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AS PRÁTICAS EDUCATIVAS HUMANIZADORAS NO CONTEXTO DA

FORMAÇÃO DE PROFESSORES: UMA REALIDADE POSSÍVEL?

GOELZER, Juliana – UFSM


julianagoelzer@yahoo.com.br

Eixo Temático: Formação de Professores e Profissionalização Docente


Agência Financiadora: não contou com financiamento

Resumo

A pesquisa da qual este artigo é parte, partiu de constatações realizadas ao longo de outras
pesquisas realizadas junto a professores de escolas de Educação Básica do município de Santa
Maria/RS. No decorrer dessas pesquisas, constatou-se o quanto esses profissionais julgam-se
despreparados para o desenvolvimento de práticas educativas mais humanizadoras na escola.
Diante disso, a preocupação recaiu sobre os atuais processos de formação de professores: em
que medida estes futuros profissionais sentem-se preparados para este desafio? Para tanto,
realizou-se uma investigação com acadêmicos do 7º e 8º semestres do Curso de Pedagogia de
duas instituições de Ensino Superior do município de Santa Maria – RS, com o objetivo de
pesquisar em que medida estes sentem-se preparados para enfrentar os mais variados desafios
do cotidiano escolar, relacionados às práticas educativas humanizadoras. A coleta de dados
foi realizada através de entrevista semi-estruturada com seis acadêmicas de cada uma das
instituições, e o embasamento teórico teve por base autores como Paulo Freire, Miguel
Arroyo e Humberto Maturana. Foi constatado que, enquanto muitas acadêmicas afirmam não
sentirem-se preparadas para tais desafios, argumentando que poucas vezes lhes foi proposta
uma reflexão em torno da educação humanizadora em seus cursos, outras afirmaram estarem
sim preparadas, embora algumas com dificuldades em conceituar o que é uma educação
humanizadora. Ao lado disso, todas afirmaram a importância da prática que busca a
humanização. Pode-se dizer, portanto, que embora ainda seja pouco debatida essa perspectiva
nos cursos de formação inicial de professores, há um conhecimento por parte dos acadêmicos
que é produzido em outros contextos, principalmente no contexto escola, que os leva a
acreditar na importância de uma prática educativa mais humana.

Palavras-chave: Educação humanizadora. Formação de professores. Práticas educativas.

Introdução

Ao longo dos últimos anos percebemos o quanto a escola vem sendo, cada vez mais,
incumbida de novas responsabilidades e o quanto vem tendo de enfrentar, no dia-a-dia,
desafios que exigem de seus profissionais uma formação constante. Isso tem a ver com os
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tantos acontecimentos ocorridos ao longo dos últimos tempos, pelas grandes e profundas
transformações que até então pareciam distantes da nossa realidade, mas que hoje estão aí, na
porta, quando não dentro, de nossas casas. O reconhecimento dos direitos sociais da mulher e
sua entrada no mercado de trabalho; o crescente processo de industrialização e urbanização e
o grande avanço da tecnologia são algumas das transformações mais significativas que vêm
ocorrendo.
Porém, ao mesmo tempo em que isso vem trazendo o progresso da nossa sociedade,
também vem gerando uma série de preocupações. Essas mudanças também vêm trazendo
consigo a competitividade, o individualismo e a busca constante pelo “ter”. Com isso,
percebemos que as relações humanas têm sido cada vez mais deixadas de lado. A maioria das
pessoas não encontra mais tempo para conversar e mesmo estar junto de pessoas queridas. Os
meios eletrônicos têm tomado esse espaço: o “msn”, o e-mail, o telefone celular, o “orkut”
vêm se tornando quase que a única forma de relacionamento entre as pessoas. As relações
humanas têm se tornado superficiais e isso tem nos tornado cada vez mais egoístas e
insensíveis uns aos outros.
Nos deparamos a cada dia com assaltos, mortes, violência de toda natureza,
degradação e destruição da vida humana. Convivemos com a injustiça, a discriminação, a
exploração e, como resultado dessa sociedade capitalista, com a dominação de uns sobre os
outros. Segundo Sampaio (2004, p. 30), “estamos vivendo uma crise global profunda, onde o
vazio existencial e afetivo, provocado pela manipulação e desmandos, favorece a miséria, a
violência, a corrupção, o medo, a insegurança, resultado da fragilidade das relações e dos
valores humanos”. As pessoas esqueceram-se de que somos seres humanos, de que todos
somos gente (HENZ, 2003).
Enfim, como resultado de tudo isso, percebemos que as crianças que a cada ano
chegam à escola, têm trazido consigo uma carência profunda de carinho, de diálogo. O mundo
delas muitas vezes não lhes permite que vivam sua infância, que sejam respeitadas e tratadas
de forma humana. Muitas vezes a maioria dessas crianças vem à escola em busca de um lugar
onde não as agridam, e em busca de carinho e atenção; por vezes, a escola é o único lugar
onde essas crianças podem ser crianças e viver com alegria. Nas palavras de Freire (2002, p.
69-70),

o mundo afetivo desse sem-número de crianças é roto, quase esfarelado, vidraça


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estilhaçada. Por isso mesmo, essas crianças precisam de professores


profissionalmente competentes e amorosos e não puros tios e tias. É preciso não ter
medo do carinho, não fechar-se à carência afetiva dos seres interditados de estar
sendo. Só os mal-amados e as mal-amadas entendem a atividade docente como um
que-fazer de insensíveis, de tal maneira cheios de racionalismo que se esvaziam de
vida e de sentimentos.

Mas apesar dessa triste realidade, muitos professores ainda encaram a escola como
uma instituição que têm unicamente a função de ensinar, de transmitir conteúdos, esquecendo
que a escola é lugar de gente (FREIRE, 2002); logo, o professor também é visto como aquele
que tem unicamente a função de transmitir esses conteúdos aos alunos. Também é freqüente
nos depararmos com crianças que vivem em condições mínimas de sobrevivência, diante do
que muitas pessoas insistem em tapar os olhos, se trancando em seu mundo. E muitas vezes
essas pessoas são os próprios professores...
Em pesquisas anteriormente realizadas com colegas professores e professoras de
Educação Básica, constatamos que a maioria destes profissionais, em seus processos de
formação inicial, aprendeu somente a ensinar conteúdos, informar e aplicar procedimentos
metodológicos; não lhes foi proporcionada uma reflexão acerca das relações humanas que
perpassam o ambiente escolar Afinal,

No tempo escolar os mestres têm de dar conta de pessoas, que não estão unicamente
em permanente estado de relação com os conteúdos do currículo, com suas
mudanças, mas que se relacionam, convivem entre iguais e diversos, sentem,
fantasiam, valorizam, dançam, se expressam na totalidade de sua condição humana.
As crianças, adolescentes e jovens... explodem na totalidade de suas vivências no
presente (ARROYO, 2004, p. 232).

E quando se dão conta de toda essa vida que perpassa o ambiente escolar, e do quanto
são em parte responsáveis pela humanização dessas crianças, adolescentes e jovens, esses
profissionais julgam seus cursos de formação inicial como insuficientes: “nós não fomos
preparados para isso; é no peito e na raça”. Além disso, sabem do “tipo de professor” que a
escola precisa hoje: “precisamos de professores mais humanos, que convivam e partilhem dos
problemas de seus alunos”. Afirmam, ainda, que se o professor de hoje não for “humano” o
suficiente para entender o quanto o seu aluno precisa dele, a educação estará fadada ao
fracasso, pois “de professores competentes em suas áreas a escola está cheia, e o problema
não se resolveu”.
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Esses profissionais, na maioria das vezes emocionados, nos relatam o quanto é


angustiante ouvir de seus alunos desabafos sobre suas realidades. Esses relatos vêm sempre
acompanhados da expressão: “nossa licenciatura não nos preparou para lidar com isso”, ou
então: “agora percebemos as tantas falhas na nossa formação”. Afirmam não sentirem-se hoje
capazes de realizar seu papel de educadores por completo; sentem precisar aprender a ajudar
as crianças enquanto seres humanos, mas que não sabem como.
A partir dessa realidade, o Projeto de Pesquisa intitulado “Desafios e perspectivas na
formação inicial de professores para as práticas educativas humanizadoras”, foi proposto com
o objetivo de pesquisar em que medida alguns acadêmicos do Curso de Pedagogia de uma
universidade federal e de uma universidade particular do município de Santa Maria – RS,
sentem-se preparados para enfrentar os mais variados desafios do dia-a-dia do cotidiano
escolar, relacionados às práticas educativas humanizadoras.
Para tanto, várias questões relacionadas à temática foram debatidas durante a
realização da pesquisa para que pudéssemos alcançar nossos objetivos. A pesquisa teve
caráter qualitativo e o tipo de pesquisa utilizado foi a pesquisa bibliográfica e a pesquisa tipo
estudo de caso, uma vez que a investigação ocorreu em duas instituições de Ensino Superior
do município de Santa Maria – RS, uma instituição federal e uma particular. Foram realizadas
entrevistas semi-estruturadas com seis acadêmicas (apenas mulheres mostraram
disponibilidade em participar da pesquisa) do 7º e 8º semestres de cada uma das instituições, e
essas entrevistas foram gravadas em áudio e em seguida transcritas e separadas em categorias
para uma melhor análise.

Desenvolvimento

Falar sobre a formação de professores nem sempre é uma tarefa fácil, pois durante
esse processo vive-se muitas surpresas, alegrias, angústias, e também muitas frustrações. As
expectativas são sempre muitas, mas em que medida estas são superadas? E quando ao lado
dela falamos ainda sobre a educação humanizadora, a dificuldade torna-se maior ainda. Ou
pelo menos foi isso o que pareceu claro durante a realização dessa pesquisa.
No decorrer do diálogo realizado com as acadêmicas, estas teceram considerações
acerca de vários aspectos relacionados à educação humanizadora e, em torno deles, refletiam
a todo momento: “mas de que educação humanizadora falamos?” E foram a partir dessas
reflexões que surgiam aspectos muito significativos a respeito do tema para nossa pesquisa,
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pois sentíamos o quanto para algumas acadêmicas tornava-se difícil falar sobre o assunto
proposto.
As opiniões a respeito de muitas questões por vezes assemelhavam-se, mas por vezes
também ficavam muito distantes umas das outras, afinal, as vivências, as experiências e a
história de vida de cada um talvez fale muito mais alto do que o processo de formação
acadêmica propriamente dito.
Algumas acadêmicas, quando questionadas se foram ou não preparadas para trabalhar
com uma educação humanizadora no decorrer do curso, afirmaram que seus professores
proporam sim algumas reflexões: “acredito que sim... devido ao curso ser das Ciências
Humanas e alguns professores terem trabalhado essa questão humanizadora durante as
disciplinas”. Outras afirmaram que sim e que esse é um dos objetivos do Curso: “eu acredito
que sim... porque a faculdade em si de Pedagogia (...) já tem o intuito de humanizar”.
Enquanto isso, outras afirmaram que de certa forma há uma preparação, mas que
deveria existir uma disciplina voltada especificamente para a humanização: “eu acho que há
uma preparação... mas não uma preparação específica (...) eu acho que deveria ter uma
disciplina... alguma coisa assim mais voltada pra isso (...) pra trabalhar com a questão da
humanização”.
Por outro lado, algumas acadêmicas julgam não estarem sendo preparadas para
trabalhar com uma educação humanizadora; estas, queixam-se da falta de preparação advinda
do curso: “acredito que não (...) no curso muito pouco eu vejo sobre isso (...) falta muito isso
no curso de Pedagogia... pensar mais no ser humano”, ou então afirmaram que não,
argumentando que o curso não prepara para a realidade: “quando a gente chega lá fora a gente
se depara com uma coisa muito diferente... acho que o curso em si ele não tá preparado pras
crianças que tem lá fora... pra nos preparar pro que a gente vai encontrar lá fora (...) essa
educação humanizadora... ela não tá acontecendo".
As falas de algumas dessas acadêmicas revelam uma grande insatisfação com seus
cursos por estes estarem distantes demais da prática. Porém, de modo algum acredita-se que
estudos teóricos não sejam absolutamente necessários para a realização da prática. Nesse
sentido, Azambuja & Bald (2007), ao reiterarem que muitos dos profissionais da educação
afirmam haver de fato esse distanciamento da realidade, nos trazem uma importante
contribuição:
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é importante que a formação do formador tenha subsídios teóricos e práticos que lhe
possibilite realizar suas tarefas com maior eficiência, atingindo as metas propostas
nos objetivos sócio-educacionais e buscando a interação com os demais envolvidos
(professores, alunos, sociedade, etc.). Isso porque é por meio de trocas embasadas
teoricamente que se fundamenta a prática e criam-se opções de escolha de outras
posturas, de um novo/outro perfil, no intuito de construir uma ‘práxis’ diferenciada
ao que se tem escutado sobre a atuação docente (AZAMBUJA & BALD, 2007, p.
48).

Entende-se, portanto, que não pode haver dicotomia entre teoria e prática; ambos são
processos que tendem a se complementar, formando concepções que atendam às necessidades
da realidade. Se julgarmos ser importante apenas o contato com a realidade, não teremos a
cientificidade necessária para nela intervir; do mesmo modo, dando primazia à teoria, não
teremos ferramentas suficientes para aplicá-la da maneira certa e na medida certa em nosso
campo de atuação.
Das acadêmicas já atuantes em sala de aula, muitas, ao reconhecerem a importância de
ambas, ainda apontam para a necessidade de mais prática dentro do curso: “depois que eu
comecei a trabalhar diretamente com crianças... dar aula... eu penso que o curso... todo curso
em si... ele dá muita teoria (...) claro... a gente aprende muito nos estágios (...) mas ainda falta
bastante coisa”. Estas, afirmaram que aprenderam a refletir sob essa perspectiva nesses outros
contextos, principalmente no contexto da sala de aula.
Enquanto refletiam acerca da realidade de seus cursos de formação, as acadêmicas
também teciam reflexões acerca do desenvolvimento das práticas humanizadoras com alunos
da Educação Básica. Elas, na grande maioria, apontam que reconhecem a importância da
valorização do “humano” nos processos educativos. Entretanto, pode-se também perceber na
pesquisa, quando as acadêmicas foram questionadas a respeito dos autores que embasam a
prática humanizadora, que algumas delas não têm nenhum pressuposto teórico que baseie
suas concepções acerca da importância da prática humanizadora; geralmente baseiam-se
apenas na prática vivenciada em sala de aula.
Todas as acadêmicas entrevistadas apontaram a importância da prática humanizadora;
apontando a importância das dimensões da afetividade, amorosidade e dialogocidade em sala
de aula: “além de tu transmitir o conhecimento... tu tem que transmitir carinho... afeição...
compreensão... porque eles precisam demais... (...) são muitos os fatores que tu têm que estar
disposta a praticar mesmo na sala de aula... mas principalmente afeto e carinho”.
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É essa abertura ao diálogo, à afetividade, à amorosidade, que nos constitui enquanto


seres humanos e nos diferencia das demais espécies; acima de tudo, apenas nos tornamos
humanos no contato e na interação com os demais seres humanos. O ambiente da sala de aula
apresenta-se, então, enquanto um ambiente riquíssimo de interações e trocas, onde várias
gerações se cruzam partilhando conhecimentos e vivências.
E é por este espaço abrigar tantos seres em processo de vir-a-ser humanos (FREIRE,
2001), que ele se torna espaço próprio para as manifestações de carinho e afeto; afinal, ali
encontram-se pessoas em processo de humanização que não esperam apenas por uma série de
conteúdos, de matérias; esperam, acima de tudo, aprender a ser gente (HENZ, 2003), em todas
as potencialidades do humano.
Dessa forma o processo educacional, por envolver muito mais do que “cabeças
pensantes”, envolve todas as dimensões do processo humanizador; o caráter formador da
educação perpassa pelos laços de carinho, respeito e amorosidade, concomitantemente à
cobrança de responsabilidades. A tarefa de ensinar, como bem nos lembrou Freire (2005), é
uma especificidade humana que também exige rigorosidade metódica e competência no
processo de construção do conhecimento.
Acontece que, apesar de saber que na prática educativa lidamos primeiramente com
seres humanos que necessitam da aprendizagem dessas dimensões humanizadoras, percebe-se
que muitas vezes a preocupação recai apenas na sistematização de conhecimentos, na
utilização de melhores metodologias e didáticas. Para muitos, a manifestação da afetividade
se dá apenas no abraço, no beijo, em demonstrações de carinho, esquecendo-se que a
preocupação com a aprendizagem, a cobrança de responsabilidades, a escuta, o diálogo,
também são demonstrações de afetividade que humanizam os sujeitos.
Nesse sentido, Maturana; Rezepka (2002, p. 13), nos lembram que

o olhar do professor ou da professora em sua relação com as crianças não deve


dirigir-se ao resultado do processo educacional, mas ao acolhimento da criança em
sua legitimidade, embora o professor atue consciente do que espera que a criança
aprenda.

Um professor consciente de seu papel humanizador sabe que a humanização acontece


no decorrer do processo e não em momentos a parte; ela ocorre interligada ao processo de
ensino e aprendizagem. Ainda de acordo com Maturana; Rezepka (2002, p. 14), “por esse
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motivo o professor ou a professora deve saber que as crianças aprendem (transformam-se) em


coerência com o seu emocionar”. Por isso a tamanha importância de valorizar as emoções
dentro do contexto escolar; apenas elas podem dar significado à aprendizagem e torná-la ação.
Ao lado dessas falas que apontam principalmente para a afetividade, outras apontam
que as práticas humanizadoras são importantes pelo fato de estarmos lidando com seres
humanos: “com certeza... eu acho que tu já escolhe (...) uma formação docente já com o
intuito de tu saber que tu tem que ser humanizador em primeiro lugar... porque tu tá lidando
com pessoas". E d’outra parte, depoimentos de acadêmicas preocupadas com os rumos da
educação e da sociedade: “hoje em dia (...) a gente esquece que uma criança (...) ela tem que
ser preparada pro futuro... preparada pro mercado... mas ela é humana... ela tem que ser
preparada também pra cuidar do colega dela... pra amar o colega dela... pra respeitar o colega
dela”.
Percebemos, nesse contexto, o quanto nossa tarefa de educadores torna-se, de fato,
complexa nessa trama de relações que perpassam o ambiente escolar. Isso porque a nossa
sociedade está em constante processo de transformação e nela muitas vezes esquecemos o
significado das palavras afeto e diálogo, esquecendo também de que somos seres que têm
sentimentos próprios. Nesse mundo capitalista, quando não representamos nenhuma forma de
lucro para a sociedade, somos vistos como “coisas” absolutamente sem importância.
Acabamos por nos tornar seres demasiadamente racionais e esquecemos inclusive de
manifestar e viver nossas emoções.

Nós, seres humanos modernos, do mundo ocidental, vivemos numa cultura que
desvaloriza as emoções em favor da razão e da racionalidade. Em conseqüência,
tornamo-nos culturalmente limitados para os fundamentos biológicos da condição
humana. Valorizar a razão e a racionalidade como expressões básicas da existência
humana é positivo, mas desvalorizar as emoções – que também são expressões
fundamentais dessa mesma existência, não o é (MATURANA; ZÖLLER, 2004, p.
221).

Muitas das acadêmicas envolvidas nessa pesquisa têm noção do quanto esses fatores
afetam a vida de nossas crianças e, por isso, encaram as práticas humanizadoras como peças-
chave para a preservação da vida. De fato, a educação não pode mais limitar-se à mera
transmissão de conteúdos; não pode ignorar essas tantas crianças e esses tantos adolescentes
que vivem sem perspectivas. Por isso, o interesse do educador pelos educandos deve ser
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primeiramente humano; deve estabelecer laços de amizade, de afeto, de confiança e


dialogicidade. Afinal, o processo educativo não tem meios de acontecer sem a criação desses
vínculos entre professor e aluno, pois, segundo Arroyo (2004, p. 58),

os processos de desumanização a que são submetidos desde a infância levam à perda


de horizontes, à perda da vontade de ir além de seus limites. A vontade de ir além
como sonho que deveria ser de toda criança, jovem e adulto. Sonhos triturados e
abandonados pelas necessidades permanentes da sobrevivência.

Esta é realmente uma preocupação coerente se analisarmos os processos


desintegradores e desumanizadores pelos quais a sociedade e, com ela, a vida humana tem
passado. Nós, adultos, fomos preparados enquanto crianças para viver em um tipo de
sociedade; hoje a situação se modificou e a sociedade é outra; a vida é outra. E diante de
tantas mudanças um desafio vem sendo colocado aos educadores: formar as gentes que
constituirão o futuro. Acontece que a preocupação de grande parte das escolas e universidades
não está centrada na formação de gentes; está centrada mais na preparação para o mercado de
trabalho, como mencionou uma das acadêmicas. Fazemos parte, sim, de um mundo capitalista
que visa apenas o rendimento, o lucro; apenas a razão em lugar da vida, da emoção, dos
sentimentos, que é o que faz com que nos movamos no mundo. Mas até quando vamos
continuar nos despreocupando com a vida?
Freire (2007, p. 90), nesse sentido, bem nos lembra que “existir, humanamente, é
pronunciar o mundo, é modificá-lo. O mundo pronunciado, por sua vez, se volta
problematizado aos sujeitos pronunciantes, a exigir deles novo pronunciar”. O autor nos
lembra que transformamos o mundo através da palavra, do diálogo, e que esta não se
apresenta então como privilégio de poucos. A seguir, ao apontar para a situação
desumanizante na qual muitas gentes ainda vivem no mundo, o autor prioriza: “é preciso
primeiro que, os que assim se encontram negados no direito primordial de dizer a palavra,
reconquistem esse direito, proibindo que este assalto desumanizador continue” (ibidem, p.
90).
Compreende-se, assim, que a transformação de qualquer realidade se dá através do
diálogo, através do direito de cada um dizer a sua palavra (FREIRE, 2007). Vivemos em um
contexto de total desumanização, numa sociedade em que o poder está centrado na mão de
poucos, e se esta situação continuar perdurando, o futuro da humanidade estará fracassado por
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completo. Freire (2007), também nos relembra que ninguém educa ninguém, mas que
aprendemos uns com os outros mediatizados pelo mundo. Por isso, cabe ao professor,
formador dessas gentes, desses tantos desumanizados, buscar através de uma educação
dialógica e, portanto, humanizadora, resgatar os valores humanos e permitir que a escola não
seja um lugar a mais de desumanização...

Considerações finais

A partir dessas considerações, percebeu-se uma multiplicidade de visões acerca do que


as acadêmicas dos Cursos de Pedagogia acreditam que encontrarão quando saírem de seus
cursos de formação. Todas apontam para a diversidade de desafios, tanto no que se refere às
instituições nas quais poderão atuar, como também em relação aos educandos com os quais
futuramente partilharão processos de humanização por meio dos processos de ensino-
aprendizagem.
Cabe aqui reconhecer que uma educação humanizadora é aquela que se preocupa
primeiramente com a formação de gentes; para isso, enfrenta todos os desafios necessários à
humanização. Este é o horizonte de todo professor humanizador; este desafio, o maior de
todos, o de ser humanizador em primeiro lugar, o de compreender que lidamos com gente,
precisa ser assumido pelos futuros formadores e lembrado com mais freqüência pelos seus
cursos de formação inicial.
Pode-se constatar que algumas acadêmicas falam de seus cursos de forma positiva,
afirmando, ao lado da importância da prática humanizadora, que tal reflexão foi proposta nos
mesmos, enquanto outras afirmam que necessitavam bem mais e que pouco viram sobre a
proposta de educação humanizadora durante sua formação inicial. Acabavam por demonstrar
certa indignação pelo fato de sentirem-se tão despreparadas.
De modo geral, constatou-se que ambos os cursos trouxeram essas questões da
humanização enquanto parte do processo formativo, mesmo que com propostas diferenciadas.
Muitas acadêmicas afirmavam e argumentavam sobre; porém, outras faziam suas colocações,
mas com pouca sustentação em seus argumentos, o que aponta para a necessidade de maior
discussão e relação teórica e prática.
Pode-se concluir, portanto, que em alguns cursos pouco ainda se discute acerca de
uma perspectiva de educação tão necessária em nossa atualidade; mas que, apesar disso, a
realidade está aí, e os cursos de formação de professores estão sendo desafiados a romper com
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certos paradigmas e práticas e ir (re)construindo saberes e fazeres com os quais os futuros


professores aprendam a enfrentar os desafios da profissão.
Nas palavras de Arroyo (2004, p. 59),

como ensinar-aprender a ser humanos os desumanizados? Começar por equacionar


pedagogicamente os limites, as possibilidades vividas pelos educandos que temos,
não que sonhamos e gostaríamos de ter. Se esses limites raiam as fronteiras da
desumanização, entender que a primeira tarefa da escola e nossa tarefa é que o
pouco tempo de escola não seja uma experiência a mais de desumanização, de
trituração de suas esperanças roubadas de chegar a ser alguém. A escola pode ser
menos desumanizadora do que a rua, a moradia, a fome, a violência, o trabalho
forçado, mas reconheçamos, ainda, as estruturas, rituais, normas, disciplinas,
reprovações e repetências na escola são desumanizadores.

A busca por uma educação humanizadora somente se consolidará no momento em que


entendermos que a ação educativa não se realiza em sua totalidade sem a presença do domínio
afetivo. Humanizar deve ser o objetivo primeiro da escola se quisermos construir um futuro
mais digno para essas tantas crianças que hoje vivem sem infância. Não há outra forma de se
fazer do mundo um lugar melhor pra se viver se não apostarmos na educação. E essa aposta
deve partir de nós, educadores conscientes de nosso papel humano, conscientes de que nossa
docência é uma humana docência (ARROYO, 2004).

REFERÊNCIAS

ARROYO, Miguel G. Ofício de Mestre: imagens e auto-imagens. 7. ed. Petrópolis, Rio de


Janeiro: Vozes, 2004.

AZAMBUJA, Guacira; BALD, Rosane. Formação docente e identidade: questões de nosso


tempo! In: AZAMBUJA, G. (org.). Atualidades e Diversidades na Formação de
Professores. Santa Maria: Ed. Da UFSM, 2007.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa. 31. ed.
São Paulo: Paz e Terra, 2005.

_____. Pedagogia da Esperança. Um reencontro com a pedagogia do Oprimido. 8. ed. Rio


de Janeiro: Paz e Terra, 2001.

_____. Pedagogia do Oprimido. 46. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2007.
7349

_____. Professora Sim, Tia Não: Cartas a quem ousa ensinar. 11. ed. São Paulo: Olho
d'Água, 2002.

HENZ, Celso Ilgo. Razão-emoção crítico-reflexiva: um desafio permanente na capacitação


de professores. 2003. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal do Rio Grande
do Sul, Porto Alegre, 2003.

MATURANA, Humberto; REZEPKA, Sima Nisis de. Formação Humana e Capacitação.


Tradução: Jaime A. Clasen. 3. ed. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2002.

SAMPAIO, Dulce Moreira. A pedagogia do Ser: educação dos sentimentos e dos valores
humanos. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2004.

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