4 3 2.8
No de instabilidades com candidatos tipo 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0.0
No de instabilidades com candidatos tipo 2 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0.0
No de instabilidades com candidatos tipo 3 3 3 6 0 2 0 6 1 4 3 2.8

candidatos aqueles com as piores classificações nas listas das Instituições, dentre os que têm alguma
Instituição tipo 3 alcançável.
Por fim, o principal resultado que desejamos pontuar é que, mesmo com a hipótese muito forte de
que os candidatos sabem seus tipos, o mecanismo descentralizado com lista de Instituições aceitáveis
limitada, gera alocações instáveis em 80% dos casos.
A presença de instabilidades decorre das listas de Instituições aceitáveis submetidas pelos
candidatos serem limitadas, pois, apesar da limitação ser suficiente para que os candidatos tipo 1
declarem todas as Instituições tipo 1 e para que os candidatos tipo 2 declarem todas as Instituições tipo
2, ela não permite que os candidatos tipo 3 declarem todas as Instituições tipo 3 realmente aceitáveis.
Portanto, enquanto no sub-mercado de Instituições e candidatos de tipos 1 e 2 o resultado é a alocação
estável ótima para as Instituições, no sub-mercado de Instituições e candidatos tipo 3 o resultado é uma
alocação instável.

Hipótese 2: Os candidatos crêem conhecer seus tipos no 1◦ estágio, mas eles podem errar

Neste caso incluímos uma probabilidade de erro por parte dos candidatos. O erro é modelado da
seguinte forma: cada candidato do tipo 1 tem 5% de probabilidade de se declarar do tipo 2 e 5% de
se declarar do tipo 3; cada candidato tipo 2 tem 5% de probabilidade se declarar do tipo 1 e 5% de se
declarar do tipo 3; e cada candidato do tipo 3 tem 5% de probabilidade de se declarar do tipo 1 e 5% de
se declarar do tipo 2.
Como os candidatos não sabem da possibilidade de erro, quando eles se declaram de um tipo t ∈
{1, 2, 3}, eles jogam as estratégias descritas nos Teoremas 6.1, 6.2 e 6.3 para cada tipo t. Fizemos
então 10 simulações do modelo. As preferências dos candidatos sobre Instituições do mesmo tipo e as
probabilidades de erro foram geradas aleatoriamente no software econométrico Eviews. Os resultados
são apresentados na tabela 5.

Tabela 4: Número de instabilidades nas alocações simuladas sob a hipótese 2

Alocação µ2A µ2B µ2C µ2D µ2E µ2F µ2G µ2H µ2I µ2J Média
No total de instabilidades 41 10 20 23 90 101 20 0 31 44 38.0
No de instabilidades com Inst. tipo 1 37 0 8 0 77 81 0 0 0 39 24.2
No de instabilidades com Inst. tipo 2 3 0 0 0 3 3 0 0 23 3 3.5
No de instabilidades com Inst. tipo 3 1 10 12 23 10 17 20 0 8 2 10.3
No de instabilidades com candidatos tipo 1 4 0 2 0 7 9 0 0 0 5 2.7
No de instabilidades com candidatos tipo 2 6 0 15 0 21 21 0 0 1 6 7.0
No de instabilidades com candidatos tipo 3 31 10 3 23 62 71 20 0 30 33 28.3

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Pela tabela 5 observamos que em apenas uma das simulações o mecanismo gera uma alocação
estável (alocação µ2H ). Nas outras nove há a ocorrência de instabilidades. Tais instabilidades são
encontradas em quantidade muito maior que no caso anterior e envolvem todos os tipos de Instituições
e candidatos. Isto ocorre quando os candidatos erram seus tipos. Por exemplo, se um candidato tipo
1 joga como se fosse tipo 2 ou tipo 3, uma das Instituições tipo 1 vai ficar sem preencher uma de suas
vagas com este candidato e receberá um candidato tipo 2 ou tipo 3 que tenha jogado como se fosse tipo
1. Dessa forma, as instabilidades geradas são mais críticas, pois envolvem os melhores candidatos e as
Instituições mais preferidas.

Hipótese 3: Os candidatos não conhecem seus tipos no 1◦ estágio

Nesta hipótese os candidatos não sabem seus tipos no momento de declarar suas listas de
Instituições aceitáveis. Se um dado candidato c não sabe seu tipo, pode-se considerar uma atitude
racional para este candidato diversificar sua lista, incluindo uma Instituição de cada tipo. Supondo
que todos os candidatos ajam com a mesma racionalidade e supondo ainda que cada candidato declare
sua Instituição mais preferida de cada tipo na sua lista, então, dada a estrutura de preferências dos
candidatos, o candidato c terá a mesma probabilidade de ser admitido em uma Instituição de mesmo
tipo que o seu, para qualquer conjunto de três Instituições, sendo uma de cada tipo, que ele declarar.
Então o melhor que c pode fazer é declarar a Instituição mais preferida de cada tipo. Portanto,
assumindo a racionalidade descrita acima, declarar a Instituição mais preferida de cada tipo na sua
lista é uma estratégia de “equilíbrio” para todos os candidatos.
Para a composição da quarta posição da lista de Instituições aceitáveis supomos que existam
candidatos otimistas, neutros e pessimistas, de tal forma que os candidatos otimistas sempre declaram
um Centro tipo 1 na quarta posição de sua lista, os candidatos neutros sempre declaram um Centro tipo
2 e os candidatos pessimistas sempre declaram um Centro tipo 3. Por fim, supomos que cada candidato
tem igual probabilidade de ser otimista, neutro, ou pessimista. Fizemos então 10 simulações do modelo
com as preferências dos candidatos sobre Centros do mesmo tipo e a definição de otimistas, neutros e
pessimistas geradas aleatoriamente no software econométrico Eviews. Os resultados são apresentados
na tabela 6.

Tabela 5: Número de instabilidades nas alocações simuladas sob a hipótese 3

Alocação µ3A µ3B µ3C µ3D µ3E µ3F µ3G µ3H µ3I µ3J Média
No total de instabilidades 25 25 56 22 61 58 16 32 51 56 40.2
No de instabilidades com Centros tipo 1 1 1 0 1 3 0 0 0 0 2 0.8
No de instabilidades com Centros tipo 2 0 1 2 0 7 0 5 6 0 9 3.0
No de Instabilidades com Centros tipo 3 24 23 54 21 51 58 11 26 51 45 36.4
No de instabilidades com candidatos tipo 1 1 1 0 1 1 0 0 0 0 1 0.5
No de instabilidades com candidatos tipo 2 0 1 1 0 3 0 2 4 0 5 1.6
No de instabilidades com candidatos tipo 3 24 23 55 21 57 58 14 28 51 50 38.1

Pela tabela 5 observamos que o mecanismo não gerou nenhuma alocação estável. No entanto, a
grande maioria das instabilidades ocorre entre Instituições de tipo 3 e candidatos de tipo 3 com os
menores graus dentre aqueles que têm alguma Instituição tipo 3 aceitável. Mesmo as instabilidades
que ocorrem entre os candidatos e Instituições de menor tipo podem ser consideradas “instabilidades
suaves”, pois, para estas Instituições e candidatos, a distância, nas respectivas listas de preferências,
entre os candidatos e Instituições aceitáveis mais preferidos e os pares recebidos pelo mecanismo não
são significativamente grandes.
Comparativamente, o número médio de instabilidades com a hipótese 3 é 40.2 enquanto que com
a hipótese 2 é 38.0. Porém, a média de instabilidades envolvendo somente Instituições tipo 3 é 36.4

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Felipe P. Bardella e Marilda Sotomayor

com a hipótese 3 contra 10.3 com a hipótese 2 e a média envolvendo somente candidatos tipo 3 é,
respectivamente, 38.1 contra 28.3. Ou seja, além das instabilidades com a hipótese 3 serem mais
frequentes com Instituições e candidatos tipo 3, aquelas instabilidades que envolvem jogadores de
menor tipo não geram grandes incentivos para esses participantes realizarem arranjos subsequentes
(instabilidades suaves).13
Por outro lado, apesar de ser pouco provável, o modelo com a hipótese 3 ainda pode produzir
instabilidades mais graves. Isto ocorreu na alocação µ3J , que apresenta o máximo de instabilidades
envolvendo jogadores de tipos 1 e 2 deste conjunto de simulações.14
Em suma, podemos concluir que, sob a hipótese de que os candidatos diversificam suas listas
declaradas, o mecanismo descentralizado gera alocações com instabilidades suaves, nas quais os
jogadores, principalmente as Instituições, têm poucos incentivos para formar arranjos subsequentes. As
instabilidades envolvem, em sua maioria, candidatos de tipo 3 com piores classificações. Dessa forma,
as alocações geradas, apesar de instáveis, podem ser aceitáveis para Instituições e candidatos quando
uma alternativa mais eficiente não é vislumbrada pelo mercado. Consequentemente, este mecanismo
pode se tornar duradouro.

7. IMPLICAÇÕES DOS RESULTADOS EXPERIMENTAIS SOBRE O MERCADO DA ANPEC


Vimos na subseção 5.2 que os candidatos no mercado descentralizado da ANPEC tendem a declarar
seis Centros nas suas listas, escolhidos de forma diversificada entre os tipos 1, 2 e 3. Dessa forma,
este mecanismo se aproxima do modelo simulado sob a hipótese 3, com a diferença de que as listas
das preferências das Instituições não são rigorosamente iguais. As instabilidades existentes nas
alocações produzidas neste mercado são, em sua maioria, instabilidades suaves, principalmente para as
Instituições de tipo 1 e 2. As Instituições do tipo 3 concentram a maioria das Instabilidades, inclusive
instabilidades mais críticas.
Observamos que as Instituições tipo 1 eventualmente completam suas listas com alguns dos
melhores candidatos tipo 2; as Instituições tipo 2 recebem alguns poucos candidatos de tipos 1 e 3,
geralmente os piores do tipo 1 e os melhores do tipo 3; e as Instituições tipo 3 recebem candidatos
tipo 2 com piores classificações. Ou seja, realmente ocorre uma superposição marginal dos tipos, como
simulado na hipótese 3.
Por outro lado, ainda observamos candidatos que optam por não diversificar suas listas. Nestes
casos, como ilustrado na hipótese 2, as consequências decorrentes de eventuais avaliações erradas sobre
seus tipos são instabilidades adicionais nas alocações produzidas. No entanto, isto não é suficiente para
resultar no fato de que Instituições de tipo 1 fiquem sem preencher grande parte de suas vagas, nem
que Instituições de tipo 3 preencham suas vagas com candidatos de tipo 1 ou 2.

8. CONCLUSÃO E COMENTÁRIOS FINAIS


Este artigo versa sobre um caso especial de mercado de admissão às Instituições. Esses mercados
se distinguem pela forma como são organizados. Os descentralizados se comportam de forma
descoordenada enquanto que os centralizados são coordenados. Essa coordenação é executada, em sua
maioria, por um agente externo, chamado “agente centralizador”, que recebe as preferências declaradas
de todos os participantes, número de vagas das Instituições e aplica um algoritmo conhecido que produz
uma alocação dos candidatos para as Instituições. Os registros da literatura mostram que os mercados
de admissão descentralizados tendem a evoluir para a forma de organização centralizada. Neste estágio,

13 As alocações simuladas com a hipótese 3 são apresentadas no Apêndice C da tese de Bardella (2005).
14 Ver tabela 10 em Bardella (2005).

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a grande maioria dos mercados mantém a forma centralizada, enquanto que alguns poucos retornam
ao comportamento descoordenado.
O mercado da ANPEC é um mercado de admissão às Instituições que se comportou historicamente
de forma descoordenada, com várias mudanças nas regras do mecanismo, até 1996. Em 1997 foi
implementado um mecanismo centralizado que foi abandonado no ano seguinte. De 1998 a 2005, esse
mercado se comportou de forma descentralizada, aparentemente com o mesmo desenho do mercado
de 1996. A partir de 2006 algumas regras do mercado foram alteradas visando simular na prática o
algoritmo de Gale e Shapley com as Instituições fazendo as propostas. Porém, alguns detalhes, como
exigência de listas limitadas, possibilidade de aceites definitivos antes do final do procedimento de
alocação e data de encerramento do mecanismo diferenciam este procedimento do algoritmo de Gale e
Shapley.
Ao longo desse artigo desenvolvemos a teoria necessária para explicar os fatos observados neste
mercado. Inicialmente mostramos que o insucesso do mecanismo centralizado em 1997 não resultou de
nenhuma das duas hipóteses apontadas na literatura em Roth (1989) e McKinney et alii (2005), a saber,
a aplicação de algoritmos que produzem alocações instáveis e o desequilíbrio entre oferta e demanda
que ocorre quando a oferta de vagas nas instituições supera a demanda por parte dos candidatos.
Diferentemente, o algoritmo usado produz sempre alocações estáveis para as preferências reveladas e,
desde a sua criação, a demanda por vagas nos Centros tem superado a oferta no mercado da ANPEC.
A explicação que encontramos para o insucesso do mecanismo centralizado da ANPEC está relacionada
com a operacionalização do mecanismo e está fundamentada nos resultados teóricos apresentados. A
falta de conhecimento por parte dos participantes sobre as propriedades do mecanismo e as falhas
técnicas na primeira rodada do algoritmo Gale-Shapley discutidas no texto levaram alguns Centros a
realizarem tentativas de manipulação que lhes prejudicou e desencadeou uma série de instabilidades,
criando insatisfações dos dois lados do mercado.
Em seguida, procedemos a uma análise do mercado na sua fase descentralizada de 1998 a 2005.
Apresentamos várias observações empíricas e construímos hipóteses que justificam, de forma racional,
o comportamento dos participantes no mercado. A observação chave é a de que os candidatos, com o
tempo, aprenderam a jogar: aceitavam as ofertas explosivas mas voltavam atrás na palavra empenhada
se recebiam posteriormente uma oferta mais preferível. Não havia punição para tal prática, que embora
mal vista por alguns participantes, era incentivada por algumas Instituições. Por conta disso os Centros
passaram a evitar as ofertas explosivas.
Outra observação é que o fato dos candidatos declararem listas de Centros aceitáveis limitadas a seis
Instituições, embora não afetasse os candidatos dos tipos 1 e 2, desfavorecia os Centros e candidatos
do tipo 3. A quantidade de candidatos que declarava cada Centro tipo 3 ficava reduzida e a alocação
final resultante apresentava maior incidência de instabilidades para estes participantes do mercado. Na
realidade, não sabemos se estes Centros não reivindicavam a ampliação das listas fornecidas pelos
candidatos por ignorarem a causa dos problemas que enfrentavam todos os anos ou pelo fato de
considerarem que suas reivindicações não seriam levadas em conta por serem Instituições que estavam
começando a se afirmar como Centros de pós-graduação da ANPEC. Dessa forma o problema causado
pela limitação do tamanho das listas indicadas pelos candidatos não tinha a visibilidade necessária para
que lhe fosse dado maior importância.
Para contornar o problema que aparentemente mais afetava o bom funcionamento do mecanismo
da ANPEC, esta propôs e implementou em 2006 uma regulamentação sobre as ações admissíveis e
não admissíveis por parte dos candidatos, quando estes recebem uma oferta. O novo mecanismo
descentralizado persiste até os dias de hoje. Em termos gerais, as regras introduzidas visam formalizar
o comportamento moderado dos candidatos frente às ofertas das instituições e possibilitar, assim, a
obtenção de uma alocação estável. No entanto, esse objetivo não está sendo alcançado. Ao aceitar
condicionalmente a oferta de um Centro o candidato revela indiretamente que ele não é a sua primeira
opção. Desta forma fica sem sentido exigir que os candidatos, ao se inscreverem no mercado da ANPEC,
indiquem os nomes das Instituições sem revelar sua prioridade. Os problemas que vêm surgindo são

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semelhantes aos observados em 1992, quando as Instituições desconsideravam os estudantes que não
as listavam em primeira opção. De fato, muitas instituições impõem aos candidatos uma aceitação
definitiva sob a ameaça de não manter a oferta. Diferentemente do que ocorria em 1992, o candidato
não pode “blefar”, pois é impossibilitado de voltar atrás na palavra empenhada, visto que após ter
aceitado definitivamente uma oferta ele fica impedido de receber ofertas das outras Instituições. O
cenário que se configura é de retrocesso na evolução do mecanismo da ANPEC, com insatisfações, dessa
vez também por parte dos Centros e candidatos tipos 1 e 2.

8.1. Soluções Viáveis


A análise do mecanismo descentralizado da ANPEC com regulação sobre os tipos de aceites nos
permitiu detectar que as instabilidades produzidas na alocação resultante são devidas ao fato de que as
regras estabelecidas impedem uma simulação na prática do algoritmo Gale-Shapley, a saber, o tamanho
das listas fornecidas pelos candidatos (que afetam a alocação dos estudantes e Centros de tipo 3), a
retirada do sistema dos nomes dos candidatos que aceitam “definitivamente” uma Instituição (que
inviabiliza, para o candidato, o recebimento de novas ofertas e a possibilidade de poder escolher dentre
elas a que mais prefere) e o encerramento do mercado numa data determinada, o que deixa algumas
Instituições sem possibilidade de realizar novas transações para preencher vagas restantes e impede
que alguns candidatos recebam ofertas mais preferíveis.
Um procedimento descentralizado que não envolva os problemas acima mencionados requer as
seguintes modificações:

1. Permissão para os candidatos fornecerem listas de qualquer tamanho;

2. Todas as aceitações ocorridas anteriormente à etapa final do procedimento são condicionais. Em


cada etapa, um candidato pode manter, no máximo, uma oferta. Se ele estiver mantendo uma
oferta e receber uma outra oferta aceitável, ele deverá manter, necessariamente, uma delas e
recusar a outra (i.e., em nenhuma hipótese ele pode manter as duas ofertas ou recusar ambas). O
nome do candidato nunca é retirado do sistema, de forma a permitir que ele continue a receber
ofertas até o final do procedimento;

3. O procedimento somente termina quando não houver mais rejeições, caso em que todas as
aceitações se tornam definitivas.

A primeira condição poderia afetar os Centros de tipo 3, que teriam um custo muito alto para
fazerem ofertas a uma quantidade muito grande de candidatos. A terceira condição nem sempre poderá
ser satisfeita dado que existem datas para as matrículas dos alunos serem efetivadas nos Centros e para
o início das atividades acadêmicas. Assim é que, a exemplo de outros mercados similares, a organização
do mercado da ANPEC de forma centralizada ainda é a melhor opção. Um cenário favorável para isto
resulta do aprendizado decorrente dos erros de 1997 e da experiência dos últimos oito anos de operação
através de um procedimento padronizado de aceitações de ofertas. A implementação de um mecanismo
centralizado requer algumas medidas que foram negligenciadas pela ANPEC em 1997. A saber:

1. Promover ampla divulgação do mecanismo entre os participantes para que estes aprendam a
atuar no mercado centralizado;

2. Aplicar o mecanismo em caráter experimental, para que os participantes possam comparar


as duas formas de organização do mercado e, assim, tirar conclusões práticas a respeito dos
benefícios do mecanismo centralizado e sentir confiança nas novas regras;

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3. Oferecer o máximo de informação possível aos candidatos sobre os Centros – através de home
pages ou visitas aos Centros, por exemplo;

4. Oferecer garantia de que as listas de preferências dos estudantes sejam conhecidas


apenas pela Central, para que os candidatos não se sintam constrangidos em declarar
suas verdadeiras preferências e as Instituições não se sintam desprestigiadas em receber
candidatos que não as tenham declarado como sua primeira opção.

O mecanismo centralizado que propomos para o mercado da ANPEC segue, em linhas gerais, as
seguintes etapas:
Etapa 1. Os candidatos se inscrevem para o exame e declaram uma lista de Instituições aceitáveis do
tamanho que desejarem; os pesos que as Instituições atribuem aos testes são informados à Central.
Etapa 2. Os candidatos realizam os testes.
Etapa 3. Após a realização dos testes, a classificação dos candidatos pelos Centros, obtida pelas médias
ponderadas, é divulgada pela ANPEC.
Etapa 4. Nesta etapa é permitido aos Centros convidarem para uma visita os candidatos por eles
selecionados, dentre os que os listaram na etapa 1.
Etapa 5. Os candidatos que desejarem continuar no mercado informam à Central suas listas ordenadas
de preferências sobre os Centros aceitáveis listados na etapa 1.
Etapa 6. Os Centros declaram suas listas ordenadas de preferências, de qualquer tamanho, sobre os
candidatos, por eles aceitáveis e que os listaram na etapa 1 (estas listas não são necessariamente
baseadas somente nas médias ponderadas dos candidatos nos testes).
Etapa 7. A Central roda o algoritmo Gale-Shapley (com os candidatos fazendo as ofertas) e a alocação
final obtida é divulgada para os participantes.
Acreditamos que a implementação do mecanismo centralizado descrito acima representará um
passo à frente na evolução da organização do mercado da ANPEC: este mecanismo produz alocações
estáveis e eficientes segundo Pareto para todos os tipos de Centros e estudantes; oferece uma redução
considerável do tempo de operacionalização do mercado e de seu custo associado e é não manipulável
pelos estudantes. Assim ele elimina a operação desordenada do mercado observada nos procedimentos
descentralizados anteriores, com relação às aceitações e rejeições das ofertas.
Antes de se inscreverem, os candidatos têm uma clara definição do conjunto de Centros aceitáveis.
Essa condição evita que um Centro convide um condidato que nunca aceitaria sua oferta para uma visita.
Cumpre observar que, teoricamente, a informação sobre os resultados dos testes em nada contribui para
uma alocação mais desejável por parte dos candidatos. O ganho em declarar as listas de preferências
após o resultado dos testes é que as visitas aos Centros ocorrem após esta etapa. Nessas visitas, os
candidatos convidados têm oportunidade de interagir entre si e com os estudantes de pós-graduação
da Instituição anfitriã, e trocar informações sobre os Centros. Ao receberem o máximo de informação
possível sobre os Centros, os candidatos podem reavaliar suas preferências e elaborar suas listas de
forma a minimizar o risco de um arrependimento futuro.

BIBLIOGRAFIA
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A. APÊNDICE

A.1. APÊNDICE A – RESULTADOS JÁ CONHECIDOS E DEMONSTRAÇÕES


Enunciamos aqui alguns resultados já conhecidos e que são utilizados ao longo do artigo.
Para onde vão os melhores candidatos e quais candidatos vão para as melhores Instituições? Se
existe um consenso sobre o conjunto das k melhores Instituições então é esperado que elas sejam
as preferidas dos melhores candidatos. O Teorema A1 diz que as t vagas dessas k Instituições serão
preenchidas pelos t melhores candidatos, em qualquer alocação estável.
Teorema A1. Sotomayor (1996b). Suponha que exista um conjunto de Instituições I 0 = {i1 , . . . , ik } e
um conjunto de candidatos C 0 = {c1 , . . . , ct }, com t = Σqj para j = 1,2, . . . ,k, tais que I 0 é o conjunto
das k primeiras Instituições aceitáveis da lista de qualquer candidato de C 0 (em qualquer ordem) e C 0 é o
conjunto dos t primeiros candidatos aceitáveis da lista de qualquer Instituição em I 0 (em qualquer ordem).
Então, se µ é uma alocação estável, µ(C 0 ) = I 0 .
Observação A1. Se no Teorema A1 tivermos t > Σqj para j = 1,2, . . . ,k, então µ(i) ⊆ C 0 para
todo i ∈ I 0 . A demonstração deste fato, que é tão simples quanto à do Teorema A1, é deixada ao leitor.
Proposição A1. Gale e Sotomayor (1985). Sejam µ uma alocação estável, C(µ) o conjunto dos
candidatos admitidos a alguma Instituição segundo µ e Ni o número de candidatos admitidos pela Instituição
i. Então o conjunto C(µ) e os números Ni são os mesmos para toda alocação estável.
Proposição A2. Roth (1986). Seja µ uma alocação estável. Se a Instituição i não preencheu todas as suas
vagas em µ, então ela admitirá o mesmo conjunto de candidatos em qualquer alocação estável.
Proposição A3. Gale e Sotomayor (1985). Suponha que C ⊆ C 0 , que µC é a alocação estável ótima
para os candidatos em (C,I,P,q) e que µ0C é a alocação estável ótima para os candidatos em (C’,I,P’,q), onde
P 0 = P em C. Então, µ0C (i) ≥i µC (i), para toda Instituição i.
Observação A2. Decorre da demonstração da Proposição A3 que não somente µ0C (i) ≥i µC (i), mas
também que i prefere fracamente todo candidato em µ0C (i) a algum candidato em µC (i).
Proposição A4. Roth e Sotomayor (1989). Se os candidatos têm preferências estritas sobre as Instituições
e as Instituições têm preferências estritas sobre candidatos individuais, então as Instituições também têm
preferências estritas sobre os grupos de candidatos determinados em alocações estáveis. Ou seja, dados µ e µ0
alocações estáveis, uma Instituição i é indiferente entre µ(i) e µ0 (i) se, e somente se, µ(i) = µ0 (i).
Proposição A5. Roth e Sotomayor (1989). Sejam µ e µ0 alocações estáveis e as preferências de candidatos
e Instituições estritas sobre indivíduos. Seja i uma Instituição. Então, µ(i) >i µ0 (i) se e somente se c >i c0
para todo c em µ(i) e c0 em µ0 (i) − µ(i).
Ou seja, se i prefere o grupo de candidatos designados a ela por µ ao grupo de candidatos designados
a ela por µ0 , então ela prefere qualquer candidato do primeiro grupo a qualquer candidato do segundo grupo
que não estiver no primeiro.
Proposição A6. Gale e Shapley (1962). Seja µ uma alocação estável. Então µ0C (c) ≥c µI (c), para
todo c em C, e µ(i) ≥i µC (i), para todo i em I.
Lema A1 – Lema da Decomposição. Knuth (1976), Gale e Sotomayor (1985). Sejam µ e µ0 alocações
estáveis em (C,I,P,q), com todas as preferências estritas e qi = 1 para toda Instituição i ∈ I. Seja C(µ)
o conjunto dos candidatos que preferem µ a µ0 e I(µ) o conjunto das Instituições que preferem µ a µ0 .
Analogamente definimos C(µ0 ) e I(µ0 ). Então µ e µ0 mapeiam C(µ0 ) em I(µ) e C(µ) em I(µ0 ).
Demonstração do Teorema 4.2.1: Seja cm o candidato menos preferido por i em µI (i). Trunque a
lista de preferências verdadeira de i em cm . Chame a nova lista de P 0 (i). Claramente, µI é estável para
M 0 = (C,I,P/P 0 (i),q). Seja µ0 uma alocação estável qualquer para M 0 . Como i preenche suas vagas
em µI temos, pela Proposição A1, que i preenche suas vagas em µ0 . Afirmamos que µ0 (i) ≥i µI (i).
De fato, caso contrário, pelas Proposições A4 e A5, deveríamos ter que µI (i) >i µ0 (i), que existiria
pelo menos um candidato c ∈ µ0 (i) − µI (i) e cm >i c para todo c ∈ µ0 (i) − µI (i). Mas isto é um
absurdo desde que tais candidatos estão na nova lista de i obtida do truncamento de P (i) em cm . Por
outro lado, como i preenche todas as suas vagas em µ0 , segue que µ0 é estável para (C,I,P,q), donde

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µI (i) ≥i µ0 (i). Portanto devemos ter que µI (i) = µ0 (i). Então, truncando sua lista de preferências
verdadeiras em cm , a Instituição i obtém µI (i) em qualquer mecanismo estável aplicado a M 0 . 
Demonstração do Corolário 4.2.1: Como µI (i) 6= µ(i) então i preenche sua cota nas duas alocações
pela Proposição A2. Pela Definição 2.3 e do fato das preferência serem estritas, segue que µI (i) >i µ(i).
Pela Proposição A1, i preenche sua cota em qualquer outra alocação estável para (C,I,P,q). Seja cm
o candidato menos preferido por i em µI (i). Seja P 0 (i) obtida pelo truncamento de P (i) em cm .
Então, pelo Teorema 4.2.1, a Instituição i obtém a µI (i) quando o mecanismo H é aplicado a M 0 =
(C,I,P/P 0 (i),q). Logo i consegue manipular o mecanismo. 
Demonstração do Teorema 4.2.2: Seja cj ∈ C tal que cj >i cm >i i. Seja P 0 (i) o truncamento de
P (i) em cj . Suponha que existe µ0 , estável para M 0 = (C,I,P/P 0 (i),q) com i preenchendo sua cota
em µ0 . Então, µI (i) 6= µ0 (i). Por outro lado, µ0 também é estável para (C,I,P,q). Logo, pela Proposição
A5 temos que µ0 (i) >i µI (i) o que contraria a otimalidade de µI . Portanto, i não preencherá suas
vagas em nenhum mecanismo estável para o novo mercado. 
Demonstração da Proposição 5.2.1: Se os candidatos agem de acordo com a forma moderada, a
evolução do mecanismo se dará exatamente como uma simulação do algoritmo NRMP. Inicialmente as
Instituições farão uma oferta, aberta ou explosiva, ao conjunto de candidatos mais preferidos de suas
listas de forma a não ultrapassar a sua cota. Os candidatos que receberem ofertas rejeitarão todas,
exceto a sua favorita. A seguir as Instituições que ainda não tiverem preenchido suas vagas farão
novas ofertas, abertas ou explosivas, ao conjunto de candidatos mais preferidos dentre os que ainda
não recusaram ofertas dessas Instituições. Os candidatos novamente recusam todas as ofertas, exceto
a sua favorita. As Instituições e candidatos seguem agindo assim até que todas as Instituições tenham
preenchido suas cotas ou, aquelas que não o tenham, já tenham feito ofertas a todos os candidatos
aceitáveis. O algoritmo NRMP produz a alocação ótima para as Instituições. 
Demonstração do Proposição 6.1: Sem perda de generalidade podemos supor que toda Instituição
tem cota unitária, desde que se o resultado vale para o mercado do casamento relacionado então
vale para o mercado de admissão às Instituições. Suponha que as Instituições tenham as mesmas
preferências sobre os candidatos e que exista uma alocação estável µ tal que µ 6= µI . Então, µI (i) >i
µ(i), para alguma Instituição i ∈ I. Então µI (i) = c, para algum candidato c. Pela estabilidade de µ
obtém-se que µ(c) >c µI (c). Logo os conjuntos I 0 e CI 0 , definidos por I 0 = {i ∈ I; µI (i) >i µ(i)} e
CI 0 = {c ∈ C; µ(c) >c µI (c)} são não vazios. Pelo Lema da Decomposição, µI (I 0 ) = µ(I 0 ) = CI 0 e
toda Instituição de I 0 preenche a sua vaga em µI e em µ, e todo candidato de CI 0 é alocado a alguma
Instituição em µI e em µ. Como todas as Instituições têm as mesmas preferências, existe um candidato
c0 ∈ CI 0 que é o menos preferido por todas as Instituições de I 0 dentre os de CI 0 . Assim existem
i0 ∈ I 0 e c ∈ CI 0 tais que µI (c0) = i0 e µ(i0 ) = c. Mas então i0 prefere c0 a c, o que contradiz a
definição de c0 como o menos preferido por I 0 dentre os candidatos de CI 0 . 
Demonstração do Proposição 6.2: Considere o mercado onde o conjunto verdadeiro de Instituições
aceitáveis para cada candidato é o declarado em sua lista ao mecanismo. Pela Proposição 6.1 este
mercado só tem uma única alocação estável, que é, portanto, ótima para os candidatos. Denotaremos
por µC esta alocação. Pela construção do mecanismo, µC é a alocação resultante. Portanto,
pelo Teorema da Não-manipulabilidade, este mecanismo é não manipulável individualmente pelos
candidatos, o que implica que c não poderá ser designado a uma Instituição preferida à µC (c)
quando adultera sua lista de Instituições aceitáveis. Logo, c não poderá se beneficiar declarando um
subconjunto próprio de Instituições aceitáveis da lista L(c). 
Demonstração do Teorema 6.1: Seja c1k um candidato tipo 1. Como a soma das cotas das
Instituições tipo 1 é igual ao total de candidatos tipo 1, se c1k declarar todas as Instituições tipo 1
ele receberá pelo menos uma oferta de alguma Instituição tipo 1. Seja L(c1k ) a lista de Instituições
aceitáveis para c1k declarada ao mecanismo, contendo todas as Instituições do tipo 1. Seja L∗ (c1k )
uma lista qualquer. Sejam µ e µ∗ as alocações produzidas pelo mecanismo quando c1k declara L(c1k )
e L∗ (c1k ), respectivamente. Sabemos que µ(c1k ) é uma Instituição do tipo 1 e é a mais preferida por
c1k dentre todas as Instituições que se propuseram a cik durante o mecanismo. Seja A o conjunto

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das Instituições que se propuseram a c1k durante o mecanismo. Como todas as Instituições têm a
mesma preferência sobre os candidatos, e todas as Instituições do tipo 1 estão presentes em L(c1k ),
o conjunto das Instituições de tipo 1, aceitáveis segundo L∗ (c1k ), que se propuseram a c1k durante o
mecanismo, é um subconjunto de A. Portanto µ(c1k ) ≥c1k µ ∗ (c1k ). Se L∗ (c1k ) não contém µ(c1k )
então µ(c1k ) >c1k µ ∗ (c1k ). Logo L(c1k ) é uma estratégia fracamente dominante para c1k . 
Demonstração do Teorema 6.2: Seja c2k um candidato tipo 2. Como a soma das cotas das
Instituições tipo 1 é igual ao total de candidatos tipo 1 e os candidatos tipo 1 declaram, de forma
fracamente dominante, todas as Instituições tipo 1 em suas listas de Instituições aceitáveis, nenhuma
Instituição tipo 1 fará uma oferta para c2k . Como a soma das cotas das Instituições tipo 2 é igual ao
total de candidatos tipo 2, c2k receberá pelo menos uma oferta de alguma Instituição tipo 2. Agora use
um argumento análogo ao usado na demonstração do Teorema 6.1. 
Demonstração do Teorema 6.3: Como a soma das cotas das Instituições tipo 1 é igual ao total de
candidatos tipo 1 e a soma das cotas das Instituições tipo 2 é igual ao total de candidatos tipo 2, e
supondo que os candidatos tipo 1 e tipo 2 declaram todas as Instituições do seu tipo em suas listas de
Instituições aceitáveis, então todos os candidatos tipo 1 serão alocados em Instituições tipo 1 e todos
os candidatos tipo 2 serão alocados em Instituições tipo 2. As Instituições tipo 3, por fim, receberão
somente candidatos tipo 3. 

RBE Rio de Janeiro v. 68 n. 4 / p. 425–455 Out-Dez 2014 455

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