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Aspectos morfossintáticos das construções topicalizadas em

Língua Brasileira de Sinais – Libras

Jair Barbosa da Silva (UFAL1)


Camila Tavares Leite (UFU2)
Humberto Meira de Araújo Neto (UFAL1)
Resumo

Este trabalho visa apresentar o estatuto morfossintático das construções topicalizadas (tópico
sentencial ou discursivo) em Libras. A discussão será empreendida levando-se em conta os
seguintes aspectos: 1) as línguas se prestam à interação entre seus utentes; 2) as estruturas
linguísticas atendem sempre a um propósito discursivo; 3) a estrutura sintática de uma sentença
numa dada língua não pode ser analisada apenas em termos tradicionais, observando-se sujeito,
verbo, complementos, adjuntos (Lambrecht, 1994; Ward e Birner, 2005). Diferentemente da
proposta de Quadros e Karnopp (2007), gerativista, a descrição ora proposta, funcionalista, não
adota a ideia de ordem básica (SVO).

Palavras-chave: Libras; Construções de tópico; Descrição morfossintática.

Abstract
This paper presents a morphosyntactic characterization of topicalized constructions in Libras. The
discussion will consider the following aspects: 1) languages interactions between its users; 2)
linguistic structures always support a discursive purpose; 3) the synctatic structure of a given
sentence cannot be analyzed just in traditional terms like subject, verb, complements and adjuncts.
Unlike the Quadros and Karnopp (2007), a generative proposal, the functional description proposed
in this paper does not adopt the idea of a basic order (SVO).

Key Words: Libras; Topic of Constructions; morphosyntactic description.

1. Introdução

As construções topicalizadas parecem ser um tipo de estrutura presente em diversas línguas


do mundo, quer sejam orais, quer de sinais. Hoje já se dispõe de uma vasta literatura acerca do
assunto, sobretudo para as línguas orais. Apesar de já existirem estudos voltados para esse tipo de
construção em línguas de modalidade gestovisual, a exemplo da ASL, poucas descrições foram
levadas a cabo na Língua Brasileira de Sinais (doravante, Libras). Trabalhos como os de Felipe
(1989), Ferreira Brito (1995) e Quadros e Kernopp (2007) fazem menção às construções de tópico
marcado na Libras, mas apenas como um fenômeno linguístico presente nessa língua, muitas vezes
tomando-se por base seu comportamento em línguas orais ou em outras línguas de sinais, sem
haver uma descrição mais apurada em que se levem em consideração os aspectos prosódicos,
morfossintáticos, semântico-pragmáticos e discursivos (em termos de usos reais da língua)
referentes às construções topicalizadas.

1 Universidade Federal de Alagoas, Brasil.


2 Universidade Federal de Uberlândia, Brasil.
Este trabalho, ainda embrionário, não visa dar conta de toda a complexidade do tema, nem
poderia, mas apenas trazer, a partir de uma perspectiva funcionalista da linguagem, algumas
reflexões que parecem adequadas no que concerne à morfossintaxe das construções topicalizadas
em Libras. O objetivo principal é apresentar o estatuto morfossintático das construções
topicalizadas (seja tópico sentencial ou discursivo) em Libras. A discussão será empreendida
levando-se em conta os seguintes aspectos: 1) que as línguas se prestam à interação entre seus
utentes; 2) que as estruturas linguísticas atendem sempre a um propósito discursivo; 3) que a
estrutura sintática de uma sentença numa dada língua não pode ser analisada apenas em termos
tradicionais, ou seja, observando-se a presença de sujeito, verbo, complementos e adjuntos
(Lambrecht, 1994; Ward e Birner, 2005).

2. Marco teórico

2.1 Construções de tópico

Segundo Berlink, Duarte e Oliveira (2009) à construção que se organiza com um


constituinte externo à sentença seguido de uma sentença-comentário dá-se o nome de tópico
marcado e há línguas que privilegiam este tipo de construção – as chamadas línguas com
proeminência de tópico, as quais são orientadas para o discurso, conforme proposta de Li e
Thompson (1976). Já outras línguas, em lugar de privilegiar a relação tópico-comentário,
privilegiam sujeito-predicado e estas são orientadas para a sentença.

As construções de tópico marcado também são conhecidas como ‘duplo sujeito’, “sendo o
‘sujeito externo’ o tópico (ou sujeito do discurso) e o interno, o sujeito sintático, um argumento
selecionado pelo predicador (externo e, às vezes, interno) que entra em relação de concordância
com o verbo”. (BERLINK, DUARTE e OLIVEIRA, 2009, p. 152). Para as autoras, a relação
estabelecida entre o tópico e a sentença-comentário não constitui um bloco unânime. Desse modo,
a depender do tipo de conectividade sintática entre o tópico e a sentença-comentário, classificam-se
tais relações em: anacoluto ou tópico pendente, deslocamento à esquerda, topicalização, tópico-
sujeito e antitópico3.

2.1.1 Anacoluto ou tópico pendente

Este tipo de construção acontece quando a conectividade entre o tópico e a sentença-


comentário é meramente semântica. Vejamos:

3
Categoria não analisada por nós.
(01) (...) os museus, os prédios tudo entregues às baratas não têm um cuidado né?
(02) Filme, eu gosto mais de comédia.
(03) Salada, as verduras, as verduras têm de ser bem limpas.

Como se observa, a relação ou conectividade existente entre os museus, filme e salada com
as respectivas sentenças-comentário subsequentes não é sintática, ou seja, os tópicos referidos não
são argumentos dos verbos, nem interno nem externo, tampouco exercem qualquer função sintática
na sentença-comentário. No entanto, do ponto de vista da estrutura da informação, é coerente a
presença da codificação dos tópicos os museus, filme e salada, uma vez que semanticamente
museus >4 prédios; filme > comédia; e salada > verduras.

A tradição gramatical denomina esse tipo de construção de anacoluto, “período iniciado


por uma palavra ou locução, seguida de pausa, que tem como continuação uma oração em que essa
palavra ou locução não se integra sintaticamente, embora esteja integrada pelo sentido”,
(HOUAISS, 2009, versão eletrônica) e pertence às figuras de linguagem, é visto como desviante
das construções ditas canônicas; modernamente, os estudos linguísticos têm rotulado tais
construções de tópico pendente.

Em línguas como o Português do Brasil, ao lado de construções com sujeito-predicado,


apresenta-se um sem número de construções do tipo tópico-comentário. Conforme postulam Li e
Thompson (1976), o fato de uma língua ser mais orientada para a sentença ou para o discurso, isso
não impede a ocorrência de um ou de outro tipo de construção, importando verificar-se a
proeminência delas.

2.1.2 Deslocamento à esquerda

Quando um constituinte na posição de tópico tem um correferente expresso na sentença-


comentário, diz-se que há deslocamento à esquerda (DE), embora não haja movimento de
constituinte para a posição de tópico, já que o correferente ocupa a posição sintática na sentença-
comentário, como ocorre em (04), (05) e (06), abaixo.

(04) A leucemia, ela é uma doença terrível, pois afeta o sangue sem a pessoa perceber.
(05) ... as pessoas, elas por exemplo não têm acesso não à prevenção que seria ideal num
é?
(06) O Fernando, eu encontrei ele no hospital.

4
Usamos o símbolo “>” para indicar alguma relação semântica de continência: hiperonímia, metonímia etc.
Leia-se X>Y = X contém ou está contido em Y.
Para Berlink, Duarte e Oliveira (2009), esse tipo de estruturação sintática (DE) ocorre com
ou sem pausa entre o tópico e o sujeito. Além disso, podem aparecer ou não elementos
intervenientes entre o tópico e o pronome a ele coindexado nos casos de correferencialidade do
sujeito. Outro dado interessante apontado pelas autoras é o seguinte:

o português brasileiro desenvolveu um paradigma de pronomes fracos,


que substituem o sujeito nulo dentro de uma sentença-comentário,
opondo-se à série de pronomes fortes, localizados à margem esquerda da
sentença. Como as duas séries são quase homófonas em português, (ao
contrário do francês e do inglês, por exemplo), (...) essa oposição pode
ser vista na possibilidade de múltiplos tópicos [como em (07) e (08) em
que o pronome em negrito é tópico e o sublinhado é sujeito da sentença-
comentário]. (BERLINK, DUARTE e OLIVEIRA, 2009, p. 156)

Há casos, ainda, em que o DE ocorre numa sequência múltipla, sendo que um dos
elementos da sequência é homófono ao sujeito e entre a sequência tópica e a sentença-comentário
há hesitação, conforme (07) e (08).

(07) A professorai, elai, ... no fundo ela é uma orientadora.


(08) O data showi, elei ... depois da queda de energia ele não pega de jeito nenhum.

Neste caso, há uma sequência de tópicos representada por (i) a professora e (ii) ela e o
sujeito que além de ser correferencial a a professora é homófono ao tópico ela em (07); já em (08),
o data show e ele constituem múltiplos tópicos e ele, de igual forma é correferencial a o data show
e homófono a ele. A fim de tornar a informação mais clara, veja-se o quadro abaixo:

Quadro 1 – Distribuição de tópicos múltiplos.

Tópico II Sujeito

A professora ela ela (correferente a “a professora”, tópico I, e homófono


a “ela”, tópico II) é uma orientadora

O data show ele ele (correferente a “o data show”, tópico I, e homófono


a “ele”, tópico II) não pega de jeito nenhum.

2.1.3 Topicalização

A topicalização (Top) diz respeito ao fato de haver uma posição vazia à qual o tópico está
vinculado dentro da sentença-comentário, diferentemente dos casos de DE, e é exatamente aí que
reside a diferença entre Top e DE. Vejamos (09) e (10) abaixo.

(09) Jogo de futebol, eu detesto [-].


(10) 
Da Holanda, duvido o Brasil ganhar [-].

Os tópicos em (09) e (10) estão vinculados, respectivamente, ao argumento interno dos


verbos detestar e ganhar. A Top, conforme Berlink, Duarte e Oliveira, (2009) é “uma operação
sintática que envolveria o movimento de um constituinte para a posição de tópico, deixando um
vestígio, aqui representado por um traço [-] na sua posição de origem”, (157). É bom salientar, no
entanto, que há estudiosos que não concordam com a ideia de “deslocamento”, por crerem que um
dado constituinte, no caso específico, os complementos verbais, é produzido na própria posição de
tópico a fim de cumprir determinadas funções comunicativas. Assim sendo, não haveria
movimento.

Nos casos de Top, muitas vezes ocorre de um constituinte em posição oblíqua aparecer na
posição de tópico sem a preposição, caso que seria restrito se o constituinte estivesse na sua
posição de origem. (BERLINK, DUARTE e OLIVEIRA, 2009, p. 157).

(11) Agora o CESMAC tudo é pago. 



(12) Recife tá uma violência terrível.
(13) A UFAL, à noite, as aulas vai até dez horas...
(14) Próximo ano eu só vô tirá dez em Matemática.

Caso os constituintes em posição de tópico estivessem no seu “lugar de origem”, de


posição não marcada, seria pouco provável que aparecessem sem serem encabeçados por
preposição, mesmo num registro mais frouxo de uso da língua. Senão, vejamos:

(15) *Agora tudo é pago o CESMAC. 



(16) ??Tá uma violência terrível Recife.
(17) *As aulas vai até dez horas a UFAL, à noite...
(18) ??Eu só vô tirá dez em Matemática próximo ano. 


Em geral, parece razoável, portanto, considerar que a ordem dos os constituintes na


sentença não são meros movimentos, no caso da Top, para a esquerda da sentença: antes disso, há
uma questão aí de ordem pragmático-discursiva.

2.1.4 Tópico-sujeito
Por fim, conforme a proposta de Berlink, Duarte e Oliveira (2009), existem construções em
que o tópico se encontra numa sentença com um sujeito nulo não argumental.

(19) O Amazonas, [Øexpl] é impressionante o número de frutas...


(20) A televisão, [Øexpl] é horroroso quando eles estão fazendo programa.

Parece haver aí o que as autoras chamam de reanálise do tópico como sujeito, ocasionada
pela proximidade do tópico com o comentário, mais a necessidade de preenchimento do sujeito,
hoje fato no PB. Para Berlink, Duarte e Oliveira (2009), “a orientação para o discurso e a
preferência pelos sujeitos pronominais preenchidos são certamente os fatores que têm levado ao
preenchimento da posição à esquerda do verbo que não seleciona um argumento externo”, (160)

Como se pode observar, de modo geral, as autoras atribuem a ocorrência de tópicos em


Português à necessidade de preenchimento de posição à esquerda do verbo. É bom lembrar que não
é mera necessidade de preencher, uma vez que cada opção do falante está respaldada numa
intenção comunicativa, nos termos de Lambrecht (1994) e Givón (1995). Em outras palavras, pode-
se dizer que há, sim, a necessidade estrutural de preencher, porém, há, também, a inevitável
intenção do falante de interagir com o ouvinte de modo a ser compreendido, bem interpretado,
enfim, há a necessidade comunicacional. De outro modo, entendemos que a estruturação sintática,
passa, antes, pela estruturação pragmática.

2.2 Construções de tópico na Libras

A Língua Brasileira de Sinais (doravante, Libras) é um língua com rica diversidade


estrutural tal qual ocorre na maioria das línguas naturais. Dentre essa diversidade estrutural, pode-
se citar as construções de tópico (sentencial ou discursivo) como sendo um tipo de fenômeno
bastante produtivo na língua. É importante salientar que, como nas línguas orais, as construções
topicalizadas desempenham funções gramaticais e discursivas distintas, as quais vão de funções
gramaticais tradicionais, como sujeito e objeto, passando funções que estão acima dos segmentos, a
exemplo da prosódia, até funções pragmáticas, propriamente ditas, aqui entendidas como aquilo
cujos sentidos são negociados no uso da língua.
Conforme Kimmelman e Pfau (2016), há muito as construções de tópico vêm sendo
estudadas em línguas de sinais, tais como a ASL, cujas primeiras investigações datam da década de
70 com as pesquisas de Friedman (1979) e Ingram (1978). Se comparadas às construções focais, as
de tópico, desde sempre, têm recebido maior atenção; segundo ainda Kimmelman e Pfau (2016):
[…] they have been studied for various unrelated SLs, such as ASL
(Aarons 1994; Todd 2008), Finnish SL (FinSL: Jantunen 2007), Hong
Kong SL (HKSL: Sze 2008b, 2011), Israeli SL (ISL: Rosenstein 2001),
NGT (Coerts 1992; Crasborn et al. 2009), and Russian SL (RSL:
Kimmelman 2015). (KIMMELMAN e PFAU, 2016, p. 817)

No que concerne à Libras, o trabalho de Quadros e Karnnop (2007) é o que mais se atém a
esse tipo de fenômeno linguístico na Libras. As autoras, partindo de uma perspectiva gerativista,
defendem que a partir de uma estrutura de base, SVO, essa língua deriva sentenças com os
seguintes padrões: SOV, OSV, OSVO, SSVO, (152). Sob essa ótica, em Libras, pode-se ter as
sentenças a seguir5:

_____AS6
(21) MARIA ASSISTIR TV. (SVO)
‘A Maria assiste TV.’
______AS
(22) MARIA, CARRO COMPRAR. (SOV)
‘*Maria, o carro comprou.’
__AS
(23) TV, MARIA ASSISTIR. (OSV)
‘TV, a Maria assiste.’
________AS
(24) FUTEBOL, MARIA GOSTAR FUTEBOL. (OSVO)
‘Futebol, a Maria gosta de futebol.’
_____AS
(25) MARIA, MARIA GOSTAR FUTEBOL. (SSVO)
‘A Maria, a Maria gosta de futebol.’

Nesses termos, na base de todas essas sentenças ter-se-ia uma estrutura SVO, sendo que na
superfície elas são expressas com variação quanto à ordem. Sob a ótica dessa perspectiva teórica
(gerativista), determinados constituintes sintáticos são “deslocados” para a margem esquerda da
sentença, deixando no seu “lugar de origem” um vazio não preenchido, um pronome cópia ou uma
cópia por um item lexical análoga ao termo em posição de tópico.
É importante observar que as construções de tópico em Libras, por se tratar de uma língua
gestovisual, apresenta características bastante peculiares: apontação de referentes, ausência
marcada de algumas preposições e conjunções e mesmo repetição de sinal lexical, como se pode

5
Dados de (21 a 25) retirados de atividades da disciplina de Sintaxe realizadas em Libras por alunos do 3º
semestre do Curso de Letras-Libras da Universidade Federal de Alagoas – Brasil.
6
AS – arqueamento de sobrancelhas.
ver em (24) e (25) em que o constituinte topicalizado é também preenchido na sentença-
comentário. Ao que parece, não se trata de construções com dois objetos ou dois sujeitos, mas de
um objeto e sujeito topicalizados e novamente lexicalmente preenchidos pela própria necessidade
da modalidade da língua, além das propriedades pragmáticas requeridas pelo discurso.
Além das características supramencionadas, à estrutura sintática da Libras estão associadas
marcas não manuais, de natureza prosódica, a exemplo do arqueamento de sobrancelhas e marcas
de ordem pragmática, como as apontações indexicais, direção do olhar, típicas das línguas de
sinais. Do ponto de vista estritamente estrutural, as construções de tópico em Libras se comportam
de modo análogo às das línguas orais, ou seja, podem aparecer sob a forma de anacoluto ou tópico
pendente, deslocamento à esquerda, topicalização, tópico-sujeito e antitópico.
Para Kimmelman e Pfau (2016), “The data [sobre as investigações das línguas de sinais
em geral] reveal that across SLs, topic (backgrounded) information tends to occupy a left-
peripheral position in the clause; also, it is often accompanied by a non-manual marker (e.g. raised
eyebrows) and followed by a prosodic break.”, (817).
Por fim, saliente-se que nem sempre tópicos são sujeitos gramaticais e sujeitos gramaticais,
necessariamente, não são tópicos (Lambrecht, 1994, 18). Para Wilbur (2012) em algumas línguas
como o Japonês o sujeito é marcado morfologicamente com um afixo (ga), ao passo que o tópico é
marcado pelo afixo (wa). Assim, em línguas em que a marca morfológica se faz presente, parece
muito mais transparente a diferença entre sujeito e tópico, ao contrário das línguas que o fazem
apenas por posição e por marcação prosódica como parece ser o caso da Libras. Neste caso, pode
mesmo haver acúmulo de funções, conforme prevê Givón (1995).

3. Dos procedimentos metodológicos

Trata-se de uma pesquisa piloto cujo objetivo central é apresentar os estatuto


morfossintático das construções de tópico em Libras. Toma-se, para isso, uma visão funcionalista
da linguagem por meio da qual as estruturas das línguas são determinadas pragmaticamente; em
outros termos, a língua em uso.
A pesquisa surge a partir da ministração da disciplina de Sintaxe no Curso de Licenciatura
em Letras-Libras da Universidade Federal de Alagoas, em que grupos de alunos do 3º semestre do
Curso foram solicitados a produzir, a partir de verbos previamente dados (monovalentes, bivalentes
e trivalentes), sentenças com o preenchimento dos argumentos requeridos pela semântica desses
verbos, conforme quadro abaixo.

Quadro 2 – Tipos de verbo quanto à valência


VERBO MONOVALENTE BIVALENTE TRIVALENTE
ASSISTIR X
COMER X
COMPRAR X
DAR X
EMPRESTAR X
ENTREGAR X
GOSTAR X
MORRER X
SAIR X
SORRIR X

Os estudantes, aos pares, num total de 16, portanto 08 duplas, todos surdos, fizeram
01sentença em Libras para cada verbo do quadro 2 a fim de resolverem o exercício, o qual foi
registrado em vídeo. O exercício tinha como estímulo uma figura de uma menina, a que chamou-se
de Maria, e uma série de objetos para formação das sentenças, como se segue para fins de
ilustração.

Quadro 3 – Modelo de estímulo para produção de sentenças

Após a realização da atividade, consequentemente, da coleta dos dados, aqueles que não
apresentaram problemas referentes às gravações foram armazenados em dispositivo físico (HD
externo) e em nuvem para análise posterior. Como o propósito deste trabalho não é quantificar um
dado fenômeno linguístico, tampouco avaliar frequência 7 , apenas algumas das sentenças
produzidas pelos alunos serão analisadas neste estudo.
A representação dos sinais foi feita em glosas com palavras do português, escritas em
maiúsculas, como costumeiramente se faz es estudos de línguas de sinais (com a escrita do país de
origem), embora sabendo dos riscos que isso traz, a exemplo da não fidelidade sinal/palavra.
Abaixo da tradução, traz-se a escrita da sentença em português do Brasil. Para a marcação das
construções de tópico, usou-se, nas glosas, semelhante ao que se faz na literatura pertinente ao
tema, a vírgula, mesmo nos casos em que se tem, do ponto de vista estritamente sintático, sujeito e
predicado, constituintes inseparáveis por esse sinal de pontuação. Importante, portanto, não
confundir o que é da ordem da escrita do Português daquilo que constitui mera representação da
Libras por meio de glosas.
4. Morfossintaxe das construções de tópico em Libras

Para fins de análise, as sentenças acima transcritas de (21) a (25), serão replicadas abaixo:
_____AS
(26) MARIA ASSISTIR TV. (SVO)
‘A Maria assiste TV.’
______AS
(27) MARIA, CARRO COMPRAR. (SOV)
‘*Maria, o carro comprou.’
__AS
(28) TV, MARIA ASSISTIR. (OSV)
‘TV, a Maria assiste.’
________AS
(29) FUTEBOL, MARIA GOSTAR FUTEBOL. (OSVO)
‘Futebol, a Maria gosta de futebol.’
_____AS
(30) MARIA, MARIA GOSTAR FUTEBOL. (SSVO)
‘A Maria, a Maria gosta de futebol.’

Em primeiro lugar cabe destacar que, assim como nas línguas orais, na Libras, as
construções de tópico podem ser de dois tipos: sentencial e discursiva. Aquelas ocorrem quando o
constituinte na posição de tópico exerce alguma função sintática na sentença comentário; já as do
tipo discursiva ocorrem em contextos em que a relação entre o item em posição de tópico e a
sentença-comentário não estabelecem entre si qualquer vínculo sintático. Neste caso, as relações

7
Defende-se, neste estudo, que mesmo numa estrutura do tipo SVO um dado constituinte pode, ao mesmo
tempo, ser, do ponto de vista sintático, sujeito, e, pragmaticamente, funcionar como tópico e mesmo foco,
nos termos de Givón (1995). Por essa lógica, pouco importa a verificação de frequência quanto às
ocorrências das construções de tópico, uma vez que elas estarão, em termos mais gerais, presentes de uma
forma ou de outra nas sentenças da língua – Libras.
são sempre de ordem semanto-pragmáticas, especialmente relações semânticas de continência, em
que o elemento tópico contém ou está contido em algum dos termos da sentença, estabelecendo
com eles fenômenos semânticos como hiperonímia, hiponímia, metonímia, metáfora, reduplicação,
dentre outros, como se pode verificar em (31)8, abaixo.

______AS
(31) ANIMAL, EU GOSTAR GATO.
‘Animal, eu gosto de gato.’

A sentença-comentário EU GOSTAR GATO encontra-se realizada de forma plena, ou seja,


com todos os constituintes exigidos pela grade temática do verbo, com distribuição interna SVO.
No entanto, o falante acresce a essa sentença o tópico ANIMAL, cuja relação de continência dá-se
com o objeto GATO, por mecanismo de hiperonímia em que ANIMAL > GATO. Esse tipo de
arranjo sintático é bastante frequente na Libras, mas restrito a alguns tipos de verbos9.

Em Libras, como nas línguas orais em geral, o mecanismo da topicalização é expresso com
o posicionamento de elementos à esquerda da sentença-comentário e, de forma análoga ao que
ocorre nas línguas orais, o elemento na posição de tópico pode ou não ter função argumental,
sendo, por vezes, a conexão estabelecida entre o elemento tópico e o comentário meramente
semanto-discursiva. Quando o elemento tópico tem função argumental, diz-se sentencial; quando
não, discursivo. Assim, tem-se nessa língua uma vasto número de possibilidades de usos
linguísticos com diferentes modos de dispor os constituintes na sentença ou no discurso. Embora
haja diferenças estruturais em relação ao tópico sentencial e ao discursivo, em algumas
perspectivas funcionalistas, a exemplo de Lambrecht (1994) ambos os tipos de construção têm o
mesmo modus operandi: aboutness, ou seja, um dado constituinte é colocado em evidência e sobre
ele se declara algo, faz-se o destinatário saber algo sobre esse constituinte.

Diante dos dados linguísticos de que se dispõe até o momento, constata-se que as
construções topicalizadas em Libras apresentam, em suma, as seguintes características: a) do ponto
de vista morfológico: as categorias topicalizadas são sempre nominais e locativos, no caso sem
cabeça, já que em Libras preposições são marcadas por elemento indexical, como se vê de (26) a
(31), onde aparecem, respectivamente: (26) MARIA, (27) MARIA, (28) TV, (29) FUTEBOL, (30)
MARIA e (31) ANIMAIS; b) do ponto de vista sintático, os elementos topicalizados podem ser
argumentos externos ou internos do verbo, conforme (26), (27), (28), ou meramente um elemento
cuja relação com a predicação é discursiva no sentido de que a relação entre o tópico e a sentença-

8
Dado retirado de Quadros e Kernopp (2007).
9
Esta pesquisa ainda está em andamento, não temos, portanto, ainda uma descrição precisa dessas
construções. Já sabemos, no entanto, que a depender do tipo de verbo usado, há restrição para topicalizar e
mesmo para uso de determinados tipos de topicalização.
comentário só pode ser apreendida em termos pragmáticos, como em (31); por outro lado,
sentenças como (29) e (30), em que o elemento tópico é replicado no homônimo, não deixa de ser
um tópico menos discursivo do que (31), mas agora por redundância, que é importante faceta da
interação; outro fator relevante a ser observado, o que difere das línguas orais, é que mais de um
elemento (de natureza argumental), pode ser topicalizado em Libras ao mesmo tempo; ainda em
termos sintáticos, do ponto de vista da expressão gestovisual, importante informação é marcada na
Libras quando do uso de construções de tópico: o arqueamento das sobrancelhas, o qual está
presente mesmo em estruturas como (26) que em Português é menos marcada, portanto, mais
adequadamente descrita como sendo do tipo sujeito-predicado. Em Libras ela se comporta
exatamente como as sentenças do tipo tópico-comentário.

Para Quadros e Karnopp (2007), “Uma explicação plausível para a aparente flexibilidade
da ordem da frase na língua de sinais brasileira está relacionada ao mecanismo gramatical da
topicalizaçao
̃ . Esse mecanismo está associado à marcação não manual com a elevaçaõ das
sobrancelhas”, (146). E, para além disso, o mecanismo de topicalização ou de uso de tópico
marcado diz respeito a uma estratégia discursiva extremamente produtiva na Libras, uma vez que
se trata de uma língua gestovisual, em que a marcação dos elementos linguísticos é de extrema
importância para o uso e interação linguísticos.

Como defende Wilbur (2012),

A variety of mechanisms are used to show items of reduced contextual


significance: use of assigned spatial location and eye gaze for previously
introduced referents; use of the non-dominant hand for back- grounded
information; use of classifiers as pronominal indicators of previously
introduced referents; and complex noun phrases that allow a single
occurrence of a noun to simultaneously serve multiple functions.
(WILBUR, 2012, p. 470).

As construções de tópico marcado em Libras parecem, portanto, em primeira instância,


serem necessárias para clareza do discurso por meio de uma representação em que o sinal,
topicalizado, funciona como algo que está na mão do sinalizador à mostra do interlocutor. Trata-se,
por assim, dizer de uma estratégia discursiva (está-se defendendo que o tópico é sempre discursivo)
cuja marcação dar-se-á morfossintaticamente na estrutura da língua. Por assim ser, defende-se que
estruturalmente a Libras pode apresentar os seguintes arranjos, sem que haja um de base (como
proposto por Quadros e Karnopp (2007), mas apenas formas alternativas de organização do
discurso: S(Top)VO; S(Top)OV; OTopSV; Top(S ou O)SVO. Em todos esses arranjos,
predominantemente, as construções de tópico são lexicalizadas por nominais ou locativos (podendo
aparecer, de modo pouco frequente, outras formas linguísticas) e todas, sem exceção, apresentam-
se com marcação não manual de arqueamento das sobrancelhas.

5. Notas finais

Em linhas gerais, esse artigo traz algumas reflexões iniciais acerca das construções de
tópico marcado em Libras. Nossa pesquisa sobre o assunto encontra-se em andamento, portanto, os
achados que se tem até o momento ainda dizem pouco diante da diversidade de usos dessas
construções numa língua de modalidade gestovisual como a Libras, em que parte da informação
está lexicalizada e parte indexada, por meio de uma gramática espacial, sobre a qual há muito ainda
a se dizer/pesquisar, sobretudo no que tange à estrutura da informação em seus aspectos semântico-
pragmáticos.

Referências

Büring, D. (2005). Semantics, intonation and information structure. London: UCLA.

Berlink, R., Duarte, M. E., & Oliveira, M. (2009). Predicação. In: M. A. Kato, & M. Nascimento,
Gramática do português culto falado no Brasil: a construção da setença. Campinas: Unicamp.

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