Por Marília Gomes de Carvalho, Samara Feitosa e Sandro
Marcos Castro de Araújo
Vive-se hoje numa sociedade polissêmica, ou seja, ela é
caracterizada pela diversidade de significados, idéias, conceitos, palavras, atitudes, objetos, dentre outras manifestações da vida humana. Esta mesma sociedade vem sendo chamada de “tecnológica”, o que significa que se está cada vez mais rodeado de artefatos, objetos, bens e símbolos que remetem à tecnologia. Entretanto, o que é tecnologia? O termo é polissêmico na medida em que lhe são dados vários significados, dependendo do olhar lançado sobre este fenômeno. No senso comum, por exemplo, a tecnologia é vista como a expressão material de um processo que se manifesta através de instrumentos, máquinas, dentre outros, cuja suposta finalidade é melhorar a vida humana. Esta visão vem sendo bastante difundida principalmente através dos meios de comunicação que constantemente divulgam produtos e serviços tecnológicos que vieram para facilitar o cotidiano das pessoas, tornando-a mais confortável, mais rápida, mais eficiente, mais ágil e assim por diante. Tais produtos são feitos por empresas que, por sua vez, dão à tecnologia um significado instrumental. Isto quer dizer que a tecnologia tem o papel de possibilitar o aumento de produtividade e competitividade, melhorando o desempenho destas, assim como de seus próprios produtos. Deste ponto de vista, a tecnologia foi apontada por Marx (1975) como uma das forças produtivas que, juntamente com a força de trabalho, garantem a produção de mercadorias em maior quantidade e em menor tempo. A sua comercialização proporciona a acumulação ampliada do capital e a reprodução do capitalismo. Nesta perspectiva, a tecnologia é pensada de maneira a otimizar o processo produtivo de bens dirigidos ao mercado de consumo, o qual direciona a produção. Esta visão pragmática e utilitarista da tecnologia está também presente em outras instâncias da sociedade, tais como, órgãos governamentais, institutos de pesquisa, ensino e financiamento para o desenvolvimento científico e tecnológico. No Brasil, por exemplo, o Livro Verde do Ministério de Ciência e Tecnologia (2001) aponta para o fato de que os países em desenvolvimento vêm investindo na produção de conhecimento e inovação tecnológica pela percepção de que este é o elemento central da nova estrutura econômica que está surgindo e que a inovação é o principal veículo da transformação de conhecimento em valor. Pode-se perceber ainda que órgãos de financiamento como a Fundação .......... (Finep), criam suas linhas de crédito voltadas ao apoio de pesquisas de caráter científico e tecnológico que viabilizem principalmente empreendimentos competitivos direcionados para a produção de bens para o mercado. Isto tem levado a que instituições de ensino e de pesquisa passem a conceber a tecnologia sob o prisma instrumental, tornando-a o elemento fundamental na produção de bens para o mercado. Neste processo o conhecimento científico, é considerado crucial para o desenvolvimento tecnológico. A tecnologia vista como a aplicação de conhecimentos científicos, é outro significado que este termo recebe, especialmente em Vargas, 1994 que assim o define: "o estudo ou tratado das aplicações de métodos, teorias, experiências e conclusões das ciências ao conhecimento dos materiais e processos utilizados pela técnica" (1994, p. 213), ou ainda como "simbiose da técnica com a ciência moderna, consistindo também num conjunto de atividades humanas, associadas a um sistema de símbolos, instrumentos e máquinas visando a construção de obras e a fabricação de produtos , segundo teorias, métodos e processos da ciência moderna" ( 1994, p. 182). Entretanto, estas concepções utilitaristas não são as únicas presentes nas discussões acerca do universo tecnológico. Outras visões manifestam-se, sobretudo, no meio acadêmico, que na procura de pensar a tecnologia de forma mais ampla e profunda, apresentam conceitos diferentes dos abordados acima. Dentre eles, destaca-se a reflexão de Ruy Gama . Para o mesmo, "a tecnologia moderna é a ciência do trabalho produtivo" (GAMA, 1987, p. 85). Aqui merece ser ressaltado que Gama considera que tecnologia está ligada apenas ao sistema capitalista, visto que é por meio deste que se realiza o trabalho produtivo, ou seja, o trabalho que produz um valor de mercadoria, que é trocado por capital. Isto fica mais perceptível à medida que Gama esclarece o que, para ele, não é tecnologia, isto é, a tecnologia não é um conjunto de técnicas; não é a forma como os homens constroem as coisas, não é o conjunto de ferramentas, máquinas, aparelhos ou dispositivos, quer mecânicos quer eletrônicos, quer manuais quer automáticos; não é o conjunto de invenções, não é ciência aplicada; não é mercadoria e não deve ser confundida com o modo de produção capitalista (GAMA, 1986, p. 205-206-207). Esta visão amplia os horizontes das reflexões acerca do tema. A tecnologia assim concebida, não é mais apenas instrumental, mas passa a contemplar dimensões socioculturais envolvidas na sua produção. Porém, tal concepção centraliza a tecnologia como um fenômeno que se manifesta na sociedade moderna que se caracteriza pela existência do trabalho produtivo. Isto restringe a possibilidade de pensar que a tecnologia está presente também em outros tipos de organização social que não se moldam pela lógica capitalista. O processo de humanização por si só já traz a produção de instrumentos que viabilizam o trabalho por meio de um conhecimento que pode ser considerado tecnológico, pois implica na solução de desafios permanentemente enfrentados pelo grupo. Assim, a tecnologia perpassa todas as formações sociais porque na produção das condições materiais de vida, necessárias a qualquer sociedade, é imprescindível a criação, apropriação e manipulação de técnicas que carregam em si elementos culturais, políticos, religiosos e econômicos, constituintes da concretude da existência social. Deste ponto de vista, tecnologia está intrinsecamente presente tanto numa enxada quanto num computador. Em sua reflexão, Bastos (1998) incorpora esta concepção, envolvendo a dimensão da educação com a tecnologia. Sua preocupação não é somente conceituar tecnologia, mas propiciar uma interpretação de educação tecnológica que aborde questões relacionadas aos aspectos humanos, sociais , históricos , econômicos e culturais, pois para ele, são elementos fundamentais e esclarecedores da maneira como os homens criam tecnologia e com ela se relacionam define a tecnologia como:
"... a capacidade de perceber , compreender , criar, adaptar,
organizar e produzir insumos, produtos e serviços. Em outros termos, a tecnologia transcende a dimensão puramente técnica, ao desenvolvimento experimental ou à pesquisa em laboratório; ela envolve dimensões de engenharia de produção, qualidade, gerência, marketing, assistência técnica, vendas, dentre outras, que a tornam um vetor fundamental de expressão da cultura das sociedades (BASTOS, 1998, p. 32)."
Como já foi mencionado, uma das características marcantes da
sociedade atual é a polissemia. Portanto, não é pretensão nesta rápida discussão esgotar o tema e nem classificar as possíveis, e por vezes contraditórias, concepções de tecnologia existentes como equivocadas, mas apenas explicitar algumas formas sob as quais a tecnologia vem sendo interpretada. Cabe neste momento afirmar que a possibilidade de se compreender a tecnologia em sua relação com a dimensão sócio- cultural, na qual ela vem sendo gestada, representa, para os objetivos do GeTec, uma abordagem adequada que permite considerá-la um elemento fundante da vida social mas não determinante da mesma. Ela é parte da cultura e como tal deve ser compreendida. Por sua vez, conforme já foi visto, relações de gênero também podem ser pensadas como construções da cultura. Gênero e tecnologia, portanto, são dimensões que estão interrelacionadas na prática social e assim podem ser estudadas.
Referências bibliográficas:
BASTOS, João Augusto de Souza L A. Educação Tecnológica:
conceitos, características e perspectivas In: REVISTA TECNOLOGIA E INTERAÇÃO . Curitiba: CEFET – PR, 1998. GAMA, Ruy. A tecnologia e o trabalho na história. São Paulo: Nobel: Editora da Universidade de São Paulo, 1986. MARX, Karl. O Capital. Crítica da Economia Política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975. SILVA, C.G. e MELO, L.C.P. (coordenadores) Ciência, Tecnologia e Inovação: desafios para a sociedade brasileira. (Livro Verde). Brasil: Ministério da Ciência e Tecnologia/ Academia Brasileira de Ciências, 2001. VARGAS, Milton. Para uma filosofia da tecnologia. São Paulo: Alfa- Ômega, 1994.