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CADERNOS DO IPAC, 6

PATRIMÔNIO OFÍCIO DE VAQUEIRO

A palavra patrimônio vem de pater, que, em latim, A coleção intitulada Cadernos do IPAC é o resultado
significa pai. Patrimônio é a herança deixada para a de uma parceria firmada entre o Instituto do Pa-
família e/ou para cidade, que poderá ser de origem trimônio Artístico e Cultural da Bahia e a Fundação
cultural ou natural. Pedro Calmon, autarquias vinculadas à Secretaria de
Cultura da Bahia.
Patrimônios culturais são os elementos criados
pelo homem e apropriados e legitimados pela socie- O projeto teve início em 2010, com a publicação do
dade que contam a história de um lugar, que fazem Cadernos do IPAC, 1 – Pano da Costa, resultado do tra-
referências às tradições e à maneira de ser de um OFÍCIO DE VAQUEIRO balho executado pela equipe técnica do Instituto em
povo, podendo ser material ou imaterial. 1984. Um exercício de resgate da memória da institu-
ição criada com o objetivo de preservar o patrimônio

Ofício de Vaqueiro
Os materiais são os bens construídos chamados de cultural baiano.
imóveis (casas, sobrados, palácios, fortificações etc.),
também são aqueles como as obras de arte, coleções, Dando prosseguimento ao projeto, os volumes 2
objetos religiosos, peças de artesanato etc., que po- – Festa da Boa Morte, 3 – Carnaval de Maragojipe, 4 –
dem ser deslocados e são chamados de bens móveis Desfile de Afoxés e 5 – Festa de Santa Bárbara são edições
ou integrados. dos dossiês elaborados para registro oficial pelo Go-
verno do Estado da Bahia de bens culturais imate-
Os bens imateriais ou intangíveis são as formas riais. Alguns incluem vídeo-documentário.
tradicionais de expressão e do fazer de um povo. Es-
tão presentes nas manifestações culturais populares, Com a nova estruturação do IPAC, a produção
assim como na maneira de produzir determinados desse projeto Cadernos do IPAC será ampliada com
objetos ou alimentos, por exemplo. a perspectiva de publicações que retratem, além de
pesquisas da instituição, o patrimônio cultural salva-
Já o patrimônio natural é o conjunto de todas as guardado no âmbito material e imaterial, dentro da
riquezas construídas pela natureza, como rios, lagos, principal finalidade do Instituto, que é a produção, a
cachoeiras, florestas etc., que configuram nossas preservação e a divulgação de bens da Bahia.
paisagens e enriquecem nosso meio ambiente.
Temos ainda os bens de natureza arqueológica, que
são grutas, pinturas rupestres e outras ocorrências.

Paulo Nunes
Arquiteto

Ofício de Vaqueiro
CADERNOS DO IPAC, 6

INSTITUTO DO PATRIMÔNIO
FUNDAÇÃO PEDRO CALMON ARTÍSTICO E CULTURAL DA BAHIA
Ofício de Vaqueiro

Salvador - Bahia
2013
GOVERNO DO ESTADO DA BAHIA
Jaques Wagner

SECRETARIA DE CULTURA
Antonio Albino Canelas Rubim

DIRETORIA GERAL - IPAC


Frederico A.R.C. Mendonça

DIRETORIA DE PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL - IPAC


Elisabete Gándara

GERÊNCIA DE PATRIMONIO IMATERIAL - IPAC


Antonio Roberto Pellegrino Filho

INSTITUTO DO PATRIMÔNIO
FUNDAÇÃO PEDRO CALMON ARTÍSTICO E CULTURAL DA BAHIA
PESQUISA PARA O DOSSIÊ
Mateus Torres Barbosa - Coordenador Geral
Cleber Reis
Ednalva Queiroz
Lygia Maria Alcântara Wanderley
Nívea Alves dos Santos
Sônia Maria de Couto Jonas
Washington Queiroz

FOTOGRAFIAS
Elias Mascarenhas
Lázaro Menezes
Oficina de Fotografia de Barra dos Negros - Morro de Chapéu

ICONOGRAFIA
Acervo do IPAC

PROJETO GRÁFICO
Paulo Veiga

PROJETO GRÁFICO E EDITORAÇÃO


Helder V. Florentino

INFOGRAFIA
Adriel Figueredo da Silva (estagiário)

EDIÇÂO
Carla Bahia

REVISÃO
Carla Bahia
Claudionor Batista Junior
Kelly Lima

IMPRESSÃO E ACABAMENTO
Empresa Qualigraf – Serviços Gráficos e Editora Ltda.

B135o Bahia. Secretaria de Cultura. Instituto do Patrimônio Artístico e


Cultural da Bahia
Ofício de vaqueiro / Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia. - - imp.
rev. - - Salvador: Secretaria de Cultura do Estado da Bahia, 2013.
94 p. : il. - (Cadernos do IPAC, 6)
ISBN: 9788561458614

1. Trabalhadores rurais. 2. Vaqueiros. 3. Aspectos sociais.


4. Bahia. 5. História. I. Título.

CDD: 305.563
Sumário
APRESENTAÇÃO

13. INTRODUÇÃO E METODOLOGIA


Ednalva Queiroz

19. O DESENVOLVIMENTO DA PECUÁRIA NO SERTÃO BAIANO


Nívea Alves dos Santos

27. D´ÁVILA, O PIONEIRO DA PECUÁRIA NO BRASIL


Lygia Maria Alcântara Wanderley
Sônia Maria de Couto Jonas

39. REPRESENTAÇÕES SIMBÓLICAS


Washington Queiroz

41. COTIDIANO E O OFÍCIO DE VAQUEIRO


Washington Queiroz

45. O VAQUEIRO E O REGISTRO DO OFÍCIO


Antonio Roberto Pellegrino Filho

49. PARECER TÉCNICO


Mateus Torres Barbosa

54. PARECER DO CONSELHO ESTADUAL DE CULTURA

63. DECRETO Nº 13.150/2011

65. DEPOIMENTOS, VERSOS E ABOIOS DOS VAQUEIROS

89. ANEXOS

92. REFERÊNCIAS
Apresentação

A Coleção Cadernos do IPAC, série de publicações que o Instituto do Patrimônio


Artístico e Cultural da Bahia (IPAC) vem editando desde 2009, apresenta seu 6º
volume, referente ao Ofício de Vaqueiro.

O tema Vaqueiro começou a ser estudado, escrito e pesquisado na década de


1980, quando técnicos do IPAC, coordenados pelo antropólogo Washington
Queiroz, adentrando os sertões da Bahia, entrevistaram, fotografaram e viven-
ciaram as histórias e estórias do cotidiano desses bravos homens que, embrenha-
dos no território baiano, ajudaram a formar povoados, vilas e cidades.

O Caderno 6, baseado no dossiê do primeiro registro de um ofício como Pa-


trimônio Imaterial da Bahia, o Ofício de Vaqueiro, apresenta este trabalho desen-
volvido na década de 1980, acrescido da pesquisa realizada em 2010 pela antiga
Gerência de Pesquisa, Legislação Patrimonial e Patrimônio Intangível (GEPEL)
do Instituto, atual Gerência de Patrimônio Imaterial (GEIMA).

Essa mesma pesquisa desenvolvida pelo IPAC na década de 1980 possibilitou


a edição de dois volumes anteriormente publicados pelo IPAC, intitulados:
Histórias de Vaqueiros – vivências e mitologia, Volume 1, de 1987, e Volume 2,
de 1988.

Apesar do IPAC, na época, reconhecer uma expressão cultural do imaterial, só em


2003 foi assinada a Lei Estadual 8.895, regulamentada pelo Decreto 10.039/06,
que cria o Registro, amparo legal e administrativo, para o reconhecimento oficial
de um bem como Patrimônio Imaterial.

Com a nova estrutura organizacional, implantada em 2011, o IPAC pretende


atualizar e incrementar sua atuação na preservação do patrimônio, criando
metodologia, parâmetros e diretrizes para a proteção dos bens culturais do Es-
tado. A edição deste conjunto de cadernos busca a divulgação e o conhecimento
democrático dos bens reconhecidos pela coletividade e salvaguardados pelo Es-
tado.

Aqui é oferecida ao público em geral, a estudiosos e a aficionados pelo tema uma


publicação única que apresenta textos técnicos apaixonados, versos e aboios,
onde, mais do que tudo, são mostrados os saberes e modos de fazer destes ho-
mens especiais da construção histórica e da diversidade cultural formadora do
povo e do território da Bahia.

O próprio vaqueiro conta sua história, através dos aboios aqui transcritos, da
mesma forma como são falados, com a liberdade poética necessária para o co-
nhecimento desta sabedoria popular.

O Oficio de Vaqueiro, reconhecido como Patrimônio da Bahia, constitui impor-


tante marco cultural a ser preservado com suas nuances para as gerações futuras.
11
12
Introdução e Metodologia
* Ednalva Queiroz

Pensar no ofício do vaqueiro impõe a necessidade de entendê-lo a partir das


relações que estabelece, o vaqueiro, com o patrão e com seus pares; com seu
ambiente – a caatinga –, quase sempre hostil e incerto; ao lidar com o boi arisco,
criado solto e desacostumado com o homem.

A lida com o gado é a constante em um mundo de incertezas. Vigiar o gado e


juntá-lo para ferrar, para a venda, castração, apartação e cuidados, são trabalhos
duros, penosos, que a caatinga, com unhas-de-gato1 que agarram o animal, com
quiabentos e rasga-gibão, cipós que se inliam2 ao cavalo, trocêras3 que são armadilhas
para os pés, encarrega-se de dificultar. A paga, em geral, pequena, embora maior
que a dos demais agregados da fazenda, é uma compensação para os muitos ris-
cos que o vaqueiro corre. A outra é a fama e a glória que advêm de sua destreza
e talento.

“Trabalho em pecuária alongada além de incerto, aventuroso e a cada dia e


estação sujeitar o trabalhador a uma quantidade de riscos, exigia destreza e
treino. Gado criado solto embrabecia; então o vaqueiro devia dominar um
serviço que exigia anos de adestramento: laçar gado bravo, domar animais
de sela, amansar vacas de leite, dar campo em mangas sem fecho, colocar

* Historiadora.
1
As expressões e nomes de plantas foram utilizados tal como se apresentam nas publicações da série Historias de
Vaqueiros: vivências e mitologia; coord. Washington Queiroz. Salvador: IPAC, 1998.

2
Variação popular para enlear; emaranhar, atar, ligar.

3
Variação popular para touceira; de touça; arranjo de vegetais no solo, que ali permanecem após corte do caule.

13
em boiada gado arribado que passava às vezes meses ou anos sem ver cur-
ral; era um serviço especializado.”4 (RIBEIRO, 1998)

Não foi por acaso que a arte do vaqueiro tornou-se a mais famosa de todas
as ocupações do campo e sua lenda “se esparrama pelo imaginário [do meio
rural]. Visto na memória do fazendeiro, na lembrança do agregado, nos casos
contados nas antigas zonas de pecuária, o vaqueiro se agiganta, transforma-se
no maior dos personagens” (RIBEIRO, 1998). De certa forma, é essa a maior
recompensa: ter seu nome conhecido por toda e quarqué puguinha. É só perguntá.
(QUEIROZ, 1998)

O ofício de vaqueiro é uma arte. Exige apuro técnico, conhecimento, habilidade


e criatividade. Envolve uma infinidade de aspectos. Implica em conhecimentos
dos mais variados – sobre o ambiente, a lida com o gado – e implica também
na construção de um imaginário que o diferencia dos demais ofícios ligados ao
sertão. É uma atividade complexa e peculiar e suas correlações vão muito além
do âmbito do trabalho.

Este estudo sobre o Ofício de Vaqueiro parte das premissas de que o bem cul-
tural, como todo signo, exige um suporte físico – dimensão material que serve
de base para a comunicação; uma estrutura simbólica que dá sentido e se esta-
belece na prática dos sujeitos capazes de atuar segundo certos códigos –, e que
o bem de natureza imaterial ou intangível caracteriza-se, segundo a Constituição
Brasileira, como uma “referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes
grupos formadores da sociedade”.4

Com base na solicitação feita ao Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural


da Bahia (IPAC), em 03 de maio de 2010, pelo antropólogo e estudioso dos
vaqueiros da Bahia, Washington Queiroz, conselheiro titular do Conselho Es-
tadual de Cultura da Bahia, foi dado início ao processo de Registro do Ofício
de Vaqueiro como bem cultural que confere uma identidade singular à Bahia.

Para isso, foi elaborado, pela equipe técnica da Gerência de Pesquisa, Legisla-
ção Patrimonial e Patrimônio Intangível (GEPEL) do IPAC, à época5, parecer

4
Constituição da Republica Federativa do Brasil, Cap. III, Secção II, Art216

14
favorável, após análises e pesquisas, à inclusão desta manifestação cultural no
Livro Especial de Registro de Saberes e Fazeres, como reconhecimento pela
sua importância e pela necessidade de salvaguardar e preservar uma singular
forma de trabalho, determinante para a criação do território baiano, nordes-
tino e brasileiro. Característica do ambiente sertanejo e que se constitui como
um dos mais significativos símbolos nacionais, o Ofício de Vaqueiro é uma das
profissões mais antigas do país – remonta ao início da criação extensiva de gado
– nascida no século XVI, quando Portugal ordenou o afastamento do gado da
orla da então província, em carta de 18 de junho de 1551 do governador Tomé
de Souza ao rei6.

A investigação decorrente do processo de registro como patrimônio solicitado


ao IPAC, foi desenvolvida utilizando o método de pesquisa qualitativa, conside-
rando a existência de um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a sub-
jetividade do indivíduo que não pode ser traduzido em números. A pesquisa
caracteriza-se pela utilização de um conjunto de diferentes técnicas que permiti-
ram a interpretação dos fenômenos, a atribuição de significados e possibilitaram
descrever e decodificar os componentes que dão sentido ao objeto estudado,
facilitando o emprego de uma lógica empírica e a definição e dimensionamento
do campo de trabalho.

Um recorte temporal foi estabelecido a partir de entrevistas com vaqueiros, pu-


blicado pelo Instituto em 1997 e 1998, que estabelecem um recorte espacial que
vai de meados do século XVI aos nossos dias – e que engloba áreas diversas de
todo o território do Estado da Bahia, com exceção da sua faixa litorânea. A com-
plementação desse material deu-se a partir de entrevistas com vaqueiros atuais,
através de material de pesquisa de obras inéditas, o que permitiu identificar as
modificações na lida do vaqueiro ao longo das últimas décadas, provenientes, em
grande parte, da introdução de um novo modelo de pecuária que se caracteriza
pelo confinamento do gado, pelo estabelecimento de novas relações de trabalho

5
Hoje, substituída pela Gerência de Patrimônio Imaterial (GEIMA)
6
“Este anno veo a esta cidade a caravela Galega de V. A. com gado vacum que he a mayor nobreza e ffartura que pode
aver nestas partes e eu a mandy tornar a carregar a Cado Verde do mesmo gado.” LAMARTINE, Oswaldo de. apud
QUEIROZ, Washington. Bahia e Vaqueiros: Um Débito. Com os vaqueiros, saindo do Castelo da Torre em Tatuapara
e convergindo para os campos do Jacuípe e das Itapororocas, tem início o nascimento de Feira de Santana, do estado da
Bahia e do Nordeste do Brasil – a conquista do território, civilização vaqueira e patrimônio cultural, 2009). Obs.: Artigo
inédito cedido pelo autor.

15
e pela adoção de novas técnicas e insumos. Esse novo modelo marca o fim do
ciclo do vaqueiro heróico e lendário e é bem ilustrado na chula de Zé Avelino e
Isidoro, da Lagoa de Dionísio, em Seabra:

Fazendêro de hoje em dia


Só nigucêa cum banco
É comprano chuçai novo
P’abotá in gado branco
Fiscalo num sai da porta
Vaquêro num sai do campo
Quan’o gado vai bebê
Chucai novo vai batê
Eu sô do banco, eu sô do banco 7

Considerando a historicidade inerente ao objeto de estudo, a pesquisa docu-


mental e os relatos constituíram-se em elementos fundamentais para a análise
e interpretação. Neste caso, considera-se que a linguagem utilizada foi um ele-
mento importante para a construção de um saber rico e capaz de guardar traços
culturais característicos, repleto de abordagens que se relacionam com a história,
a tradição oral e as práticas culturais. O processo de pesquisa compreendeu as
seguintes fases:

• Coleta documental (fotografias, publicações, etc.);


• Levantamento bibliográfico;
• Entrevistas para registro de histórias de vida e observação participante.

A coleta documental atual foi realizada no período de maio a outubro de


2010. Para elaboração deste dossiê, os pesquisadores valeram-se de um refe-
rencial histórico, simbólico e documental, através de entrevistas realizadas com
vaqueiros de diversos municípios do estado, levantadas a partir do referencial
bibliográfico, além da interlocução dos sujeitos envolvidos e pesquisadores so-
bre o tema, detalhando ambientes e fatos, para obtenção de dados que justificam
a importância do registro e salvaguarda do Ofício de Vaqueiro.

7
Material recolhido por Piau Novais em 1979, em gravação de fita cassete.

16
17
18
O Desenvolvimento da
Pecuária no Sertão Baiano
* Nívea Alves dos Santos

A partir da segunda metade do século XVI, quando da efetivação da política de


povoamento implantada por Portugal, o litoral nordestino da então colônia – o
Brasil – tornou-se área de produção de gêneros agrícolas exportáveis, sendo o
plantio da cana-de-açúcar, o mastro condutor do desenvolvimento econômico
da região.

Na Bahia, o núcleo econômico dinamizou-se, concentrando-se na Baía de To-


dos-os-Santos e no Recôncavo, onde, no seu vasto território, foi implantado o
cultivo dos canaviais e prósperos engenhos de açúcar. Alguns fatores, como o
clima, o tipo de solo e a facilidade de transporte, auxiliaram na definição dessas
áreas litorâneas para o plantio e escoamento do açúcar produzido nos engenhos
dessa região.

Em 1553, o primeiro governador-geral do Brasil, Tomé de Sousa, recebeu da


Coroa Portuguesa uma sesmaria com seis léguas, ao longo da costa da Capitania
da Bahia. Por tratar-se de uma área extensa, transferiu-a para o então compa-
nheiro de viagem, o almoxarife da fazenda, Garcia d’Ávila. Este passou a dedi-
car-se à criação de gado e à expansão de um dos maiores latifúndios em terras
brasileiras (DANTAS, 2000, p. 10).

* Antropóloga.

19
Ao ocuparem o território, os colonizadores observaram que havia a necessidade
de introduzir animais domésticos como bovinos, caprinos, ovinos e suínos, pois
serviam como fonte de alimentação e instrumento de trabalho. No entanto, a in-
compatibilidade entre a agricultura e a pecuária revelou-se, à medida que os ani-
mais invadiam os espaços das plantações, causando danos e prejuízos re-levantes
para a economia.

Diante dessa situação, o governador Tomé de Sousa “determinou que os cria-


dores localizassem seus rebanhos a dez léguas (60 quilômetros) de Salvador,
onde os animais podiam pastar em campos abertos ” (LOPES, 1997, p. 8).

Seguindo as determinações do governo geral, os pecuaristas impeliram o des-


bravamento do interior, invadindo e ocupando as terras indígenas. Mesmo que
o objeto maior tenha sido a busca pela descoberta de ouro e pedras preciosas,
desse fato – a busca por novas pastagens – resultou o avanço pelo interior da
Bahia e do Nordeste.

Somente a partir de meados do século XVI, o interior conheceu a efetiva ex-


ploração do seu território. A resistência dos indígenas e o difícil acesso foram
fatores que dificultaram, a princípio, o empreendimento de ocupação do interior.

A primeira incursão de que se tem notícia no sertão baiano aconteceu em 1553,


por Francisco Buzza de Spinosa. A expedição por ele comandada tinha como
objetivo localizar minas em terras sertanejas que, no decorrer do tempo, foram
aprimoradas, atingindo, a princípios do século XVIII, seu pleno desenvolvi-
mento.

Ainda em finais do século XVI, uma expedição comandada por Cristóvão Bar-
ros conquistou toda a costa sergipana. Diversos criadores de gado subiram em
direção ao Vale do Rio São Francisco, para além da Cachoeira de Paulo Afonso,
enquanto outros criadores seguiam rumo aos rios Vasa Barris, Itapicuru e Para-
guaçu, transpondo as terras da Chapada Diamantina, atingindo, por fim, o Rio
São Francisco.

Em 1624, Francisco Dias d’Ávila recebe um alvará que lhe concedia privilégio de
devassar os sertões fora da autoridade dos governadores. Ao penetrar o sertão,

20
atingiu as terras onde atualmente estão localizadas as cidades de Jacobina, Je-
remoabo e Juazeiro. Como pecuarista, vislumbrou a adequação da região do Rio
do Salitre para a criação de gado, pelas condições climáticas, a vegetação rasteira
e a facilidade de encontrar água no subsolo.

Duas regiões podem ser consideradas zonas de desenvolvimento da pecuária: a


primeira, Olinda, de onde se expandia para Pernambuco e Paraíba, chegando aos
atuais estados do Piauí e Maranhão. A segunda, Salvador, na Bahia, que se expan-
dia para o Norte pelo litoral até próximo à fronteira do atual Estado de Sergipe.

“A Bahia e Pernambuco, que se configuravam como as mais prósperas


capitanias instituídas pelos portugueses, graças à produção de açúcar, rece-
biam atenção especial. No início do século XVIII, por exemplo, a Capita-
nia da Bahia era dividida em quatro comarcas: Bahia, Recôncavo, Sertão
de Baixo e Sertão de Cima. O limite setentrional era a barra do Rio São
Francisco, o meridional a Capitania do Espírito Santo e a Oeste, os limites
da Capitania de Minas Gerais e Goiás” (TAVARES, 1974, p.54).

Após a morte de Francisco Dias d’Ávila, seu irmão Garcia d’Ávila, um dos
maiores latifundiários do país, foi responsável pelo desbravamento das terras
que seguiam para o Norte. Em torno de 1646, construiu próxima à Província
de Sergipe, uma casa-forte para sede de sua fazenda, que ficou conhecida como
Casa da Torre1.

De acordo com o historiador Luís Henrique Dias Tavares, a ocupação do ter-


ritório da Bahia deu-se de forma lenta, a partir de um processo de conquista,
posse e povoamento que enfrentou obstáculos naturais, rios, matas e serras e a
resistência dos povos Tupi, Jê e Kariri (TAVARES, 2008).

“A distribuição de sesmarias e a conseqüente expansão das boiadas não


eram as únicas responsáveis pela incorporação do vasto sertão baiano.
Os jesuítas continuavam, então, seu trabalho de catequese indígena, man-
dando missionários para aquelas bandas. A primeira aldeia fundada na
vasta bacia do Itapicuru foi a de Massacará, em 1639, reunindo os índios
cariris”. (DANTAS, 2000, p. 12)
1
Localizado no município de Mata de São João, em Praia do Forte, a 80 km ao norte de Salvador, o Castelo da Torre de
Garcia d’Ávila integrava um conjunto residencial-militar, compreendido por castelo, torre e anexos: O Forte de Garcia
d’Ávila, o Porto do Açu da Torre sua adjacência, delimitadas através de instrumento do tombamento datado de 1938
e sua extensão posterior de 1977. O castelo foi principal sede da Casa da Torre de Garcia d’Ávila, onde se sucederam
dez gerações por três séculos.

21
A intervenção territorial praticada pelos colonizadores é a principal responsável
pela dizimação dos “negros da terra”, seja através dos enfrentamentos em cam-
pos de batalha, por contágio de doenças ou através da catequização efetiva dos
missionários que, “imbuídos do poder salvacionista da alma do ‘gentio bárba-
ro’, acabaram por acelerar o processo de desintegração de suas comunidades”
(SOUZA, 2011, p. 28-29).

“Ao Governo Geral cabia também a responsabilidade de promover o


combate às tribos indígenas que resistiam ao avanço colonizador; [...] O
enfrentamento e derrota dos aborígenes apareciam como uma condição
necessária para a concretização de tal objetivo. Relatos de confrontos san-
grentos, com a captura de índios para o trabalho escravo, extermínio de
imensos contingentes de nativos, assim como a morte de tantos outros
colonos preenchem as páginas da história desse período [...]” (SOUZA,
2001, p. 26).

Em 1711, o sertão baiano já possuía mais de quinhentos currais (ANDRADE,


1982). Em princípio, o desenvolvimento da pecuária deu-se devido à grande
demanda por carne nas regiões do plantio da cana-de-açúcar, em consequência
do sumiço dos animais de caça, na utilização dos bois, cavalos e burros como
meio de transporte e escoamento do açúcar para os portos e tração na moagem
da cana.

A historiadora Kátia Mattoso nos informa que o Recôncavo e o Agreste sempre


foram as regiões mais bem servidas de vias de comunicação, pois, durante muito
tempo, serviram como passagem de boiadas e tropas de mulas, além de serem as
únicas vias de ligação entre a capital e os sertões afastados dos rios (MATTOSO,
1922).

No século XVII, foram notados os primeiros sinais de estagnação do sistema


de Capitanias Hereditárias. A partir daí, o semiárido baiano viveu um “rearranjo
em sua estrutura fundiária, resultante pela ocupação das terras a oeste para a
pecuária extensiva, oferecendo alimentos e matéria-prima para a manutenção
dos grandes latifúndios produtores de açúcar no Recôncavo” (POMPONET,
2002).

O transporte do gado pelo sertão era feito pelos vaqueiros, em longas cavalga-

22
das, sendo necessário uma infraestrutura que comportasse o gado e seus condu-
tores. Desse modo, a partir do pouso e da criação dos primeiros currais, várias
fazendas foram surgindo pelo percurso, que serviam de ponto de apoio pelos
“tangedores de boiadas” ou boiadeiros (MATTOSO, 1922, p.63). Os vaqueiros
foram desbravadores e os maiores responsáveis pela fixação do homem no ter-
ritório baiano.

Como observa Caio Prado, os núcleos de povoamento desenvolvidos no semi-


árido derivam da ocupação dos espaços para a pecuária que é protagonizada
pelos primeiros vaqueiros,

“A rapidez com que se alastraram as fazendas no sertão nordestino se ex-


plica, de uma parte, pelo consumo crescente do litoral onde se desenvolvia
ativamente a produção açucareira e o povoamento [...] Mas levantada uma
casa, coberta em geral de palha, feitos uns toscos currais e introduzido
o gado (algumas centenas de cabeças), estão ocupadas três léguas e for-
mado um estabelecimento. Dez ou doze homens constituem o pessoal
necessário” (PRADO JUNIOR, 2004, p. 45).

Pode-se perceber, a partir da descrição acima, a fragilidade das instalações ru-


dimentares e sumárias das primeiras casas de vaqueiros e depois, fazendas no
sertão. A estrutura física era composta por casa, currais, o cercado, os couros que
serviam de armaduras para os vaqueiros protegerem-se durante marcha do gado,
a vara de ferro e o ferro para marcar o gado com as iniciais do dono.

Mattoso descreve de modo singular a investida dos boiadeiros pelo sertão e as


adversidades naturais enfrentadas pelos mesmos, durante o percurso:

“Os boiadeiros tocam o gado para o sertão, atravessando taludes e coli-


nas, vastas extensões de terras a centenas de metros de altitudes, imensas
superfícies ondulares esculpidas por ventos circulares e secos. [...] Os boia-
deiros chamam indiferentemente de caatinga ou de sertão todas as regiões
áridas cobertas de arbustos, cuja altura não ultrapassa sete metros de altura
e cujas folhas espinhosas são protegidas por uma espécie de cera e orien-
tadas de maneira a diminuir a incidência dos raios solares. Muitas vezes, as
próprias folhas desses arbustos não passam de grandes espinhos. Assim, o
melhor é vestir-se de couro, das botas ao chapéu para percorrer o sertão”
(MATTOSO, 1922, p.62).

23
O desenvolvimento econômico do semiárido fortaleceu o processo de coloniza-
ção daquela região. A pecuária extensiva diversificou-se com a incorporação de
agregados e meeiros às atividades produtivas. Além da implantação do cultivo
de outras atividades agrícolas para exportação, a exemplo de algodão e fumo.
Contudo, o impacto na economia do sertão foi bastante insignificante, tendo um
desenvolvimento tardio, vislumbrado somente a partir do século XVIII.

Sugere Andrade que, nos domínios da Casa da Torre, localizavam-se os pri-


meiros sítios de povoamento onde esses tangedores tornavam-se arrendatários
dos grandes fazendeiros e os currais eram administrados por esses vaqueiros.
Por vezes, o vaqueiro também administrava a propriedade, distribuindo tarefas
entre os moradores livres e escravos, e era também responsável pelo rebanho,
fazendo a transferência nos períodos secos para outras pastagens em busca de
água. Isso demonstra que, periodicamente, o gado necessitava fazer migrações
das caatingas para a margem dos rios perenes ou para as serras (ANDRADE,
1982).

Celso Furtado (1977) sugere que esse tipo de atividade, a princípio, fora um
fenômeno induzido pela economia açucareira e que possuía pouca rentabilidade.
Em termos percentuais, a renda obtida com a pecuária não excedia cinco por
cento do valor da exportação da cana-de-açúcar e constituía-se a partir da venda
do gado e da exportação do couro. Ressalta que “a população que se ocupava
da atividade criatória era evidentemente muito escassa” (FURTADO, 1977, p.
58). Ao citar Antonil, nos informa da variação do número de currais e cabeças
de gado, estimada em cerca de 650 mil, e a população que vivia dessa atividade
não seria superior a 13 pessoas. O recrutamento dessa mão-de-obra baseava-se
no elemento indígena.

Efetuar a conquista, a ocupação e o povoamento do sertão nordestino não


poupou esforços dos colonizadores no sentido de estabelecer a plena concre-
tização desse feito. Através da exploração mineradora, da criação de gado e da
devastação dos aldeamentos indígenas, a região foi sendo ocupada, atendendo
aos interesses de uma metrópole sedenta de recursos para sua manutenção e de
exploradores em busca de riqueza.

24
Em meados do século XVIII, o sertão nordestino alcança o seu desenvolvi-
mento. A pecuária abastece todos os centros populosos do litoral. O gado é con-
duzido em manadas cruzando regiões inóspitas e de escassez de água (PRADO
JUNIOR, 1979).

Área de atuação do que é chamado de Sertão na Bahia e no Nordeste

Meio-Norte
Sertão
Agreste
Zona da Mata

Fonte: Dossiê de Registro do Ofício de Vaqueiros

25
26
D’Ávila, o Pioneiro da
Pecuária no Brasil
* Lygia Maria Alcântara Wanderley
e Sônia Maria de Couto Jonas

“Enquanto um boi andar pelos sertões ocidentais, sonolento


ou remoendo, perdurará na memória dos brasileiros, a admi-
ração pela figura inolvidável de Garcia D’Ávila – fundador
da casa da Torre, cujos destroços, lembram hoje, um velho
e majestoso poder, recordando na poesia das paisagens nor-
destinas – gerações de heróis que souberam fundá-la e me-
lhor defendê-la”.

Archibaldo Baleeiro

A história da Casa da Torre tem a particularidade de unicidade na história do


Brasil, pois sucessivas gerações da família Ávila, ao longo de dois séculos, des-
bravaram e estenderam os caminhos abertos pelos seus antepassados, constru-
indo um império latifundiário incomensurável com características semelhantes
a um feudo da Idade Média, cujos rendeiros pagavam-lhe o foro e prestavam
vassalagem, inclusive com obrigações militares.

O primeiro, Garcia d’Ávila, aqui chegou em 1549, aos 21 anos de idade, na ar-
mada de Tomé de Sousa, que viera fundar a Cidade do Salvador. Jovem decidido
e corajoso e com capacidade de comando, foi nomeado feitor e almoxarife da
cidade e da alfândega, recebendo 500 réis por mês.

* Historiadoras.

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Com a chegada da caravela Galega, por volta de 1551, foram trazidos lotes de
gado vacum vindos de Cabo Verde, sob encomenda de Tomé de Sousa, que,
como pagamento, determinou que fossem entregues a Garcia d’Ávila, por seus
trabalhos, duas vacas, cada uma avaliada em dois mil réis. Além disso, o gover-
nador-geral doou ao almoxarife uma sesmaria em Itapagipe, onde d’Ávila fizera
seus primeiros currais e instalara duas olarias, que forneciam telha e tijolo para
as construções em Salvador e no Recôncavo.

Continuando a receber cada vez mais gado, Garcia d’Ávila tratou de expandir
sua criação. Ele teve ainda larga porção das sementes de cana-de-açúcar que aqui
chegavam, além de deter, nesse período, grande parte da população de negros
importados para o serviço da lavoura.

Já em novembro do ano de sua chegada, partiu da Vila Velha sobre a linha da


costa, em luta incessante contra os indígenas, expulsando-os de um espaço que
já ambicionava. Ultrapassou o Rio Vermelho, Camarogipe, os campos de Itapuã,
Rio Joanes, indo para além do Jacuípe, descobrindo, nas proximidades da Barra
do Pojuca, uma ampla enseada protegida por arrecifes onde armadas poderiam
ancorar. Contudo, índios tupinambás, já aldeados pelos jesuítas, encontravam-se
no lugar chamado por eles de Tatuapara.

Garcia d’Ávila foi encarregado pelo primeiro governador, que estava preocu-
pado com o problema de segurança da cidade, de erguer um baluarte, ali, para a
vigilância da costa. O almoxarife devia construir “uma torre ou casa-forte” junto
aos engenhos de açúcar e das plantações, cumprindo instruções contidas no
Regimento do Rei D. João III.

Ocupar aquela região era necessário e estratégico para a conquista do Norte


da Capitania da Bahia – pela costa e pelo centro – e para reprimir o escambo
de pau-brasil, algodão, pimenta e outras mercadorias entre os tupinambás e os
franceses. Durante muito tempo, essas trocas tiveram a intermediação de Diogo
Álvares Correia, o Caramuru.

Após dominar os grupos indígenas ali existentes, Garcia d’Ávila escolheu, para
instalar sua base de operações, um cerro isolado, distante dois quilômetros da

28
foz do Rio Pojuca, a cinquenta metros sobre o nível do mar, dando início, então,
à construção da torre, “em taipa e madeira rebocada com cal de marisco”, tal
qual recomendara o mestre de obras Luís Dias. Cercou-a com estacas e a de-
nominou Torre de São Pedro de Rates, nome de uma velha freguesia medieval,
localizada entre o Douro e o Minho, onde o pai de Tomé de Sousa fora prior e
onde, provavelmente, o próprio Garcia d’Ávila teria nascido e vivido.

Com um rebanho de bovinos de mais ou menos 200 cabeças, além de cabras,


porcos e éguas, e já residindo na Casa da Torre, requereu ao governador ses-
marias nos campos de Itapuã, ao longo do mar e para o sertão. Assim, obtivera
doação de uma légua a partir do Rio Vermelho, a começar onde acabava a área
do Conde de Castanheira, e duas outras para o sertão. Tal doação foi concre-
tizada em 19 de junho de 1553 pelo provedor-mor da fazenda e, de acordo com
Moniz Bandeira, esse foi um dos últimos atos do primeiro governador-geral, já
que em 13 de julho do mesmo ano, o rei de Portugal havia nomeado Duarte da
Costa para substituí-lo (BANDEIRA, 2000).

Garcia d’Ávila, contando com força composta por índios pacificados que habita-
vam as vizinhanças de Tatuapara, além de administrar seu próprio gado, cuidava
daquele que Tomé de Sousa possuía enquanto fora governador-geral do Brasil.
Havia comprado ou herdado deste governador 14 léguas de terra que iam até o
Rio Real, além de todo o gado que nela pastava.

Quando Tomé de Sousa deixou o Governo Geral, em 1553, Garcia d’Ávila tinha
24 anos e já havia se tornado um dos homens mais poderosos e ricos da Bahia.
Fornecia a carne de seus currais aos habitantes da cidade e de outros povoados,
além de couro para as roupas dos vaqueiros; supria os engenhos do Recôncavo
de bovinos e muares, fontes de energia para moendas e para todas as máquinas
dos trapiches, que funcionavam por meio de tração animal. Instalara, também,
em Tatuapara, estaleiros para construção de barcos, produzidos sob aproveita-
mento madeiras das matas, além de olarias, a exemplo das de Itapagipe. Além de
tudo, iniciara a pesca de baleia para extração de óleo, bem como a exploração do
âmbar, abundante naquela costa.

29
Família d’Ávila e o maior latifúndio do Brasil

Os investimentos para criação do gado vacum tiveram como principal estimu-


ladora, em uma primeira fase, a produção açucareira, importante consumidora
da força animal. Os engenhos da zona do açúcar, muitas vezes, eram instala-
dos junto a currais cercados, onde eram abrigadas as cabeças de gado utilizadas
no funcionamento da produção canavieira. Ademais, essas criações requeriam
pouca inversão de capital, dispensavam especialização, não demandavam tantos
braços como a cultura e a fabricação açucareira nem exigiam o mesmo esforço
de trabalho a que os indígenas não estavam acostumados.

Apesar dos índios estabelecidos em volta dos currais não impedirem o desen-
volvimento do rebanho dos Ávila, pouco durou esta convivência pacífica. Pelo
inverno de 1555,

“mandaram a Tapoã que são daqui três léguas, informou a 10 de junho


o 2º Governador, D. Duarte da Costa, a tomar as vacas de um Garcia
d’Ávila, criado de Tomé de Sousa, e todo o mais gado que lá acharam, e,
tomaram e flecharam dois ou três vaqueiros” (CALMON, 1983. p. 25).

Entre 1563 e 1609, provavelmente, Garcia d’Ávila, que já fazia parte da go-
vernança da cidade como o vereador mais antigo, construiu, com empenho e
grandes gastos, sua casa, ao estilo medieval dos castelos existentes em Portugal
e na Espanha, em alvenaria e pedras, vindas de Boipeba, ao lado da torre. No
período em que era reconhecido como senhor do maior latifúndio do Brasil e,
também, foreiro do Conde de Castanheira, já não conseguia explorar sua vasta
possessão de terras sozinho. A área estendia-se, ao fim do século XVI, até o Rio
Jacuípe, ao sul, e o Itapicuru, ao norte. Assim, d’Ávila passou a explorar suas
terras, em grande parte, por meio de arrendamento a terceiros e cujo controle
fazia da torre de Tatuapara, através de procuradores. Nesta época, sua criação de
gado da península de Itapagipe já havia sido transferida para a ponta de Itapuã.

Referências bibliográficas informam que, do Joanes a Itapuã – terra do “Con-


selho da Cidade do Salvador” –, a serventia era “para gado”, numa distância de
três léguas, enquanto, até quatro léguas pela terra, “era ocupada com currais de
vacas”. Daí para o sertão, a duas léguas de distância, Garcia d’Ávila possuía uma

30
fazenda com uma ermida de São Francisco. De Itapuã ao Rio Vermelho, toda a
orla marítima estava ocupada com criações de gado vacum.

O acúmulo de posses de Garcia d’Ávila foi apontado por muitos, contemporâ-


neos ou posteriores estudiosos da história do desenvolvimento da Bahia e do
Nordeste. Por exemplo, o padre Fernão Cardim, que, em 1583, foi por terra com
o padre visitador Cristovão de Gouvêa e ficou admirado com as construções que
d’Ávila erguera, como sua residência e atalaia. Teria dito, então: “Homem rico...
que tem tanto gado que não lhe sabe o número” (CALMON, 1983, p. 29). O
Padre José de Anchieta, jesuíta espanhol, por sua vez, referiu-se à Garcia d’Ávila,
em 1584, como “um homem dos mais antigos e principais da terra.”1

Gabriel Soares de Sousa, estudioso do século XVI da história do Brasil, des-


creve, também em 1584, aquele período dizendo

“ter Garcia d’Ávila, que é um dos principais e mais ricos moradores da


cidade do Salvador, uma povoação com grandes edifícios de casas de sua
vivenda e uma igreja de Nossa Senhora da Conceição, muito ornada, toda
de abóbada, em a qual tem um capelão que lhe ministra os sacramentos.
Este Garcia d’Ávila tem toda sua fazenda em criações de vacas e éguas e
terá alguns dez currais por esta terra adiante...” (SOUSA, 1938)

Entretanto, não só os d’Ávila possuíam currais de gado. Os monges do Mosteiro


de São Bento e do Carmo, assim como os religiosos de outras ordens, possuíam
também muitas propriedades das quais extraíam grandes rendimentos. Cerca
de três mil cabeças de gado no vale do Rio São Francisco pertenciam aos be-
neditinos, por volta de 1703, e cerca de 15 mil, ao Colégio dos Jesuítas da Bahia.
O poder espiritual ali foi convertido, de fato, em poder temporal, cuja força de
trabalho indígena, os padres também disputavam para seus engenhos, currais de
gado e outras unidades de produção.

As missões religiosas foram outro fator auxiliar para ocupação do Nordeste ba-
iano, porque reuniam índios catequizados com os quais os padres construíam
capelas e tinham plantações e currais. Tais missões foram combatidas pelos pro-
prietários de terras e, em especial, pelas famílias Ávila e Guedes de Brito, que,

1
IDEM, p. 46.

31
temendo concorrência, proibiram-nas em seus territórios.
Apesar do trabalho da Igreja, os d’Ávila buscavam meios para manter seu
patrimônio e poder sobre latifúndios. Uma maneira encontrada para isso foi a
instituição do vínculo de morgado como dote nos domínios de Tatuapara a fim
de perpetuarem o patrimônio familiar. Posteriormente, sob aprovação do Rei de
Portugal, em 1681, foram doadas à família todas as terras do Rio São Francisco,
a começar da barra do Rio Verde pelo rio abaixo, até o Penedo, assim como as do
outro lado, na serra do Orobó, também pelo rio abaixo até a volta de Casaratá, e
todas as demais áreas que havia pelo rio Pajeú. Ao pesquisar sobre essa história,
o escritor Euclides da Cunha relatou sobre as abusivas concessões de sesmarias
à posse de uma só família, a de Garcia d’Ávila, o que teria levado ao atrito com
as missões jesuíticas.

A sucessão de Garcia d’Ávila passou a preocupá-lo na medida em que envelhecia


e seus herdeiros desapareciam. Um neto, Francisco Dias d’Ávila Caramuru, filho
do segundo casamento de Isabel de Ávila com Diogo Dias, era quem restava.
Ainda muito jovem, o então “1º senhor do Morgado e Casa Real” deu continui-
dade às atividades do seu avô, falecido em 1609, com quase 90 anos. Contou,

32
para tanto, com o apoio do amigo e procurador Manuel Pereira Gago, “gente
honrada de Porto Seguro”, que o apoiou com toda sua experiência e que tratou
de casá-lo com sua filha, Ana Pereira.

Francisco Dias d’Ávila, em 1614, instituiu a feira de Capuame, depois conhecida


por Feira Velha, distante de Salvador cerca de oito a nove léguas, com registro
criado pelo Senado da Câmara, centralizando o comércio de gado da Capitania.
Na época, era o mercado da incipiente pecuária brasileira, cujos rebanhos che-
gavam das pastagens do Rio São Francisco, dos campos de Jacobina, do Sul do
Piauí e do Maranhão. Nesta feira, o gado era vendido como bestas de tração
para os engenhos e fazendas ou abatido para o aproveitamento da carne e a
comercialização do couro. A pecuária, nesse momento, pode ser vista como um
fator de povoamento do interior, sendo cada vez mais crescente sua significação
econômica, social e cultural, em função da intensa procura de gado bovino, equi-
no e muar para a indústria do açúcar.

Em 1621, Francisco d’Ávila estende sua posse de terras com uma nova sesmaria,
a principiar onde acabava a de seu avô, entre os rios Subaúma e Inhambupe. O
Rei Felipe IV da Espanha, em 1624, concedeu-lhe o privilégio para devassar os
sertões fora da autoridade dos governadores para fazer o descobrimento das
minas de prata que seu tio Belchior Dias Moréia dizia possuir. Mesmo não as
descobrindo, localizou, entretanto, as de salitre e obteve permissão para apossar-
se de mais 200 léguas de terra, “desde o Rio São Francisco até o rio da Cachoeira,
as serras de Jacobina e a serra de Loisembá e daí mais 100 léguas para a costa do
mar” (BANDEIRA, 2000)

Continuando o perfil familiar, o filho de Francisco Dias, Garcia d’Ávila 2º, ca-
sado com sua tia Leonor Pereira, pedia, ao seu tempo, sesmarias, aumentando
seus domínios a 100 léguas da costa na clareira das florestas centrais, enquanto
os ricos colonos moíam canas-de-açúcar no Recôncavo. Explorou, também, os
rios Salitre e São Francisco; guerreou com nações indígenas e possuiu patente de
Capitão do Recôncavo.

Convém registrar que a Carta Régia de 18 de Junho de 1551, quando Portugal


ordena o afastamento do gado da orla da Província, e que outras, datadas de

33
1688 e 1701, proibiam a criação de gado a menos de dez léguas da costa. A me-
dida foi adotada para que a criação de currais não competisse com os canaviais
e com os mandiocais que ocupavam as ricas terras propícias para essas culturas,
evitando conflito entre criadores e lavradores. A criação em grande escala só era
rentável nas terras isoladas do sertão.

Esse é o período em que uma personalidade surge como alguém importante para
construção desse império d’Ávila: trata-se do filho de Manuel Pereira Gago e de
Catarina Fogaça, Antonio Pereira, que é de uma das principais famílias baianas.
Ele ordenou-se padre no Colégio da Bahia e passou a residir na Torre, tornando-
se o capelão da Ermida de Nossa Senhora da Conceição.

Enquanto os outros se tornavam negociantes, o padre Antonio, fiel à tradição


da Torre, só queria ser pastor. Esse bandeirante de batina, que, nas palavras de
Pedro Calmon, “fez do boi o seu soldado”, foi o cérebro e o artífice de toda a
política de conquista e expansão da Casa da Torre, inclusive para aposse e ex-
ploração das minas de salitre.

Antonio Pereira obteve, em 1651, toda a terra existente, desde a primeira cacho-
eira no Rio São Francisco e, a partir dela, para baixo, até entestar com terras no
limite de Sergipe com a Bahia. Em 1659, ocupou-se de cuidar de mais léguas de
terra ao Sul do São Francisco, a começar do Rio Salitre, e penetrando o Piauí,
o Ceará e o Maranhão. Com os vaqueiros, homens valentes e habilidosos em
enfrentar os riscos, que se vestiam de couro e moravam em cabanas de sapé, a
tanger e conduzir seus gados, o padre conquistava mais terras que os reis Afon-
sos.

Na conquista de terras pelos d’Ávila, Francisco Dias d’Ávila 2º deu prossegui-


mento à ação do seu pai, realizando muitas expedições pela região dos rios Salitre
e São Francisco, guerreando com inúmeras tribos, aprisionando africanos aqui-
lombados e participando da conquista do território, hoje, do Piauí, recebendo
patente de Capitão-Mor. A larga faixa de terra por ele conquistada estendeu-se
da Bahia ao território do Maranhão.

Garcia d’Ávila Pereira, o 3º, Coronel de Ordenanças e quinto senhor de Tatuapa-

34
ra, era mais inclinado aos seus engenhos de açúcar do que às cavalarias do sertão.
Foi sucedido por Francisco Dias d’Ávila 3º, cujos filhos foram Leonor Pereira
Marinho e Garcia d’Ávila Pereira de Aragão, o último varão da descendência e 7º
e último senhor da dinastia dos Dias d’Ávila.

Não tendo filhos, d’Ávila Pereira de Aragão faz de herdeira a sua sobrinha, Ana
Maria de São José e Aragão, primogênita de Leonor e José Pires de Carvalho
e Albuquerque. Ana Maria casou-se com um primo, José Pires de Carvalho e
Albuquerque, que fora Secretário de Estado e Guerra e senhor dos engenhos
de Cazumbá, Rosário, Passagem, São Miguel e Nossa Senhora da Conceição. A
partir daí, os interesses da Casa da Torre voltaram-se para a economia do açúcar,
relegando a segundo plano a criação de gado, que entrava em decadência no
Nordeste.

Ao longo de três séculos e sucessivas gerações, os senhores da Torre dedicaram-


se às entradas e desbravaram os sertões do Nordeste. A concessão de sesmarias
obtidas apenas legalizou a conquista e a ocupação dos territórios que eles conti-
nuamente efetuaram expandindo sua criação de gado, arrendando sítios e fazen-
das e instituindo um senhorio com poderes político e militar, como um feudo.

No inicio do século XVIII, a zona de criação de gado já se estendia das fron-


teiras setentrionais de Minas Gerais a Goiás, ao Piauí, à Paraíba, aos extremos do
Maranhão e do Ceará, pelo Ocidente e Norte, e às serranias das lavras na Bahia,
a Leste.

Pela cultura da cana-de-açúcar, a Casa da Torre orientou seus interesses, desde


meados do século XVIII, em detrimento da criação de gado, relegado a um
plano secundário. Contudo, uma grave crise afetou a lavoura canavieira, respon-
sável pela imensa riqueza dos senhores de engenho, fazendo com que os d’Ávila
voltassem seu poder para sul, maior mercado da pecuária à época.

Homens rudes e bravos como Garcia d’Ávila, dono da mais opulenta casa-forte
da Colônia e primeiro dos pastores do Nordeste, foram os responsáveis inici-
ais pelo “ciclo do couro”. Depois da Independência do Brasil, extinguiram-se,
quando cessou o regime morgadio, no século XIX, e a época liberal desmem-

35
brou os latifúndios seculares sem proveito das heranças equitativas.
Quando, em 06 de outubro de 1835, entrou em vigor a Lei nº 57, que proibia

36
o estabelecimento de morgados, capelas e outros vínculos, além de extinguir os
existentes, o senhorio sobre as terras conquistadas pertencentes à Casa da Torre
de Garcia d’Ávila foi condenado ao desaparecimento.

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38
Representações Simbólicas
* Washington Queiroz

A figura do vaqueiro está entre um dos mais representativos símbolos do sertão


nordestino e da Bahia, estado que detém o maior território sertanejo da região.
Além do seu corpus mítico encerrado em sua rica tradição oral, dos seus signos
mais notados e reconhecidos, destaca-se a sua vestimenta – sua principal refe-
rência, e todo o arsenal de couro e metal por ele e a partir dele criado.

Ainda sobre o seu traje, um dos mais tradicionais e antigos do país, é preciso
sublinhar que se trata do único traje brasileiro de trabalho em uso que tem quase
a idade do país (e que só é superado pelas indumentárias à base de pinturas e
penas usadas pelos nossos índios) e que ainda pode ser encontrado no sertão.

Quem não participa desse cotidiano, por vezes, depara-se com termos pratica-
mente desconhecidos como: gibão, guarda-peito, perneira, ferrão e chapéu com
barbela e jaleco (ou “jaleque”), que sintetizam e simbolizam o ofício de vaqueiro.
Não se pode perder de vista que o conjunto cavalo com seus arreios, o vaqueiro
vestido com seu traje de trabalho e empunhando um ferrão – e, muitas vezes,
em companhia de um pequeno cachorro – constitui, na história, o conjunto de
maior referencial simbólico da cultura sertaneja.

* Antropólogo.

Fotos feitas no Museu Casa do Sertão, Feira de Santana - BA.

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40
Cotidiano e o
Ofício de Vaqueiro
Washington Queiroz

Como o vaqueiro desenvolve atividades diversas na lida com o gado, não existe
uma rotina fixa. Sua atividade depende da tarefa que vá ou esteja desempenhan-
do e pode ter (e muitas vezes tem) surpresas próprias de quem lida com a vida
animal e com um ambiente hostil.

Mas, de modo geral, comumente, o vaqueiro acorda muito cedo e sai com o
nascer do dia. Após sua primeira refeição, um café da manhã que mais se asse-
melha a um almoço reforçado, ele costuma sair para campear o gado e realizar
suas atividades que podem ser desde a retirada do leite, a condução de uma
boiada, ou a ferra das novas crias, dentre muitas outras, como processar a cura
de animais ou mesmo ajudar uma vaca a ter cria, deslocar a criação em busca da
água nos muitos períodos de seca ou, ainda, fazer o curtimento do couro, con-
sertos dos seus equipamentos, construções de cercas, currais e das suas próprias
casas, etc.

Como zelador e responsável pelo rebanho, o vaqueiro pode desenvolver tarefas


que vão desde o deslocamento da boiada de uma cidade, fazenda, ou mesmo de
um pasto a outro. Tarefa esta que pode levar a uma outra, como por exemplo, ter
que pegar um ‘marruá alevantado’ na caatinga (rês bravia que se aparta da boiada
e tenta fugir). Nesta luta, além de ser necessário dispor da sua veste característica
– chapéu, gibão, peitoral, luvas, perneira e sapato (ou alpercata testeira) – toda
em couro, precisa também do ferrão (ou “guiada” ou pau-de-ferro), facão, uma
taca, serrote e, muitas vezes, punhal, bem como um cavalo preparado e devida-
mente protegido e armado com os seus arreios: sela, peitoral, cabresto, cabeçada,

41
bride (freio), estribos, chicote e esporas.

Do seu instrumental, chama atenção o ferrão – uma lança de ferro incrustada


em uma vara lisa, encerada, de madeira, de cerca de 2,5m, com mais ou me-
nos seis cm de diâmetro –, que serve para intimidar o animal que investe con-
tra o vaqueiro e seu cavalo. Um facão e – já muito pouco usado – um punhal
compõem os outros instrumentos utilizados para defesa e domínio da rês. Um
pequeno serrote, utilizado para aparar os chifres, é acondicionado em bolsos das
perneiras. Para imobilizar o animal e fazer sua condução, são utilizadas cordas e
um careta ou tapa em couro cru.

O vaqueiro é um guerreiro que respeita o animal, ao qual, às vezes, é conferida


uma “alma” ou “espírito”, ou uma natureza humana. Porém, na “luta”, existe
uma ética onde o animal não pode ser maltratado fora do ambiente da dispu-
ta (homem versus animal). E, sempre após as lutas, é comum e obrigatório o
vaqueiro cuidar dos ferimentos do animal para que ele se recupere.

As peças acima indicadas fazem parte do instrumental mais voltado para a luta,
mas outras existem. A tesoura para a tosa, o pente para retirada de espinhos e
para escovar o pelo e as garrafadas, unguentos e simpatias para processar a cura
de bicheiras e outras doenças. Além de agulhas para costurar à pelo o orifício

42
deixado pelos chifres retirados (a mocha) da rês bravia.

Os ferros de ferrar boi – que trazem toda uma simbologia da heráldica do sertão
– são símbolos, geralmente, com as iniciais das assinaturas dos seus proprietários
ou fazendas; são equipamentos que foram muito usados (e ainda hoje o são) na
criação extensiva de gado para identificar a propriedade do gado e impedir roubo
e extravio.

Nas levadas e movimentações da boiada, o vaqueiro se utiliza de um canto la-


muriento com o qual busca se comunicar com o gado. É o aboio, uma marca da
cultura vaqueira que é eivada de melancolia e um traço marcante na musicalidade
do povo sertanejo; tão bem explorado pelo nosso mais autêntico forró nas men-
sagens musicais do mestre Luiz Gonzaga.

A culinária, inicialmente marcada pela farinha com carne seca e rapadura, guar-
dadas e acondicionadas em alforjes ou bornais, nas longas viagens de condução
do gado, ampliou-se e se diversificou como das mais apreciadas do país, tendo
no feijão tropeiro, na carne do sol, no pirão de leite e na manteiga de garrafa
legítimos e apreciados representantes.

Um capítulo muito rico da sua ciência é a medicina criada pelo vaqueiro, que in-
clui fitoterapia e que, junto com rezas, simpatias e garrafadas, foi usada e ainda o
é para debelar males e doenças dos animais e mesmo dos vaqueiros e sua família.
As construções de cercas, as mais diversas – sejam em pedra ou madeira –, cur-
rais e habitações e o uso dos seus espaços constituem rico capítulo ainda por ser
estudado.

Fotos feitas no Museu Casa do Sertão, Feira de Santana - BA.

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O Vaqueiro e o
Registro do Ofício
* Antonio Roberto Pellegrino Filho

Com seu gibão e chapéu de couro, alpercatas, alforjes, surrões e facão sempre
amolado, o vaqueiro é uma figura emblemática do sertão baiano, do nordeste e
de outras regiões do país.

Foi ele o desbravador pioneiro de muitos rincões. Na busca de novos pastos,


bons para criação extensiva de gado vacum, deixou marcas indeléveis sobre a
inóspita caatinga, sobre as matas, agrestes, cerrados, chapadas e planaltos; quem,
montado no seu cavalo arisco e ligeiro, atrás de uma rês desgarrada, foi esguei-
rando-se por entre cipós, unhas-de-gato, rasga-gibão, com pontas de paus peri-
gosamente atravessando o seu caminho, cobrando destreza, coragem e, acima de
tudo, um grande senso de “maestria e argúcia”, como nos fala o antropólogo e
estudioso do universo sertanejo, Washington Queiroz.

É o Ofício de Vaqueiro uma das mais antigas ocupações em solo pátrio (1550).
Essa figura memorável transformou para sempre, social e culturalmente, muitos
recantos de terras do nordeste do Brasil e parte de Minas Gerais, instituindo a
chamada “civilização dos currais” ou “civilização dos couros” ou, ainda, “civi-
lização do pastoreio”. Ele não apenas inovou com técnicas originais de manejo
do gado, mas, também, engendrou toda uma singela culinária, uma indumentária
adaptada às intempéries da vida sertaneja, um jeito próprio de falar, cantando
aboios lamurientos, às vezes, com um humor singularíssimo, no ritmo do toque
do gado.

* Gerente de Patrimônio Imaterial do IPAC.

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Com seus ritos, mitos, ferramentas diversas, músicas, práticas medicinais, esté-
tica e moral própria, o vaqueiro contribuiu decisivamente para fixar os homens
no interior do país, promovendo o povoamento para além das terras litorâneas,
enriquecendo nossa cultura e dinamizando a identidade brasileira.

No dia 09 de agosto de 2011, através do Decreto de nº 13.150, assinado pelo


Exmo. Governador do Estado, Sr. Jaques Wagner, o bem cultural de Ofício
de Vaqueiro tornou-se Patrimônio Imaterial da Bahia, lavrado no Livro de
Registro Especial dos Saberes e Modos de Fazer, respaldado na Lei Estadu-
al de nº 8.895/2003, regulamentada pelo Decreto de nº 10.039/2006, instituindo
normas de proteção e estímulo à preservação do Patrimônio Cultural da Bahia.

Respondendo à solicitação feita ao Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural


da Bahia (IPAC), em 03 de maio de 2010, pelo antropólogo e estudioso dos
vaqueiros, Washington Queiroz, à época, conselheiro titular do Conselho Es-
tadual de Cultura (CEC), a Gerência de Pesquisa e Legislação Patrimonial (GE-
PEL), agora respondendo como Gerência de Patrimônio Imaterial (GEIMA),
emitiu parecer favorável à inclusão desta manifestação cultural como Pat-
rimônio Imaterial do Estado da Bahia, reconhecendo a importância de sal-
vaguardar e preservar tão singular forma de trabalho, que muito contribui para a
formação e diversificação da cultura brasileira.

Após a instrução técnica efetivada pelo IPAC, foi produzido dossiê, com levanta-
mento bibliográfico, pesquisa documental, estudo etno-histórico, levantamento
iconográfico (fotos, recortes de jornais, publicações, etc.) e entrevistas, visando
fundamentar e justificar a importância do Registro do Ofício de Vaqueiro. O
dossiê foi encaminhado ao Conselho Estadual de Cultura, que acatou a indica-
ção e recomendou o registro, chancelado pelo Governador do Estado.

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Parecer Técnico:
Registro do Bem Cultural de Natureza
Imaterial: Ofício de Vaqueiro

Mateus Torres
Gerente de Pesquisa e Legislação

Este processo trata da inscrição do Ofício de Vaqueiro no Livro de Registro


Especial dos Saberes e Modos de Fazer do Estado da Bahia. O requerimento de
Registro do Oficio de Vaqueiro foi encaminhado, através de ofício, ao diretor-
geral do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (IPAC), Sr. Fre-
derico A. R.C. Mendonça, no dia 03 de maio de 2010, pelo antropólogo Washin-
gton Queiroz.

Nos últimos três anos, a política de descentralização desenhada pelo Governo


do Estado, no âmbito da sua Secretaria de Cultura, tem se efetivado de modo
sensivelmente eficaz. As Conferências Estaduais de Cultura contaram com a
participação de representantes de cultura de quase quatrocentos municípios,
dos quatrocentos e dezessete que totalizam a Bahia. Neste abrangente diálogo,
chegou-se a uma conclusão consensual quanto à necessidade de valorização das
manifestações do que se denomina cultura popular. Grupos de teatro, associa-
ções de artesãos, filarmônicas, grupos de samba de roda e mestres de ofícios,
entre diversas representações artístico-populares, receberam a devida atenção às
suas vozes, que convergiam para o sentido de reconhecimento oficial das suas
atividades.

Esse sintoma ocasionou um aumento considerável nos pedidos de registro do


patrimônio imaterial, tipologia que, quase invariavelmente, engloba todo o uni-
verso da cultura popular – considerando a cultura popular como a forma mais
honesta de expressão do povo. O IPAC vem, desde então, desenvolvendo di-
versas ações, de modo responsável, com o objetivo de atender à justificável e

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crescente demanda deste segmento.

Os registros do Carnaval de Maragojipe, da Festa da Boa Morte em Ca-


choeira e, mais recentemente, do Desfile de Afoxés, além de a homologação
da Festa de Santa Bárbara e, ainda, das publicações e elaborações de vídeos-
documentários voltados para esses temas, comprovam o esforço que o IPAC
tem despendido para salvaguarda do patrimônio cultural do Estado no seu sen-
tido mais amplo e atual, em que o patrimônio intangível é compreendido como
um dos mais recentes e grandiosos desafios, sobre o qual todos os órgãos de
preservação patrimonial do Brasil - e de diversos países do mundo estão de-
bruçados no presente momento, reavaliando, em si e entre si, o próprio conceito
de patrimônio, desenvolvendo novas metodologias de pesquisa e discutindo as
políticas públicas e os instrumentos legais de aplicação estabelecidos em prol da
preservação dos bens culturais.

Objetivando a continuação desta política de preservação do patrimônio cultural


do Estado baiano, a equipe multidisciplinar, composta por historiadores, so-
ciólogos, antropólogos e museólogos, lotada na Gerência de Pesquisa e Legisla-
ção do IPAC empreendeu grande parte da sua atenção ao pedido de inclusão do
Ofício de Vaqueiro no Livro de Registro Especial de Saberes e Modos de Fazer
da Bahia.

No processo de colonização e expansão do território da Bahia, sobremodo em


suas fases iniciais, o vaqueiro é, além de um condutor e guardador de rebanhos,
uma espécie de coringa que atua nas mais diversas atividades.

Como tangedor de boiadas para interior da província, ele é o guerreiro com


animais bravios no estabelecimento dos primeiros currais, mas é também aquele
que, através da fitoterapia, simpatias e rezas, se apresenta como responsável pela
cura dos rebanhos. É também da sua alçada e lavra toda a produção de utensílios
que usam o couro como matéria-prima, desde as peças do seu traje típico aos
arreios do cavalo, passando por inúmeros equipamentos de uso doméstico e de
construção de currais e moradias, alforjes, catres, bainhas, bruacas, baús, camas,
cadeiras, foles, atilhos, cordas, tacas, etc.
Complementando, o vaqueiro é ainda o criador de toda uma tradição oral e de

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variantes míticas que constituem parte significativa do arsenal simbólico ser-
tanejo. E, além, é sabido: foi o vaqueiro, de fato, o responsável pelas bandeiras
baianas, aquele que criou, a partir de cada curral implantado, o território do
Estado da Bahia.

Os elementos que compõem o universo dos vaqueiros e que são propostos para
salvaguarda oficial neste parecer estão arrolados na extensa lista (ainda incom-
pleta) que segue: seu falar; seus saberes, técnicas, medicina; sua moral, ética,
estética; sua relação com a morte e sua vida; seus cantares, ritos, mitos, suas
cosmologias e seus símbolos.

O Plano de Salvaguarda proposto para que o Ofício de Vaqueiro tenha sua


continuidade garantida, de forma íntegra e caminhando para sua autossusten-
tabildade, é o seguinte:

- Elaboração de uma publicação baseada neste dossiê de Registro Especial;

- Produção de um vídeo-documentário acerca do tema, veiculação deste produto


na rede de TV pública e distribuição do material em escolas, universidades e ou-
tras instituições que, de alguma forma, possam contribuir ou mesmo beneficiar-
se dessas informações para seu próprio desenvolvimento;

- Incentivo a novas publicações e produtos audiovisuais;

- Atualizações das pesquisas e, com isso, alimentação do próprio dossiê desse


registro;

- Divulgação das manifestações inerentes ao ofício;

- Promoção de oficinas de tradições orais e variantes míticas, oficinas para trans-


missão de conhecimento dos processos curativos utilizados pelos vaqueiros e
oficinas de vivências e relações com o gado e com o meio-ambiente;

- Promoção de seminário acerca do tema;

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- Promoção de exposições temáticas;

- Criação de um Centro de Referência do Sertão do Estado da Bahia, que aborde,


especialmente, os aspectos da cultura vaqueira e suas tipologias;

- Elaboração de editais específicos, mais voltados para esta tipologia de mani-


festação cultural.

Ratificando o pedido de aprovação do Ofício de Vaqueiro, cabe aqui ressaltar


alguns fatos específicos:

Primeiro, vale lembrar a figura pioneira do vaqueiro como protagonista na rela-


ção com o ambiente natural do sertão – espaço significativo e criador de todo
um acervo cultural (que abrange desde um falar à sua cultura material), determi-
nante, estruturante para o fortalecimento da cultura da Bahia em sua diversidade
e pluralidade – e a necessidade de sua inclusão sociocultural, através da criação
de mecanismos de fomento específicos e centro que estabeleçam o seu perten-
cimento em um diálogo cultural profícuo da capital com o interior, criando e

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incentivando o desenvolvimento de projetos para seu registro, pesquisa, salva-
guarda, preservação e difusão.

Em segundo lugar, a formalização do Ofício de Vaqueiro espelha a política do


Governo do Estado que propõe, na sua continuidade, focar, primordialmente,
na redução das desigualdades territoriais, ao estabelecer, em suas treze metas
propostas, a configuração de um “Espaço Cultural do Sertão”.

Por último – e, nesse caso específico, talvez, o argumento de maior relevância,


inscrever o Ofício de Vaqueiro no Livro de Registro Especial dos Saberes e
Modos de Fazer significa dar início a uma nova história para o Estado da Bahia,
pois se constituirá no primeiro ofício registrado como patrimônio em âmbito
estadual. Uma história que trilhará, ainda e certamente, um longo caminho, mas
que carece, assim como todas as historias da humanidade, de um primeiro passo.

Delimitação da área de alcance da atividade do Vaqueiro na Bahia


com a criação extensiva de gado a partir do século XVI.

Cerrado
Campo Rupestre
Manguezal
Restinga
Mata Atlântica
N
Floresta Estacional
Caatinga
Áreas de Transição
Floresta Cerrado Caatinga

Fonte: Dossiê de Registro do Ofício de Vaqueiros

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Parecer do Conselho Estadual de Cultura

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Decreto Nº 13.150/2011

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Depoimentos, Versos e
Aboios dos Vaqueiros
A poesia livre contida no imaginário de o que é ser vaqueiro é refletida na espon-
taneidade dos versos e depoimentos recolhidos pelo interior da Bahia entre os
anos das décadas de 1980 e 1990 (recorte de 1985 a 1991) por pesquisadores do
IPAC, sob coordenação do antropólogo Washington Queiroz, como é visto no
Dossiê Ofício de Vaqueiro e aqui em parte reproduzido1:

Depoimentos
O mistério do Vaqueiro Evaristo e seu cavalo
Todo Risco, que pegava boi de noite.
Tinha um vaquero aqui que pegava boi de noite. Curria cum a cachorrada toda e gente incon-
trava, via os cachorro, via o vento do cavalo dele e nunca foi incontrado esse vaquero.
Quando foi um dia, Raimundo estava no Salobo, evém mei-dia cum chuva e incontrô... evém
um vaquero cum cavalinho preto, vestido de... incorado. Foi chegando o véi, disse: “Bom dia!”.
Seu Raimundo era dessas pessoa que a gente dizia: “Como vai, Seu Raimundo?”. Ele dizia:
“Como vai cidadão, o sinhô... Todo cum esses milagre...
E aí já vem o cavalero e ele [seu Raimundo] todo molhado... Ele [o cavalero] disse:
– Bom dia!
Aí Seu Raimundo:
– Como vai cidadão...
Aí ele:
– Cidadão não, eu me chamo é Evaristo e meu cavalo é Todo Risco!
E fincô o cavalo im cima dos pau, o véio [Raimundo] ficô atrapaiado, e evinha atrás os fio dele,
chegô e disse:
– Meu pai, o que foi?
Ele disse:
– Aqui evinha um cavalero e eu falei pra ele... me salvô, eu disse... chamei ele de cidadão e
ele disse que cidadão não, que o nome dele era Evaristo e o cavalo dele chamava Todo Risco e
disapariceu este vaquero daqui.
Cansei de i(r) matá tatu aqui ói, eu e meus pessoá aqui, quando nós chegava na istrada vinha
o vaquero: Rêê...rêêê boi! A cachorrada gania, nós curria tudo, entrava por dibaxo das perna
nossa e o vaquero passava pra lá.
Então, me contaro um caso e que eu... Já evém do vaquero véio meu sogro, me procurô se este
vaquero ‘inda existia aqui, e já ixistia essa vaquero.

1
As referências de idade e cidade dos entrevistados são da época das pesquisas.

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Eu digo:
– Este acabô.
Contando o mermo causo, ele disse:
– Chama Dumingo Barba Branca, aquele vaquero.
Disse que ‘inda ixistia pur esse lado, incontra... mas aqui disapariceu e num veio mais este
sirviço. Agora, nós num sabe.
José Pedro dos Santos
Vaqueiro Zé Cassiano – 60 anos
Manuel Mendes – Correntina

A história da vaca preta


que desaparecia
...Boi misterioso foi um bizerro, nasceu pampa e doco, da vaca mais mansa que tinha na fa-
zenda Santa Fé. Entonce, ela... ’panhava o gado e ela ficava cum aquele bizerro e foi ficano, foi
ficano... Depois dero p
a ’panhá a vaca e o bizerro chegá e cai(r) fora, aí correro atrás do bizerro e foi pegado de boi
grande, todo fazendero chegava, comprava e ninguém pegava... robava cavalo, fazia tudo na
vida. Entoce, no último, quando ninguém queria mais, os próprio vaquero da fazenda foi e pegô.
É a ispéce da dita vaca qu’eu to falano que ela disaparece e a pessoa num sabe que vurto é o
dela. É a dita vaca Preta, que nós fazia a espera, ela chegava – preta, viluda cum chifre –, ela
chegava na frente do gado... agora, quando ’cê fechava o gado, ela saía. Num dia, quato correu
cum ela, ela cum chifre infiado den’da rédea, o sujeito pegado na cara dela, ela chegava no limpo
e disaparicia. Ali é que é um vurto, viu?
Josezito Silva Queiroz
Vaqueiro Zezim das Flores – 68 anos
Vázea Dantas – Itaetê

O vaqueiro que “varou a


boca” numa pega de boi
...Um dia mesmo eu dei uma carrera num boi aculá, dei uma carrera num boi, uma ponta de
pau entrô aqui ó, no queixo, saiu aqui den’da boca; saiu aqui den’da boca, passei a língua aqui,
dei no pau. Falei: “Vixe Nossa! Varei minha boca”.
Aí eu berê assim, eu saí assim, a vaca saiu no camim tamém e ’panhô a estrada e eu saí tamém
na batida dela. Aí eu puxei o pau aqui assim, mas num cunsigui tirá porque o pau tava duro;
puxei, vei esse coro aqui [bochecha], isticô. Eu digo: “Tá danado!” Aí eu deitei a mão, puxei,
tirei o pau... ficô só o buraco.
José Gomes
Vaqueiro Zé Traíra – 90 anos
Pau Lôro – Barreiras

A lenda do boi
misterioso
...Já vi contá um causo de primero, que disse que tinha um vaquero correno ca boiada, correno co
boi. E lá, disse que o boi caiu den’dum buraco e na carrera que ia o vaquero caiu dento também,
agora sumiu boi com vaquero e tudo. Agora, foi ino, foi ino, disse que viu esse vaquero gritano lá
den’desse buraco, gritano, gritano. Muitos tempo, diz que via esse vaquero gritano den’desse bura-
cão. Foi imbora, vaquero cum boi, cavalo e tudo. É, morreu, fundiô num lugá, foi imbora tudo.
Tá cum muitos ano qu’eu sei disso. É, o povo documenta isso, num sei mais não.
Cunegundes Alves Lima
Vaqueiro Conegundes – 68 anos
Água do Carmo – Côcos

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Maçã “só quem pode
cunhecê e sabê é Deus”
...Eu num lhe dô a difinição de boi mandingado, mas sei que tem o boi que tem maçã, que até
aquela maçã traze muita conseqüência na rês. A rês também conduz, não todos, mas alguns
no mei do criatoro. Sai aquela rês que tem uma maçã, que tem aquela coisa... sai também que
nem o home.
Nós homes, um tem uma natureza pa tê uma coisa, pra fazê tudo, pa tê inteligença de fazê
tudo; pois essa mesma coisa o animá também tem, o meio dele fazê o jeito dele defendê. Aquilo
já é coisa dada pelo dom da natureza. Isso aí, só mesmo quem pode cunhecê e sabê é Deus que
é quem projetô de tudo e quem fez tudo e tá fazeno até dia de hoje, é esse, é quem pode dá uma
difinição. Home não pode dá uma difinição.
Pra que o home qué o coração? Pro quê? Purque Deus colocô o coração pra sê a mantença dele
e ele vivê pelo coração dele.
Artur da Silva Prado
Vaqueiro Artur – 85 anos
Lamerão – Palmas de Monte Alto

Vaqueiro que tem a maçã: “aonde


ele ralha, o gado acumpanha”
A maçã é um pedaço de carne assim que tapa o bucho, tapa a boca do bucho. O vaqueiro que
acha a maça do gado é vaquero que nunca perde a viage no campo, num tem gado brabo cum ele,
todo gado cum ele é manso. São aqueles vaquero véio que o freguês diga assim: “Seu fulano sabe
’mendracá” (o que se trata feitiço, né?).
Uns sai amuntado aí um bom cavalo atrás de um boi veaco aí e num pega, e ele [o vaqueiro que
tem a maçã] vai de a pé, traz. É purque ele tem a maçã do gado. Sai cum ela no bolso, aonde ele
ralha o gado, o gado acumpanha. É conforme ixixte esses vaquero aí, que um vaquero ou dois
’rastá cinqüenta gado aí de noite.
José Pedro dos Santos
Vaqueiro Zé Cassiano – 60 anos
Manuel Mendes – Correntina

“A sorte da pessoa
que acha u’a maçã”
A maçã do boi é o tipo dũa pedra qu’ele tem. Então, pur fora a pele é lisa, quand’a pessoa corta
pur dento tem cabelo, ũa bola que se incontra pegado na parte interna do boi. A gente incontra
aquilo feito ũa bola, mas é piquena do tamanho dum limão, maió do que um limão um pouco,
então quand’a gente corta... pur fora tá liso, aquela pele forte... quand’a gente corta pur dento
é que tem cabelo.
O vaquero que acha ũa maçã dento do boi e ota pessoa não vê, só vê só ele guardano a maçã;
é bom pa ele dominá um gado, ele viajá com ũa boiada assim, boi dano arribada e o gado dele
sempre disinvolve melhó. S’ele cria gado, disinvolve, ele tem mais sorte pra gado, pra ele comprá
o gado, comprá, vendê. É difícil levá prejuízo, qué dizê, cum aquilo ajuda a sorte da pessoa que
acha ũa maçã.
Quem incontra [a maçã] acontece assim: todo gado que não tem pedra é manso pea aquela pes-
soa, mermo qu’ele tá brabo, é manso. Agora, se incontrá um que tem pedra, aí agora a barra
pesa! Ó, se ele não tirá a pedra do bolso o outro pega ele, o que tem pedra. Agora, pra o que não
tem, pode tá brabo do jeito que fô, o cara entra no curral, ele não mexe.
Valdenor Moreira Santos
Vaqueiro Sinhô Moreira – 58 anos
Morro – Ibitiara

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“Boi que tem maça
é curado”
Boi que tem maçã? Ah! Boi que tem maçã é curado1. Dize que a maçã é remédio, mas eu num
sei não. Eu guardei a maçã, mas depois disapariceu de lá de casa, num sei dela...
Arrota, arrota como gente, arrota como gado arrota, disse que arrota muito; cumida num
ofende, num morre, só morre se fô de machado... É o dizê dos mais véio.
O boi de maçã se munta-se na catinga, poucos home pega ele. É que é difíci maça im gado, é a
coisa mais difíci! Matei gado dezoito ano, só achei a maça num boi, e muita gente aí peleja pa
vê se acha ũa maçã, mas num acaja. É difíci maça im gado, é a coisa mais difíci, a coisa mais
difíci que tem.
Dize que guarda, serve pa remédio, a fazenda aumenta, diz o povo. Eu tinha ũa maça dum boi,
qu’eumatei um boi manso, mas disapariceu... E dize que num aparece nada contra o dono...
dizem.
Cirilo Firmino Gomes
Vaqueiro Cirilo – 87 anos
Faz. Rancho Alegre – Carinhanha

O gado conhece o vaqueiro


que tem a maçã
...Agora, quem acha a maçã, quem tem a maçã da rês, num tem gado brabo pra ele, porque o
gado pode tá catando pra pegá a pessoa, a pessoa chegô, falô: “Gado fulano!” pronto. Ele num
istranha. Se fô vaquero, carrega ela no bolso do jaleque, ali num tem gado brabo pra ele, todo
gado que eles trabalhá é mansinho pra ele. ’Cê pode entrá no mei de dez vaquero, se [um] tivé
a maçã ali no mei, o gado cunhece. Disse que ela é pareceno uma laranja e é lisa. Eu nunca vi.
Zélia Lopes Alves dos Santos
Vaqueira Vaquera de Detim – 38 anos
Macaco Seco – Itaetê

A maçã “tem u’a


ciência cum ela”
A maçã do gado ela é piqueninha, do feitio assim dum istrume do animal, ela é piquena. Aqui
den’do curral mermo, um dia ’ranjei duas, eu tinha ela na ’gibera do gibão, né? Eu acho qu’ela
deve tá lá im casa, mas eu num sei onde é qu’ela tá... Ela é piquena, o gado tem. Agora, ela
tem ũa ciênça cum ela, né? Se a pessoa, ’ranjá ela sozinho assim, sem ninguém vê, dize que ela
é ũa simpatia boa.
José Manuel de Souza
Vaqueiro Zé da Rosa – 38 anos
Riachim – Barreiras

Lobisomem: ... “é um fio


iscumungado de pai e mãe”
Já tenho visto falá nos Lubisone... num tem não, tem não. Eles conta, que diz que tem Lubisone,
mas num tem Lubisone não.
O povo dize que é um fio iscumungado de pai e mãe, dize que é, que vira Lubisone... disse que é
de quinta pra sexta. Disse que vira um jumento, né? Rola, disse do jeito dum jumento e vir’um
bicho, vir’ũa porca, num é? Tudo vira. Agora, eu nunca vi. Porque disse que come criança, mata
gente, assombra, né? Agora, eu num sei qu’eu nunca vi.
E eu carço sozinho e Deus de noite, saio pa isperá, durmo lá no mato, armo a rede, durmo no
mato, chego no otro dia de manhã e graças a Deus, nunca vi. Vou caçada de tatu, nunca vi.
O bicho qu’eu já vi, somente cobra, que já tem pegado cachorro, né? Eu já tenho tenho pegado
cavacano tatu, tenho pegado nela, nunca fez foi me pegá, graças a Deus! Nunca me pegô. Mas
essa ota histora de Lubisone, de difunto... não. Difunto somos nós que tamo vivo, os que já mor-

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reu, esses num faz medo mais ninguém não.
Eu tenho medo é só dos castigo de Deus e de cobra... É a onça qu’eu tenho medo, é de cobra.
Anísio Teixeira Xavier
Vaqueiro Anísio –59 anos
Jupaguá – Cotegipe

Simpatias para
estancar o sangue
Pega três foinha e vira po lado daquele sangue ou que teje veno, ou que sabe pur nutiça, e diga:
“É eta, é veta, e é geral. Vige, que tanto sangue!”
José Pedro dos Santos
Vaqueiro Zé Cassiano – 60 anos
Manoel Mendes – Correntina

Simpatias para
se proteger
a) Sinhô, sábio estô, sábio estarei, sábio andarei. Quero eu ser o sábio José como Jesus Cristo foi
sábio na Santa barca Noé, buscando a Santa chave, fazê o batizado Senhor São José, que me
fez esse credo em meu corpo Jesus, Maria e José. Aí se benze e pronto. Aí tá feito.
Isso, ’cê pode entrá dento d’água, pode entrá onde você quisé, rezano o credo; bandido passa im
cima mim de você e não lhe vê! Mas se você rezá o Credo e num oferecê, num serve. Oferece desse
jeito... oferece o Credo.
José Barbosa Filho
Vaqueiro Zeca Vaquero – 71 anos
Vitória – Oliveira dos Brejinhos

b) Quando sai de casa e antes de muntá, a gente fala ao sair na porta, pisa o pé direito adiante:
Vô saino po essas porta a fora, intregano meu corpo a Deus, minha alma a Nossa Sinhora, que
Jesus Cristo eterno nos implora. Com o nome do Pai, do Filho, di Ispírito Santo. Aí pode i(r).
Merquíades Francisco da Silva
Vaqueiro Merquide – 70 anos
Santa Helena – Riacho de Santana

Simpatia para
curar peste de animal
Quando o animal tá com peste, um cavalo, uma rês mesmo, custuma a gente pegá essa paia de
áio, coloca im cima dũa telha, bota um fogo e dá um difumadô. Aquele animal que tá istilando
aquele catarro pelo nariz... e aquilo sempre tem sido o remédio que a gente cura.
Armando Viana de Carvalho
Vaqueiro Mano – 37 anos
Faz. Rancho Alegre – Carinhanha

Simpatia para
curar dor de barriga
Eu te benzo de dor de barriga: Eu te benzo a rivilia, eu te benzo cum ramo verde e água fria;
cum os puderes de Deus e da Virge Maria.
Cunegundes Alves Lima
Vaqueiro Cunegundes – 68 anos
Água do Carmo – Cocos

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Reza para
pegar gado
Intão se domina assim: a gente vai contrito a Deus e reza o Crê im Deus Pai até num certo
ponto; vamo dizê... até onde diz: “Tá sentado”. Aí a gente: Crê im Deus Pai todo poderoso, cri-
adô do céu e da terra. Creio im Jesus Cristo,um só, seu filho Nosso Senhor, o qual foi concebido
por obra e graça do Espírito Santo, nasceu de Maria Virgem, foi crucificado, morto e sepultado.
Desceu, subiu aos céus, está sentado... Aí ’cê pára e aí agora vai fazê o que tem que fazê, que
seja: matá onça, pegá boi brabo ou que seja recebê seu inimigo, intendeu?
Agora, ou que seja o seu inimigo ou onça, ou se é boi brabo, se ele diz as palavras, ele pega...
intão ali cum aquelas palavra, abaixo de Deus, ele domina.
Agora, dipois que venceu aquela etapa, a gente termina o resto, num pode dexá de terminá.
Dipois que pegô o boi brabo, matô a onça... Num vai dá nada. O inimigo pode tá do jeito que
tivé, ele chega naquele.
Isac de Souza Benevides
Vaqueiro Bida – 66 anos
Olhos d’ Água do Seco – Ibitiara

“Home tá meteno as mão:


dinatano as mata”
...É tristeza! Purque nós [os vaqueiros] aqui já fomo irmandade nessa bahia e somo até hoje.
Mas o negoço tá diminuino, a gente tá ficano triste...
Tem tanto amigos da gente, que trabaiava cum a gente, uns já pum canto, otos já tá po oto,
purque vai diminuino. Home tá meteno as mão: dinatano as mata, tá acabano o campo.
Num é que otos vai morreno, fim da vida, tristeza. Agora, eu digo o siguinte: inquanto a gente
inxisti(r) na Bahia, eu acho que a gente ainda vai tê um labuto de gado. Purque essa Bahia é
mea grande, quando uns acaba os oto conselva.
João Nere Juvino
Vaqueiro João de Oripe – 40 anos
Retiro – Palmas de Monte Alto

“Tá acabano cum


toda floresta”
O que tá aconteceno é que tá acabano cum toda floresta e os terreno ressecano; que acabano cum
a floresta, o terreno tem que ressecá.
O povo tirano madera, aqui, pra o fim vai ficá disfavorecido. Mais tarde os minino num virá
cunhecê o que qué dizê uma aruera, uma madeira de lei... Sempre eu digo: Eu num vô sinti(r)
mais farta, que de nada preciso, mas meu fio e meus neto vai achá diferença, vai fazê farta...
Francisco Barreto Rios
Vauqueiro Paulista Ruim – 76 anos
Pau de Cuié – Cotegipe

“O que disfracassô
o nosso sertão”
’Cabô o movimento da criação solta... é, purque as terra tá tudo cercada, além da pista que
atacô, foi obrigado a prendê a criação toda.
E o povo também pegôas terras devoluta e atacaro: uns cercô sem sê dono, otas os dono mesmo
cercô, e nisso acabô os carrasco, num tem mais criação solta... argum canto... E foi o que disfra-
cassô o nosso sertão da Bahia, foi isso. Arruinô pr’uma coisa, mas amiorô pra otas.
Eu num sei mesmo quem foi que acabô o vaquero. Deve tê sido o movimento do mundo mermo...
ivoluiu e prendeu a criação toda.
José Barbosa Filho
Vaqueiro Zeca Vaqueiro – 71 anos
Vitória – Oliveira dos Brejinhos

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Porque “o vaquero
tá acabano”
A criação tá ’cabano, né? E vai ’cabano, ’cabano, ’cabano... do mesmo jeitinho o vaquero vai
acabano. Tão acabano também cum as mata, do mermo jeito que tão ’cabano cum vaquero. É o
tempo e o povo que num pode vê... num pode dexá mais um pedaço de terra, que qué botá tudo
im cima da cultura do capim e vai ’cabano.
Roque Gonçalves dos Santos
Vaqueiro Roque de Zé Viana – 57 anos
Lameiro – Cocos

“Vaqueiro tá
ficano pouco”
Vaquero tá ficano pouco... tá acabano sim. Acuntece que a coisa tá ficano difícil! E vaquero,
pelo menos aqui pra nós, num dá pra vivê de vaquerice; que se o vaquero fô vivê na vaquerice
aqui, ele num dá de cumê a famia não. Pelo meno na nossa região aqui.
Terino Coqueiro da Silva
Vaqueiro Terino – 42 anos
Mata do Cedro – Cristópolis

O vaquero “num é
inxergado como divia sê”
...Purque o pió do vaquero é que: trabalha ele, a mulhé e os filho, pa o patrão só inxergá o
sirviço dele. E, ás vezes, nem o dele é inxergado, purque sai cum as filha nua, como eu conheço
vários aqui.
Essa semana eu levei um pra Barreira, duente e pidino esmola, e foi vaquero de uma pessoa rica,
um fazendero. Um dia fui visitá, chamei um filho do patrão dele que é muito amigo, gosta de
contá as aventura dele, qu’era bom vaquero, e num tem corage de dá um conto e nem i(r) lá visitá.
S’eu fosse uma pessoa de um certo níve, de uma certa condição, eu dava um direito a um vaquero,
milhó de que um deputado. Deputado hoje é “marajá”... Agora, um pobe dum vaquero morre
aí à míngua e no dia que quebra a perna, o patrão já tá procurano é outro pra botá no lugá dele.
Intão tá acabano... num tem valô. Num é inxergado como divia sê. O pobe do vaquero sofre de
qualqué manera, nasceu pra sofrê...
Temístocles Mariano Passos Filho
Vaqueiro Didizinho – 42 anos
Vázea Dantas – Itaetê

“A vida do vaquero: é
uma vida disvalorizada”
A vida do vaquero é o siguinte: é uma vida disvalorizada. Porque todo home do serviço tem seus
horaro e o vaquero levanta uma hora da madrugada, trabaia até sete, oito hora da noite e ele só
recebe as hora seguinte.
Josezito Silva Queiroz
Vaqueiro Zezim das Flores – 68 anos
Vázea Dantas – Itaetê

Vaqueijada: “aquilo deve


sê puderio de riqueza”
Eu nunca fui [em vaqueijada], dize que faz currida, mas eu nunca assisti não. Eu creo que
aquilo deve sê puderio de riqueza, de fantasia dos fazendero... fazê aquilo pa demonstrá.
Aquilo eles nem cunvida, aquilo é aqueles povo isculhido de currida mesmo; é aqueles cavalo

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todo: vem dum canto, vem de oto. E aquilo é tudo pra ganhá prêmio, aquilo é tudo... é meio
de grandeza mesmo. Tamém, nunca fiz parte. Eu sô parte nas curridazinha minha de campo.
José Barbosa Filho
Vaqueiro Zeca Vaquero – 71 anos
Vitória – Oliveira dos Brejinhos

As duas vaqueiras fizeram o que


seis vaqueiros não conseguiram
Uma vez entrô seis vaquero pa tirá oito cabeça de gado e num tirô uma cabeça de gado, num
tirô uma rês, purque o gado num atendeu, isparramô tudo. Nós duas sozinha [Zélia e Tunica],
no outro dia, ajuntô essas dizenove cabeça e colocô no curral do outro fazendero, sem pricisá um
vaquero.
Zélia Lopes Alves dos Santos
Vaqueira Vaquera de Detim – 38 anos
Macaco Seco – Itaetê

Vaqueijada:
“uma prevesidade”
O trem preso, pegá o bichim pa botá numa siringa, ’cabá, botá um cavalo atrás e derrubá sem
precisão. Eu acho isso... a gente tá fazeno uma prevesidade cum ele.
Olímpio Marculino da Silva
Vaqueiro Olimpo – 42 anos
Laranjeira – Riacho de Santana

“Pauta cum
o cão”
...[Tem] fulano [que] toma pauta cum o cão po mode3 sê vaquero, né? Toma pauta e aí vai po
campo cum os oto. E aí ele é o maió, ele é quem pega, purque num tem quem acumpanhe ele.
Mas eu nunca me meti cum isso não... Eu labutava era cum Deus!
José Gomes
Vaqueiro Zé Traíra – 90 anos
Pau Lôro – Barreiras

Para um forte, existe


sempre um mais forte
O povo diz que no mato atrás de um pau grosso tem oto mais grosso ainda, né? Às vez, qualqué
animá tem a mandinga deles que ajuda pra eles, mas já tem as criatura que tem lá suas boas
oração misturada cum negoço lá do capeta e obriga a natureza... perde o efeito daquele otro, já é
mais que o mandiguero. Só pode sê isso... sei não.
Marcolino Gonçalves da Silva
Vaqueiro Marculino de Antonio Ferrera – 88 anos
Riachão – Condeúba

“Caiporismo”
Eu vejo falá assim. O freguês diz: “Hoje tem uma Caipora, hoje foi um Caipora no mato, foi
um Caipora no nosso trabalho, ou foi um caiporismo...” agora, o que deve sê é purque ele num
pôde fazê aquilo que tinha de fazê.
Se eu cuntratá de fazê uma coisa, num pode fazê, diz: “Ah! Fui Caipora hoje, num fui feliz.

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S’eu fosse feliz eu tinha tratado de fazê aquele ideado qu’eu propô pra mim fazê. Mas num fiz,
fui Caipora, num pode fazê”. Nesse dia foi Caipora... infeliz.
Artur da Silva Prado
Vaqueiro Artur – 85 anos
Lamerão – Palmas de Monte Alto

“A ciência maió tá na criação


do que no home”
...É o que menos sabe [é o homem]. Muito mais sabe as criação. Purque um minino quando
nasce priscisa ’panhá e botá no jeitcho pa mamá e o bizerro quando nasce procura o peito da
vaca pa mamá. A ciência maió tá na criação do que no home. Agora, priscisa distrivini é que
nós tamo cuidano no nosso modo e eles no deles.
Artur da Silva Prado
Vaqueiro Artur – 85 anos
Lamerão – Palmas do Monte Alto

“Tudo que tem cabeça no


mundo tem juízo”
Tudo que tem cabeça no mundo, têm juízo. O sinhô vê uma galinha que ota nação de ota coisa,
quando ela qué disová, procura o lugá iscondido pa pudê produzi(r), cumo é que elas num tem
juízo? Se fosse assim, ela jogava aí no mei do terrero, no mundo, à toa. E como ela vai caçá o
lugá? Tudo que tem cabeça, tem juízo!
Domingos Moreira Lopes
Vaqueiro Dumingo Vaquero – 86 anos
Armônio – Correntina

“O gado é um bicho mais


compreendido do que gente”
O gado é um bicho mais compreendido do que gente mesmo. Eu sô mais labutá cum um de gado
remeteno den’do curral, do que labutá cum gente.
Gente é difícil, um compreende as coisa de um jeito, otos compreende de oto... e o bicho bruto,
quando a gente cumeça a trabalhá cum eles, de quinze dias em diante o sinhô bota no que qué,
pa qualqué lado que o sinhô botá, ele vai. E gente é difíci! Quando um qué i(r) pro canto, o oto
num qué.
Odilon de Carvalho Gonçalves
Vaqueiro Dilo – 43 anos
Baixa Verde – Barreiras

A medicina de
ontem e hoje
No outro tempo, qué dizê, que o povo usava... Chegava uma rês broocada: “Vamo furá”.
Botava creolina aqui em cima, soltava. Qué dizê qu’era o remédio. Azeite de mamona, aquele
azeite grosso, azeite de mamona qu’era o remédio.
Tinha uma rês... dá um purgante: ’panhava meia garrafa de azeite que o povo fazia e dava a
uma rês magra, aquilo era um purgante prum bizerro, uma coisa servia, servia. Casca de pau,
caju, aruera, caju com aruera é bom. E dava essas garrafada aos bicho de forma que melhorava.
Mas hoje o povo... o negoço hoje tudo é a cura, já tem umas medicina diferente. Tava assim, o
gado vivia gordo criado peo campo. Pegava o boi já com oito, nove, dez ano... laçô pra lá. Remédio
do mato? Diversos. Muitos remédio: é aruera, é caju... E não usa mais.
João Santos
Vaqueiro João Boladero – 56 anos
Andaraí

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“O remédio de dá gado
naquele tempo”
O mundo tá muito iscovado, mas naquele tempo a gente usava era isso: unha-danta, era remédio
de dá gado. Discascava a raiz do pau, torrava, muía, dismanchava n’água, botava o sal também
e dava pro vivente... ou que fosse cavalo, ou que fosse gado que tivesse peste. O remédio era esse.
Domingos Moreira Lopes
Vaqueiro Dumingo Vaquero – 86 anos
Armônio – Correntina

Uma “paixão”
de pai
A paixão mais forte qu’eu tive na minha vida foi qu’eu casei uma filha agora... tem uns quinze
dias. Eu casei uma filha, fiz uma festa aqui, matei uma vaca com quinze arroba, comprê cem
litro de pinga, caixas de bibida aí... e o pessoal fizero dois dia de festa. Aí nós voltamo pra
Barreiras. Cum três dia pra eles viajá pra São Paulo, ela ’panhô oto rapaz e sumiu no mundo...
Aí foi uma paxão muito grande que a gente teve, inclusive a mãe dela quase morreu de paxão...
Ela casô no sábado, quando foi na quarta-feira fugiu com outro cara. Num sei nem nutiça! Ela
parece que gostô mais do oto que do próprio marido dela.
Odilon de Carvalho Gonçalves
Vaqueiro Dilo – 43 anos
Baixa Verde – Barreiras

“Sem xodó fica


mei nojento”
Olha, eu já fui rapaz, eu já fui namorado, eu já fui enoivado, eu já fui casado, eu já fui, eu já fui
aviuvado e, com sessenta e dois anos de idade hoje, eu tenho o xodó dum lado! Foi só duas moça,
só duas: a que morreu e a que eu tenho. [Sem xodó] fica mei nojento, né? Já tô acustumado.
Tomás Ferreira de Abreu
Vaqueiro Tomás – 62 anos
Taboca Rio da Onda – Barreiras

A paixão do
vaqueiro Zé Traíra
Num tive paxão não. Só tive paxão pur uma muié qu’eu tava mais ela – eu era muito novo
– e a muié me dexô, foi imbora. Essa, eu quase morri! Depois eu digo: “Danô, como é isso?!”
Aí eu tinha um cumpanhero qu’era de campo: “Coli nada moço! Caça ota muié, e bota aí, ’cê
nem lembra dessa...” Aí nós fumo no Riachão das Neves, lá eu arrumei ota e botei no lugá

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dela. Foi indo, foi indo isqueci dela, né? Quando foi um dia eu incontrei cum ela, incontrei cum
ela, ela disse:
– Moço, cuma é? Me leva pra lá ’tra vez.
Eu digo:
– Não, num vô lhe levá não. Lá tem ota, você num quis eu, porque se me quizesse num tinha
me largado mode1 o oto e você vei imbora. Eu tomém num quero não.
Era o oto que tava bateno nela. Eu digo:
– Pur mim você fica lá.
Aí ficô, pra lá. Eu tomém num quis mais não.
José Gomes
Vaqueiro Zé Traíra – 90 anos
Pau Lôro – Barreiras

“Casei num dia, no orto


dia intreguei à mãe”
Casei assim: casei num dia, no orto dia intreguei à mãe. Porque num era mais de nada... e eu
num ia vivê cum muié já perdida.
Casei, qué dizê, acho que por isso que num deu certo, porque a moça era quase irmão, porque
os pais irmão e as mãe irmã. Então, o cara buliu caminina – e eu era um cara novo –, a mãe
botô ela na confissão, ela num discubria. Eu mesmo, cansei de nós sai(r) assim pur festa, cansei
de investigá, ela num discubria de jeito ninhum.
Quand’eu casei cum ela, inté qu’ela me falô, ela disse: “Ói, se você casá comigo e eu num fô moça,
você pode me matá”. Eu digo: “Óia!”
Aí quand’eu casei com ela, qu’eu cunhici qu’ela num era moça... me veio no pensamento d’eu
fazê aquilo cum ela, mas eu disse: “Num vô fazê porque aí já é um crime”. No orto dia cedo,
eu peguei, intreguei a mãe, digo:
– Num me serve.
[A mãe]: – Não, faz por vivê...
Eu digo:
– Não, num me serve! Cada qual procura o seu rumo.
Ela ’inda é viva inté hoje, mora im Salvador. Aí eu casei com essa outra no civil.
José Manuel de Souza
Vaqueiro Zé da Rosa – 38 anos
Riachim – Barreiras

A paixão de dezessete dias


que durou trinta e sete anos
Cum dizesste dia que nós viu, nós casô. Num teve tempo de nós namorá.
Minha cunhada morava perto dela – ela era uma viúva, tinha sido casada, o marido morreu e
ela ficô viúva e eu fiquei viúvo –, e minha cunhada morava pertim dela. Intão, pur intermédio
dum cunhicimento qu’elas tinha amizade, ela apresentô essa viúva p’eu casá cum ela.
Cum dizessete dia que nós incrontô, nós casô. Agora no dia oito de julho compretô trinta e seis
ano e passô pra trinta e sete.
Domingos Moreira Lopes
Vaqueiro Dumingo Vaquero – 86 anos
Armônio – Correntina

Amor
A moça mais de amor qu’eu tive foi essa qu’eu casei. Ela era minha vizinha e a gente foi se
gostano, peguei ela pa namorá cum idade de catorze ano, cunsigui sê noivo dela três ano e vinte
e cinco dia. Tamos cum quarenta ano.
Alvino José Vieira
Vaqueiro Alvino – 64 anos
Mangarito – Condeúba

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Versos
O vaqueiro que tomou vene-
no como primeira mamada
Tô cansado de vê um matadô
Ua campina bunita e um pince
Mata qualqué boi qu tá im pé
Somente cortano o cabelo loro.

Assim mermo de mão impa, eu pego um toro


Que seje ele mesmo malabá, ô zebu
Pego onça pintada na Zorié
Tirá cauda pa dá ni cangunçu.

Que grande idade tinha eu


Que minha mãe me criô desd’eu piqueno
Ela me deu foi veneno,
Primeiro leite qu’eu mamei.

Me deu chá de gasolina, cola e breu


Me deu veneno e alco e gás,
Me jogo den’dum tanque de água rasa
Me deu brasa de fogo eu inguli,
Vim toma divução com Santo Isidro
Somente pa cantá com Ferrabrás
Antonio Rocha
Vaqueiro Antonio de Balduino – 58 anos
Faz. Passo Preto - Guanambi

“Coro de Lubisone”
O bicho que anda de noite
De dia o rasto consome,
Eu nunca vi rasto d’alma
E nem coro de Lubisone.
Roberto Correa Nunes
Vaqueiro Roberto de Vigilinho – 67 anos
Saraqué – Carinhanha

“Casa Santa”
Deus te salve casa santa
Onde Deus fez a morada
Onde mora o cali bento
E a hóstia consagrada
Enésio Monteiro de Souza
Vaqueiro Aneso Vaquero – 68 anos
Taba- Côcos

“Cravo branco e minina


de saia branca”
Cravo branco me prendeu
Cravo roxo me solto
Cravo branco é uma misera
Cravo roxo é meu amô.

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Ô minina de saia branca
Pintada de abc
Quando eu te vejo
Nem água posso bebê.
Merquíades Francisco da Silva
Vaqueiro Merquíade – 70 anos
Santa Helena – Riacho de Santana

“Moça Velha”
Vaca velha da capuera
Tem a cabeça rosia,
Quando e vejo moça velha
Seja louvado! Bença minha tia.
Valdemar Moreira dos Santos
Vaqueiro Sinhô Moreira – 58 anos
Morro - Ibitiara

“Menina dos olhos preto”


Menina dos olhos preto
Não olha pra mim chorano
Tô pensano qu’eu não te quero
Contigo tô namorano.
João Santos
Vaqueiro João Boiadero – 56 anos

“Moça pa sê bonita”
A moça pa sê bonita
Não precisa se trajá,
Veste seu vestido branco
Vamo junto pra o altar.
Adalgísio Nogueira Nunes
Vaqueiro Dagi – 54 anos
Palmas do Monte Alto

“Quem ‘magina”
Menina tucaia e vamos
Não se ponha a’maginá
Quem ‘magina toma medo
Quem tem medo não va lá.
Adalgísio Nogueira Nunes
Vaqueiro Dagi – 54 anos
Palmas do Monte Alto

O boi ”mandiguero”que
tinha “’quilibro” no corpo
No Rio Grande do Norte
Havia um fazendeiro,
Criava numa fazenda
Pra qualqué incomenda
Um grande boi mandiguero,
Esse boi quando curria
Segundo me disse o boato

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Tinha ‘quilíbio no corpo
Como ligeireza de gado.

Cassiano pai de José


Era um vaqueiro ‘famado
Nem cancela ele põe den’da propriedade
E ninguém nunca pego um gado dele lá na cidade.

Tinha ‘quilibrio no corpo


Como ligeireza de gado
Pur meio de forte mandinga
Curria mais na catinga
Do que um viado no mato.

Que na pegada desse boi


Foi calando e lagartixa
Junto um grupo de gente
Cumo urubu na carniça.

Quem quis é compra boi gordo


Compra na ponta da rama,
Quem quis é moça bunita
Casa no mei da semana
Que de sabo pa dumingo
Toda menina é bacana.
José Pedro dos Santos
Vaqueiro Zé Cassiano – 60 anos
Manoel Mendes - Correntina

“Vaquero do Nordeste”
Um vaqueiro do nordeste
Tem um valô do tisouro
Pur isso ama o gibão
Pernera e chapéu de coro.

Tem prazê de aboiá


Dexei cabo militá
Pra corrê atrás de toro.

Sô filho de Parnaíba
Daquela terras cansada,
Chove um ano e oto não
Quando chove é quase nada
Eu sô curado na venta
Pur nega desmantelada.
Pedro Oliveira
Vaqueiro Pedo Vaquero – 48 anos
Tbuinha – Riacho de Santana

Fragmentos da
décima do Boi Café
Se eu fosse esse vaquero
Eu num vistia mais coro
Dexava pra Fulozinho
Vestido de prata e oro.

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Francisquinho saiu ‘garrano
Quem pega esse boi é eu!
Os otos iscapô com vida
Francisquinho foi quem morreu.

Boi café era um boi,


Que amava no carrero
De longe apressentia
A catinga do vaquero.
Celso Cavalcante da Silva
Vaqueiro Celso – 61 anos
Laranjeira - Cristópolis

Fragmentos
Se eu fosse o vaqueirinho de hoje
Eu num vistia mais coro
Dexava pra Fulozinho
Pudê visti (r) prata e ouro

Ele foi busca um boi brabo na discida da ladera


Quando ee pego o cavalo de cima
O boi iscurregô e quebro o pé e a mão
Pa pudê fazê esse Fulozinho que é durão.
João Batista de Amorim
Vaqueiro João de Lulinha – 30 anos
Brauninha – Ibitiara

Aboios
Três coisa nesse mundo
Se Deus me desse eu quiria
Um cavalo bom de gado
E uma casa na Bahia
Uma morena bunita
Preu bejá ela todo dia.

Deus conde fez o mundo


Dexô tudo separado
O sul pra prantá cana
Catinga pra criá gado
Capuera pra lambu
Mato alvo pra viado
Ôlôôôôô... Saudades! Ôlôôôiii...

Minina me dá um beijo
Só num quero no pescoço
Quero na ponta da língua
No lugá que num tem osso
Pra quando eu fica velho
Eu relembrar qu’eu já fui moço
Êlêêêê... rêêêê...
Olímpio Marculino da Silva
Vaqueiro Olimpo – 42 anos
Laranjeira – Riacho de Santana

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E o cavalo e a mulé
Morrero tudo num dia
O cavalo eu tive pena
Da mulé tive aligria
Cavalo bom é difíci
Mulé ruim é todo dia
Êê... ôôôô... vida de gado!
Ôôêêêê... aaaêêêôôa...
Ôôô... boi laaaa... ôôô... êêê...

Minha mãe quando eu morre


Me interre num caxão
Uniforme de coro novo
Chapéu, jaleco e gibão
Mode2 cum São Pedo
Na festa de apartação
Ôôôêêê... ôôô... boi veío corredô...
Ôôêêê... ôôô... êêê.
Olegário monteiro dos Santos
Vaqueiro Olegaro Vaquero – 50 anos
Itaquassu Sete – Andaraí

Ôôôô... boi bunito!


Ai subino essa istrada
Vai leva nós pa onde
Nós qué que você vá
Sem um pingo de trabalho
Deus ajuda que nós sai fora...boi bunito!
Êêêêê... divaga mas nós chega lá
Boizim... ôôôô... ouôôô...
Boi carrero... quém, quém!
Êôôôô... boi
Ôôôôôôô... boião! Vai, vem, vem!
Iá, iá, iá... vai subino e desceno.
João Batista de Amorim
Vaquerio João de Lulinha – 30 anos
Brauninha - Ibitiara

Ôôôiii... Ôôôiiia... ôiôiôiaaa


Quando eu mnino novo
Só vistia camisão
Papai tratô de me botá
No mei de educação
Eu só pidia a ele
Chapéu de coro e gibão
Ôôôôôiii... ôôôiiia... ôiôiôiaaa
Ôôôôiii... ôôô Minerada vambora... ôôôiii... ôôôaaa.

Aligria do vaquero
É condo o sol evém saino
Qu’ ele arreia o bizerro
E iscuta a vaca gemeno
Uma morena de lado

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Pidino leite e bebeno
Ôôôôôiii... ôôôiiia... ôiôiôiaaa.
Paulino josé dos Santos
Vaqueiro Paulino Vaquero – 52 anos
Itaguassu Sete - Andaraí

Fui vaquero de Seu Mundico


Lá na fazendo Santana
Hoje tô vaquero velho
Mas cumigo ninguém s’ingana
Eu estô puxano gado
Bem alegre tomano brama
Ôi... êêêê... ôiii... ‘Fasta boi!!!

Eu morei lá na Santana
Tinha muitos boi véi de fama
Nós muntado im amufadinha
Nós tirano na cama boa véi
Ôi boi pra lá... ôi... ôi... ôi... boi... ‘ Fasta boi!!!
Ernest Lopes Carvalho
Vaqueiro Véi Ernesto- 66 anos
Faz. Rancho Algre – Carinhanha

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Anexos

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90
91
Referências
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94
Créditos das fotografias deste volume:
capa: Lázaro Menezes
páginas 4 e 5: Lárazo Menezes | página 7: Elias Mascarenhas | página 11: Lázaro Menezes
página 12: Elias Mascarenhas | página 17: Elias Mascarenhas | página 18: Lázaro Menezes
página 26: Elias Mascarenhas | página 32: Elias Mascarenhas | página 36/37: Elias Mascarenhas
página 38: Elias Mascarenhas | página 40: Elias Mascarenhas | páginas 42 e 43: Elias Mascarenhas
página 44: Lázaro Menezes | página 46: Lázaro Menezes | página 47 (topo): Elias Mascarenhas
página 47 (base): Lázaro Menezes | página 48: Lázaro Menezes | página 52: Elias Mascarenhas
página 62: Lázaro Menezes | página 64: Lázaro Menezes | páginas 71/72: Elias Mascarenhas
páginas 74/75: Elias Mascarenhas | páginas 78/79: Lázaro Menezes | página 80: Lázaro Menezes
página 87: Elias Mascarenhas | página 88: Lázaro Menezes
contra-capa: Oficina de Fotografia de Barra dos Negros - Morro de Chapéu

95
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A palavra patrimônio vem de pater, que, em latim, A coleção intitulada Cadernos do IPAC é o resultado
significa pai. Patrimônio é a herança deixada para a de uma parceria firmada entre o Instituto do Pa-
família e/ou para cidade, que poderá ser de origem trimônio Artístico e Cultural da Bahia e a Fundação
cultural ou natural. Pedro Calmon, autarquias vinculadas à Secretaria de
Cultura da Bahia.
Patrimônios culturais são os elementos criados
pelo homem e apropriados e legitimados pela socie- O projeto teve início em 2010, com a publicação do
dade que contam a história de um lugar, que fazem Cadernos do IPAC, 1 – Pano da Costa, resultado do tra-
referências às tradições e à maneira de ser de um OFÍCIO DE VAQUEIRO balho executado pela equipe técnica do Instituto em
povo, podendo ser material ou imaterial. 1984. Um exercício de resgate da memória da institu-
ição criada com o objetivo de preservar o patrimônio

Ofício de Vaqueiro
Os materiais são os bens construídos chamados de cultural baiano.
imóveis (casas, sobrados, palácios, fortificações etc.),
também são aqueles como as obras de arte, coleções, Dando prosseguimento ao projeto, os volumes 2
objetos religiosos, peças de artesanato etc., que po- – Festa da Boa Morte, 3 – Carnaval de Maragojipe, 4 –
dem ser deslocados e são chamados de bens móveis Desfile de Afoxés e 5 – Festa de Santa Bárbara são edições
ou integrados. dos dossiês elaborados para registro oficial pelo Go-
verno do Estado da Bahia de bens culturais imate-
Os bens imateriais ou intangíveis são as formas riais. Alguns incluem vídeo-documentário.
tradicionais de expressão e do fazer de um povo. Es-
tão presentes nas manifestações culturais populares, Com a nova estruturação do IPAC, a produção
assim como na maneira de produzir determinados desse projeto Cadernos do IPAC será ampliada com
objetos ou alimentos, por exemplo. a perspectiva de publicações que retratem, além de
pesquisas da instituição, o patrimônio cultural salva-
Já o patrimônio natural é o conjunto de todas as guardado no âmbito material e imaterial, dentro da
riquezas construídas pela natureza, como rios, lagos, principal finalidade do Instituto, que é a produção, a
cachoeiras, florestas etc., que configuram nossas preservação e a divulgação de bens da Bahia.
paisagens e enriquecem nosso meio ambiente.
Temos ainda os bens de natureza arqueológica, que
são grutas, pinturas rupestres e outras ocorrências.

Paulo Nunes
Arquiteto

Ofício de Vaqueiro
CADERNOS DO IPAC, 6

INSTITUTO DO PATRIMÔNIO
FUNDAÇÃO PEDRO CALMON ARTÍSTICO E CULTURAL DA BAHIA

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