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Cirurgia

Cardiovascular

© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA


I
CBC – Colégio Brasileiro de Cirurgiões – Clínica Brasileira de Cirurgia

(Coleção Completa 3 volumes) 1996

• Vol. 1 Marcos Moraes – Princípios Gerais de Cirurgia Oncológica


• Vol. 2 Fernando Barroso – Cirurgia da Doença Péptica Gastroduodenal – Estado Atual
• Vol. 3 João Marchesini – Doença do Refluxo Gastroesofágico

(Coleção Completa 3 volumes) 1997

• Vol. 1 Alcino Lázaro – Hérnias da Parede Abdominal


• Vol. 2 Ximenes e Saad Jr. – Cirurgia Torácica
• Vol. 3 Habr-Gama – Doença Inflamatória Intestinal

(Coleção Completa) 1998

• Vol. 2 Savassi e Rodrigues – Complicações em Cirurgia do Aparelho Digestivo

(Coleção Completa 4 volumes) 1999/00/02/03/04

• Vol. 1 José Antonio – Cirurgia Ambulatorial


• Vol. 2 Margarido – Aspectos Técnicos em Cirurgia
• Vol. 4 Campos – Nutrição em Cirurgia
• Vol. 5 Wazen – Hemorragia Digestiva Alta: Diagnóstico e Tratamento

(Coleção Completa 4 volumes) 2005

• Vol. 1 Srougi – Urologia de Urgência


• Vol. 2 Kowalski – Afecções Cirúrgicas do Pescoço
• Vol. 3 Oliveira – Cirurgia Cardiovascular
• Vol. 4 Coelho – Afecções Cirúrgicas do Fígado

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II
CLÍNICA BRASILEIRA DE CIRURGIA
COLÉGIO BRASILEIRO DE CIRURGIÕES

Cirurgia
Cardiovascular
Editores Convidados
Sérgio Almeida de Oliveira
Professor Titular de Cirurgia Torácica e Cardiovascular da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo, FMUSP.
Diretor da Divisão de Cirurgia do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade
de Medicina da Universidade de São Paulo, InCor, HC-FMUSP

Luiz Augusto Ferreira Lisboa


Doutor em Cirurgia Torácica e Cardiovascular pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, FMUSP.
Médico-assistente da Divisão de Cirurgia do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade
de Medicina da Universidade de São Paulo, InCor, HC-FMUSP

Luís Alberto Oliveira Dallan


Professor livre-docente em Cirurgia Torácica e Cardiovascular pela Faculdade
de Medicina da Universidade de São Paulo, FMUSP.
Diretor do Serviço de Coronariopatia da Divisão de Cirurgia do Instituto do Coração do
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, InCor, HC-FMUSP

ANO X - VOLUME IIII


2005

São Paulo • Rio de Janeiro • Ribeirão Preto • Belo Horizonte

© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA


III
EDITORA ATHENEU
São Paulo — Rua Jesuíno Pascoal, 30
Tels.: (11) 3331-9186 • 223-0143 • 222-4199
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PLANEJAMENTO GRÁFICO/CAPA: Equipe Atheneu

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Cirurgia cardiovascular/editores convidados Sérgio Almeida de Oliveira,


Luiz Augusto Ferreira Lisboa, Luís Alberto Oliveira Dallan. — São Paulo:
Editora Atheneu, 2005.
(Série Colégio Brasileiro de Cirurgiões)

Vários autores.

1. Sistema cardiovascular — Cirurgia. I. Oliveira, Sérgio Almeida


de. II. Lisboa, Luiz Augusto Ferreira. III. Dallan, Luís Alberto Oliveira.
IV. Série.

CDD-617.41
05-6742 NLM-WG 169

Índices para catálogo sistemático:


1. Cirurgia cardiovascular: Medicina 617.41

OLIVEIRA S.A., LISBOA L.A.F., DALLAN L.A.D.


Cirurgia Cardiovascular
© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU — São Paulo, Rio de Janeiro, Ribeirão Preto, Belo Horizonte, 2005

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IV
Colaboradores

ALEXANDRE CIAPPINA HUEB


Doutor pela Disciplina de Cirurgia Torácica e Cardiovascular do Departamento de
Cardiopneumologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, FMUSP.
Médico da Divisão Cirúrgica do Instituto do Coração, InCor

ALFREDO I. FIORELLI
Diretor do Serviço de Perfusão da Divisão de Cirurgia do Instituto do Coração do Hospital
das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, InCor, HC-FMUSP. Doutor em
Cirurgia Torácica e Cardiovascular pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, FMUSP

ALTAMIRO RIBEIRO DIAS


Professor livre-docente da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, FMUSP.
Médico-assistente da Divisão de Cirurgia do Instituto do Coração do Hospital das
Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, InCor, HC-FMUSP

ÁLVARO RAZUK
Professor assistente e doutor da Disciplina de Cirurgia Vascular pelo Departamento de
Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo

ANDERSON BENÍCIO
Mestre em Ciências pelo Departamento de Cirurgia Torácica e Cardiovascular da Faculdade
de Medicina da Universidade de São Paulo, FMUSP. Médico-assistente do Departamento de
Cirurgia Torácica e Cardiovascular do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, InCor, HC-FMUSP

CARLA TANAMATI
Doutora em Cirurgia Torácica e Cardiovascular pela Faculdade de Medicina da Universidade
de São Paulo, FMUSP. Médico-assistente de Cirurgia Cardíaca Pediátrica do Instituto do Coração
do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, InCor, HC-FMUSP

CARLOS ALBERTO CORDEIRO DE ABREU FILHO


Doutor em Cirurgia Torácica e Cardiovascular pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, FMUSP

CARLOS MANUEL DE ALMEIDA BRANDÃO


Médico-assistente da Divisão de Cirurgia do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade
de Medicina da Universidade de São Paulo, InCor, HC-FMUSP. Doutor em Medicina
pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, FMUSP

© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA


V
CYRILLO CAVALHEIRO FILHO
Médico hematologista e hemoterapêuta. Professor colaborador da disciplina de Hematologia
da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, FMUSP. Doutor em Medicina pela Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo, FMUSP. Responsável pela agência transfusional do Instituto do Coração
do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, InCor, HC-FMUSP

DOMINGO M. BRAILE
Professor titular do Departamento de Cardiologia da Faculdade Estadual de Medicina de São José do Rio Preto

ENIO BUFFOLO
Professor titular da Disciplina de Cirurgia Cardiovascular da Escola Paulista de Medicina, Unifesp-EPM.
Chefe Departamento de Cirurgia da Escola Paulista de Medicina, Unifesp-EPM

FABIO BISCEGLI JATENE


Livre-docente pela Disciplina de Cirurgia Torácica e Cardiovascular do Departamento de Cardiopneumologia
da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, FMUSP. Diretor do Serviço de Cirurgia Torácica
do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, HC-FMUSP.
Médico-assistente da Divisão Cirúrgica do Instituto do Coração, InCor

JANUÁRIO MANOEL DE SOUZA


Cirurgião cardiovascular do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo.
Equipe do Prof. Dr. Sérgio Almeida de Oliveira.

JOÃO CARLOS FERREIRA LEAL


Assistente do Departamento de Cardiologia e Cirurgia Cardiovascular da Faculdade
Estadual de Medicina de São José do Rio Preto

JOÃO GALANTIER
Pós-graduando da disciplina de Cirurgia Torácica e Cardiovascular da Faculdade
de Medicina da Universidade de São Paulo, FMUSP

JOÃO NELSON RODRIGUES BRANCO


Professor adjunto da disciplina de Cirurgia Cardiovascular da Escola Paulista de Medicina, Unifesp-EPM.
Chefe do setor de Transplante Cardíaco da Escola Paulista de Medicina, Unifesp-EPM

DR. JOSÉ DE LIMA OLIVEIRA JR.


Pós-graduando da disciplina de Cirurgia Torácica e Cardiovascular da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, FMUSP

JOSÉ GUSTAVO PARREIRA


Professor assistente e doutor. Disciplina de Cirurgia de Emergência do Departamento
de Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, FCMSCSP

JOSÉ OTÁVIO COSTA AULER JÚNIOR


Professor titular de Anestesiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, FMUSP.
Diretor do Serviço de Anestesiologia e UTI Cirúrgica do Instituto do Coração do Hospital
das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, InCor, HC-FMUSP

LUCIANA PEREIRA ALMEIDA DE PIANO


Biomédica, aluna de Pós-graduação da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, FMUSP

LUCIANO DE FIGUEIREDO AGUIAR


Professor afiliado da disciplina de Cirurgia Cardiovascular da Escola Paulista de Medicina, Unifesp-EPM
LUCIANO RAPOLD SOUZA
Doutor em Cirurgia Torácica e Cardiovascular pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, FMUSP

LUÍS ALBERTO OLIVEIRA DALLAN


Professor livre-docente em Cirurgia Torácica e Cardiovascular pela Faculdade de Medicina da Universidade de
São Paulo, FMUSP. Diretor do Serviço de Coronariopatia da Divisão de Cirurgia do Instituto do Coração do/
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, InCor, HC-FMUSP

LUIZ AUGUSTO FERREIRA LISBOA


Doutor em Cirurgia Torácica e Cardiovascular pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, FMUSP.
Médico-assistente da divisão de Cirurgia do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade
de Medicina da Universidade de São Paulo, InCor, HC-FMUSP

LUIZ BORO PUIG


Professor livre-docente em Cirurgia Torácica e Cardiovascular pela Faculdade de Medicina da Universidade de
São Paulo, FMUSP. Médico-assistente da divisão de Cirurgia do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas
da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, InCor, HC-FMUSP

LUIZ CÉSAR GUARITA SOUZA


Doutorado (PhD) pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, FCMSCSP.
Pós-doutorado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, FMUSP.
Professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Cirurgião da Clínica Cardiológica C. Costantini,
Curitiba-PR. Cirurgião da Santa Casa de São Paulo

LUIZ FELIPE P. MOREIRA


Professor livre-docente de Cirurgia Torácica e Cardiovascular pela Faculdade de Medicina da Universidade de
São Paulo, FMUSP. Diretor da Unidade Cirúrgica de Pesquisa do Instituto do Coração do Hospital das
Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, InCor, HC-FMUSP

LUIZ FRANCISCO POLI DE FIGUEIREDO


Professor associado do Departamento de Cardiopneumologia da Faculdade de Medicina da Universidade de
São Paulo, FMUSP, e do Departamento de Cirurgia da Escola Paulista de Medicina, Unifesp-EPM

MARA REGINA GUERREIRO MOREIRA


Médica-assistente do Serviço de Anestesiologia e UTI Cirúrgica do Instituto do Coração do Hospital das
Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, InCor, HC-FMUSP

MARCELO BISCEGLI JATENE


Doutor em Cirurgia Torácica e Cardiovascular pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, FMUSP.
Médico-assistente da Cirurgia Cardíaca Pediátrica do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, InCor, HC-FMUSP

MIGUEL LORENZO BARBERO MARCIAL


Professor associado da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, FMUSP.
Chefe do setor de Cirurgia Cardíaca Pediátrica do Instituto do Coração do Hospital
das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, InCor, HC-FMUSP

MOACIR FERNANDES DE GODOY


Professor adjunto do Departamento de Cardiologia e Cirurgia Cardiovascular da
Faculdade Estadual de Medicina de São José do Rio Preto

MARCOS AURÉLIO BARBOZA DE OLIVEIRA


Médico-residente de Cirurgia Cardíaca do Hospital de Base da Faculdade
Estadual de Medicina de São José do Rio Preto
NOEDIR A. G. STOLF
Professor associado da Disciplina de Cirurgia Torácica e Cardiovascular do Departamento
de Cardiopneumologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, FMUSP.
Diretor da Unidade de Cirurgia de Cardiopatias Gerais do Instituto do Coração do
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, InCor, HC-FMUSP

PABLO MARIA ALBERTO POMERANTZEFF


Professor associado da Disciplina de Cirurgia Torácica e Cardiovascular do Departamento
de Cardiopneumologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, FMUSP. Diretor da
Unidade de Cirurgia de Cardiopatias Valvares do Instituto do Coração do Hospital das
Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, InCor, HC-FMUSP

PAULA ANDRÉA BAPTISTA FRANCO


Médica anestesiologista, Estagiária do Serviço de Anestesiologia e UTI Cirúrgica do Instituto do Coração
do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, InCor, HC-FMUSP

RENATO S. ASSAD
Professor livre-docente em Cirurgia Torácica e Cardiovascular pela Faculdade de Medicina da Universidade
de São Paulo, FMUSP. Fellow do Children’s Hospital, Harvard Medical School, Boston, EUA.
Médico-assistente da Unidade Cirúrgica Infantil do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas
da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, InCor, HC-FMUSP

ROBERTO ABI RACHED


Médico hematologista e hemoterapeuta. Professor colaborador da disciplina de Hematologia da Faculdade
de Medicina da Universidade de São Paulo, FMUSP. Doutor em Medicina pela Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo, FMUSP. Responsável pelo ambulatório de Hematologia do Instituto do Coração
do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, InCor, HC-FMUSP

ROBERTO COSTA
Professor livre-docente em Cirurgia Torácica e Cardiovascular pela Faculdade de Medicina da Universidade
de São Paulo, FMUSP. Diretor da Unidade de Estimulação Elétrica e Marca-passo da Divisão de
Cirurgia do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de
São Paulo, InCor, HC-FMUSP

RONALDO H. B. SANTOS
Médico-assistente da Divisão de Cirurgia do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, InCor, HC-FMUSP

ROSANGELA MONTEIRO
Doutoranda da disciplina de Cirurgia Torácica e Cardiovascular do Departamento de Cardiopneumologia da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, FMUSP. Biologista chefe do Laboratório Anatômico
Cirúrgico do Instituto do Coração, InCor

RUY JORGE CRUZ JR.


Médico-assistente de Fisiologia Aplicada do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo, InCor, HC-FMUSP

SAMIR RASSLAN
Professor titular do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, FMUSP

SÉRGIO ALMEIDA DE OLIVEIRA


Professor titular de Cirurgia Torácica e Cardiovascular da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo, FMUSP. Diretor da Divisão de Cirurgia do Instituto do Coração do
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, InCor, HC-FMUSP

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VIII
Agradecimentos

O Colégio Brasileiro de Cirurgiões, há vários anos, vem patrocinando a edição de monografias nas diversas áreas da
cirurgia, com grande sucesso na classe médica. Somos muito gratos ao Prof. Roberto Saad Jr., Presidente do Colégio
Brasileiro de Cirurgiões, e ao Prof. Samir Rasslan, que promovem com grande entusiasmo estas edições.

A realização deste livro contou com a colaboração de muitos colegas que, com inteligência e notório saber, contribuíram
para que se atingisse o objetivo de trazer informações atualizadas em diversos tópicos da cirurgia cardíaca. A todos, somos
imensamente gratos.

À Editora Atheneu, que com grande eficiência e competência realizou belíssimo trabalho editorial, os nossos agradecimentos.

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IX
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X
Prefácio

O Colégio Brasileiro de Cirurgiões tem procurado uma aproximação mais estreita com as diferentes sociedades de especia-
lidades cirúrgicas.

Embora venha crescendo em muitos capítulos, este entrosamento é mais significativo no Rio de Janeiro, onde o Colégio foi
fundado e tem a sua sede, constituindo um ponto de encontro dos cirurgiões-gerais e especialistas daquele Estado. Ponto
de encontro para reuniões e programas de educação continuada.

O cirurgião que atua na especialidade é ou deve ser um cirurgião-geral, que se diferencia em uma determinada área de
atuação. A cirurgia geral é a célula mater de todas as especialidades cirúrgicas. Quanto maior for este relacionamento, mais
enriquecida fica a cirurgia brasileira.

Este número da Clínica Brasileira de Cirurgia é um exemplo deste intercâmbio. Trata-se de uma edição especial dedicada
à Cirurgia Cardiovascular, coordenada pelo Prof. Sérgio Almeida de Oliveira juntamente com o Prof. Luís Alberto
Dallan e o Dr. Luiz Augusto Ferreira Lisboa.

É uma homenagem do Colégio Brasileiro de Cirurgiões aos nossos cirurgiões cardiovasculares, feita por uma equipe que, ao
longo de muitos anos, vem-se destacando, recebendo o respeito e os reconhecimentos nacional e internacional com uma
extraordinária experiência na cirurgia cardíaca, salientando-se sua atuação no tratamento operatório da doença coronária.

Além da necessidade do intercâmbio, justifica a publicação deste volume a freqüência e a importância das doenças
cardiovasculares.

Os avanços científicos e tecnológicos observados nesses últimos anos provocaram uma verdadeira revolução na medicina. Os
melhores recursos diagnósticos e de tratamento modificaram a atuação do cirurgião no cuidado de portadores de doenças
cardiovasculares. Estes aspectos estão identificados nos 25 capítulos deste livro, com a participação de 44 colaboradores
representantes de diferentes serviços do país, com indiscutível atuação no assunto que apresentam.

Os capítulos envolvem temas atuais analisados com profundidade, iniciando com o Estado Atual do Tratamento da Miocar-
diopatia Dilatada Isquêmica e discutindo a Proteção Miocárdica, o Papel da Cirurgia Minimamente Invasiva, a Robótica,
Implante de Células-Tronco, Cirurgia Cardíaca Fetal, além de outros de grande interesse para o cirurgião especialista e
até mesmo para a atualização dos conhecimentos do cirurgião-geral.

O Colégio Brasileiro de Cirurgiões está convencido de que este livro atinge plenamente os objetivos de nossas publicações,
contribuindo para o aperfeiçoamento do cirurgião brasileiro.

Ao Professor Sérgio de Oliveira e sua equipe, e aos colaboradores desta edição, os agradecimentos e o reconhecimento da
nossa entidade.

Setembro de 2005
Samir Rasslan, TCBC
Editor Responsável
Clínica Brasileira de Cirurgia

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XI
Introdução

Nesta edição da Clínica Brasileira de Cirurgia, dedicada à Cirurgia Cardiovascular, que dá continuidade à série iniciada
há vários anos, sob o patrocínio do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, procuramos analisar alguns temas que nos parece-
ram de maior atualidade e que abrangem as diversas áreas da Cirurgia Cardiovascular.

Estamos vivendo um momento de profundas transformações na cirurgia cardíaca, resultantes da rápida evolução dos
métodos diagnósticos e da contínua incorporação de novos recursos tecnológicos, que expandiram as fronteiras de atua-
ção do cirurgião. Ao mesmo tempo, ocorre um rápido crescimento da cardiologia intervencionista, que juntos contribuíram
para uma mudança do perfil dos pacientes candidatos à cirurgia cardíaca.

Na cardiopatia pediátrica, o diagnóstico precoce, algumas vezes realizado ainda antes do nascimento, possibilita o
tratamento no período neonatal, ampliando as possibilidades de sobrevida destes neonatos. Por outro lado, com a melhora
da expectativa de vida observada na população brasileira, a cirurgia em idosos com doenças degenerativas é cada vez
mais freqüente, fazendo com que operações cardiovasculares em octogenários sejam rotineiramente realizadas, assim como
alguns nonagenários começam a ser tratados com sucesso.

Um dos temas tratados nesta edição refere-se ao tratamento cirúrgico da insuficiência cardíaca, tema de grande atualidade
pela sua crescente prevalência, que pode ser tratada por diversas técnicas, como a correção de defeitos congênitos, de
lesões valvares adquiridas, da revascularização miocárdica na miocardiopatia isquêmica e pelo transplante cardíaco nas
condições mais avançadas da doença. O transplante cardíaco, que é um recurso extremo, embora bem-sucedido, enfrenta
ainda hoje a dificuldade para a obtenção de doadores. Tal fato levou à procura de novas alternativas cirúrgicas para o
problema da insuficiência cardíaca, como a ressincronização ventricular, o uso de ventrículos ou corações mecânicos, a
cirurgia de correção da insuficiência mitral, e a correção da geometria ventricular esquerda nas dilatações cardíacas por
acinesia ou discinesia.

Outro tema de grande atualidade diz respeito ao implante de células-tronco autólogas retiradas da medula óssea, com provável
potencial de angiogênese, miogênese, assim como a reestabilização da matriz extracelular. Nesta edição, será discutida a
utilização de células-tronco na cardiopatia isquêmica em associação à cirurgia de revascularização miocárdica.

A cirurgia de revascularização miocárdica tem sido aperfeiçoada continuamente pela ampliação do uso de enxertos
arteriais e pela expansão das técnicas da revascularização sem o uso de circulação extracorpórea que, com os recursos e
manobras hoje disponíveis, podem ser aplicados à maioria dos pacientes, sem prejuízo da qualidade dos resultados.
Também será discutida a cirurgia de revascularização miocárdica por miniacesso e pela utilização da robótica, para
facilitação desta abordagem.

A proteção miocárdica durante a cirurgia cardíaca é outro assunto de grande interesse, visando diminuir o risco operató-
rio e as seqüelas tardias.

Assim, procuramos nesta edição tratar alguns temas atuais da cirurgia cardíaca desde a cirurgia fetal até a cirurgia
robótica e do uso de células-tronco de medula óssea como terapia coadjuvante em doenças mais avançadas.

Esperamos que este trabalho contribua para a melhor compreensão dos problemas ligados à cirurgia cardíaca.

São Paulo, setembro de 2005


Sérgio Almeida de Oliveira
Sumário

1 Tratamento Cirúrgico da Miocardiopatia Dilatada Isquêmica, 1


Luiz Augusto Ferreira Lisboa
José de Lima Oliveira Jr.
Sérgio Almeida de Oliveira

2 Cirurgia da Valva Mitral na Miocardiopatia Dilatada, 7


Enio Buffolo
João Nelson Rodrigues Branco
Luciano de Figueiredo Aguiar

3 Estimulação Cardíaca Artificial no Tratamento da Insuficiência Cardíaca Congestiva, 15


Roberto Costa

4 Miogênese: Conceito e Aplicabilidade Clínica no Infarto do Miocárdio e na Insuficiência Cardíaca, 31


Luiz César Guarita Souza

5 Revascularização Miocárdica Minimamente Invasiva, 39


Luiz Augusto Ferreira Lisboa
Luís Alberto Oliveira Dallan
Sérgio Almeida de Oliveira

6 Robótica na Revascularização Miocárdica, 51


Luís Alberto Oliveira Dallan
Luiz Augusto Ferreira Lisboa
Sérgio Almeida de Oliveira

7 Revascularização Transmiocárdica a Laser, 63


Luís Alberto Oliveira Dallan
Luiz Augusto Ferreira Lisboa
Sérgio Almeida de Oliveira

8 Implante Miocárdico de Células-Tronco na Miocardiopatia Isquêmica, 75


Luiz Augusto Ferreira Lisboa
Luís Alberto Oliveira Dallan
Sérgio Almeida de Oliveira
9 Enxertos Arteriais na Revascularização Miocárdica, 83
Luiz Augusto Ferreira Lisboa
Luís Alberto Oliveira Dallan
Luiz Boro Puig
Sérgio Almeida de Oliveira

10 Revascularização Miocárdica na Fase Aguda do Infarto do Miocárdio, 95


Fabio Biscegli Jatene
Alexandre Ciappina Hueb
Rosângela Monteiro

11 Tratamento Cirúrgico da Fibrilação Atrial Crônica, 101


Carlos Alberto Cordeiro de Abreu Filho
Luís Alberto Oliveira Dallan
Sérgio Almeida de Oliveira

12 Cirurgia Conservadora na Valvopatia Mitral, 113


Pablo Maria Alberto Pomerantzeff
Carlos Manuel de Almeida Brandão
Luciano Rapold Souza

13 Próteses Valvares, 121


Pablo Maria Alberto Pomerantzeff
Altamiro Ribeiro Dias
Carlos Manuel de Almeida Brandão

14 Tratamento Cirúrgico da Endocardite Infecciosa, 127


Altamiro Ribeiro Dias
Carlos Manuel de Almeida Brandão
Pablo Maria Alberto Pomerantzeff

15 Métodos de Proteção Miocárdica, 139


Domingo M. Braile
João Carlos Ferreira Leal
Marcos Aurélio Barboza de Oliveira
Moacir Fernandes de Godoy

16 Suporte Circulatório em Cirurgia Cardíaca, 151


Luiz Felipe P. Moreira
João Galantier
Anderson Benício

17 Transplante Cardíaco, 161


Noedir A.G. Stolf
Ronaldo H. B. Santos
Alfredo I. Fiorelli
18 Tratamento Cirúrgico das Afecções da Aorta, 179
Januário Manoel de Souza
Sérgio Almeida de Oliveira

19 Alteração da Coagulação Pós-Cirurgia da Aorta, 191


Luiz Francisco Poli de Figueiredo
Ruy Jorge Cruz Jr.

20 Ferimento Cardíaco Penetrante, 205


Álvaro Razuk
José Gustavo Parreira
Samir Rasslan

21 Tratamento Cirúrgico do Truncus Arteriosus, 215


Miguel Lorenzo Barbero Marcial
Carla Tanamati

22 Tratamento Cirúrgico da Transposição das Grandes Artérias, 221


Marcelo Biscegli Jatene

23 Cirurgia Cardíaca Fetal, 225


Renato S. Assad

24 Anestesia para Cirurgia Cardíaca, 235


José Otávio Costa Auler Júnior
Mara Regina Guerreiro Moreira
Paula Andréa Baptista Franco

25 Distúrbios da Hemostasia na Cirurgia Cardíaca e a sua Prevenção, 245


Roberto Abi Rached
Luciana Pereira Almeida de Piano
Cyrillo Cavalheiro Filho
1 Tratamento Cirúrgico da
Miocardiopatia Dilatada Isquêmica

Luiz Augusto Ferreira Lisboa


José de Lima Oliveira Jr.
Sérgio Almeida de Oliveira

RESUMO das, hospitalizações freqüentes e óbito28,37. Na dilatação tar-


dia do VE, este perde a sua forma elíptica original e passa
A despeito do avanço do tratamento clínico com re- para a forma esférica com perda da função global8,38.
perfusão precoce, 20% dos pacientes desenvolvem dila- A definição e os critérios para se diferenciar um aneuris-
tação tardia do ventrículo esquerdo pós-infarto agudo do ma do VE de outros tipos de cicatrizes são controversos, vista
miocárdio, levando à insuficiência cardíaca congestiva. a variedade de expressões morfológicas das lesões miocárdi-
Os benefícios do tratamento cirúrgico com correção das cas que podem se estabelecer após um evento isquêmico
áreas discinéticas do ventrículo esquerdo pós-infarto agudo e as controvérsias sobre condutas terapêuticas.
agudo do miocárdio já são bem conhecidos. Recentemen- Alguns autores adotam critérios morfológicos, definin-
te, foi demonstrado que os efeitos adversos do remode- do aneurisma como uma cicatriz fibrosa transmural bem de-
lamento ventricular nos seguimentos não-infartados eram limitada do VE, desprovida de células musculares e com
similares em situações de áreas acinéticas ou discinéticas modificação do aspecto trabeculado da superfície interna do
pós-infarto, e que ambas as situações poderiam ser cor- VE por um aspecto liso. Este segmento geralmente é adelga-
rigidas com a cirurgia. A restauração ventricular cirúrgica çado e acaba se projetando externamente a cada sístole
melhora a função ventricular e a qualidade de vida em (movimento paradoxal) ou pode permanecer sem movimen-
ambas as situações. to (acinesia)8,19,22. Tal definição se aplica à maioria dos casos
de aneurisma pós-IAM, nos quais o desenvolvimento e a
INTRODUÇÃO extensão da cicatriz fibrótica guardarão relação com uma sé-
rie de fatores, como a importância da artéria coronária res-
Estima-se que, atualmente, haja cerca de cinco milhões ponsável pelo infarto, a localização da lesão da artéria
de pacientes portadores de insuficiência cardíaca conges- coronária, o tempo e tipo de tratamento realizado para a re-
tiva (ICC) nos Estados Unidos, sendo que em aproximada- versão da isquemia aguda do miocárdio. De acordo com esta
mente 70% destes casos tem-se associação com doença definição, cicatrizes pós-infartos não podem ser considera-
coronariana aterosclerótica. Destes, quase 90% têm ante- das como aneurismas enquanto a parede ventricular não for
cedente de infarto agudo do miocárdio (IAM), resultando afilada e houver predominância de células miocárdicas nes-
em perda regional da contratilidade miocárdica, comprome- ses segmentos.
timento da estrutura e da função ventricular29. No Brasil, Para Johson e Dragget32 um aneurisma de VE trata-se
segundo dados do Ministério da Saúde, a ICC é responsá- de uma grande área de cicatriz que causa uma profunda re-
vel por aproximadamente 300.000 internações/ano, sendo a dução da fração de ejeção (FE), aproximadamente 30%. Essa
terceira causa mais freqüente de internação entre todas as definição hemodinâmica baseia-se na dilatação da cavidade
doenças e a primeira causa, considerando-se apenas ventricular após um evento isquêmico, causando distorção
as doenças cardiovasculares. das camadas e fibras miocárdicas e excedendo o limite de en-
A despeito do tratamento clínico com reperfusão preco- curtamento das fibras miocárdicas viáveis remanescentes.
ce, 20% dos pacientes desenvolvem dilatação tardia do ven- Atualmente, o prognóstico dos pacientes com miocardiopa-
trículo esquerdo (VE) pós-IAM, levando à ICC e tendo como tia isquêmica dilatada está mais relacionado com o volume
conseqüência fadiga, congestão pulmonar, arritmias associa- do VE do que com a fração de ejeção44.

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1
Há ainda igual controvérsia na definição de viabilidade ASPECTOS FISIOPATOLÓGICOS E MORFOLÓGICOS
miocárdica pós-evento isquêmico agudo o que tem implica-
ções terapêuticas importantes. Após o IAM, ocorre um processo inflamatório agudo
que substitui progressivamente o miocárdio lesado por fi-
Do ponto de vista prático, o estabelecimento de uma
bras de colágeno. De acordo com a extensão do enfarto po-
definição não tem tanta importância quanto o reconhecimen- derá haver a formação de grandes áreas fibróticas que
to e os tipos de condutas diante destes pacientes. poderão ser acinéticas ou discinéticas, onde posteriormen-
te poderá se desenvolver um aneurisma de VE.
ASPECTOS HISTÓRICOS Menos da metade dos pacientes submetidos a trata-
mento cirúrgico de aneurismas de VE apresenta lesão isola-
O tratamento cirúrgico dos aneurismas de VE prova- da da artéria interventricular anterior, sendo mais freqüente
velmente iniciou em 1944 quando Beck5 descreveu o refor- o acometimento triarterial7,10,41.
ço de uma área de cicatriz fibrosa com utilização da fáscia Diversos estudos realizados durante autópsias mostra-
lata com o propósito de prevenir uma posterior rotura. ram que a maior parte dos pacientes portadores de aneurismas
Entretanto, a abordagem direta do aneurisma do VE só foi de VE tem aumento dos diâmetros ventriculares e da massa do
realizada em 1955 por Likoff e Bailey35 que realizaram uma VE18. O acréscimo de volume deve-se em parte ao crescimen-
“ventriculoplastia” fechada sem uso de circulação extracor- to do segmento fibrosado e acinético da parede ventricular.
pórea, com clampeamento lateral do VE, iniciando um novo Os mecanismos exatos que levam à formação de aneu-
conceito no tratamento cirúrgico dos aneurismas do VE. rismas de VE não são completamente esclarecidos, sendo a
Em 1958, Cooley et al.12,13 reportam os primeiros casos ocorrência de um grande IAM transmural um pré-requisito,
de tratamento cirúrgico aberto com sucesso, utilizando-se de bem como a inexistência de uma rede de circulação corona-
circulação extracorpórea com um acesso linear que não ex- riana colateral bem desenvolvida4.
cluía todo o aneurisma. Os segmentos acinéticos do VE não Alguns autores11 advogam a idéia de que pelo menos 20%
eram completamente abordados, visto que esta técnica pre- da massa miocárdica deva estar acometida e que deva haver uma
conizava apenas a exclusão da parede anterior do VE sem função sistólica normal nos segmentos adjacentes para que
abordar o septo, o que não propiciava melhora dos sinais e ocorra elevação da pressão intracavitária e da tensão na área de
sintomas de ICC em todos os pacientes36. infarto levando então à formação de um aneurisma.
Mais recentemente a abordagem dos aneurismas de VE As áreas ventriculares remanescentes também aumen-
tornou-se mais agressiva não como ressecção, mas preconi- tam de volume e se espessam, o que se deve ao estresse he-
zando-se a exclusão de toda a área de fibrose da parede la- modinâmico imposto pela área não-contrátil (remodelamento)
teral, do septo interventricular e com o “imbricamento” do e pela lei de “La Place”.
segmento fibrosado, técnica descrita por Jatene et al.30 em Não se sabe ao certo se os aneurismas de VE progri-
1985, e chamada de “reconstrução” geométrica do VE. Se- dem em tamanho ao longo do tempo, ou se permanecem com
guindo o mesmo conceito, Dor et al.21 e posteriormente o tamanho inicial após o evento isquêmico agudo. O que se
Cooley et al.14 relataram técnicas, como uso de retalho sin- admite é que, em geral, eles não aumentam de tamanho por
mais de seis meses após a sua formação.
tético suturado na zona de transição entre o miocárdio viável
e o tecido fibrótico no interior da cavidade do VE (“patch in- Observa-se que quanto maior for o segmento acinético
ou discinético, maior será o aumento da cavidade ventricu-
traventricular”), sendo definida essa técnica como “endoa-
lar, acreditando-se que estes eventos tenham início imedia-
neurismorrafia”15. Em 1991, Braile et al.6 descreveram o uso
tamente após o IAM.
de uma prótese semi-rígida de pericárdio bovino para a rea-
Na região do aneurisma do VE pode-se observar a
lização da endoaneurismectomia.
substituição do miocárdio por um tecido fibroso, rico em fi-
Até meados da década de 1990, a cirurgia para correção bras colágenas, que começam a se depositar cerca de duas
do aneurisma do VE pós-IAM era pouco realizada. O trata- semanas após um IAM. A cicatriz do infarto, representada
mento clínico com reperfusão precoce produz, no segmen- pelo aneurisma, pode ter o endocárdio coberto por uma ex-
to enfartado, um adelgaçamento das fibras miocárdicas com tensa camada de fibras elásticas (fibroelastose endocárdica)
fibrose local transformando esse segmento em uma área aci- ou por camadas de trombos. Os aneurismas fibroelásticos
nética mais do que discinética. Os cirurgiões não reconhe- estão mais relacionados ao quadro clínico de arritmia, en-
ciam os seguimentos acinéticos como aneurismas. Dor22,23 quanto que os trombóticos estão associados mais aos fenô-
reconheceu que os efeitos adversos do remodelamento ven- menos embólicos. Entretanto, ambos podem levar à
tricular nos seguimentos não enfartados eram similares em insuficiência cardíaca congestiva.
situações de áreas acinéticas ou discinéticas pós-IAM e que A parede de um aneurisma bem desenvolvido é mais
ambas as situações poderiam ser corrigidas com a cirurgia. fina, “esbranquiçada”, com aspecto fibroso, visível tanto
Recentemente, demonstrou-se que a restauração ventricular externamente como na superfície endocárdica, que perde seu
cirúrgica melhora a função ventricular e a qualidade de vida aspecto trabeculado, o que permite delimitar o segmento
em ambas as situações2,19,20,24. acometido.

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Um aneurisma modifica a curvatura e a espessura da Em 15% a 30% dos pacientes portadores de aneurisma
parede do VE, podendo comprometer a performance global de VE os sintomas são decorrentes principalmente de arritmias
deste25. Além disso, pode-se observar um remodelamento ventriculares11 que podem comprometer não só a qualidade
cardíaco global com aumento da cavidade ventricular, com- de vida destes pacientes, mas podem causar morte súbita. O
prometendo a função diastólica além da sistólica33. Por fim, foco arritmogênico se localiza principalmente na região septal
o movimento paradoxal na porção aneurismática do VE reduz (44%), seguida da região anterior (15%) e menos freqüente-
a eficiência funcional deste pela perda de parte do volume mente na região apical (3,6%)40. Embora verifique-se a pre-
sistólico dentro deste segmento dilatado. A função das pa- sença de trombos em cerca de 50% dos casos de aneurismas
redes ventriculares não acometidas pode ser absolutamen- de VE, a ocorrência de fenômenos tromboembólicos não é
te normal, o que tem implicações importantes na sobrevida comum11.
destes pacientes e nos resultados obtidos com o tratamen- Muitas vezes o exame clínico desses pacientes é nor-
to cirúrgico. mal, exceto nos casos de insuficiência cardíaca mais avan-
Em cerca de metade dos aneurismas de VE observa-se çada ou em situações de insuficiência da valva mitral. A
a presença de trombos fixados na superfície endocárdica, radiografia de tórax com aumento da área cardíaca, conges-
com graus variáveis de calcificação, que pode se estender tão peri-hilar e infiltrado parenquimatoso pulmonar associa-
até o pericárdio sobrejacente. Nas cicatrizes pós-infarto o do ao eletrocardiograma com presença de onda “Q” e
acometimento em geral não é tão extenso, com preservação
persistência da elevação do segmento “ST” corresponden-
do aspecto trabeculado endocárdico, com ocorrência rara de
te à zona de infarto podem sugerir a presença de formação
trombos. Esta diferenciação é de extrema importância na de-
aneurismática após o IAM.
finição da técnica cirúrgica a ser empregada no tratamento
destes pacientes. O ecocardiograma é um método não-invasivo que é útil
não só na confirmação do diagnóstico, mas também para
Cerca de 80% dos aneurismas de VE estão localizados
na parede ântero-lateral próximo ao ápice, sendo os demais avaliar a evolução do aneurisma do VE e a função cardíaca.
localizados nas paredes inferior (de 10% a 15%) e lateral (de O ecocardiograma possibilita a avaliação da extensão do
5% a 10%). A associação com a ocorrência de insuficiência aneurisma, o tamanho da cavidade do VE, os volumes sis-
mitral isquêmica é mais freqüente nos casos que acometem tólicos e diastólicos do VE, a função contráctil dos demais
a parede inferior. Muito menos freqüente são os aneurismas segmentos do miocárdio e a função global do VE, além de
de VE congênitos e os aneurismas traumáticos. avaliar a presença de trombos. Quando houver dificuldades
de se conseguir as imagens ecocardiográficas para uma boa
avaliação pelo método transtorácico, o exame poderá ser
APRESENTAÇÃO CLÍNICA E DIAGNÓSTICO complementado pela avaliação transesofágica. O estudo do
Historicamente cerca de 10% a 30% dos pacientes que eco-stress com dobutamina permite, além da avaliação ana-
sobrevivem a um grande IAM desenvolvem aneurisma de VE1. tômica, a diferenciação entre áreas de miocárdio viáveis e
Estima-se que esta prevalência esteja diminuindo em virtude áreas de fibrose.
da melhor abordagem terapêutica como a recanalização preco- Mais recentemente, o estudo com ressonância magné-
ce da artéria coronária e o controle mais agressivo da hiper- tica também vem sendo utilizado tanto para a avaliação ana-
colesterolemia e da hipertensão arterial sistêmica que acometem tômica e funcional do aneurisma do VE e global cardíaca,
boa parte destes pacientes, e que constituem fatores de risco como para avaliação da viabilidade miocárdica42.
para o desenvolvimento de aneurisma de VE pós-IAM9. A cineangiocoronariografia com a ventriculografia é um
O quadro clínico mais freqüente nos pacientes portado- exame fundamental para a indicação cirúrgica, pois além de
res de aneurisma de VE é a ICC. Esta sintomatologia pode se fornecer dados da anatomia e função cardíaca, permite o es-
manifestar agudamente após extensos IAM com grande per- tudo da anatomia das artérias coronárias.
da da massa muscular, ou ter um caráter crônico e progres-
sivo que se inicia após o IAM. A piora da classe funcional INDICAÇÃO CIRÚRGICA
de ICC se deve à progressão da área acinética ou discinéti-
ca com dilatação da cavidade ventricular e redução do dé- Pacientes assintomáticos ou com aneurismas pequenos
bito cardíaco 34. As áreas subjacentes, que apresentam de VE podem ser tratados clinicamente. Nessa situação, ava-
miocárdio viável, também sofrem com o aumento progressi- liações clínicas e exames de ecocardiografia ou ressonância
vo do estresse sistólico que acarreta a perda de reserva sis- magnética devem ser realizados freqüentemente. A cirurgia
tólica34. A ICC isolada é mais freqüente em pacientes com será indicada se houver associação com doença coronária
grandes aneurismas de VE e que, em geral, apresentam lesão multiarterial, lesão de tronco da coronária esquerda ou insu-
coronária uniarterial. Pode estar associada, ou não, à insu- ficiência mitral importante. Ainda durante a evolução e o se-
ficiência da valva mitral. guimento clínico, a cirurgia poderá ser indicada se houver
Pacientes portadores de pequenos aneurismas de VE aparecimento de sintomas como ICC, arritmias cardíacas,
ou que apresentam lesão coronária multiarterial, freqüente- angina, ou embolias. A deterioração da função global do VE,
mente não apresentam sintomas específicos de insuficiência o aumento do aneurisma do VE ou o aumento do volume e da
cardíaca, tendo angina como principal manifestação. cavidade do VE indica uma intervenção cirúrgica imediata.

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A indicação cirúrgica em pacientes assintomáticos é A população de pacientes com aneurisma de VE não se
controversa, embora alguns estudos tenham mostrado que apresenta com características semelhantes, podendo variar
pacientes com disfunção do VE em associação com doença o grau de ICC, a presença de doença aterosclerótica multiar-
coronária multiarterial têm maior benefício com o tratamen- terial, a presença de arritmias ou de trombos e áreas acinéti-
to cirúrgico, independente da sintomatologia26,27. Pacientes cas ou discinéticas. Embora existam essas diferenças, as
assintomáticos com grandes aneurismas de VE podem de- técnicas atuais estão mais padronizadas e procuram restabe-
senvolver disfunção global de VE, mesmo que no início as lecer o formato elíptico fisiológico da cavidade ventricular
áreas de miocárdio preservado sejam suficientes para a ma- esquerda, propiciando uma conformação geométrica mais
nutenção de um débito cardíaco adequado17. Esses pacien- anatômica para melhor recuperação da função cardíaca23.
tes, quando não são operados, podem perder a oportunidade Em geral a técnica utilizada visa reconstruir a cavidade
do tratamento cirúrgico, pois quando se tornam sintomáticos ventricular por meio de: 1. retirada de trombos e debris intra-
a função do VE já está comprometida de modo severo. cavitários; 2. redução interna do colo do aneurisma delimi-
Pacientes sintomáticos devem ser compensados clinica- tando a transição entre o músculo viável e a fibrose (Fig. 1.2);
mente e operados o quanto antes, para se restabelecer a fun- 3. fechamento da cavidade ventricular com sutura direta ou,
ção cardíaca e evitar a progressão da disfunção ventricular. A em situações de grandes dilatações, fechamento da cavida-
cirurgia deve ser evitada em situações de fibrose em áreas ex- de com remendo biológico ou sintético (Fig. 1.3). Na presen-
tensas e difusas do miocárdio que levem a uma disfunção ça de arritmias o foco principal está localizado na zona de
global severa. Nessa situação de elevada morbi-mortalidade transição entre o músculo sadio e a fibrose, principalmente
cirúrgica, o transplante cardíaco deve ser considerado. na região septal. Nessa situação acrescentamos a plicatura
Acreditamos que os pacientes não precisam ter sinto- interna do septo, que é realizada com sucessivos pontos em
matologia acentuada, assim como não precisamos aguardar “U” em posição horizontal e ancorados em teflon. Nos ca-
que os aneurismas de VE se tornem grandes para serem re- sos em que os músculos papilares estão muito afastados,
parados. Evitando-se os extremos, estaremos beneficiando também podemos realizar uma plicatura, semelhante à reali-
os pacientes com menor mortalidade cirúrgica, maior recupe- zada no septo, na parede lateral do VE para maior aproxima-
ração da função cardíaca e melhora da qualidade de vida. ção dos músculos papilares.
Damos preferência em realizar a correção do aneurisma
TRATAMENTO CIRÚRGICO do VE após a revascularização miocárdica ainda sob circu-
lação extracorpórea, mas já com o coração batendo. Desse
Os métodos cirúrgicos para se restabelecer o volume e modo, acreditamos ser mais fácil avaliar o que é miocárdio
a forma do VE, após um IAM extenso que tenha resultado viável e recuperável do miocárdio fibrótico e não-viável. Em
em dilatação da cavidade ventricular (aneurisma de VE), têm situações de insuficiência mitral, abordamos a valva mitral
evoluído muito nos últimos anos. Temos observado, mais (plástica ou troca) pela própria ventriculotomia.
recentemente, que o seguimento infartado abordado duran-
te a cirurgia é freqüentemente acinético mais do que disci-
nético, provavelmente em decorrência do tratamento clínico
inicial com reperfusão precoce que previne a necrose trans-
mural (Fig. 1.1).

Fig. 1.1 — Esquema mostrando a cicatriz fibrótica na parede anterior Fig. 1.2 — Esquema mostrando a demarcação digital, com o coração
e lateral do ventrículo esquerdo pós-infarto agudo do miocárdio. batendo, da transição entre miocárdio viável e não-viável.

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Atualmente, um grande estudo internacional e multicên-
A B
trico analisa os parâmetros hemodinâmicos e a sobrevida de
pacientes portadores de aneurisma do VE pós-IAM e que
foram submetidos ao tratamento cirúrgico com reconstrução
endoventricular para restauração da forma elíptica original
ventricular, o “RESTORE Group”3.
O “RESTORE Group” estudou 1.198 pacientes pós-IAM
que evoluíram com aneurisma de VE e que foram operados
entre 1998 e 2003. A maioria dos pacientes apresentava áreas
acinéticas (66%), mais do que discinéticas (34%), do VE. O
índice do volume sistólico final do VE (IVSFVE) foi ≥ 80 mL/m2
em 73,3% dos pacientes com áreas acinéticas do VE. Os pro-
cedimentos associados mais comuns foram a revasculariza-
Fig. 1.3 — Esquema mostrando a técnica de endoaneurismorrafia de-
limitando a transição entre o miocárdio viável e a fibrose (A) com co-
ção miocárdica em 95% dos pacientes e a cirurgia da valva
locação de remendo biológico (B) para o remodelamento ventricular mitral em 23%. A mortalidade em 30 dias foi de 5,3% (8,7%
na miocardiopatia dilatada isquêmica. nos casos com abordagem da valva mitral versus 4,0% sem
abordagem da valva mitral). No acompanhamento desses
pacientes, a fração de ejeção aumentou de 29,6 (± 11%) no
RESULTADOS DO TRATAMENTO CIRÚRGICO pré-operatório para 39,5 (± 12,3%) no pós-operatório,
Os resultados das várias técnicas empregadas na cor- p < 0,001. O índice do volume sistólico final do VE diminuiu
reção cirúrgica do aneurisma de VE têm mostrado mortalida- de 80,4 (± 51,4 mL/m2) para 56,5 (± 34,3 mL/m2), p < 0,001. Em
cinco anos, a sobrevida foi de 68,6 (± 2,8%). A sobrevida foi
de hospitalar variando entre 5% e 10%, dependendo,
melhor entre os pacientes com discinesia (80%) do que entre
principalmente, das diferentes características encontradas em
os pacientes com acinesia (65%), p < 0,001. A taxa livre de re-
cada população estudada16,31. Walker et al.43 reportam bons
internação por ICC foi de 78%. No pré-operatório, 67% dos
resultados precoces (um óbito hospitalar — 5%) e tardios
pacientes apresentavam classe funcional (NYHA) III ou IV,
(sobrevida de 92% em cinco anos) com o tratamento cirúr-
e no pós-operatório 85% estavam em classe I ou II. A fra-
gico precoce do aneurisma de VE (dentro de oito semanas
ção de ejeção ≤ 30%, o índice do volume sistólico final do
do IAM), não havendo necessidade de se postergar muito
VE ≥ 80 mL/m2, a classe funcional (NYHA) e idade ≥ 75 anos
a cirurgia.
foram considerados fatores de risco para mortalidade3.
Alguns autores mostram bons resultados com a ressec-
ção de áreas de fibrose no VE, principalmente as de maior
tamanho com menor quantidade de miocárdio viável. Dor et REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
al.22,23 demonstraram resultados semelhantes na melhora da 1. Arvan S, Badillo P. Contractile properties of the left ventricle
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áreas discinéticas e acinéticas com a utilização do patch para 2. Athanasuleas CL, Stanley Jr AW, Buckberg GD, Dor V, Di Donato
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reparo cirúrgico. Dor também tem postulado que pacientes
Restoration (SAVER) in the dilated remodeled ventricle after
com insuficiência cardíaca avançada, cavidade ventricular anterior myocardial infarction RESTORE group. Reconstructive
muito dilatada e com IAM prévio também poderiam se bene- Endoventricular Surgery, returning Torsion Original Radius Elliptical
ficiar com este tipo de reparo. Shape to the LV. J Am Coll Cardiol 37 (2001), pp. 1199-1209.
3. Athanasuleas CL, Buckberg GD, Stanley AW, Siler W, Dor V, Di
Os primeiros resultados de um registro multicêntrico20 Donato M et al. RESTORE group. Surgical ventricular restoration
com 421 pacientes submetidos à correção de aneurismas de in the treatment of congestive heart failure due to post-infarction
VE com esta técnica mostram baixa mortalidade operatória ventricular dilation. J Am Coll Cardiol 2004; 44(7): 1439-45.
(6,6%)5,4-8; (1%), sobrevida de 95% em um mês e 87% em 12 4. Banka VS, Bondenheimer MM, Helfant RH. Determinants of
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meses, e elevação da fração de ejeção média de 29% para 39%.
collaterals and anatomic location. Circulation 1974; 50: 714-9.
A sobrevida atuarial varia amplamente devido à diver- 5. Beck CS. Operation for aneurysm of the heart. Ann Surg 1944;
sidade dos pacientes operados, mas de uma forma geral ob- 120: 34.
serva-se sobrevida em 30 dias, um, três e cinco anos de 90%, 6. Braile DM, Mustafá RM, Santos JLV et al. Correção da geometria
do ventrículo esquerdo com prótese semi-rígida de pericárdio
85%, 75% e 65% respectivamente. bovino. Rev Bras Cir Cardiovasc 1991; 6(2): 109-15.
A causa mais freqüente de óbito no pós-operatório ime- 7. Brandt B 3rd, Wright CB, Ehrenhaft JL. Ventricular septal defect
diato é falência cardíaca39. No pós-operatório tardio observa- following myocardial infarction. Ann Thorac Surg 1979; 27(6):
se que cerca de um terço dos pacientes evolui com ICC 580-9.
8. Buckberg GD. Defining the relationship between akinesia and
crônica, 15% apresentam arritmias ventriculares intratáveis dyskinesia and the cause of left ventricular failure after anterior
ou morte súbita; os demais geralmente apresentam eventos infarction and reversal of remodeling to restoration, J Thorac
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26. Faxon DP, Ryan TJ, Davis KB, McCabe CH, Myers W, Wild CJ. Left ventricular end-systolic volume as the major
Lesperance J, Shaw R, Tong TG. Prognostic significance of determinant of survival after recovery from myocardial
angiographically documented left ventricular aneurysm from the infarction, Circulation 1987; 76: 44-51.

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6
2 Cirurgia da Valva Mitral na
Miocardiopatia Dilatada

Enio Buffolo
João Nelson Rodrigues Branco
Luciano de Figueiredo Aguiar

RESUMO terço destes pacientes é hospitalizado. A mortalidade global


é em torno de 10%, que aumenta de três a quatro vezes quan-
Em inúmeras publicações, o aparecimento da insuficiên- do os pacientes se encontram em classe funcional (CF) IV da
cia mitral nas fases mais avançadas das miocardiopatias de- New York Heart Association (NYHA)20,25,40. O tratamento clí-
monstrou ser um fator importante de prova da qualidade de nico medicamentoso tem sido advogado por muitos auto-
vida, do prognóstico e do aumento da mortalidade.
res 2,43,44 com bons resultados, quando os pacientes se
A técnica de implante de uma prótese valvular em posi- encontram na CF I e II e por vezes em fases mais avançadas.
ção mitral com tração dos músculos papilares, promovendo Porém, este tratamento nunca é o definitivo, conseguindo
assim uma modelação interna ventricular, tem demonstrado apenas uma melhora temporária na qualidade de vida. Todo
uma melhora funcional da fração de ejeção pela ecocardio- progresso medicamentoso no tratamento da insuficiência
grafia e a redução dos índices de esfericidade do ventrícu-
cardíaca foi obtido com base no entendimento de que a fi-
lo esquerdo pela ressonância magnética nuclear.
siopatologia não se deve apenas a mecanismos hemodinâ-
micos, mas também a uma resposta humoral que às vezes é
INTRODUÇÃO exagerada e inadequada19,35,42.
Um dos maiores desafios da cardiologia e da cirurgia Apesar dos avanços consideráveis, a insuficiência car-
cardíaca nos dias atuais tem sido o tratamento da Insufi- díaca é a principal causa de óbito em pacientes com mais de
ciência Cardíaca Congestiva (ICC) em fase avançada. 60 anos.
Esta síndrome, via final comum da maioria das cardio- Além dos altos custos hospitalares e do atendimento
patias, tem representado um importante problema de saúde de emergência, a insuficiência cardíaca provoca sensível per-
pública. Inúmeras internações, muitas vezes por períodos da de qualidade de vida, resultando em aposentadoria pre-
prolongados, gastos elevados com exames sofisticados e coce e ônus socioeconômico para nosso sistema de saúde.
medicações, associados à perda de produtividade e à apo- O Brasil tem o envelhecimento populacional mais rápido do
sentadoria precoce geram um ônus socioeconômico bastante mundo, sendo que as projeções indicam que em 2025 tere-
elevado. mos a sexta maior população de idosos, com 15% (30 mi-
Nos Estados Unidos, estima-se que cerca de 400 mil no- lhões de pessoas) da população total 21. Na ICC que se
vos casos de miocardiopatia são diagnosticados por ano, apresenta de forma refratária ao tratamento clínico otimiza-
gerando 15 milhões de internações e 200 mil óbitos anuais36. do, inquestionavelmente o transplante cardíaco é o melhor
O impacto socioeconômico deste fato é algo em torno tratamento e continua sendo até hoje o padrão-ouro de in-
de 10 bilhões de dólares/ano, sendo que 75% destes cus- tervenção cirúrgica.
tos são com despesas hospitalares e 25% com tratamento O transplante cardíaco foi idealizado e padronizado por
ambulatorial22. Lower e Shummay26, e realizado na Universidade de Stanford
No Brasil, segundo o DATASUS, do Ministério da Saú- de forma experimental, mas a primeira aplicação clínica se
de, temos registro de dois milhões de pacientes portadores deve a Barnard4, em dezembro de 1967, na cidade do Cabo,
de ICC. Ocorrem 240 mil novos casos por ano, sendo que um África do Sul.

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Esta opção terapêutica revolucionária foi usada com Guasp13 tende a reviver os trabalhos de Batista, sendo líci-
muito entusiasmo até 1977, quando o programa foi interrom- to esperar a aplicação da ventriculectomia parcial orientada
pido na maioria dos centros, devido aos maus resultados por semiologia pré-operatória, como demonstraram os estu-
provocados pela rejeição dos enxertos transplantados ou dos multicêntricos RESTORE e SAVE. O estudo prospecti-
infecções graves, como a imunossupressão insuficiente ou vo randomizado STICH (em andamento), patrocinado pelo
exagerada. Devido a isto, houve um hiato, até que os traba- National Heart and Lung Blood Institute (NHLBI), cujo in-
lhos de Metzer e Hofman27 apresentaram um novo esquema vestigador principal é R. Jones, foi desenhado para detectar
de imunossupressão, utilizando a ciclosporina como base, o ou não diferenças na evolução da cardiopatia isquêmica ope-
que revitalizou os programas de transplante de uma manei- rada segundo esses novos conceitos.
ra geral, e de coração, em particular. A utilização de estimulação cardíaca artificial biventri-
No Brasil, vários centros de excelência em cardiologia cular ou multisítio se apresentou recentemente como uma
passaram a realizar transplantes cardíacos de rotina com importante alternativa para o tratamento da ICC em fase
mortalidade aceitável. Atualmente, devido à dificuldade de avançada, em pacientes que tenham retardo à condução
doação de órgãos, a possibilidade de se estender este tra- ventricular do estímulo elétrico. Basicamente, contribuiu para
tamento a um contingente maior de receptores ficou limita- compensação hemodinâmica de duas formas: corrigindo os
distúrbios de freqüência e pela ressincronização das câmaras
da. Na realidade, a possibilidade desse tipo muito eficiente
cardíacas. Uma melhora entre 15% a 25% do débito cardía-
de tratamento ficou restrita a uma elite da população, sendo
co tem sido evidenciada33,34. A ressincronização ventricular
absolutamente irreal esperar que o grande contingente de
é uma forma moderna de se otimizar o rendimento cardíaco,
necessitados possa usufruir deste benefício. Em conseqüên- por meio de implante de eletrodos unipolares bifocais ou tri-
cia, formas alternativas de tratamento cirúrgico de ICC em focais, dependendo de cada caso. A melhora clínica se tor-
fase terminal têm despertado grande interesse. na mais evidente em casos com complexo QRS largo e acima
Uma alternativa introduzida com entusiasmo em nosso de 150 milissegundos. No recente consenso de Insuficiên-
meio foi a cardiomioplastia, que utilizava o músculo grande cia Cardíaca da Sociedade Brasileira de Cardiologia, esta al-
dorsal envolvendo e massageando o coração. Os estudos ternativa está consignada como válida mas ainda aguarda
pioneiros realizados por Carpentier e Chachques17,16 foram julgamento e espera indicações apropriadas21.
reproduzidos no Brasil por Moreira e col.30,31,32 e Braile e A correção da insuficiência mitral secundária à miocar-
col.12, tendo demonstrado uma melhora inicial, mas perden- diopatia em fase avançada foi proposta inicialmente por
do-se o resultado na evolução a médio prazo por degenera- Chen e col.18, e depois divulgada por Bolling e col.10,11, que
ção gordurosa do grande dorsal estimulado cronicamente29. realizava somente a valvuloplastia mitral. Eles apresentaram
Esta alternativa foi praticamente abandonada, devido ao fato paradoxalmente significativos índices de sobrevivência e
de a mortalidade em cinco anos ser igual ao tratamento clí- melhora da qualidade de vida dos pacientes, apesar da dimi-
nico, merecendo atualmente novos estudos com uso de mar- nuição ou eliminação do escape de parte do volume sistóli-
ca-passo sincronizados e pausas de estimulação na tentativa co do VE para o átrio esquerdo, o que teoricamente
de retardar a degeneração do retalho muscular. aumentava a pós-carga do ventrículo. Mais recentemente,
Muito recentemente, estudos envolvendo a dinâmica Buffolo e col.14 e Puig e col.39 propuseram a correção da in-
de contração ventricular esquerda de forma espiralada res- suficiência mitral secundária associada à remodelação inter-
saltaram que todas as estruturas do arcabouço cardíaco são na do VE. A técnica consiste em promover o implante de uma
importantes para um desempenho de alto rendimento13. prótese em posição mitral e o realinhamento dos músculos
papilares que são tracionados para junto do anel atrioven-
A ventriculectomia parcial idealizada em nosso meio por
tricular esquerdo. Parte importante do conceito de remode-
Batista5,6,7 surgiu com grande impacto para o tratamento do
lação é o implante de uma prótese de diâmetro menor que o
ICC terminal e mereceu grande divulgação nos meios cien- anel atrioventricular esquerdo, tendo como objetivo princi-
tíficos e de comunicação. Consistia na retirada de um seg- pal a diminuição da esfericidade da cavidade ventricular es-
mento de músculo cardíaco, por vezes são, que continha querda e a remodelação da base do coração. A adaptação da
inclusive artérias e veias coronárias. Este procedimento vi- técnica originalmente descrita por Miki e col.28 para substi-
sava reduzir o diâmetro da cavidade ventricular esquerda, tuição valvar associada ao emprego de próteses de diâme-
aplicando a lei de Laplace, o que diminui a tensão na pare- tro menores que o anel mitral permite realizar a remodelação
de ventricular. Apesar de ser um conceito atraente, a sobre- da base do ventrículo esquerdo.
vida nos primeiros seis meses foi em torno de 50%, sendo
então considerado o resultado pior que o tratamento clíni- SELEÇÃO DE PACIENTES
co. Em conseqüência, houve uma desilusão generalizada e
o procedimento foi praticamente abandonado nos moldes A seleção de pacientes para este tipo de procedimento
originalmente propostos. Atualmente, tende a ser revivido, merece consideração especial. Sendo técnica de aplicação
aplicando-se a técnica para regiões fibróticas do ventrículo recente, vários parâmetros devem ser considerados.
esquerdo, mesmo sem discinesia demonstrável. O conceito Não temos indicado esta operação para pacientes sem
de coração helicoidal descrito originalmente por Torrent- insuficiência mitral moderada ou grave. Nos parece que os

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pacientes realmente refratários à terapêutica farmacológica são orgânica dos folhetos, sendo a insuficiência mitral de-
plena são aqueles nos quais a insuficiência mitral surge e vida à distorção dos músculos papilares pela deformação
perpetua a disfunção ventricular. ventricular e por dilatação ostial (Fig. 2.1). Em casos nos
Por outro lado, observa-se que a regurgitação mitral quais o átrio esquerdo é muito pequeno, como nas cardio-
não é estática, mas sim dinâmica, diminuindo ou aumentan- patias isquêmicas, damos preferência à abordagem transep-
do conforme a descompensação da insuficiência cardíaca. tal com canulação dupla e garroteamento das cavas.
É de muita importância reconhecer a dificuldade do diag- A prótese implantada é propositadamente um ou dois
nóstico da insuficiência mitral, uma vez que habitualmente o tamanhos menores em relação ao óstio atrioventricular es-
sopro sistólico de ponta é inexpressivo. O ecodoppler trans- querdo com a finalidade de remodelar a base do ventrículo
torácico a subestima, e a análise da ventriculografia no es- esquerdo. Utilizamos em todos os casos próteses biológicas
tudo hemodinâmico é inocente, uma vez que para frações de porcinas devido a sua durabilidade não ser fator limitante,
ejeção muito baixas não há refluxos visíveis para o interior uma vez que provavelmente a prótese valvular sobreviverá
do átrio esquerdo. Caracteristicamente, nestas situações, o ao paciente. O folheto anterior é seccionado em sua posição
tamanho do átrio esquerdo é discretamente aumentado ou mediana e os dois vértices são levados até as comissuras
normal contrastando com grandes volumes ventriculares. correspondentes, abrindo-se uma janela para a via de saída
A avaliação precisa da importância do refluxo valvar do VE, conforme técnica originalmente descrita por Miki e
deve ser feita por meio da ecocardiografia transesofágica, col.28 (Figs. 2.2 e 2.3).
documentando-se refluxos moderados ou graves na presença As manobras com a passagem dos pontos fixando os
de morfologia normal do aparelho valvar mitral ou pela res- vértices dos folhetos ao anel atrioventricular, assim como o
sonância magnética. Nestas situações, pode-se fazer a indi- pregueamento do folheto mural, tiveram por finalidade tra-
cação operatória com expectativa de bom resultado. cionar os músculos papilares em direção ao anel valvar e
A etiologia da cardiomiopatia não é fator limitante para a expectativa de reduzir o eixo longitudinal do coração, pre-
a indicação, participando de nossa casuística pacientes com servando as estruturas subvalvares e a função ventricular.
miocardiopatia dilatada, isquêmica, idiopática, chagásica, Todos os pontos foram apoiados em feltro de Teflon, para
pós-parto e viral. dar maior segurança no implante da prótese, considerando-
Nos casos de cardiomiopatia isquêmica deve-se inves- se que nestes casos o aparelho valvar mitral é anatomicamen-
tigar minuciosamente a possibilidade de procedimento cirúr- te normal e conseqüentemente suas estruturas são delgadas
gico adicional, como ressecção de áreas fibróticas localizadas e frágeis (Fig. 2.4). A utilização de próteses valvares de ta-
ou revascularização de coronárias “perdidas”, que não jus- manho menor que o anel nativo ajudava a reduzir o tamanho
tificariam a indicação operatória per si, mas que poderiam da base do coração (Fig. 2.5).
contribuir complementando o procedimento cirúrgico básico. Após o fechamento do átrio esquerdo e retirada exaus-
tiva do ar das câmaras cardíacas, procedemos à saída cuida-
dosa da circulação extracorpórea e revisão de hemostasia. Os
TÉCNICA OPERATÓRIA pacientes então são levados para unidade de pós-operató-
rio e submetidos aos controles habituais sob auxílio do ba-
No período pré-operatório imediato, realizamos a passa-
lão intra-aórtico e, por vezes, de apoio famacológico com
gem do catéter de Swan-Ganz, sendo feitas medidas de he- monitorização invasiva à beira do leito.
modinâmica à beira do leito:
1. débito cardíaco;
RESULTADOS
2. índice cardíaco;
3. pressão átrio direito; Temos acompanhado os pacientes nos períodos pré e
4. pressão arterial pulmonar; pós-operatórios, assim essas avaliações apresentaram os
5. pressão “capilar” pulmonar; seguintes resultados:
6. resistência vascular sistêmica; • no acompanhamento dos pacientes que sobrevive-
ram ao procedimento, em média 83% apresentaram melhora
7. resistência vascular pulmonar. significativa nos grupos funcionais que se apresentavam no
Instalamos a seguir o balão intra-aórtico e registramos pré-operatório;
novas medidas do desempenho cardíaco. Em todos os casos • a análise do ecocardiograma apresentou como resul-
os pacientes foram encaminhados ao centro cirúrgico com tado, uma melhora gradativa da fração de esforço, nos pe-
estes recursos, sendo removidos à medida que ocorria esta- ríodos pós-operatório imediatos e na evolução tardia, como
bilização hemodinâmica no pós-operatório. Todos os pacien- demonstra a Fig. 2.6. Também vale a pena ressaltar a mudan-
tes foram operados por esternotomia mediana e pela mesma ça na geometria ventricular da forma arredondada para uma
equipe cirúrgica. A circulação extracorpórea foi realizada com forma mais elíptica, conforme a Fig. 2.7;
canulação da aorta e das veias cavas superior e inferior. A • os volumes ventriculares observados tanto pela eco-
proteção miocárdica consistiu na cardioplegia sangüínea an- cardiografia quanto pela ressonância magnética apresenta-
terógrada, isotérmica, intermitente a intervalos de 15 minu- ram um significante aumento que, em parte, se deve à
tos. A valva mitral foi abordada em todos os casos por supressão da fração regurgitante, determinada pela regurgi-
atriotomia esquerda, e não apresentava à inspeção visual le- tação mitral, conforme apresendado na Fig. 2.8;

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Fig. 2.1 — Demonstra a integridade da valva mitral com dilatação ostial. Fig. 2.2 — Área do folheto anterior a ser incisada.

Fig. 2.3 — Passagem dos pontos nos vértices. Fig. 2.5 — Aspecto final do implante de prótese biológica no anel
atrioventricular esquerdo de tamanho menor que o aferido.

• a mudança na forma da geometria ventricular esquer-


da pode ser aferida de forma mais fidedigna pela ressonân-
cia magnética cardíaca, que apresenta uma melhora nos
índices de esfericidade ventricular, reafirmando que este
toma uma forma mais elíptica, segundo as Figs. 2.9 e 10.

32,6 ± 8,9
31,6 ± 9,8

26,5 ± 7,7

FE0 P < 0,05 FE1 FE2

Fig. 2.6 — Fração de ejeção pelo ecocardiograma, calculado em


Fig. 2.4 — Passagem dos pontos apoiados em teflon no anel mitral. diferentes períodos.

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10
A

Fig. 2.7 — Ecocardiograma pré e pós-operatório que mostra a forma Fig. 2.10 — Cine ressonância magnética de um dos pacientes incluí-
do ventrículo esquerdo após o implante da prótese mitral e o remo- dos neste trabalho. Em (A) vemos a imagem pré-operatória de final de
delamento do ventrículo esquerdo. sístole, que exibe grande volume residual e ausência de espessamen-
to sistólico em todo o septo. Após o tratamento cirúrgico, (B) há re-
dução do volume ventricular no final da sístole além de melhor
movimentação do septo. O artefato escuro no plano atrioventricular
85,2 ± 28,5 é resultado da presença da prótese valvar, enquanto que a ausência de
75,2 ± 16,2 sinal no ápice ventricular é conseqüência das suturas.

65,3 ± 12,7
DISCUSSÃO
Técnicas cirúrgicas alternativas ao transplante cardía-
co no tratamento da insuficiência cardíaca refratária não atin-
giram ainda as expectativas de grande impacto no curso
natural da afecção. Apesar de melhoras das classes funcio-
nais a curto prazo, os resultados não se mantêm no pós-ope-
ratório tardio.
VE0 VE1 VE2
P < 0,05 P < 0,05 A ventriculectomia parcial foi praticamente abandona-
da pelos altos índices de mortalidade hospitalar, assim como
Ve0 = pré-operatório pela inconsistência na previsão dos resultados, e a cardio-
Ve1 = antes da alta hospitalar mioplastia também tem sido pouco utilizada pela magnitude
Ve2 = fração de ejeção tardia da operação, pela necessidade de indicação em classes fun-
cionais menos avançadas e pela possibilidade de degenera-
Fig. 2.8 — Volume de ejeção pelo ecocardiograma, calculado em di-
ferentes períodos.
ção tardia do músculo grande peitoral29,32.
A utilização de marca-passos bifocais, uni, bi ou trica-
merais, tem sido empregada em pacientes em classe fun-
Índice de Esferecidade cional II e III e possivelmente melhora o desempenho
ventricular e a insuficiência mitral secundária especialmen-
te em pacientes com QRS largo (maior que 160 ms) estan-
do ainda sob julgamento seu real papel na insuficiência
cardíaca refratária.
A insuficiência mitral secundária que aparece em fases
avançadas das miocardiopatias dilatadas independentemen-
te de sua etiologia é fator determinante da refratariedade à
medicação e ainda da diminuição da expectativa de vida
como fator isolado de risco9,24,41.
Funcionalmente, o aparecimento da insuficiência mitral
poderia ser interpretado como um mecanismo de adaptação
favorável do ventrículo esquerdo, pois este poderia traba-
Fig. 2.9 — Índice de esfericidade: relação entre diâmetro longitudinal lhar contra uma pós-carga baixa devido à regurgitação para
e transverso. uma câmara de baixa pressão na sístole ventricular.

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Todavia, a este mecanismo compensatório se contra- destes pacientes 10,11,21. Resultados clínicos semelhantes
põe a queda do volume ejetado anterogradamente (volume também foram obtidos em nosso meio14,37,38,39.
ejetivo) com parte da ejeção voltando retrogradamente (vo- Em conclusão, cremos ser válido propor a eliminação
lume regurgitante). da insuficiência mitral secundária e a modelação da cavida-
Este mecanismo da fisiopatologia na insuficiência car- de ventricular por meio do implante de prótese valvular em
díaca avançada é a base para o entendimento de frações de pacientes com insuficiência cardíaca avançada, com a fina-
ejeção superestimadas nestas condições. Dessa forma, a lidade de melhorar a qualidade de vida, sendo provável que
correção da insuficiência mitral secundária, apesar de au- este procedimento aumentará a chance de sobrevivência.
mentar a pós-carga e eventualmente não melhorar a fração Especula-se ser possível melhorar ainda mais os resul-
de ejeção, pode justificar a melhora dos pacientes pela eli- tados do emprego desta técnica usando-se associadamen-
minação de fluxo regurgitante e conseqüentemente aumen- te áreas fibróticas, como mostraram os estudos SAVE e
tar o volume ejetivo. RESTORE, ou ainda usar o ressincronismo ventricular em
A técnica de correção da insuficiência mitral secundária pacientes com QRS largo.
presente em alguns casos de insuficiência cardíaca refratária
foi originalmente proposta por Chen e col.18 e amplamente REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
divulgada por Bolling e col.10,11, Bach e Bolling3 e Bishay8,
e mostrou resultados promissores com melhora da classe 1. Aguiar, LF. Tratamento da insuficiência mitral secundária na
funcional a curto e médio prazos. miocardiopatia dilatada através do implante de prótese valvular.
Análise evolutiva imediata da morfologia e desempenho do
A técnica utilizada por estes autores consiste pratica- ventrículo esquerdo pela ressonância magnética nuclear. Tese
mente na anuloplastia mitral com anel rígido ou flexível, nada apresentada à Universidade Federal de São Paulo, Escola Paulista
se fazendo nas estruturas subvalvares nem na forma da ca- de Medicina para obtenção do título de Doutor em Medicina.
2. Almeida , Diniz RV, Viegas RFM et al. Betabloqueadores na
vidade ventricular esquerda. Parece-nos que a eliminação
insuficiência cardíaca. Rev Soc Cardiol São Paulo. 2000; Vol. 10
completa da regurgitação mitral é mais fácil de ser obtida n.1: 76-87.
com o implante de uma prótese, além do fato de alguns au- 3. Bach DS, Bolling ST. Improvement following correction of
tores terem demonstrado a possibilidade de sua recorrência secondary mitral regurgitation in end-stage cardiomyopathy with
nos procedimentos de plastia23 mitral annuloplasty. Am J Cardiol 1996; 78: 966-69.
4. Barnard CN. A human cardiac transplant: an interin report of a
Consideramos a possibilidade de associadamente ao successful operation performed at Groote Schuur Hospital, Cape
implante de uma prótese valvular em posição mitral realizar Town. S Afr Med J A 1967; 1: 1271.
algum tipo de remodelação ventricular esquerda com mano- 5. Batista RJV, Santos JVL, Cunha MA et al. Ventriculectomia par-
bras visando realinhar os músculos papilares e reduzir a es- cial: um novo conceito no tratamento cirúrgico de cardiomiopa-
tia em fase final. Anais do XXII Congresso Nacional de Cirurgia
fericidade do ventrículo, sempre presente nestas situações. Cardíaca. 1995; 140-141.
Para tanto, adaptamos a técnica originalmente descri- 6. Batista RJV, Santos JVL, Takeshita N et al. Partial left
ta por Miki e col.28 fazendo associadamente a remodelação ventriculectomy to improve left ventricular function in end-stage
da base do ventrículo esquerdo com a utilização de próte- heart diseases. J Card Surg, 1996; 11: 96-7.
7. Batista RJV, Verde J, Mery P. Partial left ventriculectomy to treat
se valvular um ou dois tamanhos menores que o anel atrio- end-stage heart diseases. Ann Thorac Surg 1997; 64: 634-8.
ventricular esquerdo. 8. Bishay ES, MC Carthy PM, Cosgrove DM et al. Mitral valve
Outros idealizaram técnicas cirúrgicas distintas para surgery in patients with severe left ventricular dysfunction. Eur
J Cardiothorac Surg 2000; 17: 213-21.
atingir o mesmo objetivo, como Puig e col.39, ou ainda de- 9. Blondhein DS, Jacobs LE, Kotler MN et al. Dilated cardiomyopathy
senvolveram índices ecocardiográficos para selecionar os with mitral regurgitation decreased survival despite a low
pacientes quanto a plastia ou implante valvar15. frequency of left ventricular thrombus. Am Heart J 1991;
A crítica decorrente de se implantar uma prótese val- 122: 763-71.
10. Bolling SF, Deeb GM, Brusting LA et al. Early outcome of mitral
vular nos parece irrelevante, pois provavelmente a prótese valve reconstitution in patients with end-stage cardiomyopathy.
sobreviverá ao paciente. J. Thorac Cardiovasc Surg 1995; 109: 673-83.
A técnica por nós proposta, assim como a variação 11. Bolling SF, Pagani FD, Deev GM et al. Intermediate-term outcome
proposta por Puig e col., tenta acrescentar alguma coisa of mitral reconstitution in cardiomyopathy. J Thorac Cardiovasc
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além da correção da insuficiência mitral secundária, visan- 12. Braile DM, Soares MJF, Rodrigues MCR et al. Cardiomioplastia:
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com a suspensão e o realinhamento dos músculos papila- passo e Arritmia 1993; 6: 71-83.
res, fazendo-os participar da contração ventricular1. 13. Buckberg GD, Clemente C, Cox JL et al. The structure and
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3 Estimulação Cardíaca Artificial no Tratamento
da Insuficiência Cardíaca Congestiva

Roberto Costa

RESUMO regiões do mundo. Estatísticas oficiais americanas estimam


que mais do que 10 bilhões de dólares ao ano são destina-
A insuficiência cardíaca congestiva representa um dos dos ao pagamento de visita médica, hospitalização e medi-
mais importantes problemas de saúde pública, dada sua alta cação desses pacientes e que, a despeito de todo esse
prevalência nos diferentes países do mundo. Quadros de in- investimento e dos recentes avanços ocorridos no tratamen-
suficiência cardíaca congestiva descompensada têm sido a to da insuficiência cardíaca, todos os anos são relatadas de
mais freqüente causa de internação hospitalar. A doença está 35 a 70 mil mortes causadas pela doença.
associada à morbidade crescente e à alta taxa de mortalida- Nos pacientes portadores de insuficiência cardíaca con-
de. A utilização da estimulação cardíaca artificial no trata- gestiva, o mecanismo mais comum de morte é a falência crô-
mento de pacientes portadores de insuficiência cardíaca nica do ventrículo esquerdo, responsável por cerca de 50%
oferece várias opções para o alívio dos sintomas, a melhora dos óbitos. Mecanismos causadores de morte súbita, como
da qualidade de vida e o aumento da sobrevida. arritmias malignas e tromboembolismo, pulmonar ou sistêmi-
co, são responsáveis pela outra metade.
INTRODUÇÃO No Brasil, tem sido observada grande elevação do nú-
mero de internações e aumento da mortalidade hospitalar em
A insuficiência cardíaca congestiva causada pela dis- decorrência de insuficiência cardíaca congestiva. Lessa56, em
função sistólica do ventrículo esquerdo representa um dos análise parcial de informações oficiais brutas para todo o ter-
mais importantes problemas de saúde pública, dada sua alta ritório nacional, consolidadas anualmente pelo Ministério da
prevalência nos diferentes países do mundo. Estima-se que Saúde, verificou que, de 1982 a 1997, ocorreu uma drástica
somente nos Estados Unidos existam mais de três milhões modificação no perfil das doenças cardiovasculares. Nesse
de pacientes portadores de insuficiência cardíaca e que, to- período, enquanto foi observada redução de 42,6% no nú-
dos os anos, cerca de 400 mil novos casos sejam diagnosti- mero de internações por doença hipertensiva e aumento dis-
cados. A doença, que está associada à morbidade crescente creto de 3,5% para doença arterial coronária e de 7,8% para
e à alta taxa de mortalidade, apresenta expectativa de sobre- doenças cerebrovasculares, as internações devidas à insu-
vida aos cinco anos de seguimento em torno de 25% para a ficiência cardíaca congestiva cresceram 73%. Quanto à mor-
população masculina e de 38% para a feminina, sendo o tem- talidade hospitalar, foram relatados aumentos em todos
po de sobrevida médio de 3,2 anos para mulheres e de 1,7 esses grupos de doenças, com incremento de 14,7% nos
para homens. óbitos em decorrência de doença cerebrovascular, 18,4% na
A etiologia da doença tem mudado de perfil nos últimos doença hipertensiva, 23% na doença arterial coronária e 30%
50 anos, passando de causas como a hipertensão arterial e em pacientes portadores de insuficiência cardíaca congestiva.
a doença valvular no início do século, para um panorama
atual no qual a doença coronária aterosclerótica predomina ABORDAGEM TERAPÊUTICA DA INSUFICIÊNCIA
amplamente. CARDÍACA CONGESTIVA
Quadros de insuficiência cardíaca congestiva descon-
densada têm sido a mais freqüente causa de internação hos- O tratamento de eleição para os diferentes graus de in-
pitalar, variando de 5% a 10% das admissões, nas diferentes suficiência cardíaca tem sido o farmacológico, que classica-

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mente utiliza diuréticos e cardiotônicos e, mais recentemente, mal, com alteração da relação das contrações atrial e ventri-
vasodilatadores e β-bloqueadores. A literatura tem demons- cular e falta de coordenação da contração do ventrículo es-
trado aumento da sobrevida dos pacientes com o uso de ini- querdo. Este último fenômeno é observado em pessoas com
bidores da enzima conversora da angiotensina (iECA), o complexo QRS alargado e com atraso da condução intra-
β-bloqueadores e nitratos associados à hidralazina. A dimi- ventricular, sendo mais comum o padrão de bloqueio do
nuição da progressão da insuficiência cardíaca, assim como ramo esquerdo do feixe de His. Estudos mostraram que este
da taxa de hospitalização, também têm sido demonstrada com atraso de condução é um fator de risco independente para
o uso de iECA, digitálicos e β-bloqueadores. Esses resulta- morbidade e mortalidade em portadores de miocardiopatia
dos, entretanto, não estão relacionados à melhora expressi- dilatada45,46,65,97. Em recente análise de mais de 5 mil pacien-
va da qualidade e da sobrevida desses pacientes. tes, a presença de bloqueio de ramo esquerdo (BRE) estava
Nos pacientes portadores de insuficiência cardíaca associada a um risco 60% a 70% maior de mortalidade por
avançada, onde o tratamento medicamentoso não logra a todas as causas, assim como de morte súbita, e foi identifi-
compensação clínica, o transplante cardíaco tem oferecido cada como fator de risco independente para a morte desses
os melhores resultados, com sobrevida média de 60% ao fi- pacientes9. A perda unilateral da condução His-Purkinje nor-
nal de cinco anos de seguimento. Este tratamento apresen- mal resulta na separação da câmara cardíaca em duas re-
ta, entretanto, sérias dificuldades, tais como a dificuldade giões: uma ativada precocemente e outra tardiamente, tendo
de obtenção de doadores de coração, a necessidade de ele- como conseqüência o comprometimento da função sistólica.
vado nível socioeconômico dos receptores e o elevado cus-
Ao longo da década passada, investigadores estabele-
to do procedimento e dos medicamentos empregados para
a imunossupressão. ceram que a estimulação de ambos os ventrículos (estimu-
lação biventricular) ou mesmo apenas da parede livre do
Com o passar do tempo e o maior conhecimento da fi-
ventrículo esquerdo pode melhorar a mecânica e a energia do
siopatologia da doença e seus mecanismos compensatórios,
coração insuficiente com contração descoordenada (assin-
outras formas de tratamento foram propostas, como a cardio-
cronia), conforme evidenciado em várias revisões recentes
mioplastia dinâmica e a ventriculoplastia redutora. A cardiomio-
plastia dinâmica tem como principal fator limitante a (Abraham2, Leclerq e Kass54, Trautmann et col.93). Estudos
obrigatoriedade de ser aplicada a pacientes portadores de crônicos têm confirmado a melhora de sintomas clínicos, o
corações não muito dilatados, com cavidade ventricular es- aumento da capacidade para exercícios e a interrupção ou
querda não superior a 80 mm. A ventriculoplastia redutora mesmo a reversão do remodelamento crônico do ventrículo
proposta por Batista tem sido associada à elevada mortali- esquerdo3,6,23,83. No entanto, como em toda terapia para insu-
dade inicial, havendo ainda necessidade de comprovação de ficiência cardíaca, a resposta individual do paciente à ressin-
seus reais benefícios tardios. cronização cardíaca varia, com a maioria das séries relatando
As limitações da terapêutica farmacológica e dos trata- um índice de 20% a 30% de falta de resposta ao tratamento.
mentos cirúrgicos até então existentes para o controle da in- Em face da complexidade e do custo do procedimento, tor-
suficiência cardíaca têm estimulado o desenvolvimento de na-se necessário identificar marcadores que melhor possam
novos recursos, como o implante permanente de aparelhos. definir os pacientes que mais provavelmente irão responder
Dentre estes podemos destacar o ventrículo esquerdo arti- ao tratamento. Torna-se necessário, então, conhecer a fisio-
ficial e os cardioversores-desfibriladores automáticos. patologia da contração cardíaca assíncrona, os mecanismos
A possibilidade de tratamento da insuficiência ventricu- que propiciam benefício com a ressincronização e o pensa-
lar pela estimulação cardíaca artificial tem sido recentemen- mento atual em relação a como melhor identificar os pacien-
te aventada. O uso do marca-passo cardíaco artificial, que tes que responderão ao tratamento.
oferece inquestionável benefício aos pacientes portadores
de bradicardia associada à disfunção ventricular esquerda, FISIOPATOLOGIA DA CONDUÇÃO ELÉTRICA ANORMAL
passa agora a ser mencionado como terapêutica primária rea-
lizando a ressincronização cardíaca. Os marca-passos cardía- O sistema de condução cardíaca normal modula a fre-
cos, caso comprovada sua eficácia em pacientes com qüência cardíaca, a eficácia mecânica da sístole atrial e a coor-
freqüência cardíaca normal, ofereceriam aos pacientes uma denação contrátil dos ventrículos, ou seja, alterações de
alternativa terapêutica de baixo custo, de pequeno risco ope- qualquer desses componentes pode diminuir a performance
ratório e de fácil obtenção. cardíaca.
A incompetência cronotrópica resultante da doença do
RESSICRONIZAÇÃO CARDÍACA nó sinusal pode alterar a performance cardíaca de pacientes
que já apresentam diminuição do enchimento ventricular ou
Miocardiopatia dilatada é a conseqüência da diminui- da contratilidade. A utilização de fármacos bloqueadores
ção da contratilidade normal do músculo cardíaco à qual se adrenérgicos no tratamento da insuficiência cardíaca inter-
associa potente ativação do sistema neuroendócrino, como fere especificamente nesse tipo de paciente, acarretando di-
resposta à diminuição do débito cardíaco. Pode-se desenvol- minuição exagerada da freqüência cardíaca e/ou da resposta
ver, também, alteração da condução do estímulo elétrico nor- aos esforços, em paciente com reserva cardíaca limitada.

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A associação da estimulação cardíaca artificial permanente A falta de sincronia da contração também se manifes-
como suporte terapêutico, nesse tipo de paciente, tem sido ta sobre o metabolismo e a demanda de energia. O miocár-
amplamente utilizada. A estimulação ventricular direita, entre- dio ativado prematuramente desenvolve menor trabalho
tanto, também induz assincronia da contração e pode exacer- total18,30,35,40,41,42,58,71,75,76,85,86,96. Existe, entretanto, um grande
bar quadros de disfunção ventricular incipiente. desperdício de energia em cada período de ejeção, uma vez
Outro tipo de alteração da condução do estímulo elétri- que a pressão sistêmica permanece baixa. De fato, dados re-
co que se manifesta como assincronia cardíaca é ocasiona- centes sugerem que muito do movimento septal precoce no
do por graus diversos de bloqueios atrioventriculares. A típico atraso de condução padrão BRE ocorre previamente
alteração da condução atrioventricular do tipo nodal, em ao fechamento da válvula mitral, dificultando a delimitação
particular, atrasa a sístole ventricular em relação à sístole entre final da diástole e início da sístole. A parede livre tar-
atrial. Este fenômeno pode tornar a sístole atrial sincrônica diamente ativada, em contraste, opera sob maior estresse,
ao período de enchimento passivo precoce e efetivamente com maior demanda metabólica. Nesse momento também
anular seu valor como bomba. O intervalo atrioventricular ocorre desperdício de energia, já que parte do trabalho é apli-
(AV) ótimo também é importante para a manutenção da com- cada para distender o território previamente ativado, em vez
petência da valva mitral, dado que o atraso da sístole ven- de contribuir para a ejeção, o que causa a redução na eficiên-
tricular deixa os folhetos da valva mitral em posição cia do ventrículo10,69,75.
semi-aberta quando a sístole ventricular começa. Como o fe-
chamento valvar nesse momento é inteiramente dependen-
te do aumento da pressão ventricular, este atraso pode EFEITOS HEMODINÂMICOS AGUDOS E
provocar regurgitação mitral pré-sistólica. Intervalos atrio- CRÔNICOS DA ESTIMULAÇÃO BIVENTRICULAR
ventriculares longos (freqüentemente 250 ms ou mais) tam- Tem sido demonstrado que a estimulação elétrica arti-
bém encurtam o período de enchimento diastólico, limitando ficial simultânea de ambos os ventrículos ou a estimulação
o enchimento completo61,98. A estimulação elétrica com inter-
univentricular da parede livre do ventrículo esquerdo pode
valo AV curto pode beneficiar pacientes com este tipo de
coordenar a contração de corações com assincronia, sendo
distúrbio da condução16.
relatada melhora da sístole ventricular esquerda com os dois
Atraso na condução infranodal — mais comumente em tipos de estimulação4,14,47,52,67. Parâmetros hemodinâmicos,
padrão de bloqueio do ramo esquerdo (BRE) —, induz con- como o gradiente máximo de pressão (dP/dtmáx.) ou a pres-
tração ventricular esquerda assíncrona76,96. Pacientes porta-
são arterial, são melhorados ao primeiro batimento após o
dores de miocardiopatia dilatada e atraso na condução do
início da estimulação, refletindo um aumento na sístole car-
tipo BRE mostram ativação precoce da parede septal asso-
díaca47. Recentes avanços nos métodos de obtenção de ima-
ciada com distensão da parede lateral. Ocorre, na seqüência
gem por ecodopplercardiograma propiciaram evidência
da ativação, a contração da parede lateral atrasada em situa-
direta da ressincronização no movimento das paredes ven-
ção de alto estresse, com posterior distensão sistólica do
septo interventricular previamente ativado. A denominação triculares de portadores de BRE submetidos à ressincroniza-
comumente utilizada para esse fenômeno é movimento pa- ção 48,80,100 . O movimento septal precoce seguido pelo
radoxal do septo, devido ao fato de o septo interventricu- deslocamento para a direita observado em pacientes com
lar reagir como se estivesse isquêmico, apesar da ausência BRE é convertido em um movimento mais consistente pela
desse fator. O movimento, contudo, não é paradoxal, mas estimulação biventricular. Nota-se, na parede lateral, que a
simplesmente a conseqüência de um balanço de forças: o mi- distensão precoce seguida por contração tardia (sob condi-
ocárdio septal previamente ativado encontra-se menos apto ções basais) desaparece, dando lugar à contração mais pre-
a se opor ao estresse desenvolvido pela parede livre do ven- coce, embora a magnitude da contração não se altere.
trículo esquerdo que se ativa tardiamente, sendo, então, em- Estudos não-invasivos crônicos também têm demons-
purrado contra o ventrículo direito. trado melhora do desempenho sistólico com a ressincroni-
Os efeitos da assincronia na função ventricular variam zação100, com aumento da dP/dtmáx. e redução dos volumes
em cada paciente levando à piora da performance sistólica ventriculares. Yu et col.100 demonstraram diminuição dos
e diastólica e aumentando a necessidade de energia. Os efei- volumes sistólico e diastólico com um mês ou mais de esti-
tos deletérios da ativação temporal não-homogênea no co- mulação. Demonstraram ainda que, após interrupção transi-
ração normal já haviam sido demonstrados em estudos tória da estimulação e três meses de ressincronização, não
anteriores18,58,71. houve alteração desses volumes, apesar de haver uma rever-
A distensão septal pós-sistólica diminui a função ven- são aguda no benefício sistólico cardíaco (dP/dtmáx.), suge-
tricular por duas razões: 1. pelo acúmulo intracavitário de rindo que houvesse efeito de remodelamento reverso.
parte do volume sangüíneo que deveria ser ejetado; 2. pela Quando a estimulação continuou suspensa pelo mês seguin-
distensão do músculo contrátil, que causa lesão das fibras te, notou-se não apenas a diminuição da performance sistó-
cardíacas, diminui a força sistólica, e provoca repolarização lica, como também redilatação crônica ventricular. Estudos
heterogênea e arritmia ventricular35,40,86. A contração hetero- clínicos crônicos, cegos e controlados, com grande número
gênea também retarda a fase de relaxamento ventricular e de pacientes, também relataram significantes efeitos na remo-
contribui para a disfunção diastólica30,41,42,85. delação ventricular3,83.

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Além de melhorar a função e reverter o remodelamen- dos em estudos randomizados cegos e duplo-cegos. Estes es-
to do ventrículo, a ressincronização beneficia sua mecano- tudos consistentemente demonstraram melhoria significativa
energética. Como relatado por Nelson e col.66, a melhora da da qualidade de vida, da Classe Funcional de insuficiência car-
função sistólica pela ressincronização está associada ao díaca da New York Heart Association (NYHA), tolerância ao
declínio do consumo de oxigênio pelo miocárdio. Mais re- exercício físico e presença do remodelamento reverso do ven-
centemente, pesquisadores têm utilizado a tomografia com trículo esquerdo1,3,5,8,14,15,17,23,24,25,27,31,39,43,44,49,52,55,57,78,99,100. Uma
emissão de pósitrons para acessar o metabolismo regional metanálise ampla15 mostrou reduções no índice de hospitaliza-
nas paredes septal e lateral95. Quando a ressincronização é ções devido à piora da insuficiência cardíaca e uma tendência
comparada a tradicionais drogas inotrópicas, como a do- na diminuição da mortalidade total. Os resultados preliminares
butamina, a disparidade na mecanoenergética é ainda dos estudos sobre mortalidade e morbidade indicam benefícios
mais impressionante. Tomando em consideração que a da ressincronização na sobrevida.
ressincronização intensifica a função sistólica enquanto di- Entre os principais estudos clínicos encontram-se: PATH
minui a demanda global de energia do miocárdio, o oposto CHF e PATH CHF II (Pacing Therapies in Congestive Heart
é verdade em relação a drogas tradicionais que agem para Failure5), MUSTIC (Multisite Stimulation in Cardiomyopathy)23,55,57,
aumentar a disponibilidade de cálcio via cascata do AMP MIRACLE e MIRACLE ICD (Multicenter InSync Randomized
cíclico. Clinical Evalution)1,3,99, VENTAK CHF/CONTAK CD31, COM-
Embora o foco primário tenha sido sobre a estimulação PANION (Comparison of Medical Therapy, Pacing and Defibrilla-
biventricular, laboratórios mostraram eficácia aguda e crônica tion in Heart Failure)17 e CARE-HF (Cardiac Resynchronization in
similar com estimulação apenas da parede livre do ventrícu- Heart Failure)27.
lo esquerdo4,47,92. Uma avaliação cuidadosa da função global O InSync43 foi um estudo longitudinal prospectivo, não-
e da mobilidade da parede regional encontrou benefícios si- randomizado e multicêntrico que avaliou a segurança e a efe-
milares em ambos os modos de estimulação, apesar das tividade da ressincronização cardíaca na insuficiência
grandes disparidades no padrão de ativação elétrica e de cardíaca de moderada a severa. Foram estudados 103 pa-
atraso de tempo53. Isto sugere que a sincronia elétrica não cientes com classe funcional III (68%) e IV (32%), fração de
é equivalente à sincronia mecânica e que esta última é mais ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) de 22 (± 6%) do diâ-
relevante ao benefício hemodinâmico da ressincronização. metro diastólico de 72 (± 10 mm) e duração do QRS superior
Questões referentes à utilidade crônica da estimulação ven- a 150 ms. O eletrodo de VE foi implantado através das veias
tricular esquerda vão provavelmente restar, pois os dados de coronárias entre agosto de 1997 e novembro de 1998. Os pa-
estudos clínicos de grandes populações foram todos basea- cientes foram avaliados antes do implante e após um, três,
dos em estimulação biventricular. seis e doze meses do início da estimulação. Durante o segui-
A magnitude do benefício sistólico depende também, em mento de doze meses, 21 pacientes morreram. A sobrevida
parte, do intervalo AV selecionado4,47. A ativação simultânea atuarial foi de 78% em um ano. Observou-se melhora esta-
de átrios e ventrículos exerce efeito prejudicial no enchimen- tisticamente significante na classe funcional, na distância
to ventricular e no aumento das pressões atriais. Auricchio caminhada em seis minutos e no escore de qualidade de vida.
e col.4 estudaram os efeitos da ressincronização atrioventri- O MUSTIC23,55,57 foi o primeiro estudo randomizado,
cular utilizando diferentes intervalos AV. Embora a utilização cego, controlado e cruzado com um número expressivo de
de intervalos AV muito curtos ou muito longos acarretem di- pacientes desenhado para avaliar a eficácia clínica e a segu-
minuição da dP/dtmáx., existe uma larga faixa intermediária rança da ressincronização cardíaca em pacientes com insu-
desse intervalo (de 100 ms a 140 ms) que provoca pequena ficiência cardíaca moderada associada à cardiomiopatia
modificação na contratilidade. dilatada isquêmica ou não-isquêmica e à assincronia ventri-
cular. Este estudo incluiu um grupo de pacientes que apre-
RESSINCRONIZAÇÃO C ARDÍACA: REVISÃO sentava ritmo sinusal (RS), com o intuito de testar a eficácia
DOS E STUDOS C LÍNICOS da ressincronização atriobiventricular, e um grupo de pa-
cientes com fibrilação atrial (FA) crônica para avaliar os efei-
Existem evidências científicas recentes e convincentes tos da estimulação biventricular isolada. Os resultados foram
que demonstram os efeitos benéficos da ressincronização reportados em dois estudos separados.
cardíaca. Numerosos estudos observacionais, bem como O objetivo primário do MUSTIC23,55,57 foi verificar a efi-
uma série de estudos clínicos randomizados controlados cácia da ressincronização na melhora da distância caminha-
recentemente publicados, demonstram a segurança, a efe- da no teste de seis minutos. Os objetivos secundários foram
tividade e os efeitos benéficos tardios da ressincronização estimar sua influência na qualidade de vida, no consumo de
em pacientes com insuficiência cardíaca sistólica e assincro- oxigênio, na hospitalização relacionada à insuficiência car-
nia ventricular. Estudos observacionais iniciais apóiam o díaca, na preferência dos pacientes com o marca-passo ati-
conceito da ressincronização, demonstrando melhora hemo- vo ou inativo e nos índices de mortalidade. Aos doze meses,
dinâmica, ecocardiográfica e funcional, aguda e crôni- todos os pacientes em ritmo sinusal e 88% dos em fibrilação
ca 8,14,24,25,39,43,44,49,52,78,100 . Desde o término dos estudos atrial mantinham programação biventricular. Em comparação
iniciais, aproximadamente 5.000 pacientes têm sido avalia- aos dados basais, a distância média caminhada em seis mi-

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nutos aumentou em 23% (RS) e 17% (FA) durante o perío- magnitude da melhora da insuficiência cardíaca foi comparável
do da estimulação biventricular ativada. O escore de quali- à melhora evidenciada no estudo MIRACLE, sugerindo que os
dade de vida aumentou em 36% (RS) e 32% (FA), a classe pacientes com insuficiência cardíaca e indicação para CDI apre-
funcional melhorou em 25% (RS) e 32% (FA), a FEVE melho- sentam melhores benefícios do que aqueles sem indicação para
rou em 5% (RS) e 4% (FA), e o período avaliado com o mar- CDI. Com base nestes dados, o FDA (Food and Drug Admi-
ca-passo ativado foi preferido por 85% dos pacientes. nistration) aprovou o sistema combinado de CDI e ressincro-
Concluindo, os benefícios clínicos com a terapia de ressin- nização cardíaca em junho/2002.
cronização cardíaca parecem manter-se por períodos de se- O CONTAK CD31 também foi um estudo randomizado,
guimento superiores a doze meses. controlado e duplo-cego que comparou a ressincronização car-
O MIRACLE1,3 foi um estudo clínico prospectivo, ran- díaca versus a ausência da ressincronização em pacientes com
domizado, duplo-cego e controlado, desenhado para validar indicação para CDI. Foram recrutados pacientes com classe
os resultados dos estudos prévios de ressincronização car- funcional II a IV, FEVE ≤ 35%, QRS ≥ 120 ms e indicação para
díaca (RC) e promover a avaliação da efetividade terapêuti- o uso de CDI. Os objetivos primários envolveram: mortalida-
ca e dos mecanismos de benefícios potenciais dessa terapia. de, hospitalizações relacionadas à insuficiência cardíaca e epi-
Os objetivos primários foram avaliar a mudança na classe sódios de taquicardia ventricular ou fibrilação ventricular.
funcional, no escore de qualidade de vida e na tolerância ao Foram randomizados 581 pacientes: 248 em um estudo com cru-
exercício. Os objetivos secundários incluíram as seguintes zamento de três meses e 333 pacientes em um estudo com gru-
avaliações: resposta clínica da insuficiência cardíaca, respos- po controle de seis meses. Na avaliação dos desfechos
ta metabólica ao exercício, níveis plasmáticos de neuro-hor- primários os autores observaram apenas tendência de favore-
mônios e citoquinas, duração do QRS, estrutura e função cimento dos pacientes do grupo submetido à ressincronização.
cardíaca, medidas de piora da insuficiência cardíaca, morbi- Foi observado, entretanto, que o pico de VO2, a distância per-
dade e todas as causas de mortalidade. O MIRACLE iniciou corrida no teste de caminhada de seis minutos e a classe fun-
em outubro de 1998 e terminou no ano 2000. Foram acompa- cional apresentaram melhora significante no grupo com a
nhados por seis meses 453 pacientes com insuficiência car- estimulação ativada, particularmente no subgrupo de pacien-
díaca de moderada a severa, FEVE menor que 0,35 e QRS tes com classe funcional III ou IV.
com duração ≥ 130 ms, sendo então divididos no grupo de O COMPANION17 foi um estudo clínico multicêntrico,
RC (n = 228) e grupo controle (n = 225). Comparados ao gru- prospectivo, randomizado e controlado, iniciado no começo do
po controle, os pacientes que receberam a ressincronização ano 2000 e desenhado para comparar a terapia medicamento-
apresentaram melhora significante no escore de qualidade sa isolada versus terapia medicamentosa associada à terapia de
de vida, na tolerância ao exercício físico e na FEVE. Apresen- ressincronização cardíaca em pacientes com ou sem indicação
taram, ainda, grande melhora na performance cardíaca glo- de CDI. O estudo incluiu 1.500 pacientes com cardiomiopatia
bal, sugerindo que a ressincronização causa impacto no dilatada, atraso na condução intraventricular, classe funcional
curso clínico da insuficiência cardíaca. No grupo submetido II a IV e ausência de indicação de marca-passo convencional.
à ressincronização houve redução de 50% no índice de hos- Os pacientes foram randomizados em três grupos: o grupo I
pitalização relacionada à piora da insuficiência cardíaca, que (n = 440) recebeu tratamento medicamentoso otimizado; o
foi acompanhada por redução significante no total de dias grupo II (n = 880) recebeu tratamento medicamentoso otimi-
de hospitalização. Ao término de doze meses houve perma- zado associado à ressincronização; o grupo III (n = 880) rece-
nência dos benefícios alcançados com a terapia de ressin- beu tratamento medicamentoso otimizado associado à
cronização cardíaca e também se evidenciou diminuição no ressincronização e CDI. Os objetivos primários foram a com-
índice de mortalidade. binação de todas as causas de mortalidade e de hospitalização.
O MIRACLE ICD31 foi um estudo similar ao MIRACLE, Os objetivos secundários incluíram uma variedade de medidas
incluindo, entretanto, pacientes que apresentavam indicação da morbidade cardiovascular. Este estudo foi encerrado preco-
para o implante de cardioversores-desfibriladores implantá- cemente em novembro de 2002 devido a recomendações do
veis (CDI). Tratou-se de um estudo clínico multicêntrico, conselho de monitorização de ética e segurança. Relatórios
prospectivo, randomizado, duplo-cego e controlado, cujo preliminares sugerem uma redução significante de aproxima-
objetivo principal foi avaliar a segurança e eficácia clínica de damente 20% na mortalidade total e nas hospitalizações nos
sistemas combinados de ressincronização cardíaca e CDI em grupos submetidos à ressincronização cardíaca, quando com-
pacientes com disfunção sistólica, assincronia ventricular e parados ao grupo que somente recebeu o tratamento medica-
indicação de CDI. Este estudo foi iniciado em setembro de mentoso. Observou-se, entretanto, significativa redução da
1999 e encerrou em meados de 2002. As medidas primárias mortalidade quando se comparou o grupo de pacientes onde
e secundárias da eficácia da terapia foram idênticas àquelas o CDI foi associado à ressincronização.
avaliadas no MIRACLE, mas também incluíram a avaliação
do funcionamento do CDI e da eficácia da terapia anti-taqui- RESSINCRONIZAÇÃO CARDÍACA : IDENTIFICAÇÃO
cardia com estimulação biventricular. Os 369 pacientes foram DOS C ANDIDATOS
randomizados em dois grupos: 182 apresentavam o CDI ati-
vado e a estimulação biventricular desativada e 187 apresen- Vários fatores que influenciam a resposta dos pacien-
tavam o CDI e a estimulação biventricular ativados. A tes à ressincronização e/ou são utilizados para identificar os

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candidatos: duração do complexo QRS; assincronia inter- ASSINCRONIA MECÂNICA COMO PREDITOR DA
ventricular e intraventricular; sucesso no implante dos ele- MELHORA APÓS R ESSINCRONIZAÇÃO
trodos; pré-excitação adequada e intervalo de estimulação
atrioventricular fisiológico. Devido à baixa confiabilidade da duração do comple-
xo QRS como preditor de melhora dos pacientes, outros
O marcador mais utilizado para identificar pacientes com
marcadores prognósticos passaram a ser pesquisados. A
assincronia tem sido um complexo QRS alargado no eletro-
assincronia foi a princípio examinada por meio de ressonân-
cardiograma de superfície. Até hoje, todos os estudos clíni-
cia magnética67. Esta abordagem propiciou medidas tridi-
cos têm incluído pacientes com base na presença de
mensionais de todo o ventrículo esquerdo e permitiu o
cardiomiopatia dilatada com disfunção sistólica e de comple-
cálculo de uma variedade de índices de sincronia cardíaca.
xo QRS com duração aumentada. A duração mínima do com-
Estudos recentes em animais empregando esta abordagem
plexo QRS utilizada como critério de inclusão tem variado de
mostraram mais profundamente a dissociação que pode exis-
120 ms a 150 ms. O conceito de que a duração do complexo
tir entre tempos de atraso elétrico e a assincronia mecâni-
QRS deveria associar-se à assincronia parecia lógico, pois ca53. Esta última parece cada vez mais ser o alvo primário
um atraso substancial na condução ventricular esquerda para a identificação de pacientes que vão responder bem ao
deveria resultar em alargamento, em concordância com da- tratamento, e um bom parâmetro para a eficácia do monito-
dos experimentais18. Vários estudos mostraram que quanto ramento. Devido ao custo e à complexidade da análise das
maior a duração do QRS, maior a melhora sistólica prove- imagens de ressonância magnética, métodos mais simples
niente da estimulação biventricular ou ventricular esquer- embasados na ecocardiografia têm sido desenvolvidos. O
da4,47,67. A correlação entre duração do complexo QRS e modo M tem sido utilizado para avaliar atrasos nas contra-
resposta mecânica aguda, entretanto, tem apresentado gran- ções, tanto interventricular quanto intraventricular. Estudos
de disparidade, existindo pacientes com complexos estreitos recentes questionaram a utilidade preditiva do atraso inter-
que respondem ao tratamento, assim como pacientes com ventricular para definir os pacientes que responderão ao tra-
complexos largos que respondem menos. A análise da dura- tamento e demonstraram o maior valor da análise do atraso
ção do complexo QRS estimulado tem demonstrado também intraventricular38,73.
que não há correlação nítida entre estreitamento do comple- O intervalo intraventricular, que é a dispersão mecâni-
xo e melhora substancial da performance sistólica, tanto sob ca da mobilidade entre as paredes septal e lateral, pode ser
estimulação biventricular quanto ventricular esquerda67. A avaliado por meio de vários métodos: imagens de ecocon-
explicação para esse fato pode estar ligada a outros fatores, traste para avaliação da mobilidade regional da parede e cál-
como a condução intramiocárdica, a geometria anormal da culo do índice de assincronia48; modo M para determinar o
parede (dilatação), assim como alterações nos canais iônicos, atraso entre o movimento septal inicial e o movimento ínfe-
com diminuição da velocidade de condução. Existem evidên- ro-lateral73; imagens de doppler para avaliar as velocidades
cias, portanto, de que a duração do QRS é um fator correla- absolutas ou relativas da parede (strain) e assim determinar
to indireto, não sendo, entretanto, um reflexo direto da atrasos de tempo entre partes opostas do ventrículo esquer-
sincronia mecânica, que é o substrato real que causa um de- do; e o parâmetro de contração lateral atrasada que mostrou
clínio na função ventricular. boa correspondência, com a melhora crônica da fração de
Estudos recentes foram propostos com a finalidade de ejeção e com volumes cardíacos reduzidos. Vários pesqui-
avaliar a utilização da duração do complexo QRS como pre- sadores estão avaliando prospectivamente a utilidade das
ditor da resposta crônica à ressincronização. Estes dados de medidas de assincronia como preditores de pacientes que res-
maneira geral confirmaram os resultados agudos, mostrando ponderão à ressincronização. Todos os dados de estudos con-
uma correlação geral entre a duração do QRS basal e a efi- trolados existentes estão baseados exclusivamente na duração
cácia da RC68; o valor preditivo para o grau de resposta à do QRS como critério de entrada e, ainda assim, têm demons-
ressincronização, entretanto, não foi evidenciado38,73. Um es- trado avanços substanciais. No entanto, alguns estudos em
tudo recentemente publicado mostrou que a classe funcio- andamento encorajam a avaliação da sincronia mecânica e é
nal de insuficiência cardíaca pré-operatória, idade, sexo, provável que tal abordagem seja fortemente recomendada em
duração do QRS e FEVE não diferiam entre pacientes que futuro próximo para melhor estratificar pacientes e identificar
respondiam ou não ao tratamento pela ressincronização car- aqueles que mais provavelmente responderão ao tratamento.
díaca em 45 pacientes50. Estudando 102 pacientes consecu- Finalmente, alguns outros fatores que poderiam exercer
tivos, Reuter e col.77 verificaram que tanto os pacientes que papel importante na resposta do paciente à ressincronização
responderam como os que não responderam ao tratamento devem ser notados. Um deles é se o eletrodo foi ou não oti-
tinham duração de QRS similar e demonstravam encurtamen- mamente posicionado no ventrículo esquerdo. Quanto mais
to semelhante da duração do complexo, achado também ve- próximo o eletrodo estiver da parede septal/anterior já ativada
rificado por outros estudos 59 . Pacientes com dP/dt máx. precocemente, menor o efeito mecânico da ressincronização e
demonstram mais de 22% de melhora aguda foram relatados benefício hemodinâmico. Estimular a parede anterior pode até
como aqueles que respondem bem ao tratamento (com pou- mesmo piorar a função em alguns pacientes, como demonstra-
cos falso-negativos)81, concordante com as observações do em estudo de Butter e col.19, no qual o posicionamento na
agudas de Nelson e col.67. parede anterior deu como resultado menos que 50% do be-

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nefício sistólico do posicionamento na parede livre lateral. vel por pró-arritmias em pacientes com risco de taquiarritmias
Outro fator é o tempo de atraso AV, o qual, se longo demais, ventriculares82.
não propicia pré-excitação suficiente da parede lateral e, se Os substratos eletrofisiológicos associados com arritmias
curto demais, compromete a função por estarem as contra- cardíacas em pacientes com insuficiência cardíaca incluem: 1.
ções atrial e ventricular quase simultâneas. A viabilidade do alterações da arquitetura miocárdica; 2. heterogeneidade
tecido também é um fator, já que a região estimulada deve ser espacial e temporal da duração do potencial de ação; 3. re-
excitável e não pode estar difusamente infiltrada por tecido modelamento dos canais iônicos; 4. alterações da regulação
cicatricial. Estes últimos fatores devem ser particularmente autônoma. Isquemia miocárdica, alterações eletrolíticas, fár-
considerados quando um candidato não responde à ressin- macos e alterações autonômicas podem atuar como agentes
cronização apesar de evidências de assincronia e alargamen- deflagradores e desencadear arritmias. Taquicardias ventri-
to do QRS. culares reentrantes sustentadas relacionadas a grandes áreas
cicatriciais são características em pacientes com miocardio-
PREVENÇÃO DA MORTE SÚBITA CARDÍACA patia isquêmica e infarto prévio do miocárdio e são reprodu-
tíveis em 80% a 90% dos pacientes com esse tipo de
Arritmias cardíacas são achados comuns em pacientes problema. Nos pacientes portadores de doença coronária
com insuficiência cardíaca e estão relacionadas à gravidade que apresentam taquicardia ventricular não sustentada, a
da disfunção cardíaca. A morte súbita é a principal causa de probabilidade de indução de taquiarritmias varia de 30%
morte de pacientes com insuficiência cardíaca leve ou mode- a 40%20. Nos pacientes com cardiomiopatia dilatada não-is-
rada e é responsável por cerca de um terço das mortes de quêmica, entretanto, esse percentual varia de 10% a 15%26,94.
pacientes com insuficiência cardíaca grave37,62. Infelizmente, Embora pacientes com cardiomiopatia não-isquêmica e ar-
em cerca de 10% dos casos, o evento arrítmico que causou ritmias induzidas tenham prognóstico pior do que os que não
a morte súbita é a primeira manifestação apresentada pelo apresentam arritmias indutíveis, o fato de não haver indução
paciente. Arritmias ventriculares complexas, incluindo taqui- de arritmias sustentadas não implica prognóstico benigno.
cardia ventricular não-sustentada, têm sido descritas em até Mecanismos focais não-reentrantes podem ser responsáveis
85% dos pacientes com insuficiência cardíaca congestiva e por grande proporção de taquicardias ventriculares nesses
estão relacionadas a aumento da mortalidade34,79,87. Arritmias pacientes, sendo que até 50% dessas arritmias têm origem no
ventriculares são muito mais freqüentes em pacientes com epicárdio74. Existe um grande entrelaçamento de mecanismos
miocardiopatia dilatada não-isquêmica, quando compara- de indução e manutenção das arritmias nos pacientes com
dos a pacientes com doença coronária, e sua prevalência insuficiência cardíaca.
varia muito em um mesmo paciente em diferentes períodos O desenvolvimento de arritmias pode precipitar ou in-
de observação. Em pacientes com doença coronária, a in- tensificar a insuficiência cardíaca por diversos mecanismos:
cidência de taquicardia ventricular não-sustentada (TVNS) 1. taquiarritmias, mais comumente a fibrilação atrial, re-
é de cerca de 10%, enquanto em pacientes com cardiomio- duzem o tempo de enchimento ventricular, aumentam o con-
patia dilatada é de 30% a 40%. Em pacientes com insufi- sumo de oxigênio e podem reduzir a contratilidade do
ciência cardíaca grave, a incidência de TVNS chega a 70%. miocárdio. Se persistirem, podem causar cardiomiopatia di-
Em pacientes com miocardiopatia isquêmica, a TVNS é um latada reversível72;
preditor específico de morte súbita cardíaca. Por outro 2. bradicardia profunda em paciente com disfunção
lado, em pacientes não-isquêmicos, a presença de TVNS miocárdica, por diminuir o débito cardíaco, uma vez que o vo-
está fortemente relacionada à disfunção ventricular pro- lume sistólico não pode manter adequadamente o débito car-
gressiva12,34,70,79. díaco;
Fibrilação atrial (FA) é outra arritmia freqüentemente 3. a dissociação entre as contrações atrial e ventricular,
encontrada em pacientes com insuficiência cardíaca. A pre- que pode ocorrer em pacientes com condução atrioventricu-
valência de FA aumenta com a gravidade da insuficiência lar prolongada, causa perda da contribuição da contração
cardíaca: 4% em pacientes em classe funcional I (NYHA); atrial ao enchimento ventricular, provoca queda do débito
10% a 30% na classe II e III e até 50% na classe IV33,88,89,90. cardíaco e aumento da pressão atrial. Essa perda é particu-
Pacientes com função ventricular reduzida geralmente têm larmente deletéria em pacientes com diminuição da compla-
seu quadro clínico agravado com o aparecimento da FA de- cência ventricular;
vido à perda da contribuição atrial e/ou pela freqüência car- 4. condução intraventricular prolongada, que pode ser
díaca elevada. Em alguns pacientes, a freqüência cardíaca observada em pacientes com complexo QRS alargado, dimi-
persistentemente elevada pode causar taquicardiomiopatia, nui a performance ventricular devido à perda do sincronis-
que habitualmente regride com o controle da freqüência car- mo normal da contração ventricular esquerda.
díaca72. A mortalidade aumentada observada com a FA pode O tratamento mais efetivo para as bradiarritmias é a es-
resultar da gravidade da doença cardíaca de base, assim timulação cardíaca artificial. Por outro lado, o tratamento far-
como de efeitos adversos do tratamento farmacológico, já macológico tem sido o mais largamente utilizado para o
que muitas vezes este tratamento da FA não resulta em re- manuseio das taquiarritmias, havendo indicações específicas
dução da mortalidade60,91. A FA pode também ser responsá- para o uso dos cardioversores-desfibriladores implantáveis.

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O USO DE CARDIOVERSORES-DESFIBRILADORES (1,5% a 28%) e depende muito da efetividade e da disponi-
IMPLANTÁVEIS (CDI) bilidade de serviços médicos capazes de utilizar o desfibri-
lador externo automático em poucos minutos após tal
Com os recentes avanços no manuseio da insuficiência evento. A identificação e o tratamento de pacientes em ris-
cardíaca, a capacidade funcional e a qualidade de vida dos co de morte súbita cardíaca antes de um evento catastrófi-
pacientes têm sido aceitáveis. O maior risco para os pacien- co são, portanto, extremamente desejáveis (prevenção
tes não tem sido a descompensação hemodinâmica, que tem
primária).
sido menos freqüente em pacientes sob rigorosa supervisão,
mas sim a morte súbita. A morte súbita representa 28% a Três grandes estudos randomizados sobre prevenção
68% do total de mortes nos pacientes com insuficiência car- primária da morte súbita demonstraram que a terapia com CDI
díaca e é atribuída principalmente à taquicardia ventricular reduz a mortalidade em pacientes com fração de ejeção ven-
(TV) e à fibrilação ventricular (FV). Os CDIs são altamente tricular esquerda severamente reduzida (≤ 0,30 a 0,40) por
seguros na detecção e interrupção da TV e da FV, com taxa doença coronariana crônica. O MADIT (Multicenter Auto-
de sucesso de aproximadamente 100%101. Devido aos avan- matic Defibrillator Implantation Trial) incluiu 196 pacientes
ços tecnológicos incorporados e à possibilidade de implan- que tiveram infarto do miocárdio três semanas ou mais an-
te pela técnica transvenosa, os resultados atualmente tes da admissão ao estudo e que tinham fração de ejeção
obtidos permitem baixa mortalidade ao implante, boa longe- ≤ 0,35 e um episódio documentado de taquicardia ventricu-
vidade do aparelho e bom resultado estético. Vários estudos lar não-sustentada assintomática63. Todos os pacientes ti-
clínicos controlados têm procurado evidenciar as situações nham estudo eletrofisiológico e apenas aqueles pacientes
onde a alta eficiência dos CDIs em abortar episódios de ar- com taquicardia ventricular sustentada (TVS) indutível (>15
ritmias letais resultam no aumento da taxa de sobrevivência segundos) que não era suprimida por procainamida foram in-
total dos pacientes. cluídos. Os pacientes foram randomizados em 30 dias para
implante de desfibrilador ou terapia convencional (74% re-
PREVENÇÃO SECUNDÁRIA DA MORTE ceberam amiodarona) a critério de seu cardiologista. Foi ob-
SÚBITA CARDÍACA servada redução de 54% na mortalidade total dos pacientes
randomizados para CDI em relação à terapia convencional,
A utilidade dos CDIs na prevenção secundária da morte em um período médio de seguimento de dois anos. O uso de
súbita ou em pacientes que já tiveram taquicardias ventricu- β-bloqueadores, amiodarona ou outras drogas antiarrítmicas
lares sustentadas documentadas foi avaliada em três gran- não teve efeito na taxa de risco.
des estudos clínicos: o AVID (Antiarrhythmics Versus O MUSTT (Multicenter Unsustained Tachycardia Trial)
Implantable Defibrillators), o CASH (Cardiac Arrest Study avaliou 2.202 pacientes com doença coronariana, fração de
Hamburg) e o CIDS (Canadian Implantable Defibrillator ejeção ventricular esquerda ≤ 0,40 e taquicardia ventricular
Study)7,28,51. Nesses estudos os CDIs foram comparados aos não-sustentada21. Um total de 767 (35%) tinha taquicardia
tratamentos farmacológicos, principalmente ao uso de ami-
ventricular sustentada indutível; 704 deles foram randomiza-
odarona, não havendo grupos controle por motivos éticos.
dos para terapia convencional que incluía β-bloqueadores e
A grande maioria dos pacientes (> 90%) era portador de
inibidores da enzima conversora da angiotensina, ou para
doença cardíaca estrutural e a fração de ejeção média do ven-
trículo esquerdo foi 0,3529. Mais do que 80% dos pacientes terapia guiada pelo estudo eletrofisiológico. No grupo de
eram portadores de miocardiopatia isquêmica. A análise dos pacientes randomizados para terapia guiada pelo estudo
subgrupos mostrou que os pacientes não-isquêmicos com eletrofisiológico, a terapia com drogas antiarrítmicas foi
miocardiopatia dilatada tiveram benefício semelhante ao dos iniciada em adição aos β-bloqueadores e inibidores da en-
demais pacientes36. Os dados de seguimento em pacientes zima conversora da angiotensina. Pacientes que não res-
que receberam um CDI mostraram que 42% a 60% dos pa- pondiam à terapia com drogas antiarrítmicas ao estudo
cientes receberam choques para taquicardia ventricular ou fi- eletrofisiológico eram tratados com CDI. O desfecho pri-
brilação ventricular durante um período de seguimento de mário, morte por arritmia, ocorreu em 32% dos randomiza-
dois a três anos. A mortalidade foi 20% a 30% durante este dos dos que não receberam drogas antiarrítmicas contra
período. Frações de ejeção do ventrículo esquerdo < 0,25, 25% dos randomizados dos que tiveram terapia antiarrítmi-
classe funcional III ou IV para insuficiência cardíaca e cho- ca guiada pelo estudo eletrofisiológico, o que representa
ques freqüentes (> 3 em 24 horas) estavam associados com uma redução de 27% do risco em cinco anos. Este bene-
maior mortalidade nesta população22. O maior benefício da fício em pacientes randomizados para terapia guiada pelo
terapia com CDI foi visto em pacientes com fração de ejeção estudo eletrofisiológico aconteceu apenas pela maior so-
ventricular esquerda ≤ 0,3032. brevida de pacientes que receberam CDI, que tiveram re-
dução de 76% no risco de morte por arritmia e 50% de
PREVENÇÃO PRIMÁRIA DA MORTE redução de risco de mortalidade como um todo. Em con-
SÚBITA CARDÍACA trapartida, pacientes com taquicardia ventricular indutível
que receberam drogas antiarrítmicas tiveram pior resulta-
A sobrevivência hospitalar após um episódio de para- do em relação aos pacientes randomizados que não rece-
da cardiorrespiratória (PCR) permanece extremamente baixa beram nenhuma terapia antiarrítmica.

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O MADIT II (Second Multicenter Automatic Defibrilla- queles sem taquicardia ventricular. Isto sugere que a taqui-
tor Implantation Trial) estudou CDIs profiláticos no maior cardia ventricular recorrente nesta população de pacientes
grupo de pacientes até hoje64. Incluiu 1.232 pacientes com é mais um marcador de deterioração cardíaca do que um fa-
história de infarto do miocárdio com mais de um mês e fra- tor de risco independente para morte súbita cardíaca que
ção de ejeção ≤ 0,30; não era exigido que os pacientes tives- pode ser prevenida por CDI.
sem arritmias espontâneas ou estudo eletrofisiológico como
estratificação de risco para serem incluídos no estudo. Os RECURSOS DISPONÍVEIS PARA ESTIMULAÇÃO
pacientes foram randomizados para receber CDI associado CARDÍACA ARTIFICIAL PERMANENTE
à terapia medicamentosa otimizada ou apenas à terapia me-
dicamentosa, a qual consistia em β-bloqueadores em cerca O estágio atual da estimulação cardíaca artificial tem
de 70% dos pacientes e inibidores da enzima conversora da permitido aos profissionais de saúde contar com equipa-
angiotensina em > 70%. Após seguimento médio de 20 me- mentos implantáveis pequenos e duráveis, de alta confiabi-
ses, o grupo CDI apresentou taxa de mortalidade de 14,2% lidade, com larga programabilidade e, principalmente, com
contra 19,8% do grupo em terapia medicamentosa (redução capacidade de reconstituir totalmente o ritmo cardíaco dos
relativa de risco, 31%; p = 0,016). enfermos. Propiciam o restabelecimento do sincronismo
Todos os três estudos mostraram uma significante re- atrioventricular nos pacientes portadores de bloqueios da
dução na mortalidade total e na mortalidade arrítmica, a qual condução atrioventricular e o ajuste da freqüência cardíaca
era igual ou excedia o benefício observado em estudos de na disfunção do nó sinusal. Nesse último caso, o marca-passo
prevenção secundária. pode utilizar informações como a movimentação corporal, a
O único estudo randomizado em pacientes com cardio- freqüência respiratória, a temperatura sangüínea ou a impe-
miopatia isquêmica que não mostrou benefício no implante dância torácica, dentre outros, para inferir a freqüência car-
profilático de CDI foi o CABG-Patch (Coronary Artery díaca que o paciente necessita.
Bypass Graft-Patch), o qual foi criado para determinar os efei- Os marca-passos atuais têm a capacidade de estimular e
tos do implante profilático de CDI no momento da cirurgia sentir os batimentos cardíacos próprios do paciente, podendo
de revascularização do miocárdio13. Os 900 pacientes rando- ser construídos com a capacidade de comandar apenas uma
mizados tinham revascularização indicada clinicamente, dis- cavidade cardíaca (átrios ou ventrículos, dependendo do dis-
função ventricular esquerda (fração de ejeção ≤ 0,35) e túrbio do ritmo), ou duas câmaras seqüencialmente, no caso
achados anormais no eletrocardiograma de alta resolução. dos marca-passos atrioventriculares.
Os pacientes foram randomizados para CDI ou nenhum apa- Aos ressincronizadores cardíacos foram incorporados
relho no momento de sua cirurgia. Não foram administradas os mesmos recursos tecnológicos dos marca-passos con-
drogas antiarrítmicas para arritmias ventriculares assintomá- vencionais. Possuem, entretanto, um segundo canal de es-
ticas. Após um período médio de seguimento de 32 meses, timulação ventricular independente. Dessa forma, torna-se
nenhuma diferença significante foi observada entre os dois possível a utilização de diversos tipos de programação: átrio-
grupos. ventrículo direito; átrio-ventrículo esquerdo e átrio-biventri-
O benefício do implante profilático de CDI em pacien- cular, com várias possibilidades de sincronização entre os
tes com cardiomiopatia não-isquêmica, entretanto, ainda não dois ventrículos. Existe ainda a possibilidade de não se uti-
foi estabelecido. O AMIOVIRT (Amiodarone Versus Implan- lizar o canal atrial, no caso de pacientes com fibrilação atrial
table Defibrillator Randomized Trial) incluiu 200 pacientes permanente.
com cardiomiopatia dilatada não-isquêmica, fração de ejeção Os cardioversores-desfibriladores implantáveis, da mes-
≤ 0,35 e taquicardia ventricular não sustentada. Os pacien- ma forma que os ressincronizadores, realizam todas as fun-
tes foram randomizados para receber um CDI ou amiodaro- ções antibradicárdicas, podendo ser implantados sob três
na84. Não foi observada diferença na sobrevivência entre os configurações distintas: ventricular direito exclusivo, atrio-
grupos. Em ambos, a sobrevida em três anos foi de aproxi- ventricular direito ou atriobiventricular (ressincronizador-
madamente 80%. desfibrilador). Em qualquer uma dessas três configurações,
O CAT (Cardiomiopathy Arrhythmia Trial) incluiu 104 as funções antitaquicárdicas serão aplicadas apenas no ven-
pacientes com cardiomiopatia dilatada não-isquêmica recente trículo direito.
e fração de ejeção ≤ 0,35, que foram randomizados para re-
ceber um CDI ou nenhum aparelho11. Não houve diferença ASPECTOS TÉCNICOS DOS D ISPOSITIVOS
na sobrevida entre os grupos em dois, quatro e seis anos IMPLANTÁVEIS
(92%, 86% e 73% contra 93%, 80% e 68%, respectivamente).
A mortalidade total no CAT foi baixa (aproximadamente 30% O estabelecimento da estimulação cardíaca artificial per-
em seis anos). Entre os pacientes que receberam um CDI manente é obtido pelo implante no organismo humano de
neste estudo, os pacientes que apresentavam detecções e dois componentes básicos do marca-passo: o gerador de
terapias apropriadas para taquicardia ventricular durante o pulsos e um ou mais cabos-eletrodos.
seguimento (11 dos 50 pacientes) tiveram taxa de sobrevivên- Os geradores de pulsos atuais são compostos por ba-
cia de apenas 44% em seis anos, comparados com 83% da- teria de lítio com capacidade para ser utilizada entre cinco a

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dez anos, em média, ligada a um circuito eletrônico com larga fóide, temos implantado o gerador em loja subcutânea no
capacidade de programação. As modificações dos parâmetros hipocôndrio esquerdo, com o objetivo de evitar a contami-
programáveis são realizadas externamente, por comunicação atra- nação do marca-passo em casos de apendicite ou colecisto-
vés de radiofreqüência entre o sistema implantado e programado- patia aguda.
res externos. Informações em tempo real sobre o estado da
bateria, a integridade dos cabos-eletrodos, as condições da IMPLANTE DE SISTEMAS TRANSVENOSOS
interface eletrodo-miocárdio e a análise do ritmo cardíaco
espontâneo do paciente também são transmitidas pelo gerador Atualmente, mais de 95% dos implantes de sistemas de
ao programador externo. Esses componentes ficam encapsu- estimulação cardíaca artificial definitiva realizados no mun-
lados em uma carcaça de titânio, lacrada hermeticamente, do são transvenosos. A idade avançada da maioria dos pa-
não havendo risco de liberação de gases ou líquido. Pesam cientes associada à benignidade desse procedimento, que
entre 20 g e 80 g. dispensa a abertura de cavidades, justifica essa preferência.
Os cabos-eletrodos são constituídos de condutor elé- Outra vantagem é o fácil acesso que a abordagem permite ao
trico multifilamentar (NP-35), com comprimento suficiente átrio direito e ao ventrículo direito indistintamente, dado que,
para conectar o gerador de pulsos ao coração. Revestidos atualmente, mais de 50% dos implantes de dispositivos per-
por isolante elétrico inerte ao organismo (silicone ou poliu- manentes realizados em serviços especializados são atrio-
retano), têm em uma de suas extremidades o eletrodo de pla- ventriculares.
tina ou carbono que irá estimular o coração e na outra Tanto o acesso venoso quanto a confecção da loja do
extremidade um conector para ser adaptado ao gerador de gerador utilizam a mesma incisão, de aproximadamente 4 cm
pulsos. Medem geralmente entre 35 cm e 80 cm de extensão a 6 cm, transversa, na região infraclavicular ou longitudinal
e 1 mm a 2 mm de diâmetro. sobre o sulco delto-peitoral. A loja do gerador é realizada,
habitualmente, sobre o músculo peitoral maior. O acesso ve-
IMPLANTE DE SISTEMAS EPIMIOCÁRDICOS noso em pacientes adultos é realizado habitualmente por dis-
secção da veia cefálica (no sulco delto-peitoral) ou punção
Esse tipo de abordagem, que permite a instalação do da veia subclávia. Menos freqüentemente pode-se utilizar,
cabo-eletrodo na superfície externa do coração e que requer com incisão independente, a dissecção da veia jugular exter-
anestesia geral, tem sido progressivamente abandonado de- na ou punção jugular interna.
vido à maior simplicidade dos implantes endocavitários. Tem,
entretanto, indicações precisas, como a ausência de acesso IMPLANTE DO ELETRODO ATRIAL
venoso e a existência de cardiopatia associada que permita
a passagem de sangue venoso para as cavidades esquerdas Para o implante atrial são utilizados comumente eletro-
do coração. Nessas situações, trombos formados junto ao dos com ponta em forma de saca-rolhas, o que permite a fi-
eletrodo poderiam ser ejetados como êmbolos para território xação em qualquer região atrial direita. Pode-se, entretanto,
sistêmico. optar pelo uso de eletrodos que apresentam “barbas” em sua
Duas abordagens principais têm sido utilizadas: a tora- extremidade e com o formato de um “J”, o que torna obriga-
cotomia ântero-lateral esquerda e o acesso sub-xifóide. tória sua fixação na aurícula direita, única região atrial que
A abordagem por toracotomia esquerda, geralmente apresenta trabéculas exuberantes.
com 10 cm a 15 cm de extensão, permite fácil acesso tanto ao Após a boa fixação do eletrodo à parede atrial, sempre
ventrículo direito quanto ao ventrículo esquerdo. Nesse tipo sob visão radioscópica, o cabo-eletrodo é fixado à muscula-
de implante têm-se utilizado cabos-eletrodos com ponta em tura peitoral, ou cervical, para evitar seu desposicionamento
forma de saca-rolhas, que são parafusados ao miocárdio, por tração indevida. As Figs. 3.1 e 3.2 mostram os aspectos
preferencialmente do ventrículo esquerdo, que é mais espesso. radiológico e eletrocardiográfico da estimulação atrial.
O acesso sub-xifóide é obtido por incisão longitudinal
mediana de aproximadamente 10 cm, iniciando-se no apên- IMPLANTE DO ELETRODO VENTRICULAR DIREITO
dice xifóide, e dirigindo-se à cicatriz umbilical. Incisando-se
a pele, o tecido subcutâneo e a aponeurose dos músculos No ventrículo direito, em face da grande quantidade de
abdominais e rebatendo-se o peritônio caudalmente, realiza- trabéculas musculares dessa câmara cardíaca, utiliza-se ha-
se incisão em cruz no pericárdio, o que permite a exposição bitualmente cabos-eletrodos retos, com fixação por “barbas”,
das faces anterior e diafragmática do ventrículo direito. A fixados à parede diafragmática ou à ponta do ventrículo di-
técnica de implante do cabo-eletrodo é a mesma utilizada reito com o auxílio da radioscopia. Em casos de corações
para o acesso por toracotomia. muito dilatados, com extensas áreas de fibrose endocárdica
Após a conexão do cabo-eletrodo ao gerador de pulsos, e poucas trabéculas, pode-se optar por cabos com fixação do
este pode ser implantado em loja subcutânea ou submuscu- tipo saca-rolhas.
lar, dependendo da espessura do tecido celular subcutâneo. Da mesma forma que os cabos atriais, os ventriculares
Quando se utiliza toracotomia, temos preferido loja submus- também devem ser fixados junto ao acesso venoso para evi-
cular na região submamária homolateral. No acesso sub-xi- tar a tração indevida. As Figs. 3.3 e 3.4 mostram os aspec-

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Fig. 3.3 — Aspecto radiológico (em projeção póstero-anterior) de mar-
ca-passo atrioventricular permanente. O cabo-eletrodo atrial endocár-
Fig. 3.1 — Aspecto radiológico (em projeção lateral) de eletrodo atrial dico está implantado na parede lateral do átrio direito, e o
permanente, implantado pela via endocárdico em aurícula direita. cabo-eletrodo ventricular, na ponta do ventrículo direito.

Modos de estimulação estudados

FC fixa = 70 ppm

Fig. 3.2 — Aspecto eletrocardiográfico (em derivações DI, DII e DIII)


de marca-passo atrial de demanda. Nota-se que as espículas do mar-
ca-passo são seguidas de despolarização atrial e condução atrioven- Atrioventricular universal (DDD) FC = 70 a 175 ppm
tricular espontânea. Nota-se, também, que as ondas “P” espontâneas Int A-V = 150 ms
inibem a emissão de espículas pelo marca-passo.

Fig. 3.4 — Modos de estimulação ventricular (traçado superior) e ven-


tricular sincronizado às ondas “P” (traçado inferior). Nota-se que no
tos radiológico e eletrocardiográfico de marca-passo atrio-
modo ventricular não existe relação entre as ondas “P” espontâneas
ventricular. A Fig. 3.5 mostra o aspecto radiológico de um do paciente (setas) e os complexos “QRS” estimulados pelo marca-pas-
cardioversor-desfibrilador ventricular implantado no ventri- so. No modo “P” sincronizado, entretanto, para cada onda “P” espon-
cular direito pela via transvenosa. tânea, corresponde uma estimulação ventricular.

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O.A.E. P.A.

Fig. 3.7 — Aspecto radiológico (em projeções oblíqua anterior es-


querda e póstero-anterior) de cárdio-desfibrilador/ressincronizador
atriobiventricular. Notam-se os cabos-eletrodos em aurícula direita,
parede septal do ventrículo direito e parede póstero-lateral do ven-
trículo esquerdo.

ANÁLISE DAS MEDIDAS ELÉTRICAS INTRA-OPERATÓRIAS

Uma vez implantado um cabo-eletrodo, independente-


mente da via de acesso utilizada, câmara cardíaca ou tipo de
Fig. 3.5 — Aspecto radiológico (em projeção póstero-anterior) de car- fixação, deve-se proceder à análise das medidas do limiar
dioversor-desfibrilador implantável. Nota-se que o cabo-eletrodo apre- de excitabilidade, da resistência elétrica do sistema e da cap-
senta dois coils de desfibrilação: um no interior do ventrículo direito tação do sinal intracavitário espontâneo.
e outro na região da veia inominada. O gerador de pulsos está implan-
tado na região infraclavicular esquerda. O limiar de excitabilidade é a menor energia que conse-
gue estimular o coração. Acreditamos que o ideal seja a ob-
tenção de valores menores que 0,7 volts desde que se fixe
IMPLANTE DO ELETRODO VENTRICULAR ESQUERDO a duração do pulso elétrico em 0,5 milissegundos.
O valor da resistência elétrica obtida deve oscilar de
O acesso transvenoso ao ventrículo esquerdo é classi-
400 ohms a 1.000 ohms, o que permitirá drenagem ideal de
camente obtido através do seio coronário, atingindo-se sua
corrente elétrica, permitindo maior longevidade da bateria e au-
superfície externa por uma das veias coronárias da parede
sência de estimulação muscular esquelética ou diafragmática.
lateral. Após a obtenção do acesso venoso, é realizada uma
flebografia do seio coronário para observação da anatomia O potencial elétrico espontâneo ideal, para que o gera-
das veias (Fig. 3.6). A seguir um cabo eletrodo especial, de dor de pulsos reconheça adequadamente o ritmo cardíaco
pequeno diâmetro, é implantado em uma das veias. A Fig. 3.7 próprio do paciente, deve ser maior que 1,5 mV para a câmara
mostra o aspecto radiológico de um cardioversor-desfibrila- atrial e maior que 4,0 mV para a ventricular.
dor atriobiventricular transvenoso. Após a conexão dos cabos ao gerador de pulsos, o ex-
cesso de fio deve ser posicionado sob o gerador e este fi-
xado ao músculo peitoral, longe da linha de sutura que,
acreditamos, deve-se realizar com mais de um plano.

CUIDADOS COM O PORTADOR DE DISPOSITIVOS


IMPLANTÁVEIS

As principais e mais graves complicações a que o por-


tador de marca-passo está sujeito estão relacionadas direta-
mente ao procedimento de implante. Hemotórax, pneumotórax
e perfuração miocárdica, com ou sem tamponamento, devem
ser sempre pesquisados. A ocorrência de desposicionamen-
to do cabo-eletrodo é observada geralmente nas primeiras 48
horas após o implante, período em que o paciente deve per-
O.A.E. P.A. manecer hospitalizado. É recomendável, entretanto, solicitar
repouso relativo no primeiro mês após o implante, a partir de
Fig. 3.6 — Flebografia do seio coronário para implante de cabo-ele-
trodo ventricular esquerdo em projeções oblíqua anterior esquerda e
quando o cabo-eletrodo raramente se desloca.
póstero-anterior. Nota-se veia coronária calibrosa que drena a região pós- Processos infecciosos devem ser sempre suspeitados
tero-inferior do ventrículo esquerdo. quando ocorre febre. As principais portas de entrada são: a

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contaminação direta no ato operatório, a necrose da pele por 7. AVID Investigators. A comparison of antiarrhythmic-drug therapy
mau posicionamento do gerador com ulceração crônica e a with implantable defibrillators in patients resuscitated from near-
fatal ventricular arrhythmias: the Antiarrhythmics versus
via hematogênica por processo infeccioso à distância. O tra- Implantable Defibrillators (AVID) Investigators. N Engl J Med
tamento da complicação infecciosa é quase sempre a remo- 1997; 337: 1576-1583.
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Problemas relacionados aos componentes dos apare- stage heart failure improves functional capacity and left
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lhos são pouco freqüentes e têm sido relatados entre 2% a 395-404.
5% dos casos. A avaliação eletrônica dos dispositivos im- 9. Baldasseroni S, Opasich C, Gorini M et al. Left bundle-branch
plantados, entretanto, é procedimento obrigatório a cada três block is associated with increased 1-year sudden and total
a seis meses, dependendo do tipo de aparelho e do ritmo mortality rate in 5517 outpatients with congestive heart failure:
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oferece várias opções para o alívio dos sintomas e para o K et al. Primary prevention of sudden cardiac death in idiopathic
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A grande capacidade diagnóstica incorporada nesses cardioverter defibrillators. J Am Coll Cardiol 2000; 36: 566-573.
aparelhos permite o registro contínuo do ritmo cardíaco, fa- 13. Bigger JT Jr. Prophylactic use of implanted cardiac defibrillators
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cilitando o diagnóstico precoce e o acompanhamento do tra- artery bypass graft surgery: Coronary Artery Bypass Graft (CABG)
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30
4
Miogênese: Conceito e Aplicabilidade
Clínica no Infarto do Miocárdio e na
Insuficiência Cardíaca

Luiz César Guarita Souza

RESUMO bombear sangue, e por conseqüência oxigênio, com uma fre-


qüência adequada para nutrir as necessidades do metabolis-
Após o infarto do miocárdio, os cardiomiócitos não se mo tissular dos seres humanos, tanto no repouso, como no
regeneram e a insuficiência cardíaca pode ser uma das com- exercício.
plicações. Os tratamentos atuais propostos, tanto clínicos A morte dos cardiomiócitos adultos em decorrência de
como cirúrgicos, tratam fundamentalmente as conseqüên- acidente isquêmico leva a uma fibrose do músculo cardíaco
cias do infarto do miocárdio. A terapia celular tem como ob- e sua progressão pode levar à insuficiência cardíaca, porque
jetivo atuar na causa básica do infarto que é a perda da logo após os primeiros anos de vida o cardiomiócito torna-
célula cardíaca adulta, recolonizando a região de fibrose com se adulto e perde a capacidade de se multiplicar. Basicamen-
novas células contráteis e/ou promovendo angiogênese. Vá- te, o crescimento do coração desde a infância até a idade
rios estudos experimentais e clínicos, com vários tipos de cé- adulta sofre um processo de hipertrofia e não de hiperplasia
lulas, estão sendo realizados para comprovar o real benefício celular.
desta nova terapia. No ser humano os cardiomiócitos constituem a primei-
ra linha celular em formação durante a embriogênese e eles
INTRODUÇÃO podem se proliferar durante as etapas iniciais de sua diferen-
ciação. O crescimento do coração do estado embrionário
Nos últimos anos, em virtude das dificuldades encon- para o adulto é um processo complexo. A síntese do DNA
tradas no tratamento da insuficiência cardíaca, tem-se pro- persiste sem divisão celular até o nascimento. Após o par-
curado novas alternativas terapêuticas clínicas e cirúrgicas. to, já existem indícios de cardiomiócitos multinucleados que
No Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde10, a se transformarão em cardiomiócitos adultos nos primeiros
incidência anual de casos de insuficiência cardíaca tem au- meses depois do nascimento. Finda essa etapa, não se ob-
mentado significativamente, sendo atualmente, junto com serva a síntese de DNA e nem divisão celular por toda a vida,
o infarto do miocárdio, responsável pela maior taxa de mor- pois os cardiomiócitos adultos são células em fase final de
talidade: 35% contra 10% de mortes violentas e 9% de cân- diferenciação e não apresentam células satélites (responsá-
cer; causando, desta forma, um impacto socioeconômico veis pela regeneração celular muscular). Os mecanismos
muito importante. moleculares que regulam a expressão gênica da hiperplasia,
A hipertensão arterial sistêmica associada à doença ar- a diferenciação celular e a hipertrofia do cardiomiócito ain-
terial coronária são as responsáveis pela maior incidência de da são desconhecidos.
insuficiência cardíaca nos países desenvolvidos. A moléstia No coração adulto, a resposta do miocárdio a uma
reumática e, especialmente no Brasil, a doença de Chagas agressão, como o infarto, é delimitada por alguns mecanis-
são as maiores causas de insuficiência cardíaca nos países mos que tentam recuperar a sua função, como por exemplo,
em desenvolvimento. Os fatores de risco, como o diabetes, a estimulação dos receptores adrenérgicos que aumentam a
a obesidade, o tabagismo, o estresse e o sedentarismo, tam- atividade inotrópica, cronotrópica e o retorno venoso e fa-
bém devem ser considerados. vorecem o mecanismo de Frank-Starling6. Outro mecanismo
Em 1995, a Organização Mundial da Saúde definiu a in- compensatório é o aumento da massa dos cardiomiócitos
suficiência cardíaca como a incapacidade do coração em viáveis restantes.

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A hipertrofia é uma resposta compensatória eficaz a Apesar de os resultados iniciais serem muito promisso-
curto prazo, pois tenta equilibrar o aumento do volume san- res, é preciso controlar melhor o modo de administração
güíneo residual, por meio do aumento da massa de cardio- (atingir somente células não-contráteis), bem como obter
miócitos, da preservação da relação massa / volume, a fim de outro método de transfecção que não envolva a administra-
tentar manter o volume de ejeção do ventrículo esquerdo ção de um retrovírus.
normal. Mas este mecanismo pode ser ineficaz a longo pra-
zo, caso não seja suficiente para compensar a área enfartada.
CARDIOMIOPLASTIA CELULAR
Quando a zona acinética é superior a 30% da circunferência
ventricular esquerda, geralmente em conseqüência do infarto O transplante de células no miocárdio enfartado tem sido
da parede anterior do ventrículo esquerdo, os mecanismos realizado nos últimos dez anos em diferentes tipos de animais
compensatórios são insuficientes para manter o débito car- experimentais, tendo como principal objetivo recuperar o ca-
díaco normal e a única forma de se preservar o volume de ráter funcional do miocárdio. Inúmeros estudos experimentais
ejeção do ventrículo esquerdo é a sua dilatação, que pode em todo o mundo e alguns estudos clínicos estão sendo rea-
levar à insuficiência cardíaca. lizados aqui no Brasil, na Europa e nos Estados Unidos para
A remodelação ventricular esquerda é definida como avaliar o real benefício desta nova terapia. O interesse por esse
uma alteração na geometria da cavidade ventricular na ten- procedimento surgiu a partir de trabalhos como os de Van
tativa de preservar o volume de ejeção do ventrículo esquer- Bekkam26, no transplante de medula óssea, de Ostman14 no
do e o débito cardíaco normais. transplante de ilhotas de Langerhans e de Partridge15, com o
A insuficiência cardíaca é um problema de saúde pública transplante de mioblasto.
com elevados índices anuais de morbi-mortalidade. É exata- O transplante experimental de cardiomiócitos fetais tem
mente por este motivo, associado às dificuldades encontradas sido realizado por diversos pesquisadores, entre eles Scorsin20
nos tratamentos clínico (inibidores da ECA, β-bloqueadores) que utilizou células musculares esqueléticas; por Murry13, com
e cirúrgico da insuficiência cardíaca (cardiomioplastia, trans- o uso de células lisas; Li7, com as de cardiomiócitos adultos;
plante cardíaco, aneurismectomia, tratamento da valva mitral, Sakai18, e Guarita Souza,5 com as da medula óssea; Tomita25, no
ventriculectomia, implante de marca-passo e do coração arti- miocárdio enfartado, com o objetivo de recuperar a área enfar-
ficial), que se propõe o transplante de células. tada e evitar o desenvolvimento da miocardiopatia dilatada que
A desvantagem dos tratamentos que visam recuperar a pode levar à insuficiência cardíaca congestiva.
remodelagem ventricular esquerda é que eles não tratam a A grande maioria dos estudos envolvendo a terapia ce-
causa básica: a perda do cardiomiócito adulto. Os tratamen-
lular está associada ao processo de cultura e expansão ce-
tos atuais tratam somente as conseqüências da insuficiência
lular. A cultura celular é considerada importante, pois um dos
cardíaca. Duas linhas de pesquisa estão sendo propostas para
grandes empecilhos da terapia celular está relacionado à ex-
o tratamento da insuficiência cardíaca, procurando abordar
pressiva porcentagem de células que morrem logo após o
a causa principal: a administração de fatores sintéticos trans-
transplante. Muller12 relatou que 57% das células morrem
formadores (cardiomioplastia molecular) e o transplante de
após uma hora do transplante, 76% após 24 horas e 85% em
células (cardiomioplastia celular).
12 semanas.
O cultivo e expansão celular têm como objetivo multi-
CARDIOMIOPLASTIA MOLECULAR plicar milhares de vezes o número de células viáveis para
A recolonização do tecido miocárdio mediante a trans- serem posteriormente transplantadas no miocárdio. Esta afir-
fecção de genes capazes de induzir a formação de um novo mativa é também baseada em um estudo realizado17 no qual
tecido tem sido motivo de muitos estudos nos últimos anos. se conclui que existe uma relação direta entre o maior número
Experimentos com camundongos mostram que sob certas de células transplantadas e a melhora da função cardíaca,
condições é possível induzir os cardiomiócitos a entrarem após o transplante.
novamente em divisão celular. A técnica empregada é a trans-
fecção de um vírus oncogênico (SV40)12 com alta capacidade CARDIOMIÓCITOS FETAIS
de estimular a replicação do DNA que promova uma hiperpla-
sia atrial, com células semelhantes às normais. Obviamente, Algumas comprovações encorajadoras foram demons-
que a aplicabilidade clínica deste procedimento é remota, de- tradas, como o fato do miocárdio íntegro poder ser coloni-
vido aos riscos de um crescimento celular incontrolado. zado com sucesso por vários tipos de células contráteis. A
Uma outra abordagem interessante é a possibilidade de efetividade do transplante de célula fetal foi demonstrada
transformar um tecido fibroso, não-contrátil, em um tecido por meio de uma injeção de células no miocárdio, contendo
muscular. Com a descoberta dos fatores reguladores miogê- o gene da β-galactosidase, a qual foi identificada por marca-
nicos (MyoD), foi possível demonstrar in vitro que células dores específicos com a anatomia patológica.
não-contráteis (fibroblastos), transfectados com um vetor A presença das células distrofina positiva no coração
retroviral acoplado ao gene MyoD, formaram miotubos, fu- de cães com a doença de Duchenne (que não expressam
sionam-se e adquirem aspectos morfológicos e histoquími- esta proteína) foi uma evidência ainda maior da capacidade
cos típicos de células musculares esqueléticas21. de as células colonizarem o músculo nativo. Finalmente de-

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monstrou-se que os cardiomiócitos fetais eram capazes de células. Os autores observaram que o ventrículo esquerdo
sobreviver na zona de transição do infarto com o miocár- no grupo transplantado dilatou menos que no grupo contro-
dio íntegro, abrindo uma perspectiva para colonizar o mio- le. Sugeriram que o transplante de células cardíacas adultas
cárdio isquêmico21. aumentou a perfusão regional do ventrículo esquerdo, sem
Em uma segunda etapa, diferentes estudos foram reali- alteração significativa da fração de ejeção deste.
zados para identificar se o transplante celular poderia melho- Sakai e col.18 avaliaram a viabilidade do transplante de
rar a função de um miocárdio com doença isquêmica. Uma cardiomiócitos adultos em corações de ratos enfartados. Os
resposta positiva foi obtida por Li7, que em um modelo de autores realizaram criolesão miocárdica com nitrogênio líqui-
rato com crionecrose miocárdica, demonstrou que a injeção do na parede livre do ventrículo esquerdo. Simultaneamen-
intramiocárdica de cardiomiócitos fetais aumentou a função te, realizaram uma biópsia do átrio esquerdo com posterior
global do ventrículo esquerdo após dois meses do trans- cultura e expansão celular. Três semanas após a lesão mio-
plante, analisado segundo o método de Langendorff. Ainda cárdica, foram transplantadas 2 × 106 células no grupo de es-
utilizando-se o mesmo tipo de célula, Scorsin19 desenvolveu tudo. No grupo controle foi realizada somente injeção de
um protocolo ecocardiográfico bidimensional que permitiu meio de cultura na área necrosada. A pureza das células
analisar sob o aspecto fisiológico a melhora da função con- transplantadas foi avaliada usando-se um anticorpo mono-
trátil do ventrículo esquerdo após o transplante das células clonal anti-miosina (Rougier Bio-Tech Ltda., Quebec, PC,
no miocárdio enfartado. Canadá) que identificou 90% de cardiomiócitos adultos. Cin-
A vantagem do transplante dos cardiomiócitos fetais é co semanas após a injeção das células, a função ventricular
a sua capacidade de integração com os cardiomiócitos nati- esquerda foi avaliada por meio da preparação de Langendorff,
vos, que desenvolvem conexões tipo disco intercalar, facili- que identificou no grupo transplantado com células uma
tam a condução do estímulo elétrico entre as células melhora da função do ventrículo esquerdo em comparação
transplantadas e os próprios cardiomiócitos nativos e fazem com o grupo controle. Estudo histológico com hematoxilina-
com que a célula transplantada se contraia sincronicamente eosina analisou a área enfartada e a thimidina 5-bromo-2-
com as células nativas do coração, condição fundamental deoxyuridina (BrdU) identificou a presença das células
para a melhora da função cardíaca. transplantadas vivas na área lesada do miocárdio. A área de
fibrose e o volume ventricular esquerdo eram menores no
Entretanto, problemas éticos relacionados à captação
grupo transplantado do que no grupo controle. Na série de
destas células e à necessidade de terapia imunossupresso-
animais que receberam transplante de cardiomiócitos adul-
ra foram fatores que limitaram a aplicabilidade clínica. Estes
tos não foi encontrado infiltrado linfocitário. Os autores con-
problemas originaram uma busca por novos tipos de células
cluíram que o transplante de células cardíacas atriais, no
a serem transplantadas no miocárdio enfartado, com o obje-
músculo cardíaco criolesado, limita a dilatação e a área lesa-
tivo principal de realizar um estudo clínico.
da do ventrículo esquerdo e, como conseqüência, melhora
a função cardíaca, comparada ao grupo controle. Acreditam,
CARDIOMIÓCITOS ADULTOS portanto, que esta terapia pode prevenir o desenvolvimen-
to da insuficiência cardíaca congestiva.
A idéia de utilizar a própria célula cardíaca adulta autó-
loga e íntegra como fonte de músculo para recolonizar uma
região enfartada do miocárdio, sem dúvida é muito atrativa. CÉLULAS MUSCULARES LISAS
Desta forma Li e col.9 estudaram um grupo de porcos que Com o objetivo de viabilizar mais um tipo de célula
receberam o transplante autólogo de células cardíacas adul- muscular a ser transplantada, Li e col.8 realizaram o trans-
tas. Os animais foram submetidos ao infarto do miocárdio plante de células musculares lisas em corações criolesados,
com ligadura distal do ramo coronário interventricular an- analisando especificamente se as células musculares lisas
terior. As células cardíacas do septo interventricular foram sobreviveriam na área fibrosada do ventrículo esquerdo e
biopsiadas no momento do infarto, isoladas e cultivadas por se estas estimulariam a angiogênese. Operaram 28 ratos, di-
quatro semanas. Após o infarto, visibilizou-se à tomografia, vidindo-os em três grupos, sendo que 20 foram submetidos
que havia uma mínima perfusão e viabilidade da área enfar- à criolesão da parede livre do ventrículo esquerdo com ni-
tada. Após este exame, por uma toracotomia lateral esquer- trogênio líquido:
da, injetou-se a cultura das células cardíacas na área
• grupo 1 — dez animais submetidos ao transplante de
enfartada. Nos animais do grupo controle, foi injetado meio
células musculares lisas no miocárdio lesado;
de cultura. Quatro semanas após o transplante das células,
observou-se à tomografia uma melhora da perfusão da área • grupo 2 — dez animais controles, com injeção de
comprometida em relação ao grupo controle. Em seguida, os meio de cultura e
animais foram sacrificados e foi realizado um estudo histo- • grupo 3 — chamado de sham onde oito animais fo-
lógico que identificou pela coloração com bromodeoxyridi- ram submetidos a apenas uma toracotomia lateral esquerda,
ne células cardíacas transplantadas na zona enfartada. Por sem criolesão miocárdica e sem transplante de células mus-
um estudo de planimetria, observou-se que a área do infar- culares lisas.
to na parede livre do ventrículo esquerdo do grupo contro- Quatro semanas após a lesão do miocárdio, os animais
le foi maior que no grupo submetido ao transplante de foram reoperados para realização do transplante das células

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musculares lisas. As células musculares lisas foram obtidas lulas mesenquimais (10%). As chamadas células-tronco propria-
do estômago de um embrião de rato de 18 dias de vida e cul- mente ditas, as que realmente têm capacidade toti potente, en-
tivadas por 24 horas antes do transplante e apresentavam contram-se junto das células mesenquimais na ordem de
aspecto poligonal com núcleo único e central. Ciclosporina 0,1%. Sabe-se que as células-tronco têm a capacidade de
(5 mg/kg/peso/dia) foi administrada em todos os grupos. Os desenvolver as mesmas características que o tecido em que
animais foram sacrificados após oito semanas do transplante são colocadas em contato.
e realizada análise da função cardíaca através do método de Desta forma, se realizarmos o transplante de células-
Langendorff. Para a análise histológica, utilizaram dois tipos tronco junto em um músculo ou tecido ósseo, estas células
de marcadores celulares na região miocárdica lesada: um para terão a capacidade de se diferenciarem em músculo e osso
identificar a célula muscular lisa, o anticorpo monoclonal que respectivamente. Entretanto, caso a célula-tronco seja colo-
é antagonista da α-actina do músculo liso e outro para iden- cada em uma região de infarto do miocárdio, onde existe
tificar as células endoteliais, o anticorpo monoclonal agonis- grande quantidade de fibrose, estas células teriam a tendên-
ta do fator VIII. Apesar do tratamento com imunossupressores, cia de se diferenciarem em fibrose.
foi observado infiltrado linfocitário, indicativo de imunorrejei- Segundo Bel1, o que se observa após o transplante de
ção, no grupo transplantado, sendo que nos demais grupos células da medula óssea no infarto do miocardio é a presença
o tecido era homogêneo. No mesmo grupo transplantado foi de grande quantidade de vasos nesta região. Sugerindo o
identificada hiperplasia da musculatura lisa na área do mio- potencial angiogênico destas células. Estes autores não vi-
cárdio necrosado, sem hipertrofia. Observou-se significati- sibilizaram células musculares na região de infarto.
vo aumento do número de vasos sangüíneos no grupo Em um outro estudo realizado4 comparou-se o efeito
transplantado em relação ao grupo controle. Segundo os do transplante de células da medula óssea e de mioblastos
autores, o transplante de células lisas limitou a dilatação do esqueléticos, em um modelo de infarto do miocárdio. No
ventrículo esquerdo em comparação ao grupo controle e a grupo que recebeu células da medula óssea foi identifica-
contratilidade do ventrículo esquerdo do grupo transplantado da uma intensa neoangiogênese. A marcação com o anticor-
também foi superior à contratilidade do ventrículo esquerdo po antidesmina indicou fibras musculares na região do
do grupo controle, mas inferior aos ratos de grupo sham. infarto, entretanto, estas fibras musculares eram da parede
Eles concluíram que o transplante de células musculares li- do vaso sangüíneo que foi morfologicamente identificado.
sas aumenta a fração de ejeção do ventrículo esquerdo, sen- Não foi visibilizado músculo estriado, semelhante ao mús-
do este procedimento uma boa alternativa para aplicabilidade culo cardíaco, na região de infarto. Neste mesmo estudo,
clínica, pois existe a possibilidade do autotransplante celu- observou-se uma estabilização da fração de ejeção do ven-
lar (musculatura lisa do útero nas mulheres e do estômago trículo esquerdo, após o implante das células da medula
nos homens). Acreditam também que as células musculares óssea e um acréscimo da fração de ejeção do grupo que re-
lisas podem secretar fatores angiogênicos. cebeu células mioblásticas. Acredita-se que a estabilização
e não a melhora da fração de ejeção do grupo que recebeu
células da medula óssea se deva à presença de novos vasos
CÉLULAS DA MEDULA ÓSSEA na região enfartada.
As células-tronco podem ser encontradas em vários te- Segundo Perin16, que transplantou células mononucle-
cidos do corpo humano, como no timo, na gordura, e inclu- ares da medula óssea em pacientes com miocardiopatia is-
sive no sangue periférico. Porém é na medula óssea que estão quêmica severa, com miocárdio viável e sem fibrose, houve
presentes em grande quantidade. uma melhora do quadro funcional e cintilográfico destes pa-
cientes, ou seja, as células transplantadas criaram mecanis-
As células da medula óssea contêm células progenito-
mos que melhoraram a perfusão da região isquêmica.
ras multipotentes (mesenchymal stem cells), que estão em
um estado ainda indiferenciado, mas com alta capacidade
proliferativa. Estudos in vitro25 demonstram a capacidade de MIOBLASTOS ESQUELÉTICOS
diferenciação destas células em osso, tendão, gordura e
Os mioblastos, que são as células percussoras das fi-
músculo. Em uma cultura celular complexa, junto a 5-azacti-
bras musculares esqueléticas, estão presentes em todos os
dina, 30% destas células poderiam se diferenciar em cardio- músculos esqueléticos na forma hibernante. Eles podem ser
miócitos, com características fetais, com presença de discos ativados, proliferarem e se diferenciarem em fibra muscular
intercalares e miotubos. esquelética, a partir de uma agressão física ou por meio de
O processo de isolamento das células-tronco segue a cultura celular. Foi por meio dos trabalhos de Chiu2 e Murry13
seguinte ordem: após a punção da medula óssea, realiza-se que se demonstrou a capacidade de proliferação, diferencia-
a centrifugação deste produto e obtém-se dois tipos de cé- ção e colonização destas células, quando transplantadas em
lulas: as mononucleares (90%) e as multinucleares (10%). corações enfartados. Taylor24, em seus estudos, sugeriu uma
Em seguida, as células mononucleares são submetidas a um importante melhora da função cardíaca, transplantando mio-
processo de separação celular por gradiente. As células que blastos em corações de coelhos criolesados, ainda com a
aderem são as de origem hematopoiética (90%), que irão ori- comprovação da presença de miotubos, na região enfartada,
ginar as células vermelhas do sangue. As demais são as cé- entretanto sem a presença dos discos intercalares.

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Nesta mesma linha de pesquisa, outros trabalhos sugeri- onal da parede inferior do ventrículo esquerdo, local da in-
ram uma melhora da fração de ejeção do ventrículo esquerdo jeção das células, apresentou uma melhora relativa de 9%
dos ratos enfartados20 após o transplante dos mioblastos, para 20%. É verdade que foi realizada a revascularização da
comprovando-se a efetividade do procedimento com a pre- parede ântero-lateral do ventrículo esquerdo, que provavel-
sença da miosina embrionária, à anatomia patológica, entre- mente também foi responsável pela melhora da fração de eje-
tanto também sem a presença de discos intercalares. Neste ção. Mas o que comprovou a efetividade do procedimento
mesmo estudo, o autor comparou a efetividade do transplan- foram dois novos Pet-scan (após dois e quatro meses) que
te de mioblastos com o de cardiomiócitos fetais, observan- identificaram uma colonização muscular da região previa-
do uma melhora da fração de ejeção do ventrículo esquerdo mente enfartada e uma nova ecocardiografia transtorácica
semelhante entre os dois grupos. que visibilizou a contratilidade muscular na região inferior do
Em outro estudo realizado5, comparou-se o transplan- ventrículo esquerdo.
te de mioblastos esqueléticos e de células cardíacas adultas, Dez pacientes que apresentavam insuficiência cardíaca
no miocárdio enfartado. Os resultados mostraram uma limi- classes II a IV em decorrência de miocardiopatia dilatada de
tação da dilatação ventricular esquerda, uma perda da ativi- origem isquêmica foram submetidos ao protocolo. Obser-
dade contrátil, mas uma estabilização da fração de ejeção do vou-se um óbito logo após a indução anestésica. Os demais
ventrículo esquerdo no grupo que recebeu células cardíacas, pacientes evoluíram bem no pós-operatório imediato, entre-
sugerindo um efeito anti-remodelagem. O grupo que recebeu tanto 40% deles apresentaram arritmia ventricular.
células mioblásticas apresentou um acréscimo significativo Após 18 meses do início do protocolo o primeiro pa-
da fração de ejeção, com preservação da atividade contrátil, ciente faleceu em decorrência de um acidente vascular cere-
entretanto com uma dilatação ventricular esquerda. bral. A análise anatomopatológica deste paciente identificou
Na realidade, este estudo serviu para que compreendês- a presença de várias fibras musculares de origem esqueléti-
semos alguns pontos importantes, como as células cardía- ca na região enfartada e estas expressaram a isoforma lenta
cas adultas não apresentarem um potencial de multiplicação da miosina em 65% da totalidade. Não foi visibilizada a pre-
celular. Esta é uma afirmativa baseada no fato de que após sença de discos intercalares entre as células transplantadas
a biópsia das células cardíacas e durante o seu processo de e o miocárdio íntegro. Sugere-se que as células transplanta-
cultura celular foi identificada uma quantidade muito peque- das tenham mantido a característica morfológica de fibra es-
na de cardiomiócitos propriamente ditos, ao passo que a quelética, mas com uma alteração fenotípica funcional. O
porcentagem de fibroblastos foi superior a 70%. Sugere-se, resultado final deste estudo mostrou uma melhora global da
desta forma, que se tenham transplantado fibroblastos. O fração de ejeção do ventrículo esquerdo de 23,8 (± 3,9%)
que pode justificar esta hipótese é o fato de as células car- para 32,1 (± 7,5%), p < 0,02, entretanto sem efeito anti-remo-
díacas não se multiplicarem, já serem totalmente diferencia- delamento ventricular esquerdo. A melhora funcional foi sig-
das, corroborando com o resultado funcional observado, ou nificativa, pois os pacientes passaram da classe funcional
seja, a limitação da dilatação ventricular e estabilização da 2.7 (± 0,2) para 1.6 (± 0,1) NYHA (p < 0,0001).
fração de ejeção do ventrículo esquerdo. Acredita-se que a causa do aparecimento da taquicar-
Neste mesmo estudo, a melhora da função cardíaca no dia ventricular possa ser a isquemia induzida pelo próprio
grupo que recebeu mioblastos esqueléticos deve-se funda- transplante dos mioblastos em uma região de fibrose onde
mentalmente à presença de novas fibras musculares contrá- não existia suprimento sangüíneo.
teis, originárias dos mioblastos transplantados, em uma Baseada na teoria de isquemia pós-transplante de mio-
região enfartada. Diferentemente do cultivo de cardiomióci- blastos na região enfarada, sugeriu-se a associação das cé-
tos adultos, as células mioblásticas esqueléticas apresentam lulas mioblásticas esqueléticas e das células da medula
alta capacidade proliferativa, sendo que se obtém até 90% de óssea 3.
mioblastos isoladamente em um processo de cultura. O princípio deste processo é que as células mioblásti-
Após vários anos de estudos experimentais, em junho cas esqueléticas recolonizam a região de infarto, entretanto
de 2000 as autoridades da saúde francesa autorizaram o sem a irrigação necessária para que as células sejam nutri-
transplante de mioblastos esqueléticos em humanos11. O das. As células da medula ósseas, pelo seu potencial angiogê-
protocolo envolvia pacientes que apresentavam infarto an- nico, têm a capacidade de nutrir estas células transplantadas,
tigo do miocárdio e região isquêmica passível de revascula- fazendo com que ocorra maior harmonia.
rização. O primeiro paciente a ser submetido à cirurgia Desta forma realizamos um estudo experimental3, no
recebeu cerca de 800 milhões de mioblastos na região infe- qual se associou os dois tipos de células: mioblásticas es-
rior do coração enfartada há dois anos (acinesia irreversível, queléticas e da medula óssea em um processo de cultura ce-
visibilizada pelo ecoestresse e pela ausência de viabilidade, lular em conjunto. Neste estudo foram comparados quatro
pelo Pet-scan) e dois enxertos para as artérias coronárias in- grupos: controle; que recebeu células da medula óssea; que
terventriculares anterior e diagonal. No pós-operatório ob- recebeu células mioblásticas esqueléticas e outro que rece-
servou-se uma recuperação da atividade contrátil na parede beu a associação de ambas. Após um mês do transplante
inferior com um aumento da fração de ejeção do ventrículo das células observamos que no grupo controle houve um
esquerdo de 20% para 38%. A análise ecocardiográfica regi- decréscimo significativo da fração de ejeção do ventrículo

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esquerdo (p < 0,005) e uma estabilização da fração de ejeção coronário e/ou transendocárdica. Ainda não existem estudos
no grupo que recebeu células da medula óssea, de 26,80% comparativos com relação a qual método é o mais efetivo
(± 8,17%) para 24,80% (± 10,20%, p = 0,65), e uma melhora (Tabela 4.1).
do grupo que recebeu células mioblásticas, de 22,90%
(± 6,25%) para 28,21 (± 9,15%, p = 0,09). A melhora do grupo
que recebeu a associação de ambas as células foi significati- Tabela 4.1
va, de 23,52% (± 8,67%) para 31,45% (± 8,87%, p < 0,01). A Vias de Administração das Células
anatomia patológica visibilizou a presença das fibras es-
queléticas e de neovasos na região de fibrose do miocárdio • Intramuscular
(Fig. 4.1), sugerindo que a associação das células pode ser • Intravenosa sistêmica
• Intracoronária
mais efetiva do que o transplante das células isoladamente. • Seio coronário
• Transendocárdica

Apesar desta interessante e promissora perspectiva de


recuperar a viabilidade miocárdica, sabe-se que o transplan-
te de células depende da qualidade das células do doador,
IM da sobrevivência destas células após o transplante e do nú-
mero das células injetadas efetivamente. Várias dúvidas ain-
NV da permanecem: existe fadiga das células transplantadas?
Qual a durabilidade destas células, após o transplante?
MI FE Como as células transplantadas podem ser estimuladas, já
que não foi identificada a presença dos discos intercalares?
Qual é a melhor célula e em qual patologia ela deve ser utili-
zada para ser transplantada no miocárdio? Qual o risco destas
IM células desenvolverem outro tipo de tecido no miocárdio? A
atrofia das células transplantadas é importante? Apesar de
Fig. 4.1 — Presença de fibras esqueléticas transplantadas (FE), neova-
as células mioblásticas sofrerem uma alteração fenotípica,
sos (NV) na região de transição entre o infarto do miocárdio (IM) e o será que o risco de degeneração gordurosa está afastado?
miocárdio integro (MI). Fonte: Arquivo pessoal Dr. Katherine Athayde Acreditamos que é necessária muita ponderação em re-
Teixeira de Carvalho. lação aos reais benefícios que esta terapia pode proporcio-
nar. Estamos em um período em que vários estudos sugerem
um real benefício deste tipo de tratamento, entretanto mui-
Atualmente, no Brasil, existem três grupos que trabalham tas dúvidas ainda estão sem respostas e devem ser esclare-
na área de terapia celular: o hospital Pró-cardíaco, no Rio de cidas. São estas dúvidas que nos próximos anos estimularão
Janeiro, onde se estuda as células da medula óssea em pa- os pesquisadores a investigar ainda mais esta linha de pes-
cientes com miocardiopatia isquêmica; o INCOR-SP, que tam- quisa e talvez chegarem a conclusões que possam auxiliar o
bém desenvolvem estudos clínicos envolvendo as células da tratamento de patologias cardíacas.
medula óssea e a PUC-PR, que trabalha com cultivo celular de
células da medula óssea e mioblastos esqueléticos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Dentre os vários tipos de células estudadas, as células
da medula óssea e os mioblastos autólogos parecem ser os 1. Bel A, Messas E, Agbulut O, Richard P, Hagege A, Menasché P.
mais promissores. Atualmente, podemos sugerir cientifica- Transplantation of Autologous Fresh Bone Marrow into Infarcted
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sea, por sua vez, pelo seu caráter angiogênico, estão Furuta M, Francisco J, Scorsin M, Brofman P. The simultaneous
transplantation of skeletal myoblasts cells and bone marrow
indicadas para pacientes com insuficiência cardíaca de ori- mesenchymal stem cells (co-culture) after myocardial infarction.
gem isquêmica, sem infarto prévio. É verdade que a associa- Preminarly results. In Press.
ção de ambos os tipos celulares se mostrou ser mais efetivo 4. Guarita Souza LC, Carvalho K, Rebelatto C. Effectiveness of
quando transplantados no miocárdio enfartado. Skeletal Myoblasts and Bone Marrow Stromal Cells Transplantation
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5 Revascularização Miocárdica
Minimamente Invasiva

Luiz Augusto Ferreira Lisboa


Luís Alberto Oliveira Dallan
Sérgio Almeida de Oliveira

RESUMO ria esquerda, e em pacientes com comprometimento proximal


da artéria coronária interventricular anterior. A análise dos
A cirurgia de revascularização miocárdica foi sistemati- três grandes estudos randomizados mostrou que o tratamen-
zada em meados da década de 1960 e ao longo desses anos to cirúrgico reduz a incidência de morte súbita, melhora a to-
tem mostrado seus benefícios no tratamento da doença ate- lerância ao esforço físico e a sintomatologia clínica, sendo
rosclerótica coronária. Recentemente, dois novos tipos de que esses benefícios são relacionados com a perviabilidade
abordagem cirúrgica foram incorporados à prática clínica do enxerto38.
com o objetivo de se diminuir a morbidade e conseqüente-
Ao longo desses 30 anos, a cirurgia de revasculariza-
mente a mortalidade operatória. Esses novos procedimentos
ção miocárdica foi sistematizada e difundiu-se, firmando-se
visam diminuir o trauma cirúrgico e proporcionar uma recu-
como alternativa para o tratamento da doença aterosclerótica
peração mais rápida do paciente. O foco principal dessa
nova técnica é eliminar ou minimizar o uso da circulação ex- coronária. Apesar de nesse período o risco operatório ter se
tracorpórea, bem como a utilização, quando possível, do mi- elevado, em decorrência de uma população de pacientes
niacesso. Esses novos procedimentos provocaram grande cada vez mais idosos, com doenças associadas, disfunção
interesse entre os cirurgiões cardiovasculares que, associa- ventricular mais acentuada e reoperações, temos observado
dos ao desenvolvimento tecnológico, criaram um novo con- uma queda das taxas de mortalidade operatória27. Atualmen-
ceito de cirurgia de coronária chamado de revascularização te, a cirurgia eletiva de revascularização miocárdica apresen-
miocárdica minimamente invasiva. ta mortalidade operatória de aproximadamente 3%, podendo
ser menor entre os pacientes de baixo risco2,12,27,36,41,57. Entre-
tanto a morbidade da cirurgia, apesar de está diminuindo, ain-
INTRODUÇÃO da permanece um pouco elevada variando entre 10% e
A cirurgia clássica de revascularização miocárdica com 15%2,56 e é atribuída principalmente a esternotomia, manipu-
circulação extracorpórea, utilizando enxertos de veia safena lação da aorta e circulação extracorpórea. As complicações
e de artéria torácica interna, começou a ser realizada no final neurológicas são as que mais preocupam, sendo que a inci-
da década de 196025,30,40. Na década de 1970 essa cirurgia foi dência do acidente vascular cerebral pode variar entre 1% e
sistematizada por intermédio de casuísticas crescentes e 6% de acordo com a idade, quadro clínico, doenças associa-
passou a ter grande influência na prática clínica26,31,37. Nessa das e tipo de cirurgia realizada3,6,11,23,36,50,54,56,59. As lesões ce-
época, três grandes estudos multicêntricos, prospectivos e rebrais são atribuídas, principalmente, à embolia causada
randomizados compararam o tratamento clínico com o trata- pelo deslocamento de placas ateroscleróticas ou calcifica-
mento cirúrgico na doença aterosclerótica coronária22,24,67. ções durante a manipulação da aorta ascendente ou ao hi-
Yusuf e col.68, em metanálise realizada com esses três estu- pofluxo ou microembolias devido à circulação extracorpórea. A
dos multicêntricos e outros quatro estudos randomizados tendência em operar pacientes progressivamente mais velhos
realizados entre 1970 e 1984, concluíram que o tratamento ci- aumenta os riscos de lesões cerebrais. As complicações neu-
rúrgico teve maior benefício, como tratamento inicial, em cin- rológicas são associadas ao aumento significativo da mor-
co e dez anos de acompanhamento entre os pacientes com talidade, do tempo de hospitalização e dos custos3,36,50,54,60.
lesão coronária triarterial ou na lesão do tronco da coroná- Apesar dos efeitos adversos, a estratégia da cirurgia de

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coronária com circulação extracorpórea e esternotomia per- ta a manipulação da aorta, minimizando ainda mais o trauma
maneceu essencialmente inalterada por mais de 25 anos. cirúrgico16,64.
Com o objetivo de se diminuir a morbidade e conse-
qüentemente a mortalidade operatória, procurou-se realizar Indicações
cirurgias menos agressivas e que proporcionassem uma re-
cuperação mais rápida para o paciente. Dois novos tipos de As indicações clínicas para a revascularização do mio-
abordagem cirúrgica foram incorporados recentemente à prá- cárdio sem circulação extracorpórea e com esternotomia me-
tica clínica: 1. cirurgia de revascularização miocárdica sem diana são:
circulação extracorpórea, que já vinha sendo realizada por 1. pacientes com doença coronária multiarterial compro-
alguns grupos desde a década de 19807,13 e que pode ser metendo as artérias coronárias da parede anterior do ventrí-
realizada por esternotomia total ou por miniacesso; 2. cirur- culo esquerdo;
gia de revascularização miocárdica com circulação extracor- 2. pacientes com doença coronária multiarterial compro-
pórea percutânea e miniacesso (port acess), ou com auxílio metendo as artérias coronárias da parede anterior e posterior
de robótica. Esses novos procedimentos provocaram gran- do ventrículo esquerdo, e que não sofram alterações hemodi-
de interesse entre os cirurgiões cardiovasculares que, asso- nâmicas durante as manobras para exposição do coração;
ciados ao desenvolvimento tecnológico, criaram um novo 3. pacientes com alto risco para circulação extracorpó-
conceito de cirurgia de coronária, chamado de revasculari- rea como insuficiência renal, doença pulmonar obstrutiva
zação miocárdica minimamente invasiva. crônica, idade avançada, aorta calcificada, doenças neoplá-
sicas, doença vascularcerebral, alterações primárias hemato-
CIRURGIA MINIMAMENTE INVASIVA lógicas, estados de imunossupressão, antecedente de
transplante, doença vascular periférica e que apresentam
A premissa para se adotar a cirurgia minimamente inva- doença coronária não passível de angioplastia/stent;
siva é a redução da morbidade e mortalidade operatórias 4. outras considerações para se evitar a circulação ex-
com diminuição do tempo de internação e menor custo, man- tracorpórea podem incluir fatores religiosos do paciente e
tendo-se a segurança e a mesma eficácia inicial e a longo pra- necessidade de revascularização de várias artérias coronárias.
zo da cirurgia convencional com circulação extracorpórea.
A vantagem da cirurgia sem circulação extracorpórea é
Atualmente, a revascularização do miocárdio minima- evitar os efeitos deletérios da circulação extracorpórea e da
mente invasiva pode ser classificada em quatro categorias: manipulação da aorta, diminuindo a morbidade cirúrgica, o
1. cirurgia sem circulação extracorpórea e via esternotomia; tempo de internação hospitalar e, conseqüentemente diminuin-
2. cirurgia sem circulação extracorpórea e por miniacesso; do também os custos4,5,14,51. A desvantagem é a morbidade da
3. cirurgia com circulação extracorpórea percutânea e esternotomia total e a dificuldade da revascularização, com
por miniacesso; o coração batendo, das artérias coronárias posteriores. O
4. cirurgia com auxílio da robótica (esse tema será dis- coração batendo cria três problemas cirúrgicos: 1. a contra-
cutido no capítulo 6). ção miocárdica com movimentos da artéria coronária a ser
revascularizada dificultando a realização de uma anastomo-
se precisa na artéria coronária; 2. o fluxo sangüíneo de va-
Cirurgia sem Circulação Extracorpórea
sos colaterais impede que o campo cirúrgico no local da
e Via Esternotomia
arteriotomia fique exangue, dificultando a visualização da luz
A revascularização do miocárdio sem circulação extra- do vaso durante a realização da anastomose coronária e 3.
corpórea foi sistematizada e vem sendo realizada com bons na revascularização das artérias coronárias posteriores, o
resultados desde a década de 1980 por Buffolo13 e Benetti7. coração batendo precisa ser tombado, podendo causar que-
Entretanto, no início, esse tipo de abordagem cirúrgica era da abrupta da pressão arterial sistêmica.
realizado por poucos cirurgiões e, em geral, em pacientes uni Recentemente, o desenvolvimento de novos instrumen-
ou biarteriais com comprometimento das coronárias inter- tais cirúrgicos e de estabilizadores mecânicos regionais de
ventricular anterior ou coronária direita. Em meados da dé- artéria coronária tem facilitado a realização da anastomose
cada de 1990, com o desenvolvimento de afastadores e com o coração batendo10,18,19,33,35,45. O uso do perfusor intra-
estabilizadores cardíacos, a cirurgia de coronária sem circu- coronário também tem ajudado na proteção miocárdica dimi-
lação extracorpórea se expandiu e passou a ser realizada em nuindo o tempo de isquemia miocárdica regional e mantendo
pacientes multiarteriais, o que possibilitou a revascularização a arteriotomia exangue53.
das artérias coronárias posteriores do coração9,10,35.
A cirurgia é realizada por esternotomia mediana, com o Técnica Operatória
coração batendo e oclusão local da artéria coronária com is-
quemia miocárdica regional temporária. O uso do shunt in- O preparo do paciente e a exposição do coração usada
tracoronário molda a coronária, mantém o campo operatório na revascularização do miocárdio sem circulação extracorpó-
exangue e diminui o tempo de isquemia miocárdica53. A uti- rea por esternotomia mediana são semelhantes à revascula-
lização de enxertos arteriais compostos (em “T” ou “Y”) evi- rização do miocárdio realizada de modo convencional.

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A utilização exclusiva de enxertos arteriais tem sido prefe- rúrgica para a direita aumentam a exposição da superfície pos-
rida para evitar a manipulação da aorta. Ao contrário da re- terior do coração, com menor repercussão hemodinâmica.
vascularização por miniacesso onde os estabilizadores Novos instrumentos que agem por sucção epimiocárdica e
mecânicos têm sido utilizados com maior freqüência, uma colocados na ponta do coração têm sido desenvolvidos para
vez que agem por compressão do miocárdio, na revascula- maior rotação do coração e menor alteração hemodinâmica,
rização multiarterial sem circulação extracorpórea o estabili- facilitando o acesso às artérias coronárias da região lateral e
zador mecânico mais utilizado tem sido o Octopus® que age posterior do coração e permitindo a revascularização completa
por sucção regional do miocárdio. As novas gerações do do miocárdio (Fig. 5.2). O fechamento do esterno e a drenagem
estabilizador mecânico Octopus® são menores, constituídas pleural e mediastinal são realizadas de modo habitual.
de uma única plataforma acoplada ao próprio afastador do
esterno e com um único braço articulado que pode ser co-
locado em diferentes posições (Fig. 5.1). O estabilizador me-
cânico regional do miocárdio, associado a manobras de
exposição do coração com menor alteração hemodinâmica,
deu maior segurança na realização da anastomose coronária
com o coração batendo e permitiu a revascularização das ar-
térias coronárias da região lateral e posterior do coração.

Fig. 5.2 — Aspecto intra-operatório do uso do estabilizador cardíaco


regional CTS® associado ao estabilizador cardíaco de ponta CTS® na
revascularização miocárdica sem circulação extracorpórea.

Resultados

As primeiras séries de pacientes operados sem circula-


Fig. 5.1 — Aspecto intra-operatório do uso do estabilizador cardía- ção extracorpórea por Buffolo13, Benetti7 e seus associados
co regional Octopus® na revascularização miocárdica sem circula- mostravam bons resultados clínicos com o emprego dessa
ção extracorpórea. técnica. Os trabalhos retrospectivos comparando a cirurgia
sem e com circulação extracorpórea mostravam benefícios clí-
Deslocamentos do ápice do coração 90o para cima são nicos entre os pacientes submetidos à cirurgia sem circulação
hemodinâmicamente bem tolerados quando associados à extracorpórea. Na análise do banco de dados da Society of
posição de Trendelenburg, em pacientes com função ventri- Thoracic Surgeons (STS) com 118.140 pacientes operados de
cular esquerda preservada. Porém, em alguns pacientes com revascularização miocárdica, Cleveland e col.21 mostraram
disfunção acentuada do ventrículo esquerdo há evidências diferença significativa em favor da revascularização miocár-
de isquemia miocárdica regional, regurgitação mitral e con- dica sem circulação extracorpórea em relação à morbidade
seqüente deterioração hemodinâmica durante essa manobra. (10,62% × 14,15%) e também à mortalidade (2,3% × 2,9%),
Para melhor exposição da face lateral e posterior do coração quando comparada com a cirurgia com circulação extracor-
sem grandes alterações hemodinâmicas, duas técnicas têm pórea. Apesar dos resultados favoráveis desses grandes
sido utilizadas: a primeira é a colocação de duas fitas cardía- estudos, havia um questionamento relativo à qualidade da
cas, uma passando pelo seio transverso e outra em torno da anastomose com o coração batendo e da evolução desses
veia cava inferior, e que ajudam a sustentar o coração em pacientes a longo prazo1,44. Gundry e col.32, ao compararem
posição lateral ou para cima; a segunda, e mais recente, é a a revascularização do miocárdio com e sem circulação extra-
colocação de uma fita fixada com um ponto posterior no corpórea com sete anos de seguimento, observaram igual
pericárdio junto às veias pulmonares e que permite a rotação sobrevida nos dois grupos, porém, 20% dos pacientes ope-
do coração com menor alteração hemodinâmica. Além desses rados sem circulação extracorpórea necessitaram de reinter-
pontos, a posição de Trendelenburg e a rotação da mesa ci- venções (15% angioplastia e 5% operação), apenas 7% dos

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pacientes operados com circulação extracorpórea foram sub- Indicações
metidos à angioplastia e nenhuma reoperação foi necessá-
ria. A análise de 34 cineangiografias no pós-operatório 1. Pacientes com doença coronária uniarterial localiza-
mostrou perviabilidade da anastomose com a artéria coroná- da em região proximal da artéria coronária interventricular
ria interventricular anterior de 92% na revascularização com anterior, coronária direita ou, menos freqüentemente, na ar-
circulação extracorpórea versus 47% na revascularização sem téria coronária marginal esquerda não ideais para angio-
circulação extracorpórea. Buffolo e col.14, em experiência de plastia/stent (lesão tipo C American Heart Association/
15 anos com revascularização do miocárdio sem circulação American College of Cardiology)55.
extracorpórea, mostraram em análise prospectiva com 60 pa- 2. Pacientes com doença coronária uniarterial compro-
cientes submetidos à revascularização da artéria coronária metendo artéria coronária interventricular anterior, coronária
interventricular anterior com a artéria torácica interna es- direita, ou artéria coronária marginal esquerda, e que apre-
querda (30 pacientes com circulação extracorpórea e 30 pa- sentam reestenose após angioplastia com sucesso.
cientes sem circulação extracorpórea), taxa de perviabilidade 3. Pacientes com doença coronária multiarterial e alto
de 93,4% em ambos os grupos. Esses dados sugerem que a risco para circulação extracorpórea que se beneficiariam com
curva de aprendizado na revascularização do miocárdio sem anastomose da artéria torácica interna esquerda com a arté-
circulação extracorpórea tinha importante influência na per- ria interventricular anterior, como cirurgia paliativa.
viabilidade das anastomoses coronárias, pois nessa época, 4. Reoperação coronária em pacientes com lesão no
a revascularização do miocárdio sem circulação extracorpó- enxerto de veia de safena para a artéria interventricular an-
rea era realizada sem os estabilizadores mecânicos regionais terior ou para a coronária direita sem que a artéria torácica
de artéria coronária. interna tenha sido previamente utilizada.
Recentemente, com o auxílio dos estabilizadores mecâni- 5. Reoperação de pacientes que necessitem de revascu-
cos regionais de artéria coronária, tem-se realizado a revascu- larização dos ramos da artéria coronária circunflexa e que
larização do miocárdio completa, sem circulação extracorpórea apresentem a artéria torácica interna esquerda pérvia anas-
e com maior uso de enxertos arteriais19, 33. Estudos prospectivos tomosada na coronária interventricular anterior.
e randomizados mostraram não haver diferença significativa 6. Procedimento “híbrido”: revascularização sem cir-
entre pacientes de baixo risco submetidos à revascularização culação extracorpórea e por miniacesso da artéria toráci-
miocárdica com ou sem circulação extracorpórea4,5,46,51,66. ca interna esquerda na artéria coronária interventricular
Entretanto, quando avaliada a cineangiocoronáriografia anterior, combinada com angioplastia/stent das outras ar-
pós-operatória, houve mais enxertos ocluídos entres os térias coronárias lesadas em pacientes com doença coro-
pacientes operados sem circulação extracorpórea (98% × nária multiarterial.
88%, p = 0,002), o que pode influenciar negativamente a
evolução clínica a longo prazo39.
Contra-indicações
Cirurgia sem Circulação Extracorpórea As contra-indicações para cirurgia minimamente inva-
e por Miniacesso siva são principalmente anatômicas e estritamente relaciona-
das à dificuldade em se realizar a anastomose ou em se
A possibilidade da revascularização do miocárdio por
encontrar a artéria coronária, tais como: artéria coronária
meio de miniacesso diferente da esternotomia mediana e sem
com calcificação difusa, intramiocárdica ou de pequeno ca-
o auxílio da circulação extracorpórea foi inicialmente explo-
libre (< 1,5 mm de diâmetro). Essas condições desfavoráveis
rado por Benetti8 e Subramanian62 em 1995. Nessa ocasião,
podem ser descobertas no pré-operatório, porém em alguns
a artéria torácica interna esquerda foi anastomosada na ar-
téria coronária interventricular anterior por minitoracotomia pacientes essas variações anatômicas só são encontradas
anterior esquerda e sem circulação extracorpórea. durante o ato operatório, levando à conversão da minitora-
cotomia para esternotomia mediana.
O miniacesso pode ser a minitoracotomia anterior esquer-
da, direita ou a miniesternotomia inferior, podendo ser utiliza- Uma avaliação cuidadosa da cineangiocoronáriografia
dos como enxertos a artéria torácica interna esquerda, artéria pré-operatória pode contra-indicar a abordagem por minito-
torácica interna direita ou a artéria gastroepiplóica direita. A racotomia. O local da anastomose é, em geral, 2 cm a 4 cm
dissecção da artéria torácica interna pode ser realizada sob abaixo do segundo ramo diagonal da coronária interventri-
visão direta através do miniacesso ou por videotoracoscopia. cular anterior, e toda a atenção deve ser focada neste pon-
A vantagem dessa técnica é a revascularização miocár- to. Diferentes projeções angiográficas podem mostrar o
dica utilizando-se enxertos arteriais, sem circulação extracor- diâmetro da artéria coronária, a qualidade de suas paredes,
pórea e sem esternotomia. As desvantagens são o campo e o seu trajeto em relação à superfície epicárdica.
operatório reduzido permitindo, na maioria dos casos, a re- Outra contra-indicação para revascularização do miocárdio
vascularização de uma única artéria coronária, e a realização minimamente invasiva é a estenose ou oclusão da artéria sub-
da anastomose coronária com o coração batendo. Recente- clávea, onde a artéria torácica interna não poderia ser utilizada
mente a robótica vem sendo introduzida na prática clínica, in situ. Alternativamente, nessa situação pode ser utilizada a
auxiliando na dissecção da artéria torácica interna e na rea- artéria gastroepiplóica direita, dissecada por miniincisão
lização da anastomose coronária por videotoracoscopia58,61. subxifóide e passada para o tórax através do diafragma.

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As características morfométricas do paciente também in- A minitoracotomia anterior esquerda ou a paraesternal
fluenciam no miniacesso. Pacientes obesos, com tórax longilí- esquerda é realizada na revascularização da artéria coroná-
neo, seios grandes, doença pulmonar obstrutiva crônica ou com ria interventricular anterior ou diagonal. A minitoracotomia
deformidades torácicas são mais bem abordados por miniester- anterior direita ou a paraesternal direita é realizada na revas-
notomia inferior do que por minitoracotomia anterior. Pacientes cularização da artéria coronária direita (Fig. 5.3).
com miocardiopatia dilatada ou hipertensão pulmonar são abor-
dados, com maior segurança, por esternotomia mediana. Miniesternotomia Inferior
A taxa de conversão de minitoracotomia para esternoto-
mia mediana é mais elevada na revascularização da artéria co- Realizada através de uma incisão no segmento inferior
ronária direita, por apresentar doença aterosclerótica mais do esterno de aproximadamente 8 cm. A esternotomia é em
difusa, ser mais subepicárdica e maior dificuldade de imobili- “L invertido” e limitada ao quarto espaço intercostal, man-
zação pela proximidade com o átrio direito62. A taxa de patên- tendo-se íntegros o manúbrio e o segmento superior do cor-
cia da artéria torácica interna direita também é menor quando po do esterno (Fig. 5.4). O “L” é realizado para a esquerda
anastomosada no terço médio da artéria coronária direita, sen- na revascularização da artéria coronária interventricular an-
do preferível a anastomose mais distal ou mesmo na artéria terior ou diagonal e para a direita na revascularização da ar-
coronária descendente posterior. Esses fatores indicam que a téria coronária direita ou descendente posterior. Com esse
revascularização da artéria coronária direita com a artéria to- acesso a artéria torácica interna é dissecada utilizando-se os
rácica interna direita seria mais bem realizada por esternotomia afastadores habituais e também pode-se dissecar e utilizar
mediana ou, alternativamente por miniesternotomia inferior e como enxerto a artéria gastroepiplóica direita (Fig. 5.5).
anastomose da artéria gastroepiplóica direita na porção dis-
tal da artéria coronária direita ou nos seus ramos.

Técnica Operatória
Os pacientes são preparados de modo habitual para
operação de revascularização do miocárdio. Pás adesivas de
desfibrilador externo são mantidas em região lateral e poste-
rior do tórax, pois a cardioversão interna estaria dificultada
pelo acesso cirúrgico limitado. Um colchão térmico é manti-
do sob o paciente, com o objetivo de evitar a hipotermia e
manter a temperatura corpórea em 37oC.
O paciente pode ser posicionado na mesa cirúrgica em
decúbito dorsal horizontal, com a vantagem de se houver ne-
cessidade de conversão para a operação convencional com
esternotomia e circulação extracorpórea, esta será realizada
rapidamente. Na minitoracotomia lateral, sobretudo quando da
utilização da videotoracoscopia, o paciente é posicionado com Fig. 5.3 — Miniacesso cirúrgico com abordagem via minitoracotomia
anterior esquerda no quarto espaço intercostal.
leve decúbito lateral (20o a 30o). Independente da posição, é
importante manter o membro superior direito ou esquerdo e a
região hipogástrica sob condições assépticas, para dissecção
da artéria radial ou epigástrica inferior, caso haja necessidade
de utilizá-las como enxertos na revascularização do miocárdio.

Miniacesso Cirúrgico
Minitoracotomia Anterior
Realizada através de uma incisão submamária de, apro-
ximadamente, 8 cm na altura do quarto espaço intercostal.
Também pode ser realizada em posição paraesternal na altura
do terceiro e quarto espaços intercostais com ressecção das
cartilagens costais. Nessas incisões a pleura é habitualmente
aberta e o pulmão suavemente afastado, dando uma boa ex-
posição do ventrículo esquerdo. Com a ajuda de novos sis-
temas de afastadores específicos para miniacesso, obtemos
um túnel com campo visual satisfatório e exposição de toda Fig. 5.4 — Miniacesso cirúrgico com abordagem via miniesternoto-
a artéria torácica interna, permitindo a sua dissecção sob vi- mia inferior, em “L invertido”, limitada ao quarto espaço intercostal
são direta. esquerdo.

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videotoracoscopia. O desenvolvimento de afastadores
específicos para minitoracotomia tem facilitado a dissec-
ção da artéria torácica interna sob visão direta, sem a ne-
cessidade de ressecção de cartilagens costais. Com esses
sistemas de afastadores, a artéria torácica interna pode ser dis-
secada em toda a sua extensão até o primeiro ramo intercostal
com segurança e mantendo-se a sua integridade (Fig. 5.7). O
acesso por miniesternotomia inferior, limitado ao quarto es-
paço intercostal não necessita de afastadores especiais para
a dissecção da artéria torácica interna. Porém a dissecção
completa da artéria torácica interna até o primeiro ramo inter-
costal é mais difícil.

Fig. 5.5 — Miniacesso cirúrgico com abordagem via miniesternoto-


mia inferior, em “L invertido”, limitada ao quarto espaço intercostal
esquerdo, com anastomose da artéria gastroepiplóica direita na arté-
ria coronária descendente posterior.

Toracotomia Limitada Lateral Esquerda


Realizada através de uma incisão limitada lateral na al-
tura do quarto espaço intercostal. A pleura é aberta e o pul-
mão suavemente afastado, dando uma boa exposição da fase
lateral do ventrículo esquerdo. Utilizada, principalmente, em
reoperações para a revascularização da artéria coronária mar-
ginal esquerda. Em geral o enxerto utilizado é a veia safena,
Fig. 5.7 — Dissecção da artéria torácica interna esquerda por miniacesso.
e a anastomose proximal é realizada com clampeamento late-
ral da aorta torácica descendente (Fig. 5.6).
A presença de pequenos ramos intercostais da artéria
torácica interna não influencia o fluxo sangüíneo para a ar-
téria coronária. Estudos de anatomia cirúrgica mostram que
30% das artérias torácicas internas esquerdas e 5% das ar-
térias torácicas internas direitas têm origem comum com ou-
tros ramos da artéria subclávia, que em geral não são
divididas durante a dissecção e 15% das artérias torácicas
internas têm o primeiro ramo costal lateral localizado a uma
distância média de 25 mm de sua origem, o qual, freqüente-
mente, não é ligado, mesmo nas dissecções com esternoto-
mia total34. Estudos de fisiologia mostram que a artéria
torácica interna perfunde predominantemente seu território
durante a sístole e o fluxo sangüíneo coronário se faz, sobre-
tudo durante a diástole. Portanto, a musculatura esqueléti-
ca e o miocárdio não competem pelo mesmo fluxo sangüíneo,
pois têm fases hemodinâmicas diferentes. Estudos compa-
rando o fluxo sangüíneo da artéria torácica interna com dis-
secção parcial ou total mostraram que a persistência dos
Fig. 5.6 — Toracotomia limitada lateral esquerda utilizada em reopera- ramos intercostais não influencia no fluxo sangüíneo para a
ções para a revascularização dos ramos da artéria coronária circunflexa. artéria coronária, mesmo com o aumento do débito cardíaco
induzido por drogas29,49. Essas observações sugerem que o
Dissecção da Artéria Torácica Interna por Miniacesso fluxo sangüíneo nos ramos intercostais é mínimo e a dissec-
ção total da artéria torácica interna não é necessária.
A dissecção e mobilização da artéria torácica interna Um dos principais problemas com a dissecção parcial
podem ser realizadas sob visão direta ou com o auxílio da da artéria torácica interna é a limitação do tamanho do enxerto,

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podendo ser insuficiente para alcançar a artéria coronária ou A anastomose coronária é realizada, em geral, com su-
ser anastomosada sob tensão. O segmento dissecado da ar- tura contínua e fio de polipropileno 7-0 ou 8-0. Durante a
téria torácica interna deve ter um tamanho suficiente para ser anastomose, o segmento proximal da artéria coronária é gar-
anastomosado, com folga, na artéria coronária. Deste modo roteado, sendo mantido o fluxo sangüíneo retrógrado. Nos
estaremos evitando o acotovelamento ou a avulsão do en- casos em que são observadas alterações hemodinâmicas,
xerto provocada pelos movimentos do pulmão. O segmento eletrocardiográficas ou arritmias durante a interrupção do
dissecado da artéria torácica interna pode ser aumentado, fluxo sangüíneo coronário pelo garroteamento da artéria co-
completando-se a dissecção até o primeiro ramo intercostal ronária, pode-se utilizar uma derivação intraluminal temporá-
ou “esqueletizando” o segmento dissecado. Outra alterna- ria. Essa derivação consiste de um delicado tubo de silicone,
tiva é o alongamento da ATI com outro enxerto arterial ou com calibre próximo ao da luz da artéria coronária. Esse tubo
venoso, sendo que nessa situação estaríamos interferindo é colocado dentro da luz da artéria coronária, evitando o seu
nos excelentes resultados a longo prazo da anastomose di- garroteamento e permitindo passagem de sangue pelo seu in-
reta da ATI com a artéria coronária. terior, diminuindo assim a isquemia miocárdica durante a
anastomose coronária. Nesses casos a anastomose da arté-
Exposição da Artéria Coronária ria torácica interna com a artéria coronária é realizada de
modo habitual, com sutura contínua de fio polipropileno 7-0
O pericárdio é aberto parcialmente e tracionado com ou 8-0. Ao final da anastomose, antes do último ponto, o
suturas de fios de algodão 2-0 para melhor acesso ao coração. tubo de silicone é retirado do interior da coronária, através
Suturas adicionais realizadas no pericárdio são tracionadas da tração de um fio amarrado em sua porção mediana.
provocando rotação do coração anterior e medialmente até
que a artéria coronária IVA ou a CD fique centralizada na mi- Estabilizador Mecânico Regional de Artéria Coronária
niincisão. Escolhido o local da artéria coronária para a anas-
tomose, procede-se à heparinização sistêmica do paciente com Nos estudos iniciais, a estabilização da artéria coroná-
150 UI/kg de peso corpóreo. ria era realizada através da estabilização global do miocárdio
com diminuição da freqüência cardíaca induzida pela admi-
Anastomose da Artéria Torácica Interna nistração contínua de bloqueador β-adrenérgico ou de blo-
com a Artéria Coronária queador de canal de cálcio. A estabilização regional da
artéria coronária era limitada à tração dos torniquetes posi-
Com a artéria coronária exposta, e escolhido o local para cionados proximal e distal ao local da anastomose coronária.
anastomose, é realizado um ponto com fio de polipropileno Estabilizadores mecânicos regionais de artéria coroná-
4-0 ao redor da artéria coronária, em uma única passada, em ria para revascularização do miocárdio sem circulação extra-
posição proximal ao segmento coronário a ser abordado. corpórea começaram a ser desenvolvidos em 19959,10,35. Os
Para evitar compressão direta da artéria coronária por este primeiros instrumentos estabilizavam a artéria coronária atra-
ponto, ambas as agulhas são passadas através de um peque- vés da sucção do epimiocárdio adjacente à ela. Posterior-
no fragmento de tubo de silicone. Em seguida, os fios des- mente apareceram os instrumentos de compressão regional
ses pontos são passados por dentro de um torniquete do miocárdio. O advento desses estabilizadores deu maior
delicado, feito com tubo siliconizado e que servem para gar- segurança na realização da anastomose coronária com o
rotear a artéria coronária e interromper o fluxo sangüíneo no coração batendo, e a revascularização do miocárdio sem cir-
local da anastomose, permitindo uma boa visão do local. Um culação extracorpórea com esternotomia total ou por miniaces-
precondicionamento isquêmico do miocárdio, com garrotea- so passou a ter maior aceitação por parte dos cirurgiões
mento da artéria coronária por três a cinco minutos e isque- cardiovasculares.
mia miocárdica regional, seguida de três a cinco minutos de
reperfusão, pode ser realizado antes de ser efetuada a anas-
tomose coronária. Durante esse período, observava-se o Avaliação da Anastomose da Artéria Torácica Interna
eventual aparecimento de alterações hemodinâmicas, eletro- com a Artéria Coronária
cardiográficas ou disfunção do ventrículo esquerdo decor-
rentes da isquemia miocárdica ou da reperfusão. Embora o Apesar dos bons resultados clínicos iniciais, poucos
papel do precondicionamento isquêmico não esteja bem de- trabalhos têm estudado a taxa de patência da anastomose da
finido, em nossa experiência temos obtidos bons resultados artéria torácica interna realizada com o coração batendo e
com essa técnica. Arritmias ventriculares, infarto do miocár- por miniacesso17. A perviabilidade da artéria torácica interna
dio perioperatório e alterações hemodinâmicas raramente pode ser avaliada pela cineangiografia ou pelo ultra-som
têm sido observados. Estudos experimentais e clínicos mos- doppler transtorácico. A cineangiografia é o padrão-ouro
traram que o precondicionamento isquêmico tem pouca in- para avaliação da perviabilidade da artéria torácica interna,
fluência na proteção miocárdica, entretanto preserva os no entanto na maioria dos trabalhos a cineangiografía pós-
fatores de relaxamento do endotélio, diminuindo a disfun- operatória raramente é realizada.
ção endotelial15,65. Essas descobertas podem influenciar a Alguns autores realizam o ultra-som doppler transtorá-
taxa de perviabilidade do enxerto no pós-operatório imediato cico para avaliar a perviabilidade da artéria torácica interna.
e a longo prazo. Esta, quando utilizada como enxerto para a revascularização

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do miocárdio, apresenta baixa resistência, com aumento do em 104 (90,4%) dos 115 pacientes que tiveram a cirurgia con-
fluxo sangüíneo diastólico, uma vez que o enchimento da cluída pelo miniacesso. A artéria torácica interna estava pér-
artéria coronária se faz predominantemente na diástole. A fra- via em 102 pacientes (98,1%), sendo 97, 1% tipo A e 2,9% tipo
ção diastólica, quando é maior ou igual a 0,5, infere uma anas- B (Tabela 5.1). Dois pacientes (1,9%) apresentaram oclusão da
tomose coronária pérvia e, se menor que 0,5, uma anastomose artéria torácica interna esquerda, sendo um reoperado e ou-
com estenose ou ocluída42,63. A artéria torácica interna não uti- tro submetido à angioplastia com stent na artéria coronária in-
lizada como enxerto e que permanece em sua posição anatô- terventricular anterior. Ambos os procedimentos foram
mica mostra resistência sistêmica, com predomínio do fluxo realizados com sucesso. Todos os pacientes foram acompa-
sistólico e fração diastólica baixa, em geral <0,40 (Fig. 5.8). nhados por um período de 6 a 42 meses (média de 24,9 meses).
Nesse período, 113 pacientes (95,0%) evoluíram assintomáti-
cos, quatro pacientes (3,3%) apresentaram eventos cardíacos
relacionados à oclusão tardia do enxerto, dos quais três foram
reoperados. Dois pacientes (1,7%) tiveram recorrência da an-
gina com a artéria torácica interna esquerda pérvia, dos quais
um por progressão da doença aterosclerótica na artéria coroná-
ria circunflexa e outro por episódios intermitentes de fibrilação
atrial. Seis pacientes, assintomáticos, realizaram estudo angio-
gráfico tardio para controle do enxerto e em todos os casos a
ATI estava pérvia (Fig. 5.9). Houve um (0,8%) óbito tardio, ocor-
rido entre os pacientes que apresentaram oclusão do enxerto e
que vieram a falecer no pós-operatório da reoperação.

Tabela 5.1
Angiografia da Artéria Torácica Interna
no Pós-operatório imediato ( n = 104/115 – 90,4% )
Fig. 5.8 — Ultra-som doppler da artéria torácica interna direita (ATID), Artéria Torácica Interna Pacientes %
em sua posição anatômica, mostrando fluxo sangüíneo sistêmico e fra-
ção diastólica (FD) de 0,34. Ultra-som doppler da artéria torácica in- • Pérvia 102 98,1
terna esquerda (ATIE), anastomosada na artéria coronária interventricular – Tipo A 99 97,1
anterior, mostrando inversão do fluxo sangüíneo, com predomínio dias- – Tipo B 3 2,9
tólico e fração diastólica (FD) de 0,68.
• Ocluída
Experiência Clínica com Revascularização – Tipo O 2 1,9
do Miocárdio Minimamente Invasiva
Total 104 100,0
Entre novembro de 1995 e novembro de 1998, estudamos
prospectivamente 120 pacientes portadores de insuficiência Resultado da cineangiografia da artéria torácica interna realizada no
período de pós-operatório imediato em 90,4% dos pacientes (104/115),
coronária submetidos à revascularização do miocárdio por mi-
seguindo a classificação de FitzGibbon e col. (1978)28: tipo A —
nitoracotomia e sem circulação extracorpórea. Todos os pa- excelentes condições de fluxo; tipo B — anastomose ou enxerto
cientes eram portadores de doença aterosclerótica coronária com lesão maior que 50%; tipo O — ocluída.
uniarterial, sendo 114 (95,0%) com lesão isolada proximal na
artéria coronária interventricular anterior e seis (5,0%) com le-
são isolada proximal na artéria coronária direita47,48. A B
Houve predomínio do sexo masculino (80,8%) e a ida-
de variou de 30 a 81 anos (média de 57,2 anos). Oitenta pa-
cientes (66,7%) tinham angina instável, 32 pacientes (26,7%)
tinham angina estável e oito pacientes (6,6%) estavam na
fase aguda do infarto do miocárdio. A minitoracotomia es-
querda ou direita foi realizada em 93 pacientes (77,5%) e a
miniesternotomia inferior foi realizada em 27 pacientes
(22,5%). Em cinco pacientes (4,2%), houve necessidade da
conversão de minitoracotomia para esternotomia total. O
shunt intracoronário foi necessário em dois pacientes
(1,7%) que apresentaram arritmia durante a revasculariza-
ção da artéria coronária direita.
No pós-operatório imediato dois pacientes (1,7%) apre- Fig. 5.9 — Cineangiografia pós-operatória imediata (A) e tardia, 34
sentaram infarto do miocárdio, dos quais um (0,8%) veio a fa- meses (B) mostrando artéria torácica interna esquerda pérvia e com
lecer. A cineangiografia pós-operatória imediata foi realizada bom fluxo para a artéria coronária interventricular anterior.

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O estudo de 120 pacientes com lesão isolada proximal gia com port acess, podem ser reduzidos com a experiência
na artéria coronária interventricular anterior ou na artéria co- acumulada e com o aperfeiçoamento dos cateteres, deixan-
ronária direita submetidos à revascularização do miocárdio do-os menos rígidos. Novas técnicas cirúrgicas como a ma-
com a artéria torácica interna através da minitoracotomia e nobra de Chotwood com o clampeamento transcutâneo da
sem circulação extracorpórea mostrou probabilidade de evo- aorta ascendente tem facilitado a abordagem cirúrgica com
lução livre de eventos cardíacos (infarto agudo do miocár- o port acess20. Entretanto essa técnica tem sido mais utilizada
dio, necessidade de angioplastia, reoperação ou óbito) de em cirurgia cardíaca valvar. Na cirurgia de coronária a abor-
94,9% (± 2,0%) e sobrevida de 98,3% (± 1,2%) com segui- dagem da revascularização miocárdica sem circulação extra-
mento de até 42 meses (Fig. 5.10). corpórea tem sido preferível.

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49
6 Robótica na Revascularização Miocárdica

Luís Alberto Oliveira Dallan


Luiz Augusto Ferreira Lisboa
Sérgio Almeida de Oliveira

RESUMO A despeito dessa padronização, novas táticas passa-


ram a ser empregadas na medicina em geral e em especial na
A cirurgia com auxílio robótico vem sendo aplicada em cardiologia intervencionista, visando minimizar o trauma ci-
diversos campos da medicina, utilizando tecnologia de últi- rúrgico e conseqüentemente diminuir o período de recupe-
ma geração. As limitações pertinentes ao uso da endoscopia ração desses pacientes. Passou-se a realizar um grande
convencional têm sido contornadas pelo desenvolvimento de número de revascularizações do miocárdio sem o uso da cir-
sistemas computadorizados, adaptados para situações de di- culação extracorpórea, mesmo em pacientes com lesões de
ficuldade presentes durante os atos operatórios. múltiplas artérias coronárias. Foram também estabelecidas
Essa tecnologia emergente é atrativa e tem permitido técnicas para a revascularização do miocárdio com incisões
aos cirurgiões cardiovasculares realizar procedimentos en- limitadas, com resultados iniciais superponíveis aos das to-
doscópicos nas artérias coronárias, na valva mitral e na cor- racotomias tradicionais8,30,35.
reção de determinadas cardiopatias congênitas. O desenvolvimento de cateteres e cânulas especiais de
menor calibre, introduzidas por punção, possibilitou a insta-
INTRODUÇÃO lação de circulação extracorpórea e parada cardíaca sem a
necessidade da abertura do tórax (port-access), constituindo
O tratamento cirúrgico da insuficiência coronária teve a base para a cirurgia cardíaca endoscópica40.
grande avanço a partir da segunda metade do século XX, Os procedimentos endoscópicos foram rapidamente
especialmente com o emprego da circulação extracorpórea. adotados nas diversas áreas da medicina, sempre norteados
Isso possibilitou abandonar as técnicas meramente paliati- pelo princípio de menor agressão ao paciente e, conseqüen-
vas, que visavam o alívio da angina pectoris, sendo subs- temente, com diminuição da morbidade relacionada aos pro-
tituídas pela revascularização direta das artérias coronárias9. cedimentos cirúrgicos16.
Enxertos com veia safena e com artérias torácicas inter- Inicialmente esses procedimentos eram mais de natureza
nas passaram a ser utilizados em larga escala no tratamento excisional do que reconstrutivos ou microcirúrgicos, sendo
da doença aterosclerótica do coração, sendo rapidamente realizados por câmeras endoscópicas e instrumentais cirúr-
difundidos em todos os serviços de cirurgia cardíaca. Pro- gicos introduzidos no organismo por meio de pequenas in-
vavelmente, esses foram os procedimentos cirúrgicos mais cisões de 5 mm a 10 mm. O sistema endoscópico então
estudados em toda a história da Medicina19. utilizado era convencional, o que restringiu nessa fase sua
As cirurgias de revascularização do miocárdio tradicio- utilização em cirurgia cardíaca.
nalmente eram realizadas pela toracotomia mediana transes- O desenvolvimento de sistemas robóticos sofisticados,
ternal, com amplo acesso a todas as estruturas cardíacas e assistidos por tecnologia computadorizada, possibilitou su-
aos grandes vasos. A circulação extracorpórea era utilizada perar essas limitações. Passou-se a utilizar interação digital
em todos os procedimentos, em geral associada à parada entre as mãos do cirurgião e o instrumental, com ampla vi-
cardíaca com soluções cardioplégicas, que ofereciam um são ótica e adequada orientação espacial do instrumental. A
campo operatório estático e exangue, proporcionando gran- introdução desses sistemas deu origem a uma nova era na
de conforto e segurança ao cirurgião. cirurgia cardíaca.

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51
HISTÓRICO maior adestramento dos cirurgiões23. E logo foi aceito pelos
pacientes e pelos setores de saúde, especialmente pelas
A primeira geração de robôs consistiu de máquinas au- companhias de seguros. Afinal, incisões menores proporcio-
tomovíveis, construídas com a finalidade de imitar movimen- nam menor risco de infecção, menor período de internação,
tos animados1. A despeito da perspectiva dessa tecnologia menores custos e melhor resultado estético.
emergente, sua importância inicial limitava-se ao plano ima-
Por outro lado, esses procedimentos não estão livres
ginário muito mais do que ao real22,38.
de limitações, sobretudo decorrentes de sua natureza me-
Apesar desse conceito ter sido muito utilizado nos sé-
cânica. Dentre elas, destacam-se a perda da coordenação
culos passados, a noção e o termo robô somente foram em-
visual e da destreza devidas à ausência das sensações de
pregados em 1921 pelo escritor checo Karel Capek, em sua
tato e de força39.
produção “Rossom’s Universal Robots”28. O termo vem da
palavra tcheca “robota”, que significava “servo”, ou, mais A história do uso robótico em cirurgia inicia-se com o
intuitivamente, “trabalho forçado”. Puma 560, robô utilizado em 1985 por Kwoh e col.27 na reali-
zação de biópsias cerebrais com grande precisão. Após três
Já em 1940, Westinghouse criou dois dos primeiros ro-
anos, Davies utilizou o Puma 560 na ressecção transureteral
bôs que utilizavam motores elétricos para se movimentar33.
da próstata14. Esse sistema levou ao desenvolvimento do
A partir de 1948 um extremo avanço foi determinante para o
PROBOT, um robô específico para a ressecção endoscópi-
desenvolvimento de robôs e de computadores, devido ao
advento dos transistores. ca da próstata. Simultaneamente, produziu-se o ROBODOC
para atuações precisas sobre o fêmur que foi o primeiro robô
Em 1951, Raymond Goetz desenvolveu um braço articu-
aprovado pelo FDA americano38.
lado e teleoperado para a Comissão de Energia Atômica. Em
1954, George Devol desenvolveu o primeiro robô completo, O registro de cirurgias assistidas por robôs cresceu ra-
atribuindo-lhe o nome de “autômato universal”, tendo fun- pidamente nos últimos anos. Um desses estudos demons-
dado a primeira companhia robótica. trou a facticidade da cirurgia laparoscópica pela robótica,
citando a experiência desse procedimento em 146 pacientes,
Em 1962, a General Motors iniciou em Trenton (Nova
sem complicações relacionadas ao robô5. Foram descritas
Jersey) uma nova era na indústria automobilística com a instala-
colecistectomias, procedimentos anti-refluxo, re-anastomoses
ção de linhas robóticas de produção. Desde então, seguiram-se
sofisticações na movimentação e na sensibilidade dos ro- tubárias, gastroplastias para obesidade, herniorrafias ingui-
bôs. A despeito de tratar-se de máquinas desprovidas de in- nais, histerectomias, prostatectomias, procedimentos sobre
teligência, elas passaram a exercer atividades industriais com o intestino (retais, apendicectomia), além de cirurgias gine-
grande precisão e especificidade habitualmente impossíveis cológicas e mesmo exploração laríngea20,32.
para o trabalho humano11. Duas principais companhias produzem sistemas robó-
No ano de 1968, no Instituto de Pesquisa da Universi- ticos para a cirurgia cardíaca: Computer Motion e Intuitive
dade de Stanford, foi desenvolvido um robô com capacidade Surgical. A Computer Motion, Inc. (Goleta, Califórnia) foi
visual. O primeiro robô minicomputadorizado foi comerciali- fundada em 1989. Em 1993 introduziu o comando de voz que
zado em 1973 e denominado T3 (Tomorrow Tool). possibilitava o controle de braços robóticos, acoplados a
uma câmera endoscópica (AESOP — Automated Endoscopic
A grande expansão na indústria de computação iniciou-se
System for Optimal Positioning) (Fig. 6.1). O sistema robó-
na década de 1980 e difundiu-se rapidamente. Mensalmen-
tico microcirúrgico ZEUS foi introduzido para uso clínico em
te, novas companhias robóticas eram lançadas em todo o
setembro de 1998.
mundo. Entretanto, por volta de 1990, a maioria dessas pe-
quenas companhias foi encampada pelos grandes conglome- O sistema robótico Da Vinci da Intuitive Surgical, Inc.,
rados e desapareceu. Porém, a partir da última década a (Mountain View, Califórnia) foi criado em 1995, composto
robótica voltou a expandir-se e novos campos, como a Me- por um console, que permitia o controle computadorizado de
dicina, foram abertos. videocâmera e braços articulados. Através dele foi realizada a
primeira cirurgia cardíaca roboticamente assistida no mundo.
Carpentier, em Paris, realizou o primeiro procedimento
USO ROBÓTICO EM MEDICINA
robótico sobre a valva mitral em abril de 1998. No mesmo
A associação de indústria robótica e medicina demorou mês, o dr. Friedrich Mohr realizou, em Leipzig, a primeira re-
a ocorrer, particularmente na cirurgia. Atualmente esse atra- vascularização miocárdica assistida por robô.
so vem sendo recuperado. Máquinas robóticas telecirúrgi- No Brasil, a dissecção minimamente invasiva da ar-
cas foram desenvolvidas e têm possibilitado inclusive a téria torácica interna esquerda com assistência robótica
realização de colecistectomias transcontinentais6,31. foi iniciada em julho de 2001, no Instituto do Coração (In-
A cirurgia minimamente invasiva começou em 1987, com Cor) de São Paulo, com o emprego de videotoracoscopia
a primeira colecistectomia laparoscópica. Desde então, a lista guiada por braço robótico (AESOP), integrado ao sistema
de procedimentos laparoscópicos tem crescido consistente- de movimentação da fibra ótica acionado por comando de
mente, tanto sob o ponto de vista tecnológico, como pelo voz (HERMES)10.

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52
Fig. 6.2 — Controle verbal do movimento do braço robótico, através
de microfone posicionado defronte à face do cirurgião.

quando operada mecanicamente25. Além disso, esse sistema


elimina movimentos involuntários do auxiliar. A capacidade
de arquivar na memória do computador determinadas posi-
ções no campo operatório permite reacessar essas regiões
apenas com uma ordem verbal do cirurgião.
O sistema videoendoscópico possibilita uma ampliação
do campo visual muito superior ao das lupas tradicionais.
Isso proporciona ao cirurgião a visualização anatômica mais
detalhada das estruturas menores. A perda da percepção de
Fig. 6.1 — Sistema robótico AESOP (Automated Endoscopic System for profundidade é o grande problema dos monitores de vídeo
Optimal Positioning) é constituido por console e braço robótico ao
bidimensionais2. Isso foi contornado nos dois sistemas em-
qual a câmera óptica é acoplada.
pregados atualmente na cirurgia cardíaca pelo desenvolvi-
mento de monitores tridimensionais de alta resolução. A
VANTAGENS DA CIRURGIA COM ASSISTÊNCIA câmera óptica pode gerar essas imagens e uma vez captadas
R OBÓTICA e processadas pelo computador, é possível obter-se profun-
didade relativa ao campo operatório7.
A assistência robótica foi desenvolvida para auxiliar nos Uma das principais vantagens do sistema robótico so-
obstáculos freqüentemente observados durante os procedi- bre a cirurgia tradicional decorre da digitalização dos movi-
mentos endoscópicos. Ela aumenta a destreza cirúrgica, me- mentos do cirurgião pelo sistema computadorizado. Dois
lhora a visibilidade do campo operatório e resgata a procedimentos estão envolvidos nessa interação: a filtração
adequada coordenação visual/manual. e o escalonamento dos movimentos.
O sistema robótico é composto basicamente por três A filtração computadorizada através de softwares com-
componentes: um dispositivo visual voltado para o cirurgião, pensa os movimentos oscilatórios do cirurgião. Esse sistema
um computador associado ao mesmo e instrumental com ter- minimiza com eficácia seus eventuais tremores e proporciona
minais especialmente desenhados, seja para preensão ou para maior precisão nos procedimentos, o que facilita sua atuação
corte, acoplados a extremidades de braços robóticos. ambidestra.
O cirurgião controla e determina a mobilidade do instru- O sistema computadorizado também permite o escalo-
mental diretamente do seu sistema de interface visual. Sua namento de graus variáveis da movimentação do cirurgião.
movimentação é imediatamente captada e digitalizada pelo Este pode utilizar-se da scaled telepresence, recurso por
controle computadorizado. A informação é então transferida meio do qual a ação do cirurgião pode ser reduzida em até
para os braços robóticos, previamente instalados no campo dez vezes entre o console e o efetivamente transmitido ao
operatório. Um outro braço robótico é acoplado à videoen- campo operatório36. Esse recurso é de grande aplicação
doscopia, cuja movimentação poderá ser controlada por or- quando se atua sobre estruturas de mínimas dimensões.
dens verbais do cirurgião (Fig. 6.2). Movimentações amplas podem ser transformadas em micro-
A movimentação robótica da câmera é mais precisa do movimentos, no interior dos pacientes.
que quando acionada por um assistente humano. Observa- Outra vantagem do sistema robótico sobre o tradicional
ções comparativas mostraram, por exemplo, que a necessi- relaciona-se ao chamado “grau de liberdade na movimenta-
dade de limpeza da ótica diminui de três a cinco vezes ção”. Considera-se “grau de liberdade” em cirurgia endoscó-

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53
pica a direção na qual um instrumento pode mover-se. Espe-
cialmente em cirurgias laparoscópicas, pode ocorrer oposição
entre a intenção do movimento do operador e aquele assumi-
do pelo instrumental, podendo, após vários episódios, levar à
fadiga do cirurgião. A separação entre esses dois elementos
elimina o problema. Com o auxílio da integração computadori-
zada pelo sistema robótico, o movimento intuitivo é preserva-
do, mantendo-se a intenção e o direcionamento sincrônico com
o instrumental.
O atual sistema do braço robótico também possibilita
muitos graus de liberdade na movimentação sobre o campo
operatório, simulando os movimentos humanos de articula-
ção de seu braço, cotovelo e punho.
Apesar de todos esses avanços, apresenta-se como um
efeito adverso a perda do contato direto do cirurgião com os
tecidos humanos. A despeito do desenvolvimento de novos
estudos e softwares, visando aprimorar essa sensação táctil
e sua interação com os tecidos, esses dispositivos ainda não
estão disponíveis na prática clínica.
A fadiga do operador da endoscopia tradicional também
deve ser considerada. A localização dos trocáteres e do mo-
nitor nem sempre é sistematizada e habitualmente determina
a postura inadequada do cirurgião. Na cirurgia com assistên-
cia robótica o cirurgião pode sentar-se confortavelmente no
console, posicionando-se diretamente em frente ao monitor.
Isso minimiza as eventuais distrações e aumenta o conforto.

DESVANTAGENS DA CIRURGIA COM ASSISTÊNCIA


R OBÓTICA
A principal desvantagem do sistema robótico é seu Fig. 6.3 — Treinamento experimental em “caixa preta”, visando obter
custo. Espera-se que, com a expansão da tecnologia, ele ve- experiência com o manuseio robótico: o cirurgião realiza incisões e
suturas sobre o coração, sem visualizá-lo diretamente, fazendo-o com
nha a cair. Atualmente só grandes centros são capazes de
o auxílio de monitor.
adquirir e manter esses equipamentos.
Outra desvantagem é a dimensão física desses sistemas,
já que muitas salas operatórias não estão preparadas para possuem múltiplos braços operados por controle remoto, a
receber instrumentos dessa magnitude39. partir de consoles e são dotados de visualização videoassis-
A desvantagem potencial é a falta de compatibilidade tida, com integração computadorizada.
entre o equipamento e o instrumental, a qual deverá ser so-
lucionada pela uniformização da tecnologia. Computer Motion
Outro ponto a ser considerado é a reprodutibilidade do
procedimento robótico. Há necessidade de intenso treina- A versão atual desse sistema foi introduzida em 1998,
mento, para que os cirurgiões passem a realizar esses pro- embora a companhia tenha sido criada em 1993. O braço ro-
cedimentos sem olhar diretamente para o campo operatório bótico AESOP obedece a mais de 20 comandos de voz, o
e sim para imagens obtidas em monitor de vídeo (Fig. 6.3). que permitiu eliminar a presença do operador de câmera. A
A maioria das desvantagens apontadas deverá ser so- eficácia desse sistema foi comprovada em mais de 125.000
lucionada com o passar do tempo e com a evolução tecno- procedimentos7.
lógica. Entretanto, somente esse tempo nos revelará se o O sistema microcirúrgico robótico ZEUS foi introduzi-
uso desses sistemas justificou seu custo. A curto prazo es- do em setembro de 1998. Desenhado para a telemanipulação
ses custos não deverão baixar e dificilmente essa tecnologia dos movimentos do cirurgião, os sinais gerados pelo mes-
substituirá as cirurgias convencionais. mo são digitalizados e filtrados através de um processador,
antes de serem enviados para os braços robóticos, visando
SISTEMAS ROBÓTICOS ATUAIS completar o movimento. As imagens geradas pela câmera
endoscópica passam por transformação digital, que as sofis-
Atualmente, os dois principais sistemas utilizados — tica em monitores de vídeo de 16", criando a sensação de
ZEUS e Da VINCI — são similares em sua capacidade, po- profundidade. Esse aspecto tridimensional é obtido com o
rém diferem em sua maneira de atuar cirurgicamente. Ambos uso de óculos especiais (Fig. 6.4).

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dois diferentes canais, integrados por sistema estéreo de alta
resolução. Como resultado, obtém-se imagem tridimensional
ampliada, filtrada e otimizada por sincronizadores, unidades
de controle da câmera e iluminadores de alta intensidade.
Isso permite que o operador assimile a profundidade do
campo cirúrgico, facilitando sua interação com o procedi-
mento e melhorando sua destreza16.
Os braços robóticos e os instrumentos articulados são
inseridos por miniacessos de 10 mm e são verdadeiros “pu-
nhos”, com seis graus de liberdade de movimentação, à se-
melhança do ZEUS.
Atuando no console, o operador pode exercer ações
coordenadas com bastante agilidade, obtendo movimenta-
ção axial das imagens e do instrumental através de sensores
Fig. 6.4 — Cirurgia com assistência robótica completa. O cirurgião
localizados nos pés e nas mãos.
(não paramentado) senta-se defronte do console de comando (ZEUS).
Com o auxílio de óculos especiais, as imagens do campo operatório Os sensores situados junto aos pés controlam a câme-
adquirem aspecto tridimensional no monitor de vídeo. Os movimen- ra, seu foco e sua orientação espacial. A integração mãos-
tos das mãos do cirurgião são transmitidos aos instrumentos (previa- pés-olhos permite ao cirurgião treinado uma atuação
mente instalados no paciente) em tempo real. delicada e criteriosa em todas as coordenadas, mantendo-se
numa condição de conforto e de pouco desgaste energético.
A instalação dos braços robóticos se dá por meio de
mínimas incisões no hemitórax esquerdo. O cirurgião passa DISSECÇÃO ROBÓTICA DE ARTÉRIA TORÁCICA
a controlar a operação sentado diante de um console, com INTERNA
o uso de dispositivos compostos por botões e controles tipo Os primeiros relatos de dissecção robótica da artéria
joystick, sem que haja necessidade de sua paramentação ci- torácica interna datam de 199618, e marcam um importante
rúrgica. Esses sistemas transmitem os movimentos finos avanço dos procedimentos minimamente invasivos na revas-
do operador ao controle computadorizado. cularização miocárdica. Desde então, a técnica passou por
Sistemas de controle adicionais também estão posicio- significativo incremento.
nados no console do ZEUS, próximo ao monitor de vídeo, Entre as diversas razões para a sua realização, destacam-se:
podendo ao simples toque realizar funções como a adequa- 1. possibilidade de obtenção da ATIE por dissecção
ção aos diversos instrumentos e variações de escala nos atraumática41;
movimentos.
2. a maior experiência adquirida tem permitido realizar
São três braços robóticos de funcionamento indepen- esse procedimento em tempo compatível com a dissecção
dente e consistência leve (total de 20 kg) que permite máxi- convencional. Isso inclui a sua reprodutibilidade por cirurgiões
ma flexibilidade. Caso necessário, os mesmos podem ser experientes e para aqueles que estão iniciando na carreira;
reposicionados para permitir uma atuação mais adequada 3. é um procedimento básico necessário para o futuro
pelo operador. endoscópico das cirurgias de revascularização do miocárdio
A preensão dos instrumentos endoscópicos é realiza- por assistência robótica, seja parcial ou total.
da pelos braços robóticos. Eles apresentam possibilidade
articulatória até próximo de sua extremidade, com cinco graus
PROCEDIMENTOS O PERATÓRIOS
de angulação (micropunho). Esses instrumentos são reeste-
rilizáveis de maneira convencional, sendo confeccionados Procedimentos Anestésicos
para oferecer grande variabilidade de funções, incluindo pin-
ças, microtesouras e clampes hemostáticos. Sua substituição Manobras habituais, como acesso venoso central e
durante a operação também é simples e pode ser realizada monitorização da pressão arterial por punção da artéria radial,
por um assistente do grupo cirúrgico. Calcula-se que o tem- fazem parte da rotina anestésica.
po rotineiro completo de instalação do ZEUS seja inferior a Utiliza-se a ventilação seletiva do pulmão direito para a
vinte minutos12. dissecção robótica da artéria torácica interna esquerda. Isso
se faz por meio de entubação com sonda de duplo lúmen,
Intuitive Surgical que permite o colapso do pulmão esquerdo durante o pro-
cedimento. O posicionamento dessa sonda é facilitado pela
O sistema Da VINCI da Intuitive Surgical é centralizado broncoscopia com fibra óptica.
num console, de onde o cirurgião observa o campo operató- Se houver persistência de ar retido no pulmão esquer-
rio através de imagens captadas por lentes grande-angulares do, deve-se instalar aspiração nesse brônquio, o que inva-
de câmera endoscópica 3-D. Essas imagens caminham por riavelmente acarreta o completo colapso desse pulmão.

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A utilização de gás carbônico nesse hemitórax também a câmera óptica inserida em sua extremidade fica posiciona-
facilita a exposição da ATIE em seu leito nativo. A insufla- da diante do hemitórax esquerdo.
ção intratorácica de dióxido de carbono constitui um artifí- Ao mesmo tempo é realizada a anti-sepsia e a coloca-
cio a mais para facilitar a dissecção robótica da artéria ção de campos estéreis no restante do tórax e nos membros
torácica interna. Associada à desinsuflação seletiva do pul- inferiores. A presença de colchão térmico sob o paciente au-
mão dessa cavidade torácica, a manutenção de uma pressão xilia na manutenção de sua temperatura corporal.
local entre 5 mmHg e 10 mmHg proporciona um maior colaba- Após a dissecção da artéria torácica interna, o pacien-
mento desse pulmão. Recomenda-se a instalação gradativa te poderá ou não ser reposicionado, com o braço esquerdo
desse gás, não excedendo 10 mmHg na pressão intratorácica. estendido paralelamente ao corpo.
O mediastino também sofre discreto deslocamento contralate-
ral, o que facilita a visualização das estruturas e a mobilida-
de dos instrumentos. Deve-se estar atento a eventuais Posicionamento do Cirurgião
quedas de pressão, especialmente em pacientes hipovolêmi- O cirurgião deve postar-se à esquerda do paciente, po-
cos e em pacientes com baixa fração de ejeção. Essa pressão dendo sentar-se confortavelmente diante de seu hemitórax
intratorácica pode ser regulada automaticamente por equipa- esquerdo. A visão do campo operatório é realizada através
mento específico.Caso essa manobra acarrete variações no de monitor de vídeo, localizado à sua frente (Fig. 6.6).
débito cardíaco, ela deverá ser imediatamente revertida.

Posicionamento do Paciente
O paciente deve ser posicionado de forma supina, com
o tórax elevado aproximadamente 20º em relação à mesa ope-
ratória (Fig. 6.5). O antebraço deve situar-se sobre a cabeça,
sem tocá-la. Isso é facilitado pela fixação do braço esquer-
do em haste adaptada à mesa cirúrgica. A colocação de co-
xim circular junto ao tórax facilita a manutenção dessa
posição. A elevação exagerada do braço deve ser evitada,
para que não haja lesão no plexo braquial.

Fig. 6.6 — Braço robótico AESOP instalado. Os movimentos da pin-


ça e do bisturi elétrico são monitorizados em vídeo posicionado em
frente do cirurgião.

Equipamento Básico

Determinados itens são essenciais para a dissecção


endoscópica da artéria torácica interna.
A câmera óptica endoscópica constitui equipamento
Fig. 6.5 — Representação esquemática do posicionamento do paciente fundamental. Sua introdução no tórax é realizada através de
na mesa operatória, com elevação torácica aproximada de 20o. O robô
é fixado na lateral direita da mesa cirúrgica e seu braço articulado cruza pequeno orifício. Por essa razão, dá-se preferência por ópti-
sobre o paciente. Os pontos assinalados no tórax correspondem aos lo- cas com diâmetro de 5 mm. Ópticas convencionais habitual-
cais adequados para as miniincisões, visando o procedimento cirúrgico. mente têm diâmetro de 10 mm, o que pode ocasionar lesão
nos nervos intercostais, especialmente nos pacientes de
Esse posicionamento proporciona maior conforto ao menor tamanho.
cirurgião e confere maior mobilidade na manipulação do A movimentação da câmera endoscópica é coordenada
instrumental, especialmente se acionado por sua mão di- por ordens verbais do cirurgião, através de microfone posi-
reita. Essa posição permite também, se necessário, proceder cionado defronte de sua face. Para isso, cada cirurgião grava
à toracotomia mediana. Placas descartáveis de desfibrilador previamente cerca de 300 palavras que, uma vez armazenadas
devem ser previamente instaladas na parede contralateral num sistema especial de computação (Sistema HERMES),
do tórax. serão reconhecidas durante o ato cirúrgico.
O robô é fixado na lateral direita da mesa cirúrgica, de Ópticas com angulação também têm facilitado a visua-
modo que seu braço cruze sobre o paciente. Dessa maneira lização do campo operatório. Seu aquecimento com soro

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morno até a temperatura corporal e o uso de soluções espe-
ciais reduz o embaçamento da lente.
O emprego do bisturi elétrico deve ser comedido, vi-
sando evitar excessiva energia na cauterização. Potência su-
perior a 25 watts pode resultar em lesão térmica da artéria
torácica interna, mesmo sem tocá-la. Sugere-se que essa po-
tência se situe entre 15 watts e 20 watts41. Por outro lado, a
fumaça gerada pelo bisturi elétrico pode criar “névoa”, com
prejuízo da visão. Isso pode ser contornado adaptando-se
à caneta do bisturi elétrico um sistema de aspiração.
Como alternativa à dissecção da artéria torácica in-
terna tem-se empregado o bisturi harmônico (Ethicon®).
Esse sistema utiliza mais a energia mecânica do que a tér-
mica na divisão dos tecidos, reduzindo a possibilidade de
lesão da artéria, mesmo ao aproximar-se mais do vaso. Fig. 6.7 — Esquema do local das incisões torácicas (pontos em ver-
Deve-se lembrar, entretanto, que esse processo de cisão melho) que permitem dissecar a artéria torácica interna esquerda de
dos tecidos é mais lento do que o do bisturi elétrico con- maneira minimamente invasiva. Habitualmente essas incisões são re-
vencional. Além disso, o bisturi harmônico produz um alizadas no terceiro espaço intercostal (linha axilar anterior), quinto
espaço intercostal (linha axilar anterior) e sexto ou sétimo espaço in-
número excessivo de partículas, especialmente atuando
tercostal (linha medioclavicular).
em tecidos mais gordurosos, o que pode prejudicar a vi-
são intratorácica.
Diversos outros instrumentos devem estar disponíveis ria subclávia, até o sexto espaço intercostal. A referência
para a dissecção endoscópica da artéria torácica interna. O para iniciar-se a dissecção é a emergência do primeiro ramo
cabo do bisturi elétrico, assim como as pinças e outros ins- intercostal. Nesse local deve-se tomar especial cuidado para
trumentos de preensão, devem ter comprimento mínimo de não lesar o nervo frênico e a veia subclávia21. Caso o pacien-
30 cm para atingir o mediastino a partir da parede torácica. te apresente grande adiposidade no mediastino e na parede
Aplicadores endoscópicos especiais permitem empregar torácica, deve-se remover o excesso de gordura da fáscia
clips metálicos na hemostasia de ramos sangrantes da arté- endotorácica para se obter uma melhor visão da artéria to-
ria torácica. Também foram desenvolvidos clampes vascu- rácica interna.
lares de longo comprimento, visando a oclusão temporária A maneira clássica de se dissecar a artéria torácica in-
da artéria torácica interna sem lesá-la. terna é por sua mobilização na forma de pedículo, incluindo
as duas veias satélites (Fig. 6.8). Essa dissecção é mais fa-
Instalação do Instrumental cilmente iniciada no espaço entre dois arcos costais, pela tra-
ção da fáscia endotorácica com a pinça e cauterização dos
O procedimento inicia-se com a introdução da videocâ- tecidos distantes do vaso com o bisturi elétrico. Os ramos
mera através de incisão de 5 mm localizada no quinto espa- intercostais da artéria torácica interna devem ser cauteriza-
ço intercostal, na linha axilar anterior (Fig. 6.7). Após incisão dos. Nesse aspecto, o bisturi harmônico causa menos lesão
na pele com bisturi e divulsão da musculatura intercostal térmica do que o tradicional. Diante de sangramento de ra-
com instrumento rombo, o introdutor é posicionado no lo- mos arteriais, é desaconselhável a tentativa prolongada de
cal. A videocâmera caminha pelo seu interior. cauterizá-lo. Nesse caso deve-se comprimir o local por alguns
O introdutor por meio do qual será instalado o bisturi instantes, o que em geral resolve o problema. Excepcional-
elétrico é posicionado através de incisão de 3,5 mm no ter- mente, podem ser empregados clipes metálicos para conter
ceiro espaço intercostal, na linha axilar anterior. Sua entrada eventuais sangramentos.
no interior do tórax poderá ser observada pela videocâme-
ra, previamente instalada.
DISSECÇÃO DA ARTÉRIA TORÁCICA INTERNA DIREITA
A terceira incisão, também de 3,5 mm, é realizada no
sexto ou sétimo espaços intercostais, na linha médiocla- Realizada nos mesmos moldes da esquerda, a dissecção
vicular, de maneira semelhante à anterior. Nesse local ha- da artéria torácica interna direita deve ser realizada pelo lado
bitualmente se introduz a pinça, que é manipulada pela direito do tórax. Nesses casos a insuflação do hemitórax com
mão esquerda. dióxido de carbono não é tão importante, pois a concentra-
ção de gordura mediastinal dá-se preferencialmente do lado
Dissecção da Artéria Torácica Interna Esquerda esquerdo41.
O instrumental é introduzido de maneira inversa, ou
A artéria torácica interna esquerda é usualmente disse- seja, a pinça em posição superior e o bisturi elétrico em lo-
cada com bisturi elétrico desde sua origem, próxima à arté- calização mais baixa.

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LOCALIZAÇÃO DA ARTÉRIA A SER REVASCULARIZADA

Após a dissecção completa da artéria torácica interna


esquerda, o pericárdio é aberto por via toracoscópica. Isso
permite visibilizar o ramo interventricular anterior da artéria
coronária esquerda e decidir o melhor local para a futura
anastomose. Pode-se então estimar se o comprimento da ar-
téria torácica interna esquerda é suficiente para atingi-lo.
A secção da artéria torácica interna pode ser endoscó-
pica, através de clipe duplo, ou direta, no caso de comple-
mentação da cirurgia por minitoracotomia.
Um simples artifício permite realizar a minitoracotomia
exatamente sobre a artéria a ser revascularizada. São intro-
duzidas agulhas na parede anterior do tórax, ao mesmo tempo
em que se observa o ramo interventricular anterior por via
endoscópica. A minitoracotomia deve ser realizada sobre o
Controls local em que a agulha mais se aproxima da artéria coronária.
AESOP
VRC
RESULTADOS COM A DISSECÇÃO ROBÓTICA DA
ARTÉRIA TORÁCICA INTERNA

Inúmeros serviços de cirurgia cardíaca têm relatado


seus resultados com o uso de auxílio robótico nos procedi-
mentos. Entre eles destaca-se o grupo de Pensacola (Flóri-
da). No período de 1996 a 2001, foram dissecadas 320 artérias
torácicas internas em 308 pacientes com o auxílio robótico.
Destas, 300 foram esquerdas e 20 direitas (das quais 12 fo-
ram dissecções bilaterais realizadas por apenas um lado)41.
Nos últimos 50 casos, o tempo médio despendido para
a dissecção (desde a origem até o sexto espaço intercostal) foi
Fig. 6.8 — Aspectos da artéria torácica interna sendo dissecada en- de 29,4 minutos (média de 17 a 61 minutos). Onze desses pa-
doscopicamente e de maneira pediculada, através do uso do bisturi cientes já tinham sido submetidos previamente à revasculari-
elétrico. zação do miocárdio. Em apenas dois pacientes houve lesão
traumática distal da artéria, não sendo em nenhum deles ne-
cessária reversão para esternotomia. Em ambos, o problema foi
DISSECÇÃO DE AMBAS ARTÉRIAS TORÁCICAS contornado com a interposição de enxerto com veia safena.
INTERNAS PELO MESMO LADO No Brasil os primeiros relatos do uso de robótica na
dissecção da artéria torácica interna esquerda foram do Ins-
É um procedimento possível, devendo preferivelmente tituto do Coração (InCor-HC-FMUSP) e do Instituto de Car-
ser realizado pelo hemitórax esquerdo, pois possibilita a aber- diologia do Rio Grande do Sul com, respectivamente, 14 e
tura do pericárdio para indentificação do vaso a ser revas- dez pacientes10,37. Em ambas as casuísticas não foram obser-
cularizado. Inicia-se pela dissecção da artéria torácica interna vados óbitos ou complicações hospitalares (Fig. 6.9). Inúme-
esquerda, com seus locais clássicos de aporte. A gordura ros reestudos hemodinâmicos desses pacientes demonstram
mediastinal é então completamente ressecada, de maneira que a dissecção robótica da artéria torácica interna esquerda
que os instrumentos possam cruzar o mediastino. Se neces- foi completa, desde seu primeiro ramo (Fig. 6.10).
sário, devem ser utilizados instrumentos de maior compri-
mento. A dissecção completa da artéria torácica interna
esquerda não impede a atuação sobre a direita, pois ela cai RESULTADOS COM CIRURGIA ROBÓTICA COMPLETA
sobre o coração. A pleura direita deve ser aberta e o pulmão Sistema ZEUS
direito parcialmente colapsado. A despeito do pneumotórax
bilateral, a ventilação pulmonar é suficiente para manter uma A utilização do sistema ZEUS foi iniciada em Munique
oxigenação adequada e é bem suportada pela maioria dos por Reichenspurner e colaboradores em 199815. Decorridos
pacientes42. quatro anos, esse grupo relatou seus resultados com 41
Em contraste com a dissecção da artéria torácica inter- pacientes operados por meio dessa metodologia. Nos 12
na esquerda, a região de maior dificuldade do lado direito é casos iniciais o sistema foi usado apenas para a dissecção
sua porção superior. Já em sua parte inferior a angulação é mais endoscópica da artéria torácica interna. Nos 13 pacientes
favorável, o que facilita sua realização41. seguintes o sistema foi empregado para a realização de 17

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corpórea e com o coração batendo. Num deles foi neces-
sária a reversão para procedimento aberto. O tempo médio
de dissecção da artéria torácica interna foi de 55 minutos
(média de 43 a 74 minutos) e o tempo médio de anastomo-
se foi de 32 minutos (média de 22 a 50 minutos). O tempo
operatório médio foi de 5h30min (M = 4,6 a 8 horas) e os
pacientes tiveram alta em cinco dias (M = 4 a 11 dias). Es-
tudo angiográfico pós-operatório mostrou 97% de patên-
cia dos enxertos e em apenas duas anastomoses havia
estreitamento, inferior a 50%.
Nos Estados Unidos destacam-se os estudos iniciais
com robótica realizados na Universidade da Pensilvânia pelo
Fig. 6.9 — Paciente no segundo dia de pós-operatório, tendo recebi-
do anastomose da artéria torácica interna esquerda para o ramo in- grupo de Damiano e col. em 199813. Dezenove pacientes fo-
terventricular anterior da coronária esquerda. Presença de ram submetidos a anastomoses assistidas roboticamente
miniincisões na parede lateral do hemitórax esquerdo e de curativo entre a artéria torácica interna e o ramo interventricular da
oclusivo na incisão de 5 mm, vedando o orifício onde se localizava o artéria coronária esquerda. Não houve relato de complicações
dreno torácico.
relacionadas ao equipamento e suas eventuais falhas mecâ-
nicas. O tempo médio para a anastomose foi de 22,5 minu-
tos, tendo sido reduzido para menos de 20 minutos nos
últimos cinco pacientes. Oitenta e nove porcento dos enxer-
tos realizados (17 de 19) estavam pérvios e com excelente
fluxo diastólico ao ultrasom. O fluxo médio por enxerto foi de
38 mL/minuto. Nos dois pacientes em que esse fluxo estava
inadequado, as anastomoses foram refeitas manualmente. O
período médio de alta hospitalar foi de quadro dias. O segui-
mento a médio prazo desses pacientes (17 meses) mostrou
ATIE que todos encontravam-se em classe funcional I pela New
York Heart Association (NYHA).
Boyd e col.3, atuando no Canadá, acumularam grande
experiência atuando com o ZEUS. Nos 55 pacientes iniciais
a artéria torácica interna foi dissecada roboticamente e as
anastomoses complementadas manualmente por meio de
toracotomia reduzida. Quatorze pacientes reestudados an-
giograficamente no pós-operatório apresentavam enxertos
permeáveis. Nos próximos 19 pacientes foi empregado o
bisturi harmônico26. Seguiu-se série de 12 pacientes em que
foi empregado o sistema ZEUS para anastomoses com o
coração batendo, através de minitoracotomias. O tempo de
anastomose foi cerca de 80 minutos e a média de fluxo pe-
RIA las mesmas foi de 38 mL/minuto. Em nenhum deles foram
necessários pontos adicionais à sutura e a angiografia pós-
operatória realizada em todos os pacientes revelou patên-
cia em 100% deles. Boyd e col.4 também realizaram em seis
Fig. 6.10 — Reestudo hemodinâmico de artéria torácica interna es- pacientes a revascularização do miocárdio com o tórax fe-
querda (ATIE) dissecada por via robótica e anastomosada ao ramo in- chado e o coração batendo, com o auxílio do ZEUS. Nes-
terventricular anterior (RIA) da coronária esquerda. Observa-se a sa série clínica o tempo médio de anastomose variou de 40
dissecção da ATIE desde seu primeiro ramo.
a 74 minutos (M = 55,8 minutos). Todos os enxertos apresen-
taram fluxo aceitável através das anastomoses (M = 28 mL/mi-
anastomoses coronárias com o coração parado e assistên- nuto) e nenhum paciente necessitou reversão da técnica
cia robótica nas mesmas. Seguiram-se seis procedimentos robótica. O tempo operatório médio foi de 6 horas (M = 4,5
nos quais as anastomoses foram realizadas roboticamente a 7,5 horas) e cinco dos seis enxertos reestudados encon-
com o coração batendo, porém através de esternotomia travam-se patentes. Um deles apresentava estreitamento de
mediana. Em um desses pacientes foi necessária a conver- 50% na anastomose. O tempo médio de internação hospi-
são para anastomose manual. Os últimos oito pacientes talar foi de quatro dias e todos os pacientes evoluíram li-
dessa série foram revascularizados sem circulação extra- vres de angina.

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Sistema Da Vinci visões digitais de ecocardiogramas, angiogramas, cortes to-
mográficos e de ressonância magnética. Provavelmente, essa
Introduzido em 1998, esse sistema foi utilizado nos anos integração visual estará presente em tempo real e será super-
subseqüentes em mais de 1.250 procedimentos robóticos, ponível em meio ao campo operatório. Sua fusão com certe-
incluindo dissecção da artéria torácica interna e atuações za fornecerá ao cirurgião imagens que transmitirão com
sobre a valva mitral. A primeira revascularização miocárdica precisão detalhes da anatomia cardíaca sem a visão direta.
utilizando o sistema Da Vinci foi realizada em junho de 1998 O grande avanço que se busca consiste na sincroniza-
por Loulmet e col.29. ção, a cada batimento do coração, da movimentação da câ-
Mohr e col.34 desenvolveram extenso estudo com esse mera e do instrumental. A possibilidade de se sublimar o
sistema já a partir de dezembro de 1998. À semelhança dos movimento cardíaco com certeza proporcionará aumento na
autores já relatados, a experiência desse grupo iniciou com precisão cirúrgica, abrindo uma nova era para a atuação mi-
a dissecção isolada da artéria torácica interna esquerda (81 nimamente invasiva sobre o coração.
pacientes). Foram relatados poucos problemas técnicos na
dissecção da artéria torácica interna. O tempo médio de
dissecção dessa artéria caiu, nos últimos 20 pacientes, de REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
48,3 minutos para 35,4 minutos. O grau de perviabilidade 1. Asimov I, Frenkel K. Robotics: machines in man’s image. Nova
desses enxertos foi de 96,3%. A técnica foi expandida para York: Harmony Books, 1985.
sua anastomose com a artéria coronária através de ester- 2. Ballantyne GH. The pitfalls of laparoscopic surgery: Chalenges
notomia convencional em 15 pacientes. O tempo médio for robotics and telerobotic surgery. Surg Laparosc Endosc
dessas anastomoses robóticas foi de 16 minutos e ao rees- Percutan Tech 2002; 12(1): 1-5.
3. Boyd WD, Kiaii B, Novick RJ, Rayman R, Ganapathy S,
tudo angiográfico, todas estavam pérvias. A seguir passa- Dobkowski WB et al. RAVECAB: improving outcome in off-
ram para a revascularização totalmente endoscópica com o pump minimal access surgery with robotic assistance and video
coração parado em 27 pacientes. Destes, quatro precisaram enhancement. Can J Surg 2001; 44(1): 45-50.
de conversão para procedimento aberto durante a operação 4. Boyd WD, Rayman R, Desai ND, Menkis AH, Dobkowski W,
e um no pós-operatório. Não houve mortalidade nesta sé- Ganapathy S et al. Closed-chest coronary artery bypass grafting
on the beating heart with the use of a computer-enhanced surgical
rie e após três meses 95,4% dos enxertos estavam pérvios
robotic system. J Thorac Cardiovasc Surg 2000; 120(4): 807-9.
pela angiografia. O tempo operatório variou de 3,5 a 8 horas. 5. Cadiere GB, Himpens J. Feasibility of robotic laparoscopic surgery:
Este estudo culminou com a proposta para a realização do 146 cases. World J Surg 2001; 25: 1467-1477.
procedimento totalmente robótico com o coração batendo 6. Cheah WK, Lee B, Lenzi JE. Telesurgical laparoscopic
em oito pacientes. Destes, o procedimento só foi possível cholecystectomy between two countries. Surg Endosc 2000; 14:
1085.
em quatro. Dois deles necessitaram revisão da anastomo-
7. Computer Motion Report. Santa Barbara, CA.Disponível em:
se, um por oclusão e o outro por baixo fluxo observado na http://www.computermotion.com/products.html; e Intuitive
angiografia. Um paciente apresentou infarto na parede an- Surgical Systems, Mountain View, CA. Disponível em: http://
terior e faleceu no sexto dia de pós-operatório. Os demais www.intuitivesurgical.com/products.index.html junho 2000.
tiveram boa evolução, recebendo alta hospitalar entre o 8. Cremer J, Mugge A, Wittwer T, Boening A, Kim P, Kofidis T.
Early angiographic results after revascularization by minimally
sexto e o oitavo dia de pós-operatório.
invasive direct coronary artery bypass. Eur J Cardiothorac Surg
Outros grupos se destacaram pela experiência com o 1999; 15: 383-8.
sistema robótico Da Vinci, também com número significa- 9. Dallan LAO, Oliveira SA, Lisboa LAF, Platania F, Jatene FB,
tivo de casos. Dentre eles destacamos o o grupo do dr. Iglézias JCR et al . Revascularização completa do miocárdio com
Wimmer-Greinecker17, atuando em Frankfurt e o grupo do uso exclusivo de enxertos arteriais. Rev Bras Cir Cardiovasc
1998; 13(3): 187-93.
dr. Schueler24, atuando em Dresden. 10. Dallan LAO, Lisboa LAF, Abreu Filho CAC, Platania F, Dallan
Em resumo, podemos considerar que a experiência des- LAP, Iglézias JCR et al. Assistência robótica para dissecção mini-
ses diversos centros tem demonstrado a possibilidade do mamente invasiva da artéria torácica interna na revascularização
emprego do sistema robótico na assistência para a realização do miocárdio. Rev Bras Cir Cardiovasc 2003; 18(1): 110.
da revascularização do miocárdio através de procedimentos 11. Dallan LA, Lisboa LAF, Abreu Filho CAC et al. Robótica em
Cirurgia Cardíaca. Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo 2003; 6:
endoscópicos. Entretanto, maiores avanços na tecnologia e 744-57.
a crescente experiência cirúrgica deverão contribuir decisi- 12. Damiano RJ Jr, Reichenspurner H, Ducko CT. Robotic assisted
vamente para a expansão desse sucesso. endoscopic coronary artery bypass grafting: current state of art.
Adv Card Surg 2000; 12: 37-57.
13. Damiano RJ Jr, Ehrman WJ, Ducko CT, Tabaie HA, Stephenson
PERSPECTIVAS FUTURAS ER Jr, Kingsley CP et al. Initial United States clinical trial of
robotically assisted endoscopic coronary artery bypass grafting.
A experiência inicial com telemanipulações e sistemas ro- J Thorac Cardiovasc Surg 2000; 119(1): 77-82.
bóticos têm demonstrado sua factibilidade e utilidade no auxí- 14. Davies B. A review of robotics in surgery. Proc Inst Mech Eng
lio da realização de cirurgias cardíacas. Entretanto eles requerem 2000; 214: 129-140.
15. Detter C, Boehm DH, Reichenspurner H, Deuse T, Arnold M,
grande tecnologia e uma extensa curva de aprendizado.
Reichart B. Robotically-assisted coronary artery surgery with and
No futuro, a cirurgia cardíaca deverá estar intimamente without cardiopulmonary bypass — from first clinical use to
imbricada com a manipulação intra-operatória de imagens e endoscopic operation. Med Sci Monit 2002; 8(7): MT 118-23.

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therapy on cardiac surgery. Ed. BC Decker; 2003. Vol. 2. Abril. the aid of robotic assisted instruments. J Thorac Cardiovasc Surg
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7 Revascularização Transmiocárdica Laser

Luís Alberto Oliveira Dallan


Luiz Augusto Ferreira Lisboa
Sérgio Almeida de Oliveira

RESUMO coração dos répteis recebe sangue oxigenado através de


múltiplos canais, originados na cavidade miocárdica21.
A utilização do laser como método de revascularização Foi com base nesses achados que Sen e col.51,52 suge-
miocárdica, iniciado há pouco tempo, teve um desenvolvi- riram a operação denominada snake heart. O procedimento
mento rápido, antes mesmo que as bases científicas desta consistia na realização de acupuntura transmiocárdica em
tecnologia fossem adequadamente conhecidas. Isso ocorreu, áreas isquêmicas de coração de animais, tendo registrado
provavelmente, como conseqüência dos bons resultados melhora na sobrevida e diminuição na área de infarto.
observados em vários estudos envolvendo grupos selecio-
Esse estudo adquire maior importância ao se considerar
nados de doentes portadores de doença aterosclerótica di-
que no início de sua fase embriológica, o coração humano é
fusa e severa nas artérias coronárias que não eram passíveis
suprido diretamente por sangue proveniente do ventrículo
de tratamento cirúrgico clássico ou de angioplastia/stent, e
esquerdo, através de extensa rede capilar33.
que apresentavam angina limitante mesmo com o tratamen-
to clínico otimizado. Esses pacientes foram submetidos à Com o desenvolvimento das artérias coronárias, esses
revascularização transmiocárdica a laser e, não só sobrevi- capilares usualmente regridem21. Entretanto, estudos histo-
veram, mas evoluíram, com alívio da angina e melhora da lógicos realizados em necropsias de recém-nascidos porta-
qualidade de vida. dores de determinadas anomalias congênitas, como a
hipoplasia do ventrículo esquerdo, confirmaram a presença
desse padrão embrionário44. Nesses casos foram observadas
MÉTODOS INDIRETOS DE REVASCULARIZAÇÃO evidências de fluxo sistólico através dessa circulação em-
DO MIOCÁRDIO brionária persistente. Apesar desses achados, nunca se
Antes do advento da cirurgia de revascularização direta comprovou a existência desse tipo de nutrição miocárdica
do miocárdio ou da angioplastia coronária, as atenções se em mamíferos normais57.
voltavam para os métodos de revascularização transmiocárdi- O melhor conhecimento da angioarquitetura da circula-
ca. Esses procedimentos inspiravam-se basicamente na des- ção coronária, especialmente dos plexos sinusoidais, pos-
crição dos sinusóides intramiocárdicos, realizada por Wearn sibilitou o desenvolvimento de vários procedimentos
e col.59. Métodos alternativos de revascularização do miocár- cirúrgicos visando a revascularização do miocárdio.
dio, como o emprego de tubos em “T”36 e agulhas47, foram uti- Podemos considerar que a operação proposta por
lizados para a criação de canais transmurais no miocárdio, com Vineberg58, através do implante de uma ou ambas as artérias
mínimo sucesso. Conceitualmente, esses métodos baseavam-se torácicas internas em meio à musculatura miocárdica foi, sem
no conhecimento dos sinusóides miocárdicos e no sistema de dúvida, a que teve mais êxito nessa fase. Esta operação nos
Thebesius40 e visavam obter perfusão miocárdica diretamen- mostrou que havia alguma diferença na circulação miocárdica
te da cavidade ventricular esquerda. em relação à de outros órgãos, que permitia a neoformação
Entre as diversas observações que permitiram concluir vascular. Os enxertos implantados estabeleciam conexões
que o miocárdio pode ser nutrido diretamente por sangue nítidas com as coronárias, através de vasos neoformados. A
proveniente do ventrículo esquerdo, merece destaque a re- demonstração experimental do desenvolvimento de cone-
visão na anatomia comparativa, na qual se observou que o xões entre a artéria implantada e ramos das artérias coroná-

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rias permitiu, a partir de 1950, que essas operações fossem TIPOS DE RAIOS Laser
realizadas na espécie humana. Porém, com a evolução das
técnicas de atuação diretamente nas artérias coronárias, es- Existem mais de dois mil tipos de laser, que podem ser
ses métodos alternativos de RM tornaram-se obsoletos. agrupados em:
Entretanto, o incontestável sucesso obtido por Vineberg • sólidos: rubi, safira e outros;
serviu não só como procedimento terapêutico por muitos anos, • líquidos: mercúrio, amônia, corantes químicos e outros;
mas especialmente lançou na prática os fundamentos da possi- • gasosos: hélio-neônio, kriptônio, neodymium, yitrium-
bilidade da obtenção de circulação colateral coronária, a partir aluminum-garnet (YAG), argônio, CO2 e outros.
de um método indireto de RM. Esse conceito norteou o em- A diferença entre eles é dada pelo comprimento de onda.
prego dos raios laser no miocárdio viável, porém isquêmico. Quanto menor o comprimento de onda, maior sua ação.
Mesmo na década de 1980, um grupo de investigado- Os lasers podem ser contínuos ou pulsáteis. O laser
res37,39 continuou a avaliar essas técnicas alternativas em contínuo produz uma fonte ininterrupta de energia, ao con-
conjunto com a revascularização do miocárdio, visando trário dos pulsáteis, nos quais essa energia incide por bre-
torná-la completa. ves momentos. Sua potência é expressa em watts (W),
A crítica aos canais obtidos por Sen e col.52 através de variando de deciwatts (10-1) a megawatts (106). A energia é
acupuntura com agulhas era de que a extensa escarificação medida em joules (J), sendo igual à potência multiplicada
observada no tecido cardíaco poderia comprometer a eficá- pelo tempo de aplicação.
cia do procedimento34. O uso de raios laser foi então consi-
derado como método alternativo, pois poderia atenuar esse
processo fibrótico. INTERAÇÃO Laser E TECIDO BIOLÓGICO
A utilização do laser como método de RM, iniciado há A destruição celular ou de substância orgânica pelo la-
pouco tempo, teve um desenvolvimento rápido, antes mes- ser se faz por queima (deixando resíduo carbonizado), foto-
mo que as bases científicas dessa tecnologia fossem ade- coagulação (necrose de coagulação), liquefação (deixando
quadamente conhecidas17,46. Isso ocorreu, provavelmente, resíduo líquido) ou vaporização.
como conseqüência dos bons resultados observados em
Além do ponto atingido pela radiação, a energia do
vários estudos envolvendo grupos selecionados de doen-
laser é absorvida apenas por uma fina camada de tecido
tes que, após serem submetidos a vários procedimentos ci-
adjacente. A espessura dessa camada depende do tipo de
rúrgicos ou de angioplastia, foram operados através da
laser, da potência usada e do tempo de aplicação. Assim,
RTML e, não só sobreviveram, mas evoluíram com alívio
quando se utilizam grandes potências (>400 W), ou quando
da angina que os impedia de realizar com conforto e dignidade
as funções básicas de sua vida. o laser é aplicado em frações de segundo, essa camada pra-
ticamente inexiste.
O tempo necessário para que o tecido esfrie e seja dis-
O QUE É LASER ? sipada a energia do laser é medido em microssegundos. Para
A expressão LASER consiste na abreviatura dos ter- a interação do laser de CO2 com a pele, por exemplo, esse
mos: Light Amplification by the Stimulated Emission of tempo é de 695 microssegundos.
Radiation. Trata-se de radiação eletromagnética obtida pela
estimulação de átomos de determinadas substâncias (cristal, USO DE RAIOS Laser NO MÚSCULO CARDÍACO
gases, líquidos etc.) e polarizada de maneira que a luz obti-
da caminhe numa direção precisa. Em 1979, Macruz e col.30 estudaram a ação dos raios la-
O laser se manifesta como luz monocromática, portan- ser sobre placas de ateroma empregando retalhos de aorta
do ondas no mesmo comprimento e nas mesmas fases on- humana obtidas em necropsia. Armelin e col.4 confecciona-
dulatórias. Em virtude dessas propriedades, carrega quase o ram um modelo de cateter para a condução do laser, com a
máximo de energia possível para uma radiação luminosa. finalidade de introduzí-lo no sistema cardiovascular e aplicá-
Ele difere dos demais tipos de luzes (solar, lâmpada elé- lo sobre seus vários elementos. Também nesse ano, Brum e
trica etc.), porque as luzes comuns são formadas por ondas col.7 realizaram estudos experimentais de arterioplastia com
divergentes (o foco central é a fonte luminosa), de vários laser de argônio.
comprimentos (luz policromática), em diferentes fases ondu- Em 1983, procedemos estudo experimental em cães, atra-
latórias, ora somando e ora subtraindo energia31. vés da realização de anastomose veno-venosa em veia sa-
O laser possui alta quantidade de energia, o que lhe fena desses animais, empregando o laser de argônio12. Essa
proporciona grande poder de destruição ao interagir com anastomose foi comparada a procedimento semelhante, re-
qualquer material. Esse poder destrutivo depende do tipo de alizado no outro membro inferior do animal, empregando-se
laser, da distância entre a fonte e o material, do meio de trans- fios monofilamentares. As veias safenas foram estudadas
missão (densidade, cor etc.), do ângulo de incidência, do angiográfica e histologicamente em períodos variáveis de 31
tempo de exposição, da constituição e da cor do material so- dias a 14 meses. Não foram observadas estenoses, trombo-
bre o qual incide. ses ou retração no local das anastomoses. A adequada en-

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dotelização dos vasos permitiu concluir que a utilização de No Brasil, a RTML foi iniciada em 1995, por Galantier e
raios laser em anastomoses venosas é um procedimento al- col. No período de abril de 1995 a junho de 1996, esses au-
ternativo às formas tradicionais de sutura. tores submeteram 17 pacientes à RTML e, em dois deles as-
As primeiras experiências em artérias coronárias huma- sociaram esta à revascularização miocárdica convencional17.
nas foram realizadas por Choy e col.8. Foram efetuadas, em média, 35 perfurações no ventrículo
esquerdo, sendo 31 (90%) eficazes; houve três óbitos ime-
Mirhoseini e Cayton37 propuseram o uso dos raios laser
diatos e cinco tardios. Três (17,6%) dos pacientes não apre-
visando à criação de canais transmiocárdicos. Esses autores
sentaram nenhuma melhora da angina e seis (35%) tiveram
utilizaram laser de CO2 de 450W, em modelo de isquemia
melhora de pelo menos um a dois grupos funcionais na clas-
miocárdica aguda, através da ligadura do ramo interventricu-
sificação da angina. Os autores concluíram que a má condi-
lar anterior da artéria coronária esquerda de cães. Verificaram ção clínica pré-operatória e a presença de lesão coronária
ausência de mortalidade nos cães tratados com raios laser suboclusiva são fatores que predispõem resultados imedia-
e taxa de mortalidade de 83% no grupo controle. Após dois tos desfavoráveis. A presença de circulação colateral pro-
anos, Mirhoseini e col.39 relataram o emprego dessa técnica porciona melhores resultados tardios.
num paciente submetido à revascularização clássica do mio- No Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da
cárdio. O ramo interventricular anterior da artéria coronária FMUSP, a RTML através do laser de CO2 foi iniciada em fe-
esquerda estava ocluído e a parede anterior do VE estava vereiro de 199846.
hipocinética. Os raios laser foram aplicados nessa parede
cardíaca, que apresentou melhora da contratilidade no pós-
operatório. ESTUDOS COMPARATIVOS COM Laser DE CO2
Em 1986, Okada e col.45 utilizaram laser de CO2 (85 W) O emprego de raios laser foi aprovado no Food and
para criar seis orifícios na parede anterior do ventrículo es- Drug Administration (FDA) americano em 22 de setembro de
querdo de um paciente de 55 anos, portador de pericardite 1990, para estudos clínicos comparativos. Desde então, se-
constritiva e angina refratária ao tratamento clínico. Os au- guiram-se diversos protocolos, rigorosamente obedecidos,
tores relataram melhora clínica significativa, decorridos nove que podemos resumir em três fases.
meses da intervenção.
A partir de 1988, foi desenvolvido no San Francisco Fase I
Heart Institute, Califórnia, um laser também de CO2, mas de
alta potência (800 W), sincronizado ao eletrocardiograma e Essa fase procurou avaliar a segurança do procedimen-
que penetrava na parede cardíaca num simples pulso. A to com a RTML no coração batendo35. Durante a Fase I, 13
possibilidade da criação do canal em cerca de 40 ms elimi- pacientes portadores de angina classe III-IV foram submetidos
nou a necessidade da parada cardíaca para a sua confec- ao tratamento isolado com o laser transmiocárdico. Após um
ção (Fig. 7.1). seguimento médio de 7,5 meses, nove (75%) deles apresenta-
ram redução de no mínimo duas classes para a dor anginosa.
Decorridos cinco anos após o complemento da Fase I,
dois pacientes haviam falecido: um deles após um mês e o
outro, após 26 meses do procedimento. Os demais relatavam
graus variáveis de melhora da condição cardíaca sem seqüe-
las relacionadas à técnica.

Fase II
O objetivo da Fase II foi avaliar a eficiência da RTML
no tratamento de pacientes em classes III e IV de angina
pectoris refratária ao tratamento medicamentoso (TM) e que
não eram passíveis de revascularização miocárdica através
Fig. 7.1 — Aparelho de emissão do laser de CO2 utilizado na revas- de cirurgia ou de angioplastia23.
cularização transmiocárdica a laser. No detalhe o monitor do apare- A Fase II foi conduzida em oito centros de cirurgia car-
lho mostrando a energia em joules (J), o comprimento de onda em
díaca e contou com 201 pacientes não-randomizados. A mor-
metros por segundo (m/s) e o eletrocardiograma para a sincronização
do disparo do laser durante a diástole ventricular.
talidade operatória foi de 9% e em 74% dos pacientes a angina
apresentou redução em pelo menos duas classes (p < 0,05).

Desde 1990, esse laser de CO2 vem sendo empregado Fase III
em corações humanos durante seus batimentos, visando a
revascularização transmiocárdica10,41. Nesse período, mais de A Fase III teve início em 1995 e objetivou comprovar, de
6 mil procedimentos utilizando raios laser foram realizados maneira randomizada, a segurança e a eficácia observadas
em mais de 80 Serviços de Cirurgia Cardíaca24. com a RTML na Fase II35.

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Foi realizado estudo prospectivo de 192 pacientes, em O mesmo não acontece com o holmium: YAG laser, que
12 Centros de Referência em Cirurgia Cardíaca. Visava com- possui baixo poder de ablação e necessita múltiplos e con-
parar os resultados obtidos com o emprego de raios laser, tínuos pulsos para criar um canal transmiocárdico. Como a
com os do tratamento medicamentoso (TM) em pacientes confecção do canal não se concretiza num único ciclo de
com angina pectoris, graus III e IV, não passíveis de trata- batimento cardíaco, múltiplos pulsos distribuirão energia in-
mento cirúrgico clássico ou angioplastia. desejável aos tecidos circunvizinhos ao canal, podendo
A mortalidade no grupo randomizado que recebeu RTML lesá-los. Além de incompletos21, esses canais não terão o tra-
foi de 3,3% (3/91) pacientes. O maior fator de mortalidade foi jeto retilíneo, nem as bordas regulares, que se observam com
a ocorrência de angina instável nas duas semanas prévias à os raios laser de maior potência11. Uma das complicações
cirurgia. A idade avançada e a baixa fração de ejeção cardía- inerentes à necessidade de múltiplos pulsos para se criar um
ca não tiveram influência na mortalidade perioperatória. A lon- canal transmiocárdico está relacionada às arritmias cardíacas.
go prazo, entretanto, a baixa fração de ejeção do ventrículo Mirhoseini e col.38 demonstraram no início de seus estudos
esquerdo teve efeito negativo na sobrevida do grupo. experimentais que a ativação do laser durante a repolariza-
O sucesso clínico foi definido pela redução de, no mí- ção das células miocárdicas (ou seja, durante a onda “T” do
nimo, duas classes no grau de angina. Ao final de 12 meses, eletrocardiograma) aumentava a incidência de distúrbios ar-
72% dos pacientes do grupo RTML, contra apenas 13% do ritmogênicos, com comprometimento do débito cardíaco.
grupo de tratamento clínico, apresentaram redução significa-
tiva nos sintomas de angina (p < 0,05). Além disso, 30% dos TÉCNICA CIRÚRGICA
pacientes do grupo da RTML não apresentaram qualquer
tipo de angina, a partir do procedimento cirúrgico. O acesso ao coração para a aplicação dos raios laser é
Ao final de 12 meses, a perfusão do ventrículo esquer- feito por uma toracotomia limitada no quarto ou quinto es-
do, determinada pela cintilografia com thalium, melhorou em paço intercostal esquerdo ou por esternotomia quando a
19% dos pacientes do grupo TRML e piorou em 17% do gru- operação é associada à revascularização clássica do miocár-
po TM (p < 0,05). dio (Fig. 7.2).
A investigação clínica da Fase III confirmou, de maneira A ecocardiografia transesofágica intra-operatória é im-
randomizada, os achados do estudo da Fase II. Demonstrou portante não só para monitorar a função ventricular, mas es-
ainda ser um método eficiente e seguro no tratamento des- pecialmente para visibilizar o efeito de microbolhas na
se grupo seleto de pacientes. cavidade ventricular esquerda decorrente da dissipação do
calor do raio laser ao entrar em contato com o sangue, dan-
do a certeza de sua penetração na cavidade. Isso é importan-
A OPÇÃO PELO TIPO DE Laser te porque a proposição inicial do laser está baseada no
pressuposto de que os canais criados pelo feixe se fecham
A escolha do tipo de laser a ser utilizado em medicina
na superfície, mas mantém uma comunicação entre a cavida-
depende da finalidade desejada. A mais importante proprie-
de e os plexos sinusoidais, levando-lhes sangue oxigenado.
dade dos raios laser é seu comprimento de onda25. Como os
tecidos contém diferentes elementos endógenos, tais como
hemoglobina, proteína e água, a energia luminosa será absor-
vida, de acordo com seu espectro, diferentemente por cada A B
um deles.
Apesar de já termos experiência prévia com o laser de
argônio na confecção de anastomoses venosas12, na RTML
optamos pelo uso do laser de CO2, por apresentar algumas
vantagens sobre os demais, em sua ação sobre os tecidos.
Em primeiro lugar, o laser de CO2, além de mais potente, é
emitido através de ondas contínuas, ao contrário, por exem-
plo, do holmium: YAG laser, cuja emissão se dá através de Fig. 7.2 — Abordagem para revascularização transmiocárdica a Laser
pulsos de ondas23. via minitoracotomia esquerda no quarto espaço intercostal. A. Deta-
lhe da mira do raio laser de CO2. B. Detalhe dos orifícios produzi-
É sabido que, sob uma fonte contínua de energia, a
dos pelo laser de CO2 no miocárdio do ventrículo esquerdo.
quantidade de energia fornecida pelo laser por unidade de
tempo será constante e seu efeito total será diretamente pro-
porcional ao tempo de exposição25. Por outro lado, sabe-se
também que a velocidade de ablação do tecido cardiovascu- EXPERIÊNCIA DO INSTITUTO DO CORAÇÃO
lar é diretamente proporcional à energia emitida pelo pulso13. CASUÍSTICA
Isso implica que um laser com alto poder de energia, como
o que empregamos neste estudo, tenha pulso energético tão Entre fevereiro de 1998 e fevereiro de 2003, 60 pacien-
elevado, que pode criar um canal transmiocárdico num sim- tes foram submetidos à RTML no Instituto do Coração, sen-
ples pulso.26 do 43 do sexo masculino e com faixa etária média de 61,5

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anos. Quarenta e um pacientes (68,3%) que foram submeti- tudo prospectivo e randomizado em 192 pacientes, revelou
dos à RTML já haviam sido submetidos a uma ou mais re- ao final de um ano redução de no mínimo duas classes no
vascularização clássica do miocárdio ou a angioplastias. A grau de angina para 72% dos pacientes do grupo da RTML,
RTML foi realizada isoladamente em 63,3% dos pacientes e contra apenas 13% no grupo de tratamento clínico (p < 0,05).
combinada, ou seja, laser e revascularização clássica do mio- Por outro lado, 30% dos pacientes do grupo clínico pioraram
cárdico, em apenas 36,7% deles. da angina e vários deles foram submetidos a RTML24. O cri-
tério para a mudança de grupo não se baseou na simples fa-
NÚMERO DE CANAIS lha da terapia clínica, mas incluiu pacientes que sofreram
infarto agudo do miocárdio e apresentaram angina pós-infar-
No início de nossa experiência, procuramos realizar o to, ou desenvolveram angina instável controlada apenas por
maior número de canais que o epicárdio permitia, poupando medicação endovenosa. Essa instabilidade contribuiu tam-
apenas as áreas próximas das veias e artérias coronárias, ou bém para a maior mortalidade perioperatória, que foi de 17%
dos enxertos antigos. A dúvida decorre de qual seria o nú- para esses pacientes que mudaram de grupo, contra 4% do
mero máximo de canais por área, a partir do qual os efeitos grupo da RTML inicial.
de lesão tecidual superariam os benefícios da RTML. Atual- Vinte e nove por cento de nossos pacientes diminuí-
mente, a maioria dos cirurgiões prefere realizar um canal a ram o uso de β-bloqueadores, bloqueadores de canais de
cada centímetro quadrado de superfície miocárdica42. Tam- cálcio e nitratos. Na Fase III do estudo multicêntrico, essa
bém compartilhamos com esse ponto de vista, tendo ultima- redução foi de 48% para o grupo da RTML, enquanto ape-
mente limitado o número de canais através da RTML. Nos 25 nas um paciente do grupo clínico reduziu sua medicação.
primeiros pacientes de nossa série, a média de perfurações Essas observações adquirem maior valor ao lembrarmos
miocárdicas efetivas foi de 29,8 por paciente. Essa cifra caiu que inúmeros pacientes de nossa casuística já apresenta-
para 15,4 canais nos últimos pacientes. vam mais de três anos de pós-operatório e, portanto, cada
vez mais se distanciava a possibilidade de um eventual
ENERGIA DOS RAIOS Laser efeito placebo relacionado à cirurgia.
Quando o pulso do raio laser atinge o coração, a sua
energia é transferida para o miocárdio. A absorção dessa QUALIDADE DE VIDA
energia pela água tecidual provocará a formação de vapor, A melhora na qualidade de vida após a RTML foi sig-
na forma de bolhas26. A passagem da água do estado líqui-
nificativa em nosso estudo (p = 0,0001). Essa avaliação foi
do para o gasoso provoca sua expansão volumétrica (o fa-
solicitada ao próprio paciente, evitando que pudesse haver
tor de expansão corresponde a 1.620 para a água à 1 ATM),
qualquer interferência na espontaneidade de sua resposta.
abrindo espaço em meio ao tecido e criando o canal25. O ex-
cesso de energia poderá levar à explosão de múltiplas bo- Foi considerada ainda a retomada aos seus afazeres do-
lhas de vapor que transmitirão ondas de calor aos tecidos mésticos, sociais e de trabalho. Esses resultados sugerem
circunjacentes, podendo lesá-los. Por outro lado, a conden- fortemente a melhora clínica proporcionada pela RTML à
sação desse vapor na parede do canal, associada às forças esses pacientes com doença arterial coronária obstrutiva e
hidrostáticas e de tensão do miocárdio, podem levar ao seu difusa e que já esgotaram a terapêutica clássica no trata-
colapso. A RTML foi iniciada com 25 a 30 joules de energia. mento da angina.
A seguir, a intensidade da energia foi aumentada ou diminuí-
da, de acordo com o sucesso da criação dos canais, obser- MORTALIDADE
vado através da ecocardiografia transesofágica.
As complicações perioperatórias foram poucas numa
ANGINA PECTORIS primeira fase do procedimento. No segundo ano, entretan-
to, houve três (7,5%) óbitos precoces, sendo dois intra-hos-
A melhora dos sintomas anginosos pela RTML é signi- pitalares e um após a alta, devido a um quadro de infecção
ficativa em nosso estudo. Ao final de 36 meses de seguimen- pulmonar e choque séptico, mas ainda dentro dos 30 dias
to, cerca de 87,9% dos pacientes passaram de classes III ou após o procedimento.
IV para angina (Canadian Cardiovascular Society Angina), Nos dois pacientes que faleceram na fase inicial não
para classes 0, I ou II (p < 0,0001). Além disso, em 66,7% des- houve comprovação de infarto, mas tudo sugere que isso
ses pacientes, a angina desapareceu completamente. tenha ocorrido; uma paciente que se apresentava em gran-
Decorridos 53 meses da RTML, 35,8% dos pacientes de instabilidade hemodinâmica pré-operatória apresentou
permaneciam assintomáticos, 35,7% encontravam-se em clas- falência ventricular após a RTML, necessitando de balão
ses I ou II, e os 28,5% apresentavam-se em classe III ou IV intra-aórtico. Entretanto, a ocorrência de isquemia importan-
para angina. te no membro inferior obrigou a retirada do balão, agravan-
Diversos relatos de literatura mostram resultados seme- do o quadro. O segundo paciente faleceu já extubado,
lhantes. A conclusão da fase III do estudo multicêntrico que poucas horas após a operação, com parada cardíaca súbi-
comparou a RTML com o tratamento clínico, através de es- ta não-recuperável.

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Esses resultados estão de acordo com a literatura, que pacientes com angina refratária reduziu as anormalidades na
refere estar o risco de morte imediata relacionado à instabilida- motilidade da parede cardíaca isquêmica e melhorou a tole-
de das manifestações clínicas. Portanto, esse risco seria maior rância induzida pelo estresse com dobutamina. O método
quando a RTML fosse realizada próxima aos eventos cardía- não demonstrou o aumento no número de segmentos mio-
cos agudos. March35 relata mortalidade imediata de 27% quan- cárdicos infartados. Ocasionalmente, alguns pacientes apre-
do os pacientes foram operados dentro de um a sete dias de sentaram diminuição na fração de ejeção do ventrículo
um episódio de angina instável, caindo para 16% quando o in- esquerdo tardiamente. Nesses casos pode ter ocorrido a
tervalo foi de oito a 14 dias e para 1% nos operados com mais progressão na doença da artéria coronária nativa ou o com-
de 15 dias. Em nossa série, embora oito pacientes tivessem o prometimento do enxerto venoso preexistente.
diagnóstico de angina instável, apenas um estava em unida- Em nossa casuística a estimativa da função do VE, obti-
de de terapia intensiva e sob o uso endovenoso de nitroglice- da pela ressonância magnética e pelo estudo ecocardiográfico,
rina e heparina. permitiram verificar que a FE pós-operatória foi discretamente
Na evolução a médio prazo, houve dois óbitos tardios no superior (p = 0,0382) à do pré-operatório. Entretanto, não
12o e 14o mês de pós-operatório. O primeiro faleceu subitamen- se observou mudança significativa na incidência de ICC
te em casa, embora apresentasse excelente evolução, inclusi- (p = 0,1824) nesse período.
ve com recente retorno ao ambulatório, ocasião em que se
apresentava pouco sintomático. O outro paciente chegou com ESTÁGIOS DE EVOLUÇÃO DOS CANAIS
quadro de infarto no hospital e faleceu ao adentrar no pronto
socorro, apesar das manobras de ressuscitação. LESÃO TÉRMICA

Podemos considerar dois estágios na evolução dos ca-


PERFUSÃO M IOCÁRDICA nais obtidos pelo processo de RTML. O primeiro caracteriza-se
As mudanças na perfusão miocárdica com a RTML cons- pela lesão térmica ao tecido subjacente ao canal. Como os
tituem um assunto de importância na avaliação do método. pacientes submetidos à RTML apresentam angina refratária
Horvath24, analisando os resultados das análises com tálio 201 e graus diversos de comprometimento miocárdico, é desejá-
na Fase III do grande estudo comparativo multicêntrico, obser- vel que os canais sejam criados com mínima necrose muscu-
vou melhora na perfusão do VE em 19% dos pacientes após lar. Nesse sentido, acreditamos que a utilização do laser de
seis e 12 meses da RTML, enquanto no grupo de tratamento CO2 foi benéfica a nossos pacientes, uma vez que a eleva-
clínico houve piora de 17% em relação ao pré-operatório. A da potência desse laser comprovadamente produz menor
maioria dos pacientes com melhora na perfusão miocárdica agressão ao tecido do que os demais24.
apresentava uma correspondente melhora na classe da angi-
na. Outra avaliação, empregando a tomografia pela emissão de CICATRIZAÇÃO
pósitrons22, constatou melhora geral na perfusão miocárdica
após RTML. Essa melhora, porém, foi mais significativa na re- A segunda fase no processo de formação do canal está
gião subendocárdica, quando comparada à subepicárdica. relacionada à sua cicatrização. Nesse período, a migração de
Entretanto, nem todos os autores obtiveram os mesmos fibroblastos é importante para a produção de colágeno e
resultados. Hillis e Lange20 consideram pouco consistentes, pode exercer significativa força de tração, capaz de provo-
ou mesmo inexistentes43, as evidências de melhora na perfu- car a remodelação do canal6.
são miocárdica após a RTML. A falha na demonstração de Existe consenso de que a coagulação térmica do mús-
alterações na perfusão do ventrículo esquerdo pode estar culo e a conseqüente exposição do colágeno intersticial du-
mais relacionada à baixa sensibilidade do exame com os ra- rante a confecção do canal criam em suas bordas uma
dioisótopos usados por esses autores do que à ausência de superfície trombogênica. A partir daí, o tempo decorrido para
um efeito real3. a sua eventual oclusão é controverso.
O estudo comparativo da perfusão miocárdica em nos-
sos pacientes pré e pós-RTML, através do Sestamibi.99mTc O DESTINO DOS CANAIS
durante estresse com dipiridamol, revelou melhora na perfu-
são do miocárdio apenas nos pacientes em que a RTML foi A suposição de que os canais transmiocárdicos criados
associada à revascularização do miocárdio. pela RTML permaneçam pérvios, fornecendo sangue oxige-
nado diretamente da cavidade ventricular esquerda, é moti-
vo de controvérsia. O mecanismo de funcionamento desses
FUNÇÃO VENTRICULAR ESQUERDA canais pressupõe:
Não existem estudos conclusivos sobre a função • que os canais estejam patentes;
ventricular esquerda a médio e longo prazos após a RTML. • que estabeleçam comunicações entre o endocárdio e
Donovan e col.14 realizaram estudo ecocardiográfico com es- o plexo sinusoidal miocárdico;
tresse pela dobutamina em pacientes submetidos à RTML. • que haja passagem de sangue oxigenado por essas co-
Demonstraram que, após seis meses, a RTML realizada em municações do ventrículo esquerdo para o sistema arteriolar.

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Em primeiro lugar, a verdadeira existência dos sinusói- ESTUDOS EXPERIMENTAIS COM RAIOS Laser
des miocárdicos nos adultos tem sido questionada. Estudos
recentes57 argumentam que o plexo sinusoidal descrito por Canais realizados com laser de CO2 em cães, porcos e
Wearn em 193359, poderia ser mero artefato de desidratação. ovelhas, examinados horas após sua confecção, já conti-
Além disso, tem sido citado que essas estruturas existiriam nham células vermelhas sangüíneas e fibrina19,38. O mesmo
apenas na circulação fetal e sofreriam atrofia no período pós- resultado foi observado em canais realizados em cães com
parto, sendo substituídas pelas artérias coronárias epicárdicas o holmium: YAG laser60. Canais obtidos através do laser em co-
e pelo sistema arteriocapilar intramiocárdico16. A despeito rações de ovelhas encontravam-se completamente obstruídos
dessa controvérsia anatômica, os resultados obtidos no por coágulos após 72 horas29. Diante dessas evidências, res-
passado com métodos indiretos de RM, especialmente com ta-nos discutir se o modelo obtido em animais é superponí-
a cirurgia de Vineberg, sugerem fortemente a existência des- vel ao coração humano.
sas comunicações através da vasculatura sinusoidal. A primeira crítica a empregar-se corações de animais em
Outra dúvida que persiste é como seria fisiologicamen- estudos de doenças humanas reside na comparação entre
te possível a transferência de sangue do VE para o miocár- corações saudáveis e doentes. Esse argumento tem relevân-
dio através de gradiente pressórico. A primeira dificuldade é cia não apenas pela variação na estrutura miocárdica de am-
como se aferir adequadamente a medida pressórica do mio- bos, mas especialmente porque a resposta à agressão é
cárdio. Quando realizada com micromanômetros, a pressão diferente. Em termos de estrutura, a quantidade de coláge-
intramiocárdica na sístole é invariavelmente maior do que a no presente no coração humano doente é superior à dos co-
pressão do VE. Entretanto, quando se utilizam para essas rações normais dos animais. Essa diferença pode ser
medidas cateteres colapsáveis e abertos para a atmosfera, significativa, pois o colágeno contém menos água e é mais
esses resultados se invertem41. Frazier e col.16 lograram me- resistente à ablação do que o músculo cardíaco. Isso é im-
dir esse gradiente com modernos transdutores de pressão e portante porque os raios laser habitualmente usados na
concluíram que pode existir um gradiente positivo no senti- RTML contam primariamente com a absorção da água para
do luminoendocárdico que propiciaria a força motora para o realizar a ablação.
eventual fluxo sangüíneo originado pela RTML. Reforçando Outra diferença estrutural é que o coração humano fre-
essas observações, recentes estudos realizados através de qüentemente apresenta uma camada gordurosa epicárdica
ecocardiograma de elevada resolução6 revelaram evidências substancial. Isso pode causar problemas para os raios laser
de que o contraste injetado no ventrículo esquerdo de pacien- infravermelhos, especialmente lasers de CO2.
tes submetidos à RTML moveu-se diretamente para a parede Apesar desses argumentos considerando as variações
miocárdica durante a fase sistólica de contração cardíaca. entre corações humanos e de animais, os exames histológi-
Estudos realizados em nossos pacientes através da res- cos sugerem que essas diferenças podem ser mínimas. A
sonância magnética também revelaram que na maioria dos aparência do tecido cardíaco após RTML com laser de CO2,
casos o contraste (gadolíneo) injetado no sistema venoso nos dois tipos de corações, é similar. As cicatrizes dos ca-
contrastava inicialmente o epicárdio do ventrículo esquerdo nais também são semelhantes, assim como a resposta angi-
e, numa fase mais tardia, caminhava no sentido do endocár- ogênica local60. Essas observações estão sujeitas a críticas,
dio. Em apenas um paciente verificamos fluxo contrário, ou pois as amostras de corações humanos foram obtidas de
seja, do endocárdio para o epicárdio. Essas observações re- pacientes que faleceram, na maioria, por causa cardíaca. Isso
forçam a hipótese da oclusão dos canais a médio prazo. poderia representar uma amostra viciada, em que predomina
Entretanto, não há dúvida de que o sangue flui pelos o insucesso com o método. As respostas virão quando se
canais imediatamente após a sua confecção, como temos obtiver um número significativo de necropsias em pacientes
constatado no intra-operatório da RTML, através do jato com RTML prévia, que se encontravam assintomáticos e fa-
sangüíneo que aflora do coração após o disparo do laser. leceram por outras causas.
Muitas vezes, temos que comprimir o epicárdio sobre o lo-
cal do canal por alguns minutos, para conter esse sangra- ESTUDOS DE NECROPSIA
mento. Contudo, o que acontece com esses canais a seguir,
não está completamente esclarecido. Na espécie humana os dados morfológicos sobre a pa-
Apesar dos estudos experimentais iniciais terem obser- tência dos canais se resumem a relatos de casos isolados, em
vado a patência dos canais obtidos pelos raios laser45, hoje pacientes falecidos em diferentes períodos após RTML e
o pensamento de alguns pesquisadores é de que os mesmos pouco têm ajudado a esclarecer definitivamente esse dilema.
se ocluem após duas ou três semanas60. Pifarré e col.47 ques- Lutter e col.28 analisando o coração de um paciente falecido
tionaram a capacidade dos canais criados por agulhas na 2 horas após RTML com laser de CO2, verificaram que todos
superfície epicárdica, sugeridos por Sen e col.51, servissem os 15 canais realizados estavam pérvios e sem fibrina ou
como condutos sangüíneos. Decorridos 30 anos, os autores trombos em seu interior.
não mudaram a opinião de que esse fluxo é fisiologicamen- Achados contraditórios foram observados por Sigel e
te impossível, mesmo se tratando de canais produzidos por col.53, através da realização de necropsias em três pacientes
raios laser48. igualmente submetidos à RTML. O primeiro paciente faleceu

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por infarto do miocárdio e os demais por sepse. Os períodos presentado por fibrose, neoformação vascular e infiltrado
entre as operações e os óbitos foram, respectivamente, 24 inflamatório linfomononuclear, observado no coração de
horas, dez dias e três semanas. O exame histológico no pa- nosso paciente falecido 14 meses após a RTML, vem refor-
ciente falecido no primeiro dia mostrou canais bem individua- çar essa hipótese (Fig. 7.3 B).
lizados, porém com sinais de lesão térmica e preenchidos por Vários trabalhos têm mostrado evidências de que a
proteínas coaguladas, sangue e células inflamatórias. No RTML pode favorecer a angiogênese no miocárdio isquêmi-
paciente falecido aos dez dias, as bordas dos canais também co33,54. Isso pressupõe a hipótese de que a lesão miocárdi-
permaneciam bem demarcadas. A zona de queimadura térmi- ca, criada pelos canais, induz uma resposta inflamatória local
ca estava reduzida e a proteína coagulada fora substituída que, por sua vez, libera citocinas e fatores de crescimento,
por fibroblastos, macrófagos, células gigantes multinuclea- além de estimular os receptores desses fatores49. As evidên-
das e pequenos vasos sangüíneos. No derradeiro paciente cias de um processo de crescimento vascular desencadea-
os canais permaneciam bem demarcados, porém repletos de do pela RTML só existem a partir da segunda ou terceira
tecido de granulação e fibrose. semanas após o procedimento, com aumento progressivo
Summers e col.55 documentaram o caso de um paciente após esse período27.
de 60 anos que faleceu em acidente automobilístico. Ele ha-
via sido revascularizado previamente por duas vezes e, ape-
A B
sar de receber medicação máxima, permanecia altamente
sintomático. Decorridos 261 dias da RTML, quando recebeu
31 perfurações miocárdicas, o paciente evoluía assintomáti-
co, como constatado em diversos retornos ambulatoriais. A
necropsia revelou extensa escarificação do epicárdio e não
foram vistos canais patentes à macroscopia, ou à histologia
miocárdica.
Por outro lado, Cooley e col.10 relataram o caso de um
paciente também falecido após três meses da RTML, em cuja x5 x 63
necropsia foram identificados nove canais endotelizados, Fig. 7.3 — Estudo histológico do coração, realizado 14 meses após
orientados perpendicularmente à superfície epicárdica, com a cirurgia de revascularização transmiocárdica a laser, mostrando:
aproximadamente 20 µm a 70 µm de diâmetro, contendo he- A. canal criado pelo laser no miocárdio do ventrículo esquerdo apre-
mácias e circundados por tecido conjuntivo fibrosado. Em- sentando-se parcialmente trombosado (aumento cinco vezes). B. Am-
bora nenhum canal tenha sido visibilizado em seu total pliação (63 vezes) do miocárdio do ventrículo esquerdo mostrando
(setas) neoformação de vasos (neoangiogêsese) na região ao redor do
comprimento, foram observadas comunicações diretas de canal criado pelo laser.
alguns canais com a cavidade ventricular e com vasos mio-
cárdicos nativos.
Essas observações são controversas e não nos permi- DENERVAÇÃO M IOCÁRDICA
tiram afirmar com precisão o real destino desses canais.
A denervação do miocárdio tem sido sugerida como um
O estudo minucioso que realizamos no coração de nos- potencial mecanismo para o alívio da angina pela RTML.
so paciente falecido após 14 meses da RTML também não Trabalho experimental em cães realizado por Sundt e
permitiu a identificação de canais abertos, em contato com Kwong56 concluiu que a RTML, usando o Holmium:YAG laser,
a cavidade ventricular esquerda. Embora a observação ma- destrói fibras nervosas cardíacas. Através da aplicação de
croscópica da peça possibilitasse identificar a presença de bradicinina em áreas tratadas pelo laser no coração dos ani-
pequenas áreas focais de espessamento na superfície epicár- mais, os autores concluíram que há interferência na função
dica, possíveis localizações dos canais, o exame histológico dos nervos aferentes cardíacos, pela perda de sua resposta
de cortes transversais do VE revelou apenas a presença de hemodinâmica. A hipótese baseia-se na possibilidade da dor
traves de tecido acinzentado, que partiam do epicárdio, ca- anginosa ser transmitida por fibras aferentes simpáticas e por
minhavam pelo endocárdio, mas não chegavam a atingir a se saber da existência de fibras pós-ganglionares simpáticas
região subendocárdica (Fig. 7.3 A). localizadas superficialmente no epicárdio (Al-Sheikh T, 1999).
Por outro lado, na hipótese da oclusão dos canais, res- Isso explicaria a isquemia miocárdica silenciosa, muito obser-
ta-nos discutir qual é a justificativa para a melhora clínica vada nos pacientes diabéticos, que comumente apresentam
observada pelos pacientes. neuropatia autonômica.
Isso criaria o conceito de que os sintomas dos pacien-
NEOANGIOGÊNESE tes teriam alívio não pela melhora da perfusão miocárdica com
a RTML, mas porque os pacientes passariam a “não sentir
Recentemente, tem sido enfatizado o achado, freqüen- a angina” pela denervação. Clinicamente, esperar-se-ia um
te em casos de necropsia ou nos trabalhos em animais de la- significante aumento no número de eventos adversos nos
boratório, da estimulação da angiogênese pela aplicação do pacientes tratados com laser, em face dos que permanece-
laser no miocárdio. A presença de tecido de granulação re- ram com terapia medicamentosa. Sem a angina, o paciente

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estaria mais exposto aos riscos da isquemia, levando ao apa-
recimento de maior número de infartos do miocárdio ou de
mortes súbitas. Isto não tem sido observado nos diversos
estudos realizados em múltiplos centros. Além disso, a quan-
tidade de miocárdio destruída pelo laser é menos de 0,01%
da massa ventricular e, portanto, insuficiente para a dener-
vação completa ou significativa do coração24. Por outro lado,
a ablação com raios laser, utilizada no tratamento das arrit-
mias cardíacas, elimina quantidades similares ou superiores
de miocárdio e não têm sido relatadas mudanças no estado
anginoso do paciente.

EFEITO PLACEBO
Uma outra possibilidade para explicar a melhora dos
sintomas é o efeito placebo5. Embora não possa ser afasta-
do, esse efeito é pouco provável, pois os benefícios da
RTML não permaneceriam por um ano ou mais e também não
seria esperada uma melhora progressiva dos sintomas46.

REVASCULARIZAÇÃO COMBINADA À RTML


Acreditamos que o maior potencial da RTML está reser-
vado ao seu emprego associado à revascularização do mio-
cárdio (Fig. 7.4). Vários estudos têm sido desenvolvidos
nesse sentido. Entre eles destaca-se um estudo multicêntri-
co, prospectivo e randomizado, que comparou a cirurgia de
revascularização direta das artérias coronárias, como proce-
dimento isolado, contra essa mesma técnica usada em asso-
Fig. 7.4 — Cirurgia combinada de revascularização miocárdica clás-
ciação com RTML (holmium:YAG laser). Nesse estudo2
sica com revascularização transmiocárdica com laser de CO2.
foram identificados para cirurgia clássica 221 pacientes que
apresentavam uma ou mais áreas de miocárdio viável, mas
não-passíveis de serem tratadas pelos enxertos sistêmico- Portanto, a espessura da parede miocárdica deve ter mais
coronários. Os pacientes foram randomizados em dois gru- que 8 mm. Há seis meses foi iniciado um estudo multicêntri-
pos, tendo o primeiro recebido os enxertos para áreas com co que compara o uso em pacientes de laser percutâneo as-
artérias passíveis de serem revascularizadas, mais a aplica- sociado à medicação usual e com pacientes que recebem
ção do laser nas áreas não viáveis. O segundo recebeu ape- tratamento medicamentoso isolado9. Os resultados parciais
nas os enxertos para as áreas adequadas, enquanto que os indicam maior redução nas classes de angina no grupo do
territórios não passíveis de revascularização convencional laser. Galli e col.53 relatam esse procedimento em 15 pacien-
foram deixados intactos. A mortalidade hospitalar foi seme- tes, nos quais realizaram em média 13 canais por território is-
lhante nos dois grupos (8,8% e 8,4%, respectivamente). En- quêmico tratado. Segundo os autores, o alívio da angina
tretanto, a mortalidade observada após a operação foi com o procedimento foi significativo e apenas dois pacien-
significativamente menor para o grupo com a revasculariza- tes não se beneficiaram com o procedimento, um deles por
ção associada à RTML (0,9%), do que a observada para a perfuração miocárdica e o outro por recorrência da angina
cirurgia isolada (7,0%), concluindo que a RTML, como mé- após dois meses. Além desse procedimento não criar canais
todo complementar à operação convencional, é segura e acar- transmurais, a discussão sobre esse método sobrepõe-se à
reta diminuição da mortalidade em pacientes que não podem que já realizamos previamente sobre o uso do holmium:YAG
ter revascularização completa pela cirurgia clássica isolada. laser, cuja característica pulsátil predispõe a maiores lesões
o miocárdio adjacente aos canais.
Laser PERCUTÂNEO
PERSPECTIVAS FUTURAS
Recentemente, alguns pacientes com angina refratária
têm sido tratados com o holmium:YAG laser através de ca- Existe grande expectativa sobre a terapêutica com raios
teterismo cardíaco, por via percutânea. Esse método cria ca- laser, para um grupo crescente de pacientes em estado avan-
nais parciais a partir do endocárdio dos pacientes24. O laser çado de doença obstrutiva coronária. A RTML, isolada ou em
é ativado na superfície endocárdica do ventrículo esquerdo e associação com a operação convencional, pode oferecer
produz um canal de aproximadamente 6 mm de profundidade. bons resultados para esse grupo seleto de pacientes.

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Acreditamos que os caminhos futuros da RTML devam 16. Frazier OH, Kadipasaoglu KA, Cooley DA. Transmyocardial laser
dirigir-se para procedimentos que promovam melhora dos revascularization: does it have a role in the treatment of ischemic
heart disease? Tex Heart Inst J 1998; 25: 24-9.
sintomas anginosos de modo minimamente invasivo e com
17. Galantier M, Moreira GB, Rub RF. Revascularização transmiocár-
redução significativa de seus efeitos indesejáveis. O aperfei- dica a laser. Rev Bras Cir Cardiovasc 1996; 11: 67-74.
çoamento do emprego dos raios laser por via percutânea, 18. Galli M, Zerboni S, Politi A et al. Percutaneous transmyocardial
envolvendo cateteres transmissores de lasers de alta potên- revascularization with holmium laser in patients with refractory
cia, que possam navegar livremente no interior do VE, ou por angina: a pilot feasibility study. G Ital Cardiol 1999; 29: 1020-6.
intervenções através de toracoscopia, estão incluídos nes- 19. Hardy RI, Bove KE, James FW, Kaplan S, Goldman L. A
histologic study of laser-induced transmyocardial channels. Lasers
sa vanguarda.
Surg Med 1987; 6: 563-73.
Outra possibilidade que se vislumbra é a associação da 20. Hillis LD & Lange RA. Transmyocardial LASER revascularization.
revascularização a raios laser com outras técnicas, tais como N Engl J Med 1999; 341: 1075-6.
a aplicação intramiocárdica de células-tronco, visando recu- 21. Horvath KA, Smith WJ, Laurence RG, Schoen FJ, Appleyard RF,
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73
8 Implante Miocárdico de Células-Tronco
na Miocardiopatia Isquêmica

Luiz Augusto Ferreira Lisboa


Luís Alberto Oliveira Dallan
Sérgio Almeida de Oliveira

RESUMO clínico agressivo, apresentavam angina limitante ou isquemia


miocárdica recorrente25,14,72. Na última década, iniciaram-se os
Apesar dos grandes avanços da cardiologia, uma par- estudos clínicos com a terapia gênica na miocardiopatia
cela significativa da população ainda sofre de angina refra- isquêmica43,60,68,71. Embora os resultados iniciais sejam promisso-
tária ou isquemia miocárdica recorrente necessitando, com res, estudos randomizados e multicêntricos vêm confirmar a
freqüência, de hospitalizações. A terapia celular representa necessidade contínua de estudos clínicos, rigorosamente
uma nova estratégia para o tratamento da miocardiopatia is- conduzidos, para que se defina o real benefício da terapia
quêmica. Estudos têm demonstrado que a medula óssea de gênica22,26,33,44.
um adulto contém precursores endoteliais com característi- A terapia celular representa uma nova estratégia para o
cas semelhantes aos hemangioblastos embriogenicos, e que tratamento da miocardiopatia isquêmica. Kocher e col.34 de-
essas células podem ser utilizadas para induzir a angiogene- monstraram que a medula óssea de um adulto contém precur-
sis e, em certas situações, se diferenciar em cardiomiócitos sores endoteliais com fenótipo e características funcionais
trazendo novas perspectivas para o tratamento da miocar- dos hemangioblastos embriogenicos, e que essas células
diopatia isquêmica. precursoras da medula óssea do adulto podem ser utilizadas
para induzir diretamente a formação de novos vasos em áreas
INTRODUÇÃO de miocárdio enfartadas (vasculogenesis) e para proliferação de
vasos preexistentes (angiogenesis) após infarto experimen-
Nos últimos anos temos observado um desenvolvi- tal. A neoangiogenesis levou à diminuição da apoptose do
mento considerável e constante dos procedimentos cirúrgi- miócito hipertrofiado na região de perinfarto com recupera-
cos e intervencionistas de revascularização miocárdica para ção do miocárdio viável, redução da deposição de colágeno
a correção da miocardiopatia isquêmica. Vários estudos têm e melhora sustentada da função miocárdica. Do mesmo
demonstrado os benefícios dessas técnicas na prevenção de modo, Orlic e col.53 demonstraram que as células-tronco he-
morte súbita, melhora a tolerância ao esforço físico e a sin- matopoiéticas podem localmente se diferenciar em cardiomió-
tomatologia clínica e na redução da recidiva de novos even- citos e provocar proliferação vascular, gerando um “novo”
tos cardíacos. Adicionalmente, a mudança no estilo de vida miocárdio e trazendo novas perspectivas para o tratamento
e novos agentes farmacológicos tem contribuído para a me- da miocardiopatia isquêmica.
lhora da qualidade de vida e alívio da angina dos pacientes
portadores doença aterosclerótica coronária17.
NEOANGIOGÊNESIS
Apesar desses grandes avanços, uma parcela significa-
tiva da população ainda sofre de angina refratária ou isque- Os métodos indiretos de revascularização miocárdica
mia miocárdica recorrente necessitando, com freqüência, de como a revascularização transmiocárdica a laser, a terapia
hospitalizações32. Vários estudos procuraram mostrar os be- gênica e a terapia celular têm por objetivo estimular a forma-
nefícios de terapias alternativas para controle da angina ção de novos vasos sangüíneos (neoangiogênesis) em
refratária em pacientes portadores de doença ateroscleróti- áreas do miocárdio isquêmico. Três mecanismos distintos
ca severa e difusa na artéria coronária, não passível de re- têm sido identificados na formação de novos vasos san-
vascularização do miocárdio e que, apesar do tratamento güíneos: vasculogenesis, angiogenesis e arteriogenesis.

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75
A vasculogenesis refere-se à formação de vasos sangüíneos armazenamento que as tornariam aptas para o uso em tera-
a partir de células progenitoras endotelial3; a angiogenesis pia celular e remodelação tecidual. Entretanto, por serem ob-
envolve o surgimento de novos capilares a partir de vasos tidas de um embrião (na fase inicial de blastócito) envolve
preexistentes59; e a arteriogenesis refere-se ao remodelamen- questões imunológicas e, principalmente, éticas que restrin-
to de um canal vascular novo ou preexistente em uma arte- ge o seu uso. As células progenitoras adultas multipotentes
ríola grande e com camada muscular bem desenvolvida, além são similares a células-tronco embriogênicas, mantendo a
de vasos colaterais62. Esses três mecanismos são desenca- capacidade de se proliferar extensivamente e o potencial de
deados na presença de isquemia miocárdica e podem ser diferenciação e clonagem de diversas linhagens. Possuem
potencializados através da revascularização transmiocárdica menos problemas imunológicos e éticos, possibilitando seu
a laser46,65, da utilização de fatores de crescimentos74 ou da uso imediato em terapia celular, entretanto são encontradas
mobilização de células-tronco34,36,69. em menor quantidade no indivíduo adulto. O protótipo exem-
A neoangiogênesis é um processo multifatorial que en- plo das células-tronco adultas são as células progenitoras
volve uma complexa interação entre células inflamatórias, ci- hematopoiéticas, que são reconhecidas como um sistema
tocininas e matriz protéica extracelular. Esse processo é organizado hierarquicamente com células-tronco de auto-
crucial na prevenção da morte dos cardiomiócitos31. Normal- renovação e multipotentes, capazes de gerar todos os tipos
mente, quando ocorre uma extensa lesão isquêmica miocár- de células do sangue e do sistema imune. Em adição às cé-
dica, a contribuição da neoangiogênesis na formação de
lulas do sangue, as células-tronco podem ser encontradas
capilares na região isquêmica é insuficiente para manter a
em outros órgãos, durante a vida (Tabela 8.1)36.
demanda do tecido e a contractilidade normal do miocárdio
isquêmico, mas com viabilidade miocárdica8. O mecanismo molecular da troca de linhagens dentro do
sistema hematopoiético tem sido muito estudado, mas o me-
Há evidências experimentais que sugerem que os ele-
mentos derivados da medula óssea têm o potencial para in- canismo que determina a transição no destino das células-
duzir a angiogenesis terapêutica nos tecidos isquêmicos30. tronco adultas permanece pouco compreendido. O clássico
Tem sido demonstrado que, após lesão vascular, células pro- conceito de diferenciação restrita das células-tronco em li-
genitoras são naturalmente mobilizadas da medula óssea nhagens específica do próprio órgão ao que a célula perten-
para a circulação, juntamente com células-tronco hemato- ce está sendo questionado. Estudos sugerem que as
poiéticas e células progenitoras hematopoiéticas. Entretan- células-tronco do adulto, incluindo as células progenitoras
to, o papel fisiológico do recrutamento das células-tronco e hematopoiéticas, mantém um grau indiferenciado de “desen-
progênitoras hematopoiéticas na formação de neovasos per- volvimento plástico” e que as permitem se diferenciar de
manece para ser determinado58. acordo com a linhagem de células, tecidos ou órgãos que
Atualmente, temos focado nossos estudos na terapêu- estão ao seu redor ou junto à elas7,20,57.
tica com células-tronco na qual, além da angiogenesis para Para provar que as células-tronco derivadas da me-
melhora da perfusão miocárdica, objetivamos estimular a dula óssea e do sangue periférico, incluindo as células
miogênesis em áreas com infarto do miocárdio para melho- progenitoras hematopoiéticas, são realmente transforma-
rar a função cardíaca. Recentes estudos sugerem que as das em células específicas de órgãos sólidos, algumas
células-tronco adultas possuem alto grau de plasticidade condições devem ser encontradas: 1. a origem da célula
que as permitem se diferenciar em outros tipos de células exógena integrada ao tecido do órgão sólido deve ser do-
(transdiferenciação), dependendo do tecido e das células ad- cumentada por marcadores celulares; 2. deve-se demons-
jacentes2,53,54. Esse processo tem sido denominado de “de- trar que a célula exógena foi integrada à parte morfológica
senvolvimento plástico”36. do novo tecido formado; 3. deve-se demonstrar que a cé-
lula exógena diferenciada adquiriu a função do órgão que
CÉLULAS-TRONCO ela foi integrada, expressando a proteína e a função espe-
cífica do órgão.
As células-tronco são definidas como células que têm
Estudos recentes sugerem que as células-tronco hema-
a capacidade de cópia e de renovação, diferenciando-se em
topoiéticas podem se transdiferenciar em diferentes fenóti-
múltiplas linhagens celulares73. Tradicionalmente, as células-
tronco têm sido divididas em dois grupos. O primeiro, con- pos como músculo esquelético13,23, hepatócito41, células
siste das células-tronco embrionárias que são células epiteliais37, neurônios9,48, células endoteliais28 e cardiomióci-
pluripotentes derivadas de embriões no estágio de blastóci- tos28,54 em resposta a lesão tecidual ou a mobilização para um
to e possuem a habilidade de gerar qualquer célula diferen- novo ambiente. Embora muitos estudos sugiram que a trans-
ciada terminal do organismo. O segundo grupo são as diferenciação é extremamente rara em condições fisiológicas,
células-tronco do adulto (somáticas) que são parte de um extensiva regeneração pós-infarto do miocárdio foi recente-
tecido específico celular do estágio pós-natal e que mantém mente reportada após injeção direta de células-tronco54, es-
a capacidade de diferenciação. timulando outros trabalhos clínicos4,67.
As células-tronco embrionárias possuem um reconhe- Indicações de que células-tronco circulantes podem
cido grau de plasticidade, multiplicação, auto-renovação e contribuir para a formação de tecidos de órgãos sólidos

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76
Tabela 8.1
Células-Tronco Adultas Humanas e suas Direções Primárias de Diferenciação36

Tipos de Célula Localização do Tecido Específico Célula ou Tecido Produzido

Célula tronco hematopoiética Medula óssea, sangue Medula óssea e células sangüíneas linfohematopoiéticas

Célula tronco mesenquimal Medula óssea, sangue Osso, cartilagem, tendão, tecido adiposo, músculo,
estroma, células neurais

Célula tronco neural Células ependimais, astrócitos (zona Neurônicos, astrócitos, oligodendrócitos
subventricular) do sistema nervoso central

Célula tronco hepática Dentro ou próximo do ducto biliar Células ovais que geram hepatócitos e células ductais
terminal (canais de Hering)

Célula tronco pancreática Ilhotas, células ovais, células ductais Células beta

Célula tronco muscular Fibra muscular Fibra esquelética muscular


esquelética ou célula satélite

Célula tronco da pele Camada basal da epiderme, zona Epiderme, folículos capilares
(queratinócitos) protuberante dos folículos capilares

Célula tronco epitelial Células mucosecretoras e traqueais Mucos e células, pneumócitos tipo I e tipo II
do pulmão basais, céluals clara bronquiolar
pneumócitos tipo II alveolar

Célula tronco do Células epiteliais localizadas ao redor Células Paneth, enterócitos, células secretoras intestinais,
epitélio intestinal da base de cada cripta células êntero-endócrinas da vili

surgiram a partir de estudos com transplantes de órgãos49,56. tes. Evidências de que células-tronco adultas somáticas
A descoberta de cromossomo Y em coração de mulheres circulantes têm sido recentemente demonstradas com o iso-
que haviam sido transplantados em homens impulsionou lamento de células progenitoras multipotentes originadas
essa teoria. Os resultados dos estudos envolvendo trans- da cultura de células da medula óssea29. As células proge-
plantes entre sexos diferentes sugerem que as células res- nitoras eram negativas para CD34, CD44, CD45, c-kit, e
ponsáveis pela geração de órgãos sólidos específicos complexo — histocompatibilidade — maior (MHC) classes
formam um grupo de células mononucleares circulantes, I e II. Essas células progenitoras mantêm as suas capaci-
como as células-tronco hematopoiéticas. Também foram dades funcionais e diferenciam-se in vivo em linhagens he-
observados em corações humanos transplantados, mióci- matopoiéticas, e em epitélio do fígado, pulmão e intestino.
tos derivados de células progenitoras extracardíacas39,49,56, Entretanto, a função dessas células terminais diferenciadas
as quais podem ter se originadas a partir da medula dentro dos órgãos sólidos específicos não foi provada;
óssea 1,6,12. Os estudos de transplante de células-tronco 3. a terceira possibilidade seria que células-tronco he-
sangüíneas periféricas15 sugerem quatro hipóteses possí- matopoiéticas circulantes que expressão uma linha de di-
veis para a diferenciação das células-tronco adulto, deri- ferenciação hematopoiética se desviariam, sobre certas
vadas da medula óssea ou do sangue periférico, em condições, da sua linha de diferenciação pré-programada
e passassem para outras linhagens (um fenômeno conhe-
células de outros tecidos que não o linfohematopoiético
cido como transdiferenciação). Estudos pré-clínicos su-
(Fig. 8.1)36:
portam essa hipótese21,37;
1. diferentes tipos de células-tronco circulantes, com 4. outra hipótese seria que a as células já diferencia-
cada tipo se diferenciando dentro da sua própria linha- das de órgãos sólidos específicos, readquirissem caracte-
gem restrita ao tecido. Esse modelo é suportado pelo fato rísticas similares às das células-tronco a fim de gerar,
de várias células progenitoras com potencial de clonagem através do sangue periférico, células diferenciadas de
circularem no sangue periférico, incluindo células-tronco outros tecidos específicos (dediferenciação e rediferenci-
hematopoiéticas, células-tronco mesenquimais27, células ação)7,16,35,52. Essas quatro hipóteses da diferenciação das
percussoras de endotélio40,42,47, células-tronco esqueléti- células-troncos ainda não foram comprovadas e o meca-
cas38 e células progenitoras de músculo liso61,64; nismo que leva à diferenciação das células-tronco para a
2. células equivalentes às células-tronco embriogêni- formação de órgãos sólidos específicos ainda não está
cas localizadas na medula óssea, sangue periférico ou em completamente compreendido. Provavelmente mais de um
ambos e que permanecem até a fase adulta dando origem mecanismo pode estar envolvido nesse processo de de-
a várias células-tronco de linhagem específicas circulan- senvolvimento da plasticidade das células-tronco.

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A B C D
Múltiplas linhagens Células-tronco Transdiferenciação Diferenciação
células tronco restritas adultas – somáticas de linhagens células maduras seguida
células tronco restritas de rediferenciação

Fig. 8.1 — Hipóteses possíveis para a diferenciação das células-tronco adulto, derivadas da medula óssea ou do sangue periférico, em células de
outros tecidos que não o linfo-hematopoiético36.

TERAPIA CELULAR potencial de “plasticidade” atribuídos às células-tronco, o papel


delas na remodelação tecidual ainda não está bem esclarecido.
Estamos apenas começando a entender o sistema san- A partir da compreensão da biologia do desenvolvi-
güíneo circulatório, não somente como um distribuidor de mento das células-tronco, novas oportunidades de repara-
células progenitoras hematopoiéticas, mas também como um ção tecidual estão sendo criadas. Resultados de modelos
sistema de suprimento de células progenitoras que possuem
animais com doença isquêmica do coração têm mostrado
o potencial de participar na formação de vários tecidos de
que as células-tronco pluripotentes possuem o potencial de
órgãos sólidos e são capazes de reparar outros tecidos além
diferenciação em células contrácteis e em vasos sangüíneo
do linfohematopoiético. Há evidências de que o sistema de
no tecido isquêmico24,54. Outros estudos têm mostrado ape-
células-tronco adultas pode ser mais flexível do que acháva-
nas um potencial angiogênico das células-tronco hematopoié-
mos, particularmente em condições de estresse tecidual. A
ticas, sem a transdiferenciação em cardiomiócito e sem a
observação de que tecidos de órgãos sólidos são coloniza-
dos por células específicas dos órgãos, originadas do san- alteração da função cardíaca5,50. Estudos clínicos recentes
gue circulante, sugere que a regeneração ou o reparo com melhora da perfusão e da contractilidade segmentar na
tecidual pode ser conseguido. Basta que aprendamos a di- miocardiopatia isquêmica aguda4 ou crônica19,55,66, em peque-
recionar as células progenitoras do sangue circulante para nas series de pacientes, estabeleceram inicialmente a seguran-
as áreas de injúria ou de tecidos doentes e modulemos a sua ça e a aplicabilidade do transplante de células-tronco da
proliferação e maturação, já que essas células têm de alcan- medula óssea no tratamento da doença isquêmica do coração.
çar o tecido lesado63. Atualmente, é aceito que células deri-
vadas da medula óssea possuem funcionalmente um papel EXPERIÊNCIA DO INSTITUTO DO CORAÇÃO DO
na indução da angiogenesis encontrada em diferentes con- HOSPITAL DAS CLÍNICAS DA FACULDADE DE MEDICINA
dições como cicatrização de feridas e isquemia de membros DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (INCOR HCFMUSP)
inferiores45,70, pós-infarto do miocárdio34,54 e endotelização de
enxertos vasculares51. A partir dos estudos experimentais e clínicos e basea-
Na doença isquêmica do coração, a falta de oxigênio e do nas hipóteses do mecanismo de ação da diferenciação
nutrientes para o miócito pode ser um fator importante que das células-tronco do adulto até então conhecidas, a partir
determina a viabilidade miocárdica ou a morte celular. Em si- de 2001 iniciamos um projeto clínico no InCor HCFMUSP
tuações de morte celular os miócitos são substituídos pala para estudar a segurança e viabilidade do implante intra-
deposição de tecido fibroso e conseqüente comprometimen- miocárdico de células-tronco autólogas no miocárdio isquê-
to da função ventricular. A terapia celular representa uma mico. A influência do implante de células-tronco e células
nova estratégica terapéutica para o tratamento de doenças progenitoras hematopoéticas (CT/CPH) autólogas na função
do coração, incluindo a doença isquêmica do coração e a cardíaca regional e na perfusão miocárdica de pacientes por-
insuficiência cardíaca. A possibilidade de implantação de tadores de doença arterial coronária difusa foram analisadas
células-tronco hematopoiéticas no miocárdio isquêmico e com até um ano de seguimento clínico.
sua posterior diferenciação em cardiomiócitos e em células Dez pacientes (idade = 59 ± 2 anos; oito homens) com
endoteliais vasculares tem sido demonstrada em diferentes doença arterial coronária difusa e ao menos uma artéria não
tipos de experimentos. Apesar da fácil manipulação e do passível de tratamento convencional (cateter/cirurgia)

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associada à isquemia/viabilidade miocárdica documentada Uma segunda etapa, já iniciada com grupo controle ran-
por eco-estresse com dobutamina, cintilografia miocárdica domizado mostrará a eficácia desse procedimento como uma
e ressonância cardíaca, foram submetidos ao implante intra- nova opção terapêutica (isolada/combinada) para os porta-
miocárdio de células da medula óssea combinado à revascu- dores de doença arterial coronária difusa.
larização do miocárdio clássica. Todos os pacientes
apresentavam angina limitante classe III ou IV, CCS10. Após CONSIDERAÇÕES FINAIS
a indução anestésica, 100 mL de aspirado medular foram ob-
tidos por punção da crista ilíaca e imediatamente centrifuga- O uso de células-tronco embrionárias para fins terapêu-
dos para separação da fração linfomonocitária rica em ticos, obtidas tanto pela transferência de núcleo (clonagem
células-tronco e células progenitoras hematopoéticas autó- terapêutica) como a partir de embriões não utilizados e que
logas. As células-tronco e células progenitoras hematopoé- são descartados em clínicas de fertilização, é defendido por
ticas autólogas foram ressuspensas em 5 mL de soro várias academias de ciências, entretanto aspectos éticos im-
fisiológico 0,9%. Durante a cirurgia, injeções intramiocárdi- pedem o seu uso.
cas (0,2 mL cada) foram aplicadas no território isquêmico não Estudos recentes têm mostrado que o sangue do cordão
revascularizado (Fig. 8.2). umbilical e da placenta são ricos em células-tronco. Porém, o
O tempo médio de cirurgia foi 5h10min (±30 min), o de potencial de diferenciação dessas células em diferentes te-
CEC 64 minutos (± 5 minutos) e o de internação 11 (± dois cidos ainda é desconhecido. Se os estudos com as células-
dias). Foram realizados 2,6 (± 0,2) enxertos/pacientes e inje- tronco do cordão umbilical mostrarem-se satisfatórios, estas
tadas 32 (± 6) × 106 cels/mL células por paciente (CD34 + 1,30 poderão ser utilizadas pois não envolvem aspectos éticos.
± 0,13%). Não houve eventos adversos maiores relaciona- O maior problema seria a compatibilidade entre as células do
dos ao procedimento durante a fase intra-hospitalar. Dois cordão doador e do receptor. Nesse caso teríamos que criar
pacientes tiveram infecção pulmonar e um paciente apresen- bancos públicos de cordão umbilical, a exemplo dos bancos
tou insuficiência cardíaca, ambas as situações tratadas cli- de sangue.
nicamente e resolvida em poucos dias. Na avaliação clínica,
As células-tronco adultas (somáticas) são as mais pes-
com seguimento médio de 212 dias (37 a 391 dias), todos os
quisadas atualmente. Além de não envolver questões éticas,
pacientes se encontram assintomáticos.
também não envolve problemas de compatibilidade, pois tra-
Embora esse seja um estudo basicamente de seguran- ta-se de autotransplante. As maiores desvantagens dessas
ça, nós também coletamos dados da função com interesse na células são o seu número reduzido, a dúvida sobre em que
contractilidade e na perfusão miocárdica. A análise do estu- tecido elas são capazes de se diferenciar e a limitação do seu
do ecocardiográfico mostrou que, após o procedimento, uso em pacientes portadores de doenças genéticas. Os es-
houve uma diminuição significativa do diâmetro e do volu-
tudos com células-tronco adultas vêm crescendo e com eles
me diastólico final do ventrículo esquerdo, e um correspon-
novas dúvidas e questões estão surgindo. A segurança e a
dente aumento da fração de ejeção do ventrículo esquerdo
aplicabilidade clínica dessa nova abordagem terapêutica,
(0,45 × 0,51; p = 0,003). A melhora global da função do ven-
chamada de terapia celular, já estão demonstradas, mas os
trículo esquerdo reflete a recuperação do miocárdio viável
seus mecanismos de ação e de diferenciação ainda não es-
isquêmico que normalmente ocorre após a revascularização
tão completamente compreendidos. A partir da nossa expe-
miocárdica. Colaborando com esses resultados, houve uma
riência clínica na miocardiopatia isquêmica, entendemos que
diminuição significativa no escore isquêmico do ventrículo
a angiogenesis possa ser o principal mecanismo pelo qual a
esquerdo avaliado pelo eco-estresse com dobutamina
(1,71 × 1,43; p = 0,006). A cintilografia miocárdica também perfusão miocárdica melhora nos segmentos onde as célu-
mostrou melhora da perfusão em nove dos dez segmentos las-tronco são injetadas. No nosso estudo objetivamos in-
injetados (p = 0,03). Adicionalmente, a ressonância magné- jetar células-tronco em áreas do miocárdio definidas como
tica mostrou uma diminuição significativa no escore isquê- hibernante, na qual a restauração da função miocárdica é
mico global do ventrículo esquerdo após o procedimento possível uma vez que a isquemia é revertida. A presença da
(0,65 × 0,21; p = 0,01). É interessante como o escore isquê- isquemia sustentada pode ter um papel importante na mul-
mico específico da área injetada e não-revascularizada tam- tiplicação celular, necessária para o efeito terapêutico de qual-
bém diminuiu significativamente (1,21 × 0,43; p = 0,002). A quer estratégia de terapia celular. Podemos especular apenas,
análise em conjunto desses resultados sugere que houve um nesse momento, que a angiogenesis possa ser o resultado
aumento na perfusão miocárdica nos segmentos onde foram não somente da transdiferenciação das células transplanta-
injetadas as células-tronco, mas não foram revascularizados. das18, mas também a ação das citocininas e fatores de cres-
Mesmo que essa melhora possa ser atribuída à ação indire- cimento 11 . Nesse contesto, devemos considerar que a
ta da revascularização de segmentos miocárdicos adjacentes, contribuição adicional para a perfusão miocárdica e sobre-
temos uma tendência de especular que as células CT/CPH vida das células nas áreas injetadas podem ser resultado da
autólogas transplantadas possam ter contribuído para essa revascularização de artérias coronárias distantes, nas qual o
resposta, com até um ano de seguimento clínico. fluxo sangüíneo foi restaurado.

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9 Enxertos Arteriais na Revascularização
Miocárdica

Luiz Augusto Ferreira Lisboa


Luís Alberto Oliveira Dallan
Luiz Boro Puig
Sérgio Almeida de Oliveira

RESUMO so, acreditava-se que o fluxo da artéria torácica interna fos-


se insuficiente para suprir a demanda do miocárdio39.
A escolha do enxerto na revascularização do miocárdio No final da década de 1970, começaram a aparecer os
é de extrema importância, pois a patência do enxerto a curto primeiros estudos mostrando a superioridade da artéria to-
e longo prazos está intimamente associada à morbidade e à rácica interna esquerda sobre a veia safena57,96. Pacientes
mortalidade. Durante muitos anos o principal enxerto utiliza- que receberam enxerto de artéria torácica interna esquerda
do para a revascularização do miocárdio foi a veia safena. tiveram menor ocorrência de eventos cardíacos como infar-
Atualmente, uma questão clínica importante é como escolher to do miocárdio e reoperação tardia, e apresentaram melhor
adequadamente o enxerto a ser utilizado na revascularização sobrevida quando comparados aos pacientes que receberam
do miocárdio. Em geral a escolha é baseada na preferência apenas enxertos de veia safena7,23,48,62,72.
pessoal e na experiência adquirida. Nesse capítulo procura- Na década de 1980, vários trabalhos correlacionaram os
remos mostrar as características dos principais enxertos ar- benefícios clínicos da revascularização miocárdica com a
teriais utilizados na revascularização miocárdica e seus artéria torácica interna esquerda à sua maior patência a lon-
resultados clínicos. go prazo. Esses estudos mostraram que os benefícios clíni-
cos estavam associados à patência da artéria torácica interna
INTRODUÇÃO esquerda de 85% a 96% em 10 anos, comparados à aproxi-
madamente 50% da taxa de patência da veia safena8,42,59,64,105.
A escolha do enxerto na revascularização do miocárdio Ainda nessa época, alguns autores mostraram que as veias
é de extrema importância, pois a patência do enxerto a curto safenas sofrem proliferação endotelial quando conectadas à
e longo prazos está intimamente associada à morbidade e à circulação arterial, e após alguns anos, podem desenvolver
mortalidade. Durante muitos anos o principal enxerto utiliza- doença obstrutiva caracterizada por trombose, hiperplasia da
do para a revascularização do miocárdio foi a veia safena. íntima e aterosclerose17,70. Esses três fatores ocorrem, princi-
Mais de três décadas se passaram após a sistematização da palmente, entre o quinto e o décimo ano de pós-operatório,
revascularização direta do miocárdio e, ao longo desses tendo como conseqüência, retorno da angina e necessida-
anos, importantes mudanças relacionadas à técnica e aos ti- de de reoperação25,38.
pos de enxertos utilizados na revascularização miocárdica Alguns estudos têm mostrado as diferenças entre o
têm ocorrido. enxerto venoso e o arterial: 1. as veias são mais susceptíveis
A artéria torácica interna foi o primeiro enxerto utiliza- a substâncias vasoativas do que as artérias43; 2. o endotélio
do na revascularização miocárdica, inicialmente com implante das artérias pode secretar maior quantidade de fator relaxan-
intramiocárdico102. e posteriormente na revascularização di- te derivado do endotélio61; 3. a parede da veia é perfundida
reta do miocárdio40,52. Entretanto, foi com o uso do enxerto pelos vaso vasorum, enquanto a parede da artéria também
de veia safena que a cirurgia de revascularização miocárdi- pode ser perfundida através do lúmen101; e 4. a estrutura da
ca se difundiu e se popularizou35,49. Dificuldades na dissec- veia é adaptada para baixas pressões, enquanto as artérias
ção e na realização da anastomose coronária associada ao estão acostumadas à alta pressão. Portanto, os enxertos de
maior tempo cirúrgico fizeram com que o enxerto de artéria veia safena têm que se adaptar à alta pressão sistêmica após
torácica interna fosse, no início, pouco utilizado. Além dis- a revascularização miocárdica, enquanto os enxertos arteriais

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não necessitam de adaptação. Essas diferenças podem con- O estudo do endotélio dos enxertos justifica, em parte,
tribuir para a maior patência a longo prazo do enxerto arterial. a superioridade da artéria torácica interna sobre a veia safe-
Baseado na superioridade dos resultados com o uso da na que vem sendo observada, clinicamente, há anos. A veia
artéria torácica interna, outros enxertos artérias passaram a de safena utilizada na revascularização do miocárdio expres-
ser estudados e utilizados na revascularização miocárdica, sa uma fraca resposta dos fatores de relaxamento derivados
como a artéria radial27, a artéria gastroepiplóica direita76,86, ou do endotélio como a acetilcolina, trombina e a adenosina. Em
a artéria epigástrica inferior79. Entretanto, embora a patência contraste, a resposta dos fatores de relaxamento derivados
a longo prazo da artéria torácica interna esteja bem estabe- do endotélio da artéria torácica interna é normal61. Essa di-
lecida, há poucos trabalhos com os outros enxertos arteriais, ferença mostra que a função endotelial da artéria torácica in-
e estes envolvem um número relativamente pequeno de pa- terna utilizada como enxerto permanece preservada.
cientes e com seguimento a curto ou, no máximo, a médio Importante observação é que a vasodilatação da arté-
prazo. Espera-se que os resultados a longo prazo com os ria torácica interna mediada pelo óxido nítrico e induzida pela
outros enxertos de artérias sejam tão bons quanto os obti- acetilcolina permanece inalterada. Usando análise imunois-
dos com a artéria torácica interna. Essa expectativa é basea- toquímica, foi possível demonstrar que a concentração de
da na hipótese de que todos os enxertos arteriais possuem óxido nítrico na artéria torácica interna é superior à encon-
características semelhantes como contractilidade, relaxamen- trada na veia safena44. Além do controle da vasorreativida-
to, função endotelial e estrutura anatômica. de pelos mediadores derivados do endotélio, os fatores
A década de 1990 foi caracterizada por um acelerado endoteliais de inibição da agregação plaquetária também
desenvolvimento de técnicas e pesquisas visando ao maior permanecem intactos na artéria torácica interna28. Essas al-
uso dos enxertos arteriais. O retorno da artéria radial foi um terações podem estar relacionadas ao mínimo trauma sofri-
dos mais expressivos estudos que proporcionou a amplia- do pela artéria, quando comparadas à agressão sofrida pela
ção do uso dos enxertos arteriais para a revascularização do veia safena durante dissecção e preparo do enxerto. A redu-
miocárdio1. Outros enxertos como a artéria gastroepiplóica ção da função endotelial na veia safena pode estar relacio-
direita e a artéria epigástrica inferior também passaram a ser nada à falência do enxerto a longo prazo e, ao contrário, a
utilizados como alternativas para a revascularização com- manutenção da função endotelial na artéria torácica interna
pleta do miocárdio com o uso exclusivo de enxertos arte- esquerda confere ao enxerto uma maior resistência à doen-
riais15,20,34,41,46,68,94,104. A anastomose em “T” ou “Y”, com a ça aterosclerótica com taxas de perviabilidade superior a 90%
artéria torácica interna esquerda, proporcionou uma revas- com 10 anos de seguimento59,61.
cularização completa do miocárdio utilizando-se apenas dois
enxertos arteriais21,71,91,97,99. Em situações de limitação do ta-
RESULTADOS
manho dos enxertos, essas anastomoses também propor-
cionaram maior “conforto” e segurança na realização da Artéria Torácica Interna Esquerda
anastomose coronária. Ainda no final da década de 1990,
após vários estudos, conseguiu-se provar que a revascu- O sucesso da revascularização do miocárdio depende
larização miocárdica com ambas as artérias torácicas inter- da perviabilidade do enxerto a longo prazo e da taxa de pro-
nas apresenta maior benefício clínico e melhor sobrevida gressão da doença aterosclerótica na artéria coronária. A ar-
quando comparada à cirurgia clássica com o uso da arté- téria torácica interna esquerda tem sido reconhecida como o
ria torácica interna esquerda associada a enxertos de veia melhor enxerto para a revascularização do miocárdio, espe-
safena18,67,82,92. cialmente quando anastomosada na artéria coronária inter-
Atualmente, uma questão clínica importante é como es- ventricular anterior60. Os seus benefícios aumentam com o
colher adequadamente o enxerto arterial a ser utilizado na tempo, sugerindo que a escolha inicial desse enxerto seja o
revascularização do miocárdio. Em geral a escolha é basea- fator de sobrevida mais importante que a progressão da
da na preferência pessoal e na experiência adquirida. Nesse doença aterosclerótica na artéria coronária24.
capítulo procuraremos mostrar as características dos princi- Em extenso estudo cineangiográfico pós-operatório rea-
pais enxertos arteriais utilizados na revascularização miocár- lizado em 456 enxertos de artéria torácica interna esquerda,
dica e seus resultados clínicos. Fitzgibbon e col.38 encontraram 95% de anastomoses pérvias
em seis meses, 91% de um a 2,5 anos e 80% com mais de cin-
ARTÉRIA TORÁCICA INTERNA co anos. Outros estudos, com cineangiografias realizadas no
período de pós-operatório imediato mostraram taxas de per-
A artéria torácica interna é elástica e possui uma cama- viabilidade da artéria torácica interna esquerda variando en-
da íntima fina e uma bem formada membrana elástica interna. tre 94% e 99%6,42,45,81. Em recente estudo multicêntrico com
A camada média é formada por fibras elásticas entrelaçadas 645 pacientes submetidos a revascularização do miocárdio,
tendo, entre elas, células musculares lisas dispersas. No se- a cineangiografia realizada no pós-operatório imediato (mé-
guimento distal da artéria, as fibras elásticas vão diminuin- dia 10 dias) mostrou 98,8% de artérias torácicas internas es-
do e a camada média torna-se predominantemente muscular. querda pérvias12.
Há poucos vaso vasorum na camada média, sendo encontra- Uma vez patente, a artéria torácica interna esquerda
dos principalmente na camada adventícia. tende a permanecer pérvia por longos anos. Barner e col.7

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mostraram que as artérias torácicas internas esquerdas mose é realizada no segmento médio da coronária, e a pro-
patentes com um ano de pós-operatório, apresentaram gressão da doença aterosclerótica no segmento distal da
patência tardia (média de 64 meses) de 97%. Em estudos ci- coronária pode prejudicar o resultado do enxerto a longo
neangiográficos tardios as taxas de perviabilidade da artéria prazo. Em situações em que a artéria torácica interna direita
torácica interna esquerda variaram entre 81% e 97% com até é utilizada in situ para a revascularização de artérias coroná-
cinco anos de seguimento8,42,45,64,72, entre 70% e 96% com rias mais distais, como a descendente posterior ou os ramos
até 10 anos8,14,42,59,64,72,105 e entre 85% e 90% acima de 10 anos marginais esquerdos, a tensão no enxerto pode influenciar
de pós-operatório14,45. Na análise da influência da artéria to- negativamente o resultado cirúrgico. Excelentes resultados
rácica interna esquerda na revascularização do miocárdio, têm sido observados com o enxerto livre da artéria torácica
Loop e col.59 demonstraram que a sobrevida em 10 anos dos interna direita, embora a maioria dos cirurgiões tenha prefe-
pacientes que receberam a artéria torácica interna esquerda rido utilizá-la in situ. Nessa circunstância, é aconselhável
foi de 86,6%, comparados com 75,9% dos pacientes que re- dissecá-la esqueletizada para obter maior comprimento e
ceberam apenas enxertos de veia safena (p < 0,0001). Em adi- possibilitar a realização da anastomose em coronárias mais
ção, pacientes que receberam apenas enxertos de veia safena distais. Outra alternativa é a utilização da artéria torácica in-
tiveram risco maior (1,27 vezes) de novos eventos cardíacos terna direita in situ, via seio transverso, para a revasculari-
quando comparados aos pacientes que tiveram revasculari- zação dos ramos marginais esquerdos, como proposta por
zação com a artéria torácica interna esquerda. O estudo ci- Puig e col.78.
neangiográfico mostrou patência média da artéria torácica Em recente estudo, Buxton e col.19 mostraram não ha-
interna esquerda de 96%, comparada com 81% da veia safena ver diferença significativa entre a patência in situ da artéria
(p < 0,0001)59. Em estudo de dez anos, Buxton e col.19 obser- torácica interna direita (89%) e a da artéria torácica interna
varam patência de 92% na artéria torácica interna esquerda esquerda (96%) com até oito anos de seguimento. Também
e 56% na veia safena (p < 0,001). Em experiência de 12 anos mostrou não haver diferença significativa entre a patência in
com 500 artérias torácicas internas esquerdas, Barner e col.8 situ da artéria torácica interna direita (89%) e o enxerto livre
observaram patência de 85% na artéria torácica interna es- com a artéria torácica interna direita (81%). Embora a patên-
querda versus 40% do enxerto de veia safena. Na análise de cia da artéria torácica interna direita seja um pouco inferior
15 anos do registro do estudo CASS (Coronary Artery à da artéria torácica interna esquerda, ainda assim, foi mui-
Surgery Study), Cameron e col.24 relataram que os pacientes to superior a patência observada com os enxertos de veia
submetidos a revascularização do miocárdio e que receberam safena (54% com 10 anos de seguimento). Atualmente a ar-
como enxerto a artéria torácica interna esquerda tiveram me- téria torácica interna direita é utilizada na revascularização da
nor razão de risco de mortalidade (0,73) quando comparados segunda artéria coronária mais importante (outra que não a
com os pacientes que receberam apenas enxertos de veia artéria coronária interventricular anterior) em termos de tama-
safena. O benefício da revascularização com a artéria toráci- nho e de área miocárdica perfundida.
ca interna esquerda aumentou com o tempo, sugerindo que
a escolha desse enxerto seja o fator isolado mais importan- Uso de Ambas as Artérias Torácicas Internas
te na sobrevida e na evolução livre de eventos cardíacos.
A principal causa de recorrência da angina e da neces-
Artéria Torácica Interna Direita sidade de reoperação tardia é a obstrução ou oclusão do
enxerto de veia safena, decorrente da hiperplasia da íntima
Com a expansão do uso da artéria torácica interna es- e da aterosclerose33,65. O número de pacientes que apresen-
querda a partir da década de 1980, a artéria torácica interna tam recorrência dos eventos isquêmicos e que necessitam
direita, que até então era muito pouco utilizada, passou a ser ser reoperados por progressão da doença aterosclerótica
mais utilizada. Lytle e col.63, em 1983, relataram bons resul- nos enxertos de veia safena e que apresentam a artéria to-
tados com o uso da artéria torácica interna direita, mostran- rácica interna esquerda pérvia anastomosada na artéria co-
do a patência desse enxerto in situ de 82% e livre de 88% ronária interventricular anterior tem sido cada vez maior. Tal
com seguimento médio de 26 meses. Em 1985, Barner e col.8 fato levantou uma questão: se uma artéria torácica interna é
observaram índices de patência da artéria torácica interna boa, talvez duas seja melhor? Apesar da aparente lógica, só
direita de 93% em um ano e de 85% com até cinco anos de recentemente demonstrou-se o maior benefício do uso de
seguimento. Esses índices, pouco inferiores aos da artéria ambas as artérias torácicas internas sobre a cirurgia clássi-
torácica interna esquerda, podem ser atribuídos ao seu uso ca, com artéria torácica interna esquerda associada a enxer-
em outras coronárias que não a interventricular anterior, com tos de veia safena18,67,82,92. A principal razão dessa demora é
menor calibre ou em condições não-ideais. No estudo de que a cirurgia clássica possui excelentes resultados duran-
Rankin e col.81, a patência da artéria torácica interna direita te a primeira década de pós-operatório e para demonstrar
anastomosada na coronária interventricular anterior foi de maior vantagem com o uso de ambas artérias torácicas inter-
100%, na anastomose com a coronária direita foi de 95% e nas foi necessário um maior número de pacientes e um maior
com a coronária circunflexa foi de 90%. tempo de seguimento.
Quando utilizada a artéria torácica interna direita in situ A revascularização miocárdica com ambas as artérias
na revascularização da coronária direita, em geral, a anasto- torácicas internas é realizada desde o início da década de

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85
19705. Entretanto, esse procedimento era visto como aumen- Enxerto Livre
to do trauma cirúrgico e das complicações pulmonares, ris-
co de hipofluxo com baixo débito cardíaco no pós-operatório, A artéria torácica interna também pode ser utilizada
diminuição da irrigação do esterno e aumento das taxas de como enxerto livre. Como se trata de um procedimento de
mediastinite. Essa maior morbidade cirúrgica fez com que o exceção, há poucos relatados na literatura. Estudos do en-
uso de ambas as artérias torácicas internas ocorresse em dotélio mostram que a função endotelial do enxerto “livre”
pequeno número de pacientes e em casos selecionados, du- é semelhante à do enxerto in situ na revascularização do
rante as décadas de 1970 e 1980. As vantagens observadas miocárdio, sugerindo que a evolução do enxerto “livre” pos-
com a artéria torácica interna esquerda anastomosada na ar- sa produzir os mesmos benefícios, a longo prazo, do enxerto
téria coronária interventricular anterior, mostrando que a ar- in situ.53. No trabalho de Loop e col.58 reestudos seqüenciais
téria torácica interna esquerda pode estar livre de hiperplasia realizados em 24 artérias torácicas internas que estavam pa-
e de doença aterosclerótica a longo prazo, estimularam o uso tentes aos nove meses, todas se mantinham pérvias aos 80
de ambas as artérias torácicas internas. No início da década de meses. Seis foram reestudadas com 93 meses, duas com
1990, vários estudos procuraram mostrar os benefícios do uso 125 meses e todas estavam pérvias e sem evidência de doen-
de duas artérias torácicas internas sobre uma na revasculari- ça aterosclerótica.
zação miocárdica. Embora, dois deles tenham conseguido No início, a patência do enxerto livre da artéria toráci-
mostrar redução de eventos isquêmicos e de reoperação com ca interna esquerda era de 70%4,56. Com o desenvolvimento
seguimento de 10 a 15 anos, nenhum mostrou melhora na so- tecnológico e da técnica operatória, esse índice aumentou
brevida36,75. Em meados da década de 1990, com maior nú- para 85% e 95%50,56,84,93,103. No estudo de Verhelst e col.103 a
mero de pacientes e maior tempo de seguimento (12 e 15 patência global do enxerto livre de artéria torácica interna foi
anos), dois trabalhos conseguiram mostrar melhora da so- de 86,4% e no enxerto in situ foi de 100%. Tatoulis e col.93
brevida com o uso de ambas as artérias torácicas inter- reportaram 1.454 enxertos livres de artéria torácica interna
nas18,67. Adicionalmente, mostraram menor recorrência de direita, sendo a maioria (49,5%) anastomosada no ramo mar-
ginal esquerdo. A mortalidade operatória foi de 0,9% e a so-
eventos isquêmicos e diminuição da necessidade de angio-
brevida em cinco e sete anos foi respectivamente de 96% e
plastia e de reoperação. No estudo de Buxton e col.18 a so-
94%. Setenta e um pacientes foram reestudados com média
brevida em 10 anos foi de 86% para o grupo com duas
de 41,5 meses e 67 (94,4%) artérias torácicas internas direi-
artérias torácicas internas e de 71% para o grupo com uma
tas estavam pérvias; apenas uma estava totalmente ocluída.
artéria torácica interna (p < 0,001); o uso de apenas uma ar-
Atualmente o enxerto livre apresenta perviabilidade entre
téria torácica também foi preditor para infarto do miocárdio
85% e 92%, sendo pouco inferior às taxas de patência do
e reoperação tardia com razão de risco de 1,3 (1,1-1,6). No tra-
enxerto in situ de 98% em 1 ano e 90% em 10 anos11.
balho de Lytle e col.67 a sobrevida em 12 anos foi de 79%
para o grupo com duas artérias torácicas internas e de
71% para o grupo com uma artéria torácica interna (p < 0,001); Enxerto Composto em “Y” com as Artérias Torácicas
a maior vantagem com o uso de ambas as artérias torácicas Internas
foi na redução da reoperação tardia (77% × 62%, p < 0,001),
Atualmente, duas técnicas são mais comumente utiliza-
com razão de risco de 4,79 (2,92-12,1). Recentemente, dois
das na revascularização miocárdica com ambas as artérias
estudos de metanálise confirmaram a melhor sobrevida na re- torácicas internas: 1. a utilização in situ de ambos os enxer-
vascularização miocárdica com ambas as artérias torácicas tos ou 2. enxerto composto com a artéria torácica interna di-
internas82,92. Na revisão de Taggart e col.92 a razão de risco reita livre, anastomosada em “Y” ou “T” na artéria torácica
foi de 0,81 e na análise de Rizzoli e col.82 foi de 0,79 (com in- interna esquerda in situ (Fig. 9.1). A superioridade de uma
tervalo de confiança de 95%), mostrando benefícios eviden- técnica sobre a outra ainda não está estabelecida. O estudo
tes na sobrevida tardia, com o uso das duas artérias torácicas angiográfico pós-operatório é de fundamental importância
internas. para avaliar novas estratégias de revascularização, não ape-
Dúvidas existiam quanto à maior morbidade cirúrgica nas para documentar o sucesso, mas também para avaliação
com o uso de ambas as artérias torácicas internas em deter- de problemas técnicos, de tal modo que o cirurgião vá ad-
minados grupos de pacientes com idade avançada, obesida- quirindo experiência e melhorando o resultado nas opera-
de, diabetes, doença pulmonar e operação de emergência. ções futuras.
Entretanto, com a experiência acumulada, o aprimoramento O enxerto composto em “Y” ou “T” da artéria torácica
técnico com a dissecção esqueletizada da artéria torácica, o interna direita anastomosada na artéria torácica interna es-
menor trauma cirúrgico e com o controle mais rigoroso das querda tem sido realizado, em casos selecionados, desde a
glicemias no período peri e intra-operatório, as artérias torá- década de 198083. Na década de 1990 Tector e col.97 difundi-
cicas internas podem ser utilizadas, mesmo em pacientes dia- ram essa técnica, mostrando que essa estratégia, mais com-
béticos. Estudos recentes comparando o uso de uma artéria plexa, é segura e oferece bons resultados iniciais e em médio
torácica interna versus duas, em pacientes diabéticos, não prazo. Entretanto, o uso da artéria torácica interna direita in
têm mostrado diferença significativa dos índices de medias- situ já está bem estudado e o enxerto composto em “Y” ain-
tinite entre os grupos55,100. da oferece certa resistência ao seu uso. Dúvidas no que se

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refere ao adequado fluxo da artéria torácica, à complexidade da artéria torácica interna direita (evitando o segmento dis-
da técnica e à patência do enxerto composto impedem a sua tal), evita a manipulação da aorta, e permite a anastomose de
expansão. mais de uma artéria coronária com a artéria torácica interna
Uma das questões principais é o receio da hipoperfu- direita, com maior folga e segurança.
são da artéria torácica interna esquerda. Há dúvidas se o
enxerto composto em “Y” fornece fluxo sangüíneo suficiente ARTÉRIA RADIAL
para todo o coração durante o aumento da demanda do mio-
cárdio. No estudo de Tector e col.97 a hipoperfusão com o A artéria radial é uma artéria muscular com a camada ín-
enxerto composto ocorreu entre 1% e 2%, que é semelhante tima fina e uma bem formada membrana elástica interna. A
ao reportado na anastomose direta da artéria torácica inter- camada média é espessa, formada principalmente por fibras
na esquerda com a artéria coronária interventricular anterior. musculares lisas e separada da camada adventícia por uma
A mortalidade inicial foi de 2,3% e a tardia (seguimento mé- lâmina elástica externa fenestrada. Por ser uma artéria mus-
dio de 4,2 anos) de causa cardíaca foi de 6,7%99. cular, tem maior predisposição ao vasoespasmo se compa-
Outro ponto importante é a complexibilidade técnica do rada à artéria torácica interna. A sua resposta aos agentes
procedimento. Problemas na anastomose em “Y” podem vasoconstritores é duas vezes maior em relação à artéria to-
comprometer o excelente resultado observado com a anas- rácica interna28. Por essa razão, o uso de agentes vasodila-
tomose direta da artéria torácica interna esquerda com a ar- tadores tem importância fundamental para prevenir o
téria coronária interventricular anterior. Em recente análise vasoespasmo e a síndrome de baixo débito cardíaco pós-
com 897 pacientes submetidos a revascularização miocárdica operatório.
com uso exclusivo de enxerto composto em “Y” com ambas Inicial hiperplasia, aterosclerose e calcificação da cama-
as artérias torácicas internas, a sobrevida livre de reinterven- da média são alterações encontradas mais freqüentemente
ções foi de 94% em cinco anos e 92% em oito anos99. Outro na artéria radial do que na artéria torácica interna. Em uma
estudo com 1.000 pacientes comparando o uso das duas ar- série de 100 pacientes submetidos a revascularização do
térias torácicas internas in situ (351 pacientes) versus enxer- miocárdio que tiveram ambas as artérias (artéria radial e ar-
to composto em “Y” (649 pacientes), mostrou resultado téria torácica interna) dissecadas, a hiperplasia inicial foi en-
inicial semelhante entre as duas técnicas, entretanto os pa- contrada em 94 artérias radiais versus 70 artérias torácicas
cientes que receberam o enxerto composto tiveram maior re- internas (P < 0,001), a aterosclerose esteve presente em cinco
cidiva da angina (6,0% × 3,1%, p = 0,046) e menor sobrevida artérias radiais versus uma artéria torácica interna (P = 0,04)
em quatro anos (86% × 92%, p = 0,07)54. e a calcificação da média foi encontrada em 13 artérias ra-
O terceiro problema está relacionado com a taxa de pa- diais e nenhuma artéria torácica interna apresentou tal com-
tência da anastomose do enxerto composto, pois apesar dos prometimento19.
bons resultados clínicos há poucos estudos angiográficos
pós-operatório. Calafiore e col.22 estudaram a evolução clí- RESULTADOS
nica e angiográfica de 1.818 pacientes, sendo 1.378 com os
enxertos in situ versus 440 com enxerto composto em “Y”. No passado a artéria radial utilizada como enxerto na
A mortalidade inicial de 2,0% e 2,5%, a probabilidade livre de revascularização do miocárdio foi abandonada por apresen-
eventos de 95,2% e 93,6% e a sobrevida em oito anos de tar 30% de oclusão precoce30,37. Acreditava-se que a oclusão
95,8% e 94,8% foram semelhantes com ambas as técnicas. A do enxerto fosse decorrente do espasmo ocorrido pela de-
patência imediata das artérias torácicas internas in situ foi de nervação do vaso. Relatos recentes com angiografias da ar-
98,8% e das artérias torácicas como enxerto composto foi de téria radial patente com 14 e 23 anos de pós-operatório
96,0%. O estudo tardio mostrou patência de 100% dos en- fizeram ressurgir o seu uso como enxerto na revasculariza-
xertos in situ e 99,2% das artérias torácicas como enxerto ção do miocárdio1,73.
composto. Todas as anastomoses em “Y” estavam pérvias. Estudos com o uso da artéria radial têm mostrado boa evo-
Kim e col.51 também relataram bons resultados clínicos com lução clínica com baixa morbimortalidade e patência inicial en-
ambas as técnicas e a avaliação angiográfica pós-operatória tre 90% e 95% e a médio prazo entre 83% e 85%1,2,21,29,31. Na
mostrou as artérias torácicas internas in situ com patência análise inicial de Acar e col.1 a mortalidade foi de 6% e a taxa
de 98,1% (258/263) e, no enxerto composto, patência de de infarto pós-operatório foi de 5%. O estudo angiográfico
99,4% (319/321), p = ns. Na experiência de Tector e col.98 a realizado em 75 pacientes revelou patência de 98% do enxerto
patência da anastomose em “T” foi de 91,2%, da artéria to- de artéria radial, sendo que em 15% havia sinais de vasoes-
rácica interna esquerda foi de 98,3% e da artéria torácica in- pasmo. O espasmo foi responsável por estenose significante
terna direita de 86,5%. em 5% dos pacientes e, em 50% desses casos, o espasmo
A análise da literatura, com a anastomose em “Y” das reverteu com o uso de vasodilatadores tópicos. Com segui-
duas artérias torácicas internas, mostra resultado clínico ini- mento de cinco anos, Acar e col.2 mostraram que pacientes
cial, sobrevida, probabilidade livre de eventos e patência submetidos a revascularização miocárdica com artéria radial
dos enxertos semelhantes às anastomoses com os enxertos tiveram sobrevida de 91,6% e probabilidade livre de angina
in situ. Entretanto, o enxerto composto com as duas artérias de 88,7%; 4% dos pacientes foram submetidos a angioplas-
torácicas internas permite trabalhar com o melhor segmento tia coronária e não houve necessidade de reoperação para

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revascularização. O estudo angiográfico da artéria radial de estudo com 649 pacientes operados com enxerto compos-
mostrou patência de 92% em um ano e de 83% em cinco to em “T” da artéria radial com a artéria torácica interna es-
anos. Não houve diferença significativa (p = 19) entre a pa- querda mostrou excelentes resultados imediatos com
tência da artéria torácica interna esquerda (91%) versus a mortalidade operatória de 0,2%, síndrome de baixo débito
patência da artéria radial (83%) em cinco anos. cardíaco em 2% e infarto perioperatório de 5%91. Com segui-
Em estudo mais recente, Tatoulis e col.95 analisaram mento médio de nove meses, 27 pacientes realizaram angio-
6.646 pacientes que tiveram a artéria radial utilizada na re- grafia por indicação clínica: a perviabilidade da artéria
vascularização miocárdica. A mortalidade operatória foi de torácica interna esquerda foi de 100% e da artéria radial foi
0,9% e o infarto perioperatório ocorreu em 0,8% dos pa- de 82%. Apenas uma anastomose em “T” estava ocluída, e,
cientes; com seguimento médio de 14 meses, o índice glo- mesmo assim, não houve prejuízo da patência da artéria to-
bal de patência da artéria radial foi de 90,2% (333 de 369 rácica interna esquerda. A artéria radial teve melhor patên-
anastomoses distais), sendo um pouco melhor (92,5%, 186/201) cia (87%) quando anastomosada no território da artéria
entre as artérias radiais anastomosadas no território da co- coronária circunflexa91.
ronária circunflexa.

AR

Fig. 9.1 — Visão intra-operatória. Anastomose em “Y” da artéria to- Fig. 9.2 — Visão intra-operatória. Anastomoses seqüenciais da arté-
rácica interna direita (ATID) na artéria torácica interna esquerda (ATIE) ria radial (AR) com duas artérias coronárias marginais esquerdas e o
para a revascularização dos ramos da artéria coronária esquerda com ramo ventricular posterior da artéria circunflexa.
ambas as artérias torácicas internas.

Cuidados na dissecção da artéria radial com mínima Esse tipo de anastomose em “Y” da artéria radial com
manipulação do vaso e retirada juntamente com as veias sa- a artéria torácica interna esquerda tem a vantagem de se evi-
télites, associada ao uso de drogas vasodilatadoras têm im- tar ou minimizar a manipulação da aorta, principalmente em
portância fundamental para prevenir o vasoespasmo e pacientes idosos. Adicionalmente a artéria radial pode ser
manter o enxerto patente. Outro fator importante para pre- utilizada na revascularização de mais de uma artéria coroná-
venir o espasmo da artéria radial é utiliza-lá na revascula- ria, possibilitando a revascularização miocárdica completa
rização de artérias coronárias com lesões críticas, no qual com dois enxertos arteriais (Fig. 9.2).
o fluxo coronário nativo seja pequeno e não ocorra compe-
tição de fluxo.
Artéria Radial Versus Artéria Torácica Interna Direita

Enxerto Composto em “Y” com Artéria Radial e Artéria Os benefícios da artéria torácica interna esquerda
Torácica Interna Esquerda anastomosada na artéria coronária interventricular anterior já
estão bem estabelecidos. Tal fato aumentou o interesse da
O enxerto composto em “Y” da artéria radial com a ar- ampliação do uso de enxertos arteriais na revascularização
téria torácica interna esquerda foi difundido por Calafiore e do miocárdio. Alguns estudos têm comparado a artéria radial
col.20 no início da década de1990. Em recente avaliação da versus a artéria torácica interna direita como segundo enxerto
técnica, num total de 240 pacientes operados, Calafiore e arterial na revascularização miocárdica. No estudo de Borger
col.85 relataram mortalidade inicial de 2,9%, com seguimento e col.13 não houve diferença significativa em relação à mor-
médio de dois anos e, 95% dos pacientes estavam assintomá- talidade e à morbidade cardíaca inicial, entretanto os pacien-
ticos. A patência inicial da artéria radial foi de 98,7% (75/76) e tes que receberam a artéria torácica interna direita tiveram
de 94,3% (33/35) com dois anos de seguimento85. Outro gran- maior incidência de mediastinite (5,3% × 0,6%, p = 0,01) e

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necessidade de maior transfusão de sangue (51% × 40%, torácica interna, porém a quantidade de substâncias va-
p = 0,01). Caputo e col.26 demonstraram que, com seguimen- sodilatadoras, como a guanosina 3’,5’-monofosfato cíclica
to de até cinco anos (média de 18 meses), a artéria radial não (cGMP), produzidas pelas células endoteliais da artéria gas-
é apenas igual ao enxerto de artéria torácica interna direi- troepiplóica foi superior à da artéria torácica interna, enfati-
ta, mas também oferece melhores resultados a curto prazo. zando que o endotélio de diferentes áreas do sistema
Os pacientes que receberam enxerto composto com a artéria vascular possui uma capacidade funcional variável74. Esse
radial tiveram significativamente menor morbidade (p = 0,05) fato pode ter influência positiva na patência do enxerto da
e melhor probabilidade livre de eventos cardíacos (97,8% artéria gastroepiplóica a longo prazo.
× 92,3%, p = 0,02). A sobrevida com o uso da artéria radial
(99,7%) teve uma tendência em ser melhor do que com a ar- RESULTADOS
téria torácica interna direita (98,4%, p = 0,07). Na análise mul-
tivariada, o enxerto composto com a artéria radial mostrou-se A artéria gastroepiplóica direita foi utilizada pela primei-
um forte fator protetor, com razão de risco de 0,25 (intervalo ra vez, com sucesso, na revascularização do miocárdio, em
de confiança de 95%, p < 0,0001)26. 198776,86. Desde então o seu uso como enxerto pediculado
Esses estudos devem ser analisados com cuidado, pois têm-se expandido, tornando-se uma alternativa para a revas-
apesar dos bons resultados do enxerto composto com arté- cularização miocárdica em associação com a artéria torácica
ria radial e da vantagem de esta poder ser dissecada ao mes- interna esquerda. Com a experiência adquirida, a sua dissec-
mo tempo em que a artéria torácica interna esquerda, trata-se ção pode ser realizada sem aumento da morbidade ou mor-
de resultados com seguimentos a curto ou, no máximo, a talidade operatória77,87.
médio prazo. Sabemos que a cirurgia clássica com artéria to- A artéria gastroepiplóica direita é um enxerto já estabe-
rácica interna esquerda associada a enxertos de veia safena lecido que apresenta relativa facilidade de dissecção, esten-
tem excelentes resultados na primeira década e seguimentos dendo-se a incisão da esternotomia por 4 cm a 5 cm. Em
a longo prazo são necessários para se comprovar o maior geral, o seu comprimento é suficiente para a revasculariza-
benefício de uma técnica sobre a outra. Por outro lado, tra- ção in situ de qualquer território das três artérias coronárias
balhos com o uso da artéria torácica interna direita com gran- principais, mas em algumas situações pode ser utilizada com
de número de pacientes operados e com seguimento enxerto livre (Fig. 9.3).
superior a 10 anos comprovaram os benefícios clínicos da re- A patência a curto e médio prazos da artéria gastroepi-
vascularização com ambas as artérias torácicas internas so- plóica direita varia entre 90% e 96%; quando utilizada como
bre a revascularização com apenas uma artéria torácica enxerto livre, sua patência varia em torno de 80%19,46,89. Em
interna18,67,82,92. O uso da artéria torácica interna direita asso- experiência de 13 anos, Suma e col.90 analisaram 936 pacien-
ciada à artéria torácica interna esquerda, não só teve melhor tes submetidos a revascularização miocárdica com artéria
probabilidade livre de eventos cardíacos, mas também teve gastroepiplóica direita. A mortalidade operatória foi de 1,8%.
melhor sobrevida, quando comparada à cirurgia clássica (ar- A patência da artéria gastroepiplóica direita no primeiro ano
téria torácica interna esquerda mais enxerto de veia safena). de pós-operatório (média de 2,2 meses) foi de 94% (644/685);
entre um e cinco anos (média de 2,3 anos) foi de 88%
ARTÉRIA GASTROEPIPLÓICA DIREITA (90/102); e entre cinco e 10 anos (média de 7,8 anos) foi de

A artéria gastroepiplóica apresenta histologia que, em


parte, se assemelha à histologia da artéria torácica interna,
levando a supor que a sua patência, a longo prazo, seja se-
melhante à da artéria torácica interna66,87. A artéria gastroe-
AR

piplóica possui uma camada média com um número maior de


fibras musculares lisas e, quando utilizada como enxerto na
AGED

revascularização do miocárdio, a íntima sofre pouca hiperpla-


sia87. Além do aspecto histológico favorável, a integridade
do endotélio e a habilidade das células endoteliais para se-
cretar quantidades suficientes de fator de relaxamento deri-
vado do endotélio e prostaciclina parece ser um importante
mecanismo celular que contribui para a patência do enxerto32.
O endotélio da artéria gastroepiplóica possui grande
capacidade de secretar fatores vasodilatadores e inibidores
da ativação plaquetária. No entanto, as diferenças de reações
dos vasos ao fator de relaxamento dependente do endoté-
lio variam de acordo com a sensibilidade e com a resposta
das fibras musculares lisas a esses fatores. A artéria gastro- Fig. 9.3 — Visão intra-operatória. Artéria gastroepiplóica direita (AGED)
epiplóica possui uma camada média mais espessa e com in situ anastomosada na coronária descendente posterior e artéria ra-
maior quantidade de fibras musculares lisas que a artéria dial (AR) anastomosada na coronária ventricular posterior.

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89
83% (43/52). Nesse mesmo estudo, a patência tardia (média epigástrica inferior estava pérvia em 100% (34/34) dos casos
de 7,8 anos) da artéria torácica interna esquerda foi de 94% e com seguimento entre um e 39 meses, a pâtencia foi de 96%
(62/66) e do enxerto de veia safena foi de 68% (30/44)90. (95 enxertos).
A falência do enxerto de artéria gastroepiplóica direita Apesar de os estudos terem poucos pacientes reestu-
é atribuída, principalmente, a problemas técnicos na anasto- dados e com seguimento a curto ou, no máximo, a médio pra-
mose ou a competição de fluxo em artéria coronária com le- zo, há uma tendência em se utilizar a artéria epigástrica
são menor que 70%3,69. Uma vez patente a anastomose e o inferior como enxerto composto a partir da artéria torácica in-
terna. Desse modo, estaríamos evitando as dificuldades téc-
enxerto, lesões tardias na artéria gastroepiplóica direita são
nicas da anastomose de um enxerto de pequeno diâmetro e
incomuns90. com parede fina, em uma aorta com parede espessada e mui-
tas vezes doente. Também teríamos a vantagem adicional de
ARTÉRIA EPIGÁSTRICA INFERIOR aproveitarmos o melhor segmento da artéria epigástrica in-
ferior, não sendo necessário uma dissecção muito longa.
A artéria epigástrica inferior foi utilizada pela primeira
vez na revascularização miocárdica por Puig em 199079. Des-
EXPERIÊNCIA DO INCOR HC-FMUSP NA
de então esse enxerto tem sido utilizado em casos selecio-
REVASCULARIZAÇÃO MIOCÁRDICA COM USO
nados e tem demonstrado ter um potencial para patência a
EXCLUSIVO DE ENXERTOS ARTERIAIS
longo prazo. Uma das suas limitações é o seu pequeno com-
primento (entre 8 cm e 10 cm), sendo melhor utilizada como Com o objetivo de se avaliar os benefícios a médio prazo
enxerto composto com a artéria torácica interna. dos enxertos arteriais em pacientes com doença ateroscleró-
A artéria epigástrica inferior é uma continuação da ar- tica coronária triarterial, 137 pacientes foram submetidos a
téria torácica interna e possui algumas características seme- revascularização miocárdica com uso exclusivo de enxertos
lhantes à porção distal da artéria torácica interna. Apresenta arteriais, no Instituto do Coração (InCor HC-FMUSP), entre
uma camada média com uma quantidade um pouco maior de Julho/95 e Julho/97. Destes, 112 (81,7%) eram do sexo mas-
células musculares lisas do que fibras elásticas. A adventí- culino e a idade variou de 36 a 78 anos (média de 56,5 anos).
cia possui poucos vasos vasorum, sendo suas camadas nu- Vinte e sete pacientes (19,7%) eram diabéticos, 40 (29,2%) ti-
tridas por difusão através do endotélio. O que a torna pouco nham antecedente de infarto do miocárdio e 10 pacientes
popular é que, em geral, apresenta placas de ateroma ou cal- (7,3%) tinham revascularização prévia do miocárdio. A insu-
cificação junto à sua origem, na artéria ilíaca externa9,19. ficiência coronária se manifestou como infarto agudo do
miocárdio em 28 pacientes (20,4%), angina instável em 38
(27,7%), angina estável em 60 (43,8%) e 11 pacientes (8,0%)
RESULTADOS
eram assintomáticos. Foram utilizados 363 enxertos arteriais,
A experiência com enxerto de artéria epigástrica inferior sendo realizadas 442 anastomoses coronárias, média de 3,2
é limitada a pequenos estudos, pois se trata de um enxerto anastomoses coronárias por paciente. Os enxertos arteriais
utilizado em casos selecionados. Em geral é a terceira ou mais utilizados foram a artéria torácica interna esquerda
quarta opção de enxerto arterial, atrás das duas artérias to- (99,3%), artéria torácica interna direita (56,2%), artéria radial
rácicas internas, da artéria radial e, às vezes, da artéria gas- (94,9%), a artéria gastroepiplóica direita (13,9%) e a artéria
troepiplóica direita. epigástrica inferior (0,7%). Em 80 pacientes (58,4%) foram
construídos enxertos arteriais compostos, com anastomo-
Em reestudo angiográfico precoce (média de 10 dias),
se em “Y” da artéria torácica interna esquerda com outro
Barner e col.10 mostraram patência da artéria epigástrica in-
enxerto arterial. Não houve mortalidade operatória. Ocorre-
ferior de 97,4% (154/187), com patência perfeita (livre de es-
ram quatro óbitos (2,9%) durante o período de internação
pasmo ou lesões) em 92% dos enxertos. Com período médio
hospitalar e apenas um paciente (0,7%) necessitou ser
de 12 meses, a patência foi de 91% (79/87). Adicionalmente
reoperado no seguimento inicial. O segmento clínico tar-
foram observados 11 enxertos com espasmo e quatro com dio dos pacientes variou de cinco a sete anos, com mé-
lesões (patência perfeita de 74%). Entre 13 e 43 meses a pa- dia de 5,7 ± 1,6 anos. Nesse período ocorreram quatro óbitos
tência observada foi de 86% (25/29). Em outro estudo, Bu- (3,0%) e seis pacientes (4,5%) apresentaram recidiva da an-
che e col.16 mostraram patência da artéria epigástrica inferior gina; cinco controlados clinicamente e um reoperado. A pro-
variando entre 88% (até 2 semanas) e 86% (13 a 43 meses). babilidade livre de eventos cardíacos (infarto do miocárdio,
Manapat e col.68 observaram patência inicial da artéria epi- angioplastia, reoperação ou óbito) foi de 87,0% (± 4,0%) e
gástrica inferior de 85,7%. Com seguimento médio de 81 me- a sobrevida foi de 94,0% (± 2,0%) com até sete anos de se-
ses, Puig e col.80 relataram patência da artéria epigástrica guimento clínico (Figs. 9.4 e 9.5). A análise dos resultados
inferior de 81%. mostrou que o uso exclusivo de enxertos arteriais na revas-
Melhores resultados foram observados por Calafiore e cularização completa do miocárdio em pacientes com doença
col.21 quando a artéria epigástrica inferior foi utilizada como aterosclerótica coronária triarterial apresenta bons resultados
enxerto composto a partir da artéria torácica interna esquer- imediatos e a médio prazo. O acompanhamento desses pa-
da. No estudo angiográfico precoce (7 a 15 dias), a artéria cientes a longo prazo nos mostrará a influência do uso ex-

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90
clusivo de enxertos arteriais no tratamento cirúrgico da in-
1
Probabilidade de Sobrevida Livre de Evento
suficiência coronária.
0,8
CONSIDERAÇÕES FINAIS
0,6
Com o início do século XXI, novas perspectivas têm
0,4
surgido para o tratamento da doença aterosclerótica do co-
ração. A ampliação do uso de enxertos arteriais na revascu-
0,2 larização miocárdica tem-se expandido por vários centros
cardiológicos e mais cirurgiões têm-se familiarizado e adqui-
0 rido experiência com essas novas técnicas. Pesquisas gené-
0 6 12 18 24 30 36 42 48 54 60 66 72 78 84 90 ticas e celulares utilizando fatores de crescimento, cultura de
Tempo (meses) músculo esquelético ou células-tronco autólogas, com o
objetivo de se induzir a neoangiogênese e a produção de
Tempo Probabilidade Erro- n em
(Meses) de Sobreviver Padrão Risco miócitos no músculo cardíaco isquêmico, têm mostrado bons
resultados iniciais e trazido novas esperanças aos pacientes
0 1,00 0,00 97
6 0,94 0,02 91 portadores de doença aterosclerótica do coração.
12 0,94 0,02 91
24 0,94 0,02 91
36 0,94 0,02 91 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
48 0,93 0,03 89
60 0,92 0,03 87
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0 6 12 18 24 30 36 42 48 54 60 66 72 78 84 90
of the inferior epigastric artery as a free graft for myocardial
Tempo (meses)
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36 0,94 0,02 91
48 0,94 0,02 90 anterior descending artery bypass graft after surgery through a
60 0,94 0,02 89 median sternotomy on conventional bypass: benchmark for
72 0,94 0,02 62 minimally invasive direct coronary artery bypass. Circulation
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94
10 Revascularização Miocárdica na Fase
Aguda do Infarto do Miocárdio

Fabio Biscegli Jatene


Alexandre Ciappina Hueb
Rosângela Monteiro

RESUMO De acordo com as Diretrizes da Sociedade Brasileira de


Cardiologia sobre AI e IAM sem ST, as indicações para re-
Entre as indicações para o emprego da cirurgia na fase vascularização miocárdica (RM) são semelhantes àquelas
aguda do infarto do miocárdio incluem-se as complicações adotadas para pacientes com angina crônica estável. O em-
mecânicas secundárias à obstrução coronária e à isquemia. prego da revascularização cirúrgica deve levar em conside-
Em geral essas condições são muito graves e requerem in- ração a anatomia coronariana (grau de obstrução, localização
tervenção cirúrgica de urgência. Entre os pacientes com infarto da lesão e importância do vaso) e a função ventricular es-
agudo do miocárdio e que se apresentam estáveis durante querda. Também influenciam na tomada de decisão expecta-
a fase aguda, havia uma tendência em realizar a operação tiva de vida, doenças associadas, gravidade dos sintomas e
apenas a partir do 30o dia pós-infarto. Entretanto, a aborda- quantidade de miocárdio viável em risco35.
gem terapêutica do infarto agudo do miocárdio tem sofrido A indicação de operação de RM precoce, realizada
modificações ao longo dos anos e, esse período de espera logo após a identificação do IAM, tem sido amplamente
discutida, com base em observações clínicas, sem que haja
tem sido encurtado. Nesse capítulo serão discutidas essas
consenso sobre os reais riscos e benefícios deste proce-
modificações e a abordagem cirúrgica da revascularização dimento8,14,15,17,23,30,31,34,39. Entre as possíveis vantagens está
miocárdica na fase aguda do infarto. a espera da cicatrização do IAM (quatro a seis semanas),
quando haveria completa recuperação do miocárdio atordoa-
INTRODUÇÃO do, sem risco de injúria miocárdica após reperfusão, que pode
inclusive gerar infarto hemorrágico17. Entretanto, devem-se
O infarto agudo do miocárdio com ou sem elevação do pesar os riscos desta espera, como, por exemplo, o de isque-
segmento ST e a angina instável (AI) são situações clínicas mia recorrente, com chance de reinfarto devido às lesões re-
descritas como síndrome coronariana aguda (SCA). Esta manescentes; expansão da área do IAM, com remodelamento
classificação é útil para propósitos terapêuticos, mas a fisio- ventricular, podendo gerar aneurismas e aumento importante
logia tem origem comum. Começa com a ruptura da placa ar- dos custos com internações prolongadas9,15,17,29,34,39.
terial coronariana, ativação da cascata de coagulação com O resultado da operação parece estar associado à pre-
deposição de plaquetas, formação de trombo e diminuição sença de fatores de risco pré-operatórios específicos14,23,36.
abrupta do fluxo sangüíneo coronário41. Fatores como o intervalo entre o IAM e a RM, sexo femini-
no e idade avançada24, presença de choque cardiogênico18
Apesar dos enormes avanços na compreensão da fisio- ou infarto Q25 parecem determinar um pior prognóstico para
patologia da SCA e no desenvolvimento de novas drogas e estes pacientes.
técnicas intervencionistas modernas, ainda existem contro-
vérsias consideráveis sobre qual o melhor e mais eficaz mé-
todo para o seu tratamento. INDICAÇÃO DA OPERAÇÃO APÓS O IAM
As terapêuticas conservadoras ou invasivas utilizadas A abordagem terapêutica do IAM, na sua fase aguda,
no tratamento da SCA são efetivas e reduzem o risco de in- tem sofrido modificações, sendo que na década de 1970 a
farto agudo do miocárdio (IAM) e morte, mas não existem recomendação era realizar a operação apenas a partir de 30
dados suficientes para sugerir qual é a melhor13. dias após o IAM16.

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95
O prognóstico dos pacientes operados na fase aguda isolados e outros apresentam a disfunção mecânica associa-
do IAM melhorou também, a partir do final da década de da a lesões em outras artérias coronárias que necessitam de
1970, graças ao emprego de técnicas de proteção miocárdi- RM no mesmo ato operatório.
ca eficientes durante o ato operatório e do balão intra-aórtico, Além disto, a angina refratária pós-IAM e o insucesso
resultando em redução da mortalidade6,11,27,32. da terapêutica por cardiologia hemodinâmica intervencionis-
Com a divulgação da experiência do grupo de Spokane, ta, principalmente angioplastia e stents, bem como dos trom-
no início dos anos 1980, observou-se um maior entusiasmo bolíticos, constituem indicações para tratamento cirúrgico
na realização da cirurgia precocemente5. Este grupo mostrou nesta fase do IAM1,14. Em alguns casos, mesmo após a ob-
que a reperfusão obtida por RM, realizada entre quatro e tenção da reperfusão da área infartada, por meios não-cirúr-
seis horas após o IAM, trouxe redução acentuada da mor- gicos, vários fatores, entre eles a presença de lesões
talidade hospitalar quando comparada a pacientes submeti- residuais importantes, angina pós-reperfusão e demonstra-
dos a tratamento clínico convencional. Em um grupo de 227 ção de isquemia, indicam a realização da RM ainda na fase
pacientes operados nas primeiras seis horas após o início da aguda do IAM.
dor torácica, a mortalidade hospitalar foi de 1,76% e de Pacientes com angina pós-IAM, isquemia mantida mes-
1,44% após um ano de evolução. mo após estabilização, ou ainda aqueles assintomáticos com
Com a ampla disseminação do uso dos trombolíticos, na grandes áreas isquêmicas também são candidatos à RM, de-
década de 1980, os resultados operatórios ficaram compro- pendendo da anatomia de suas artérias coronárias e das ca-
metidos quando os pacientes eram operados nas primeiras racterísticas de suas lesões, à angiografia1. São aqueles
horas ou dias após esta terapêutica, principalmente devido pacientes que, a despeito de boa evolução clínica pós-IAM,
às alterações da crase sangüínea22. A cirurgia passou então apresentam lesões multiarteriais ou mesmo lesões isoladas
a não ser recomendada nesta fase, devido à hemorragia de características particulares e que recomendam a indicação
acentuada, com conseqüente elevação da incidência de com- cirúrgica42.
plicações pós-operatórias e óbitos. Atualmente, a idéia pre- Em pacientes clinicamente estáveis, a mortalidade cirúr-
valecente é a de que quando houver indicação de RM, após gica é de 2% a 4%, bastante semelhante à de pacientes re-
a administração de trombolíticos, a cirurgia seja postergada, vascularizados eletivamente1,42. Entretanto, nos pacientes
por horas ou poucos dias, para permitir otimização das con- com complicações clínicas ou mecânicas a mortalidade sobe
dições clínicas do paciente, especialmente da coagulação e, para níveis de 6% a 26%25.
portanto, melhores resultados cirúrgicos.
Apesar do receio de aumento de sangramento durante ANÁLISE DE FATORES ESPECÍFICOS
o procedimento cirúrgico e no pós-operatório de pacientes
que foram submetidos a fibrinólise farmacológica, alguns Há vários trabalhos na literatura indicando que os re-
grupos têm mostrado que a RM pode ser realizada precoce- sultados da operação realizada logo após o IAM estão as-
mente nestes pacientes, com baixa morbimortalidade. Em sociados à presença de fatores de risco pré-operatórios
nossa experiência26 o uso de fibrinolítico tem-se mostrado específicos. A seguir procuraremos analisar, individualmen-
benéfico, sendo um fator protetor durante a cirurgia, já que te, alguns desses fatores15,27,36.
a recanalização na fase aguda propicia maior estabilidade clí-
nica a longo prazo37. IDADE
Os procedimentos percutâneos para abertura da artéria
coronária ocluída têm contribuído para reservar a RM para Em várias séries de pacientes submetidos a RM, na
indicações bastante específicas, quer sejam nas primeiras fase aguda do IAM, tanto em situação de urgência quanto
horas ou dias após o IAM. Estas indicações independem se em pacientes eletivos, a idade elevada constituiu fator de ris-
o paciente está em condições clínicas desfavoráveis ou co isolado4.
apresenta evolução sem complicação por IAM. Assim, como Applebaum e col.3, em trabalho que analisa os fatores
discutiremos a seguir, a indicação de RM é feita tanto para de predição de mortalidade em um grupo de 406 pacientes
pacientes com boa evolução quanto para aqueles que apre- operados em um intervalo de tempo inferior a 30 dias após
sentam complicações após o IAM. o IAM, observaram elevação dos índices de mortalidade
hospitalar nos indivíduos com idade superior a 70 anos.
INDICAÇÕES ATUAIS Em trabalho realizado com 642 pacientes, por Kaul e
col.24, em 1995, esses dados foram corroborados, apontan-
Dentre as indicações para o emprego da cirurgia na fase do mortalidade maior naqueles doentes com idade superior
aguda do IAM incluem-se as complicações mecânicas, como a 70 anos, concluindo ser o risco de óbito 10% maior neste
insuficiência valvar (por isquemia ou, principalmente, por grupo de doentes, em relação ao de pacientes com menos de
rotura do músculo papilar), defeito do septo interventricular 70 anos.
ou ruptura da parede ventricular secundários à obstrução No período de março de 1998 a julho de 2002, 753 pa-
coronária e IAM. São condições muito graves que, via de cientes foram admitidos na Unidade Coronariana do Institu-
regra, requerem intervenção de urgência. Alguns casos são to do Coração com diagnóstico de IAM; destes, 145 (19,3%)

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foram submetidos a RM cirúrgica nas fases aguda e suba- TIPO DE INFARTO Q OU NÃO-Q
guda do IAM. Neste grupo de doentes, a idade variou de 29
a 94 anos com média de 62,3 (± 11,2 anos), não apresentando Alguns grupos consideram pacientes que sofreram
associação estatisticamente significativa com mortalidade26. IAM de onda Q de pior prognóstico para RM nesta fase,
quando comparados aos que sofreram IAM não-Q4.
SEXO Um estudo realizado por Braxton e col.10 avaliou 116
pacientes operados na fase aguda do IAM, divididos em
O sexo feminino têm sido apontado por alguns autores, dois grupos, um deles constituído de doentes que apresen-
entre eles Kaul e col.24, como preditor de mortalidade hospi- tavam infarto de onda Q e o outro infarto não-Q. Concluíram
talar após RM. Em uma série de 642 pacientes operados, 483 que em pacientes sintomáticos com diagnóstico de infarto
(75,23%) eram do sexo masculino e apenas 159 (24,67%) do não-Q a cirurgia pode ser realizada precocemente, sem au-
feminino. A mortalidade hospitalar geral neste grupo foi de mento significativo da mortalidade quando comparados a
5,9%, sendo de 2,3% (11/483) entre os homens, elevando-se doentes operados eletivamente. Entretanto, nos pacientes
significativamente no sexo feminino para 17% (27/159). com infarto de onda Q, a operação deve ser realizada so-
Na experiência do nosso serviço não foi constatada mente após as 48 horas iniciais, pois na sua experiência a
correlação entre a variável “sexo” e a mortalidade imediata26. mortalidade perioperatória no período inferior a 48 horas ele-
Da mesma forma, Applebaum e col.3 e Naunheim e col.33 tam- vou-se atingindo 50%.
bém não identificaram que o sexo seja um fator determinan- Em nossa experiência não observamos diferença esta-
te de mau prognóstico para pacientes operados na fase tisticamente significante com relação à morbimortalidade
aguda do IAM. hospitalar entre os grupos infarto Q e infarto não-Q26.

ENXERTOS UTILIZADOS TEMPO ENTRE O IAM E A OPERAÇÃO


O emprego de enxertos arteriais especialmente em indi- Diversos autores têm-se preocupado com o tempo ideal
víduos mais jovens deve ser preferido, em função da melhor da realização do ato cirúrgico10,17,30,31,33,39. A possível alta
patência a longo prazo dos mesmos. Entretanto, a sua utiliza-
morbimortalidade da RM quando realizada na fase aguda é
ção requer uma boa condição clínica dos pacientes, principal-
o principal argumento daqueles que entendem que o proce-
mente porque envolvem procedimentos de maior dissecção,
dimento cirúrgico deve ser postergado. Entre aqueles que
uso de mais drenos, mais dor, enfim, maior agressão. Desta
defendem que a RM deve ser realizada o quanto antes, o
forma, existe a idéia de que pacientes na fase aguda do IAM
teriam pior condição clínica e, conseqüentemente, o uso des- principal argumento é de que a reperfusão precoce diminuirá
tes enxertos deveria ser reduzido. Além disto, o número de o dano ao miocárdio e, portanto, o paciente terá uma evolu-
pontes ou enxertos deveria ser o menor possível, e apenas nas ção mais favorável20,38. Este é um dos pontos mais controver-
artérias coronárias culpadas, reduzindo com isto o tempo sos a respeito da RM na fase aguda do IAM.
operatório e as possíveis complicações. Vários serviços, em Lee e col.28 avaliaram retrospectivamente 32.099 pacien-
função destes fatos, evitam ou minimizam o uso de enxertos ar- tes submetidos a RM após IAM transmural em 33 hospitais
teriais e empregam preferencialmente a veia safena nesta con- no estado de Nova York. Concluíram que a RM realizada no
dição, além de realizar o menor número possível de enxertos. período de três dias após o IAM pode trazer risco adicional
Entretanto, segundo vários autores e na nossa própria à mortalidade hospitalar, independente de outros fatores de
opinião, há alguns pontos a considerar. Na grande parte dos risco cirúrgicos que foram incluídos em análise multivariada.
casos, o uso destes enxertos arteriais não só é possível A mortalidade cirúrgica foi variável em diferentes intervalos
como recomendado. de tempo entre o IAM e a operação, sendo de 14,2%; 13,8%;
Neste sentido, o uso de enxertos arteriais, particular- 7,9%; 3,8%; 2,9% e 2,7% para cirurgias realizadas com me-
mente da artéria torácica interna, não tem sido associado a nos de seis horas, de seis horas a um dia, de um a três dias,
aumento da morbidade. Donatelli e col.18 avaliaram uma po- de quatro a sete dias, de sete a 14 dias e de 15 dias ou mais,
pulação de 23 pacientes, divididos em 2 grupos. Em um de- respectivamente. E, assim, eles recomendam que, se não
les foi usado exclusivamente enxertos venosos e, no outro, houver indicação para cirurgia de emergência, deve-se
além da veia safena magna, a artéria torácica interna foi anas- aguardar um período de três dias para realizar RM, pois, após
tomosada à artéria interventricular anterior. Estes autores não este período, os índices de mortalidade são similares.
verificaram nenhuma associação entre a utilização de enxer- Sintek e col.39 realizaram um trabalho muito interessan-
tos arteriais e pior prognóstico. te, no qual avaliaram 2.175 doentes submetidos a RM num
Na nossa experiência, foram empregados três enxertos/ período de 40 meses. Estes pacientes foram subdivididos em
paciente, sendo 184 enxertos arteriais (1,4 enxerto arterial/ cinco grupos: operados num período inferior a 24 horas após
paciente) e 219 enxertos venosos (1,6 enxerto venoso/pa- o IAM (N = 23), entre 24 horas e 72 horas (N = 30), entre três
ciente), evidenciando que a RM foi completa26. Os enxertos e sete dias (N = 193), entre uma semana e um mês (N = 284)
usados com maior freqüência foram: a artéria torácica interna e, por último, doentes operados num intervalo de tempo su-
esquerda em 63,6% dos pacientes, a artéria torácica interna di- perior a um mês pós-IAM (N = 1645). Neste estudo, os au-
reita em 17,7% e a artéria radial esquerda em 17,9%. tores concluíram que o intervalo de tempo entre o IAM e a

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operação não está associado à mortalidade; além disso, não Em 1996, Howard e col.21 relataram, também, elevação dos
observaram diferenças quanto ao período de permanência índices de mortalidade em pacientes com choque cardiogêni-
hospitalar, índice de acidentes neurológicos, insuficiência co por insucesso da angioplastia para 23%, sendo a mortali-
renal ou pulmonar. dade geral em um grupo de 140 pacientes operados de 4,3%.
Podemos dividir nossa experiência em três fases, nas Em alguns estudos, a presença de choque cardiogêni-
quais observamos uma tendência de realização mais precoce co foi associada à elevação da mortalidade de 3% para 35%6.
da cirurgia26. Nos primeiros pacientes, o intervalo médio foi de Mohr e col.32 verificaram aumento da morbimortalidade em
13,6 dias; no grupo intermediário, de 12,3 dias e, mais recen- pacientes com choque cardiogênico e insuficiência renal
temente, os pacientes têm sido encaminhados para cirurgia em pré-operatórios. Em nosso Serviço26 encontramos índices
8,2 dias. Mesmo no grupo de pacientes com algum grau de similares, dos 12 pacientes com choque cardiogênico, 5
complicação, este intervalo de tempo, que foi em média de 10,6 (41,7%) foram a óbito após a operação (OR = 21,2; p < 0,001).
dias, está sendo reduzido. Isto tem importantes desdobramen- Além do choque cardiogênico, fibrilação ventricular e his-
tos, pois fica claro que pacientes sem complicações podem ser tória de angioplastia prévia foram variáveis que se correlacio-
operados precocemente, sem maior risco ou com mortalidade naram de forma significativa e independente com mortalidade.
reduzida, à semelhança de casos eletivos. Este fato cria uma
facilidade no manuseio destes pacientes que, via de regra,
após o IAM, ficavam aguardando a operação por vários dias, ESTRATÉGIAS INVASIVAS VERSUS CONSERVADORAS
quer seja no hospital quer fora dele. Havia, portanto, sempre Existem quatro grandes trials clínicos que comparam as
a dúvida de que se a espera fosse fora, havia o risco de com- estratégias invasivas e as conservadoras em pacientes com
plicações com o paciente sem os recursos hospitalares e, se AI ou IAM sem ST7,12,19,40. Estes estudos diferem em alguns
o paciente ficasse internado, havia o desconforto de se man-
aspectos: critérios de inclusão, disponibilidade e uso de
ter uma internação de um paciente em boas condições clíni-
stents coronário e inibidores de glicoproteína IIb/IIIa, fre-
cas, apenas para aguardar algumas semanas para só então ser
qüência da RM no grupo invasivo e em relação aos resulta-
operado. Além de trazer desconforto ao paciente e à família,
dos clínicos.
isso levava à ocupação do leito, de maneira desnecessária,
onerando os gastos hospitalares. Como atualmente propos- O estudo “Thrombolysis in Myocardial Infarction
to, após a evolução em UTI, e passados os primeiros dias, já (TIMI) IIIB”40 avaliou 1.473 pacientes com AI ou IAM sem
há possibilidade da operação. ST que foram submetidos a tratamento invasivo ou conser-
vador. O resultado primário para a comparação da estratégia
invasiva ou conservadora foi a ocorrência de morte, IAM, ou
CONDIÇÕES CLÍNICAS um teste de tolerância ao exercício sintoma-limitado insatis-
Existem vários relatos referentes à interferência da con- fatório. Embora não houvesse nenhuma diferença significan-
dição clínica na evolução dos pacientes operados, tanto na te na ocorrência do resultado primário nos dois grupos,
fase aguda pós-operatória como no seguimento tardio des- após 42 dias de evolução, com mortalidade de 2,4% versus
tes doentes. 2,5% e ocorrência de infarto não-fatal em 5,1% versus 5,7%,
Quando após o IAM se recomenda a RM, há basica- respectivamente, vários resultados secundários demonstra-
mente dois grupos de pacientes: o grupo dos que evoluíram ram o benefício clínico da terapêutica invasiva.
sem complicação, e o grupo dos que apresentaram algum Especificamente, a permanência hospitalar inicial (10,2
grau de complicação, inclusive lesões mecânicas ou falência vs 10,9 dias, p = 0,01), e a freqüência de re-hospitalização
ventricular. A evolução pós-operatória é bastante distinta após seis semanas (7,8% vs 14,1% p < 0,001). Também é no-
nestes dois grupos. tável que mais de 60% dos pacientes nomeados para o gru-
Em nossa experiência, no grupo de pacientes que apre- po conservador sofreram angiografia coronária e 49% dos
sentaram complicações clínicas pré-operatórias a mortalidade pacientes sofreram RM. Estes resultados mostraram que,
foi de 12,5%. Em contrapartida, houve apenas 1 (1,4%) óbito embora o IAM ou o número de mortes não esteja reduzido,
dentre os pacientes que não apresentavam complicações clí- a cinecoronariografia precoce e a RM trouxeram benefícios.
nicas no pré-operatório, ou seja, com mortalidade similar àque- Resultados semelhantes, quanto à ocorrência de IAM e mor-
les pacientes operados em caráter eletivo e fora da fase aguda te, foram relatados após um ano2.
do IAM. Dentre estas complicações, após o IAM e que an- No estudo “The Veterans Affairs Non-Q-Wave Infarc-
tecederam a RM, incluíram-se pacientes com isquemia recor- tion Strategies in Hospital” (VANQWISH)7 avaliaram-se 920
rente, ICC, choque cardiogênico, hipotensão, taquicardia pacientes com AI ou IAM sem ST que foram submetidos a
ventricular sustentada, fibrilação ventricular e reinfarto. tratamento invasivo ou conservador. A ocorrência de IAM
Dentre todas as complicações, uma das que mais afeta a ou morte foi mais alta em pacientes nomeados para o grupo
evolução dos doentes é a presença do choque cardiogênico4. invasivo quando comparado com o grupo conservador
O choque cardiogênico tem sido apontado por vários (24,0% vs 18,6%, respectivamente; p = 0,05). Nos pacientes
autores, dentre eles Hochman e col.20, em 1995, Donatelli e do grupo invasivo, a mortalidade após um ano também foi
col.18, em 1997, e Kaul e col.24, em 1995, como determinante mais alta quando comparado ao grupo conservador (12,6%
de mau prognóstico para os pacientes. vs 7,9%, respectivamente; p = 0,025).

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Existem alguns fatos que caracterizam o estudo VAN- As explicações para as diferenças nos resultados dos
QWISH: embora a freqüência de doença arterial coronária quatro estudos podem residir em alguns pontos: 1. os estu-
triarterial fosse alta (74% de pacientes no grupo invasivo), dos FRISC II e TACTICS, em relação aos outros dois, são
só 44% desses pacientes foram submetidos a RM, enquan- mais recentes, envolveram maior número de pacientes e uti-
to aguardavam-se os benefícios potenciais de RM. A taxa de lizaram mais freqüentemente stents e inibidores de glicopro-
mortalidade de 11,6% excedeu a experiência clínica dos pa- teínas; 2. os estudos FRISC II e TACTICS realizaram
cientes em outras séries de estudos12,19,40. Assim, é bastan- significativamente mais RM em seus pacientes, quando
te provável que a taxa de mortalidade cirúrgica muito alta tenha comparados aos estudos TIMI IIIB e VANQWISH; 3. a ele-
influenciado para os resultados globais do estudo. vada mortalidade dos pacientes cirúrgicos do VANQWISH
No estudo “Fragmin and Fast Revascularization During (11%), não confirmada por outros investigadores, gerou pro-
Instability in Coronary Artery Disease Fragmin” (FRISC)19 blemas na interpretação dos resultados da conduta invasiva.
avaliaram-se 2.457 pacientes portadores de AI ou IAM sem
ST submetidos a estratégia invasiva ou conservadora. Os CONSIDERAÇÕES FINAIS
pacientes nomeados para o braço invasivo foram submeti-
dos a cinecoronariografia dentro de alguns dias do começo A maior limitação para a precisa indicação do tempo
dos sintomas, e revascularização coronária foi executada necessário para a realização da cirurgia pós-IAM é a ausência
dentro de sete dias da apresentação. A angioplastia foi re- de estudos prospectivos e randomizados com grande núme-
ro de doentes comparando diferentes intervalos de tempo
comendada se houvesse lesão uni ou biarterial e RM nos
para a cirurgia com resultados15. Apesar disso, um grande
casos de lesões triarteriais. Depois de seis meses, houve
número de trabalhos suporta a segurança e os benefícios da
uma diminuição significativa de IAM ou morte no grupo in-
cirurgia nas fases agudas do IAM4.
vasivo quando comparado ao grupo conservador (9,4% vs
12,1%, respectivamente p = 0,031). Houve também diferen- A técnica operatória inclui os maiores avanços, como o
uso de enxertos arteriais e RM sem CEC.
ça significante no IAM isolado (7,8% vs 10,1%, respectiva-
mente, p = 0,045). Quase 78% dos pacientes do grupo A revascularização na fase aguda do IAM pode ser rea-
invasivo sofreram RM comparados com 37% daqueles no- lizada com aceitável índice de morbimortalidade. Pacientes
meados para terapia conservadora. É importante informar sem complicações pós-IAM têm evolução semelhante aos
que os pacientes geralmente só foram submetidos a RM de- eletivos e baixa morbimortalidade. Em contrapartida, pacien-
pois de um período de estabilização médica. Estes resultados tes instáveis, portadores de choque cardiogênico, fibrilação
apóiam fortemente uma estratégia agressiva com RM para os ventricular ou história prévia de angioplastia têm pior prog-
nóstico após RM na fase aguda do IAM.
pacientes com AI ou IAM sem ST.
Por fim, a RM na fase aguda do IAM é um procedimen-
No estudo “Treat angina with Aggrastat and determine
to seguro em pacientes estáveis, tendo índice de mortalida-
Cost of Therapy with an Invasive or Conservative Strategy”
de muito reduzido.
(TACTICS-TIMI)12 avaliaram-se 2.200 pacientes com AI ou
IAM sem ST. Esses pacientes foram randomizados para as
duas estratégias: a) invasiva precoce, realizando-se o cate- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
terismo de rotina, entre quatro e 48 horas após a admissão
1. Albes JM, Gross M, Franke U, Wippermann J, Cohnert TU,
hospitalar, seguindo-se a revascularização miocárdica, se in- Vollandt R, Wahlers T. Revascularization during acute myocardial
dicada; b) conservadora, onde a cinecoronariografia seria infarction: risks and benefits revisited. Ann Thorac Surg 2002;
indicada se houvesse angina ou evidência de isquemia, após 74(1): 102-8.
2. Anderson HV, Cannon CP, Stone PH, Williams DO, Mccbe CH,
teste de esforço, em geral associada a estudo de perfusão ou Knatterud GL, Thompson B, Willerson JT, Braunwald E. For the
ecocardiografia. Após seis meses, 15,9% dos pacientes do TIMI III-B Investigators. One year results of the Thrombolysis
grupo invasivo apresentaram re-hospitalização por síndrome in Myocardial Infarction (TIMI) IIIB Clinical Trial. A randomized
isquêmica aguda, IAM não-fatal ou morte; esses eventos comparison of tissue-type plasminogen activator versus placebo
and early invasive versus early conservative strategies in unstable
ocorreram em 19,4% dos doentes do grupo conservador, angina and non-Q wave myocardial infarction. J Am Coll Cardiol
sendo a diferença estatisticamente significativa (p = 0,025). 1995; 26(7): 1643-50.
A ocorrência de IAM não-fatal ou morte também foi signifi- 3. Applebaum R, House R, Rademaker A, Garibaldi A, Davis Z,
cativamente menor no grupo invasivo quando comparada ao Guillory J, Chen A, Hoeksema T. Coronary artery bypass grafting
within thirty days of acute myocardial infarction: early and late
conservador (7,3% vs 9,5%; p < 0,05), respectivamente. Estes results in 406 patients. J Thorac Cardiovasc Surg 1991; 102(5):
benefícios foram mais altos em pacientes que apresentam fa- 745-52.
tores de prognóstico desfavoráveis, como elevação de enzi- 4. Bana A, Yadava OP, Ghadiok R, Selot N. Myocardial revascularization
ma cardíaca ou alterações eletrocardiográficas. after acute myocardial infarction. Int J Cardiol 1999; 69(2): 209-16.
5. Berg Jr. R, Selinger SL, Leonard JJ, Grunwald RP, O’Grady WP.
O estudo TACTICS representa a evidência mais con- Immediate coronary artery bypass for acute evolving myocardial
temporânea para guiar a prática clínica em pacientes que infarction. J Thorac Cardiovasc Surg 1981; 81(4): 493-7.
apresentam AI ou IAM sem ST. Estes resultados sugerem 6. Beyersdorf F, Mitrev Z, Sarai K, Eckel L, Klepzig H, Maul FD
et al. Changing patterns of patients undergoing emergency surgical
que uma abordagem invasiva possa ser benéfica nos pacien- revascularization for acute coronary occlusion. Importance of
tes com característica para risco intermediário ou alto risco myocardial protection techniques. J Thorac Cardiovasc Surg 1993;
na SCA. 106(1): 137-48.

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99
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100
11 Tratamento Cirúrgico da Fibrilação
Atrial Crônica

Carlos Alberto Cordeiro de Abreu Filho


Luís Alberto Oliveira Dallan
Sérgio Almeida de Oliveira

RESUMO A morbidade causada pela fibrilação atrial é decorren-


te do comprometimento hemodinâmico, da cardiomiopatia
A fibrilação atrial é a arritmia cardíaca mais comum, apre- originada pela taquicardia e pela ocorrência de fenômenos
sentando alto índice de refratividade ao tratamento clínico e tromboembólicos. A fibrilação atrial é um dos mais importan-
podendo apresentar elevada morbimortalidade. É um dos fa- tes fatores de risco para a ocorrência de acidente vascular
tores de risco mais importantes para a ocorrência de aciden- cerebral (AVC). O AVC é uma grave complicação desta arrit-
te vascular cerebral e com freqüência está associada a mia, apresentando incidência geral de 5% ao ano19.
pacientes com cardiopatias com indicação de tratamento ci-
A gravidade desta arritmia pode ser evidenciada pelo
rúrgico. Dentre as alternativas desenvolvidas para o trata-
fato de a mortalidade em pacientes portadores de fibrilação
mento da fibrilação atrial, várias técnicas cirúrgicas foram
atrial ser duas vezes maior do que a de pacientes com ritmo
apresentadas nas últimas décadas, as principais serão abor-
dadas neste capítulo. sinusal em faixa etária semelhante.
Em virtude da refratividade ao tratamento clínico obser-
vada em grande parte dos pacientes, se fez necessário o de-
INTRODUÇÃO senvolvimento de alternativas terapêuticas mais eficazes
A fibrilação atrial é uma arritmia supraventricular ca- para o tratamento desta arritmia.
racterizada pela desordenação da ativação elétrica atrial Entre as alternativas desenvolvidas para o tratamento
com a conseqüente deterioração da contratilidade atrial. Ao da fibrilação atrial, várias técnicas cirúrgicas foram apresen-
eletrocardiograma a fibrilação atrial é caracterizada pela au- tadas nas últimas décadas, as principais serão abordadas a
sência de ondas P, e pela presença de ondas oscilatórias seguir neste capítulo.
ou fibrilatórias, que variam em tamanho, forma e freqüên-
cia, associadas à condução ventricular irregular e geralmen- BASES ELETROFISIOLÓGICAS E CLASSIFICAÇÃO
te rápida, quando a condução atrioventricular (AV) está CLÍNICA DA FIBRILAÇÃO ATRIAL
preservada3.
A fibrilação atrial é a arritmia cardíaca mais comum, apre- James Cox, cirurgião que desenvolveu a operação de
senta alto índice de refratividade ao tratamento clínico e pode Maze para tratamento da fibrilação atrial, com experiência
apresentar elevada morbimortalidade24. Sua prevalência au- acumulada de aproximadamente 3.000 pacientes nos últimos
menta nas faixas etárias mais elevadas, estando presente em 20 anos, apresentou uma nova classificação para as manifes-
6% das pessoas com idade superior a 80 anos de idade21. tações clínicas da doença. A classificação é simples e basea-
Esta arritmia pode estar associada a cardiopatias com da no fato de o paciente apresentar a arritmia de forma
indicação de tratamento cirúrgico, entre os pacientes sub- constante ou não. Deste modo, a fibrilação atrial pode apre-
metidos a operação de revascularização do miocárdio, 15% sentar duas formas clínicas principais: a intermitente e a con-
a 40% são portadores de fibrilação atrial40. Entre os pacien- tínua9. As duas formas da fibrilação atrial apresentam bases
tes portadores de valvopatia mitral com indicação de trata- eletrofisiológicas distintas.
mento cirúrgico, de 40% a 60% se apresentam em fibrilação Segundo esta classificação, a forma intermitente englo-
atrial no momento da operação47. baria as formas paroxística e persistente, enquanto a forma

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101
contínua equivaleria à forma permanente da fibrilação atrial
pela classificação do American College of Cardiology/Ame- Veias pulmonares
rican Heart Association22. – FA intermitente
Circuitos de
A forma intermitente da fibrilação atrial é aquela em que reentrada
o paciente apresenta intervalos durante os quais o ritmo si-
nusal é restabelecido, espontaneamente ou por meio de me-
dicamentos ou terapias intervencionistas.
Ao analisar as bases eletrofisiológicas desta modalida- 90%
de da arritmia, constatamos que ela é induzida repetidamen- 10%
te, por isso requer a existência de “gatilhos” para induzir
cada episódio da fibrilação atrial. Haissaguere e col.30 suge- Ritmo
sinusal Fibrilação
riram que estes “gatilhos” estão localizados nos orifícios das atrial
veias pulmonares em 90% dos pacientes. Em aproximada- contínua
mente 10% dos pacientes com fibrilação atrial intermitente Outro local dos átrios
os “gatilhos” envolvidos com a geração da arritmia não es- – FA contínua
tão localizados nos óstios das veias pulmonares45, são na
maioria das vezes focos ectópicos localizados em outros lo- Fig. 11.1 — Esquema representando a fisiopatologia das duas formas
cais do miocárdio atrial. Também podem estar envolvidos clínicas da fibrilação atrial, a intermitente e a contínua. Adaptado de Cox9.
com a fisiopatologia da fibrilação atrial intermitente, a Síndrome
de Wolf-Parkinson-White, os fenômenos de reentrada no nó TRATAMENTO CIRÚRGICO
atrioventricular, e a deterioração de estados de flutter atrial11.
A forma contínua da fibrilação atrial é aquela que não Nos últimos anos, pudemos observar o aumento do in-
pode ser interrompida, seja espontaneamente ou por medi- teresse no tratamento cirúrgico da fibrilação atrial. Isto pode
das farmacológicas ou intervencionistas. Nestes casos, os ser atribuído a vários fatores, tais como: a alta prevalência
átrios permanecem fibrilando constantemente, não sendo desta arritmia entre os pacientes portadores de cardiopatias
necessários “gatilhos” para induzir os episódios da arritmia. com indicação de tratamento cirúrgico, o maior entendimento
Após cada disparo, originado na maioria das vezes nos das bases anatômicas e fisiopatológicas da fibrilação atrial e
orifícios das veias pulmonares, é gerado um batimento atrial o desenvolvimento de novas técnicas cirúrgicas, com empre-
prematuro no átrio esquerdo, induzindo a formação de múl- go de modernas tecnologias para ablação da fibrilação atrial26.
tiplos circuitos de reentrada que envolvem os dois átrios. Os Os objetivos principais do tratamento cirúrgico da fibrila-
múltiplos circuitos de reentrada são responsáveis pela gera- ção atrial contínua são: o alívio dos sintomas, propiciado pelo
ção e pela manutenção da fibrilação atrial11. restabelecimento do ritmo sinusal, a ressincronização atrioven-
As bases eletrofisiológicas da fibrilação atrial irão deter- tricular, a manutenção da contratilidade atrial efetiva, com a
minar as suas principais formas clínicas, assim como a melhor conseqüente melhora do desempenho hemodinâmico e a redu-
opção terapêutica. Desta forma a realização do isolamento elé- ção do risco de ocorrência de fenômenos tromboembólicos16.
trico das veias pulmonares no intuito de confinar os “gati-
lhos” de disparo dos episódios da arritmia deverá ser eficiente H ISTÓRICO
para o tratamento da maioria dos pacientes com fibrilação atrial
intermitente. Porém, esta técnica pode não ser adequada como O desenvolvimento de procedimentos invasivos com o
terapêutica para os casos de fibrilação atrial contínua, pois os intuito de se reverter a fibrilação atrial teve início na década
mecanismos fisiopatológicos de manutenção da fibrilação atrial de 1980, com Williams e col.55 que, em estudo experimental,
não estão restritos aos orifícios das veias pulmonares9. descreveram o isolamento do átrio esquerdo, como um proce-
Para se reverter a fibrilação atrial contínua, é necessá- dimento capaz de confinar a fibrilação atrial a este átrio en-
rio bloquear a propagação dos estímulos elétricos desenca- quanto o restante do coração permanecia em ritmo sinusal.
deados a partir de focos ectópicos localizados em diversos Em 1982, Scheinman e col.44 realizaram a fulguração do
locais do miocárdio atrial, assim como interromper os circui- feixe de His, com o desenvolvimento do bloqueio atrioven-
tos de reentrada. tricular total, fazendo com que os átrios permanecessem fi-
A Fig. 11.1 representa as bases fisiopatológicas das brilando, enquanto o ritmo ventricular era controlado pelo
duas formas clínicas da fibrilação atrial. uso de marca-passos definitivos.
A alternativa viável para se bloquear os circuitos de re- Em 1985, Guiraudon e col.29 descreveram a “técnica do
entrada e reverter a fibrilação atrial contínua é a operação de corredor” que consistia no isolamento combinado dos nós
Maze idealizada por Cox, ou alguma de suas variáveis téc- sinoatrial e atrioventricular, fazendo com que os estímulos
nicas que serão discutidas a seguir neste capítulo. Será en- elétricos percorressem um trajeto regular entre os nós, como
fatizado o tratamento cirúrgico da forma contínua da alternativa à ablação do feixe de His para o tratamento da fi-
fibrilação atrial, juntamente com a correção cirúrgica de car- brilação atrial. Porém, o tecido atrial remanescente permane-
diopatias associadas. cia fibrilando.

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102
Todas essas técnicas mencionadas eram capazes de con- A técnica original proposta por Cox, denominada Maze
trolar o ritmo ventricular, porém os átrios permaneciam fibrilan- I13, apresentou elevada incidência de dois tipos de compli-
do, não eliminando o risco de conseqüências adversas da cações pós-operatórias: a disfunção do nó sinusal e a dis-
arritmia, tais como: o ritmo cardíaco irregular, o comprometimen- função contrátil do átrio esquerdo. No intuito de solucionar
to hemodinâmico secundário à falta de sincronismo atrioventri- esses efeitos adversos, Cox e col. desenvolveram duas mo-
cular e a vulnerabilidade aos fenômenos tromboembólicos. dificações técnicas: o Maze II e o Maze III10,12. O procedimen-
Neste contexto se mostrou necessária a busca por um to de Cox-Maze III12 apresentou índice elevado de reversão
procedimento efetivo para se reverter a fibrilação atrial, com para o ritmo sinusal, menor incidência de recidiva de arritmias
o intuito de se obter o alívio desses três efeitos deletérios atriais e de disfunção do nó sinusal, menor necessidade do
desta arritmia. Vários estudos experimentais a respeito das uso de marca-passo e melhora da função de transporte atrial
bases eletrofisiológicas da fibrilação e do flutter atrial pas- no período pós-operatório.
saram a ser desenvolvidos57. Em 1986, estudos clínicos passaram A técnica de Cox-Maze III tem sido utilizada clinicamente
a ser realizados em pacientes portadores de fibrilação atrial desde 1992. A experiência acumulada com o uso desta técnica
e outras arritmias supraventriculares11. revelou resultados satisfatórios em termos de restabelecimen-
to do ritmo sinusal, com índices de cura da fibrilação atrial con-
Esses esforços culminaram com o desenvolvimento
tínua ao redor de 98%9.
de um procedimento cirúrgico eficiente para se atingir os
seguintes objetivos: a ablação permanente da fibrilação Ao se analisar os resultados de qualquer procedimento
atrial através da interrupção dos circuitos de reentrada, o cirúrgico, os principais pontos a serem avaliados são: a com-
retorno do controle do ritmo cardíaco para o sistema de plexidade, a aplicabilidade e a eficácia. A complexidade e a apli-
marca-passo atrial, o restabelecimento do sincronismo cabilidade são inversamente proporcionais, isto é, quanto mais
atrioventricular e a ativação elétrica de todo o miocárdio complexo for um procedimento, menor será a sua aplicabilida-
de para tratar um número elevado de pacientes.
atrial de forma homogênea, com a preservação da função
de transporte atrial. O procedimento de Maze III apresenta alta eficiência,
porém a sua utilização não foi amplamente difundida por cau-
O procedimento cirúrgico capaz de atingir esses obje-
sa de sua alta complexidade, devida às inúmeras incisões e
tivos foi a “técnica do labirinto MAZE”, descrita por James L.
suturas atriais realizadas, por demandar tempo prolongado
Cox. A operação foi realizada clinicamente pela primeira vez
de circulação extracorpórea e pelo risco elevado de sangra-
em 1987, sendo que em 1991 o autor publicou artigo relatan-
mento pelas incisões cirúrgicas no período pós-operatório.
do o desenvolvimento da técnica Cox-Maze13. Desse modo, apesar de a operação de Maze III ser eficiente
A operação de Maze consiste na realização de múltiplas e segura (mortalidade operatória inferior a 1%), apresenta
incisões e suturas atriais para bloquear os circuitos de reen- efeito absoluto reduzido sobre toda a população de pacien-
trada e permitir que os impulsos elétricos ativem todo o mio- tes portadores de fibrilação atrial9. Esses fatos fizeram com
cárdio atrial de forma homogênea. A Fig. 11.2 ilustra o que se buscassem alternativas cirúrgicas com menor grau de
bloqueio dos circuitos de reentrada através das secções e complexidade para se tratar os pacientes portadores de fibri-
suturas realizadas na operação de Maze. lação contínua.

ALTERNATIVAS PARA O TRATAMENTO CIRÚRGICO


DA FIBRILAÇÃO ATRIAL
Circuitos de reentrada
Cox9 idealizou o procedimento cirúrgico denominado de
“Mini-Maze”, cuja técnica envolvia a realização do menor
número de incisões atriais possível, ou seja, apenas as le-
sões atriais consideradas essenciais. Estas envolviam o istmo
cavo-tricuspídeo, lesão entre o anel da valva tricúspide, o
seio coronário e o orifício da veia cava inferior no átrio di-
reito. No átrio esquerdo, as lesões essenciais envolviam o
isolamento das veias pulmonares e a conexão entre as veias
pulmonares esquerdas e o anel da valva mitral42.
A região posterior do átrio esquerdo, especialmente os
orifícios das veias pulmonares, conforme descrito previa-
Linhas de secção e sutura
ou aplicação de fontes de energia
mente, apresenta relação importante com a fisiopatologia da
fibrilação atrial. Por este motivo, vários autores preconizaram
a operação de isolamento do átrio esquerdo para o tratamen-
to da fibrilação atrial.
Fig. 11.2 — Esquema representando as linhas de secção e sutura que
bloqueiam os circuitos de reentrada responsáveis pela manutenção da Para substituir as inúmeras secções e suturas realizadas
fibrilação atrial. nas paredes atriais na operação de Cox-Maze III, foram in-

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103
troduzidas na prática médica fontes de energia para serem livre de fibrilação atrial foi de aproximadamente 80% no gru-
aplicadas no miocárdio atrial e gerarem lesões transmurais, po tratado e 38% no grupo-controle (p = 0,04).
com o intuito de bloquear os circuitos de reentrada. As prin- Embora alguns autores apresentem resultados satisfa-
cipais fontes de energia utilizadas foram: a criotermia, a ra- tórios com a técnica do isolamento atrial esquerdo para o tra-
diofreqüência, as microondas, o ultra-som e os raios laser. tamento cirúrgico da fibrilação atrial contínua, as bases
A seguir serão apresentadas as principais experiências eletrofisiológicas discutidas neste capítulo mostram que esta
clínicas relacionadas às alternativas atualmente disponíveis técnica é mais apropriada para o tratamento cirúrgico da fi-
para o tratamento cirúrgico da fibrilação atrial. brilação atrial intermitente9.

ISOLAMENTO ATRIAL ESQUERDO CRIOTERMIA


Vários autores preconizaram a operação de isolamento A criotermia foi a primeira fonte de energia utilizada para
do átrio esquerdo pela realização de secções e suturas no a realização de lesões transmurais no tratamento cirúrgico da
fundo desta câmara cardíaca para o tratamento da fibrilação fibrilação atrial, tendo sido usada por Cox, em associação às
contínua. Sueda e col.49 realizaram esta operação associada linhas de secção e sutura das técnicas de Maze.
ao tratamento cirúrgico da valva mitral em 12 pacientes por- Entre as vantagens desse método, destacam-se: a rapidez
tadores de fibrilação atrial contínua. Não houve mortalidade com que se obtêm as lesões transmurais, em média 90 segun-
operatória e todos os pacientes apresentaram conversão para dos; a preservação da arquitetura miocárdica; o baixo risco de
o ritmo sinusal logo após a cirurgia. No momento da alta sangramento, de perfuração atrial e de formação de trombos.
hospitalar, 75% dos pacientes apresentavam-se em ritmo si- Sueda e col.50 relataram índice de sucesso de 78% com
nusal. Após três meses transcorridos da cirurgia, o índice de este método. Gaita e col.23 realizaram a crioablação apenas no
reversão para o ritmo sinusal foi de 83%. Estes pacientes átrio esquerdo em pacientes submetidos a operações valva-
permaneceram em ritmo sinusal após seguimento pós-ope- res associadas, obtendo índice de conversão para o ritmo
ratório que se estendeu até 12 meses. sinusal de 70%.
Lo37 realizou estudos eletrofisiológicos com o intuito de A operação denominada de “Mini-Maze”, que envolve
avaliar a evolução clínica dos pacientes submetidos a isola- a realização das lesões essenciais nos átrios direito e es-
mento atrial esquerdo. Vinte pacientes portadores de valvopa- querdo, pode ser realizada com a utilização da criotermia. Ja-
tia mitral e fibrilação atrial contínua foram submetidos a mes L. Cox desenvolveu formas minimamente invasivas para
operação de isolamento do átrio esquerdo. O isolamento elé- realização deste procedimento15. O autor apresentou duas
trico do átrio esquerdo foi constatado em sete pacientes; em versões para realização desta técnica: uma realizada através
13, detectou-se a conexão elétrica presente entre os átrios. da esternotomia mediana convencional, porém com uso re-
Durante seguimento médio de 66 (± 15 meses), dos pa- duzido ou ausente da circulação extracorpórea, e outra ten-
cientes em que o isolamento atrial esquerdo foi efetivo, ne- do como via de acesso cirúrgico uma reduzida (7 cm)
nhum apresentou recorrência de fibrilação atrial. Entre os 13 toracotomia ântero-lateral direita, realizada com emprego da
pacientes em que o isolamento elétrico do átrio esquerdo circulação extracorpórea14.
não foi efetivo, oito (61,5%) apresentaram episódios de re- Os resultados obtidos com a utilização das técnicas mi-
corrência de fibrilação ou flutter atrial (p = 0,058). nimamente invasivas mostraram-se satisfatórios. Cox e col.
Em nosso meio, Kalil e col.33 realizaram o isolamento do avaliaram os pacientes operados desde 1992, a maioria por
átrio esquerdo associado ao tratamento cirúrgico da valva meio de técnicas minimamente invasivas, com uso de crioa-
mitral em 15 pacientes portadores de fibrilação atrial contí- blação. Os autores observaram mortalidade hospitalar entre
nua. Após seguimento pós-operatório de seis meses, 92,3% 2% e 3%, índice geral de conversão para o ritmo sinusal de
dos pacientes se apresentavam em ritmo sinusal, e o ecocar- 99%, com constatação de função de transporte atrial esquer-
diograma demonstrou a presença de contratilidade atrial pre- do em 93% dos pacientes e direito em 99%8.
servada nesses pacientes.
Também em nosso meio, Vasconcelos32 realizou estudo RADIOFREQÜÊNCIA
com 29 pacientes portadores de valvopatia mitral reumática
e fibrilação atrial contínua. Os pacientes foram randomizados A radiofreqüência é uma corrente elétrica alternada cuja
em dois grupos: o grupo-controle (n = 14), em que se reali- freqüência é a mesma das ondas de rádio. A corrente é trans-
zou apenas o tratamento cirúrgico da valva mitral, e o gru- mitida entre dois pólos, sendo um constituído pela ponta do
po tratado (n = 15), em que o procedimento sobre a valva probe de aplicação e o outro pela placa elétrica colocada nas
mitral foi associado ao isolamento cirúrgico da parede pos- costas do paciente. A passagem da corrente elétrica não traz
terior do átrio esquerdo. Após seguimento clínico médio de conseqüências adversas ao organismo humano, pois a maio-
11,5 (± 7,3) meses no grupo-controle e 10,3 (± 7,2) meses no ria da energia é dissipada no momento do contato com o
grupo tratado (p = 0,55), pôde-se observar diferença estatis- miocárdio atrial.
ticamente significativa em relação à evolução clínica nos pa- A extensão da lesão gerada pela radiofreqüência é pro-
cientes dos dois grupos. A probabilidade de evolução tardia porcional à potência empregada e ao tempo de aplicação nos

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tecidos. Potências muito altas geram aumento da temperatu- camente significativa). A contratilidade biatrial também foi
ra acima de 100oC na interface entre o eletrodo e o tecido atrial, semelhante entre os dois grupos: 70,4% no grupo 1 e 76,5%
provocando elevação da impedância e causando vaporização no grupo 2 (p = 0,65).
dos tecidos e eventuais perfurações das paredes atriais. Em nosso meio, no Instituto do Coração (InCor) do
Wittkampf e col.56 propuseram a irrigação contínua do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Uni-
eletrodo de radiofreqüência com solução salina para resfriar a versidade de São Paulo (HC-FMUSP), apresentamos expe-
interface com o tecido atrial e impedir a elevação da impedân- riência clínica com 42 pacientes submetidos a ablação da
cia, com o intuito de prevenir a ocorrência de perfurações das fibrilação atrial por radiofreqüência e operações associa-
paredes atriais durante a aplicação da radiofreqüência. das. Os procedimentos cirúrgicos associados foram: o tra-
Os sistemas disponíveis para a aplicação da radiofre- tamento cirúrgico da valva mitral em 36 (85,7%) pacientes
qüência são constituídos basicamente por um gerador de e a correção da comunicação interatrial em seis (14,3%)
energia, um probe para aplicação nos tecidos, que é forma- pacientes. Os tempos médios de circulação extracorpó-
do por um eletrodo e um sensor de temperatura e por um sis- rea e de pinçamento da aorta foram respectivamente:
tema de irrigação para resfriamento da superfície de contato 97,2 (± 21,1) minutos e 57,5 (± 13,5) minutos. Os tempos
com o miocárdio atrial. Os probes podem ser desenhados despendidos para realização da ablação no átrio direito e
para realizar a aplicação da radiofreqüência no endocárdio ou no átrio esquerdo foram respectivamente: 14,2 (± 3,5) mi-
no epicárdio atrial. nutos e 8,3 (± 4,6) minutos.
As Figs. 11.3 a 11.5 representam a técnica de ablação
A BLAÇÃO E NDOCÁRDICA endocárdica por radiofreqüência atualmente utilizada no In-
Cor-HCFMUSP; as Figs. 11.6 e 11.7 representam fotos do ato
A aplicação endocárdica da radiofreqüência se faz de operatório. Salientamos que nos últimos casos está sendo
forma semelhante às linhas de secção e sutura realizadas na associada a crioablação do seio coronário, devido à impor-
operação de Cox-Maze III, especialmente as lesões tidas tância deste procedimento na reversão da fibrilação atrial.
como essenciais. A mortalidade hospitalar foi de 2,8%; após seguimen-
WittKampf e col.56 foram os primeiros a relatar o uso in- to clínico médio de 13,8 (± 3,4) meses, a sobrevida foi de
tra-operatório da radiofreqüência para o tratamento da fibri- 95,2%. Entre os 40 pacientes em seguimento, 31 (77,5%) se
lação atrial. Os resultados satisfatórios obtidos por vários mantinham em ritmo sinusal. Destes, 93,5% (29/31) apresen-
autores com o emprego desta técnica proporcionaram a ex- tavam contratilidade biatrial preservada, documentada pelo
pansão de sua utilização. ecocardiograma transtorácico.
Sie e col.47 relataram experiência envolvendo 108 pacien- Devido à importância da região posterior do átrio es-
tes submetidos a ablação cirúrgica por radiofreqüência asso- querdo e dos orifícios das veias pulmonares na fisiopato-
ciada a outros procedimentos. Após 39 meses de seguimento logia da fibrilação atrial, a ablação por radiofreqüência
clínico, a sobrevida foi de 90% com 78,5% dos pacientes livres passou a ser utilizada para realização do isolamento atrial
de fibrilação ou flutter atrial. esquerdo. Vários autores passaram a comparar os resulta-
Khargi e col.34 realizaram estudo em 30 pacientes con- dos da ablação restrita ao átrio esquerdo com a sua apli-
secutivos portadores de fibrilação atrial contínua e valvopa- cação nos dois átrios.
tia mitral. Os pacientes foram randomizados em dois grupos:
no primeiro (grupo A) a operação valvar mitral foi associa-
da à operação de Maze modificada com uso de radiofreqüên-
cia; no segundo (grupo B) a operação valvar mitral foi
AD A
realizada isoladamente. Após 12 meses, a sobrevida no gru- B
C
po A foi de 73% (11/15 pacientes) e no grupo B foi de 93%
(14/15 pacientes, p = 0,131). Os índices de reversão para o
ritmo sinusal foram de 80% e 26,7%, respectivamente nos
grupos A e B (p = 0,005). A contratilidade biatrial, documen-
tada pelo ecocardiograma transtorácico, foi observada em
66,7% dos pacientes do grupo A mantidos em ritmo sinusal. VCS
VCI
Chiappini e col.7 realizaram estudo comparando os re-
sultados da ablação por radiofreqüência com a operação de
a
Maze III convencional. O estudo envolveu 70 pacientes: 30
b
foram submetidos a operação de Maze III (grupo 1) e 40 à
ablação por radiofreqüência (grupo 2). A mortalidade perio-
Fig. 11.3 — Esquema representando as incisões atriais: transversal no
peratória foi semelhante em ambos os grupos (6,6% no gru-
átrio direito (A); longitudinal no átrio direito (B); longitudinal no átrio
po 1 e 7,5% no grupo 2). O índice de reversão para o ritmo esquerdo (C). Amputação da aurícula direita (AD); aplicação da radio-
sinusal, após seguimento médio de 73,2 meses foi de 68,9% freqüência no epicárdio do átrio direito (linhas a, b), estendendo-se do
no grupo 1 e de 88,5% no grupo 2 (sem diferença estatisti- local de canulação da veia cava superior (VCS) à veia cava inferior (VCI).

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105
d
c
AD

VT

SC
VCS
FO VCI

Fig. 11.4 — Esquema representando a aplicação da radiofreqüência Fig. 11.6 — Aplicação da radiofreqüência no endocárdio do átrio
no interior do átrio direito, entre a base da amputação da aurícula direi- direito.
ta (AD) e a borda superior do anel da valva tricúspide (VT) — (linha c); a
borda inferior do anel da valva tricúspide em direção à atriotomia di-
reita longitudinal posterior no sulco atrioventricular (linha d); partindo
da veia cava inferior (VCI), passando pelo seio coronário (SC), seguin-
do no septo interatrial, passando pela fossa oval (FO) — (linha e).

f
k

AE VM
i
VPE
h

Fig. 11.7 — Aplicação da radiofreqüência no endocárdio do átrio


J esquerdo (ao redor do orifício das veias pulmonares).
VPSD VPID
g
vamente de 95% no grupo A e de 81% no grupo B. Com re-
lação à contratilidade biatrial no período pós-operatório,
Fig. 11.5 — Esquema representando a aplicação da radiofreqüência
também não houve diferença significativa (p > 0,05) entre
no interior do átrio esquerdo, ao redor dos orifícios das veias pulmo-
nares esquerdas (VPE) — (linha f); ao redor dos orifícios das veias pul- os grupos.
monares direitas, superior (VPSD) e inferior (VPID) — (linha g); unindo Ao estudar a evolução dos pacientes com a monitori-
as veias pulmonares direitas às esquerdas (linha h), entre o orifício da zação de Holter (Traçado contínuo de eletrocardiograma du-
veia pulmonar superior esquerda e a base da amputação da aurícula rante 24 horas), pode-se observar que a incidência de
esquerda (AE) — (linha i); longitudinalmente, entre as veias pulmonares episódios de arritmias atriais (Grupo A — 34,2% × Grupo B
direitas e esquerdas (linha j), entre o orifício da veia pulmonar infe-
rior esquerda e a borda do anel da valva mitral (VM) — (linha K).
— 71,%, p < 0,05), episódios de fibrilação atrial (Grupo A —
5,2% × Grupo B — 42,8%, p < 0,001) e episódios de flutter
atrial (Grupo A — 0 × Grupo B — 19%, p < 0,05) foi signifi-
Guden28 realizou estudo com 62 pacientes submetidos cativamente superior no grupo de pacientes em que o pro-
a operações cardíacas associadas, divididos em dois grupos: cedimento para tratamento da fibrilação atrial foi realizado
grupo A (n = 39) a radiofreqüência foi aplicada nos dois apenas no átrio esquerdo.
átrios; grupo B (n = 23) a ablação foi realizada apenas no Mohr e col.41 realizaram a operação em 234 pacientes,
átrio esquerdo. Após seguimento clínico de até 245 dias, os aplicando a radiofreqüência apenas no átrio esquerdo, de
autores não encontraram diferença estatisticamente signifi- forma isolada ou associada a outros procedimentos cirúrgi-
cativa (p = 0,17) em relação ao índice de reversão para o ritmo cos. Após seguimento de até 20 meses, 72,5% dos pacien-
sinusal entre os dois grupos de pacientes, sendo respecti- tes sobreviventes permaneceram em ritmo sinusal.

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Apesar dos resultados satisfatórios observados por al- Inc, Freemont, California) é um sistema de aplicação de mi-
guns autores com a ablação por radiofreqüência apenas no croondas disponível no mercado. É constituído por um ge-
átrio esquerdo, da mesma maneira que o isolamento atrial rador com 2,45 GHz de potência e um probe para aplicação
esquerdo realizado através de secção e sutura, as bases cirúrgica. O probe pode ser rígido ou flexível e possui uma
fisiopatológicas da fibrilação atrial contínua justificam a ne- antena, através da qual a radiação eletromagnética é trans-
cessidade da realização dos procedimentos cirúrgicos envol- mitida. A aplicação pode ser feita no epicárdio ou no endo-
vendo o istmo atrial esquerdo. Do mesmo modo, as lesões cárdio atrial.
no átrio direito são importantes para a prevenção de episó- O uso das microondas para ablação da fibrilação atrial
dios de flutter atrial. contínua apresenta índices de sucesso ao redor de 80%27. O
método apresenta algumas vantagens em relação aos demais
APLICAÇÃO EPICÁRDICA disponíveis: tempo reduzido para aplicação, maior capacidade
de criação de lesões teciduais transmurais, risco reduzido de com-
A radiofreqüência também pode ser aplicada somente plicações tromboembólicas, facilidade para utilização por
no epicárdio atrial, criando lesões transmurais, com a vanta- meio de técnicas minimamente invasivas36.
gem de poder ser utilizada em operações sem a utilização da
circulação extracorpórea24. A PLICAÇÃO E NDOCÁDICA
Vários tipos de probes foram desenvolvidos para apli-
cação epicárdica da radiofreqüência, entre estes devemos O grupo liderado pelo Dr. Knaut35, da Universidade de
destacar os clamps bipolares. Estes têm forma de “U” e são Dresden, relatou experiência envolvendo 105 pacientes sub-
posicionados externamente nos átrios para aplicação da fon- metidos a operação da valva mitral e a ablação de fibrilação
te de energia. Nas hastes dos clamps são colocados os ele- atrial contínua com uso de microondas. A ablação foi reali-
trodos através dos quais a energia é transmitida. zada no interior do átrio esquerdo, entre a borda posterior
do anel da valva mitral e os orifícios das veias pulmonares.
Benussi e col.4 realizaram a aplicação epicárdica da ra-
A sobrevida hospitalar foi de 99,1%. Após segmento clíni-
diofreqüência associada ao tratamento cirúrgico da valva
co médio de um ano, 57,8% dos pacientes se apresentavam
mitral em 40 pacientes. A radiofreqüência foi aplicada no epi-
em ritmo sinusal.
cárdio do átrio esquerdo circundando as veias pulmonares
direitas e esquerdas antes de se iniciar a circulação extracor- Schuetz e col.46 realizaram estudo com 43 pacientes por-
tadores de fibrilação atrial contínua. Os pacientes foram ran-
pórea. Após o início desta, o procedimento cirúrgico sobre
domizados em dois grupos: no primeiro grupo, constituído
a valva mitral foi realizado e o apêndice atrial esquerdo foi
por 24 pacientes, foi realizada a ablação por microondas no
suturado internamente.
átrio esquerdo e amputação da aurícula esquerda; no segun-
A aplicação da radiofreqüência também foi feita no en- do grupo, o grupo-controle, constituído por 19 pacientes,
docárdio do átrio esquerdo, conectando as linhas de isola- foram realizadas apenas operações valvares e/ou coronaria-
mento das veias pulmonares direitas e esquerdas, e entre as nas. Em ambos os grupos, as operações foram realizadas com
veias pulmonares esquerdas, a base da aurícula esquerda e uso de circulação extracorpórea.
o anel da valva mitral. Após seguimento clínico médio de
No grupo que recebeu ablação por microondas 97%
11,6 (± 4,7) meses, 76,9% dos pacientes apresentavam-se em dos pacientes apresentaram conversão para o ritmo sinusal
ritmo sinusal. no período pós-operatório imediato, enquanto no grupo-con-
Gillinov25 relatou experiência clínica com o uso de dispo- trole este índice foi de 31,5%. Não ocorreram complicações
sitivo bipolar Atricure para ablação da fibrilação atrial em 120 relacionadas ao procedimento. Após 12 meses de seguimen-
pacientes submetidos a operações cardíacas associadas. Em to pós-operatório, 80% dos pacientes do grupo tratado e
10 pacientes foi testado o bloqueio do sistema de condução 33,3% dos pacientes do grupo-controle apresentavam-se em
elétrica ao nível dos orifícios das veias pulmonares. Inicialmen- ritmo sinusal (p = 0,036).
te, em três dos pacientes o bloqueio não foi efetivo. A radio-
freqüência foi aplicada novamente, sendo então detectado o
APLICAÇÃO E PICÁRDICA
bloqueio ao redor das veias pulmonares. Nos sete pacientes
seguintes o isolamento das veias pulmonares foi realizado em Maessen e col.38 realizaram a ablação por microondas
duas aplicações em cada paciente, com o intuito de se obter, em 24 pacientes submetidos a operações cardíacas associa-
com maior probabilidade, o bloqueio elétrico efetivo. Em to- das. A técnica cirúrgica consistiu na amputação da aurícula
dos os pacientes este objetivo foi atingido. esquerda e na aplicação epicárdica das microondas, ao redor
dos orifícios das veias pulmonares direitas e esquerdas. O
MICROONDAS tempo médio despendido para a realização da ablação foi de
13 minutos. No momento da alta hospitalar, 60,9% dos pa-
As microondas são ondas eletromagnéticas com fre- cientes apresentavam-se livres de fibrilação atrial. Após seg-
qüências que oscilam entre 30 e 3.000 MHz. As mais utiliza- mento clínico de até nove meses, 86,9% dos pacientes se
das são as de 915 MHz ou 2.450 MHz. O sistema AFx (Afx, apresentavam em ritmo sinusal.

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ULTRA-SOM Com esses resultados obtidos os autores corroboraram
a idéia de que o Nd:YAG laser pode ser eficiente e seguro
O uso do ultra-som como fonte de energia para criação para a realização do procedimento de Maze no tratamento da
de lesões transmurais e ablação da fibrilação atrial é recen- fibrilação atrial.
te e as experiências iniciais estão mais voltadas para a sua A maior crítica que pode ser feita a respeito dessa téc-
aplicação através de cateteres e para o tratamento da fibri- nica é com relação ao risco de perfuração dos átrios. São
lação atrial intermitente54. necessários mais estudos experimentais e clínicos para que
Em nosso meio, Brick e col.6 realizaram a ablação intra- se possa ter informações suficientes a respeito da seguran-
operatória para tratamento da fibrilação atrial contínua. Vin- ça e da eficácia desse método antes que o mesmo venha a
te e sete pacientes foram submetidos a ablação associada a ter sua utilização difundida na prática clínica.
outros procedimentos cirúrgicos, correções de cardiopatias
valvares ou congênitas. O aparelho de ultra-som utilizado foi
TRATAMENTO CIRÚRGICO DA FIBRILAÇÃO ATRIAL
o Ultracision Bistoury (Ethicon — Endo Surgery); as linhas
POR MEIO DE TÉCNICAS MINIMAMENTE INVASIVAS:
de ablação seguiram a técnica de Cox-Maze III, sendo reali-
VIDEOTORACOSCOPIA
zadas nos dois átrios. O tempo demandado para aplicação no
átrio direito foi de 12,5 minutos e no átrio esquerdo de 14 Inoue e col.31 realizaram estudo experimental em 16 por-
minutos. No momento da alta hospitalar, o índice de rever- cos, para avaliar a viabilidade da ablação por radiofreqüên-
são para o ritmo sinusal foi de 81,4%. cia da fibrilação atrial por meio de videotoracoscopia. A
fibrilação atrial foi induzida farmacologicamente, a ablação por
RAIOS LASER radiofreqüência foi realizada com o coração batendo, no epi-
cárdio atrial. Através de trocáteres, foi introduzido cateter
Os raios laser apresentam grande poder de destruição para aplicação da radiofreqüência. O tempo de aplicação foi
tecidual, através de geração de calor e por lesão mecânica de 30 segundos, com temperatura de 80oC. Após a ablação,
direta resultante de explosões celulares causadas por ondas o restabelecimento do ritmo sinusal foi observado. Os ani-
de choque53. A utilização do laser para tratamento da fibri- mais foram sacrificados e o estudo histopatológico do mio-
lação atrial é recente, sendo que até o momento só dispomos cárdio atrial constatou a presença de lesões transmurais.
de estudos experimentais. O tipo de laser utilizado para a Saltman e col.43 relataram o caso de uma paciente de 74
ablação da fibrilação atrial é o (Nd: YAG — laser neodymium: anos portadora de fibrilação intermitente submetida a isola-
yytrium-aluminium garnet). mento das veias pulmonares através de ablação por micro-
Vem sendo desenvolvidos probes para a aplicação uni- ondas realizado por videotoracoscopia. O procedimento
direcional do laser, com maior controle sobre a absorção da durou três horas, a paciente recebeu alta hospitalar em rit-
energia. Isto irá facilitar a utilização clínica de ablação por mo sinusal no segundo dia de pós-operatório.
raios laser com maior segurança. Blackshear e col.5 realizaram a obliteração endoscópica
Thomas e col.51 realizaram estudo experimental com o da aurícula esquerda para redução do risco de fenômenos
uso do Nd: YAG — laser. As aplicações foram realizadas no tromboembólicos em 15 pacientes portadores de fibrilação
miocárdio não perfundido de ovelhas e de cães. As lesões atrial contínua, com contra-indicação à terapêutica anticoa-
criadas foram profundas e estreitas. A profundidade das le- gulante, ou que apresentaram episódio de falha desta tera-
sões foi proporcional ao tempo de ablação, com profundida- pêutica. O procedimento pode ser completado em 14
de máxima obtida de 5,3 (± 0,8) mm. Os autores concluíram pacientes, em um paciente foi necessária a conversão para
que, devido às características das lesões, o laser pode ser a toracotomia em virtude de sangramento importante.
utilizado cirurgicamente ou através de cateteres para a abla- O seguimento clínico se estendeu por até 60 meses, o
ção da fibrilação atrial. subgrupo constituído por 11 pacientes com história prévia
Fried e col.20 conduziram estudo experimental com a de eventos tromboembólicos apresentou índice anual de ris-
aplicação do laser através de fibras óticas. O estudo en- co de desenvolvimento de acidente vascular cerebral (AVC)
volveu uma etapa in vitro e outra in vivo, na primeira eta- de 5,2%. No grupo semelhante de pacientes portadores de
pa, o Nd:YAG — laser foi aplicado em amostras de fibrilação atrial que recebem ácido acetilsalicílico para profi-
miocárdio canino mantidas em meio salino aquecido; na laxia de AVC, o índice anual de risco de desenvolvimento
segunda etapa o laser foi aplicado no epicárdio ventricu- desta complicação é de 13%. Esses dados mostram que este
lar direito durante procedimento cirúrgico com realização de procedimento pode reduzir a incidência de fenômenos trom-
toracotomia nos cães. boembólicos em pacientes de alto risco.
Os autores não observaram evidências de perfuração
ou vaporização tissular. As dimensões das lesões produ- CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS FUTURAS
zidas in vitro e in vivo foram semelhantes (profundidade:
6 mm, largura: 8 mm a 10 mm e comprimento: 16 mm a 22 mm), A fibrilação atrial é uma arritmia de elevada prevalência
isto demonstrou que a perfusão tecidual presente in vivo não na população, apresenta elevada morbimortalidade principal-
afetou a criação das lesões térmicas. mente relacionada às suas complicações como os fenômenos

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tromboembólicos. O perfeito entendimento das bases fisio- características: envolver apenas a realização das lesões atri-
patológicas desta arritmia é fundamental para o estabeleci- ais essenciais, fazer uso de alguma das fontes de energia
mento da terapêutica adequada. atualmente disponíveis para criação das lesões transmurais,
Os resultados do tratamento cirúrgico da fibrilação atrial poder ser aplicado tanto no endocárdio quanto no epicár-
devem ser considerados a longo prazo, pois nos primeiros dio atrial, poder ser realizado sem a utilização de circulação
três a seis meses decorridos da operação a incidência de re- extracorpórea, poder ser realizado através de técnicas mi-
cidiva da fibrilação atrial é elevada, uma vez que a cicatriza- nimamente invasivas, inclusive com a utilização da toracos-
ção da lesão transmural da parede atrial ainda não está copia e de robótica. O procedimento deverá ser efetivo para
completamente estabelecida. Por esse motivo, nos primeiros o tratamento da fibrilação atrial intermitente, contínua e do
seis meses de pós-operatório, a ocorrência de recidivas não flutter atrial9.
deve ser considerada como falha do tratamento. Admite-se Desta forma, a indicação para o tratamento cirúrgico da
que até 40% dos pacientes submetidos a operação de Maze fibrilação atrial deverá ser ampliada, feita de forma mais pre-
ou alguma variante desta, apresentem episódios de fibrila- coce, para atender um maior número de pacientes portado-
ção atrial no período pós-operatório1. Recomenda-se a ma- res de fibrilação atrial refratária ao tratamento clínico.
nutenção de medicação antiarrítmica e anticoagulante por via
oral durante este período. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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approach. Eur J Cardio Thorac Surg 2000; 17: 524.
operações associadas, relataram a ocorrência desta compli-
5. Blackshear JL, Johnson WD, Odell JA, Baker VS, Howard M,
cação em três (1,3%) pacientes, necessitando de correção Pearce L, et al. Thoracoscopic extracardiac obliteration of the
cirúrgica. Em um dos pacientes ocorreu embolização de ar na left atrial appendage for stroke risk reduction in atrial fibrillation.
circulação sangüínea, causando a ocorrência de acidente J Am Coll Cardiol. 2003; 42(7): 1249.
vascular cerebral isquêmico, decorrente de embolia aérea, o 6. Brick Av, Seixas T, Portilho C, Peres Ak, Vieira Jr J, Melo Neto R,
Araújo JM. Intraoperative treatment of chronic atrial fibrillation
que motivou o óbito deste paciente. with ultrasound. Rev Bras Cir Cardiovasc 2001; 16(4): 337.
Manasse e col.39 relataram o caso de um paciente de 62 7. Chiappini B, Martìn-Suàrez S, Lo Forte A, Arpesella G,
anos de idade submetido a tratamento cirúrgico da valva mi- Bartolomeo RD, Marinelli G. Cox/Maze III operation versus
tral e a ablação epicárdica com uso de microondas. Decorridos radiofrequency ablation for the surgical treatment of atrial
fibrillation: a comparative study. Ann Thorac Surg 2004; 77: 87.
três meses da operação, o paciente evoluiu com quadro clíni-
8. Cox JL, Ad N, Palazzo T, Fitzpatrick S, Suyderhoud JP, De Groot
co de infarto agudo do miocárdio da parede anterior do ven- KW, et al. Current status of the Maze procedure for the treatment
trículo esquerdo. A cineangiocoronariografia mostrou lesão of atrial fibrillation. Semin Thorac Cardiovasc Surg 2000; 12(1): 15.
crítica do tronco da artéria coronária esquerda. O paciente foi 9. Cox, JL. Atrial fibrillation I: A new classification system. Journ
submetido a operação de revascularização do miocárdio e Thorac Cardiovasc Surg 2003; 126(6): 1686.
10. Cox JL, Boineau JP, Schuessler RB, Jaquiss RDB, Lappas DG.
apresentou evolução satisfatória. O autor atribuiu a ocorrên- Modification of the maze procedure for atrial flutter and atrial
cia da lesão da artéria coronária esquerda ao mau posiciona- fibrillation I. Rationale and surgical results. J Thorac Cardiovasc
mento do clamp utilizado para ablação por microondas. Surg 1995; 110(2): 473.
Benussi e col.3 propuseram método para prevenir a 11. Cox JL, Canavan TE, Schuessler RB, Cain ME, Lindsay BD,
Stone C, et al. The surgical treatment of atrial fibrillation II.
ocorrência de lesões nos ramos da artéria coronária circun- Intraoperative electrophysiologic mapping and description of the
flexa durante a ablação da fibrilação atrial. Os autores pro- electrophysiologic basis of atrial flutter and atrial fibrillation. J
puseram a realização da cineangiocoronariografia para Thorac Cardiovasc Surg 1991; 101: 406.
orientar a ablação no átrio esquerdo, variando de acordo 12. Cox JL, Jaquiss RDB, Schuessler RB, Boineau JP. Modification of
com a dominância das artérias coronárias. the maze procedure for atrial flutter and atrial fibrillation II.
Surgical technique of the maze III procedure. J Thorac Cardiovasc
As alternativas, atualmente disponíveis utilizando dife- Surg 1995; 110(2): 485.
rentes fontes de energia, para a realização da operação de 13. Cox JL, Schuessler RB, D’Agostino HJ, Stone CM, Chang BC,
Cox-Maze III de forma mais simples apresentam resultados Cain ME, Corr PB, et al. The surgical treatment of atrial fibrillation
satisfatórios, com índices de sucesso superiores a 80%. III. Development of a definitive surgical procedure. J Thorac
Cardiovasc Surg 1991; 101: 569.
As perspectivas futuras para o tratamento cirúrgico da 14. Cox JL. The minimally invasive maze procedure. In: Franco KL,
fibrilação atrial apontam para o alcance do procedimento ci- Verrier ED, Advanced Therapy of Cardiac Surgery. 2nd Edition,
rúrgico tido como ideal. Este deve apresentar as seguintes 2003, Hamilton, Ontário, Canadá, BC Decker. Chapter 29.

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109
15. Cox JL. The minimally invasive maze procedure. Operative treating secondary atrial fibrillation in mitral valve disease. Ann
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111
12 Cirurgia Conservadora na
Valvopatia Mitral

Pablo Maria Alberto Pomerantzeff


Carlos Manuel de Almeida Brandão
Luciano Rapold Souza

RESUMO Os trabalhos do grupo Alain Carpentier de Paris foram


muito importantes para a compreensão da doença mitral sob
A cirurgia das valvas cardíacas, especialmente a mitral a ótica cirúrgica. Este grupo desenvolveu uma classificação
apresentou grandes mudanças com o passar dos anos. A detalhando as mudanças anatômicas nas cúspides, no anel
compreensão das alterações patológicas da valva mitral, mitral, e no aparelho subvalvar das valvas mitrais insuficien-
muitas delas características de doenças específicas, tem sido tes. Três tipos de insuficiência mitral foram descritos:
de grande relevância no desenvolvimento de técnicas con- • Tipo I — quando existe movimentação normal das cús-
servadoras. Nesse capítulo serão discutidos a técnica e os pides associada à dilatação do anel ou perfuração de cúspide.
resultados da comissurotomia e da plástica mitral.
• Tipo II — quando a insuficiência decorre de prolap-
so de uma ou ambas as cúspides.
INTRODUÇÃO • Tipo III — cuja característica é a restrição da movi-
mentação das cúspides.
A cirurgia das valvas cardíacas, especialmente a mitral,
apresentou grandes mudanças com o passar dos anos. Após No tipo I o refluxo é central devido à dilatação do anel
o período a céu fechado, o uso da circulação extracorpórea ou por meio da cúspide no caso de perfuração da mesma; no
a partir de 1954 permitiu visibilizar diretamente as valvas car- tipo II a insuficiência está relacionada ao alongamento ou rup-
díacas, aprimorando a sua correção cirúrgica. A partir de 1990 tura de corda tendínea, ou ainda à ruptura de músculo papi-
os cirurgiões desenvolveram técnicas minimamente invasi- lar, o que leva a uma cúspide prolapsar mais do que a outra,
vas demonstrando benefícios no pós-operatório imediato, e com conseqüente perda de coaptação e jato assimétrico de re-
na diminuição dos custos hospitalares49. Em 1996 foi realiza- fluxo. No tipo III a insuficiência resulta de fusão comissural ou
da a primeira plástica mitral videoscópica, técnica que se di- espessamento das cúspides e cordas tendíneas16.
fundiu utilizando sistema de canulação por punção dos A compreensão destas alterações patológicas, muitas
vasos periféricos para instalação da circulação extracorpó- delas características de doenças específicas, tem sido de
rea18. Desde 1998, alguns centros estão utilizando a robóti- grande relevância no desenvolvimento de técnicas conser-
ca para cirurgias valvares19. Nifong e col.50 relatam uma série vadoras da valva mitral25.
de 38 pacientes submetidos a plástica da válvula mitral
utilizando a robótica, com visualização tridimensional, res- COMISSUROTOMIA MITRAL
saltando que os instrumentos articulados proporcionam ma-
nipulação precisa dos tecidos, e que não houve mortalidade A comissurotomia mitral tem como objetivo restabele-
operatória nesta série. Além da robótica, autores como Alfi- cer a área valvar adequada por meio da secção da fusão co-
eri e col.3 desenvolveram técnica que permite uma plástica da missural e dos papilares mantendo a competência valvar.
valva mitral sem a utilização de circulação extracorpórea, Os primeiros relatos com a comissurotomia mitral a céu
com o coração batendo, o que tem aplicação na correção da aberto demonstraram hemodinâmica e significativa redução
insuficiência mitral isquêmica com revascularização do mio- da área cardíaca com a comissurotomia a céu aberto em re-
cárdio sem circulação extracorpórea e na insuficiência mitral lação à técnica fechada, com mortalidade semelhante45. En-
secundária à miocardiopatia. tre as décadas de 1970 e 1980, outros estudos seguiram

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113
demonstrando as vantagens da técnica aberta22,32,41,60,67. Si- mitral a céu aberto, com escore ecocardiográfico ≤ 9. O va-
tuações como abertura valvar inadequada, excessiva ou in- lor médio da área valvar mitral foi de 0,94 (± 0,19 cm2) no pré-
suficiente, laceração inadvertida do aparelho valvar e operatório. Não houve mortalidade hospitalar. Em 11 anos,
embolismo sistêmico decorrente da presença de trombos in- a sobrevida atuarial foi de 94,3 (± 4,0%), a sobrevida livre
tracavitários tornaram-se menos freqüentes. A experiência com óbito relacionado à valvopatia foi de 96,4 (± 3,5%), li-
acumulada certificou a eficácia e o baixo índice de morbi- vre de tromboembolismo de 92,9 (± 3,9%) e livre de reope-
mortalidade da comissurotomia mitral a céu aberto39. ração de 76,7 (± 12,6%). Somando-se a estes, os casos
O advento da circulação extracorpórea viabilizou tam- submetidos a valvoplastia por balão no seguimento, a sobre-
bém a cirurgia de troca valvar. A necessidade da troca se im- vida atuarial livre de reintervenção foi de 72,1 (± 12,3%). Não
punha quando as técnicas conservadoras falhavam. Era de houve endocardite nesta casuística. A média da área valvar
concordância geral que valvas calcificadas e imóveis não se mitral foi 2,50 (± 0,44 cm2) no pós-operatório imediato, decres-
prestavam à aplicação de técnicas reconstrutivas27. As de- cendo para 1,74 (± 0,40 cm2) no quinto ano, com subseqüente
cisões a este respeito dependiam principalmente da avalia- estabilização. Pacientes com maior escore ecocardiográfico
ção intra-operatória do aparelho valvar. dentro da casuística tiveram piores resultados na evolução
Em 1984 surgiu mais uma opção para o tratamento da tardia quanto à área valvar mitral. O componente subvalvar
estenose mitral. Inoue e col.44 introduziram a dilatação per- do escore isoladamente não influenciou esta evolução. Os
cutânea da valva mitral por cateter-balão. O inegável interes- casos com aumento mais expressivo da área valvar no pós-
se despertado pelo procedimento menos invasivo gerou uma operatório imediato apresentaram redução mais acelerada
linha de pesquisa com intensa produção científica mundial. nos primeiros anos do seguimento, de forma que o resulta-
Critérios objetivos para a indicação do procedimento foram do imediato quanto à área valvar mitral não exerceu influên-
criados quando Block e col.13 observaram a relação inversa cia sobre o resultado tardio. Este estudo demonstrou uma
entre o escore ecocardiográfico e o grau de sucesso da di- correlação entre o escore ecocardiográficos, e os resultados
latação. A valvoplastia por balão passou então a ser indicada da comissurotomia mitral demonstraram também uma tendên-
nos casos com escore ecocardiográfico ≤ 8, proporcionan- cia à estabilização da área valvar mitral no pós-operatório
do, na maioria das séries, aumento da área valvar de valores tardio e apontou a potencial vantagem da comissurotomia
em torno de 1,0 cm2 para 2,0 cm2 aproximadamente38,52. De mitral a céu aberto nos casos onde as lesões do plano sub-
acordo com os guias internacionais de normatização, a co- valvar são predominantes. Quanto a este último aspecto, al-
missurotomia mitral está indicada para indivíduos com esco- guns estudos associaram maior acometimento do aparelho
re ecocardiográfico ≤ 8 se houver trombo intracavitário ou subvalvar a piores resultados na comissurotomia fechada e
risco aumentado para fenômenos tromboembólicos ou então na valvoplastia por balão8,40,65.
se não estiver disponível a valvoplastia por balão. Para os Choudhary e col.21 utilizaram, como critério para indica-
pacientes com escore > 8, está indicado o tratamento cirúr- ção da comissurotomia mitral a céu aberto, a gravidade da
gico58. Nesses casos, a opção pela cirurgia conservadora ain- doença no plano subvalvar, a presença de calcificação, de
da depende da avaliação intra-operatória. trombo atrial, de regurgitação discreta, a doença de outra val-
A hipótese de que pacientes com escore ecocardiográ- va associada e a falha de tratamento ou reestenose após co-
fico adequado à indicação da valvoplastia por balão pode- missurotomia fechada ou valvoplastia por balão. Com 276
riam ter melhores resultados se tratados cirurgicamente por pacientes operados, a média da área valvar inicial de 0,52
meio da comissurotomia mitral a céu aberto não tardou a ser co- (± 0,12 cm2) aumentou para 2,60 (± 0,60 cm2) no pós-opera-
gitada. Antunes e col.5,6 foram os primeiros a adotar o escore tório imediato. Foram realizados procedimentos associados
ecocardiográfico como critério para indicação da comissuroto- em 55 pacientes, com quatro óbitos hospitalares neste gru-
mia mitral a céu aberto obtendo resultados aparentemente su- po. Três pacientes apresentaram regurgitação importante no
periores aos da valvoplastia por balão. Em 100 pacientes pós-operatório imediato sendo submetidos a reoperação. A
com escore ecocardiográfico ≤ 10, o valor médio pré-opera- sobrevida livre de falência da valva mitral, definida no estu-
tório da área valvar mitral de 1,04 (± 0,23 cm2) aumentou para do como óbito relacionado à valvopatia ou reoperação ou
2,88 (± 0,49 cm2) no pós-operatório imediato. O mesmo gru- desenvolvimento de insuficiência importante ou de reeste-
po foi reavaliado no seguimento tardio obtendo uma sobre- nose, foi de 87,0 (± 3,5%) em 10 anos. Em 193 pacientes sub-
vida atuarial de 96% em nove anos, sobrevida livre de metidos a comissurotomia sem procedimentos associados
reoperação de 98% e sobrevida livre de eventos relaciona- não houve mortalidade hospitalar nem tardia. Desses, 97,3%
dos à valvopatia de 92% no mesmo período. No pós-opera- se apresentavam em classe funcional I ou II na última ava-
tório tardio, 93% dos casos se encontravam em classe liação clínica.
funcional I ou II e o valor médio da área valvar mitral foi de Estudos randomizados comparando valvoplastia e co-
2,37 (± 0,42 cm2). As publicações destes autores apontam o missurotomia mitral a céu aberto em pacientes selecionados
potencial benefício da cirurgia conservadora indicada com por meio do escore ecocardiográfico ainda são escassos na
base no escore ecocardiográfico. literatura. Alguns demonstram resultados semelhantes em
Atuando na mesma linha de pesquisa no Instituto do comparações entre valvoplastia e comissurotomia fecha-
Coração63, avaliamos anualmente em um seguimento máximo da7,66, mas os resultados da comissurotomia a céu aberto são
de 132 meses, 50 pacientes submetidos a comissurotomia reconhecidamente melhores que os da técnica fechada.

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114
Cardoso e col.15, em estudo prospectivo e randomizado ciência mitral decorre da perda de superfície de coaptação
comparando comissurotomia mitral a céu aberto com valvo- eficiente das cúspides durante a sístole ventricular, permitin-
plastia por balão em 88 pacientes com escore ≤ 9, demons- do o refluxo. O objetivo da plástica consiste em restabelecer
traram melhores resultados imediatos com o tratamento esta coaptação, preservando área valvar adequada, o que
cirúrgico. O grupo submetido a valvoplastia teve um aumen- significa corrigir a insuficiência sem causar estenose. Para
to do valor médio da área valvar mitral de 1,05 (± 0,25 cm2) tanto, devem ser utilizadas técnicas reprodutíveis, duráveis,
para 2,18 (± 0,40 cm2) enquanto o grupo comissurotomia teve com baixo risco operatório e de resultados previsíveis.
um aumento de 0,98 (± 0,21 cm2) para 2,52 (± 0,46 cm2). Com A cirurgia conservadora da valva mitral em muito se
um seguimento de 12 meses, a diferença de área valvar en- beneficiou com o desenvolvimento da ecodopplercardio-
tre os grupos se atenuou. O valor médio da área valvar mi- grafia. O estudo pré-operatório é fundamental na seleção
tral após 12 meses foi de 2,02 (± 0,42 cm2) para o grupo de pacientes e de grande valia para a decisão do momento
valvoplastia e de 2,13 (± 0,32 cm2) para o grupo comissuro- adequado da operação. O acompanhamento transesofágico
tomia. A ocorrência de insuficiência mitral foi maior no gru- intra-operatório visa confirmar as lesões antes da instalação
po valvoplastia, com um paciente submetido a troca valvar da circulação extracorpórea, avaliar a correção realizada e
por bioprótese após 45 dias devido à dupla disfunção. À ex- comparar a função ventricular pré- e pós-correção. É tam-
ceção deste caso, os dois grupos tiveram resultados seme- bém o exame de excelência para acompanhamento tardio
lhantes quanto à classe funcional. dos pacientes47.
Reyes e col.57, em estudo semelhante com 60 pacientes, São aceitas como vantagens da reconstrução valvar
apresentaram resultados de difícil interpretação. O valor mé- mitral em relação à substituição valvar a menor morbimorta-
dio da área valvar mitral, segundo estes autores, teve um lidade operatória, menores taxas de tromboembolismo e en-
aumento imediato similar nos dois grupos, partindo de 0,9 (+ docardite, melhores índices de sobrevida, preservação da
0,3 cm2) para 2,1 (+ 0,6 cm2) no grupo valvoplastia e de 0,9 função ventricular esquerda, necessidades reduzidas de an-
(+ 0,3 cm2) para 2,0 (+ 0,6 cm2) no grupo comissurotomia. ticoagulação e menores custos37,48,51,64.
Após três anos, a área valvar reduziu para 1,8 (+ 0,4 cm2) Recente publicação do banco de dados da Sociedade de
no grupo comissurotomia e curiosamente aumentou para Cirurgia Torácica dos Estados Unidos demonstrou aumento
2,4 (+ 0,6 cm2) no grupo valvoplastia. Os autores considera- significativo de utilização de plástica mitral naquele país, com-
ram este último resultado vantajoso para o grupo submeti- parando-se os números do ano de 1990 com 199959. As taxas
do a valvoplastia por balão, mas tal evolução pode estar se elevaram de 23,2% para 32% (p < 0,0001). Este mesmo ban-
associada ao desenvolvimento de regurgitação importante, co de dados relata 21.741 procedimentos mitrais nos anos de
o que não está claramente descrito na publicação. 1999 e 2000, com 8.206 plásticas, o que corresponde a 37,7%.
Essop e col.28 em estudo retrospectivo comparando a Esta publicação sugere que a plástica mitral é subutilizada e
evolução tardia de 241 pacientes submetidos a comissuro- que o número destes procedimentos deverá aumentar ainda
tomia e 230 submetidos a valvoplastia por balão descreve- mais nos próximos anos. Em recente editorial34, Robert Frater
ram resultados semelhantes nos dois grupos, demonstrando destaca alguns pontos que considera importante para formar
por meio de um modelo de regressão linear que ocorreu em um cirurgião que esteja totalmente apto a realizar plásticas da
ambos uma redução progressiva da área valvar mitral a par- valva mitral, a saber: ter freqüentado serviço que regularmente
tir do pós-operatório imediato. No grupo cirúrgico, entretan- faça este tipo de cirurgia, feito plásticas com técnicas estabe-
to, haviam 130 pacientes submetidos a comissurotomia lecidas sob supervisão e finalmente fazer o seu próprio poli-
fechada, 32 dos quais, operados antes da introdução da eco- ciamento publicando os resultados.
cardiografia. Para a obtenção de bons resultados com a plástica da
A utilização do escore ecocardiográfico permite a com- valva mitral, é necessário o conhecimento da estrutura dinâ-
paração dos resultados cirúrgicos com os do tratamento per- mica tridimensional da valva e do seu funcionamento mecâ-
cutâneo, identificando o perfil dos pacientes ideais para cada nico normal por meio do ciclo cardíaco, bem como o domínio
tipo de tratamento. Nos últimos anos, este parece ter sido um das diversas técnicas de reconstrução valvar e a habilidade de
dos avanços mais importantes no que se refere à cirurgia integrar estas técnicas para a correção da insuficiência mitral.
conservadora para tratamento da estenose mitral. A configuração do anel mitral pode ser comparada com
uma sela, onde a parte mais alta corresponderia às cúspides
PLÁSTICA MITRAL durante a sístole ventricular, e a mais baixa ao segmento das
comissuras36. Esta forma possibilita que o anel anterior da
Devemos reconstruir valvas mitrais e não trocá-las sem- mitral circunde a via de saída do ventrículo esquerdo sem
pre que isto for possível. Esta afirmação é hoje universal- prejuízo da mesma. Além disso, o anel mitral é submetido a
mente aceita. Segundo Randolph Chitwood20 devemos salvar alterações periódicas em formato e tamanho durante o ciclo
valvas e não condená-las. cardíaco, com evidente contração do mesmo durante a sís-
O termo “plástica” nas cirurgias valvares é utilizado tole. Este mecanismo de esfíncter aumenta a superfície de
para designar técnica ou conjunto de técnicas que possibi- coaptação das cúspides durante a sístole e ajuda a aumen-
litam a correção do refluxo por meio das mesmas. A insufi- tar a área valvar mitral durante a diástole. A redução da área

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115
mitral durante a sístole ocorre principalmente devido à con- Detalhes técnicos gerais são importantes nas reconstru-
tração do anel posterior. A porção do anel anterior é mais di- ções mitrais e devem fazer parte da rotina do cirurgião após
nâmica43. Dilatação patológica do anel mitral ocorre na maioria a instalação da circulação extracorpórea. Após o pinçamen-
das vezes na porção correspondente à cúspide posterior, pois to da aorta e da abertura do átrio esquerdo e, preferencial-
a porção do anel anterior entre os trígonos fibrosos tende a mente antes da injeção da solução cardioplégica, deve-se
ser mais estável. Recente estudo feito em corações post mor- inspecionar a aurícula esquerda na procura de trombos, ex-
tem de cardiomiopatia dilatada no Incor demonstrou dilatação por e analisar minuciosamente a valva mitral. Esta análise
do anel posterior e também do anterior42. consiste na tração das cúspides em vários pontos de refe-
Estas considerações demonstram por que na grande rência para detecção de segmentos prolapsados ou retraí-
maioria das plásticas mitrais realizamos algum tipo de anu- dos, exploração do plano subvalvar, além da observação de
loplastia. Estas podem ser plicaturas do anel posterior após lesão de jato na parede interna do átrio esquerdo.
ressecções de segmento de cúspide posterior ou algum tipo O prolapso da valva mitral decorrente de degeneração
de implante de anel, ou ainda uma tira de tecido sintético ou mixomatosa evolui com uma variedade de síndromes clínicas.
biológico ancorando a porção posterior do anel mitral. Os Elas incluem a insuficiência mitral nos seus mais variados
anéis também podem ser de tecido biológico ou sintético e graus. O mecanismo mais freqüente desta insuficiência é o
ainda rígidos ou flexíveis, totais ou parciais. Podemos citar alongamento ou rotura de cordas, preferencialmente da cús-
entre outros os anéis de Carpentier, Duran, Cosgrove e Gre- pide posterior e hoje tem indicação precisa de plástica para
gori. Outra atuação que pode ser feita no anel mitral é des- a correção valvar. Em vários países, esta é a causa mais fre-
calcificação parcial ou total do mesmo. qüente de insuficiência mitral33,35. Em pacientes portadores
No Incor temos utilizado a tira de pericárdio bovino tra- de degeneração mixomatosa com rotura ou alongamento de
tado em glutaraldeído de trígono a trígono para anuloplas- cordas tendíneas da cúspide posterior realizamos a ressec-
tia posterior. Ainda existe grande controvérsia sobre qual ção quadrangular da cúspide posterior, com resultados simi-
seria o tipo de anel ideal para remodelamento da geometria lares aos da literatura17,54. Nestes pacientes, desde abril de
da mitral. Este deveria ter um formato que não seria plano e 1994, utilizamos a técnica do “Duplo Teflon” (Fig. 12.1) com
apresentar movimento fisiológico acompanhando o ciclo car- bons resultados56. Pacientes que apresentam rotura de cor-
díaco. Além disto, corrigir a dilatação do anel, preservando da de cúspide anterior da valva mitral têm sido preferencial-
o movimento das cúspides e não interferindo na movimen- mente tratados pela técnica de ressecção em cunha paralela
tação do anel anterior ou da valva aórtica, preservando a via ao anel do segmento acometido, sutura desta cúspide, e anu-
de saída do ventrículo esquerdo10,12,26. loplastia posterior complementar29,31. Excepcionalmente tem
Nas cúspides podemos atuar de várias formas. A técni- sido realizada transferência de cordas.
ca mais utilizada é a ressecção quadrangular de cúspide pos- Apesar de resultados tardios nem sempre satisfatórios,
terior, com plicatura do anel correspondente ao segmento acreditamos que a plástica mitral em pacientes portadores de
ressecado. Quando este segmento retirado corresponde a valvopatia decorrente da febre reumática deva ser realizada
mais de um terço da cúspide posterior, devemos utilizar a téc- quando existe boa mobilidade da cúspide anterior, principal-
nica do deslizamento, que consiste em cortar os segmentos mente nos pacientes jovens4,11,53,55. Geralmente, nestes pa-
remanescentes junto ao anel e reinseri-los progressivamen- cientes, o que encontramos são duplas lesões mitrais. A
te para que ocupem toda a extensão do mesmo. Podemos correção é realizada por meio de comissurotomia para aber-
também suturar fendas, fechar orifícios com remendos sin- tura da fusão comissural, papilarotomias múltiplas para libe-
téticos, homólogos ou heterólogos, realizar extensão de cús- ração da cúspide posterior e anuloplastia posterior com tira
pides, principalmente da posterior, e ainda descalcificar ou de pericárdio bovino. Quando a cúspide posterior é muito re-
desbastar cúspides. A limitação da plástica mitral está rela- traída, temos feito a extensão da mesma com pericárdio bo-
cionada à qualidade do tecido da cúspide anterior. A falta de vino, após a sua liberação junto ao anel posterior.
flexibilidade da mesma é fator de contra-indicação46. Temos utilizado retalhos de pericárdio bovino para subs-
Técnicas que atuam em cordas tendíneas e músculos tituir segmentos de cúspides de pacientes que apresentam
papilares visam obter boa coaptação das cúspides da mitral. perfuração das mesmas após endocardite bacteriana. Pacien-
Cordas tendíneas podem ser encurtadas na altura dos papi- tes que apresentam insuficiência mitral crônica de origem is-
lares ou junto à borda livre das cúspides. Na existência de quêmica têm sido corrigidos com plicatura do papilar
rotura de corda de cúspide anterior, existe a possibilidade de acometido (Fig. 12.2) e anuloplastia posterior, como sugerem
transferência de corda da cúspide posterior para a anterior. outros autores2,30.
Cordas artificiais, como, por exemplo, de PTFE (politetrafluo- Nos últimos anos, vários trabalhos têm ressaltado os
retileno expandido), podem ajudar na correção de segmen- resultados da plástica da valva mitral na miocardiopatia di-
tos prolapsados de cúspides24. Quanto aos papilares, estes latada com insuficiência mitral, como os de Calafiore e col.14
podem ser secionados, caracterizando as assim chamadas e Badhwar e Bolling9. Outro grupo que está se tornando mais
papilarotomias, sendo estas indispensáveis nas plásticas freqüente nos últimos anos é o de pacientes referidos para
realizadas em portadores de dupla lesão mitral reumática. plástica da valva mitral em reoperações 1, o que envolve além
Músculos papilares podem ser encurtados pela técnica de dos cuidados habituais das reoperações, o conhecimento
ressecção em cunha ou estendidos. das várias técnicas de plástica da valva mitral.

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116
Fig. 12.2 — Encurtamento de músculo papilar (isquêmico).

da valva mitral por apresentar melhora significativa do estado


clínico dos pacientes, baixa mortalidade hospitalar e altas
taxas de sobrevida na evolução tardia dos pacientes.

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gamento de cordas da cúspide posterior, nos quais a possi- 12. Bevilacqua S, Cerillo AG, Gianetti J, Paradossi U, Mariani M,
bilidade de plástica é alta. Os resultados publicados destes Matteucci S et al. Mitral valve repair for degenerative disease: is
pericardial posterior annuloplasty a durable option? Eur J Cardiothorac
grupos são bastante satisfatórios23,61,62.
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13 Próteses Valvares

Pablo Maria Alberto Pomerantzeff


Altamiro Ribeiro Dias
Carlos Manuel de Almeida Brandão

RESUMO cas, tanto os homólogos, quanto os heterólogos. As próte-


ses biológicas confeccionadas com tecidos autólogos apa-
Os autores abordam a evolução da cirurgia de substi- receram em 1966, com Senning59, que desenvolveu uma
tuição valvar, e apresentam os vários tipos de próteses uti- prótese com fáscia lata. As próteses heterólogas surgiram em
lizados na atualidade, com resultados tardios da literatura e 1968, com Binet e col.3, que confeccionaram as primeiras pró-
de experiência própria. teses porcinas. No início dos anos 1970, Puig e col.52 desen-
volveram uma prótese homóloga com dura-máter humana
INTRODUÇÃO tratada pelo glicerol. Em 1972, Ionescu e col.33 apresentaram
os primeiros resultados com a prótese de pericárdio bovino
Na correção cirúrgica das valvopatias, muito se trabalhou tratada pelo glutaraldeído. A introdução do glutaraldeído em
no sentido de desenvolver o substituto valvar ideal. Em 1962, baixas concentrações por Carpentier e col.9, em 1969, para a
Harken30 publicou os atributos do substituto valvar ideal: conservação de tecidos biológicos trouxe um grande avan-
• Baixa trombogenicidade. ço no campo das próteses biológicas, que passaram a ser
• Boa durabilidade. conhecidas como biopróteses.
• Pouca hemólise. No Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da
• Facilidade de implante. Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, existe
• Não perturbar o paciente com ruído excessivo. um grande número de cirurgias valvares, devido à grande
prevalência da febre reumática entre nossos pacientes e
• Fechar prontamente com o ciclo cardíaco.
conseqüentemente uma grande utilização de próteses51.
• Ser quimicamente inerte.
• Não lesar os elementos figurados do sangue.
BIOPRÓTESES
• Não oferecer resistência aos fluxos fisiológicos.
• Permanecer fechado durante a fase apropriada do ci- Os substitutos valvares biológicos se caracterizam pela
clo cardíaco. baixa trombogenicidade, baixa turbulência devido ao seu fluxo
• Ser passível de colocação em posição anatômica e central, boa hemodinâmica, facilidade de implante e ausência
permitir fixação definitiva. de ruído. As limitações das biopróteses estão relacionadas à
Os substitutos valvares mecânicos apresentaram um sua durabilidade, principalmente à rotura e à calcificação, o
grande desenvolvimento desde o seu primeiro modelo im- que condiciona os pacientes a várias reoperações, com os
plantado por Hufnagel32, em 1951, passando por várias fases seus custos e riscos associados7.
como as próteses de bola, as de disco pivotante, as de disco A experiência publicada do Instituto do Coração50 com
basculante e posteriormente das de duplo disco24. A intro- as biopróteses de pericárdio bovino era constituída por 2.607
dução do carbono pirolítico4 na confecção destas próteses biopróteses implantadas em 2.259 pacientes entre 1982 e
veio a colaborar com os seus resultados, principalmente no 1995. A mortalidade hospitalar foi 4,7% para a substituição
que se refere ao tromboembolismo. aórtica, 8,6% para a substituição mitral e 12,8% para a dupla
Os tecidos biológicos têm sido utilizados por mais de substituição mitral e aórtica. As taxas lineares para os even-
30 anos para a confecção de substitutos das valvas cardía- tos tardios foram baixas e a sobrevida atuarial em 15 anos foi

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de 49,1%, comparável a outras séries com próteses biológi- Cosgrove e col.13 demonstraram a superioridade hemodinâ-
cas publicadas na literatura. A sobrevida livre de rotura foi mica da prótese de pericárdio bovino sobre a porcina, com
de 43,7% e a livre de calcificação de 48,8%, sendo pior para maior área valvar efetiva e menor gradiente transvalvar. Le
a posição mitral (Fig. 13.1). A incidência de eventos trombo- Torneau e col.39, em estudo clínico e ecocardiográfico de 10
embólicos foi baixa, mesmo sem a utilização de anticoagula- anos, compararam as próteses porcina e de pericárdio bovi-
ção nos três primeiros meses do implante, como preconizado no da Carpentier-Edwards na posição aórtica, mostrando
em alguns serviços. melhores resultados para a prótese de pericárdio bovino.
Myken e col.46, em série de 1.187 pacientes com bio-
próteses porcinas St. Jude Medical Biocor, apresentaram
boa evolução em 15 anos, com sobrevida atuarial de 41%
para a posição aórtica e 25% para a mitral, com baixa inci-
dência de disfunção estrutural (Fig. 13.2) e outros eventos
relacionados à valva. Outra prótese porcina muito utilizada
é a Hancock, com resultados tardios bastante satisfatórios
e comparáveis às outras biopróteses, como os apresenta-
dos por Cohn e col.12 e Santini e col.58 em séries com 20
anos de seguimento.

Fig. 13.1 — Bioprótese calcificada de pericárdio bovino 10 anos após


o implante.

Em amplo estudo multicêntrico com a prótese de peri-


cárdio bovino Carpentier-Edwards Perimount, Marchand e
col.45 apresentaram 37,1% de sobrevida atuarial com 68,8%
livre de disfunção estrutural em 14 anos. As taxas lineares
dos eventos endocardite e tromboembolismo foram baixas,
mostrando o bom desempenho destas biopróteses.
Jamieson e col.34, em estudo com 21 anos de seguimento
de 1.181 pacientes com próteses porcinas Carpentier-Edwards,
apresentaram resultados muito satisfatórios, principalmente Fig. 13.2 — Bioprótese porcina com rotura 12 anos após o implante.
nos pacientes acima de 70 anos, com sobrevida livre de dis-
função estrutural de 40,6% para a posição aórtica e 15,5%
Biopróteses com novas tecnologias de tratamento dos
para a posição mitral, sendo que estas expectativas de so-
tecidos e novos desenhos já foram estudadas tardiamente.
brevida aumentam para 82,9% e 89,8% no grupo acima de 70
Jamieson e col.37 publicaram recentemente os resultados tar-
anos. No Instituto do Coração, obtivemos resultados seme-
dios com as próteses porcinas Carpentier-Edwards Supraan-
lhantes nesta faixa etária de pacientes com a utilização de
nular, com o tecido porcino fixado em glutaraldeído a baixa
próteses de pericárdio bovino6. pressão 2 mmHg e tratado com agentes anticalcificantes. Os
A disfunção estrutural é a principal complicação tardia resultados parecem animadores, com sobrevida livre de dis-
das biopróteses e é diretamente dependente da idade, como função estrutural de 69,4% para pacientes entre 61 e 70 anos
ficou bem demonstrado no trabalho de Jamieson e col.36 em e de 91,8% para pacientes acima de 70 anos. O mesmo au-
1988, que identificaram a calcificação primária como a prin- tor, em estudo multicêntrico realizado no Canadá38, publicou
cipal causa de disfunção estrutural, ocorrendo principalmen- resultados bastante favoráveis com as próteses porcinas
te nas crianças e nos adolescentes. Além da idade jovem, Medtronic Intact, com fixação pelo glutaraldeído sem pres-
outros fatores de risco para disfunção estrutural foram des- são zero-pressure. A sobrevida atuarial livre de disfunção
critos, como a posição mitral, a insuficiência renal26 e o tipo de estrutural em 12 anos foi de 68,2% para pacientes entre 21 e
bioprótese. Reichenspurner e col.53, em estudo comparativo 40 anos e de 97,7% para pacientes acima de 70 anos. A se-
entre próteses porcinas e de pericárdio bovino, encontraram gunda geração da prótese porcina Hancock, a Hancock II,
menor incidência de disfunção estrutural nas próteses por- com baixa pressão de fixação do glutaraldeído e tratamento
cinas, porém menores taxas de tromboembolismo e endocar- anticalcificante, já apresenta resultados tardios publicados
dite nas próteses de pericárdio bovino, o que foi atribuído na literatura, com 71,8% de sobrevida livre de disfunção es-
a uma melhor performance hemodinâmica destas próteses. trutural em 15 anos54.

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Uma prótese considerada de terceira geração, a Medtronic
Mosaic é uma prótese porcina que incorporou novas tecno-
logias antimineralizantes no tratamento do tecido com ácido
alfa-amino-oléico e stent de baixo perfil semiflexível. Os re-
sultados publicados ainda são de curto seguimento, porém
animadores, como os publicados por Thomson e col.61 no
trial internacional de investigação desta prótese.
Outra tecnologia empregada no tratamento dos tecidos bio-
lógicos é a fixação a alta temperatura, iniciada por Carpentier e
col.10 Berrebi e col.2 publicaram resultados de nove anos com
a utilização destas próteses em 50 pacientes jovens, obten-
do resultados superiores aos das próteses convencionais
nesta faixa etária.
Nos últimos anos, tem ganhado destaque a utilização
de tecidos descelularizados, que reduzem a antigenicidade
e permitem a manutenção da integridade da matriz celular,
possibilitando a reendotelização por células do hospedeiro.
Isso permitiria uma maior resistência à disfunção endotelial
Fig. 13.3 — Prótese mecânica mitral de duplo folheto com trombose.
pela menor reação imunológica e também menor tromboge-
nicidade19,22.
Outro campo de pesquisa em tecidos biológicos diz sob alguns aspectos. Em nosso serviço há uma maior utili-
respeito à utilização de tecidos frescos geneticamente modi- zação de biopróteses em substituições valvares, o que faz
ficados, como o estudo experimental de Chen e col.11 com com que as próteses mecânicas sejam implantadas em pa-
valvas frescas de porcos transgênicos que expressam pro- cientes selecionados. Estes, por sua vez, controlam mais
teínas humanas do sistema complemento. adequadamente a anticoagulação, o que poderia explicar em
Atualmente, a questão de maior interesse é se esta nova parte a baixa incidência destes eventos.
geração de próteses com estes diversos tratamentos de te- As próteses mecânicas que apresentam os resultados
cidos e novos desenhos irá contribuir para a redução da dis- mais tardios da literatura são as de Starr-Edwards, visto que
função estrutural na evolução tardia, mantendo a baixa estas foram durante muitos anos as próteses de escolha em
trombogenicidade e as demais vantagens das próteses bio- muitos centros mundiais, e um número significativo de pa-
lógicas, algumas com 20 anos de resultados consistentes. cientes ainda está vivo com estas. Godje e col.28, em série
publicada com 30 anos de seguimento, mostraram boa so-
PRÓTESES MECÂNICAS brevida atuarial e baixa incidência de tromboembolismo,
mesmo na posição mitral. A avaliação ecocardiográfica dos
A escolha de um tipo de prótese mecânica é realizada sobreviventes demonstrou bom desempenho hemodinâmi-
de acordo com a sua hemodinâmica e durabilidade, bem co destas próteses, com baixos gradientes transvalvares e
como a sua incidência de tromboembolismo e hemorragia boa função ventricular esquerda na grande maioria dos pa-
secundárias à anticoagulação. As próteses mecânicas de cientes. Lund e col.43 identificaram a idade superior a 70
duplo folheto apresentam boas características hemodinâmi- anos, a classe funcional IV e o tamanho da prótese, como
cas, baixo perfil, boa durabilidade e baixas taxas de trom- fatores de risco para complicações relacionadas à valva na
bose (Fig. 13.3) e tromboembolismo, sendo as mais evolução tardia de 31 anos com as próteses Starr-Edwards
utilizadas na atualidade. na posição aórtica.
A indicação das próteses mecânicas está bem estabe- Outro tipo de prótese mecânica ainda utilizada em al-
lecida em crianças e adultos jovens, como este grupo está guns centros é a de disco único basculante, devido ao seu
associado à alta incidência de disfunção estrutural com a menor custo. Edwards e col.20 mostraram resultados tardios
utilização de biopróteses. Emery e col.23, em recente publica- pouco satisfatórios com a prótese Omniscience, com alta
ção de 20 anos de evolução com próteses St. Jude Medical incidência de trombose e tromboembolismo, o que deve ser
em posição aórtica, mostraram excelentes resultados em pa- conseqüente a sua abertura limitada do disco único. A próte-
cientes abaixo de 50 anos de idade, com baixa incidência de se de Bjork-Shiley, também muito utilizada no passado50, teve
eventos e boa sobrevida tardia. seu uso clínico abandonado por apresentar fratura espontâ-
Os resultados clínicos tardios com a utilização de pró- nea do elemento oclusor em alguns modelos, e a sua subs-
teses mecânicas de duplo folheto no Instituto do Coração tituição profilática é recomendada por alguns centros.
foram publicados recentemente8. A incidência de eventos Os resultados tardios com a utilização da prótese me-
tardios foi baixa, incluindo o tromboembolismo e a hemorra- cânica St. Jude Medical são bastante satisfatórios, como os
gia. Estes resultados favoráveis das taxas lineares de even- demonstrados por Lund e col.44 com baixa incidência de trom-
tos tromboembólicos e hemorrágicos devem ser analisados boembolismo, hemólise, hemorragia relacionada à anticoagu-

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lação, baixa mortalidade relacionada à valva e ausência de Outra prótese stentless muito utilizada é a Cryolife
falha mecânica aos 18 anos de evolução. O’Brien. Em série de sete anos de seguimento, Gelsomino e
Outra prótese mecânica de última geração amplamente uti- col.27 publicaram sobrevida atuarial de 93,6% e sobrevida li-
lizada é a Carbomedics, com resultados a médio prazo semelhan- vre de disfunção estrutural de 98,1% em sete anos, bem
tes aos da St. Jude Medical, conforme demonstrado por como redução significativa do índice de massa ventricular
Jamieson e col.35 em publicação de 1.258 pacientes acompanha- esquerda, dos gradientes transvalvares médio e máximo e
dos por oito anos. Em estudo prospectivo randomizado com- melhora da função ventricular esquerda. Segundo os auto-
parando estas duas próteses, Lim e col.40 demonstraram não res, estas próteses estão bem indicadas na substituição aór-
haver diferenças estatisticamente significativas entre a evolu- tica em pacientes com anel aórtico pequeno.
ção clínica imediata e aos cinco anos de seguimento. Para a posição mitral, também já foram propostas pró-
Outras duas próteses mecânicas de duplo folheto uti- teses stentless, porém com resultados pouco reprodutíveis62.
lizadas são a Sorin Bicarbon e a ATS Medical. Borman e col.5 Em 2001, uma nova prótese stentless com quatro folhetos foi
publicaram recentemente estudo multicêntrico europeu que proposta na literatura31, estando ainda em período de avalia-
reuniu 1.875 pacientes em 14 países. Aos 10 anos de segui- ção inicial.
mento, esta prótese apresentou baixa morbidade e mortalida-
de imediata e tardia. Emery e col.25 publicaram neste ano
experiência inicial favorável com a prótese ATS Medical, que ENXERTOS HOMÓLOGOS
apresenta modificações no pivô dos folhetos permitindo um A utilização de valvas cardíacas homólogas foi propos-
fluxo menos turbulento nesta área e conseqüentemente di- ta por Ross em 196255. Estes enxertos apresentam várias
minuindo a probabilidade de eventos tromboembólicos. vantagens sobre os heteroenxertos, como maior resistência
Em 1998, uma nova prótese de duplo folheto foi intro- à infecção, restauração do fluxo normal na raiz aórtica e seios
duzida no arsenal do cirurgião cardiovascular, a prótese coronários e baixos gradientes transvalvares. No entanto, a
Edwards Mira, que apresenta folhetos convexos que permi- experiência mundial com estes enxertos é limitada, devido a
tem um fluxo transprotético simétrico entre os folhetos. Os fatores, como escassez de doadores, dificuldades de conser-
resultados iniciais publicados na literatura são satisfatórios,18
vação e esterilização, necessidade de criação de bancos de
porém maior tempo de avaliação é necessário.
valvas para processamento e armazenamento e dificuldades
técnicas relativas ao implante.
PRÓTESES STENTLESS As indicações mais comuns na atualidade incluem
crianças e adultos jovens, endocardite de valva aórtica e re-
No final década de 1980, surgiram as biopróteses (stentless)
montadas sem o anel de sustentação, para a substituição da construções congênitas complexas.
valva aórtica17. Estas foram idealizadas para diminuir as des- No Brasil, a experiência com homoenxertos é pequena,
vantagens hemodinâmicas das biopróteses convencionais porém tem crescido recentemente14. A experiência mundial é
(stented), já que a ausência do anel diminuiria o gradiente mais extensa, mas poucos autores publicaram séries expres-
transvalvar e conseqüentemente o estresse sobre o tecido, sivas com longo tempo de seguimento. O’Brien e col.47, em
diminuindo os problemas da disfunção estrutural e redu- série de 1.022 homoenxertos aórticos com 29 anos de segui-
zindo o volume de massa do ventrículo esquerdo48, melho- mento, apresentaram resultados bastante satisfatórios, com
rando a função ventricular esquerda e a sobrevida tardia sobrevida livre de reoperação de 50% em 20 anos, sem dife-
dos pacientes. Porém a técnica de seu implante é mais com- renças quanto ao tipo de preservação. A ocorrência de trom-
plexa que as próteses convencionais, sendo associada boembolismo e endocardite foi muito baixa nesta série e a
com maiores taxas de mortalidade e reoperações precoces disfunção estrutural foi dependente da idade.
por insuficiência protética63. Sadowski e col.57, em análise de 655 pacientes em 23
Os resultados clínicos a médio prazo com as próteses anos, encontraram resultados tardios semelhantes, com
stentless são satisfatórios. Goldman e col.29 publicaram a sobrevida livre de reoperação de 49,55% em 20 anos. A
evolução de oito anos com as próteses Toronto Stentless causa principal de reoperação foi a degeneração estrutural,
implantadas em 447 pacientes na posição aórtica. Os autores em 79,8% dos casos. Porém, a mortalidade nestas reope-
observaram baixas taxas de eventos e sobrevida livre de dis- rações foi baixa, de 2,87%, semelhante a das primeiras
função estrutural de 97,4%, com baixos gradientes transvalva- operações.
res médios (4,4 mmHg) e boa área valvar efetiva (2,4 cm2). No Os enxertos homólogos mitrais, propostos na década de
entanto, quase 20% dos pacientes apresentavam insuficiên- 1960, são pouco utilizados, sendo os relatos da literatura es-
cia aórtica moderada ou importante no pós-operatório tardio, cassos e constituídos de séries pequenas de pacientes. Acar
sendo cinco deste pacientes reoperados (0,3% pacientes/ e col.1 defendem a sua utilização em um grupo restrito de pa-
ano), o que foi atribuído pelos autores à dilatação da aorta. cientes e destacam alguns detalhes técnicos fundamentais
Luciani e col.41 publicaram resultados semelhantes com as para o sucesso neste tipo de procedimento, como a utiliza-
próteses Biocor PSB Stentless, com 92% de sobrevida livre ção de um enxerto de diâmetro maior ao do anel mitral e o
de disfunção estrutural em oito anos. implante lateral dos músculos papilares.

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ENXERTOS AUTÓLOGOS 14. Costa FDA, Costa MBA, Costa IA, Poffo R, Sardeto EA, Matte
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maior destaque nos últimos anos. A sua complexidade téc- Quintaneiro V et al. The Ross procedure: is it the ideal operation
for the young with aortic valve disease? Heart Surg Fórum 1998;
nica pode ser contrabalançada pelas suas potenciais vanta- 1(2): 116-124.
gens, tais como boa hemodinâmica, resistência à infecção, 16. David TE, Omran A, Ivanov J, Armstrong S, de Sa MP, Sonnenberg
ausência de necessidade de anticoagulação e potencial de B et al. Dilatation of the pulmonary autograft after the Ross
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18. De Feo M, Renzulli A, Onorati F, Della Corte A, Dialetto G,
gens15,21, porém a dilatação do enxerto pulmonar levando à re- Covino FE, Cotrufo M. Initial clinical and hemodynamic
operação é a principal complicação tardia deste procedimento, experience with Edwards MIRA mechanical bileaflet valve. J
como demonstrado por David e col.16 Publicações recentes Cardiovasc Surg 2003; 44(1): 25-30.
mostram sobrevida livre de reoperação entre 75% e 97% em 19. Dohmen PM, Da Costa FDA, Da Costa ISEA, Konertz Wolfgang.
sete anos e os autores defendem a técnica de inclusão no in- Valvas cardíacas obtidas por engenharia de tecidos. A mais nova ge-
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126
14 Tratamento Cirúrgico da
Endocardite Infecciosa

Altamiro Ribeiro Dias


Carlos Manuel de Almeida Brandão
Pablo Maria Alberto Pomerantzeff

RESUMO endocardite infecciosa ativa19. Deste total de pacientes, 64


apresentavam infecção em valvas cardíacas, sendo 44 em
Os autores apresentam alguns artigos da literatura re- valvas naturais e 20, infecções sobre próteses valvares.
ferentes à endocardite infecciosa, abordando as caracterís- Ocorreram 11 (13,1%) óbitos neste grupo de pacientes. A ex-
ticas clínicas da doença, critérios diagnóstico, aspectos periência analisada evidenciou que o tratamento cirúrgico,
peculiares da técnica cirúrgica, profilaxia da endocardtide e uma vez indicado, deve ser prontamente instituído, o que
a experiência do Instituto do Coração com o tratamento ci- propicia a obtenção de melhores resultados.
rúrgico da endocardite infecciosa.
Cohn12 chama a atenção para alguns tópicos conside-
rados fundamentais no tratamento de lesões valvares cardía-
INTRODUÇÃO cas e endocardite, a saber:
1. Deve-se erradicar todos os focos sépticos.
Em 1961, Kay e col.38 relatam pela primeira vez, com su-
cesso, o tratamento cirúrgico de uma endocardite bacteria- 2. Deve-se reparar todos os defeitos associados.
na rebelde ao tratamento antibiótico, localizada na cúspide 3. Deve-se promover uma fixação segura do substitu-
septal da valva tricúspide do paciente infectado. to valvar.
Em 1965, Wallace e col.65 tratam cirurgicamente e com A cirurgia deve ser imediatamente indicada na presen-
sucesso um paciente com endocardite infecciosa e destrui- ça de insuficiência cardíaca, sepse persistente, fenômenos
ção da valva aórtica, com insuficiência aórtica e insuficiên- embólicos de repetição, etiologia estafilocócica, pseudomo-
cia cardíaca intratáveis. A remoção da valva aórtica infectada nas e/ou fungos. A presença de abscessos aumenta os ris-
e o implante de uma prótese em posição aórtica, levou à cura cos cirúrgicos e a tendência a recidivas.
do doente. Bogers e col.7 apresentam seus resultados do tratamen-
A partir destes trabalhos pioneiros, inúmeros outros to cirúrgico de 54 doentes, preocupados sobretudo com o
seguiram-se corroborando o acerto desta forma de tratamen- estabelecimento do momento ideal para a indicação desta
to da endocardite infecciosa. modalidade de tratamento. As indicações foram: insuficiên-
D’Agostino e col.14 analisam diferentes varáveis que in- cia cardíaca em 15 (28%) doentes, sepse persistente em 24
terferem nos resultados imediatos de 108 pacientes submeti- (44%) doentes, associação destas duas condições preceden-
dos a tratamento cirúrgico de endocardite acometendo valvas tes em 15 (28%) pacientes, bem como fenômenos embólicos
nativas. Demonstram que a etiologia pelo S. aureus, a presen- em 12 (22%) doentes. A mortalidade hospitalar foi de oito
ça de microrganismos em fragmentos de valvas excisadas (15%) casos. A mortalidade tardia global foi de oito pacien-
e submetidas a cultura, bem como a presença de abscessos tes, devido a diferentes causas. A probabilidade de sobrevi-
anulares têm especial repercussão na morbimortalidade do vência após cinco anos da operação foi de 72%, caindo para
procedimento. 47% aos 10 anos. Os autores verificaram maior mortalidade
Em 1986, tivemos a oportunidade de relatar a experiên- quando o indicativo da operação foi a presença de insufi-
cia do Instituto do Coração (InCor — HCFMUSP), com o ciência cardíaca congestiva.
tratamento cirúrgico da endocardite infecciosa, tendo sido Entre os acidentes embólicos, tem especial importância os
estudados 80 doentes submetidos a tratamento cirúrgico de relacionados ao sistema nervoso central. Havendo evidência de

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127
hemorragia, sempre que possível, o tratamento cirúrgico deve pregando retalhos de pericárdio autólogo e/ou pericárdio bo-
ser postergado por duas a três semanas, sem o que o risco de vino fixado em glutaraldeído. As indicações cirúrgicas foram:
novo sangramento no sistema nervoso central seja elevado39,28. choque cardiogênico e/ou choque séptico em 19 pacientes,
Independentemente do agente etiológico envolvido, os insuficiência cardíaca congestiva em 68, sepse persistente em
autores definem como tratamento cirúrgico precoce, aquele 64, embolizações periféricas em 20 e embolização cerebral em
que é instituído no momento em que se instala o quadro de 10 doentes. As culturas foram positivas em 110, com predo-
insuficiência cardíaca, ou quando se considera a infecção mínio de Stafilococcus. Em 76 doentes o comprometimento era
como persistente, apesar de medidas terapêuticas correta- de valvas naturais e 46 apresentavam infecções em próteses
mente instituídas. Estas observações são corroboradas no valvares. Sessenta e dois doentes apresentavam abscessos
trabalho de Larbalestier e col.40 que estudaram 158 doentes perivalvares que exigiram extensa ressecção de tecidos infec-
submetidos a tratamento cirúrgico de endocardite infecciosa tados e correspondente reconstrução. Ocorreram nove (7,4%)
ativa, sendo 109 casos de comprometimento em valvas nati- óbitos no pós-operatório imediato. A curva atuarial de sobre-
vas e 49 casos de comprometimento em proteses valvares. vida aos 10 anos de seguimento foi de 61 (± 6%). Análises lo-
Fowler e Durack25, da Duke University, discutem crité- gísticas mostraram que o estado de choque no período
rios maiores e menores para o diagnóstico de endocardite pré-operatório, a insuficiência cardíaca severa e a insuficiên-
infecciosa. Chamam de critérios maiores a presença de cul- cia renal pré-operatórios, foram fatores preditivos de mortali-
turas positivas, bem como evidências ecocardiográficas de dade. A análise da incidência de recorrências no período
comprometimento séptico endocárdico. Chamam de critérios pós-operatório tardio mostrou 79 (± 9%) pacientes livres de
menores: existência de cardiopatias subjacentes, uso habi- recidivas. Todos os oito pacientes que desenvolveram recidi-
tual de drogas injetáveis, febre, fenômenos vasculares, imu- vas no pós-operatório apresentavam abscessos anulares que
nológicos, alterações microbiológicas e/ou ecocardiográficas foram tratados na primeira operação. Os autores concluíram
complementares. Esta conceituação tem sido largamente usa- que o tratamento cirúrgico corretamente instituído oferece
da na literatura médica57. bons resultados imediatos e tardios.
Vários trabalhos publicados apresentam casuísticas sig- Moon e col.46 realizam excelente trabalho multicêntrico
nificativas de pacientes submetidos a tratamento cirúrgico de analisando os fatores que interferem na mortalidade imedia-
endocardite infecciosa. d’Udekem e col.22 relatam seus re- ta do tratamento cirúrgico da endocardite infecciosa ativa.
sultados obtidos no tratamento cirúrgico de 122 doentes As análises estatísticas demonstram que a presença de abs-
operados consecutivamente, observando-se rigidamente o cessos, insuficiência cardíaca congestiva no pré-operatório,
princípio técnico de excisão radical de todos os tecidos infec- etiologia estafilocócica e endocardites em próteses tem gran-
tados e reconstrução de estruturas, quando necessário, em- de influência na mortalidade imediata (Tabela 14.1).

Tabela 14.1
Endocardite Infecciosa Ativa — Tratamento Cirúrgico — Fatores que Influenciam a Mortalidade Imediata

Fator Estudado No de Trabalhos Mortalidade Risco IC 95% X2 P


Com Abscessos 7 72/238 (30%) 1,84 1,52-2,21 32,6 P < 0,001
Sem Abscessos 56/415 (13%)
EIA — Válvula Natural 15 155/898 (17%) 1,28 1,19-1,38 36,7 P < 0,001
Seqüelas 39/583 (7%)
Com ICC 10 108/449 (24%) 1,29 1,15-1,44 17,8 P < 0,001
Sem ICC 64/583 (11%)
Valva Aórtica 18 181/1.177 (15%) 1,01 0,81-1,25 0,8 P > 0,36
Valva Mitral 69/482 (14%)
S. Aureus 13 104/334 (30%) 1,56 1,31-1,86 18,9 P < 0,001
Outros 157/850 (18%)
EIA Precoce/Próteses 52/135 (39%) 1,71 1,24-2,36 9,2 P < 0,003
EIA Tardia/Proteses 76/325 (23%)
EIA/Próteses 18 124/478 (26%) 1,87 1,62-2,18 41,0 P < 0,001
EIA — V. Natural 149/1.178 (13%)
Nota: Observamos o fator estudado, o número de trabalhos envolvidos no tópico em questão, a taxa de mortalidade, o risco e os dados
estatísticos. Modificado de Moon46.

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128
Alexiou e col.2 analisando sua casuística de 91 pacien- valva com vegetações disseminadas por todo o aparelho
tes operados concluem que o estado hemodinâmico pré- valvar, como regra geral, temos que ressecar o aparelho valvar
operatório é o fator preditor mais importante em relação à e implantar um substituto adequado. Por vezes, entretanto, par-
alta hospitalar. A endocardite em próteses foi fator preditivo ticularmente nas valvas atrioventriculares, a vegetação pode
de recidivas e reoperações no pós-operatório tardio. Verifi- ser localizada numa ou noutra cúspide, de pequenas dimen-
caram também que a presença de miocardite séptica e o sexo sões (5 a 10 mm de diâmetro, por exemplo), o que possibilita
masculino foram fatores que interferiram na sobrevida tardia. a ressecção isolada deste fragmento, e adequada reconstru-
O agente etiológico, bem como o comprometimento de mais ção. Exemplo típico são as vegetações que acometem isola-
de uma válvula, aparentemente não interferiram nos resulta- damente a cúspide posterior da valva tricúspide. Nesta
dos destes autores. situação, basta ressecar a cúspide. A cúspide anterior e sep-
Gillinov e col.27, analisando uma série de 54 doentes tal são suficientes para garantir um bom funcionamento da
submetidos a tratamento cirúrgico de duas valvas infecta- valva tricúspide remanescente. Tal situação pode ocorrer
das, não tiveram óbitos hospitalares. Ocorreram nove óbitos com a cúspide septal, sendo a conduta similar. Este tipo de
tardios, sendo a sobrevida atuarial aos 10 anos de 73%. Oito acometimento por vezes associa-se a eletrodos transvenosos
óbitos decorreram de problemas cardiológicos e um decor- de marca-passos, os quais podem se infectar e comprome-
reu de pneumonia. Sete pacientes desenvolveram endocar- ter, isoladamente uma ou outra cúspide da valva tricúspide.
dites tardias, sendo a incidência atuarial de 84% de pacientes Nesta situação, a remoção do eletrodo infectado, associada
livres de recidivas aos 10 anos de pós-operatório. à ressecção da cúspide infectada, ou, quando possível a res-
Renzulli e col.53 estudam 308 substituições valvares por secção parcial da cúspide anterior e sua reconstrução com
endocardite ativa, realizadas em 271 doentes, procurando retalho de pericárdio resolvem o problema. Claro está, que a
determinar fatores capazes de influenciar recidivas tardias do estimulação cardíaca terá que ser restabelecida convenien-
processo infeccioso. Neste estudo, incluindo doentes com temente18.
recidivas tardias que não necessitaram de reoperações, tive-
Os mesmos princípios são aplicáveis às infecções loca-
ram uma incidência elevada de novos surtos. De fato, a in-
lizadas da valva mitral. As técnicas de reparo da ressecção
cidência de pacientes livres de recidivas em 10 anos foi de
31,6%. Dos vários fatores estudados capazes de influir na localizada podem ser:
incidência de recidivas, chamam especial atenção para dois, 1. Sutura direta do orifício.
com grande significância estatística, a saber, persistência de 2. Oclusão do orifício com retalho.
febre no pós-operatório imediato, atribuindo este fato à pro- 3. A ressecção pode eventualmente estender-se a
vável não-ressecção radical e completa dos focos sépticos. uma cabeça de papilar, a qual tem que ser ressecada con-
A não-identificação etiológica do agente infeccioso e con- comitantemente33.
seqüente não-adequação da terapêutica antibiótica, com Em situações com ressecção parcial de segmento da
grandes probabilidades levarão à recidiva. Outro fator predi- cúspide anterior da valva mitral, associada à ressecção de
tivo de recidiva tardia, foi a ocorrência de culturas positivas uma cabeça de músculo papilar infectada, a reconstrução
em fragmentos de tecidos retirados durante a intervenção
pode ser feita com um fragmento quadrangular da cúspide
cirúrgica. Não encontraram relação estatística entre recidiva
posterior, o qual é translocado para reparar a ressecção do
e o tipo de substituto valvar empregado.
fragmento infectado da cúspide anterior, tal como propôs
Nas crianças, os princípios gerais de diagnóstico e in-
Peppo e col.50. A reconstrução da cúspide posterior será feita
dicação cirúrgica são similares aos aqui expostos. Entretan-
da maneira habitual. A técnica conservadora, quando exeqüí-
to, a presença de shunts e/ou derivações previamente
realizados podem ser um fator a mais predispondo a endo- vel, reduz a mortalidade imediata e tardia, bem como possi-
cardite infecciosa24. bilita bons resultados funcionais imediatos e tardios1.
Considerando que a endocardite é uma doença infec-
ciosa sistêmica cujo manuseio cirúrgico envolve rígidos TRATAMENTO CIRÚRGICO DA ENDOCARDITE
princípios técnicos, bem como envolve múltiplos aspectos, EM D ROGADOS
abordaremos resumidamente algumas noções de técnica cirúr-
gica, seguida de considerações sobre algumas peculiaridades As técnicas conservadoras têm especial aplicação em
desta doença. Após estas considerações, será apresentada toxicomanos. Exemplo é o interessante relato apresentado
resumidamente a casuística do InCor-HCFMUSP com o trata- por Hughes e Noble33. Estes autores realizaram uma ressec-
mento cirúrgico da endocardite infecciosa ativa. ção de uma vegetação localizada na cúspide posterior da
valva tricúspide, ressecando também pequeno fragmento da
cúspide posterior. Incluíram um anel de Carpentier, com boa
PRINCÍPIOS DE TÉCNICA CIRÚRGICA NA
evolução. O paciente evoluiu bem, com cura deste quadro de
ENDOCARDITE INFECCIOSA
endocardite. Infelizmente, não abandonou o vício de usar
CIRURGIA CONSERVADORA drogas endovenosas. Cerca de dois anos depois, apresen-
tou novo quadro clínico de endocardite por S. aureus. Ha-
Toda vez que nos deparamos com um doente com diag- via insuficiência mitral e insuficiência cardíaca acentuadas.
nóstico de endocardite infecciosa, por exemplo, com uma O ecocardiograma mostrava valva tricúspide normal e vege-

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129
tação polipóide localizada na borda livre da cúspide poste- Wickline e col.66 apresentam caso de estreitamento de
rior da valva mitral. Na operação confirmou-se o diagnósti- artérias coronárias devido à compressão extrínseca produ-
co, estando preservados o plano subvalvar, bem como as zida por abscesso perivalvar aórtico que se estendia ao
cúspides, o que possibilitou uma ressecção isolada da ve- miocárdio, vindo a comprimir a artéria interventricular an-
getação com excelente evolução. O paciente faz acompanha- terior e diagonal.
mento cardiológico e acompanhamento adequado para evitar Parashara e col.49 relatam caso de angina decorrente da
o uso de drogas. Este caso, embora isolado, é emblemático compressão sistólica da artéria coronária esquerda decorren-
em relação à eficácia e à aplicabilidade das ressecções iso- te de um pseudoaneurisma séptico, localizado na transição
ladas. Sua limitante é o aspecto anatomopatológico encon- fibrosa mitroaórtica.
trado na operação, que, com maior freqüência, não permite Kasper e col.37 relatam dois casos de estabelecimento
ressecções parciais. Yee e Ullyot63 apresentam uma série de de fístulas entre a região da via de saída do ventrículo esquer-
12 pacientes submetidos a tratamento conservador, chaman- do e o átrio esquerdo, decorrentes de abscessos na região fi-
do a atenção para o fato de que esta técnica, quando viável, brosa mitroaórtica que se estabeleceram evolutivamente a
propicia bons resultados hemodinâmicos, baixa incidência de partir de abscessos situados no anel mitral.
recidivas e boa evolução tardia. Considerações e resultados Imanaka e col.34 relatam o estabelecimento de fístula en-
similares são apresentados também por Sons e col.60, bem tre a aorta e o ventrículo esquerdo, originada a partir de um
como Mos e Munt47. O comprometimento extenso das estru- abscesso perianular aórtico, bem como infecção na falsa luz
turas da valva tricúspide levou Arbulu e Asfaw4 a proporem da aorta e dissecção. Trataram cirurgicamente o paciente com
a valvulectomia tricúspide sem implante de prótese em pa- o emprego de um homoenxerto valvar aórtico, com sucesso.
cientes drogados e com quadros sépticos incontroláveis. A
Estes e inúmeros outros relatos existentes na literatura
reoperação para o implante de uma prótese no anel tricúspide,
mostram quão caprichosa pode ser esta doença, razão pela
agora livre da infecção, só estará indicada quando o trata-
qual estas complicações, abscessos e fístulas têm de ser evi-
mento clínico não conseguir controlar as alterações hemo-
tadas o mais rápido possível.
dinâmicas produzidas pela ausência de valva, particularmente
Choussat e col.11 apresentam os resultados de estudo
se houver algum grau de hipertensão pulmonar. É preciso
multicêntrico onde foram avaliados 233 pacientes com abs-
também haver evidências de que o paciente abandonou o
uso das drogas. cessos associados à endocardite infecciosa. Duzentos e treze
destes pacientes foram submetidos a tratamento médico-ci-
rúrgico, sendo 175 abscessos aórticos e 38 abscessos mi-
TRATAMENTO CIRÚRGICO DA ENDOCARDITE trais. Vinte pacientes receberam apenas tratamento clínico (17
INFECCIOSA ASSOCIADA A ABSCESSOS E/OU A FÍSTULAS aórticos e três mitrais). Os abscessos associavam-se a lesões
de valvas nativas em 156 casos e sobre próteses em 77 doen-
O tratamento cirúrgico dos abscessos associados a en-
tes. Os agentes etiológicos foram identificados em 69%, pre-
docardite infecciosa é complexo e grave, com alta morbimor-
dominando o estafilococo. O ecocardiograma, especialmente
talidade, pois os pacientes com abscessos são aqueles de
o transesofágico, teve sensibilidade para o diagnóstico em
doença já avançada, com graves alterações hemodinâmicas,
80% dos casos. A mortalidade operatória em 30 dias foi de
com estado séptico e suas conseqüências, especialmente
16%. Foram considerados fatores preditivos independentes
hematológicas, por vezes com fenômenos embólicos prévios
de mortalidade global:
e suas seqüelas. Os abscessos são freqüentemente associa-
1. Idade superior a 65 anos.
dos à presença de próteses valvares, sendo que o fato de se
tratar de uma reoperação, traz ainda mais complexidade e 2. Etiologia estafilocócica.
gravidade à abordagem cirúrgica. 3. Insuficiência renal.
O quadro clínico associado ao ecocardiograma, espe- 4. Fistulização dos abscessos.
cialmente o ecotransesofágico é a maneira correta de se sus- 5. Infecção não-controlada.
peitar e/ou diagnosticar um abscesso anular. Os abscessos 6. Abscessos circunferenciais.
com freqüência estão associados à deiscência de próteses, A mortalidade nos doentes não-operados foi de 40%, sen-
com intensos refluxos valvares e insuficiência cardíaca. do a insuficiência cardíaca severa e a fistulização dos absces-
A experiência mostra que doente com endocardite infec- sos, fatores preditivos de mortalidade na análise estatística.
ciosa e abscesso em geral é aquele doente em quem o trata- Este e vários outros trabalhos da literatura enfatizam
mento etiológico corretamente instituído ou não não surtiu o a necessidade de o tratamento cirúrgico precoce e de a
efeito terapêutico desejado. A presença do abscesso é a de- operação cirúrgica serem radicais, com exérese do material
monstração da evolução do processo séptico que, muitas ve- contido nos abscessos, bem como de todos os tecidos in-
zes, já devia ter sido tratado cirurgicamente antes do fectados circunjacentes.
aparecimento desta grave complicação. Os abscessos apresen- Chan K-L(10) analisando os resultados tardios de 43
tam comportamentos caprichosos, podendo crescer, compri- pacientes com abscessos perivalvares, dos quais 31 foram
mir estruturas, perfurar estabelecendo comunicações ou operados, chama a atenção para o fato de que estes pacientes
fístulas intercavitárias, entre a aorta e as câmaras cardíacas etc. apresentam elevadas taxas de mortalidade tardia e alta inci-

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130
dência de complicações relacionadas aos abscessos, apesar
do tratamento cirúrgico. Na opinião deste autor, a baixa ida- Tubo
valvado
de foi o único dado preditor de sobrevivência a longo prazo.
Symbas e col.61 discutem o tratamento cirúrgico de abs-
cessos anulares aórticos. Em casos de lojas pequenas (meno-
res que 10 mm de diâmetro) basta limpar convenientemente
a loja, podendo-se realizar seu fechamento direto. Em casos
de abscessos maiores e/ou circulares, com descontinuidade
do ventrículo esquerdo aórtico, após remoção do material
continente nas lojas abcedadas e remoção de todo o tecido
infectado adjacente, sutura-se retalho de dacron na via de
saída do ventrículo esquerdo e na aorta, em posição subco-
VSVD
ronariana, para ocluir a loja e restabelecer a continuidade
ventrículo esquerdo — aorta. Sobre este retalho será fixada
a prótese metálica, usada pelos autores. Havendo friabilida-
de, os pontos podem ser ancorados em pequenas barrinhas
de teflon (pledgets), tendo o cirurgião de se preocupar em
que os pontos estejam firmemente passados. Atente para o CD Pontos para
detalhe de que os pontos podem ser passados de fora para fixação do tubo
dentro do anel aórtico, objetivando-se passar pontos em te- Fig. 14.1 — Esquema mostrando passagem de pontos da via de saída
cido firme, sem processo inflamatório. do ventrículo direito para a aorta com objetivo de ocluir loja de abs-
Borst8 chama a atenção para dois pontos fundamentais: cesso localizada nas proximidades.
1. deve-se sempre evitar a inserção de uma prótese em um
anel infectado; 2. deve-se evitar tensão nos pontos, especial-
Jault e col.35 apresentam sua experiência com o trata-
mente em regiões mais friáveis. Para “fugir” de anéis desfa-
mento cirúrgico de 71 pacientes com abscessos associados
voráveis, o autor propõe implantar a prótese em posição
a endocardites em próteses; 59 destes pacientes apresenta-
supra-anular, passando pontos ancorados em pledgets de vam abscessos em anel aórtico, sendo que em três doentes
fora da aorta para dentro. Na região da artéria pulmonar o a destruição anular não era tão extensa. Foi possível o des-
autor propõe a sua secção, se necessário, para ter bom aces- bridamento e sutura direta em três destes pacientes. Em 34
so e/ou abrir-se o infundíbulo do ventrículo direito para pas- pacientes deste grupo, foram empregados retalhos de pe-
sar pontos desta região para o anel aórtico, sempre em tecido ricárdio autólogo para a oclusão da loja do abscesso. Na
sadio e firme. A única região crítica é a relacionada à artéria Fig. 14.2, vemos um esquema mostrando o recobrimento da
coronária esquerda, onde os pontos têm de ser passados loja do abscesso por um retalho de pericárdio bovino, sen-
imediatamente abaixo do óstio, porém internamente. Este re- do que o autor coloca também cola biológica entre a loja e
curso técnico já havia sido apresentado por Rumisek e col.55, o retalho, para melhor fixação. Em 22 pacientes os abscessos
conforme podemos ver na Fig. 14.1. Nesta figura vemos es- eram circunferenciais, exigindo procedimentos extra-anulares
quematicamente a aortotomia para tratamento de abscesso para o implante de próteses. Em 11 doentes usaram um tubo
e lesão valvar aórtica. O abscesso estava localizado na re- valvulado suturado no endocárdio da via de saída do ven-
gião entre a comissura e as válvulas coronarianas esquer- trículo esquerdo e na aorta em posição subcoronariana. Em
da e direita, próximo à arteria pulmonar. Após o tratamento 10 doentes adotaram-se a técnica proposta em 1974 por Da-
do abscesso, vemos no centro da figura, a realização da nielson e col.15, conforme se vê na Fig. 14.3. Esta figura mos-
abertura da via de saída do ventrículo direito, sendo os tra esquematicamente a interposição de um tubo valvulado
pontos para a fixação da prótese passados da região do in- na via de saída do ventrículo esquerdo, após remoção de
fundíbulo para o anel aórtico, garantindo-se desta forma todo material abscedido e a revascularização do miocárdio
uma fixação firme e segura. com implantação dos enxertos em posição distal, supraval-
Em situações de grande destruição do anel aórtico, var. Em um doente fizeram uma derivação ápico-aórtica. os
reoperações etc., o cirurgião tem de adotar técnicas mais ra- óstios coronários também foram ocluídos, associando-se a
dicais, tendo em mente o princípio de remover os tecidos in- revascularização do miocárdio ao procedimento. Em relação
fectados e implantar sua prótese em tecido sadio. Em 1974, à valva mitral, operaram 12 pacientes, sendo feita sutura di-
Danielson e col.15 relatam pela primeira vez a utilização de um reta em um paciente e implante na face ventricular em outro.
tubo valvulado na posição supracoronariana, fazendo-se Nos 10 casos remanescentes as próteses foram implantadas
concomitantemente o fechamento dos óstios coronarianos em posição intra-atrial, com o auxílio de uma aba de dacron su-
e a revascularização com pontes de safena suturada na aor- turada no átrio esquerdo, acima do plano anular (Fig. 14.4). A
ta, distalmente ao tubo e na coronária direita e interventricu- experiência demonstrou que podem surgir dilatações aneu-
lar anterior. Este recurso técnico foi posteriormente usado rismáticas no átrio esquerdo por dilatação da região atrial si-
por Cabrol e col.9 tuada entre a prótese e o anel mitral, sujeita à pressão direta

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do ventrículo esquerdo. A mortalidade operatória global foi de
17%, sendo 13,6% nos aórticos e 33,3% nos mitrais. São
fatores de risco a insuficiência cardíaca grave, longa du-
ração da enfermidade e sexo. A sobrevida tardia foi 54%
(± 8%) aos 6 anos. Os procedimentos complexos, extra-anu-
lares são reservados para as extensas destruições, para as
infecções associadas de parede aórtica e para três ou quatro
operações. Quando estes procedimentos são necessários, os
resultados dos autores foram considerados aceitáveis.

Patch Fig. 14.4 — Esquema mostrando implantação intra-atrial de próteses


mitral para tratamento de destruição anular mitral. A aba de Teflon é
suturada no átrio e em posição supra-anular.
Prótese
Cola
Amrani e col.3 apresentam 101 doentes com endocardi-
tes em valvas aórticas nativas, 69 dos quais com progressão
do processo séptico nas regiões circunjacentes à valva com-
prometida, a saber: 1. destruição e perfuração do anel; 2. des-
truição e perfuração do seio de Valsalva; 3. destruição da
parede aórtica com a formação de aneurismas paravalvares
associados ou não ao estabelecimento de fístulas. Tal com-
plexidade de lesões exige argúcia do cirurgião para utilizar o
recurso técnico que for necessário de acordo com a lesão
encontrada, tendo os autores empregado técnicas similares
às descritas no trabalho anterior. Os autores consideram que
a extensão dos processos infecciosos nos tecidos pode
ocorrer precocemente, porém os processos destrutivos, ero-
sões subanulares, pseudoaneurismas e fístulas estão mais
relacionados à virulência do agente infectante e à duração
Fig. 14.2 — Vê-se retalho de pericárdio bovino ocluindo extensa loja
do processo.
abscedida com inclusão de cola biológica entre o retalho e a loja.
Ergin e col.23 apresentam sua experiência com o trata-
mento cirúrgico da destruição anular associada à endocar-
dite infecciosa. Em casos de abscessos com destruição da
transição mitroaórtica, os autores ressecam todo o tecido
infectado, sendo a reconstrução feita com um enxerto com-
posto por uma lâmina de pericárdio e uma lâmina de da-
Prótese
cron. Na região mitroaórtica, as próteses são suturadas
diretamente entre si, com a interposição deste enxerto com-
Patch binado para reconstruir a septação mitro-aórtica e comple-
Cola mentar o fechamento da aortotomia (Fig. 14.5). Esta figura
mostra esquematicamente a remoção de duas próteses,
uma em posição mitral e outra em posição aórtica, bem
como a ressecção da transição mitral e aórtica. A recons-
trução como se vê, é feita pela interposição de um retalho
de dacron, recoberto internamente por uma lâmina de peri-
cárdio bovino, a qual vai septar a transição mitroaórtica.
Nesta região, após limpeza de todo material abscedado, as
novas próteses a serem interpostas são suturadas entre sí,
tendo no meio o retalho citado. Nas regiões restantes as
próteses são suturadas nos respectivos anéis. O retalho é
Fig. 14.3 — Tubo valvulado colocado em via de saída em ventrículo usado também para facilitar o fechamento da raiz da aorta
esquerdo com oclusão de coronárias e revascularização associadas. a qual pode ser ampliada.

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PRÓTESES VALVARES E ENDOCARDITE
A mortalidade referente às endocardites em próteses
era muito elevada principalmente pela demora na indicação
do tratamento cirúrgico. Há trabalhos relatando mortalidades
de 56%67, 50% a 90%35,36, de 84%52 etc.
A B
Yu e col.64 apresentam em trabalho multicêntrico os re-
sultados obtidos com o tratamento de 74 doentes com en-
docardites em próteses. Relatam que o tratamento cirúrgico
reduziu significativamente a mortalidade (23%) quando com-
parado com o tratamento clínico (56%).
Sett e col.58 apresentam sua experiência de 56 doentes
C D E
com endocardites em próteses valvares. Ocorreram oito en-
docardites pós-operatórias precoces, definidas como ocor-
Fig. 14.5 — Endocardite em próteses mitral e aórtica com destruição ridas até 60 dias de pós-operatório. Seis (75%) destes
da transição mitro-aórtica. pacientes vieram a falecer. De 48 doentes com endocardites
tardias (período maior que 60 dias), 12 (25%) faleceram. A
ocorrência de alterações hemodinâmicas, embolias sépticas,
David e col.16 apresentam sua experiência com a recons- sepse persistente, bem como evidências ecocardiográficas
trução do anel mitral realizada em 93 doentes, 27 dos quais de endocardite foram as determinantes do tratamento cirúr-
apresentavam destruições maiores ou menores do anel e jun- gico. Os autores analisaram 18 fatores preditores de morta-
ção mitroaórtica devida a abscessos anulares. Em situações de lidade precoce e tardia. Os fatores preditores encontrados
abscesso localizado, após a limpeza da loja abscedada, faz-se para mortalidade, à análise estatística, foram: idade, tempo
a sutura de um retalho preferencialmente de pericárdio autó- para estabelecer o diagnóstico, função renal, sepse, modo de
logo ocluindo o orifício do abscesso, suturando-se no en- tratamento, febre, procedimentos odontológicos e profilaxia
docárdio do ventrículo esquerdo e no anel ou átrio esquerdo, quanto a manipulações dentárias. Ocorreu um óbito tardio
sendo a prótese fixada com pontos passados no retalho. Em com recidiva da infecção. Baseado nesta experiência, os au-
destruições circulares é adotado o mesmo princípio suturan- tores advogam diagnóstico o mais precoce possível, e es-
do-se o retalho em toda a circunferência anular (Fig. 14.6). tabelecimento de tratamento agressivo médico-cirúrgico
Sobre esta placa, suturada sobre o anel, é que será implan- antes que surjam alterações hemodinâmicas, especialmen-
te quando os agentes etiológicos sejam S. aureus, gram-
tada a prótese.
negativos e/ou C. albicans.
Havendo destruição na transição mitroaórtica, remove-
As endocardites fúngicas são especialmente graves e
se toda esta região e reconstrói-se com retalho de pericárdio, com freqüência provocam embolizações a partir de grandes
medindo-se seu tamanho de acordo com o perímetro do anel, vegetações. Pierroti e Baddour51, estudando 152 endocardi-
bem como um segmento necessário para reconstrução da tes fúngicas chamam atenção para importantes fatores de
transição mitroaórtica. risco, tais como: 1. anomalias cardíacas preexistentes em 70
(47,3%) doentes, existências de próteses em 66 (44,6%) pa-
cientes, cateteres venosos centrais em 45 (30,4%) doentes e
antibioticoterapia prévia em 30 (20,3%) doentes. Consideram-se
Reconstrução do anel mitral que na ocorrência de endocardite fúngica, o tratamento ci-
rúrgico é emergencial.
Lytle e col.43 apresentam a experiência da Cleveland Clinic
com 146 portadores de próteses valvulares que foram reope-
rados devido à incidência de endocardite infecciosa nas pró-
teses que haviam sido implantadas previamente. Definem
endocardite recente como aquela que incide num período de
um ano após a operação, da qual tiveram 46 casos. Os de-
mais casos foram operados em fase ativa da doença. A ex-
tensão do comprometimento infeccioso variou sendo que
66 pacientes tinham comprometimento apenas da prótese.
Quarenta e seis tinham comprometimento anular e 34 tinham
invasão miocárdica. A técnica cirúrgica foi conduzida obede-
cendo-se ao princípio de erradicação radical de todo o teci-
David et al., 1995
do séptico existente e a reconstrução das estruturas com
Fig. 14.6 — Abscesso circular em anel mitral ocluído por placa de pe- materiais biológicos. Ocorreram 19 (13%) óbitos hospitala-
ricárdio circular suturada na musculatura do ventrículo esquerdo e na res. A análise estatística mostrou como variáveis preditivas
região atrial do anel mitral. de mortalidade hospitalar:

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1. Comprometimento da função do ventrículo esquerdo. tes, sendo superiores os resultados obtidos com o grupo
2. Bloqueio atrioventricular pré-operatório. que empregou homoenxertos. Tal fato levou os autores a
3. Coronariopatia concomitante. concluir que os homoenxertos podem ser usados, mesmo em
situações de emergência, sendo seus resultados tão bons ou
4. Cultura positiva para microrganismos obtida a par-
melhores do que com próteses convenvionais.
tir de fragmentos retirados da peça cirúrgica. O seguimento
tardio mostrou uma sobrevivência tardia de 82% aos cinco Bedi e Farnsworth6 usam homoenxertos no tratamento
anos e 60% aos 10 anos. A idade avançada foi o único fator de endocardites aórticas com grandes destruições anulares,
abscessos e/ou fístulas. Empregam a cúspide anterior da
preditivo de mortalidade tardia. O índice de sobrevivência
valva mitral do homoenxerto como elemento oclusor de lo-
sem reoperações foi de 75% aos cinco anos e 50% aos 10
jas abscedadas com bons resultados. Chamam a atenção
anos. Apesar da gravidade da situação, o tratamento de en-
para que as próteses mecânicas se infectem com maior faci-
docardite em próteses, desde que se realize um adequado
lidade. Já os homoenxertos, na opinião destes autores são
desbridamento dos tecidos infectados, associadamente com mais resistentes à infecção. As biopróteses de pericárdio bo-
uma antibioticoterapia eficaz, oferece resultados satisfatórios vino e/ou porcinas situam-se numa posição intermediária.
independentemente da extensão do comprometimento sép-
Dearani e col.17 apresentam sua casuística com o empre-
tico local, com boa sobrevida aos 10 anos de pós-operató-
go de homoenxertos valvares aórticos no tratamento de en-
rio. Gordon e col.29 recentemente publicam relato de 77
docardites complexas em próteses aórticas. Utilizam também
endocardites precoces em próteses valvares. Constatam uma a cúspide anterior da mitral do homoenxertos para a oclusão
incidência de 1% desta complicação na experiência do ser- de abscessos e/ou fístulas. Tiveram uma mortalidade hospi-
viço, usualmente ocasionada por estafilococo coagulase-ne- talar de 13,8% e uma mortalidade tardia de sete casos, sendo
gativo. O tratamento é feito obedecendo aos princípios cinco de causas cardíacas e dois de causas não-cardíacas.
vigentes na Instituição já referidos no trabalho anterior. Nenhum doente apresentou recidiva de endocardite. A cur-
va atuarial de sobrevida foi de 53,1% (± 11,5%) aos cinco
USO DE HOMOENXERTOS EM ENDOCARDITES anos de pós-operatório. Concluem que o emprego de homo-
enxertos facilita a reconstrução de endocardites aórticas
Lau e col.41 apresentaram, em 1984, seis casos de endo- complexas, com baixo índice de reoperações e sem recidivas
cardite em próteses aórticas associadas a grandes absces- de infecção. Resultados similares são relatados por Dossche
sos perianulares, os quais foram tratados pela substituição e col.21 que empregam homoenxertos criopreservados no tra-
da raiz da aorta com um enxerto homólogo e reimplante de tamento de endocardites aórticas complexas. Utilizam a téc-
coronárias. Dois destes pacientes tiveram problemas tardios nica de substituição da porção inicial da raiz da aorta pelo
devido a distúrbios de condução e a algum grau de disfun- homoenxerto com reimplante das coronárias no tubo criopre-
ção valvar. Os quatro restantes apresentaram excelente evo- servado. Concluem ser uma técnica válida para a abordagem
lução tardia. deste problema com baixa morbimortalidade.
Ross54 apresenta sua experiência com o emprego de ho- Grandmougin e col.30 usam a técnica de implante sub-
moenxertos valvares isolados ou tubulares no tratamento das valvular de homoenxertos criopreservados no tratamento de
endocardites valvares aórticas com ou sem abscessos. endocardites aórticas de 25 doentes, com dois óbitos hos-
Na opinião do autor os homoenxertos valvares oferecem pitalares, considerando a técnica como segura, reprodutível
uma série de vantagens, a principal delas sendo a baixa in- e que oferece bons resultados.
cidência de contaminação e posterior endocardite. Utiliza a Lytle e col.44 relatam a experiência obtida com a reope-
impregnação dos homoenxertos com antibióticos os quais ração de 27 doentes, os quais haviam sido previamente ope-
serão liberados nas regiões infectadas combatendo a recidi- rados para substituição da aorta ascendente e implante de
próteses aórticas. Todos estes 27 doentes apresentavam
va. Além do mais, os homoenxertos não se associam a ou-
endocardites com extensas destruições circunjacentes. Vin-
tros corpos estranhos, fato que poderia vir a favorecer
te e cinco apresentavam culturas positivas. Todos foram tra-
reinfecções. O autor usa a técnica de substituição da raiz aór- tados pela remoção radical de todos os tecidos infectados
tica com enxerto homólogo e valva aórtica, associada ao re- e reconstrução com o emprego de enxertos homólogos
implante de coronárias. Ocorreram 20 óbitos na série, vários criopreservados, porção inicial da raiz da aorta e reimplante
deles devido ao que o autor chama de “curva de aprendizado”. de coronárias. Os autores atribuem o grau de destruição en-
Entende-se que esta modalidade de bioprótese é superior de- contrado com abscessos, fístulas etc. à dificuldade para o
vendo ser sempre empregada nas infecções da valva aórtica. diagnóstico e a decisão pela terapêutica cirúrgica. Ocorreu
Lupinetti e Lemmer Jr.42 estudam dois grupos de pacien- um (3,7%) óbito hospitalar. Dez doentes necessitaram de im-
tes, equivalentes quanto ao quadro clínico, com endocardites plantes de marca-passo no pós-operatório. A taxa de sobre-
em valva aórtica. Em um dos grupos, após adequado desbri- vida aos 7,5 anos foi de 56%. Os autores entendem que estes
damento, foram usadas próteses convencionais, sendo qua- casos são complexos, porém, devem ser conduzidos cirurgi-
tro mecânicas e quatro porcinas. No outro grupo de sete camente, com o emprego de homoenxertos, conduta esta que
pacientes, foram empregados homoenxertos valvares tubu- oferece resultados satisfatórios.
lares, com reimplante de coronárias. Os tempos de perfusão Sabik e col.56 apresentam sua experiência de 103 casos
e parada cardíaca não foram estatisticamente muito diferen- de endocardites extensas da valva aórtica, os quais foram

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tratados pela remoção de próteses, exérese radical de todo viamente. Em 209 pacientes as lesões eram nas valvas nati-
tecido infectado e substituição da raiz da aorta por enxerto vas e em 97 em próteses previamente implantadas. Foram
homólogo criopreservado associado ao reimplante de coro- usadas próteses mecânicas em 65 doentes, biológicas em 221
nárias. Destes pacientes, 78% apresentavam abscessos, 40% e homoenxertos em 20, para o tratamento de lesões isoladas
apresentavam descontinuidade aortoventricular; 32 doentes da valva aórtica em 190 (62%) pacientes, lesões mitrais iso-
referiam pelo menos uma operação prévia decorrente de en- ladas em 89 (29%) e mitroaórticos em 27(9%) pacientes. As-
docardite; 92 doentes apresentavam culturas positivas, sendo sinale-se que do grupo de valvopatias aórticas houve
que em 52 os agentes eram estafilococos, em 20 estreptoco- necessidade também de substituição da porção inicial da raiz
cos, em seis de etiologia fúngica, em quatro gram-negativos aórtica, devido a intenso comprometimento séptico em
e seis enterococos. O tempo médio de seguimento foi de 4,3 31(14%) doentes, dos quais 17 receberam homoenxertos
(± 2,9 anos). A mortalidade hospitalar foi de 3,9%. Trinta e um como substituto valvar e aórtico. Predominaram como agen-
doentes necessitaram de marca-passos permanentes. A taxa tes etiológicos o Streptococcus viridans e o S. aureus. Em
de sobrevida aos cinco anos foi de 73%. Quatro pacientes que se pese o longo tempo em que a casuística foi sendo
apresentaram recidiva da endocardite. Concluem que a técni- constituída, com mudanças de tipos de substitutos valvares,
ca utilizada é segura, efetiva e recomendada. pequeno número de homoenxertos usados, detalhes técni-
Couetil e col.13 propõem o emprego de homoenxerto cos etc., a análise do material possibilitou algumas conclu-
valvar mitral para o tratamento de endocardite em valva tri- sões: 1. a mortalidade operatória foi de 18 (± 2%) e foi
cúspide. Apresentam sete casos em que a cúspide anterior independente do tipo de substituto valvar usado; 2. a sobre-
da valva tricúspide é substituída por um homoenxerto cons- vida tardia foi superior nos pacientes com doença em valvas
tituído pela cúspide anterior de um homoenxerto valvar mitral. nativas (44, ± 5% aos 20 anos) quando comparada com com-
Quatro doentes necessitaram de substituições concomitan- prometimentos em próteses (16, ± 7%), sendo também inde-
tes da valva aórtica e um da valva pulmonar, devido à endo- pendente do tipo de prótese valvar usada; 3. no grupo de
cardite. Não houve óbitos hospitalares, sendo muito bons pacientes que receberam biopróteses com menos de 60 anos
os resultados funcionais. de idade à época da operação, a incidência de reoperações
Gulbins e col.31 utilizam homoenxertos mitrais para o tra- no pós-operatório tardio foi elevada; 4. no grupo acima de
tamento de valvopatias mitrais de diferentes tipos, em espe- 60 anos, a incidência de reoperações tardias foi similar tan-
cial seis doentes jovens com endocardite em valva mitral. to no grupo que recebeu biopróteses quanto no grupo que
Descrevem a laboriosa técnica cirúrgica empregada chaman- recebeu próteses mecânicas.
do a atenção para o fato de que só deve ser usada em casos Os autores concluem que próteses mecânicas são mais
selecionados com boa função ventricular e sem dilatação de indicadas para pacientes jovens com infecção em valvas
ventrículo esquerdo. Os autores relatam bons resultados fun- nativas. Entretanto, as biopróteses são mais indicadas aos
cionais num período de cinco anos de seguimento. pacientes com idades superiores a 60 anos, tanto com infec-
ções em valvas nativas como em próteses. Há tendência em
se reservar os homoenxertos para extensas destruições pe-
PRÓTESES MECÂNICAS OU BIOPRÓTESES?
rianulares aórticas.
O assunto ainda é polêmico e suscita dúvidas. Entre- Gulbins e col.32 estudam o emprego de homoenxertos
tanto, vários trabalhos aqui apresentados apontam para em lesões sépticas da valva aórtica, baseados em 77 doen-
bons resultados imediatos e tardios com o emprego de ho- tes operados, dos quais 43 receberam homoenxertos e 34 re-
moenxertos no tratamento de extensas endocardites aórticas. ceberam próteses mecânicas. Verificam que nos casos com
Bauernschmitt e col.5 apresentam 36 casos de endocardites abscessos paravalvares há uma tendência a melhores resul-
aórticas com 14% de mortalidade hospitalar. Em todos os tados com o emprego de homoenxertos valvares.
pacientes realizaram ressecções radicais de tecidos infecta- Refletindo-se sobre os trabalhos aqui citados e outros
dos e usaram próteses mecânicas.Tiveram apenas uma reci- existentes na literatura, pode-se concluir que as biopróteses
diva tardia de endocardite. e próteses mecânicas apresentam resultados imediatos simi-
Gaudino e col.26 relatam 20 casos de endocardites aór- lares. A incidência de reoperações tardias em biopróteses
ticas extensas tratadas de modo similar ao de Bauerschmitt tende a ser maior, em face dos problemas inerentes a este tipo
e col.5. Não tiveram óbitos hospitalares, mas tiveram também de substituto valvar. Os homoenxertos têm aplicabilidade
uma recidiva tardia. Estes dois trabalhos entendem que, des- crescente nas lesões extensas e complexas da valva aórtica,
de que se faça ressecção radical dos abscessos e tecidos especialmente quando há envolvimento da raiz aórtica.
infectados, as próteses mecânicas podem ser usadas em po-
sição aórtica com bons resultados. MANIPULAÇÕES ODONTOLÓGICAS E CIRÚRGICAS
Moon e col.45 analisam os resultados obtidos com o tra- E PROFILAXIA PARA ENDOCARDITE
tamento cirúrgico de 306 doentes operados para o tratamento
de endocardite infecciosa no período de 1964 a 1995. Neste Seymour e Whitworth59, preocupados com o uso pro-
trabalho discutem a questão do emprego de biopróteses e filático de antibióticos em diferentes situações, apresentam
próteses mecânicas. É preciso salientar que 211 doentes e discutem as normas da American Heart Association (AHA)
apresentavam endocardite ativa. Os demais apresentavam sobre antibioticoprofilaxia. Segundo a AHA há três catego-
seqüelas valvares dos processos infecciosos tratados pre- rias de risco associadas à endocardite, a saber:

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1. Alto Risco foram positivas em 311 (86,20%) dos pacientes. As idades
• Portadores de próteses, biopróteses e/ou ho- variaram de 3 a 81 anos, com média de 38 (± 8,3 anos), sen-
moenxertos. do 230 pacientes do sexo masculino e 131 do sexo feminino.
• Pacientes que já tiveram endocardite. Duzentos e cinco doentes desta série apresentavam acome-
timento de valvas nativas, sendo 136 valvas aórticas, 107
• Cardiopatias congênitas cianóticas complexas.
valvas mitrais e 16 valvas tricúspides. Vários destes 205 pa-
Exemplos: ventrículo único, transposição das gran-
cientes, apresentavam acometimento multivalvar. Cento e
des artérias, tetralogia de Fallot etc.
quarenta e dois doentes apresentavam acometimento em
• Shunts sistêmico pulmonares. biopróteses e 14 em próteses mecânicas.
2. Risco Moderado As indicações cirúrgicas no grupo de 205 doentes com
• Outras cardiopatias congênitas com exceção das acometimentos em valvas nativas foram: insuficiência car-
referidas na categoria risco semelhante ao da po- díaca incontrolável em 104 (50,73%) doentes; falha do trata-
pulação em geral. mento etiológico em 87 (42,44%); fenômenos embólicos em
• Valvopatias adquiridas. Ex.: doença reumática. sete (3,41%); etiologia fúngica em cinco (2,44%); outras em
• Miocardiopatia hipertrófica. dois (0,98%). Nos portadores de próteses os critérios de in-
• Prolapso de valva mitral com folhetos espessados. dicação foram similares, sendo a presença do substituto val-
3. Risco Semelhante ao da População em Geral var um elemento a mais a assinalar a indicação cirúrgica.
• Comunicação interatrial tipo ostio secundum. Os procedimentos cirúrgicos obedeceram ao princípio
metodológico de remoção completa de vegetações e erradi-
• Pós-operatório de comunicação interatrial, inter- cação completa de todos os focos infectados circunjacentes,
venticular e/ou canal arterial sem shunt residual. fazendo-se a reconstrução e/ou o implante de próteses, quan-
• Revascularização prévia do miocárdio. do necessário, passando-se pontos em regiões sadias e fir-
• Prolapso mitral sem regurgitação e sem folhetos mes. Esta é a maneira mais segura de se minimizar recidivas
espessados. imediatas e/ou tardias. Foram substituídas 136 valvas aórti-
• Sopros “inocentes”. cas nativas, 94 valvas mitrais e oito valvas tricúspides. Em
• Doença de Kawasaki sem disfunção valvar. 13 valvas mitrais e oito valvas tricúpides, foi possível a rea-
• Doença reumática prévia sem disfunção valvar. lização de ressecções parciais.
• Eletrodos de marca-passos e/ou desfibriladores Noventa doentes apresentavam abscessos anulares,
implantados previamente. sendo 66 (73,34%) com diâmetros menores ou iguais a 10 mm,
43 localizados no anel aórtico e 23 no anel mitral. Em 24 doen-
tes os abscessos apresentavam diâmetros maiores que 10
A diferenciação entre as categorias de alto risco e ris- mm, 18 localizados no anel aórtico e seis no anel mitral. To-
co moderado é um pouco arbitrária, pois ambas as catego- das as cavidades foram limpas, ressecando-se com rigor o
rias necessitam de cobertura antibiótica adequada quando tecido infectado adjacente. As 66 cavidades menores foram
vão se submeter a tratamentos com próteses ortopédicas, ocluídas com sutura direta, sendo as demais fechadas com
cirurgia geral etc. Os pacientes da categoria três, dispensam retalhos de pericárdio bovino. Os pontos para fixação de
antibioticoprofilaxia próteses foram passados sobre os retalhos oclusores das
Embora haja muitas controvérsias na literatura sobre o lojas dos respectivos abscessos.
real potencial da ocorrência da endocardite em pacientes car- Onze pacientes apresentavam fístulas, as quais foram
diopatas após uma manipulação odontológica, tais como ex- esvaziadas e limpas, sendo ocluídas nas duas extremidades.
trações dentárias, tratamentos endodônticos, gengivais etc. Ocorreram várias complicações no pós-operatório imediato,
a prática recomenda a antibioticoprofilaxia. A recíproca tam- a maioria de causas cardiogênicas, com 75 (20,78%) óbitos.
bém é verdadeira. Os pacientes classificados na categoria de Dos 286 que receberam alta hospitalar, foi possível o segui-
alto e moderado riscos, antes de operarem suas respectivas mento de 225 (78,67%) por períodos variáveis entre 18 e 200
cardiopatias, devem ser submetidos a rigoroso tratamento meses. Estes pacientes apresentaram considerável melhora
odontológico, eliminado-se todo e qualquer foco infeccioso da classe funcional, como se observa na Fig 14.7. De fato,
que possa existir. 222 (77,62%) encontram-se na classe funcional I, no perío-
do pós-operatório. Ocorreram 36 complicações tardias, sendo
EXPERIÊNCIA DO INSTITUTO DO CORAÇÃO 15 recidivas do processo infeccioso. A mortalidade encon-
(INCOR — HCFMUSP) NO TRATAMENTO trada em nosso material deve-se em parte ao estado avança-
CIRÚRGICO DA ENDOCARDITE INFECCIOSA ATIVA do da doença com que vários doentes acorrem ao hospital,
muitos já com graves complicações decorrentes do quadro
Recentemente relatamos os resultados da experiência atual séptico instalado há tempos.
do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculda- Podemos concluir que em nosso material:
de de Medicina da Universidade de São Paulo, com o tratamento 1. A indicação predominante (50,73%) foi a insuficiên-
cirúrgico de 361 doentes com endocardite infecciosa ativa20. cia cardíaca grave, refratária ao tratamento clínico correta-
O diagnóstico foi baseado na história clínica, nas hemo- mente instituído, sendo esta indicação seguida de perto pela
culturas e nos estudos ecocardiográficos. As hemoculturas persistência do quadro séptico (42,43%).

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2. O tratamento cirúrgico deve ser radical, removendo-se homografts in acute endocarditis Ann Thorac Surg 2002; 73(6):
completamente todo o tecido infectado, sem o que as reci- 1808-12.
14. D’Agostino RS, Miller DC, Stinson EB, Mitchell RS, Oyer PE,
divas serão inevitáveis. Jamieson SW et al. Valve replacement in patients with native
3. A reconstrução das estruturas deve ser feita com o valve endocarditis: what really determines operative outcome?
maior rigor técnico a fim de se obter o melhor resultado fun- Ann Thorac Surg 1985; 40(5): 429-38.
15. Danielson GKJL, Titus JW, Dushane R. Successful treatment of
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4. Os pacientes sobreviventes recuperaram plenamen- prosthetic valve in ascending aorta and placement of bypass
te suas condições funcionais normais (77,62%). grafts to coronary arteries J Thorac Cardiovasc Surg 1974; 67(3):
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Levando em consideração alguns dos dados existentes 16. David TD, Feindel CM, Armstrong S, Sun Zhao. Reconstruction
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18. Delpierre S, Heiget HL, Sauvaget F, Sevin E, Montagne O, Lejonc
2. Havendo qualquer suspeita clínica, o diagnóstico JL. Infection systémique sur sondes endocavitaires de stimulateur
deve ser feito o mais rapidamente possível, com base nas Cardiaque Ann Med Interne 1999; (Paris) 150(3): 265-268.
noções aqui apresentadas. 19. Dias AR, Grinberg M, Mansur JA, Pomerantzeff PMA, Verginelli
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3. O tratamento deve ser adequado e agressivo, não se cirúrgico da endocardite infecciosa na fase ativa da doença. Arq
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138
15 Métodos de Proteção Miocárdica

Domingo M. Braile
João Carlos Ferreira Leal
Marcos Aurélio Barboza de Oliveira
Moacir Fernandes de Godoy

RESUMO coração possuía antes de ser submetido a agressão. Por isso,


não se justifica a utilização do termo cardioplegia como equi-
A proteção miocárdica durante os procedimentos cirúr- valente ou sinônimo de cardioproteção. Não basta referir que
gicos cardíacos deve ser considerada um dos pontos mais foi utilizada cardioplegia em um procedimento cirúrgico, pois
relevantes na estratégia de redução da morbimortalidade. É o simples fato de parar o coração, como, por exemplo, por
fundamental o conhecimento adequado da fisiologia cardía- pinçamento aórtico, já é cardioplegia e obviamente não há
ca para que sejam adotadas as condutas mais acertadas na proteção alguma apenas com este procedimento. A cardio-
tentativa de obtenção dessa proteção. plegia poderá ser com ou sem proteção miocárdica o que
O presente capítulo aborda os aspectos do metabolismo propomos denominar cardioplegia protegida e cardioplegia
cardíaco e a fisiopatologia da proteção do miocárdio dando não-protegida. Fica então implícita a possibilidade de a so-
ênfase às técnicas de perfusão de soluções cardioplégicas. lução cardioplégica poder levar a alterações miocárdicas im-
Apresentamos as novas perspectivas para o campo da portantes com conseqüente má evolução no pós-operatório
proteção do miocárdio com o uso não só de soluções des- ou mesmo impossibilidade da retirada do paciente da circu-
polarizantes como também daquelas polarizantes, além de lação extracorpórea (CEC)31.
outras que possam eventualmente melhorar a manutenção da
viabilidade miocárdica por longos períodos. METABOLISMO CARDÍACO

INTRODUÇÃO O coração representa menos que 0,5% do peso corpo-


ral e é responsável por 7% do oxigênio consumido. O nível
A proteção miocárdica durante os procedimentos cirúr- de consumo de oxigênio pelo miocárdio (MVO2) pode ser
gicos cardíacos deve ser considerada um dos pontos mais calculado, usando-se a equação de Fick na qual MVO2 = CBF
relevantes na estratégia de redução da morbimortalidade. É (CaO2 – CcsO2) sendo CBF o fluxo sangüíneo coronário,
fundamental o conhecimento adequado da fisiologia cardía- CaO2 o conteúdo arterial de oxigênio e CcsO2 o conteúdo de
ca para que sejam adotadas as condutas mais acertadas na oxigênio no seio coronário. Conforme pode ser verificado
tentativa de obtenção dessa proteção. por essa fórmula, o aumento no consumo de oxigênio pelo
O uso da solução cardioplégica é necessário para pro- miocárdio precisa ser compensado, principalmente, pelo au-
teger o coração do dano isquêmico durante o procedimen- mento do fluxo coronariano, uma vez que o coração traba-
to cirúrgico14. A exegese da palavra cardioplegia, revela que lha normalmente em sistema de extração máxima25.
o termo “plegia” é de conotações negativas (golpe, desgra- O ventrículo esquerdo consome aproximadamente 8 mL
ça, infelicidade, choque, injúria, atacar, parar, paralisar etc). de O2 por 100 g miocárdio/minuto em uma pessoa normal.
Assim, o termo cardioplegia deve ficar restrito ao seu signi- Existem três fatores determinantes no MVO2 quais sejam, a
ficado literal qual seja o de parada ou paralisia do coração. freqüência cardíaca, o trabalho cardíaco e a contratilidade mio-
Essa parada ou paralisia pode ser obtida de várias maneiras, cárdica sendo que a relação entre eles é linear43,71. Sabe-se que
sendo que nem sempre o miocárdio estará protegido ocor- o coração, trabalhando em normotermia consome 9 mL O2/100 g
rendo, então, dano miocárdico de conseqüências imprevisí- de miocárdio/minuto; parado em normotermia consome 1 mL
veis e dependentes do grau de reserva energética que esse O2/100 g de miocárdio/minuto; parado, em situação de hipo-

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139
termia, o consumo se reduz para 0,3 mL O2/100 g de miocár- ponto de importância na proteção miocárdica durante as
dio/minuto a 22oC, porém, se continuarmos baixando a tem- operações cardíacas, ou seja, além da temperatura ade-
peratura até 15oC, a economia é muito pequena, pois o quada da solução cardioplégica a ser utilizada é funda-
consumo mantém-se em 0,27 mL O2/100 g de miocárdio/mi- mental que essa solução contenha oxigênio, além de
nuto. Além disso, se com o uso de um marca-passo a freqüên- nutrientes adequados visando reduzir ao mínimo o meta-
cia cardíaca for “normalizada”, o consumo de O2 aumenta bolismo anaeróbico.
nos corações hipotérmicos. Assim, se considerarmos a fre-
qüência “normalizada” em 125 bpm com o coração baten- ASPECTOS FISIOPATOLÓGICOS DA PROTEÇÃO
do vazio, o consumo de O2 em normotermia é de 5 mL O2/ DO MIOCÁRDIO
100 g de miocárdio/minuto. Na temperatura de 25oC naque-
la freqüência, o consumo aumenta para 8 mL O2/100 g de mio- A inadequada proteção do miocárdio pode levar ao
cárdio/minuto. Portanto, se o coração em baixas temperaturas evento denominado de Stunned Myocardium, ou miocárdio
for estimulado artificialmente (marca-passo) o consumo de O2 estonteado, que é uma disfunção miocárdica de causa isquê-
será maior que em normotermia. O frio só diminui o consu- mica, mas reversível. Nesses casos a disfunção ventricular
mo porque baixa a freqüência, ou mesmo faz o coração pa- esquerda é caracterizada pela redução da contratilidade e da
rar. Isto já nos dá um primeiro embasamento no que se complacência diastólica12. A reversibilidade da disfunção
refere à proteção miocárdica durante os procedimentos ci- ventricular é diretamente proporcional à duração da isque-
rúrgicos sobre o coração17. O uso de soluções cardioplé- mia sendo que o aumento do fluxo coronário e a estimulação
gicas normotérmicas ou isotérmicas devem possibilitar inotrópica podem melhorar de forma efetiva a função miocár-
melhor proteção miocárdica uma vez que o consumo é re- dica. Desta forma o miocárdio atordoado é uma seqüela pro-
lativamente menor durante normotermia que em situação de movida pela doença coronariana obstrutiva com a existência
hipotermia9,10,11,52. de músculo viável, e a presença da disfunção é sempre tran-
Além disso, substratos como glicose e oxigênio devem sitória com recuperação completa e espontânea, acontecen-
ser fornecidos durante o período de clampeamento aórtico, do após um evento de isquemia aguda. O período transitório
porque o metabolismo do miocárdio é fundamentalmente pode variar de dias até semanas, dependendo principalmente
aeróbico. O metabolismo miocárdico é realizado na mito- da restauração do fluxo sangüíneo normal coronariano.
côndria e depende do fornecimento contínuo de substra- A obstrução coronariana aguda seguida de reperfusão,
tos principalmente ácidos graxos e glicose54. Na realidade, seja ela química ou mecânica, pode ser o suficiente para al-
as moléculas energéticas (glicídios, lipídios) são inicialmente terar a função miocárdica normal. Os mecanismos propostos
degradadas no citoplasma, ocorrendo a conversão da glicose para entender este fenômeno podem ser: O comprometimen-
em piruvato e este em acetil-CoA. A acetil-CoA na mitocôndria to da capacidade de produção de energia pelas mitocôn-
é degradada pelas enzimas do ciclo cítrico (ciclo de Krebs) e drias, o aumento de cálcio, os efeitos deletérios da ação dos
pelas enzimas da fosforilação oxidativa produzindo água, di- radicais livres liberados durante a reperfusão que promovem
óxido de carbono e energia com 36 moles de ATP (adenosi- alterações lipídicas da membrana celular e, por fim, as lesões
na trifosfato) para cada mol de glicose. Reforçando o que já à matriz extracelular causadas pela ausência ou redução do
foi comentado é importante citar que o metabolismo miocár- fluxo sangüíneo6,32,77,88.
dico tem melhor desempenho em temperaturas normais do
Assim, o miocárdio durante a isquemia fica sensibilizado
organismo humano (36oC), pois, nestas temperaturas o fun-
para sofrer lesão tecidual o que de fato pode ocorrer durante
cionamento das mitocôndrias, bombas de eletrólito (sódio,
a reperfusão. A lesão tecidual pode ser evitada, mesmo no
potássio e cálcio), sistemas enzimáticos, tampões e remove-
dores de radicais livres é adequado e eficiente. miocárdio que sofreu isquemia grave, se as condições e com-
posição da solução para cardioproteção forem modificadas28.
O metabolismo anaeróbico consiste na conversão da
glicose em lactato a partir da fosforilação da glicose para a Lazar e col.45, em 1980, ampliaram os efeitos protetores
forma de frutose-1, 6-difosfato (FDP), o que consome 2 mo- da reperfusão com a utilização de glutamato de sódio e con-
les de ATP. A conversão de FDP em lactato e água produz 4 seguiram a reversão praticamente completa da lesão isquê-
moles de ATP. No produto energético final via respiração mica, provocada em miocárdio de cães por 45 minutos de
anaeróbica o ganho é de apenas 2 moles de ATP para cada isquemia normotérmica.
mol de glicose25. No período de clampeamento aórtico o me- Corações mal protegidos podem, portanto, evoluir com
tabolismo cardíaco é predominantemente anaeróbico com processo isquêmicos graves justificando a elevação da mor-
produção de lactato e após desclampeamento o lactato acu- bimortalidade operatória. O protótipo da má perfusão miocár-
mulado ainda persiste por 5 a 10 minutos no sistema vascu- dica, no terreno clínico, é o infarto agudo do miocárdio. A
lar cardíaco. O tempo do lactato durante a reperfusão é fator isquemia miocárdica grave, que ocorre nos casos de infarto
preditor para o desenvolvimento do baixo débito cardíaco na agudo do miocárdio ou em alguns pacientes com angina ins-
saída da CEC. Restabelecer o metabolismo aeróbico no mio- tável, resulta em injúria seguida pela liberação de constitu-
cárdio é extremamente importante e essencial na retomada intes celulares na corrente sangüínea. Assim sendo, na
dos batimentos cardíacos mantendo a função ventricular prática clínica, elevações das taxas da isoforma miocárdica
esquerda preservada85. Desta forma temos aqui o segundo da creatinoquinase (CK-MB) e da desidrogenase láctica

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140
(DHL) são interpretadas como marcadores de dano celular luções cardioprotetoras durante a cardioplegia, tentando
miocárdico. A avaliação da atividade dessas enzimas pode minimizar, as conseqüências sobre a função miocárdica.
ser feita rapidamente e a baixo custo e, em situações de Mair51 utilizou a troponina-I para avaliar a ocorrência
rotina, são parâmetros satisfatórios para confirmar o diag- de IAM perioperatório em pacientes submetidos a revascu-
nóstico, monitorar a evolução e estimar a extensão do in- larização do miocárdio com pontes de safena, demonstran-
farto do miocárdio47. do que ela é excelente marcador para avaliar isquemia
Existem, porém, limitações, uma vez que a especificida- miocárdica durante operações cardíacas50. Em um grupo de
de fica comprometida nos casos de acometimento muscular pacientes submetidos a troca valvar aórtica, foi encontrada
esquelético associado e, além disso, a sensibilidade é baixa correlação positiva entre o tempo de clampeamento aórtico e os
nas primeiras horas de evolução, devido ao aparecimento níveis de troponina-I. Concluem que a troponina-I é um mar-
retardado desses marcadores no sangue. Acrescente-se que cador adequado da isquemia miocárdica durante operações
a sensibilidade da CK-MB não é suficientemente alta para cardíacas e pode ser usado para avaliar procedimentos de car-
detectar dano miocárdico leve, em face da imprecisão analí- dioproteção26. Bracknbury e col.8 demonstraram que os níveis
tica das medidas de atividade e da ampla faixa de normalida- de troponina foram menores em pacientes submetidos a cirur-
de36. Isso tudo levou à procura de outros métodos ou novos gia cardíaca com soluções cardioplégicas aquecidas em detri-
marcadores diagnósticos de lesão celular miocárdica, tentan- mento das soluções cardioplégicas geladas, concluindo que as
do superar tais limitações. soluções aquecidas devem proporcionar melhor proteção mio-
A mioglobina, uma proteína heme de baixo peso mole- cárdica durante o ato cirúrgico8. Chocron e col.18 estudaram 60
cular que se encontra anormalmente elevada já nas primei- pacientes divididos aleatoriamente em dois grupos, um rece-
ras duas horas pós-infarto agudo do miocárdio, não tem bendo solução cardioplégica apenas por via anterógrada e o
cardioespecificidade, elevando-se também após lesões mus- outro por via anterógrada seguida de via retrógrada. Verifica-
culares esqueléticas e, além disso, pode causar resultados ram que a utilização da solução cardioplégica cristalóide por
falso-positivos em portadores de insuficiência renal aguda vias anterógrada e retrógrada provocou melhor proteção em
em virtude da eliminação ser renal. termos de menor liberação de troponina-I do que somente por
via anterógrada nos pacientes com estenose do tronco coro-
A glicogeno-fosforilase também é uma proteína citosó-
nário esquerdo18. Taggart e col.78 analisaram a vulnerabilida-
lica e com grande cardioespecificidade, com cinética de sua
de miocárdica em crianças submetidas a cirurgia cardíaca, no
isoforma BB similar à da mioglobina. A experiência clínica
sentido de confirmar as informações de que, em animais jo-
com a utilização desse marcador ainda é limitada, necessitan-
vens, o miocárdio é mais resistente à isquemia e à reperfusão
do ser confirmada em séries maiores49.
do que o miocárdio adulto. Encontraram elevações significan-
Recentemente, as troponinas, marcadores biológicos tes da mioglobina e da CK-MB, mas não das troponinas-T e
localizados no complexo actinamiosina, têm recebido cres- I no grupo-controle (operações extracardíacas). Houve eleva-
cente atenção como marcadores altamente específicos. Em ção significante dos marcadores em todos os pacientes sub-
pacientes com infarto do miocárdio, a elevação da atividade metidos a operações intracardíacas, especialmente nos
da creatinofosfoquinase acima dos valores normais é rara- portadores de comunicação interventricular e transposição dos
mente encontrada antes de quatro a seis horas após o ini- vasos da base. Os aumentos na CK-MB e na troponina-T fo-
cio da dor, fazendo com que o diagnóstico precoce tenha ram cerca de cinco vezes maiores que os encontrados em pa-
que depender sobretudo de alterações eletrocardiográficas cientes adultos, sugerindo que, na verdade, o miocárdio de
(ECG) típicas, o que levanta um problema, uma vez que o crianças possa ser mais vulnerável à injúria durante cirurgia
ECG é inconclusivo em até 40% dos pacientes. A troponina-I cardíaca do que o miocárdio de adultos78.
e a troponina-T tornam-se mensuráveis de três a quatro ho-
ras após o início do infarto agudo do miocárdio (IAM). Es-
SOLUÇÕES CARDIOPLÉGICAS
tudos dos níveis de troponina T, medidos dentro das
primeiras 24 horas, após admissão, em pequenos grupos se- A parada imediata dos batimentos cardíacos pode ser
lecionados de pacientes com dor precordial, têm demonstra- conseguida com soluções cardioplégicas cristalóides ou
do excesso de eventos cardíacos nos pacientes com taxas sangüíneas, oxigenadas ou não. Estudo experimental em ra-
elevadas, mesmo naqueles sem elevação da CK-MB30,51. tos demonstrou que a função ventricular fica deprimida com
Voltando ao procedimento cardíaco cirúrgico, deve-se uso da solução cardioplégica cristalóide oxigenada, apesar
salientar que a cirurgia cardíaca exige, na grande maioria das dos níveis de ATP manterem-se aceitáveis62,86. Novick e
vezes, que o coração permaneça estático e exangue, en- col.60, trabalhando com miocárdio hipertrófico de porcos,
quanto se realiza o procedimento. Para tanto são utilizados demonstraram que a solução cardioplégica com fluosol oxi-
os circuitos de circulação extracorpórea, que dão o suporte genada foi superior à cardioplegia sangüínea e à cristalóide
cardiopulmonar durante o tempo operatório, sendo impera- aerada. Entretanto, com um método muito sensível desen-
tiva uma boa proteção miocárdica. Está documentado que volvido na Havard Medical School pode-se avaliar o meta-
durante esse tempo de parada, o coração sofre um proces- bolismo miocárdico pela medida do pH tecidual e demonstrar
so de isquemia controlada, culminando em maior ou menor a superioridade da solução cardioplégica sangüínea contínua
dano miocárdico, sendo este o motivo da utilização das so- em corações hipertrofiados42.

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141
Vinten-Johansen J e col.83, em 1986, publicaram um es- Acreditamos que o emprego da cardioproteção retró-
tudo comparativo entre a cardioplegia sangüínea e a crista- grada deve fazer parte da tática operatória, mas devemos
lóide em cães, analisando a função miocárdica e o conteúdo lembrar as limitações da mesma em prover a parada dos ba-
e ATP e água em fragmento miocárdico após uma hora de timentos cardíacos e, por vezes, não ser suficiente para man-
oclusão em artéria coronária interventricular esquerda. Con- ter bem protegido o miocárdio, em especial os casos de
cluíram que a recuperação da função miocárdica com solu- hipertrofia miocárdica grave quando se deve associar a via
ção cardioplégica sangüínea foi significantemente melhor anterógrada intermitente.
que a cristalóide, confirmando a superioridade da solução
cardioplégica sangüínea na redução da lesão de reperfu-
são83. Lima-Oliveira e col.48, usando microcadioplegia oxige- MICROCARDIOPLEGIA COM P ROTEÇÃO
nada na proteção miocárdica em corações isolados de coelhos Desenvolvemos tática e técnica de proteção miocárdi-
ao sistema de Langendorff, demonstraram que tanto as célu- ca baseada nos conceitos do metabolismo miocárdico. Cha-
las musculares cardíacas quanto as células do tecidos adja-
mada de “Microcardioplegia com Proteção”. Essa proteção
centes, mantiveram um padrão morfológico próximo do
miocárdica tem como característica o emprego de sangue
normal. Nos pacientes portadores de doença coronariana
modificado por cloreto de potássio, cloreto de magnésio e
obstrutiva, submetidos a operação de revascularização do
miocárdio, a incidência de eventos cardíacos fatais e não-fatais otimizado pela adição de glutamato e aspartato de sódio, em
foram menores quando se empregou solução cardioplégica isotermia, por vias anterógrada/retrógrada, com fluxo contí-
sangüínea. O suporte de nutrientes é maior na cardioprote- nuo e de baixo volume. O sangue para a solução cardioplé-
ção sangüínea quando comparado com cristalóide, preser- gica é bombeado de forma contínua e modificado pela adição
vando-se ATP15. de baixo volume de soluções altamente concentradas, com
utilização de uma seringa elétrica de infusão de alta precisão.
A adição de drogas como manitol, vitamina C, corticosterói-
VIAS DE PERFUSÃO COM SOLUÇÃO CARDIOPLÉGICA
des, lidocaína, papaverina etc. ao conteúdo do oxigenador
Quanto à via de perfusão da solução cardioplégica, esta fará também parte do processo de microcardioplegia, atuan-
pode ser anterógrada ou retrógrada e tanto alternada como do como removedores de radicais livres, antioxidantes, es-
simultânea. Ambas as técnicas permitem rápida recuperação tabilizadores de membrana e vasodilatadores coronários,
da função ventricular e do metabolismo miocárdico. A van- respectivamente. Mantemos a circulação extracorpórea
tagem da cardioproteção simultânea é de ser bem reprodu- com fluxo de 2,4 L/m2/min sem esfriamento do priming. A
tível e não exigir o emprego de infusões alternadas na raiz da temperatura do paciente baixa naturalmente para cerca de
aorta. A via retrógrada, com infusão cardioplégica pelo seio 32 a 34oC, que ficará desta forma em isotermia em relação
coronário mantendo a aorta drenada (por aspiração), tem-se à temperatura externa.
mostrado eficiente e de todo modo prática, permitindo o uso Uma linha de PVC de 1/4” tem origem em saída própria
de cardioproteção contínua sem grandes transtornos70. O dos oxigenadores de bolha ou no shunt dos oxigenadores
aumento do número de pacientes coronarianos e a possibi- de membrana, levando sangue oxigenado com destino a
lidade da revascularização miocárdica na fase aguda do in- uma bomba de roletes (módulo de cardioplegia). Este mó-
farto, trouxe novo interesse pela cardioproteção retrógrada. dulo de cardioplegia permite fluxos estáveis e precisos, en-
A distribuição da cardioproteção retrógrada no ventrículo tre 50 e 500 mL de sangue/min com controle absolutamente
esquerdo é melhor que a da via anterógrada nos pacientes linear. Desta bomba parte uma linha de PVC também de 1/4”,
coronarianos. O sistema venoso cardíaco não possui válvu- conectando-se por meio de um Y com uma linha de 1/8” pro-
las e mesmo áreas que não receberiam a solução cardioplé-
veniente de uma seringa injetora elétrica, que fornecerá a
gica em decorrência de obstruções coronarianas, passam a
solução-mãe da cardioplegia (solução concentrada com bai-
ser protegidas quando a infusão é feita via seio coronaria-
xo volume). Após o Y, a linha de 1/4” passa por um peque-
no ou átrio direito. Nos pacientes aórticos com óstios coro-
narianos de difícil acesso, dissecções agudas da aorta e em no trocador de calor, que tem também a função de misturar
pacientes com doenças valvares aórticas a cardioproteção as soluções e reter eventuais bolhas. Do trocador de calor
por via retrógrada torna-se um método vantajoso46. O limite uma linha de PVC de 3/16” segue para o campo operatório,
de pressão ideal na perfusão contínua de cardioproteção por dividindo-se por intermédio de um Y em duas linhas tam-
via retrógrada é de 40 mmHg7. bém de 3/16”. Estas linhas serão conectadas às cânulas de
Chocron e col.18 estudaram 60 pacientes divididos alea- infusão anterógrada e/ou retrógrada da microcardioplegia
toriamente em dois grupos, um recebendo solução cardioplé- (Fig. 15.1).
gica apenas por via anterógrada e o outro por via anterógrada As soluções cardioplégicas-mãe apresentam duas con-
seguida de via retrógrada. Verificaram que a utilização da so- centrações, sendo a primeira mais concentrada e chamada
lução cardioplégica cristalóide por via anterógrada e retrógra- solução-mãe de indução; a segunda, menos concentrada,
da provocou melhor proteção em termos de menor liberação denomina-se solução-mãe de manutenção/reperfusão. As
de troponina-I que somente por via anterógrada, nos pacien- composições das soluções-mãe de cardioplegia são apresen-
tes com estenose do tronco coronário esquerdo. tadas na Tabela 15.1.

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Linha arterial 3/8“ PACIENTE

Linha venosa 1/2“ (3/16“)

C Linha de cardioplegia

(1/8“) D
Shunt

A
Shunt 1/4 (1/4“)
Oxigenador
de membrana
(1/4“)

B (1/8“)

(3/8“)
(1/4“)
Filtro de linha arterial (3/8“) Seringa injetora
eletroeletrônica

Blender Bomba de cardioplegia

Bomba arterial

Fig. 15.1 — Esquema do circuito de cardioplegia.

Tabela 15.1 proporção correta. Conecta-se a linha de infusão da cardio-


Composição das Soluções-Mãe de Cardioplegia plegia com uma cânula especial 12 F previamente introduzi-
da na raiz da aorta.
Solução-Mãe
Componentes
Após o clampeamento da aorta, inicia-se a infusão da
Indução Manutenção/Reperfusão cardioplegia de indução anterógrada, que deverá ser manti-
da até a parada completa dos batimentos cardíacos e ao ini-
Cloreto de potássio 1,5 mEq/mL 0,5 mEq/mL ciar a indução anterógrada, injeta-se 5 mL de lidocaína a 2%
na linha de infusão.
Cloreto de magnésio 0,8 mEq/mL 0,3 mEq/mL
Após a indução, ajustam-se os cadarços das cavas e
Glutamato de sódio 1,2 mmol/mL 0,3 mmol/mL abre-se o átrio direito, através de pequena incisão de 2,0 cm
acima da desembocadura da cava inferior. Coloca-se um as-
Aspartato de sódio 1,2 mmol/mL 0,3 mmol/mL
pirador no seio coronário e retiram-se, se necessário, os res-
tos da válvula do mesmo que possam impedir a livre
Para obtenção das concentrações adequadas de solu- colocação da cânula de retroperfusão. Confecciona-se uma
ção cardioplégica final, a concentração das soluções é cal- ampla sutura em bolsa na borda do seio coronário com fio
culada de tal forma que a proporção entre a solução-mãe e de polipropileno 3-0, introduzindo-se uma sonda especial de
o sangue seja sempre de 1%. Durante o preparo do circuito retroperfusão, constituída de um tubo de PVC 12 ou 14 F, de
da CEC, o sistema da cardioplegia é também preenchido com acordo com o diâmetro do seio. Esta cânula tem um anel de
o priming do oxigenador e com a solução-mãe de indução retenção junto à ponta, que evitará sua saída após tensio-
na proporção adequada pelo acionamento da bomba de ro- namento da bolsa de polipropileno. Uma vez fixada a cânu-
letes da cardioplegia e da seringa injetora com a solução de la, sutura-se o átrio direito também com poliproleno 3.0,
indução. Após a entrada em CEC, o priming do sistema de terminando em uma bolsa que permitirá a retirada da cânula
cardioplegia é desprezado, de tal forma que tenhamos na li- no final da operação. Após a sutura no átrio direito, é pos-
nha da cardioplegia a proporção correta de sangue e solu- sível soltar os cadarços das cavas, mantendo o coração dre-
ção-mãe de indução, com concentração final de K + de nado. Imediatamente após a parada dos batimentos cardíacos
aproximadamente 20 mEq/L e concentrações adequadas de pela cardioplegia anterógrada de indução, devemos substi-
magnésio, glutamato e aspartato, pelo acionamento da bom- tuí-la pela cardioplegia de manutenção, ainda por via ante-
ba de roletes da cardioplegia e da seringa de infusão na rógrada. Julgamos importante utilizar a solução de indução

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apenas para obter a parada cardíaca, usando a seguir a so- ves, a cardioplegia final quente pode ser prolongada por 20
lução de manutenção/reperfusão por via anterógrada por minutos, visando à ressuscitação do coração. Finalmente,
mais 3 ou 4 minutos, tempo necessário para instalar a via desclampeamos a aorta e utilizamos orifício da via de aces-
retrógrada. so da cânula aórtica da cardioplegia para retirada do ar das
Ao iniciar a via retrógrada mantemos a infusão de car- câmaras esquerdas.
dioplegia de manutenção de forma mais contínua possível, Nos casos de insuficiência aórtica, insuficiência aórti-
interrompendo-a quando a técnica operatória assim o exigir, ca não-cirúrgica (mas que impede a indução anterógrada),
por curto período de 3 a 4 minutos. O aspirador é conecta- infarto agudo do miocárdio, dissecção aguda da aorta e,
do à cânula anterógrada na aorta para aliviar as câmeras es- principalmente, reoperações de coronárias, preferimos a in-
querdas melhorando a distribuição da retroplegia. Não dução retrógrada. Para isto fibrilamos o coração eletricamen-
devemos nos preocupar com a drenagem venosa, uma vez te para confecção da bolsa no seio coronário, iniciamos
que o sistema tebesiano e o eventual vazamento em torno retroplegia e clampeamos a aorta. Nestes casos fazemos tam-
da cânula permitem a saída do sangue do sistema venoso. bém cardioplegia anterógrada a cada 15 minutos na aorta,
Recomendam-se alguns cuidados em relação ao uso de quando possível, ou diretamente nos óstios coronarianos com
solução cardioplégica por via retrógrada: cânulas próprias por períodos de 2 minutos em cada óstio,
a) observar o enchimento venoso de sistema corona- com fluxo de 100 mL/min. Durante a indução anterógrada ou
riano e da saturação e volume do efluente pela raiz da aorta retrógrada, temos utilizado fluxos de 200 a 300 mL/min, de
durante toda a evolução da operação, para garantir a eficá- acordo com as condições do miocárdio, dando-se especial
cia da retroperfusão; atenção para corações hipertróficos, que sempre necessitam
b) manter a saturação de O2 do efluente acima de 60% de fluxos maiores.
ou 30 mmHg de pressão parcial de O2. Se a saturação do A manutenção é feita com fluxos de 100 a 200 mL/min,
efluente pela aorta for muito baixa (sangue muito escuro), o guiando-nos pelo efluente da aorta dos óstios coronarianos
fluxo deve ser aumentado até que o sangue efluente apresen- ou das coronárias quando estão abertas. Durante a reperfu-
te saturação mais elevada (sangue mais vermelho); são final, aumenta-se o fluxo para 200 mL/min, mantendo-a
c) verificar o volume do efluente, se em qualquer mo- por 4 a 5 minutos com o coração parado (reperfusão assis-
mento, cessar a saída do mesmo, a posição da cânula retró- tólica). Lembramos que a proporção de 1% da solução-mãe
grada deve ser examinada, pois pode estar deslocada. de cardioplegia em relação ao fluxo de sangue deve, em ge-
ral, ser mantida tanto na indução como na manutenção/reper-
De qualquer forma, admite-se que apenas 25% do flu-
fusão. Assim, se o fluxo diminui de 200 mL/min para 100 mL/
xo oferecido ao seio coronário atinja os óstios arteriais co-
min, o fluxo da seringa de infusão decresce de 2 mL/min para
ronarianos. Levando-se em consideração que necessitamos
1 mL/min. Não temos esfriado e tampouco aquecido o pa-
de 30 mL/min de fluxo efetivo para manter a viabilidade de
ciente e o coração durante o procedimento cirúrgico. Desta
um coração de 300 gramas, a oferta de 100 a 120 mL/min pelo
forma a temperatura sistêmica fica em torno de 32 a 34oC e o
seio coronário seria mais que suficiente para suprir as neces-
miocárdio em 30 a 32oC, quando a temperatura da sala ope-
sidades. A cardioplegia por via anterógrada, intermitente a ratória é mantida em torno de 24oC. Por isso chamamos esta
cada 15 minutos, compensaria a nutrição de eventuais áreas técnica de isotérmica. A aplicação desta estratégia tem levado
que não estariam sendo adequadamente perfundidas pela a bons resultados, evitando-se temperaturas elevadas do
retroperfusão, como o septo interventricular, os átrios e o coração durante o eventual aquecimento e baixando um pou-
ventrículo direito. Visando otimizar a distribuição da cardio- co o consumo, principalmente nos átrios e sistema de con-
plegia, temos realizado a cada 10 a 15 minutos nova infusão dução, que ficam, assim, melhor protegidos. Durante a
anterógrada com fluxo de 200 a 300 mL por minuto, utilizan- reperfusão iniciamos o aquecimento, que se prolonga pelos
do a solução de manutenção. Interrompemos a aspiração da quatro ou cinco minutos da reperfusão assistólica e é com-
cânula via anterógrada, evitando ar na mesma e conectamos pletado após o desclampeamento aórtico. Decorridos oito a
esta cânula à segunda linha de cardioplegia. A cânula via 10 minutos, injetamos endovenosamente 5 a 10 mL de clo-
retrógrada é clampeada e observamos o enchimento da raiz reto de cálcio a 10% para reverter eventuais efeitos residu-
da aorta para ter certeza de uma boa perfusão coronariana. ais da cardioplegia e após mais 5 a 10 minutos, com redução
Como opção, a infusão pode ser feita concomitantemente por progressiva do fluxo da bomba arterial, interrompe-se a CEC.
vias anterógrada e retrógrada com fluxo de 200 a 300 mL/min A medida da concentração do CO2 expirado pela capnogra-
por 2 ou 3 minutos. fia permite avaliar a performance cardíaca. Este princípio ba-
A cardioplegia final, já durante o reaquecimento, pode seia-se no fato de que pulmões não perfundidos não
ser feita por via retrógrada ou por via anterógrada e deve ser eliminam CO2. Quando em pulmões normais são mantidos os
infundida aquecida por cerca de 5 minutos. O aquecimento parâmetros ventilatórios da pré-CEC e pressão de átrio es-
é conseguido pelo uso do trocador de calor da cardioplegia querdo adequada (15 mmHg), espera-se que o CO2 expirado
e do oxigenador. Ao retirar o fio da bolsa no seio coronaria- de 25 mmHg corresponda ao débito cardíaco de 4 a 5 L/min3.
no e a cânula, devemos afrouxar a sutura do átrio direito para Na prática, aguardamos que o CO2 expirado atinja 27 mmHg
saída de ar das câmaras direitas, clampeando o retorno ve- como parâmetro seguro para saída de CEC, ao lado dos de-
noso sistêmico e insuflando-se os pulmões. Em casos gra- mais índices: pressão arterial, pressão de átrio esquerdo,

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pressão venosa, morfologia do QRs, ritmo cardíaco etc. A existem no organismo. De qualquer forma, logo após o des-
diluição sistêmica com esta técnica é muito pequena, pois clampeamento aórtico, injetamos entre 20 a 40 unidades de
para um fluxo final de cardioplegia de 150 mL por minuto du- insulina simples de acordo com o peso do paciente. Para
rante uma hora, emprega-se apenas 90 mL de solução-mãe. manter boa diurese durante a CEC e para baixar o potássio,
Lembramos que com o emprego de 150 mL de cardioplegia pode-se empregar diuréticos como a furosemida, no próprio
por minuto, em uma hora teremos feito passar pelo coração circuito extracorpóreo ou durante todo o ato anestésico ci-
nove litros de sangue acrescido da solução-mãe, contudo, rúrgico em infusão contínua. Iniciando a infusão de 2 mg de
teremos empregado apenas 90 mL desta solução, evitando- furosemida logo após a indução anestésica, mantendo-a na
se assim altos volumes de solução cristalóide. dose de 1 a 10 mg/kg/min até o final da cirurgia, de tal for-
A técnica descrita pode ser empregada em todos os ca- ma que seja suficiente para obter diurese de 2 mL/kg/hora.
sos de cirurgia cardíaca, devendo-se adaptar a técnica ci- A furosemida altera-se com a exposição à luz. Assim, solu-
rúrgica a seu emprego. Deve-se admitir maior quantidade de ções intravenosas devem ser protegidas da mesma após sua
sangue no campo operatório, assim como uma certa turgên- preparação e durante a infusão. O uso de insulina não é im-
cia do coração. Interrupções de até três minutos não são portante somente para baixar o potássio, mas também para
críticas e facilitam a técnica em fases mais difíceis. A soma minimizar o “trauma metabólico”, uma vez que estaremos fa-
das interrupções não deve exceder 15 a 20 minutos, o que zendo uma verdadeira solução polarizante no próprio circui-
poderia levar à diminuição da perfomance cardíaca. to extracorpóreo (que contém glicose e potássio) e que será
O coração volta a bater em mais ou menos 10 segundos infundida no coração e em todos os tecidos do organismo.
após desclampeamento da aorta, retira-se a bolsa e a cânula Na reperfusão, injetamos manualmente 1 mL da solução de
do seio coronário e fecha-se a bolsa do átrio direito. A medi- indução no circuito da cardioplegia. É importante que esta
da da pressão da raiz da aorta tem sido de grande valor para sistemática seja entendida em suas bases, de tal forma que
avaliação do paciente logo após a saída de CEC. Geralmente, o cirurgião e toda equipe possam comunicar-se com facilida-
existe grande discrepância entre a mesma e a pressão da ar- de. Por fim, queremos salientar que a eficácia da cardiople-
téria radial, devido à vasoconstrição. Tal medida tem nos gia com proteção é proporcional à determinação que se tem
permitido o uso de vasodilatadores (como nitroprussiato de para realizá-la e diretamente decorrente da técnica emprega-
sódio), que diminuem a pós-carga e permitem melhor perfor- da, obedecidas as bases fisiológicas que atendem aos crité-
mance cardíaca. Após algum tempo as pressões se igualam. rios já estabelecidos.
Nessa fase final do uso de solução cardioplégica, se o
coração apresentar movimentos ondulantes (como “ondas Resultados Operatórios
de um campo de trigo batido pelo vento”), injetamos 5 mL de
xilocaína a 1% no circuito da cardioplegia. Este fenômeno Está claro em estudos da literatura médica, ainda que
não está ainda totalmente esclarecido, mas parece decorrer pese a falta de meta-análises, que os pacientes hipertensos
de alterações da membrana celular com participação dos ca- representam um grupo especial e assim devem ser conside-
nais de sódio, excesso de potássio intracelular e aumento do rados para procedimentos operatórios. Medidas pré-, intra-
cálcio extracelular, como foi por nós demonstrado. Não reco- e pós-operatórias são importantes para evitar conseqüências
mendamos o uso de mais potássio na tentativa de eliminar muitas vezes desastrosas nessa situação.
as ondulações porque, ao contrário, elas aumentarão. De A conduta anestésica no pré- e intra-operatório é impor-
qualquer forma, as ondulações, que têm sido raras com esta tante, a fim de evitar a instabilidade hemodinâmica, principal-
técnica, quando ocorreram, não produziram qualquer prejuízo mente nos pacientes do subgrupo hipertenso. Entretanto, é
para a performance cardíaca ao final da operação. Se o co- fundamental proteger bem o miocárdio durante o ato opera-
ração continuar batendo com a infusão de 1 mL de solução tório. Smolenski e col.72 sugeriram, após estudo experimen-
de indução, pode-se manter o fluxo sangüíneo e aumentar em tal em ratos hipertensos, que a depleção de fosfatos de alta
50% o fluxo da solução de manutenção/reperfusão por um energia durante o período de isquemia e a demora na recu-
determinado período. Geralmente o coração fica parado du- peração do equilíbrio enegértico após cardioplegia poderia
rante todo o tempo, mas apresenta contração se fortemente ser uma explicação para o déficit funcional do miocárdio en-
estimulado. Dizemos que nesta situação o coração está qui- contrado nos corações hipertrofiados. Desta forma os méto-
escente, isto é, fica parado mas pronto para bater. Acredita- dos de proteção miocárdica têm sido recomendados, com
mos ser este o “ponto ideal” da cardioplegia. Se o coração especial ênfase neste grupo de pacientes.
fica muito flácido e não responde a estímulos fortes, pode- Do ponto de vista prático, enfatizamos em nosso ser-
mos manter o fluxo sangüíneo da cardioplegia e diminuir a viço a necessidade do uso de cardioplegia sangüínea pro-
infusão da solução-mãe de manutenção/reperfusão em 50%, tegida de baixo volume por via retrograda, contínua, em
voltando ao normal se o coração voltar a bater. Desta forma, condições de isotermia, no subgrupo de pacientes corona-
é possível manter a despolarização necessária sem exagerá-la. riopatas hipertensos. No período de janeiro de 1993 a feve-
A ocorrência de hiperpotassemia é rara, uma vez que em uma reiro de 1999, foram realizados 1.064 procedimentos eletivos
hora de clampeamento aórtico injeta-se, incluindo a indução, de Revascularização Cirúrgica do Miocárdio (RCM). Destes,
cerca de 100 mEq de potássio, o que é uma quantidade irri- 360 eram hipertensos diagnosticados pela monitorização ar-
sória quando é comparada aos 4.000 mEq de potássio que terial pressórica arterial (MAPA). Em todos os procedimen-

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tos foram empregados a microcardioplegia com proteção, e ciclo cardíaco56. Agentes anestésicos locais como lidocaína
os resultados foram satisfatórios e sem mortalidade hospi- e procaína já foram usados com outros agentes na indução
talar de causa cardíaca (disfunção ventricular esquerda, in- da parada cardíaca37,38. A procaína é integrante da solução de
farto agudo do miocárdio e arritmias). Na revascularização do St. Thomas para estabilização da membrana e mostrou que
miocárdio associado à reconstrução da geometria do ventrí- traz benefício, diminuindo a ocorrência de arritmias e outros
culo esquerdo em pacientes portadores da doença corona- distúrbios de ritmo67. Há, entretanto, um risco considerável
riana e aneurisma do ventrículo esquerdo (complicação de convulsões no pós-operatório13,37,38. A indução por uma
mecânica do infarto agudo do miocárdio) com função ven- parada polarizada feita, por exemplo, pela tetrodoxina, um blo-
tricular comprometida, mostrou-se a taxa atuarial de sobre- queador específico dos canais do sódio resulta em proteção
vivência global em 11 anos de 95,47% (IC 92, 27% a 98,67%). miocárdica significativa durante isquemia normotérmica80,81
No estudo, a substituição valvar aórtica por biopróte- e reduz o consumo de oxigênio miocárdico comparado com
se de pericárdio bovino com emprego da microcardioplegia a parada hipercalêmica74,75. Estudos anteriores demonstraram
com proteção, a taxa atuarial de sobrevivência global em 12 que a parada por tetrodoxina exibiam níveis melhores de
anos de seguimento foi de 91,7 (± 2,2%), o que confirma be- ATP e creatina fosfato depois da isquemia e reperfusão
nefícios para os pacientes a longo prazo. Realizamos ainda comparada com corações sujeitos à isquemia não-protegi-
um estudo de estratificação de risco com troponina-I em pa- da80 ou até mesmo a protegida com solução rica em K+ 73.
cientes submetidos a revascularização cirúrgica do miocár-
dio com emprego da microcardioplegia com proteção. O Ativação dos Canais de Potássio ATP Sensíveis
estudo demonstrou a correlação entre o nível sérico de tro-
ponina-I cardíaca com o tempo de isquemia. Durante a isquemia miocárdica há mudanças dramáti-
Por fim, salientamos que a efetividade da cardioplegia cas no potencial de ação. Há diminuição no potencial de re-
com proteção é proporcional à determinação de realizá-la e pouso da membrana (despolarização), no potencial de ação
diretamente decorrente da técnica empregada, quando as e encurtamento da duração do potencial de ação20,21,33,58.
bases fisiológicas obedecem a critérios já provados e esta- Muitas dessas mudanças eletrofisiológicas se devem a um
belecidos. efluxo de potássio intracelular21.
Noma (1983) descreveu um canal específico de potás-
NOVAS PERSPECTIVAS sio em miócitos ventriculares de porcos da Guiné e coelhos
que foram inibidos pelo ATP intracelular e abertos durante
A parada cardíaca eletiva (cardioplegia) pode ser pro- períodos de isquemia. A abertura desse canal ATP sensível
duzida com uma grande gama de substâncias, que podem causa uma saída do potássio de dentro da célula, que hiper-
provocar despolarização, polarização, ou atuando na bomba polariza a membrana da célula. Esse canal é o responsável
de cálcio. A parada cardíaca por despolarização, que é obtida por muitas das respostas do miocárdio à isquemia34,53,58 par-
com a utilização de soluções ricas em potássio, já foi comen- ticularmente o marcado encurtamento do potencial de ação.
tada e, de longe, é a mais usada atualmente, mas leva a uma Isso resulta no encurtamento da duração da fase de platô,
série de inconvenientes, como a abertura dos canais lentos que é a fase em que a maior parte do cálcio entra. Essa re-
de cálcio, aumentando a concentração deste no intracelular, dução no influxo de cálcio causa um decréscimo na contra-
com depleção de ATP e a ativação dos mecanismos de mor- tilidade. A ativação desses receptores explicou a ocorrência
te celular programada e lesão de reperfusão1,16,37,38. da disfunção contrátil em longos períodos de isquemia e ini-
Assim, outras formas têm sido propostas das quais bição metabólica19. Esse decréscimo na atividade mecânica
passaremos a comentar as mais relevantes. conserva energia e ATP, e assim age como cardioprotetor
durante a isquemia59.
PARADA CARDÍACA POLARIZADA OU Uma ativação farmacológica dos canais de potássio
HIPERPOLARIZADA ATP dependentes mostrou ser capaz de proteger o miocár-
dio em vários modelos animais de isquemia miocárdi-
Uma alternativa para a parada cardíaca é manter a pola- ca29,53,57,61,63,65. Os benefícios incluem preservação da função
ridade de membrana, próxima ao potencial de repouso. A van- ventricular e nucleotídeos de alta energia, assim como limi-
tagem da parada com normopolaridade ou hiperpolarização é tação do tamanho do infarto após isquemia. Esses canais
que os canais de cálcio não são ativados80, fazendo com que também têm um importante papel no fenômeno do precon-
o consumo de oxigênio esteja reduzido a um mínimo74,75. dicionamento à isquemia e provocando relaxamento da mus-
A parada polarizada ou hiperpolarizada pode ser obti- culatura lisa, sendo assim, potentes vasodilatadores40,76.
da de uma série de maneiras, a saber.
Adenosina
Bloqueadores dos Canais de Sódio
A adenosina pode também induzir parada cardíaca pelo
O bloqueio dos canais de sódio pode efetivamente pa- seu efeito hiperpolarizante, particularmente no tecido de con-
rar o coração prevenindo a fase 0 (despolarização rápida) do dução2, que mostrou prover uma boa proteção miocárdica

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146
quando usada isoladamente como agente cardioplégico plégicas em vários modelos animais experimentais de cora-
(em concentrações de 10 mmol/L)5,66 ou como um aditivo ção isolado, com foco na recuperação ventricular27,35,79. Seu
(1 mmol/L) na cardioplegia com potássio22. Isso mostrou re- uso durante reperfusão na preparação de Langendorff tam-
duzir o tempo de parada e ser pelo menos mais eficaz do que bém trouxe melhor função miocárdica, mas o problema dos
a parada hipercalêmica, diminuindo a sobrecarga de cálcio efeitos sistêmicos da droga ainda não tem solução84.
em miócitos isolados41. Mais recentemente, o efeito benéfi- Como um adjunto na cardioplegia não foi descrito efeito
co da adenosina (para a cardioplegia com hiperpotassemia) adverso.
foi testada clinicamente e mostrou ser segura e reduzindo
complicações pós-operatórias55.
Esmolol
A associação da adenosina e da lidocaína (ambos indu-
zindo a uma parada hiperpolarizada) mostrou ter um efeito pro- Esmolol, um β-bloqueador de ação ultracurta e com uma
tetor eficaz por um período isquêmico superior a 4 horas23. vida média de 10 minutos, foi usado durante cirurgia cardía-
ca para induzir uma contração miocárdica mínima, en-
OUTRAS ALTERNATIVAS quanto mantinha uma perfusão contínua normotérmica
para se evitar a isquemia e mostrou ser um protetor mio-
Hipocalcemia cárdico equivalente à cardioplegia44. Em altas concentra-
ções (aproximadamente 1,0 mmol/L) é capaz de induzir parada
A ausência do cálcio intracelular faz com que o coração cardíaca4,24 e foi mostrado que infusões de várias doses de
pare em diástole, inibindo o sistema excitação-contração64. solução com 1,0 mmol/L de esmolol (por dois minutos a cada
Essa característica foi usada em soluções cardioplégicas na 15 a 45 mmHg) pode proteger completamente corações de
Alemanha há algum tempo, entretanto, quando acompanha- ratos submetidos a cardioplegia cristalóide por um tempo
da de hiponatremia, também diminui a função do canal de superior a 90 minutos em normotermia3.
sódio, mantendo o potencial de membrana próximo ao poten-
cial de repouso.
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149
16 Suporte Circulatório em Cirurgia Cardíaca

Luiz Felipe P. Moreira


João Galantier
Anderson Benício

RESUMO dar suporte a um paciente em choque cardiogênico por in-


farto agudo do miocárdio. Esse paciente viveu por mais 23
São apresentados o desenvolvimento histórico da assis- anos, o que demonstrou a possibilidade de longa sobrevi-
tência circulatória mecânica e seu impacto sobre a cirurgia car- da após o uso de suporte circulatório mecânico prolongado.
díaca e sobre o tratamento da insuficiência cardíaca grave, Em 1965, Spencer e col.40 fizeram a primeira descrição do uso
principalmente nas seguintes situações: choque cardiogênico de suporte circulatório mecânico para falência cardíaca após
pós-cirurgia cardíaca, choque cardiogênico pós-infarto do mio- circulação extracorpórea. No entanto, ficou claro que a má-
cárdio, ponte para transplante aguardando doação de órgão e quina coração-pulmão, tal qual usada em cirurgia cardíaca,
ponte para recuperação aguardando melhora funcional do co-
era ineficiente no suporte de longa duração exigido nos ca-
ração e desmame, bem como sua indicação mais recente, a te-
sos de insuficiência cardíaca grave. Em 1962, Moulopoulos
rapia de destino. São descritos os diversos dispositivos de
e col.29 desenvolveram o balão intra-aórtico. Em 1968, Kan-
fluxo pulsátil e contínuo, seu modo de atuação. São discutidos
trowitz e col.21 descreveram a aplicação clínica deste. O pri-
os critérios de indicação e os resultados dos vários métodos e
meiro transplante homólogo foi realizado por Barnard2, em
dispositivos quando utilizados nas situações acima.
1968. Esse fato reduziu a utilidade da aplicação direta de dis-
positivos mecânicos nos casos de insuficiência cardíaca ter-
INTRODUÇÃO minal, porém gerou uma nova aplicação: a “ponte” para
transplante com assistência circulatória mecânica. Em 1969,
Desde a década de 1930, a medicina se dedica a encon-
Cooley e col.4 utilizaram pela primeira vez um coração artifi-
trar um substituto ao músculo cardíaco. Em 1934, DeBakey6
reconheceu na bomba de roletes (usada há anos para trans- cial mecânico como “ponte” para transplante cardíaco, pro-
fusões sangüíneas) um instrumento confiável para bombear cedimento que foi denominado inicialmente “substituição do
grandes volumes de líquido contidos em tubos flexíveis. A coração em estágios”. Com o uso da ciclosporina, e o con-
idéia de acoplar uma bomba de circulação extracorpórea a seqüente aumento no número de transplantes, as “pontes”
um dispositivo oxigenador para permitir intervenção cirúrgica começaram a ser utilizadas em vários centros. Inicialmente,
prolongada sobre coração parado foi posta em prática por muitas foram feitas com o balão intra-aórtico36. A primeira
Gibbon16, em 1931. Em 1951, Dennis8 usou essa técnica na “ponte” para transplante bem-sucedida, com uso de coração
correção de comunicação interatrial. Na década de 1950, o artificial, foi realizada em 1987 por Emery e col.11. Em 1982, De
conceito introduzido por Gibbon, em 1937, transformou Vries e col.7 implantaram o primeiro coração artificial total
radicalmente o panorama da cirurgia cardíaca. A bomba de (Jarvik-7), tendo o paciente sobrevivido 112 dias.
roletes mostrou-se simples e confiável. Ocorreu o desenvol- Com os avanços científicos e tecnológicos, principal-
vimento industrial dos oxigenadores descartáveis. Com essa mente nas áreas da fisiologia cardiovascular, da cirurgia car-
conjunção de fatores, a assistência à circulação e à oxigena- díaca, da hematologia e das engenharias mecânica e de
ção durante a cirurgia cardíaca tornou-se viável e rotineira. materiais, a assistência circulatória tornou-se uma realidade
Em 1957, no Kings County Hospital, Stuckey e col.41 utiliza- na prática médica, e seu uso ainda nos permite prever inú-
ram, com êxito, uma máquina de circulação extracorpórea para meras possibilidades de atuação.

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151
OBJETIVOS DA ASSISTÊNCIA CIRCULATÓRIA O dispositivo de assistência circulatória mecânica mais
empregado na prática clínica é o balão de contrapulsação
Atualmente na prática médica podemos estabelecer três intra-aórtica. Este dispositivo tem, no entanto, a limitação de
grupos de indicações para a assistência circulatória, dividi- apenas auxiliar a função cardíaca. Introduzido normalmente
dos particularmente de acordo com o objetivo de sua utili- por punção percutânea da artéria femoral, o balão de contra-
zação, são eles: pulsação é posicionado no interior da aorta torácica descen-
dente. O seu uso se baseia no princípio da contrapulsação,
PONTE PARA RECUPERAÇÃO sendo insuflado durante a diástole e desinsuflado durante
a sístole, permitindo a melhora do débito cardíaco, a queda
O paciente se encontra em grave condição circulatória
das pressões em território pulmonar e, principalmente, a me-
(choque), porém, existe ao menos presumivelmente a possibili-
lhora da perfusão miocárdica, por meio do aumento do flu-
dade de reversão do quadro miocárdico. Esta situação exige
xo sangüíneo coronariano.
não só uma manutenção adequada da perfusão tecidual para
que não haja uma deterioração progressiva dos principais ór- Os outros tipos de dispositivos de assistência circula-
gãos, mas também presume a recuperação da função miocárdi- tória têm o objetivo de substituir parcial ou totalmente a fun-
ca. À medida que o músculo cardíaco se recupera, a assistência ção de bomba do coração, sendo classificados de acordo
circulatória pode ser progressivamente reduzida até que seja com o seu modo de bombeamento, com a sua localização e
retirada. Neste grupo se enquadram todos os estados transitó- com os tipos de acionamento:
rios de agressão miocárdica, seja a falência ventricular pós-ci- • Modo de bombeamento
rurgia cardíaca, infarto agudo do miocárdio, miocardites virais – Não-pulsáteis de fluxo radial (centrífugas);
e processos metabólicos ou imunológicos, como, por exemplo, – Não-pulsáteis de fluxo axiaI (Hemopump@, De
a miocardiopatia pós-parto, ou ainda em situações pós-trans- Bakey, Jarvik 2000);
plante cardíaco (choque cardiogênico por rejeição). Cabe res-
– Pulsáteis (ventrículos artificiais, como Thoratec@,
saltar que muitos destes casos acabarão se demonstrando
Incor, Heartmate@, Novacor@, Berlin Heart@, e co-
não-reversíveis, passando a ter a assistência circulatória como
ponte para a realização do transplante cardíaco. ração artificial total, como o Jarvik-7).
• Localização dos dispositivos
PONTE PARA TRANSPLANTE – Implantáveis (Heartmate@, Novacor@);
– Paracorpóreos (InCor, Thoratec@, Berlin Heart@).
Os pacientes que não apresentam possibilidade de re- • Tipo de acionamento
cuperação miocárdica, sobretudo aqueles que já são candi- – Pneumático (InCor, Thoratec@, Berlin Heart@);
datos a transplante nos quais o suporte farmacológico
– Eletromecânico (Heartmate@, Novacor@);
otimizado não é suficiente para manutenção do estado cir-
culatório, são candidatos à assistência circulatória prolonga- – Eletroidráulico;
da. Nestes casos, o objetivo principal é a manutenção de um – Biomecânico.
estado de perfusão adequado até a realização do transplan-
te cardíaco, momento em que o dispositivo será removido. DISPOSITIVOS DE ASSISTÊNCIA CIRCULATÓRIA

ALTERNATIVA PARA O TRANSPLANTE CARDÍACO BOMBAS CENTRÍFUGAS

Ainda em processo de aprovação pelos diversos organis- São dispositivos de fluxo contínuo, onde o fluido se
mos de saúde internacionais, esta indicação da assistência cir- movimenta perpendicularmente ao eixo de rotação da bom-
culatória é o objetivo de estudo atual de muitos grupos, sendo ba. O sangue é admitido no conector de entrada e é arras-
considerada uma promessa para um futuro não muito distante. tado radialmente, pelo efeito centrífugo, em direção à base
De acordo com o objetivo do suporte circulatório, as do cone onde deixa a bomba, já sob pressão, pelo conec-
condições clínicas do paciente, bem como disponibilidade tor de saída. Essas bombas podem fornecer, aproximada-
de aparelhos e experiência do grupo cirúrgico, podem-se im- mente, um fluxo máximo da ordem de 8 L/min sob pressão
plantar diversos tipos de dispositivos diferentes. contínua da ordem de 100 mmHg. Entre as vantagens das
bombas de fluxo contínuo sobre as pulsáteis, destacamos
o fluxo unidirecional sem o uso de válvulas, a possibilida-
TIPOS DE ASSISTÊNCIA CIRCULATÓRIA
de de tubulações mais finas para um mesmo débito (pela
Na assistência circulatória mecânica são empregados ausência de pulso) e, finalmente, as menores complicações
diversos tipos de dispositivos, que variam em sua comple- trombóticas e hemolíticas13, pois o sangue desliza suave e
xidade e custo, sendo a sua escolha baseada principalmen- continuamente através do dispositivo. Habitualmente, com
te nos objetivos da indicação do procedimento, com especial a bomba centrífuga, a assistência ventricular direita é feita
atenção para o nível da assistência pretendida ao coração e com drenagem através da canulação do átrio direito ou do
ao tempo de permanência dessa assistência. ventrículo direito, sendo a cânula de retomo do sangue co-

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152
locada na via de saída do ventrículo direito, ou, mais comu- de dispositivo eletromecânico (Figs. 16.3 e 16.4). Os siste-
mente, no próprio tronco da pulmonar. Na assistência ven- mas que não implicam solução de continuidade da pele uti-
tricular esquerda, a canulação de drenagem é feita através lizam a via transcutânea por meio de um transformador de
da veia pulmonar superior direita ou da aurícula esquerda radiofreqüência com núcleo de ar, o primário sendo uma bo-
e o retorno, através de cânula colocada na aorta ascenden- bina externa sobre a pele e o secundário, implantado sob
te. As cânulas podem ser as mesmas utilizadas na circula- a derme.
ção extracorpórea. A heparinização total só é requerida
quando o fluxo do dispositivo é baixo (cerca de 1 L/min e
1,5 L/min). A bomba centrífuga foi inicialmente desenvolvi-
da22 para ser usada como coração artificial, mas não se
adaptou bem a essa função. Porém, pela simplicidade e pela
baixa lesão que causa aos elementos figurados do sangue,
a bomba centrífuga começou a ser usada em casos de cir-
culação extracorpórea prolongada e para suporte circulató-
rio. Até o momento, problemas técnicos de infiltração de
sangue no eixo da bomba38 obrigam a troca das bombas
com certa freqüência (cada dois a três dias).

BOMBAS AXIAIS DE FLUXO CONTÍNUO

São dispositivos nos quais o fluxo é paralelo ao eixo de


rotação da bomba. São também chamadas bombas “em roca”
(spindle pumps)18. Wampler e col.44 criaram um exemplar de
pequenas dimensões denominado Hemopump@, acionado a Fig. 16.1 — Dispositivo de Assistência Ventricular Pneumático — Mo-
delo InCor.
distância por um cabo. Sua aplicação apresentou problemas,
que fizeram o uso transcutâneo ser praticamente abandonado,
passando a ser utilizada eventualmente para procedimentos
a céu aberto em cirurgias de revascularização coronariana
com oxigenação autógena15. No entanto, alguns modelos de
pequenas dimensões com motor e bomba solidários foram
desenvolvidos com sucesso para suporte circulatório implan-
tável permanente. O dispositivo é colocado no trajeto de
uma cânula que aspira o sangue do ápice do ventrículo es-
querdo e o ejeta na aorta.

BOMBAS DE FLUXO PULSÁTIL

Os dispositivos de assistência ventricular pulsáteis são


caracterizados por diafragmas que se movem por certa distân-
cia, ejetando sangue para fora de uma câmara de bombeamento
e o aspirando ao voltar à posição inicial. O diafragma sepa-
ra a bomba em duas câmaras: a inferior é a câmara de san-
gue com dutos de entrada e saída, cada um contendo uma
válvula que permite a passagem do sangue num só sentido. A
câmara superior é a câmara de acionamento, que possui os me-
canismos necessários para acionar o diafragma, sejam eles pneu-
máticos (Thoratec@, InCor), ou eletromecânicos (Heartmate@,
Novacor@). Quanto ao fornecimento da energia propulsora,
os dispositivos paracorpóreos, por serem externos, não apre-
sentam problema, sendo os acionadores contidos em conso-
les sobre rodas, mochilas, ou cintos. Nos dispositivos de
assistência ventricular implantados, podemos transferir ener-
gia para dentro da cavidade por via percutânea, através de um
tubo de ar comprimido, no caso de dispositivo pneumático Fig. 16.2 — Esquema do dispositivo de Assistência Ventricular Pneu-
(Figs. 16.1 e 16.2), ou, então, por um cabo condutor, no caso mático (Modelo InCor) implantado para assistência biventricular.

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153
Já o coração artificial total apresenta as seguintes van-
tagens:
• É suturado diretamente aos átrios e não possui cânu-
las de entrada e saída, que são fatores limitantes do débito.
• Os dispositivos de assistência ventricular são mais
difíceis de operar em modo biventricular.
As características principais destes dispositivos são
descritas na Tabela 16.1.

CRITÉRIOS DE INDICAÇÃO

A assistência circulatória mecânica é geralmente indica-


da em pacientes que apresentam choque de origem cardio-
gênica, refratário ao uso da terapêutica medicamentosa e do
Fig. 16.3 — Dispositivo de Assistência Ventricular Eletromecânica —
controle da volemia. No entanto, os procedimentos envolvi-
Modelo HeartMate®. dos são de alto custo, difícil manuseio e apresentam compli-
cações inerentes à própria assistência. Em conseqüência, os
dispositivos mais complexos são geralmente utilizados ape-
nas quando os mais simples não são eficientes.
Dentro dessa seqüência, discutiremos inicialmente as
indicações e contra-indicações do balão intra-aórtico21,30 e,
a seguir, abordaremos os critérios de indicação dos dispo-
sitivos de assistência ventricular em paralelo e do coração
artificial total13,25,27. As indicações para o balão intra-aórtico
incluem:
• Falência ventricular secundária a infarto agudo de
miocárdio ou a suas complicações.
• Suporte circulatório pré-operatório, com o objetivo de
possibilitar o diagnóstico e o planejamento do tratamento,
bem como melhorar o metabolismo miocárdico e sua função,
agindo como “ponte” para outros procedimentos, incluindo
o transplante cardíaco.
• Síndrome de baixo débito cardíaco no pós-operatório
da cirurgia cardíaca.
• Arritmias ventriculares refratárias à terapêutica farma-
cológica.
• Tratamento da falência ventricular esquerda crônica.
• Suporte intra-operatório para pacientes cardíacos
submetidos a cirurgia não-cardíaca.
As contra-indicações para o uso de balão intra-aórtico
incluem apenas insuficiência valvar aórtica grave, dissecção
aórtica e idade acima de 80 anos. Além disso, a inserção do
balão intra-aórtico pela artéria femoral está geralmente con-
Fig. 16.4 — Esquema do Dispositivo de Assistência Ventricular Eletro-
mecânico (Modelo HeartMate®) totalmente implantável para assistência
tra-indicada nas doenças da aorta abdominal ou torácica
ventricular esquerda. descendente, das artérias ilíacas, ou da própria femoral. Nes-
ses casos, pode-se utilizar a inserção pela artéria subclávia
ou através da aorta ascendente, nos casos em que o tórax
Os dispositivos de fluxo pulsátil podem ser ventrículos está aberto.
artificiais ou corações artificiais totais. Os primeiros pos- O emprego de dispositivos mais complexos de assistên-
suem as seguintes vantagens: cia circulatórios segue critérios de indicação e contra-indica-
• O coração natural permanece no local, com potencial ção semelhantes, sempre se levando em conta os objetivos
de se recuperar. de assistência descritos acima.
• São adequados a grande número de falências isoladas Em relação a esses objetivos, os dispositivos de fluxo
do ventrículo esquerdo. contínuo, como a bomba centrífuga, são utilizados com
• Podem ser usados em pacientes pequenos. maior freqüência nos casos de suporte circulatório pós-cirur-

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Tabela 16.1
Características dos Principais Dispositivos de Assistência Circulatória

Ventrículo Tamanho Alta


Bomba Suportado Duração do Paciente Pulsátil Anticoagulação Locomoção Hospitalar Posição

Centrífuga E, D, B Curta Pequeno — N S N N Externo


grande

Púlsátil pneumático E, D, B Intermediária — Médio — S S S, restrito N, restrito Externo


longa grande

Pulsátil E somente Longa Grande S N S S Interno


eletromagnético

Axial E somente Longa Pequeno — N S S S Interno


grande

Coração total B Longa Grande S S S S Interno

Abreviações: B, biventricular; D, direito; E, esquerdo.

gia cardíaca24. Esse fato explica-se pela facilidade de inser- tas, endocardite bacteriana, falência renal crônica, doença ce-
ção da mesma, que pode utilizar as próprias cânulas de cir- rebrovascular sintomática, doenças pulmonares crônicas, dis-
culação extracorpórea, pelo menor custo e pela facilidade de crasia sangüínea e disfunção hepática grave25,34,43.
retirada em casos reversíveis. No infarto do miocárdio e nas
situações de emergência para ressuscitação de pacientes em
parada cardiorrespiratória, esses dispositivos também têm Tabela 16.2
sido utilizados com grande freqüência pelos mesmos moti- Critérios Hemodinâmicos de Indicação
da Assistência Circulatória Mecânica
vos, também sendo possível seu emprego associado aos
oxigenadores de membrana, com a canulação percutânea da Falência Cardíaca Esquerda
artéria e da veia femorais. Índice cardíaco < 1,8 L/min/m2
Nos casos de pacientes em que se considera o choque Pressão arterial sistólica < 90 mmHg
Pressão capilar pulmonar > 20 mmHg
cardiogênico de difícil reversão e também nos casos de pon-
te para o transplante cardíaco, os ventrículos artificiais e o Falência Cardíaca Direita
coração artificial total são os dispositivos utilizados com Índice cardíaco < 1,8 L/min/m2
maior freqüência. Esse fato deve-se à menor incidência de Pressão capilar pulmonar < 10 mmHg
complicações hematológicas e infecciosas a médio e a lon- Pressão de átrio direito > 20 mmHg
go prazos, além da maior facilidade de movimentação do
paciente com esses dispositivos em relação aos de fluxo
contínuo. RESULTADOS
A assistência circulatória com dispositivos em parale-
lo ou com o coração artificial total está normalmente indica- CHOQUE CARDIOGÊNICO PÓS -CIRURGIA CARDÍACA
da na presença de critérios tradicionais de definição de Apesar da queda significativa observada na incidência
falência ventricular esquerda e direita (Tabela 16.2)25,34. de falência cardíaca pós-operatória com o desenvolvimento
Esses critérios são, no entanto, mais relevantes nos ca- de métodos mais eficientes de proteção miocárdica, essa
sos de instalação aguda, sendo importante a valorização de complicação ainda ocorre em cerca de 3% dos casos sub-
outros sinais de baixo débito sistêmico, como a queda do metidos a cirurgia cardíaca com circulação extracorpórea. É
fluxo urinário e a elevação da creatinina plasmática e das en- possível se estimar, então, a existência de alguns milhares de
zimas hepáticas, para a indicação da assistência circulatória pacientes por ano, submetidos a cirurgia cardíaca, que pode-
em casos de evolução crônica (ponte para transplante). Além riam se beneficiar de algum tipo de assistência circulatória.
disso, é importante a correção prévia de distúrbios metabó- A utilização do balão intra-aórtico como método de as-
licos, da volemia e das alterações do ritmo cardíaco, bem sistência inotrópica no pós-operatório de cirurgia cardíaca é
como a instituição de suporte farmacológico máximo e, se de uso rotineiro, sendo em muitos serviços, inclusive, insti-
possível, do balão intra-aórtico. tuído de maneira profilática, antes da utilização de doses
São consideradas contra-indicações relativas para a as- máximas de drogas endovenosas. O emprego de outros dis-
sistência circulatória com dispositivos em paralelo ou coração positivos, apesar de existirem registros a respeito de uma
artificial total: idade acima de 70 anos, cardiopatias congêni- utilização cada vez mais freqüente em vários países17,31, ain-

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155
da se restringe a experiências institucionais isoladas em nosso sistência de maneira temporária, como único método de trata-
meio33. Paralelamente, apesar dos inúmeros avanços alcança- mento do choque cardiogênico, tem sido observada a limita-
dos pela cirurgia cardíaca na última década, os resultados apre- ção da área enfartada e a melhora da função do miocárdio
sentados com o emprego de dispositivos mais complexos de restante com o restabelecimento de fluxo coronário adequa-
assistência no pós-operatório parecem manter-se inalterados. do16,28. Entretanto, apesar da estabilização do choque cardio-
Na maioria dos centros, a primeira opção para a indica- gênico observada na maioria desses pacientes, a mortalidade
ção de dispositivos mais complexos no choque pós-opera- hospitalar no primeiro ano após a retirada do dispositivo tem
tório continua a ser a utilização de dispositivos de fluxo sido elevada, sendo semelhante à observada com o tratamento
contínuo (bombas centrífugas), associados ao balão intra- não-intervencionista (variando entre 71 % e 90%)28.
aórtico. Estes dispositivos apresentam índices de recupera- O emprego de dispositivos mais complexos de assistên-
ção do miocárdio que chegam a valores em torno de 50% cia circulatória com o objetivo de dar suporte à eventual re-
dos casos, em períodos de assistência que variam de pou- cuperação do miocárdio infartado mostra resultados pouco
cos dias a duas semanas. Já em relação à alta hospitalar, são satisfatórios. No entanto, alguns autores têm proposto a uti-
descritos índices de 25% dos casos, limitados principalmente lização de assistência mecânica como ponte para transplante,
pelas complicações observadas nos outros órgãos e siste- com 65% a 91% dos pacientes conseguindo ser transplanta-
mas durante o período da assistência. dos e uma porcentagem de alta hospitalar de 72% a 93%32.
Mais recentemente, alguns autores têm demonstrado
que a mudança nos objetivos da assistência conseguiu uma PONTE PARA O TRANSPLANTE CARDÍACO
melhora significativa nos índices de alta hospitalar. A pro-
O transplante cardíaco enfrenta atualmente o grave
posta é que seja instituída a assistência circulatória de cur-
problema da escassez de doadores. Estima-se que entre 20%
ta duração, por exemplo, bomba centrífuga, e em 24 a 48 horas e 40% dos pacientes selecionados falecem na fila de espera
já se estabeleça a indicação de um suporte prolongado como em todo o mundo e uma parcela significativa desses pacien-
ponte para transplante em vez de aguardar a recuperação. tes evolui para óbito por falência circulatória progressiva. Em
Com essa tática, conseguiu-se um índice de alta hospitalar levantamento a respeito da fila de espera para o transplante
de 74%9,18,39. cardíaco no Instituto do Coração, 43,6% dos 186 pacientes
Em nosso país, são poucas as experiências relatadas listados nos últimos cinco anos faleceram antes do procedi-
sobre o uso de suporte circulatório mecânico no pós-opera- mento, sendo o choque cardiogênico a causa do óbito na
tório de cirurgia cardíaca. Na experiência inicial do Instituto maioria dos casos. Para esses pacientes, a utilização de dis-
do Coração, até 1992, a bomba centrífuga foi utilizada em 10 positivos de assistência circulatória mecânica é, muitas ve-
pacientes, cuja cirurgia inicial foi a revascularização do mio- zes, a única possibilidade de sobrevivência durante a espera
cárdio em seis, a correção de aneurismas do ventrículo es- do doador3.
querdo em dois, a correção de valvopatia mitral em dois, e Provavelmente este é o campo da assistência circulató-
o transplante cardíaco em um paciente33. Em oito casos, a ria que está mais desenvolvido no que diz respeito aos re-
assistência foi para o ventrículo esquerdo; em um caso, para sultados. Nos Estados Unidos, quatro dispositivos foram
o ventrículo direito; e em um, para ambos os ventrículos. aprovados para uso como ponte para transplante: os mode-
Nessa série, foi possível a retirada do dispositivo em sete los Heartmate (IP — pneumático e VE — eletromagnético),
pacientes (70%) e três deles tiveram alta do hospital (30%). o modelo Thoratec (pneumático) e o modelo Novacor.
Usados em 186 centros internacionalmente, os modelos
INFARTO AGUDO DO MIOCÁRDIO Heartmate somam um número de 3.798 pacientes implantados
(1.322 IP e 2.476 VE). A média de suporte para transplante foi
Na análise dos resultados da assistência circulatória em de 95 dias para o pneumático e 147 dias para o eletromagné-
pacientes com choque cardiogênico secundário a infarto tico (máximo de 805 dias IP e 1.071 dias VE), com 60% de pa-
agudo do miocárdio, é importante a caracterização dos aspec- cientes transplantados. A etiologia foi isquêmica em 44,5%,
tos anatômicos envolvidos. Quando existem complicações dilatada em 48,5%, infarto agudo do miocárdio em 2,5% e
mecânicas do infarto (aneurisma de ventrículo esquerdo, outras em 3,5%14.
comunicação interventricular, insuficiência da valva atrio- O registro internacional do Thoratec foi realizado em 173
ventricular esquerda), a instituição do suporte circulatório centros em 1.446 pacientes como ponte para transplante (988
mecânico tem a função de viabilizar a posterior realização da biventricular, 605 VE e 111 VD). A média de suporte foi de 50
correção cirúrgica dessas alterações. Por outro lado, nos ca- dias (máximo de 566 dias) com transplante em cerca de 60%
sos que evoluem para choque cardiogênico por piora impor- pacientes12. As etiologias foram miocardiopatia dilatada,
tante da contratilidade ventricular, é importante destacar-se (40%) isquêmica (36%), infarto agudo do miocárdio (7,5%),
que a maioria deles perdeu geralmente mais de 40% do mio- pós-transplante cardíaco (2,5%) e outras (14%).
cárdio normal. O registro americano do Novacor relata a utilização em
A respeito da manutenção do suporte circulatório com 156 pacientes, com duração média de suporte em 80 dias e
o balão intra-aórtico ou outros tipos de dispositivos de as- transplante em 60% dos pacientes5.

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As complicações relatadas em todos os dispositivos cesso. A insuficiência cardíaca é o produto final de vários me-
têm sido as mesmas: sangramento perioperatório, eventos canismos que o próprio organismo dispõe como compensa-
tromboembólicos e infecção. dores, incluindo a geometria e a própria função do ventrículo
esquerdo, acompanhadas de alterações neuro-hormonais.
PONTE PARA RECUPERAÇÃO DO MIOCÁRDIO As alterações que ocorrem na função, na estrutura e na mor-
fologia ventricular na progressão da insuficiência cardíaca
Com os avanços do transplante cardíaco nas últimas têm sido definidas como remodelamento ventricular3,4. As
décadas, os sistemas de assistência ventricular mecânica conseqüências fisiológicas da dilatação do ventrículo es-
têm sido utilizados cada vez em maior número. Alguns cen- querdo incluem alterações na relação pressão-volume, cor-
tros com larga experiência no uso destes dispositivos têm relacionadas com a queda da fração de ejeção e do débito
relatado significativa melhora na função cardíaca após o im- cardíaco, e com o aumento das pressões capilar pulmonar e
plante destes dispositivos. Além da melhora normalmente venosa central. Além disso, as alterações na geometria ven-
observada em relação à função do ventrículo direito, que é tricular incluem a transformação progressiva da cavidade
mantido sem assistência na maior parte dos casos, a recupe- ventricular em uma câmara mais esférica, com uma maior ten-
ração da função do ventrículo esquerdo tem sido descrita são de sua parede e de menor espessura. No aspecto celu-
em pacientes portadores de miocardites ou de miocardiopa- lar, necrose de miócitos, apoptose de miócitos, hipertrofia
tia dilatada idiopática42,26. das fibras e fibrose matricial têm sido alterações observadas
Com a melhora da função ventricular, os dispositivos em pacientes com severa disfunção ventricular. E ainda se-
de assistência circulatória podem então ser removidos, fato gundo esse aspecto, descrevem-se várias alterações levan-
que pode ocorrer após um curto período de suporte, como do a uma diminuição da contratilidade, incluindo: baixa
nas miocardites agudas. Mesmo quando os dispositivos regulação dos β-receptores e alterações do metabolismo in-
permanecem por longo período, também têm a possibili- tracelular do cálcio45.
dade de retirada, seja por melhora da função ventricular
ou por complicações de seu uso (quadros infecciosos). BASE MOLECULAR E CELULAR PARA A RECUPERAÇÃO
Como após a retirada, vários pacientes evoluem com a ma-
nutenção da melhora da função ventricular a longo pra- A base celular e molecular da ponte para a recuperação
zo, surge o conceito da assistência ventricular como se baseia em dois pilares: resolução do processo patológi-
ponte para recuperação miocárdica. co primário e o remodelamento reverso. A resolução do pro-
cesso patológico primário é mais aplicável à miocardite
Após o implante de um dispositivo de assistência ven-
aguda, quando pacientes apresentam lesão com infiltrado
tricular, os pacientes normalmente apresentam melhora da
inflamatório, sem fibrose. A resolução deste processo, com
função ventricular esquerda e direita. O ventrículo esquer-
ou sem fibrose subseqüente, leva à melhora da função ce-
do tem uma diminuição do seu diâmetro diastólico final, de-
lular. Entretanto, para pacientes com cardiomiopatia dilatada
monstrando um alívio da sobrecarga. Em vários pacientes,
idiopática e para pacientes com cicatrizes extensas de insul-
após o implante do dispositivo, a valva aórtica raramente
tos isquêmicos prévios, a probabilidade de resolução do
abre, indicando a eficiência da assistência ventricular e a
processo primário é menor.
ausência de trabalho cardíaco desempenhado pela câmara
O aspecto molecular na recuperação da cardiomiopatia
ventricular. O ventrículo direito, mesmo nos casos mantidos
dilatada tem sido focado tanto no aspecto coletivo das al-
apenas em assistência ventricular esquerda, apresenta uma
terações moleculares, como no do remodelamento reverso.
tendência progressiva à melhora de sua contratilidade, fato
Estas alterações teciduais incluem alterações na estrutura e
atestado pela diminuição do suporte farmacológico necessá-
na função celulares. Quanto ao aspecto tecidual, miócitos de
rio na manutenção destes pacientes. Além disso, em cora- corações submetidos a suporte circulatório com dispositivos
ções explantados com cardiomiopatia dilatada que foram de assistência ventricular têm magnitude maior de contração,
mantidos em suporte com dispositivos de assistência ven- melhor relaxamento e maior resposta aos β-agonistas que
tricular, a relação pressão-volume se apresenta muito melhor miócitos que não tiveram suporte circulatório. Quanto ao
do que a observada com corações explantados com miocar- aspecto celular, o músculo cardíaco, na ocasião do explante
diopatia dilatada sem períodos prévios de suporte circulató- dos dispositivos de assistência ventricular, apresenta dimi-
rio20. Finalmente, estudos realizados durante o exercício em nuição na imunorreatividade ao peptídeo natriurético atrial
pacientes com dispositivos de assistência ventricular mos- e ao peptídeo natriurético cerebral, que se correlaciona com
tram que o pico de consumo de oxigênio melhora progres- achados ecocardiográficos de melhora da função ventricu-
sivamente com o tempo, sendo sugerida uma participação lar. A função mitocondrial, medida pelo uso de intermediado-
cada vez mais efetiva do próprio coração do paciente23,45. res do ciclo de Krebs, apresenta-se melhor após períodos
Os mecanismos da recuperação miocárdica após a as- prolongados de suporte circulatório em relação à avaliação
sistência ventricular ainda são discutíveis, apesar de existi- realizada antes do implante do dispositivo. Além disso, alte-
rem evidências de alguns aspectos fisiopatológicos que rações no metabolismo do cálcio intracelular, diminuição nos
justificam o processo de recuperação do miocárdio. Aborda- níveis de fator de necrose tumoral e nos níveis da matriz de
remos a seguir alguns aspectos fisiopatológicos deste pro- metaloproteinase, importante no remodelamento matricial,

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também têm sido relatados de maneira consistente23,45. Final- Dos 129 pacientes selecionados no estudo REMATCH,
mente, alterações neuro-hormonais também são relatadas 68 pacientes receberam o dispositivo e 61 foram tratados
após o suporte com dispositivos de assistência ventricular45. clinicamente. Houve uma redução de 48% no risco de morte
Entre os pacientes com cardiomiopatia dilatada que ti- para qualquer causa no grupo que recebeu o dispositivo
veram o dispositivo explantado por recuperação, 30% a 50% (risco relativo de 0,52, p = 0,001). A sobrevida em um ano foi de
apresentaram recorrência da falência cardíaca, necessitando 52% no grupo do dispositivo e 25% no grupo clínico (p = 0,002)
relistagem para o transplante cardíaco ou a reposição do dis- e no segundo ano foi de 23% e 8% (p = 0,09), respectivamen-
positivo. Fatores que podem influenciar no sucesso desta te. A principal causa de óbito no grupo clínico foi insuficiên-
terapêutica incluem protocolos de desmame da assistência cia congestiva terminal. Por outro lado, no grupo onde foi
ventricular, terapia medicamentosa após o explante e os fa- implantado o dispositivo, as principais causas de óbito fo-
tores celulares e bioquímicos já descritos acima. ram sepse (41%) e falência do dispositivo (17%). Entretan-
A utilização dos dispositivos de assistência ventricular to, apesar da melhor sobrevida no grupo com dispositivo,
no tratamento da insuficiência cardíaca refratária ao tratamento estes pacientes tiveram duas vezes mais chance de desen-
clínico em pacientes com miocardiopatia dilatada ainda se apre- volver algum tipo de complicação. Dentro dos três primeiros
senta muitos aspectos controversos ou não esclarecidos. Es- meses de implante, a probabilidade de desenvolver infecção
tes aspectos incluem o processo primário da miocardiopatia, relacionada ao dispositivo foi de 28% e dentro dos seis pri-
o tempo da indicação do implante do dispositivo, a possibili- meiros meses de implante a freqüência de sangramento foi
dade de associação com terapêuticas medicamentosas que de 42%. Nenhum dispositivo falhou dentro dos primeiros 12
possam melhorar os índices de recuperação, a melhoria dos meses, mas dentro do segundo ano de implante, 35% dos
protocolos de desmame e medidas adicionais que podem ga- dispositivos falharam37.
rantir posteriormente a manutenção da função miocárdica,
como o emprego de inibidores da matriz metaloproteinase e das Outras experiências individuais têm sido relatadas com
terapias gênica e celular45. resultados promissores, apesar de formarem pequenas amos-
tras. El-Banayosy relata experiência de dois anos com im-
plante de dispositivo como terapia de destino mostrando
ASSISTÊNCIA CIRCULATÓRIA COMO TERAPIA uma sobrevida de 50% em 18 meses, sem ter apresentado
DE DESTINO nenhuma complicação relacionada ao dispositivo ou mesmo
A seleção de pacientes para implante de dispositivo de problemas infecciosos relacionados10.
assistência ventricular esquerda como terapia de destino Apesar de os resultados iniciais do REMATCH mostra-
envolve dois aspectos importantes: a avaliação da condição rem uma sobrevida em dois anos no grupo com dispositivo
para o implante baseada na condição do paciente, grau dos bastante relevante (23%) quando comparado com o grupo
sintomas e indicação; e determinação do risco operatório do clínico (8%), a sobrevida em 10 anos após o transplante
implante para o paciente. O processo para a adequada sele- (50%) ainda é bem maior que a apresentada neste estudo37.
ção de pacientes envolve, em primeiro lugar, pacientes com Entretanto, não devemos esquecer que esta sobrevida não
insuficiência cardíaca refratária ou choque cardiogênico que considera os pacientes que morreram na fila de espera. A uti-
estão sob alto risco de morte e que se espera obter uma me- lização dos dispositivos de assistência ventricular, não só
lhor sobrevida e benefício em relação aos sintomas com o como terapia de destino, mas também como ponte para trans-
implante do dispositivo de assistência ventricular como te- plante visa suprir a crônica falta de órgãos e conseqüente-
rapia de destino1. mente minimizar o alto índice de óbitos na fila de transplante
Para melhor seleção destes pacientes, o REMATCH e a ausência de um tratamento definitivo para os pacientes
(Randomized Evaluation of Mechanical Assist in the Treatment portadores de miocardiopatia dilatada. Por outro lado, o alto
of Congestive Heart Failure)36,37 estabeleceu alguns critérios custo dos dispositivos de assistência circulatória mecânica
para a indicação de implante de dispositivo de assistência e o alto índice de complicações observado nos obrigam a es-
ventricular que incluem pacientes em insuficiência cardíaca perar melhores resultados e o desenvolvimento tecnológico
congestiva classe funcional IV (NYHA por 90 dias sob tera- dos dispositivos, para que possamos permitir o seu uso de
pia medicamentosa otimizada incluindo inibidores da enzima forma mais ampla.
conversora, diurético e digital; fração de ejeção de ventrícu-
lo esquerdo menor que 0,25 e pico de consumo de oxigênio
menor que 12 mL.kg-1.min-1. Estes critérios foram subseqüen- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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17 Transplante Cardíaco

Noedir A.G. Stolf


Ronaldo H.B. Santos
Alfredo I. Fiorelli

RESUMO transplante “em bloco” coração-pulmão. Seus trabalhos


publicados no livro Experimental Transplantation of Vital
A insuficiência cardíaca congestiva em seu estado ter- Organs, no entanto, só foi conhecido pelo Ocidente cerca de
minal tem o transplante cardíaco como a opção de escolha 22 anos após, em 1962. Este mesmo autor ainda conseguiu
no seu tratamento. Este capítulo visa abordar aspectos pró- sobrevida prolongada dos enxertos, porém cometeu um en-
prios ao transplante cardíaco, tais como: técnicas cirúrgicas, gano ao atribuir a falência dos órgãos transplantados a fa-
complicações, resultados e perspectivas futuras. tores técnicos e não imunológicos.
Com a melhoria das técnicas de circulação extracorpó-
INTRODUÇÃO rea e a correção dos primeiros defeitos congênitos a céu
aberto, o homem pode desenvolver as bases para o primei-
A insuficiência cardíaca congestiva em seu estado ter- ro transplante cardíaco. No início da década de 1950, o Dr.
minal tem o transplante cardíaco como a opção de escolha Shumway postulava rotações de até 180° do coração após
no seu tratamento. Este capítulo visa abordar aspectos pró- sua excisão ventrículo-arterial, com sua posterior reimplan-
prios ao transplante cardíaco, tais como: técnicas cirúrgicas, tação. Em 1958, Goldberg, Berman e Akman deram início aos
complicações, resultados e perspectivas futuras. transplantes cardíacos ortotópicos em cães. Seus estudos
tiveram ainda como destaque especial a manutenção das
HISTÓRICO veias pulmonares conectadas à parede do átrio esquerdo,
diminuindo deste modo o tempo operatório. Contudo, foram
No início do século, Alex Carrel e Charles Guthrie, tra- Shumway e Lower que apresentaram, em 1960, a primeira sé-
balhando na Universidade de Chicago desenvolveram en- rie de transplantes cardíacos ortotópicos associados à imu-
saios experimentais com o objetivo de estudar as diferentes nossupressão, com longa sobrevida, em cães, padronizando
técnicas para anastomoses vasculares. Tal linha de pesqui- a técnica de transplante1.
sa culminou com o primeiro transplante cardíaco heterotró- Em 23 de janeiro de 1964, na Universidade do Mississi-
pico em animais, fornecendo elementos importantes, tais pi, o Dr. James Hardy e sua equipe realizaram o primeiro trans-
como: a possibilidade de um coração ser retirado de um ani- plante cardíaco em um paciente terminal devido a anos de
mal, a tolerância ao período de anóxia com a possibilidade de doença hipertensiva não tratada. Como o doador humano dis-
readquirir seus batimentos de forma eficiente e a possibili- ponível não apresentou piora proporcional ao receptor, nas
dade de seu implante em outro animal. palavras do autor, optou-se por um transplante de um chim-
Em 1933, na Clínica Mayo, Frank Mann obteve sobrevi- panzé de grandes proporções. O coração transplantado, de
da de enxertos de até oito dias podendo constatar a falência início, funcionou bem, após reaquecimento e rápida desfibri-
do coração devido à fenômenos até então desconhecidos. lação, mantendo pressão média em torno de 90 a 100 mmHg
Atribuiu-se tal falência a alterações anatomopatológicas, hoje por cerca de 90 minutos2. O paciente veio a falecer, pois, se-
denominada de rejeição. Nos anos 1940, os trabalhos do gundo o próprio cirurgião, “o coração era pequeno demais”2.
cientista soviético Demikhov trouxeram descrições impor- O primeiro transplante cardíaco entre seres humanos
tantes de diversas variantes técnicas de transplantes cardía- realizado com relativo sucesso ocorreu em 3 de dezembro de
cos heterotrópicos intratorácicos, ressaltando-se também o 1967 e foi realizado pelo Dr. Cristian Barnard, na África do Sul.

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161
O paciente teve boa evolução clínica de início, mas faleceu tempo em lista de espera como critério de prioridade5. O nú-
18 dias após, por um quadro de pneumonia2. Este fato foi o mero de pacientes que morrem aguardando um coração va-
grande impulsionador para que se despertasse o interesse ria de 25% a 40% em diferentes centros internacionais.
sobre o transplante cardíaco em vários centros espalhados A conscientização e a participação ativa dos médicos
pelo mundo. No Brasil, a equipe do Hospital das Clínicas da que atuam em unidades de emergência ou de terapia inten-
FMUSP, chefiada pelo Dr. Zerbini, no dia 26 de maio de 1968, siva é de vital importância para a manutenção de adequada
realizou o primeiro transplante cardíaco da América Latina. captação de órgãos. Atualmente, por determinação legal, são
Dois outros pacientes ainda foram operados até que este de notificações compulsórias todos os casos de morte en-
programa fosse interrompido como ocorreu em outros gran- cefálica, devendo ser notificada a Central de Transplantes da
des centros. O fator preponderante foi a elevada mortalidade Secretaria de Saúde do Estado.
inicial, devida em sua maioria à processos infecciosos e/ou A técnica da operação encontra-se bem estabelecida há
episódios de rejeição. Este entusiasmo inicial possibilitou a vários anos. Todavia a adoção de um programa de transplan-
realização de aproximadamente 102 transplantes até o final do te representa uma evolução do serviço de cirurgia cardíaca,
ano de 1968. Durante a década de 1970, poucos centros uma vez que representa uma atividade complexa, requeren-
mantiveram-se na atividade do transplante, porém, a insis- do amplo funcionamento e integração dos diversos setores
tência do grupo de Stanford ofereceu importantes contribui- hospitalares. Sempre implica a participação integrada multi-
ções, como por exemplo, o desenvolvimento da biópsia profissional, na qual participam: cirurgiões, cardiologistas,
endomiocárdica e o controle imunológico. Neste período, anestesistas, intensivistas, infectologistas, imunologistas,
eram realizados cerca de 50 transplantes cardíacos por ano, patologistas, enfermeiros, psicólogos, nutricionistas e assis-
sendo a maioria sob a responsabilidade daquele centro. tentes sociais.
Em 1976, Boerel e col. descobriram as propriedades imu- Segundo o último relatório da UNOS (United Network
nossupressoras da ciclosporina sendo, no entanto, apenas for Organ Shering) de maio de 1999 existem hoje em fila de
introduzida na prática clínica dos transplantados cardíacos
espera nos EUA, cerca de 4.230 pacientes. Ainda segundo
em 1980. Com os avanços na imunossupressão ao lado de
a mesma organização no ano de 1998, foram realizados cer-
outras melhorias, houve uma queda marcante nos índices de
ca de 2.340 transplantes cardíacos nos EUA3.
mortalidade e fez ressurgir o interesse pelos transplantes,
com a rápida multiplicação do número de procedimentos Convém ainda ressaltar que, segundo a UNOS, a cada
mundialmente bem como dos centros transplantadores. O 16 minutos um novo paciente é incluído em alguma lista de
último registro da International Society for Heart and Lung espera de órgão (sendo cerca de 67.200 pacientes registra-
Transplantation (ISHLT) coletava até 2003, cerca de 60.000 dos somente nos EUA até maio de 1999) contra uma realiza-
transplantes realizados em mais de 300 centros espalhados ção anual global de transplantes da ordem de 20.200
pelo mundo3. pacientes naquele país. Outro fato que chama a atenção é a
escassez de doadores. No ano de 1998 foram feitos 9.913
doações nos EUA3. Esses fatores descritos incentivaram di-
PROGRAMA DE TRANSPLANTE: ASPECTOS GERAIS versos grupos ao que se chama de procura de órgãos à dis-
Os centros de cirurgia cardíaca têm incorporado o trans- tância. O grupo de Stanford propôs pioneiramente a procura
plante em suas atividades, contudo, segundo alguns auto- à distância, sendo que tal mecanismo de captação é utiliza-
res, a sua realização esporádica não tem oferecido qualquer do em mais de 80% dos casos de transplante em experiên-
contribuição técnico-científica à instituição e à comunidade. cia internacional3,18.
O centro interessado em iniciar o seu programa de transplan- Em nosso meio esta realidade é diferente sendo que
te deve estar atento às peculiaridades inerentes a esta mo- somente 10% das captações ocorrem à distância e 15% den-
dalidade cirúrgica, sendo inclusive responsáveis por um tro da mesma comunidade. Os demais casos de captação são
forte impacto no hospital e na comunidade, do ponto de vis- realizados no mesmo centro cirúrgico. Esta última prática ofe-
ta socioeconômico. O sistema de captação de órgãos é um rece maior conforto, economia e, principalmente, segurança
dos fatores moduladores na atividade do programa de trans- à equipe médica. Contudo, desde que o tempo máximo de
plante, tendo em vista a carência de doadores viáveis e o anóxia não ultrapasse quatro a seis horas, a captação e o
crescente número de candidatos a receber um órgão. transporte podem ser utilizados com segurança7.
O crescimento dos programas de transplante requer um
sistema de captação de órgão eficiente. Nos EUA, são rea- SELEÇÃO DE DOADORES
lizados aproximadamente 24 Tx para cada milhão de habitan-
tes. Em nosso meio, esses valores não excedem a um Tx anual Nos primeiros transplantes cardíacos, realizados no fi-
para cada milhão de habitantes. Estima-se que não mais de nal dos anos 1960, o coração doador somente era retirado
30% dos pacientes que ingressam na lista de espera para os após estar em assistolia, monitorizada por um ECG. A neces-
transplantes cardíacos são operados, falecendo os demais. sidade de oferecer órgãos em melhores condições de pre-
Um estudo recente na Universidade de Michigan em candi- servação contribuiu para difundir o conceito de morte
datos ao transplante cardíaco com tempo prolongado de lista encefálica, proposto inicialmente o paciente doador como
de espera de órgão mostrou um risco elevado de mortalida- sendo aquele com morte encefálica diagnosticada clinica-
de após o transplante, devendo inclusive ser considerado o mente e complementada preferencialmente por pelo menos

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162
um método gráfico (EEG, CAGE, mapeamento cerebral com a diurese excessiva. Assim, a hipotensão pode ser contro-
radioisótopos, potencial evocado ou doppler transcraniano) lada com uso de terapia hormonal com T3 (prática utiliza-
e com o consentimento dos familiares1,4,6,7. da em vários centros captadores nos EUA) ou com uso de
Tradicionalmente os doadores de órgão possuem ida- dopamina como droga de escolha17 até o limite de cerca de
de limite de 55 anos, sorologia negativa para hepatites e au- 15 mg/kg/min, uma vez que doses acima deste valor, por lon-
sência de história de doenças sistêmicas (HAS, DM etc.). go período, levam à depleção nos estoques endógenos de
Recentemente os critérios de seleção de doadores têm sido epinefrina do coração doador.
expandidos para inclusão de doadores mais idosos, aqueles Outro fator importante relacionado ao paciente doador é
com história de HAS assim como aqueles com sorologia po- a questão do peso. A maioria dos autores é de consenso que
sitiva para Hepatite C8. Se o doador tiver mais de 55 anos ou o peso corpóreo do doador não deva ser inferior a 20% do
história de HAS, o paciente deve ser avaliado com cineco- peso corpóreo do receptor4 embora alguns aceitem o limite de
ronariografia (CATE), para exclusão de arteriosclerose coro- 25%. Este cuidado deve ser observado com maior atenção em
nária obstrutiva no coração do doador4. Com a expansão pacientes receptores com elevada resistência pulmonar, pois
destes critérios de doação, acredita-se elevar em 25% o nú- o maior porte físico do doador poderá compensar a pós-car-
mero global de doadores, sendo que os critérios para sele- ga do ventrículo direito, que se encontrará aumentada4,20.
ção de doadores não são totalmente rígidos e podem variar Não poderíamos deixar de mencionar a histocompatibilida-
entre diferentes equipes. de (HLA) entre o doador e o receptor. Tal compatibilidade é de-
Durante a seleção dos doadores são investigados o seu terminada obrigatoriamente entre os grupos sangüíneos ABO
estado clínico, a radiografia de tórax, o ECG, o ECO e, em si- e pela obtenção de resultados negativo da prova cruzada de lin-
tuações especiais, como mencionadas acima (e também nos fócitos do doador com o soro do receptor (Cross Match). No
casos de dúvida), o cateterismo cardíaco. Doadores com entanto, alguns autores afirmam que pode haver casos extremos
manifestações evidentes de infecção ativa, com presença de graves onde a incompatibilidade ABO possa ser aceita mas isto
neoplasias (excluindo-se as do SNC) são, em geral, excluídos. deve ser evitado ao máximo, em função do risco elevado de re-
Nos casos de traumatismos torácicos graves, o apare- jeição hiperaguda, com a perda do órgão transplantado4,7. Em-
cimento de anormalidades do segmento ST ou na onda T, bora não haja nenhuma tipagem tecidual pré-transplante
podem ser indicativos de agressão ao miocárdio devida à cardíaco, dados analisados retrospectivamente, sugerem que
contusão. Podem ser utilizadas medidas enzimáticas, po- quanto maiores as chances de compatibilidade, melhores serão
rém com julgamento judicioso em virtude da elevação nos os resultados. Desta forma preconiza-se o painel linfocitário em
níveis de CPK em função da morte encefálica e necrose te- todos os candidatos, no sentido de rastrear anticorpos pré-for-
cidual. Muitas vezes os exames complementares não são su- mados contra os antígenos do doador7. Em nosso serviço, nos
ficientes para detecção de lesões sendo em nosso serviço, pacientes com atividade linfocitária menor que 10% não se
a inspeção macroscópica minuciosa rotineira do coração aguarda o resultado da prova cruzada para início da operação7.
doador como critério de avaliação para a retirada do órgão Rotineiramente realizam-se: sorologia para sífilis; hepa-
e início da operação no receptor. Em alguns serviços, a dis- tite B e C e outras; doença de Chagas; e AIDS. Os resulta-
ponibilidade do ECO torna esse exame quase uma rotina, no dos da sorologia para citomegalovírus e toxoplasmose
sentido de confirmar a boa função do órgão bem como afas- possuem valor no seguimento do doente.
tar algumas anomalias significativas9,10.
A presença de hipotensão arterial ou uso de drogas SELEÇÃO DO RECEPTOR
vasoativas em altas doses por períodos superiores a 24 ho-
ras, constituem-se fatores de risco e são, muitas vezes res- O transplante cardíaco tem sido reservado aos pacien-
ponsáveis pelo aparecimento de disfunção no enxerto no tes portadores de cardiomiopatias consideradas terminais, de
pós-operatório. Alguns autores6 descrevem dois tipos de longe, as mais comuns são a dilatada e a isquêmica, na qual
mecanismo que explicariam esta disfunção. Acredita-se tra- o tratamento clínico ou cirúrgico convencional não se apli-
tar de lesão tecidual que ocorre durante e após a morte en- ca satisfatoriamente3,4. Alguns autores preconizam a revas-
cefálica. O primeiro tipo estaria associado diretamente aos cularização do miocárdio como procedimento possível para
efeitos tóxicos da liberação de catecolaminas endógenas, o tratamento da ICC avançada de etiologia isquêmica, porém
que ocorre durante a hipertensão intracraniana10. Esta lesão a sua indicação deve ser criteriosa23.
provocada pelas catecolaminas é cálcio mediada e causaria A dificuldade na avaliação de perspectiva de vida dos pa-
danos estruturais aos sarcômeros e às mitocôndrias, sendo cientes com cardiomiopatia em fase avançada tem determinado
observadas após 30 minutos de morte encefálica11,12,13 e po- a identificação de vários fatores de prognóstico, tais como:
dem ser prevenidas com o uso de β-bloqueadores14. O se- • etiologia: é um importante preditor de sobrevida a
gundo tipo de lesão celular está relacionado diretamente ao etiologia da disfunção do ventrículo esquerdo24. Melhora na
desarranjo endócrino na morte encefálica. função cardíaca tem sido observada em pacientes não-isquê-
A rápida redução nos níveis séricos de hormônios ti- micos (por exemplo: miocardite, cardiomiopatia periparto,
reoideanos (como o T3) causa um importante impacto na ca- cardiomiopatia alcoólica após abstinência25,26,27) em função
pacidade funcional do órgão para gerar ATP essencial à vida do tempo de evolução. Mais ainda: segundo alguns autores,
celular. Há necessidade também do uso de vasopressina15,16 pacientes portadores de cardiomiopatia isquêmica têm taxas
que além de estabelecer em parte o tônus vascular controla de mortalidade mais elevadas do que aqueles cuja etiologia

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é não-isquêmica e devem ser priorizados em lista para trans- antecipar a indicação para transplante. Deve-se, no entanto,
plantes28,29. Em nosso meio, a etiologia chagásica é a que considerar a aderência do paciente à orientação médica, pois
apresenta maior mortalidade; a falta de colaboração do paciente por razões diversas pode
• fração de ejeção: embora uma fração de ejeção abai- ser responsável por resultados insatisfatórios. Em relação a
xo de 20% na cintilografia representa um preditor de mau este último, tem-se dado maior importância à condição psi-
prognóstico, esta variável não deve ser analisada isolada- cossocial favorável com especial atenção à dinâmica familiar,
mente30,31. A disfunção ventricular direita também afeta de do que ao padrão socioeconômico.
maneira negativa a sobrevida e em alguns estudos tem-se Ao longo dos anos, no entanto muitos critérios de ava-
mostrado como o mais importante preditor de descompensa- liação têm sofrido modificações em função da experiência clí-
ção hemodinâmica e morte32; nica acumulada1,18. Na Tabela 17.1 encontram-se descritos as
• capacidade funcional: A capacidade funcional é tida principais contra-indicações aceitas atualmente para o trans-
como sendo o melhor preditor a curto-médio prazos para plante cardíaco. Algumas, no entanto, possuem caráter rela-
mortalidade em pacientes tratados com medicamentos. O tes- tivo. A limitação da idade para transplante cardíaco não deve
te de estresse metabólico com a determinação do consumo mais ser usado como fator de exclusão24. Sua discussão, no
de oxigênio máximo (VO2 máx.) é uma medida objetiva da ca- entanto gera ainda controvérsia e alguns trabalhos na litera-
pacidade funcional e tem sido de grande valia na determina- tura referem bons resultados em pacientes acima de 60 anos
ção de população de alto risco para ICC26. A VO2 máx. é o de idade24,39. Neste grupo etário pode-se conseguir boa lon-
produto do Débito Cardíaco (DC) e a diferença de O2 artério- gevidade e há benefício importante da sintomatologia41,42,43.
Pacientes receptores com idade superior a 60 anos parecem ser
venosa durante o exercício, sendo dependente da idade,
mais predipostos a complicações como malignidade ou infec-
sexo, massa muscular e nível de sedentariedade33. Admite-se
ção após o transplante segundo alguns24, porém, outros au-
que um paciente com VO2 inferior a 14 mL/Kg/min tenha so-
tores não observaram diferenças significativas em relação à
brevida em um ano da ordem de 47%, ao passo que aqueles
malignidade e, ao contrário, observam-se menos complicações
com VO2 superior à 14 mL/Kg/min possuem sobrevida mé-
no que se refere à infecção no grupo de pacientes mais ido-
dia em um ano da ordem de 95%33,34;
sos40. Atualmente, alguns centros desenvolveram uma “lista
• medidas hemodinâmicas: medidas hemodinâmicas ob- alternativa”, na qual se oferece a possibilidade de transplan-
tidas durante exercício têm grande valor prognóstico35. Outros te para pacientes mais idosos, utilizando-se corações de do-
índices hemodinâmicos são importantes: pressão de enchimen- adores com idade avançada, com doença valvar moderada,
to elevados em ventrículo direito e ventrículo esquerdo (em ge- com coronariopatias leves e outras situações de alto risco
ral superior à 27 mmHg), baixa pressão sistólica sangüínea, baixo para o sucesso do transplante45.
débito cardíaco e índice cardíaco, volume sistólico inferior a 40
mL e pressão média em artéria pulmonar superior a 16 mmHg.
Em relação a esta última, cabe ressaltar que em paciente com
Tabela 17.1
FEVE = 20% ou menos e com pressão média em artéria pulmo- Potenciais Contra-Indicações para o Transplante Cardíaco
nar de 16 mmHg ou menor, a sobrevida em um ano está ao re-
dor de 83% (contra 38% daqueles pacientes com pressão média • Doença concomitante com mau prognóstico (expectativa
de artéria pulmonar superior a 16 mmHg)31,36; menor que cinco anos)
• Idade acima de 60 anos
• arritmias: as arritmias são responsáveis por cerca de • Cardíaca
50% das mortes em portadores de ICC com FEVE = 20% ou Doença Inflamatória Miocárdica
menos30. Variabilidade na freqüência cardíaca e alteração no Doença Infiltrativa Miocárdica
segmento QT (como dispersões) podem ser marcadores úteis Resistência Vascular Pulmonar Elevada
para arritmias ventriculares e morte37,38. Este dado revela a (> 6U Wood com vasodilatadores)
• Pulmonar
importância da utilização dos cardioversores implantáveis, Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica
cada vez mais comuns nos pacientes com indicação para Embolia Pulmonar Recente ou Infarto
transplante cardíaco; • Gastrintestinal – Hepática
• ativação neuro-hormonal: a ativação neuro-hormo- Úlcera Péptica em Atividade
nal em decorrência da ICC é bem conhecida como marcador Doença Diverticular dos Cólons em atividade
Doença Hepática Avançada ou Irreversível
da gravidade e preditor de eventos clínicos adversos24. Ní- • Doença Renal Avançada ou Irreversível
veis séricos elevados de norepinefrina estão associados com Creatinina > 2 mg/dL ou clearance < 50 mL/min
maiores taxas de mortalidade na ICC. Além disso, estes ní- • Diabetes com Lesão em Órgãos-Alvo
veis podem ser avaliados rotineiramente no sentido de ava- • Infecção Aguda ou Crônica mal resolvida
liar a progressão da ICC24,39. • Neoplasias ou Colagenoses Sistêmicas (LES)
• Outras
Como se pode observar, vários são os preditores de ris- Doença Vascular Periférica Severa ou Doença Carotídea Severa
co na ICC utilizados atualmente na rotina. Todavia, a piora Obesidade Mórbida
na qualidade de vida, a limitação física às tarefas habituais, Osteoporose Severa
o número de hospitalização por episódio de descompensa- Dependência ou Abuso de Drogas
Condição Psicossocial Desfavorável ou Instável
ção cardíaca e a dosagem das medicações empregadas são
Recusa Documentada
simples e importantes fatores de prognósticos que devem

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164
A resistência vascular pulmonar elevada impõe maiores Por outro lado, quando a embolia pulmonar é acompanhada
riscos à adaptação do enxerto ao novo território vascular. de infarto pulmonar ou elevação da resistência vascular pul-
Constitui-se da principal responsável pela disfunção do ven- monar, o paciente deve ser excluído da lista por um período
trículo direito no pós-operatório imediato44. A explicação de três meses. Esta orientação apoia-se no alto risco de in-
deste fenômeno apoia-se no fato de o ventrículo direito do fecção pulmonar, com cavitação e formação de abscesso,
coração doador não ser anatomicamente desenvolvido o aumentando assim a morbidade e mortalidade24.
suficiente para vencer a barreira imposta pela hiper-resistên- Os pacientes com psicopatias, antecedentes de suicí-
cia pulmonar, secundária à ICC. dio, estrutura familiar e social desfavoráveis, com baixa ade-
Desta forma, é consenso que a hipertensão pulmonar rência à orientação médica podem contra-indicar ou exigir
severa é um dos fatores de contra-indicação absoluta ao fortemente a participação ativa de assistentes sociais e psi-
transplante19. Os pacientes admitidos ao transplante devem cólogos, desde o período inicial de seleção até o seu segui-
ter valores inferiores a 6 Wood ou até o limite de 8 Wood mento pós-operatório.
desde que se observe a regressão da hipertensão pulmonar De uma forma global, observamos na Tabela 17.2, segun-
com uso de drogas (infusões de nitroprussiato de sódio, o do dados fornecidos pela International Society for Heart and
milrinone, a adenosina, a prostaciclina e o óxido nítrico)47-51. Lung Transplantation (ISHLT — fevereiro de 2003), as prin-
Em crianças, tem-se adotado o índice de resistência vascu- cipais indicações para o transplante cardíaco na população
lar pulmonar pela superfície corpórea até o limite de 6 a 7 adulta.
unidade Wood/cm² de superfície corpórea.
As determinações hemodinâmicas sofrem influência do
estado clínico do paciente e devem, portanto ser realizadas Tabela 17.2
após a completa compensação clínica devendo as avaliações Principais Indicações para o Transplante Cardíaco
na População Adulta, Segundo a International Society
seriadas ficar reservada às situações especiais, uma vez que for Heart and Lung Transplantation (ISHLT — Fev. 2003)
não há diferenças significativas em relação à avaliação ini-
cial, segundo nossos estudos. Para os pacientes portadores Doença Número Porcentagem
de hipertensão pulmonar acima dos limites acima indicados,
deve-se considerar o transplante heterotópico. Cardiomiopatia dilatada 27.690 45%

As disfunções avançadas ou irreversíveis de outros Cardiomiopatia isquêmica 27.689 45%


órgãos ou sistemas constituem-se de importantes fatores Doença valvar 2.461 4%
adversos à evolução do paciente. Desta forma, podem cons-
tituir-se em eventuais contra-indicações ao transplante. As Retransplante 1.230 2%
drogas imunossupressoras não são isentas de efeitos tóxi- Doenças congênitas 1.230 2%
cos tornando-se mais nocivas àqueles pacientes com deple-
Miscelânea 1.231 2%
ção na função hepática ou renal. Os pacientes com DPOC
avançada, doença diverticular dos cólons ou úlcera péptica
em atividade, colagenose com repercussão sistêmica, neopla-
sia recente, diabetes mellitus insulino-dependente com evi- Na experiência do grupo do INCOR com cerca de 330
dência de lesão em órgão-alvo, devem ser excluídos da pacientes transplantados, a etiologia mais freqüente é a di-
indicação de transplante. latada idiopática com 44,82%, seguida da isquêmica com
Além destes fatores, a obesidade mórbida eleva o ris- 24,13%, a chagásica com 17,87%, as congênitas com 14,07%,
co de óbito após o transplante52, por ser fator de risco im- a valvar com 4,71% e as outras com aproximadamente 5% do
portante para a doença coronária pós-transplantes 53. A restante dos casos.
presença de doença vascular periférica ou doença carotídea Finalmente, em decorrência da melhora do tratamento clí-
eleva o risco intra-operatório de acidentes vasculares cere- nico, expansão gradativa das indicações para o transplante e
brais e, além disso, o uso de corticosteróide na imunossu- dos procedimentos cirúrgicos alternativos, transplantam-se
pressão pode acelerar os fatores aterogênicos com seus hoje pacientes mais graves. A assistência circulatória mecâni-
riscos inerentes24. As infecções em atividade, principalmen- ca também tem se aprimorado com sofisticações técnicas e
te as bacterianas, é contra-indicação, uma vez que esta en- atualmente compreende desde o balão intra-aórtico (BIA),
tidade é responsável por elevados índices de morbidade e bombas centrífugas, até os diferentes modelos de ventrículo
mortalidade no pós-transplante54. ou coração artificial55,56,57. Com uso deste procedimento, deno-
Os riscos de embolia pulmonar ou embolia periférica é minando “ponte para transplante” objetiva-se a manutenção
maior nos pacientes portadores de cardiomiopatias dilatada hemodinâmica do paciente em choque cardiogênico, enquanto
grave, onde aumentam as chances de formação de trombos se aguarda um coração doador. A experiência internacional
intracavitários. Quando a embolia pulmonar não é seguida coletava, até 2000, cerca de mil pacientes submetidos à assis-
de infarto pulmonar e o resultado hemodinâmico não de- tência circulatória mecânica como ponte.
monstra alterações acentuadas na resistência vascular pul- Os melhores resultados são obtidos com uso dos ven-
monar, não há necessidade de se postergar o transplante. trículos artificiais e em especial quando aplicados ao suporte

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ventricular esquerdo58, sendo que a curto e longo prazos a as- operação cardíaca prévia, este tempo deve ser adiantado em
sistência mecânica não interfere significativamente nos resul- cerca de uma hora, uma vez que as dissecções cirúrgicas e
tados dos transplantes, segundo muitos relatos da literatura. as técnicas de hemostasia exigem cuidados adicionais4,66. No
transplante cardíaco ortotópico procede-se à circulação ex-
tracorpórea da forma convencional, com drenagens indivi-
TÉCNICA OPERATÓRIA
duais das veias cavas superior e inferior e perfusão arterial
A padronização do ato operatório no transplante so- pela aorta ascendente. Realiza-se uma hipotermia moderada
freu poucas modificações técnicas daquelas inicialmente a 27oC e a remoção do coração é realizada pela secção dos
propostas nos trabalhos originais de Hardy, Barnard e ventrículos nos planos atrioventricular e ventrículo-arterial.
Shumway2,59,60,61. É necessária uma integração entre as equi- Na técnica clássica, os átrios remanescentes servirão de
pes cirúrgicas (doador e receptor) para uma atuação sincrô- suporte para o implante do coração doador, cujas anastomo-
nica no sentido de reduzir a anóxia do coração. ses iniciam-se no átrio esquerdo em direção ao septo inte-
A operação no receptor tem somente seu início após a ratrial e ao átrio direito. Finaliza-se o transplante com as
exposição do coração doador e seu exame macroscópico de- anastomoses da artéria pulmonar e aorta, mas em situações
talhado, confirmando sua normalidade quanto ao aspecto especiais, pode-se inverter esta ordem no intuito de diminuir
geral e à sua contratilidade de uma forma global. Atenção es- o tempo de anóxia (Figs. 17.1 A e B).
pecial deve ser dada à contratilidade do ventrículo direito.
• Doador: após a confirmação de morte encefálica e as-
sinado o termo consensual de doação por parte dos familia- A
res, o paciente é então levado ao centro cirúrgico. Procede-se
ao preparo habitual de rotina para qualquer cirurgia cardíaca.
Realiza-se então uma incisão na linha média, desde a fúrcula
esternal até a sínfise púbica; a seguir, realiza-se a esternoto-
mia mediana e abertura do saco pericárdico, tomando-se ex-
tremo cuidado quanto à hemostasia dos planos cirúrgicos.
Após a toracotomia, verificando-se aspecto satisfató-
rio do coração, inicia-se a dissecção das veias cavas supe-
rior e inferior, a dissecção e ligadura da veia azigos e a
dissecção entre a aorta e a artéria pulmonar. Após esta dis-
secção a equipe abdominal procede às suas dissecções e ca-
nulações após infusão de cerca de 30.000 UI de heparina e
fica a postos para a infusão de soluções protetoras e a reti-
rada simultânea dos órgãos.
Inicia-se então abertura das pleuras (para melhor drena- B
gem do sangue oriundo do saco pericárdico), interrompe-se a
ventilação mecânica e secciona-se a veia cava superior junto à
origem na veia inominada. Clampeia-se então a veia cava infe-
rior junto ao diafragma e, a seguir, procede-se ao pinçamento da
aorta à nível da aorta torácica (descendente). Levanta-se o co-
ração e seccionam-se então as veias pulmonares esquerdas e
inicia-se a infusão de solução cardioplégica após o pinçamen-
to da aorta ascendente. Esta rotina favorece a descompressão
das cavidades direitas bem como das câmaras esquerdas.
A proteção miocárdica é feita com a infusão de solução
cardioplégica, em geral cristalóide, associada ao uso de so-
lução salina no saco pericárdico, ambas à 4oC. Alguns auto-
Fig. 17.1 — Técnica clássica.
res recentemente têm proposto o uso de nitroglicerina e
adenosina monofosfato cíclico (AMPc) no sentido favore-
cer melhor preservação miocárdica63. Finaliza-se a retirada do Cabe aqui citar algumas variantes à técnica original,
coração com a secção subsequente das veias pulmonares que vêm sendo cada vez mais utilizados. O transplante car-
direitas e das artérias aorta e pulmonar. O coração é então díaco com a técnica da anastomose bicaval é segundo vá-
embalado em saco plástico estéril, imerso numa solução car- rios autores, uma variante onde se observam menores
dioplégica gelada, estando pronto para o transporte. volumes atriais, uma melhor função de ambos os átrios e
• Receptor: A operação no receptor inicia-se após o onde se observa a menor incidência de arritmias e de insu-
aval favorável do chefe de equipe de retirada do coração ficiência tricúspide ao estudo com o uso do ecocardiograma63
doador, devendo quando possível dar-se início o mais breve (Figs. 17.2 A e B). Esta técnica possui ainda uma variante,
possível. Em função do crescente número de receptores com podendo ser uni ou bipulmonar64.

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A
Os transplantes em portadores de cardiopatias congê-
nitas requerem amplo conhecimento da anomalia em ques-
tão, tendo em vista a combinação das técnicas de excisão do
coração do doador e do receptor68.

Fig. 17.3 — Técnica heterotópica.

PÓS-OPERATÓRIO
Fig. 17.2 — Técnica bicaval. Muito embora a técnica operatória do transplante cardía-
co não tenha sofrido grandes alterações desde suas primeiras
A falência imediata do ventrículo direito decorrente de aplicações, os cuidados e as medidas de suporte pós-ope-
hipertensão pulmonar prévia que se acentua no intra-opera- ratório foram sedes de grandes conquistas que, ao lado da
ciclosporina, propiciaram a melhora dos resultados. A compli-
tório pode tornar-se refratária aos vasodilatadores habituais.
cação que ocorre após o transplante advém direta ou indire-
Nesta situação especial, recomenda-se a utilização de pros-
tamente dos efeitos colaterais da imunossupressão ou do
taglandina E1 (PGE1) e o óxido nítrico (NO). O emprego pre-
próprio ato operatório. O pós-operatório imediato é realizado
coce da assistência circulatória mecânica direita com uso de
em isolamento reverso com desinfecção da unidade e dos equi-
bomba centrífuga deve ser considerada como alternativa
pamentos utilizados. Contudo, maiores benefícios são obtidos
para esta situação65. Em situações mais graves, onde se ob- com a aplicação dos cuidados dispensados pela equipe do
serva à falência global do enxerto, estende-se o auxílio me- transplante no manuseio do doente, empregando gorros, más-
cânico para uma assistência biventricular e não se deve caras, aventais e principalmente a lavagem das mãos. Estas
postergar o retransplante. medidas são suspensas progressivamente, de acordo, com a
O transplante cardíaco heterotópico tem sido indicado retirada dos cateteres, drenos e com a evolução clínica favo-
para situações especiais onde a resistência vascular pulmo- rável do paciente transplantado69.
nar do receptor encontra-se elevada, em condições insatis- O período imediato à operação é marcado pela hipocon-
fatórias do coração doador ou ainda quando o coração tratilidade do miocárdio com caráter transitório e secundário
doador é pequeno em relação ao receptor que se encontra às alterações sofridas pelo coração transplantado devido à
em condição clínica crítica. Esta técnica, embora tenha a van- anóxia prolongada é à adaptação hemodinâmica do enxerto
tagem de manter o coração do receptor no local, o qual con- ao paciente. Esta disfunção temporária determina o aumento
tinuará funcionando mesmo se houver rejeição de enxerto, do volume sistólico de tal forma que a manutenção do débito
não possui resultados satisfatórios quando comparada com cardíaco é garantida pelo aumento da freqüência cardíaca70. A
a técnica do transplante ortotópico67. Hoje em dia, a moda- recuperação do coração denervado geralmente ocorre em uma
lidade de transplante heterotópico utilizada é aquela em que semana. O uso de drogas inotrópicas (dopamina, dobutami-
todas as cavidades de ambos os corações são anastomosa- na, isoprenalina e mais recentemente o milrinone) e de drogas
das de maneira a obter um fluxo sangüíneo em todas as ca- vasodilatadoras (nitroprussiato, nitroglicerina ou prosta-
vidades dos dois corações (Fig. 17.3). glandina) constitui valioso recurso nesse período crítico.

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167
A adaptação do ventrículo esquerdo invariavelmente prece- FALÊNCIA PRECOCE DO ENXERTO
de a do direito. Neste sentido fica claro que a monitorização
do desempenho hemodinâmico e da contratilidade do enxer- Esta entidade é definida como sendo uma disfunção
to é imprescindível, sendo utilizados respectivamente o cate- severa do enxerto, na ausência da rejeição hiperaguda, rejei-
ter de Swan-Ganz e a ecocardiografia bidimensional seriada70. ção aguda celular ou a disfunção ventricular direita, em função
As bradiarritmias ocorrem em mais de 50% dos casos da hipertensão pulmonar elevada prévia ao transplante. Pa-
neste período de adaptação e são atribuídas, em sua maio- rece ocorrer em cerca de 4% a 25% dos pacientes submeti-
ria, à disfunção do nó sinusal; no entanto distúrbios de con- dos ao transplante ortotópico 73 . Lesões por isquemia
dução atrioventricular também podem ocorrer sendo que causadas por tempo de anóxia prolongada, má preservação,
estas alterações são decorrentes do efeito direto da anóxia problemas cirúrgicos e a presença de doença coronária
“oculta” no coração doador podem contribuir para o apare-
sobre o enxerto, do trauma cirúrgico, das anomalias da arté-
cimento desta complicação.
ria do nó sinusal, e mais tardiamente, dos episódios de re-
jeição. Nos casos onde a bradicardia é mais acentuada,
impõe-se o emprego de estimulação cardíaca artificial tempo- LESÕES DE PRESERVAÇÃO: ENTIDADE ESPECIAL
rária e nos casos persistentes, indica-se então o implante de
marca-passo definitivo. Em nossa experiência, 12,3% dos pa- As lesões isquêmicas podem ser devidas a um tempo
cientes operados necessitam de estimulação cardíaca tempo- prolongado de isquemia fria, devido ao transporte do coração
rária, e 3,5%, definitiva69. doador seguido de uma reperfusão com danos aos capilares,
ou então por falha na remoção, das bolhas de ar presentes no
A suspensão e o manuseio da ventilação mecânica se-
circuito coronário no momento do transplante.
guem os mesmos princípios adotados em outras operações
cardíacas. No entanto, a existência de problemas respirató- Alguns autores, no entanto, demonstram ser de maior
rios preexistentes pode requerer cuidados especiais. Nos importância para a sobrevida atuarial a idade do doador do
casos de hipertensão pulmonar temos associado o uso de que o tempo de isquemia fria (podendo inclusive ser supe-
óxido nítrico como coadjuvante aos vasodilatadores, com rior a quatro horas)74. Em nosso serviço, no entanto, há sem-
resposta satisfatória71. pre grande esforço no intuito de submeter o enxerto ao
menor tempo possível de isquemia fria.
O aparecimento de alterações renais (como oligúria ou
anúria) altera a evolução natural do paciente submetido ao Outros fatores de dano potencial ao miócito do coração
transplante. Geralmente a disfunção renal é secundária doador parecem estar relacionados ao mecanismo de morte
àquelas preexistentes bem como às alterações hemodinâmi- encefálica, e mesmo secundário ao mecanismo de trauma en-
cefálico, uma vez que nestas situações há notado aumento da
cas inerentes ao pós-operatório de uma cirurgia cardíaca e
necrose miocítica, induzida pela maior liberação de catecola-
são potencializadas com a introdução da ciclosporina cujo
minas endógenas. Há que se lembrar ainda que durante a pre-
efeito nefrotóxico é bem conhecido. Ocasionalmente, a diá-
servação do doador, podem ser administradas elevadas doses
lise pode ser necessária para o bom controle metabólico e
de catecolaminas exógenas com os mesmos efeitos deletérios
volumétrico.
ao referido miócito75,76. O padrão morfológico dominante ob-
servado neste tipo de lesão induzida pelas catecolaminas
ALTERAÇÕES ESPECIAIS DO CORAÇÃO se caracteriza pela lesão necrótica focal nos miócitos com ban-
TRANSPLANTADO das de contração e inflamação histiocitária76.
Este tipo de lesão de preservação ou reperfusão é ob-
REJEIÇÃO HIPERAGUDA servado precocemente e se aceita hoje que ela possa com-
Órgãos sólidos, em especial o coração, podem apresen- prometer profundamente, em curto prazo, a função do
tar de rejeição hiperaguda, caso o paciente receptor possua enxerto e a sobrevida do paciente após o transplante. Além
anticorpos doador-específico pré-formados72. disso, pode contribuir para o desenvolvimento de fibrose
miocárdica e ser fator na gênese da doença vascular para o
Cirurgias cardíacas prévias, transfusão de sangue ou
enxerto, através da lesão endotelial76,77.
mesmo uma gravidez pregressa podem causar esta aloimu-
nização humoral. O órgão alvo destes anticorpos é preferen-
cialmente o endotélio vascular dos órgãos transplantados, REJEIÇÃO CELULAR AGUDA
sendo mais comuns aqueles com HLA Classe I e relaciona-
dos ao sistema ABO. Os critérios para rejeição identificados à biópsia endo-
miocárdica atualmente são baseados na nomenclatura pro-
A rejeição hiperaguda é uma forma grave de rejeição,
posta pela ISHLT, através de um grupo internacional de
ocorrendo imediatamente ou poucas horas após a reperfu-
patologistas convocados com o intuito de desenvolver uma
são do coração doador, determinando a destruição e falên-
classificação padrão. Os fatores abaixo são considerados:
cia imediata do enxerto. Este tipo de rejeição atinge
diretamente os sistemas de cascata do complemento e coa- 1. a natureza, intensidade e distribuição dos infiltrados
gulação/fibrinólise. No entanto, este tipo de rejeição humo- celulares inflamatórios;
ral é raro e, a menos que se proceda à plasmaferese com 2. a presença ou não de edema;
retransplante ou providenciem-se um suporte mecânico, 3. a presença ou não de lesão no miócito e
ocorre o óbito. 4. a presença de hemorragia.

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168
Tabela 17.3
Critérios Histológicos de Rejeição ao Transplante Cardíaco, Segundo a Classificação da ISHLT

Billigham (1981) Descrição Histopatológica Billigham (1991)

Sem rejeição Sem Infiltrado 0

Discreta Infiltrado Focal sem Necrose 1-A

Discreta Infiltrado Focal com Necrose 1-B

Moderada — Focal Infiltrado Unifocal com Necrose 2

Moderada Infiltrado Multifocal com Necrose 3-A

Moderada — Severa Infiltrado Difuso com Necrose 3-B

Severa Infiltrado Difuso com Necrose 4


Edema e Hemorragia

Rejeição em Resolução

Rejeição Resolvida

ISHLT — International Society of Heart and Lung Transplantation78,79.

A classificação da ISHLT está demonstrada na Tabela isquemia também têm sido considerados. Desta lesão, pa-
17.3. Cabe aqui chamar a atenção para as seguintes entida- rece haver um estímulo para a produção de citocinas e fa-
des: a classificada Rejeição em Resolução (designadas por tores de crescimento e proliferação de macrófagos, o que
um grau menor do que a biópsia anteriormente realizada) e resultaria no estreitamento luminal. A tabela 17.4 mostra al-
a classificada Rejeição Resolvida (que consiste no grau 0 da guns fatores etiológicos envolvidos na doença vascular do
ISHLT, após um episódio de rejeição documentado onde se enxerto (DVE).
pode observar ainda, a presença de “cicatrizes” ou fibroses
sem infiltrado inflamatório)78,79.
Tabela 17.4
Fatores Etiológicos Envolvidos na Doença Vascular do Enxerto
REJEIÇÃO CRÔNICA
Não-Imunológicos Imunológicos e Moleculares
A sobrevida a longo prazo dos pacientes submetidos
ao transplante cardíaco é limitada principalmente pelo apa- • Idade e sexo • Rejeição aguda prévia (humoral
recimento ou não de lesões obstrutivas coronárias. Manifes- e celular)
ta-se de maneira semelhante em todos os órgãos sólidos • Corticosteróide • Antígenos pré-transplante
vascularizados sendo caracterizada por uma arteriopatia obs-
trutiva. Ela foi denominada rejeição crônica ou aterosclero- • Diabetes e • Adesão de moléculas
se acelerada, mas dada a etiopatogenia multifatorial, o termo Hiperlipidemia
recomendado è Doença vascular do Enxerto (DVE). Ela pos- • Estrógeno • Fatores de crescimento e citocinas
sui característica insidiosa, embora uma obstrução abrupta
possa simular, quanto à manifestação clínica, um quadro is- • Infecção por CMV • Novas drogas
quêmico agudo. O principal achado histopatológico é a pre-
sença de estreitamento concêntrico do lúmen arterial devido
à hiperplasia fibrointimal, onde as veias são muito menos fre-
Embora a aterosclerose acelerada seja a apresentação
qüentemente envolvidas82. mais comum desse processo, um novo subtipo de arteriopa-
Pode ser observada a partir do terceiro mês pós-trans- tia coronária tem sido descrito atualmente. Esta complicação,
plante, sendo que muitos casos são demonstráveis ao ca- denominada Angiopatia Dilatada, foi observada em cerca de
teterismo cardíaco por volta de três a cinco anos após o 7% dos corações transplantados submetidos à angiografia
transplante. A aterosclerose acelerada ocorre em 35% dos coronária após um ou mais anos pós-transplante. Esta dila-
pacientes transplantados após três anos e em 50% dos pa- tação aneurismática pode envolver qualquer um dos vasos
cientes após cinco anos de transplante82. Acredita-se atual- epicárdicos proximais e é acompanhada de discretas altera-
mente que a rejeição crônica se deva à lesão imunológica ções quanto à obstrução do lúmen vascular. A diferença en-
do endotélio, com a ruptura da homeostase intimal. Outros tre aterosclerose convencional e a da DVE tem sido muito
fatores como a agressão pelo Citomegalovírus (CMV) ou estudada e é apresentada na Tabela 17.5.

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169
Tabela 17.5
Comparação entre Doença Vascular do Enxerto e Aterosclerose Convencional

Aspectos Histopatológicos Doença Vascular Aterosclerose

Artérias Epicárdicas Envolvidas Preferencialmente envolvidas

Artérias Intramiocárdias penetrantes Envolvidas Não envolvidas

Endotélio Em geral intacto, mas pode Pode estar intacto, não se


estar hipertrofiado observa hipertrofia tão óbvia

Proliferação Miointimal e Estreitamento Intimal Sim, concêntrico Sim, excêntrico

Depósitos de Colesterol e Lípides na Íntima Incomum Comum

Inflamação Adventicial Comum Variável

Depósito de Cálcio Ausente Freqüentemente presente

Período de Desenvolvimento Meses Anos

Achado Cineangiográfico Típico Múltiplas estenoses com predomínio Variável, em geral proximal
nos segmentos distais (tronco, coronária e ramos proximais)

Tabela extraída de: Pathology of Heart Transplantation. Curr Top Pathol 1999; 92, com modificação.

De um modo geral, o tratamento para esta entidade tem to tem-se provado virtualmente isento de risco e com baixa
sido amplamente discutido na literatura. A angioplastia com morbidade no transplante cardíaco73,85.
balão raramente é indicada. Experiências com uso de stents É realizado com anestesia local e por punção percutâ-
coronários, cirurgia de revascularização do miocárdio con- nea da veia jugular interna direita, com a posterior introdu-
vencional ou a revascularização transmiocárdica com o uso ção de uma bainha pela qual é introduzido um biótomo,
de Laser possuem resultados inferiores83,84. orientada em direção ao ventrículo direito e com o auxílio da
O retransplante possui um pior prognóstico do que radioscopia. Retiram-se desta forma, três a cinco fragmentos
o transplante inicial segundo vários autores, embora nos do septo interventricular para análise histopatológica86. Via
EUA, segundo a ISHLT, tenham sido realizados 890 re- de regra, a peridiocidade das biópsias é semanal no primei-
transplantes até maio de 1999 com uma sobrevida média ro mês, quinzenal até o terceiro mês, mensal ou bimensal até
em um ano em torno de 58,4%3,73,84. Algumas estratégias o primeiro ano e, a seguir, a cada dois ou três meses nos anos
farmacológicas têm sido propostas (inibidores da 3-hidró- subsequentes ao transplante.
xi 3-metilgentail coenzima A redutase e drogas antiproli- Vários métodos não-invasivos têm sido propostos para
ferativas) no sentido de tratamento, sendo que o bloqueio o diagnóstico da rejeição como destaca a Tabela 17.6. Contu-
da expressão da adesão de moléculas pode ajudar na pre- do, nenhum deles demonstrou sensibilidade e especificidade
venção da rejeição crônica no transplante cardíaco huma- superior a 80-90% em relação à biópsia endomiocárdica. Es-
no 73 . Evidências sugerem que o micofenolato mofetil tes métodos baseiam-se no comportamento da função miocár-
(MMF) e a rapamicina possam diminuir a incidência de dica ou na detecção de alterações na ativação do sistema
complicações. imune durante a rejeição. Em crianças, especialmente pelas di-
Em nossa casuística a incidência desta complicação ficuldades técnicas do uso seriado de biópsias, a monitoriza-
ocorreu no primeiro ano de evolução em 13,6% dos pacien- ção da rejeição tem-se apoiado no estudo ecocardiográfico.
tes, aumentando progressivamente até 44,4% no quinto ano Em nosso serviço foram desenvolvidos protocolos especiais
e são comparáveis à literatura. O ultra-som intracoronário de avaliação ecocardiográfica e de cintilografia com o Gálio 67,
nas incidências muito elevadas de DVE pode ser utilizado. merecendo menção especial este último por sua alta sensibi-
Como se pode observar, a rejeição é complicação fre- lidade e especificidade. Foi possível verificar que pacientes
qüente no transplante cardíaco humano. Ficou claro ainda cuja cintilografia era considerada negativa, apresentavam as-
que suas classificações baseiam-se em aspectos histopato- pecto normal ou de rejeição discreta ao estudo histopatoló-
lógicos fundamentalmente. Assim, a biópsia endomiocárdi- gico comparativo. Desta forma, este exame tem permitido a
ca do ventrículo direito com a técnica proposta por CAVES redução considerável das biópsias, empregando-as apenas
e cols., em 1974, possuí papel destacado. Este procedimen- quando a cintilografia com Gálio 67 é positiva.

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170
Tabela 17.6
Métodos Não-Invasivos no Diagnóstico da Rejeição

1. Detecção de Alterações da Fisiologia do Coração


A. Exame Clínico
B. ECG/Eletrofisiologia
Voltagem do ECG ECG Intramiocárdio ECG de Alta Resolução
C. Ecocardiograma
Parâmetros Covencionais Índices de Função Diastólica
Ecocardiografia com Drogas Vasoativas
D. Ressonância Magnética
Tempo de Relaxamento Dimensões Ventriculares
E. Estudos Radioisotópicos
Tecnécio-99, Tálio-201, Gálio-67 e Anticorpos Anti-miosina marcados

2. Ativação do Sistema Imune


A. Monitorização Citoimunológica
Linfócitos Ativados Relação T4/T8 Ensaios de E. Roseta
B. Outros Marcadores Imunológicos
Receptor de Interleucina-2 Beta 2 Microglobulina Neopterina
Receptor de Transferrina Poliamina Urinária
Prolactina Sérica Fator de NecroseTumoral

OUTRAS ENTIDADES: HIPERTROFIA E FIBROSE, mostram certa evidência fisiológica de uma “reinervação”,
DENERVAÇÃO E CALCIFICAÇÃO embora não se possa confirmar com o estudo morfológico.
Alguns nervos podem ser observados no coração transplan-
O transplante cardíaco se caracteriza por um súbito au- tado embora sejam significativamente em menor quantidade
mento na carga ventricular uma vez que o novo coração tem do que o normal. Os pequenos vasos do nó sinusal e atrio-
que restabelecer o débito cardíaco e normalizar a resistência ventricular podem ser afetados pela doença vascular do en-
periférica, revertendo o acúmulo de fluido intersticial e a con- xerto. No entanto, o sistema de condução permanece, na sua
gestão pulmonar no receptor. Os doadores são, em geral, in- maior parte, intacto do ponto de vista morfológico, após o
divíduos jovens com pequeno peso cardíaco, entretanto, o transplante e há poucas evidências de dano permanente73.
coração transplantado tem que se adaptar ao incremento Alguns relatos afirmam ser da ordem de 50% a chance de
funcional associado à estas variantes do novo “hospedei- dano cirúrgico pela preservação do tecido ao redor do sis-
ro”. Os corações transplantados aumentam de tamanho al- tema de condução no receptor.
gumas semanas após o transplante.
As biópsias miocárdicas têm evidenciado hipertrofia
IMUNOSSUPRESSÃO: CONTROLE E MANUTENÇÃO
miocítica, com núcleos grandes e hipercromáticos e mitocôn-
drias gigantes. Beltrami e col. sugerem que a evolução do A ciclosporina foi introduzida na prática clínica do
coração transplantado envolve a expressão do gene implica- transplante cardíaco em 1980 e atualmente integra os proto-
do na replicação do DNA celular, o que segue fortemente a colos de imunossupressão, fazendo exceção aqueles que
idéia de que a proliferação dos miócitos e de células não utilizam novas drogas ainda em fase da avaliação inicial
musculares pode ser um componente de remodelamento ven- como é o caso da Rapamicina e do FK 506. A Universidade
tricular após o transplante cardíaco87. A fibrose miocárdica de Pittsburgh apresenta larga experiência clínica com o uso
é um evento conhecido do pós-transplante. Estudos de- desta última droga que, todavia, apesar de potente efeito
monstram que existe um incremento na fibrose em pacientes imunossupressor, oferece, ainda, uma série de efeitos adver-
com longa sobrevida. Episódios prévios de rejeição ou epi- sos significativos.
sódios isquêmicos prévios podem levar a fibroses focais. Para minimizar os efeitos colaterais indesejáveis dos
Alguns autores associam uma maior fibrose à terapia com imunossupressores, os protocolos atuais utilizam a associa-
ciclosporina A mais agressiva relacionada com episódios de ções de ciclosporina, corticóide e azatiopina, denominado
rejeição. esquema tríplice. A diferença entre os esquemas de imunos-
Outro elemento da fibrose em pacientes com elevada supressão existentes está na quantidade e no manuseio das
sobrevida envolve o pericárdio, sendo esta patologia preva- drogas utilizadas. Na Tabela 17.7 encontra-se apresentado o
lente nos aloenxertos com elevada longevidade. O pericár- protocolo atual adotado em nossa instituição, destacando-se
dio pode se tornar adesivo no epicárdio e tornar-se espesso que com a introdução do ciclosporina no segundo dia de
a ponto de causar uma pericardite constritiva grave88. pós-operatório, observaram-se significativas reduções na
Após o transplante cardíaco, o enxerto permanece de- incidência de disfunção renal imediata. Outro cuidado ado-
nervado e não mais se encontra sob o controle usual do sis- tado é a sua redução ou até supressão, na presença de es-
tema nervoso simpático autonômico89. Artigos mais recentes tados oligúria ou no aumento da creatinina acima de 2,0.

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171
Tabela 17.7
Protocolo de Imunossupressão em Transplante Cardíaco

Período Operatório MetilPrednisolona Prednisona Azatioprina Cicloporina-A

Pré — — 3 mg/Kg VO —

Intra 500 mg EV* — — —

Imediato 10 mg/Kg EV — 3 mg/Kg VO 1 mg/Kg VO


1o e 2o dia em 6 horas

Após o 3o dia — 1 mg/Kg VO* e 3 mg/Kg VO 1 mg/Kg EV ou


redução 10 mg/sem 3 a 5 mg/Kg VO

Tardio — 0,2 mg/Kg VO 1-2 mg/Kg VO 5 mg/Kg VO

VO — Via Oral; EV – Endovenoso.

Quando há necessidade de suspender a ciclosporina, tem-se infecciosos é semelhante á curva de rejeição, sendo mais fre-
associado a globulina antitimocitária (ATG) na dose de qüentes e graves nos primeiros três meses após o transplan-
10 mg/Kg de peso, por um período que pode estender-se até te, uma vez que neste período a imunossupressão é mais
duas semanas, ajustando-se a dose em função do número de intensa.
linfócitos presentes no leucograma. Os anticorpos monoclo- Assim, no período imediato ao transplante predominam
nais contra linfócitos tipo T3 (OKT3) também podem ser uti- as infecções hospitalares relacionadas com as contamina-
lizados com benefícios controversos. Recentemente, o uso ções intra ou peroperatória, sendo geralmente causadas por
do MMF (ou mofetil micofenolato) parece que, além de ser Stafilococos ou por germes gram-negativo. Ao contrário, tar-
droga promissora para a prevenção e o tratamento da rejei- diamente, há predomínio das infecções oportunistas como
ção crônica no transplante cardíaco, também protege o co- de citomegalovírus, pneumocistis e fungos. Em um estudo do
ração contra as lesões de reperfusão após a isquemia90,91. Transplantation Research Database, são analisados somente
Durante os períodos de rejeição moderada ou severa, uti- as infecções graves que necessitam de terapia oral ou endo-
liza-se o esquema de pulsoterapia endovenosa com 500 mg de venosa, observou-se incidência de 0,5 episódio de infecção/
metilprednisolona durante três dias, podendo ainda ser repe- paciente com surgimento médio de 8,4 meses em mais de
tida, caso não ocorra a sua regressão. Nos casos de difícil re- 700 pacientes submetidos à transplantes cardíacos nos
gressão, utiliza-se uma das drogas linfáticas citadas (ATG ou EUA. Verificou-se ainda que 68% dos pacientes não apre-
OKT3) e nos casos recorrentes têm-se associado o metotre- sentaram infecções. Vinte e um por cento tiveram um episó-
xate com resultados satisfatórios. Na fase tardia, se não hou- dio de infecção e 11% deles apresentaram mais de um
ver disfunção, aumenta-se apenas a dose de prednisona. episódio de infecção neste período. A exclusão das infecções
triviais justifica a baixa incidência relatada nesse estudo.
COMPLICAÇÕES DO TRANSPLANTE CARDÍACO Em nossa instituição, analisando-se os primeiros 100
pacientes operados e considerando-se qualquer episódio de
As complicações que ocorrem após o transplante car- infecção, mostrou-se que cerca de 60% dos pacientes apre-
díaco, excluindo-se aquelas próprias ao ato operatório ou sentaram pelo menos um quadro infeccioso no primeiro mês
das complicações do enxerto, advêm direta ou indiretamen- após o transplante, caindo para 29% no segundo mês e para
te dos efeitos colaterais da imunossupressão ou dos episó- 8% no terceiro mês de evolução. As bactérias foram os prin-
dios de rejeição. A seguir, descreveremos as complicações cipais agentes etiológicos seguidos dos vírus e fungos en-
mais freqüentemente observadas no seguimento pós-opera- quanto que o trato respiratório foi o principal sítio de
tório dos pacientes submetidos ao transplante cardíaco. infecção seguidas da pele e mucosas.
As infecções são a primeira maior causa de óbito após
I NFECÇÕES o primeiro ano de seguimento após o transplante, sendo res-
ponsável por cerca de 20% a 30% dos óbitos, segundo da-
Devido ao bloqueio da resposta imune alguns sinais ou dos da ISHLT3. As infecções bacterianas, em particular, as
sintomas usualmente comuns presentes nos processos in- pneumoniais, são as mais comuns. Dois agentes, no entan-
fecciosos podem estar abolidos. Deste modo, a ação antiin- to, merecem destaque especial, uma vez que estão particu-
flamatória dos corticóides pode inibir uma resposta larmente envolvidos com o enxerto e podem ser detectados
pirogênica durante um processo infeccioso. A despeito dos à biópsia endomiocárdica. São eles:
avanços obtidos, a infecção representa a maior causa de 1. toxoplasmose: o Toxoplasma gondii é um parasita
morbidade e mortalidade, sendo decorrência direta da imu- intracelular e por si só é responsável por elevadas taxas de
nossupressão. A distribuição da incidência dos processos morbidade e mortalidade. A toxoplasmose pode se desenvol-

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172
ver como uma reativação de uma infecção prévia em recep- uremia, hipercalcemia, hiperurecemia, e queda na excreção
tores soropositivos, mas um receptor soronegativo para to- urinária de sódio. Todos os pacientes em uso da ciclopori-
xoplasmose que recebe um enxerto de doador soropositivo na apresentam algum grau de nefrotoxicidade, podendo-se
apresenta risco mais elevado de desenvolver toxoplasmose. minimizar o efeito indesejável com o uso de doses menores
A doença pode ser limitada ao coração, mas em muitos ca- de ciclosporina na imunossupressão93,94.
sos, há disseminação e eventualmente é letal. Profilaxia com A hipertensão arterial tornou-se a complicação mais fre-
o uso da pirimetamina é recomendada para receptores soro- qüente após o advento da ciclosporina, podendo acometer
negativos que recebem coração de doadores sabidamente até 90% dos pacientes operados. Inicia-se em geral a partir
soropositivos. do segundo trimestre, estando completamente instalada ao
Conforme dito acima, é sabido o envolvimento endo- final do primeiro ano após o transplante. Este aumento crô-
miocárdico durante a fase aguda da infecção pela toxoplas- nico da pós-carga imposta ao ventrículo esquerdo é um dos
mose; deste modo a biópsia endomiocárdica pode ser de responsáveis pelo desenvolvimento da hipertrofia miocárdi-
extrema valia no processo diagnóstico. Atualmente, técnicas ca observada ao exame anatomopatológico. Ao contrário da
de biologia molecular como o PCR (reação em cadeia da po- hipertensão essencial, não se tem observado a redução dos
limerase) estão sendo acrescentados ao arsenal diagnóstico níveis tensionais durante o período noturno. Os bloqueado-
dessas infecções. A toxoplasmose no enxerto cardíaco mime- res dos canais de cálcio, os inibidores da enzima de conver-
tiza a rejeição celular em certo grau. são, os β-bloqueadores e os a-bloqueadores isolados ou em
2. citomegalovirose: a infecção por CMV é a mais co- associação compõem o arsenal terapêutico utilizado no
mum e importante infecção viral nos corações transplanta- controle desta complicação.
dos com incidência variando de 73% a 100% segundo
alguns autores73 e sendo responsável por cerca de 1,5% dos ALTERAÇÕES GASTRINTESTINAIS
óbitos no primeiro ano de seguimento pós transplante, se-
gundo a ISHLT3. Embora muitos casos sejam assintomáticos O trato digestivo pode ser sede de diversas complica-
(com diagnóstico baseado na disseminação viral ou na ele- ções após o transplante cardíaco, exacerbado ou não pela
vação dos títulos sorológicos) acima de 25% a 50% destes imunossupressão. A gastrite e a úlcera péptica podem apa-
pacientes irão desenvolver sintomas (como febre, mal-estar, recer ou serem reativadas pelo uso de corticóides ou pelas
leucopenia ou doença invasiva) o que por si só é indicati- infecções, em especial o CMV. Tem-se encontrado estreita
vo de tratamento com o uso de aciclovir, ganciclovir ou imu- correlação entre o tempo de aparecimento destas complica-
noglobulina (o uso destas drogas é de grande controvérsia ções e o uso de pulsoterapia.
na literatura). A infecção disseminada pelo CMV está asso- A profilaxia com uso de bloqueadores H2 e antiáci-
ciada com um aumento dos episódios de rejeição e infecções dos, particularmente nos pacientes de risco, reduz a inci-
bacterianas e fúngicas. A viremia e a doença com manifes- dência dessas complicações. As infecções causadas por
tações clínicas é mais freqüente em receptores de enxertos
Candida ablicans, herpes simples e fungos podem acome-
cardíacos do que outros enxertos em geral. O risco de se de-
ter o trato digestivo alto produzindo quadros de disfagia
senvolver a infecção por CMV é maior entre quatro e 12 se-
cujo diagnóstico deve ser confirmado pela endoscopia as-
manas no seguimento pós-transplante. Mesmo em pacientes
sociada à biópsia da mucosa. A pancreatite aguda ocorre
com disseminação do CMV documentada clinicamente, o ví-
com freqüência variável de 2% a 18% e, quando severa,
rus é detectado apenas em uma pequena fração das bióp-
apresenta elevada morbi-mortalidade. Há que se lembrar que
sias. O envolvimento do enxerto cardíaco é em geral menos
a CEC por si só pode ser responsável pelo aparecimento de
intenso do que em outros órgãos, como por exemplo, os pul-
mões. Entretanto, este vírus pode levar à presença da insta- hiperamilasemia transitória, sem dor abdominal severa ou
lação da miocardite necrotisante citomegaloviral73. mesmo sem clínica de pancreatite.
Com o advento da cirurgia laparoscópica, a colecistec-
tomia, por este meio, tem sido empregada sempre que pos-
NEFROTOXIDADE E HIPERTENSÃO ARTERIAL sível, nos portadores de colelitíase precedendo o transplante
A imunossupressão possui uma série de outros efeitos cardíaco.
colaterais, ressaltando-se a nefrotoxicidade e a hipertensão
arterial. Muito embora a fisiopatologia dessas alterações seja N EOPLASIAS
controversa e multifatorial, admite-se que ocorra uma vaso-
constrição da arteríola eferente associada à toxicidade dire- O incremento na incidência de neoplasias na vigência
ta da ciclosporina nos túbulos renais. De início a disfunção de drogas imunossupressoras tem sido bem documentado.
é reversível e dose dependente, tornando-se mais tarde irre- A incidência do aparecimento de tumores “novos” varia de
versível. Os mediadores envolvidos incluem as prostaglan- 1% a 16%, chegando a ser cerca de 100 vezes maior do que
dinas, a endotelina, bem como a ação direta da ciclosporina a população em geral. O tempo médio de aparecimento é de
no tônus da musculatura lisa dos vasos93,94. A elevação pro- 12 a 18 meses e estima-se, segundo a ISHLT, ser responsá-
gressiva nos níveis de creatinina é observada a partir do sex- vel por 1,9% dos óbitos após o primeiro ano de transplan-
to mês pós-transplante e associa-se a uma desproporcionada te. Ocorre anualmente em 1 a 2% dos pacientes. Esta alta

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173
incidência de neoplasias nos receptores de órgãos trans- respeitados. A obediência a estes princípios é capaz de me-
plantados parece estar associada à depressão do sistema lhorar a curva atuarial de sobrevida bem como a qualidade
imune, da estimulação antigênica prolongada e/ou por ati- de vida. Vários estudos têm demonstrado que pacientes com
vação oncogênica viral. Vários tumores desenvolvem-se indicação para transplante que não são operados por qual-
em diferentes intervalos durante a sobrevida: os linfomas quer motivo apresentam sobrevida média entre seis meses e
não-proliferativos são em geral os primeiros a ocorrer, por um ano.
volta do terceiro mês de pós-operatório. Carcinomas de cé- O registro da International Society for Heart and Lung
lulas escamosas (38%) e linfomas (17%) são as neoplasias Transplantation representa a maior experiência multicêntrica
mais freqüentes73. O sarcoma de Kaposi também está as- coletada, cujos resultados demonstram sensível melhora na
sociado à imunossupressão e à infecção com EBV (vírus sobrevida a partir de 1982. Nos períodos mais antigos (1967
Epstein-Baar), mas é mais rara em pacientes submetidos ao a 1979) a sobrevida após um ano era de aproximadamente
transplante cardíaco73. 50% e, após cinco anos, de 30%. No período de 1980 a 1984,
Antes de 1980, os tumores de pele eram os mais fre- estas cifras subiram para 70% e 50%, respectivamente. Re-
qüentes (em cerca de 40% dos casos). Com os esquemas centemente (1985 a 1990), os resultados melhoraram ainda
atuais de imunossupressão, deram lugar a tumores linfóides. mais e encontramos sobrevida de 80% e 70% para os mes-
Recentemente, em 1995, a Sociedade de Hematopatologia mos períodos considerados. Segundo dados da ISHLT
promoveu discussões durante um seminário que resultaram (2004), temos 84% de sobrevida em um ano, 78,4% em três
na expansão do espectro de linfoproliferações pós-transplan- anos e sobrevida de 65,2% em cinco anos. Ao final de dez
te, incluindo-se aí lesões adicionais, como: plasmocitomas, lin- anos, a sobrevida média oscila em torno de 46%, com rela-
fomas ricos em células T e B e linfomas tipo célula T. A tos inclusive de sobrevida de 15 anos na ordem de 27,6%.
gênese da doença linfoproliferativa é incerta, porém, acredi- Podemos ainda referir que 89,7% dos pacientes não exibem
ta-se que dependa de proliferação de linfócitos B (mono ou limitações após um ano de transplante e 8,5% dos pacientes,
policlonais) e tem-se atribuído também a participações da no entanto, necessitam de assistência. Em nosso meio, ain-
infecção pelo EBV. da não conseguimos reproduzir os mesmos resultados da-
Outras neoplasias, como os tumores de pele e pulmão, queles apresentados pela experiência internacional, sendo,
também ocorrem com relativa freqüência em receptores car- seguramente, as nossas diferenças socioeconômicas e par-
díacos e de órgãos sólidos. Os tumores de pele (com exce- ticularidades do doador e do receptor, o principal fator res-
ção do carcinoma celular de Merkel e o melanoma) têm ponsável. A Diretriz Brasileira de Transplante, realizada no
geralmente evolução mais benigna, ao passo que os tumo- início de 1999 e com atualização recente em 2002, analisou
res pulmonares ou outros tumores possuem um mau mais de 830 pacientes transplantados e mostrou sobrevida
prognóstico. A freqüência de câncer de pele em pacientes de 80%, 70% e 60% ao fim de 1,5 e dez anos respectivamen-
receptores de órgãos transplantados é elevada, em torno de te97. O InCor conta atualmente com mais de 300 transplantes
15%. A maioria dos tumores de pele se desenvolve entre cardíacos realizados com sobrevida após um ano de 78% e
dois e três meses após o transplante. Os demais tipos de após cinco anos de 60%.
tumores ocorrem com freqüência semelhante à da popula- A assistência ventricular ou ventilatória, receptores
ção em geral73. muito jovens ou com idade avançada, doadores com idade
avançada e tempo de anóxia prolongado do coração doador
OUTRAS C OMPLICAÇÕES têm sido apontados como importantes fatores de risco para
a mortalidade no primeiro ano após o transplante. As prin-
Os corticóides podem piorar a tolerância à glicose e in- cipais causas de óbito tardiamente são: rejeição (25%), infec-
duzir o aparecimento de diabetes mellitus. Nos pacientes ção (20%), coronariopatia (12%) e as neoplasias (6%).
controlados com dieta ou hipoglicemiantes orais pode ser
necessária a introdução de insulina. Igualmente, o uso crô-
nico dessa droga pode causar osteoporose e necrose assép- LIMITAÇÕES E PERSPECTIVAS FUTURAS
tica da cabeça do fêmur, sendo esta complicação mais A despeito dos grandes benefícios que o transplante
freqüente em pacientes com idade avançada e mulheres na propicia, em termos de melhora da perspectiva e da qualidade
menopausa. O tratamento inclui a redução do corticóide e a de vida, existem três importantes limitações que devem ser
suplementação com cálcio e vitamina D. Outras complicações
consideradas:
de menor gravidade, porém com desconforto para o pacien-
te são: hipertricose, tremores, congestão nasal, hiperplasia 1. contra-indicações médicas;
gengival, convulsões, e disfunções sexual e menstrual. 2. falta de doadores;
3. efeitos colaterais dos agentes imunossupressores.
RESULTADOS As contra-indicações médicas, psicossociais, relativas
ou absolutas, excluem um percentual variável de pacientes, e
O transplante cardíaco é capaz de modificar a história quando se opta pelo transplante, eleva-se o risco do proce-
natural dos pacientes portadores de cardiomiopatia terminal, dimento. No Instituto do Coração, analisando-se pacientes
desde que os princípios básicos ora apresentados sejam referidos para o transplante, verificou-se que as contra-indi-

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174
cações médicas e psicossociais foram responsáveis por 25% quear a ação dos anticorpos e do complemento são possí-
das causas de exclusão, refletindo as condições socio- veis e têm sido estudadas.
econômicas do país. A falta de doadores é problema mundial. A opção que se considerou mais viável, no entanto, no
Estudo da UNOS (United Network for Organ Sharing) mostrou campo de xenotransplante, foi a possibilidade de manipula-
que 28% dos pacientes candidatos ao transplante morrem ou ção de vários tipos de genes, sendo a mais freqüente a in-
são retirados da lista de espera. Em nossa instituição, após trodução do gene que codifica o fator de inibição do
dois anos de inclusão dos pacientes na lista de espera, pou- complemento humano, visando impedir a rejeição hiperagu-
co mais de 40% são transplantados e quase 60% morrem ou da. Deve-se lembrar que esta manipulação é sempre parcial,
são retirados da fila de transplante por melhora clínica ou e caso se consiga superar a rejeição humoral, é provável que
surgimento de contra-indicações. Finalmente, a terapia imu- a rejeição celular seja mais importante que no transplante
nossupressora, pelo caráter inespecífico ou tóxico, gera sig- entre humanos. Considerados todos esses problemas do
nificativa morbi-mortalidade. transplante de coração de porcos, resta um obstáculo maior,
Para os dois primeiros tipos de limitação no momento que é a presença de doenças virais, em particular retroviro-
só existe alternativa de selecionar receptores não satisfató- ses. Na vigência de imunossupressão, essas viroses podem
rios e enfrentar os riscos. A escassez de doadores tem leva- ser não só um problema para o receptor como um problema
do muitos pesquisadores a desenvolver outras estratégias, de saúde pública, criando novos tipos de doenças.
incluindo-se dispositivos mecânicos e procedimentos cirúr- Quanto à imunossupressão, ela alcançou grandes avan-
gicos alternativos convencionais ou não ao transplante ços nas últimas décadas com a introdução da ciclosporina,
cardíaco. Em relação aos dispositivos mecânicos de assis- anticorpos policlonais e monoclonais contra linfócitos, além
tência ventricular, eles têm sido implantados com sucesso de corticóides, como a azatioprina, já utilizados na década
como “ponte para o transplante”, tendo sido, inclusive, anterior. Mais recentemente, foram introduzidos novos fár-
aprovados recentemente para uso terapêutico definitivo em macos, novos anticorpos monoclonais e novas estratégias
pacientes não-candidatos ao transplante cardíaco. No en- não-farmacológicas. Não serão analisadas estas últimas por
tanto, as maiores limitações destes dispositivos são: peso terem menor impacto na rotina.
e tamanho excessivos, potencial para tromboembolismos, Dos novos agentes, o FK506 já está em uso clínico e é
anemia, sangramento, infecções, falhas mecânicas e alto mais potente que a ciclosporina, não apresentando alguns
custo dos dispositivos. efeitos colaterais desta, porém há outros importantes incon-
Ainda em relação à falta de doadores, atualmente, a úni- venientes como a nefrotoxicidade. Ele tem um local de ação
ca alternativa, que já é aplicada em graus variáveis, é a utili- semelhante ao da ciclosporina, bloqueando a ligação do cál-
zação de doadores não-ideais, denominados habitualmente cio com a calcineurina após o reconhecimento antigênico.
de doadores marginais. Assim, aceitam-se doadores com Esse bloqueio é realizado após a ligação da ciclosporina com
idade superior a 45 anos com ou sem coronariografia, sendo a ciclofilina e do FK506 com a proteína ligadora do FK. De
inclusive relatada a realização de revascularização do miocár- qualquer maneira, ambas impedem o processo que, começan-
dio. Têm sido aproveitados doadores em uso de catecolami- do no citoplasma, levará a transcrição para produção da in-
nas em doses elevadas ou com infecção localizada. No terleucina-2 (IL-2). Ambos os fármacos, por terem mesmo
campo dos doadores marginais, vários estudos experimen- modo de ação, não devem ser associados. O FK506 tem sido
tais têm demonstrado a possibilidade de sucesso em trans- usado em substituição à ciclosporina em alguns centros ou
plante de órgãos de doadores com o coração parado. na circunstância de rejeição rebelde. Outro agente em uso no
Entre as perspectivas futuras, a que surgiu como extra- transplante renal e que começa a ser usado no transplante
ordinariamente promissora foi o uso de corações de animais, cardíaco é a rapamicina. Seu sítio de ação é diferente da ci-
processo este denominado de xenotransplante. Após al- closporina na etapa seguinte da ativação do sistema imune.
guns estudos procurando modificar o órgão no momento do Após ligação da IL-2 com o seu receptor de alta afinidade na
transplante, o que é particularmente difícil no coração pelo superfície do linfócito CD8 (citotóxico), ocorre bloqueio de
tempo limitado de anóxia, os esforços se concentraram na uma série de eventos que levam à ativação e proliferação
criação de animais transgênicos. Embora o ideal fosse a uti- desses linfócitos para atacar o órgão transplantado. Por esse
lização de espécie concordante, ou seja, o macaco, existem mecanismo diferente de ação, uma perspectiva importante é
obstáculos de várias naturezas que levaram à eleição do por- a associação da rapamicina com a ciclosporina, ambas em
co como doador de escolha, pela disponibilidade e peso baixas doses. Vários outros imunossupressores, como mizo-
compatível. A barreira imunológica, no entanto, é maior, pois ribina, brequimar sódica e desoxipergualina, estão em inves-
todos os primatas têm na superfície de suas células molécu- tigação animal.
las de α-galactose (GAL), e o homem tem naturalmente anti- No campo de novos anticorpos monoclonais, as pos-
corpos anti-GAL. Neste tipo de xenotransplante discordante, sibilidades são múltiplas. Vários tipos de abordagem foram
a reação antígeno-anticorpo desencadeia imediatamente o ou têm sido testados. De todos eles, já existem em uso clí-
processo de rejeição humoral hiperaguda mediada pela casca- nico disponível comercialmente dois anticorpos monoclonais
ta do complemento, lesão vascular do enxerto e perda imediata contra o receptor de IL-2. São anticorpos com a porção fixa
do mesmo. Neste sentido, várias estratégias procurando blo- ou grande da porção variável de natureza humana, sendo a

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175
parte ativa proveniente do rato. Dessa maneira, estes anti- 13. Blanche C, Valenza M, Czer LSC et al. Orthotopic heart
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18 Tratamento Cirúrgico das Afecções da Aorta

Januário Manoel de Souza


Sérgio Almeida de Oliveira

RESUMO • exerese do aneurisma, após ligadura proximal e distal,


essa técnica foi utilizada para aneurismas de artérias perifé-
As principais afecções da aorta são causadas por doen- ricas e mesmo artérias com origem direta da aorta (tronco ar-
ças degenerativas e dissecção. terial braquiocefálico e carótida (Edwards, 1935; Carling,
Os aneurismas são causados principalmente por degene- 1936; Shumacker, 1947). Em 1944, Byron ressecou um aneu-
ração mixomatosa, dilatação pós-estenótica e aterosclerose. risma da aorta, pós-coarctação, mas sem restabelecer o flu-
A dissecção aórtica em geral está associada à hiperten- xo. Isso foi possível pela presença de circulação colateral
são arterial, e na fase aguda, principalmente se é proximal (tipo abundante. Schumacker, em 1948, ressecou um pequeno
A), a mortalidade é elevada se não tratada imediatamente. aneurisma e corrigiu uma coarctação aórtica associada, re-
As dissecções distais (tipo B) apresentam mortalidade constituindo o fluxo por anastomose terminoterminal. Swan
menor, mesmo com tratamento clínico. Atualmente, com mais e Gross utilizavam homoenxertos para restabelecer fluxo na
experiência e melhores materiais, o tratamento cirúrgico pode aorta após ressecção de coarctação e dilatação pós-estenó-
ser feito com mortalidade aceitável, mesmo quando segmen- tica. Ochsner, em 1944, ressecou um aneurisma sacular da
tos extensos estão afetados, sendo possível até mesmo a aorta descendente, após clampeamento tangencial, ressec-
substituição de toda a aorta. Acreditamos que o tratamento ção e sutura da parede aórtica6.
associado (operação clássica e endopróteses) poderá bene- Crawford e, logo a seguir, Gross corrigiram coarctação
ficiar muitos pacientes, especialmente os mais idosos, com da aorta com restabelecimento do fluxo sangüíneo, mas os
aneurismas múltiplos ou dissecções extensas. aneurismas saculares mais extensos e principalmente os aneu-
rismas fusiformes, precisavam um enxerto para substituir o
INTRODUÇÃO segmento aórtico ressecado.
Em 1951, na França, Oudot usou um homoenxerto para
A primeira descrição de um aneurisma arterial foi feita substituir uma bifurcação aórtica trombosada; no mesmo
por Galeno (131-200 D.C.). ano, Dubost corrigiu um aneurisma da aorta abdominal,
Inúmeros outros autores escreveram sobre os aneuris- usando também um homoenxerto6. Por dificuldade de obten-
mas (Vesalius em 1555; Elsner em 1670; Lancizi em 1728; De ção e por complicações dos homoenxertos, iniciou-se procu-
Motu cords et Aneurysmatibus, Crispi em 1847). Hunter, ra por enxertos artificiais, o Dacron, começou a ser utilizado
Cooper e outros foram os primeiros que tentaram tratar um em 1952 e permanece ainda hoje como o melhor substituto
aneurisma arterial, mesmo antes da era da anestesia geral. No para a aorta doente.
final do século XIX e início do século XX, as tentativas de DeBakey e Cooley13 foram os primeiros cirurgiões a uti-
tratamento dos aneurismas se resumiam às técnicas de: lizar os tubos de dacron para correção do aneurisma da aorta.
• promover a trombose do aneurisma, seja por ligadu- Esses dois cirurgiões e Crawford10, todos de Houston,
ra, por introdução de material estranho, seja por promover Texas, podem ser considerados os pioneiros e os que mais
fibrose periarterial; contribuíram para a moderna correção cirúrgica das afecções
• a endoaneurismorrafia, introduzida por Matas 1888, foi da aorta. Muitos outros cirurgiões contribuíram com técni-
o mais importante fato no tratamento dos aneurismas de ar- cas que possibilitaram melhores resultados na correção dos
térias periféricas, mas não era aplicável nos da aorta; aneurismas.

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Vamos dividir nossa apresentação em: A dissecção tipo A ou tipo I acomete a aorta ascenden-
• dissecção e aneurisma dissecante da aorta; te progredindo para o arco aórtico e aorta descendente, em
• aneurismas degenerativos da aorta; geral até a bifurcação aorto-ilíaca. A do tipo II, fica circuns-
crita à aorta ascendente. A tipo B ou III inicia-se após a ori-
• arterites. gem da artéria subclávia esquerda, em geral progride apenas
distalmente até a bifurcação aorto-ilíaca.
DISSECÇÃO E ANEURISMA DISSECANTE DA AORTA Quanto à apresentação clínica a dissecção pode ser até
mesmo assintomática (em raras ocasiões) vindo a ser diag-
A dissecção aguda da aorta pode ser considerada a nosticada por acaso ou por manifestação de um aneurisma
maior catástrofe que pode acontecer a um paciente, pois, já desenvolvido, mas na maioria das vezes manifesta-se com
causa uma mortalidade imediata muito elevada. Nos primei- dor intensa persistente, acompanhada de sensação de mor-
ros dias a mortalidade pode chegar até a 90%, nos casos em te iminente. No tipo A ou I a dor inicia-se na região retroes-
que é proximal (tipo A), se não operada. ternal irradiando-se para pescoço e dorso e no tipo B ou III
A dissecção é considerada aguda até a segunda semana inicia-se no dorso com irradiação para região lombar e mem-
de evolução. A partir dessa época é classificada como crônica. bros inferiores.
As classificações mais utilizadas são a DeBakey que Confunde-se muitas vezes com infarto agudo do mio-
divide em tipos I, II e III e a da Stanford University, que di- cárdio, pois esse pode ocorrer quando há dissecção e obs-
vide em tipos A e B. trução dos óstios coronarianos (mais freqüente o direito). O
eletrocardiograma é importante no diagnóstico diferencial.
As de tipo A ou I e II têm início (tipo I e II) ou acome-
tem (tipo A) a aorta ascendente. Nessa classificação não in- Pode manifestar-se também por um quadro de aciden-
teressa a origem da dissecção (Fig. 18.1). As de tipo III ou te vascular cerebral, (AVC) por obstrução de um dos vasos
braquiocefálicos (mais comumente o TABC).
B iniciam-se após a origem da artéria subclávia esquerda.
Essas classificações não são completas, mas do ponto de A complicação mais freqüente da dissecção tipo A (I-II)
é a hemorragia para o pericárdio, com tamponamento cardía-
vista clínico são úteis, pois, para a conduta terapêutica in-
co, choque e morte. Outras complicações: IAo (insuficiência
teressa saber se a aorta ascendente está ou não acometida.
valvar aórtica), AVC, hemotórax, IRA (insuficiência renal agu-
da) isquemia mesentérica e dos membros inferiores, IAM (in-
farto agudo do miocárdio). A dissecção tipo B tem uma
evolução natural mais benigna e menos complicações que
Tipo I Tipo II Tipo III são: rotura com hemotórax, isquemia mesentérica e dos mem-
bros inferiores, IRA e mesmo paraplegia.
O diagnóstico da dissecção aórtica pode ser suspeita-
do ou confirmado pelos seguintes métodos:
• radiografia de tórax — não é específica, mas pode
mostrar alargamento do mediastino, aumento da área cardía-
ca (hemopericárdio), hemotórax;
• ecocardiograma — hoje em dia esse é o método mais
rápido e menos invasivo, deve ser feito o transesofágico, que
tem sensibilidade e especificidade em torno de 90%. Além do
diagnóstico de dissecção, informa sobre a função cardíaca,
presença de hemopericárdio e hemotórax, presença de insufi-
ciência aórtica e localiza a dissecção (tipo A ou B);
• tomografia computadorizada — é um método exce-
lente, mas não está disponível em todos os hospitais;
• ressonância magnética — também é um excelente
exame com ótima sensibilidade e especificidade; é mais dis-
Tipo A ou Proximal Tipo B ou Distal
pendioso;
• cateterismo cardíaco e cineangiocoronariografia —
Fig. 18.1 — Classificação de dissecção de aorta (DeBakey: I, II e III/ não são utilizados atualmente a não ser em situações espe-
Stanford: A e B). ciais, por serem invasivos, e com riscos de complicações
(rotura da aorta).
Feito o diagnóstico, o tratamento clínico deve ser ini-
Em geral, a dissecção inicia-se por uma laceração da ín- ciado imediatamente, tratando-se a dor com analgésicos po-
tima e média da aorta, progredindo nos sentidos distal e tentes, controle da pressão arterial com β-bloqueadores e
proximal; outras vezes não há essa laceração da íntima e a nitroprussiato de sódio. Se há choque, esse deve ser trata-
dissecção é causada por uma hemorragia na camada média do com drogas inotrópicas e o tamponamento cardíaco deve
que progride em sentidos distal e proximal. ser suspeitado.

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180
Confirmado o diagnóstico, o tratamento cirúrgico deve por um tubo de dacron, os cotos proximal e distal são pre-
ser imediato se a dissecção é do tipo A (I-II); se é do tipo B, parados geralmente com reforço de barras de teflon, pois o
deve ser decidido qual o melhor tratamento. Atualmente essa tecido é em geral extremamente friável. Quando há lesão val-
decisão depende muito da experiência de cada serviço e nes- var aórtica associada, esta deve ser tratada separadamente.
ses casos temos utilizado o tratamento com a endoprótese, Quando os seios de Valsalva estão afetados com dilatação
por via artéria femoral. A dissecção tipo B tem indicação ci- importante e insuficiência valvar, é necessária a substituição
rúrgica inequívoca quando apresenta complicações (rotura, por um tubo valvado e reimplante dos óstios coronarianos3.
isquemia mesentérica, insuficiência renal aguda, ou isquemia Nos últimos anos existe a possibilidade de preservação da
dos membros inferiores). Quando há obstrução da aorta, valva aórtica, substituindo-se os seios de valsalva e reim-
pode ser tentada a recanalização com cateter (fazendo a re- plantando-se os óstios coronarianos12.
entrada do fluxo da luz falsa para a luz verdadeira).
Nos pacientes já submetidos a operações (revasculari-
Na fase crônica da dissecção está indicado o tratamento zação miocárdica, correção de dissecção ou troca valvar aór-
cirúrgico, quando existe formação aneurismática da luz fal- tica) alguns cuidados adicionais deverão ser usados, como
sa (diâmetro maior que 50 mm), aparecimento de insuficiên- estabelecer a CEC com hipotermia antes da toracotomia para
cia valvar aórtica com insuficiência cardíaca congestiva e evitar a lesão do aneurisma que em geral está aderido à pa-
cardiomegalia ou quando ocorre redissecção.
rede torácica.
Em qualquer dessas situações a CEC e a hipotermia
TRATAMENTO CIRÚRGICO DA DISSECÇÃO AÓRTICA profunda devem ser utilizadas. São muitas as formas de se
estabelecer a CEC e a mais freqüente e antiga é a utilização
O tratamento cirúrgico depende, como já foi dito, da
da artéria femoral. Ultimamente, contudo, tem-se dado pre-
fase da dissecção (aguda crônica), do seu ponto inicial, de
ferência à utilização da artéria axilar ou subclávia24,28. Em nos-
sua extensão, da presença de complicações e de operações
so serviço32 temos utilizado a artéria carótida comum direita
prévias (correção de dissecção, revascularização miocárdica,
há mais de dois anos. Essa técnica permite estabelecer a CEC
operação da valva aórtica. Essas são as principais que ocor-
com hipotermia antes da abertura do tórax. Durante o proce-
reram em nossa experiência)25.
dimento na aorta ascendente e arco aórtico, a perfusão ce-
Alguns autores18,26,19,30 fizeram operações na tentativa rebral pode ser mantida sem interrupção. Achamos assim,
de resolver complicações da dissecção aórtica (obstrução de
como outros autores5 que a aorta não deve ser clampeada
ramos arteriais, rotura, obstrução da aorta) com algum suces-
para evitar-se a ocorrência de má perfusão (principalmente
so inicial, mas seguido de morte dos pacientes, pois, não
cerebral). Portanto, a anastomose do tubo ao coto distal da
corrigiram a dissecção.
aorta é realizada durante parada circulatória (sendo mantida
DeBakey13, em 1954, fez a primeira operação com suces- apenas a circulação cerebral pelas artérias carótida direita ou
so para corrigir um aneurisma dissecante da aorta tipo B, pela artéria subclávia).
com ressecção do segmento e anastomose terminoterminal
dos cotos da aorta, após obliteração da falsa luz. Outros autores1,20 utilizam a perfusão cerebral anteró-
grada por canulação das artérias TABC e carótida esquerda,
Em 1955, esse grupo utilizou um homoenxerto para cor-
após a abertura da aorta durante parada circulatória.
rigir um outro aneurisma dissecante e tratou, também em
1955, uma dissecção aguda fazendo uma reentrada na aorta A perfusão cerebral retrógrada durante a parada circu-
descendente. Esse paciente tinha uma dissecção tipo A e fa- latória foi proposta por Ueda33, mas tem-se discutido muito
leceu alguns dias depois por rotura da aorta ascendente. sobre o seu beneficio e nós não a temos utilizado, assim
Bahnson e Spencer2 foram os primeiros a corrigir um aneu- como Griep17, cuja opinião é a de que pode ser prejudicial.
risma dissecante, substituindo a aorta ascendente.
Em 1975, Griep16 relatou a ressecção de um aneurisma A RCO A ÓRTICO
dissecante do arco aórtico, utilizando circulação extracorpó-
rea (CEC), hipotermia profunda e parada circulatória. Em geral o envolvimento do arco aórtico nas dissec-
DeBakey14, em 1965, relatou a correção cirúrgica bem- ções (aguda e crônica), está associado à dissecção da aor-
sucedida de aneurisma dissecante toracoabdominal, mas foi ta ascendente e da aorta descendente.
Crawford9 quem mais contribuiu para a sistematização da Na fase aguda, apenas a aorta ascendente é substituí-
correção do aneurisma toracoabdominal da aorta. Atualmen- da por um tubo de dacron, com reaproximação das camadas
te, com a melhora no entendimento dessa doença, dos meios do coto distal, direcionando-se o fluxo sangüíneo para a luz
diagnósticos adequados, da técnica cirúrgica (materiais da verdadeira do arco aórtico. Quando há rotura ou dilatação do
CEC, proteção miocárdica e do sistema nervoso central, pró- arco aórtico, esse também deve ser substituído por um tubo
teses de dacron tratadas etc.), todos os segmentos da aor- de dacron, no qual são implantados os vasos braquiocefá-
ta podem ser tratados, inclusive toda a aorta. licos, em um orifício único ou em orifícios separados, ou
através de tubos de dacron quando há destruição de suas
AORTA ASCENDENTE porções proximais. Em alguns casos é implantada uma pró-
tese de dacron na aorta descendente pela técnica da trom-
Esse é o segmento mais freqüentemente tratado. Quan- ba de elefante descrita por Borst 4. Atualmente, temos
do apenas o segmento tubular é acometido, é substituído utilizado as próteses auto-expansíveis (Fig. 18.2).

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A B
Nos casos em que há operação prévia sobre a aorta as-
cendente, é aconselhável estabelecer-se a CEC e hipotermia
antes da toracotomia, evitando-se a lesão do aneurisma que
em geral está aderido ao esterno (Figs. 18.4 e 18.5).

Fig. 18.2 — A. Aneurisma verdadeiro envolvendo aorta ascendente e


arco aórtico associado a um aneurisma dissecante tipo B. B. A corre-
ção cirúrgica foi com endoprótese auto-expansível distal e tubo de
dacron, no qual foram implantados os vasos braquiocefálicos.

A B C
A circulação extracorpórea com parada circulatória é Fig. 18.4 — A. Aneurisma dissecante tipo A (pós-operatório tardio de
utilizada com freqüência. Usando uma artéria braquiocefá- revascularização miocárdica) corrigido com tubo de dacron na aorta
lica (tronco braquiocefálico, subclávia ou carótida direita) ascendente, arco e descendente (tromba de elefante). B. As pontes de
é possível fazer a correção cirúrgica do arco aórtico sem in- safena foram anastomosadas ao tubo. C. Pós-operatório tardio no qual
terrupção da circulação cerebral. Após a anastomose dis- se observa a trombose da luz falsa na aorta descendente.
tal do tubo à aorta descendente e implante dos vasos
braquiocefálicos, o tubo é pinçado proximal ao tronco bra- AORTA DESCENDENTE E TORACOABDOMINAL
quiocefálico e a circulação é restabelecida, exceto para o
coração. É feita então a anastomose do tubo à aorta proxi- Atualmente com o desenvolvimento das endopróteses
mal ou, se necessário, um tubo valvado com reimplante das auto-expansíveis, as dissecções agudas e muitas das crônicas
coronárias (Fig. 18.3). do tipo B têm sido tratadas com esse procedimento. O trata-
mento cirúrgico convencional na fase aguda fica reservado
para situações especiais ou quando existem complicações.
Os aneurismas dissecantes que acometem a aorta des-
Linha Linha
art. CCD art. cendente torácica são tratados através de toracotomia láte-
CCE CCD
A Sube D TABC
CCE
A sube E
ro-posterior no quarto espaço ou quinto espaço intercostal.
A Sube D
Arco aórtico
Clamp
TABC Se há um coto proximal adequado que permite o clam-
peamento seguro da aorta, então a operação é feita com
A sube E Ao Ao clampeamento apenas11. Devem ser utilizados procedimentos
Ao asc. Desc.
Desc.
Raiz da para proteção da medula espinhal, como monitorização da
A B
Ao
pressão liquórica e shunt proximal-distal (AE femoral, aorto-
femoral etc.), reduzindo-se a incidência de paraplegia8,29.
Linha Linha
art. art. Quando não há coto proximal adequado, utilizamos a
CCD CCD CEC com hipotermia. Existem várias possibilidades de perfu-
CCE CCE
A Sube TABC
A sube
D
TABC
A sube E
são (aorta ascendente-átrio esquerdo), (aorta ascendente-
D A sube E Clamp
Clamp
Tubo de Dacron
Tubo de Dacron veia femoral, aorta ascendente-tronco pulmonar, artéria
femoral-átrio esquerdo etc.).
Ao
Ao
Desc.
Preferimos, quando possível, a canulação da aorta as-
Desc. Raiz da Ao cendente e átrio esquerdo, pois, dessa maneira após a anas-
Raiz da Ao
tomose do tubo ao coto proximal da aorta, podemos
C D restabelecer a CEC para o segmento cefálico da aorta27.
Quando a aorta toracoabdominal está comprometida, a
Fig. 18.3 — A. Perfusão pela artéria carótida comum direita onde foi
anastomosado um tubo de PTFE. B. Após hipotermia profunda ou incisão é uma toracofreno laparotomia, com exposição retro-
moderada, o TABC é clampeado, o fluxo arterial é reduzido (300 a peritoneal da porção abdominal da aorta. Também aqui po-
500 mL/min) o aneurisma (ascendente, arco e descendente) é resse- demos usar clampeamento aórtico associado a shunt e
cado. C. Após correção da porção descendente e arco com tubo de monitorização da pressão liquórica8, ou a utilização da CEC
dacron, a perfusão é restabelecida e o fluxo arterial normalizado. O com hipotermia22 (esta é a nossa preferência para os aneu-
tubo é pinçado proximal ao TABC e a anastomose com raiz aórtica é
rismas toracoabdominais I e II)27.
feita. D. Aspecto final da correção.

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Deverão ser reimplantadas artérias intercostais (9o a 12o miocárdica, troca valvar, ressecção de aneurisma). Nos últi-
pares) no tubo, as artérias viscerais podem ser implantadas mos anos, com o aumento da experiência cirúrgica, melhora
em um único bloco ou em orifícios separados no tubo. Em dos meios diagnósticos, anestesia e cuidados pós-operató-
alguns casos é necessário interposição de tubos para as ar- rios, pode-se operar qualquer tipo de aneurisma aórtico com
térias viscerais. Quando há envolvimento muito extenso uma mortalidade aceitável, e com bons resultados a médio e
(aneurismas tipo I e II) existe uma maior incidência de para- longo prazos.
plegia paraparesia, portanto especialmente nesses casos, A estratégia cirúrgica depende de vários fatores, mas o
técnicas de proteção medular devem ser utilizadas. mais importante é a localização do aneurisma.

ANEURISMAS DEGENERATIVOS DA AORTA

As causas mais freqüentes são: aterosclerose, degene- Tabela 18.1


ração mixomatosa e degeneração cística da média. Algumas Aneurisma da Aorta
causas menos freqüentes são: aortite, infecção, dilatação
pós-estenótica e traumática. Grau Sintomas

Muitas vezes os pacientes com um aneurisma são as- I Ausência de sintomas


sintomáticos e o diagnóstico é feito durante exames de roti-
na ou por outros motivos (raios x de tórax, ecocardiograma, II Sintomas mínimos
ultra-som abdominal, tomografia computadorizada etc.). Rouquidão
Tosse seca
A sintomatologia pode ser devida ao próprio aneurisma Disfagia
— dor, dispnéia, disfagia, rouquidão causada por compressão Dor ocasional
de estruturas vizinhas de hemorragia por rotura em cavidades
III Dor contínua e intensa
torácica, abdominal e no saco pericárdico, embolização de
trombos causando acidente vascular cerebral, isquemia visce- IV Eventos com risco de vida
ral ou de membros inferiores ou mesmo superiores. Dissecção
Os aneurismas podem envolver um ou mais segmentos Rotura
Choque
da aorta ou acometer toda sua extensão. Podem ser fusiformes
AVC
ou saculares (esses têm um maior potencial para rotura). IRA
O risco de rotura está diretamente relacionado ao tama-
nho do aneurisma, por isso, se tem mais de 50 mm de diâme-
tro transverso, em geral está indicado a correção cirúrgica.
A sintomatologia às vezes está relacionada a doenças AORTA ASCENDENTE
associadas (insuficiência ou estenose aórtica, insuficiência Os aneurismas que acometem esse segmento da aor-
coronariana, obstrução de ramos diretos da aorta), um ta são, na maioria das vezes, causados por degeneração mi-
aneurisma deve ser ressecado, se há necessidade de uma xomatosa ou degeneração cística da média, em geral são
troca valvar aórtica ou uma revascularização miocárdica, fusiformes.
mesmo tendo um diâmetro ainda não considerado para in-
Podem acometer apenas o segmento tubular da aorta,
dicação cirúrgica.
freqüentemente envolvem os seios de valsalva, o arco aór-
Uma complicação freqüente dos aneurismas é a dissec- tico e outros segmentos da aorta. É freqüente a presença de
ção aórtica e é motivo para correção cirúrgica de urgência insuficiência valvar aórtica que pode ser por dilatação da
pelo risco de rotura.
junção sinotubular ou por dilatação do anel ou dos seios de
A indicação cirúrgica depende da sintomatologia, do diâ- valsalva ou por acometimento dos folhetos da valva, ou por
metro do aneurisma e das doenças associadas. Crawford10 dissecção da aorta. Essa complicação é uma das causas de
chamou atenção para a relação entre risco cirúrgico e grau morte, assim como a rotura e compressão de estruturas vi-
de sintomas (I, II, III ou IV) dos aneurismas: quanto maior o
zinhas. Esses aneurismas podem ter também como causa a
grau, maior a mortalidade; nos pacientes com graus I e II e
aterosclerose, a dilatação pós-estenótica ou arterite.
nos assintomáticos a mortalidade é muito menor do que na-
queles com graus III ou IV (Tabela 18.1). Atualmente os exames complementares mais utilizados
Os pacientes operados em situação de emergência, são: ecocardiograma, tomografia computadorizada e angiorres-
aqueles com doenças associadas graves (acidente vascular sonância magnética. O cateterismo cardíaco e cinecoronario-
cerebral, insuficiência coronária, doença pulmonar obstruti- grafia estão indicados nos pacientes acima de 40 anos de
va crônica, insuficiência vascular periférica, hipertensão ar- idade para descartar a presença de lesão arterial coronária.
terial sistêmica grave) e os idosos (acima de setenta anos) Em 1956, Cooley e DeBakey7 foram os primeiros a res-
também têm maior risco cirúrgico, assim como os pacientes secar um aneurisma da aorta ascendente, empregando
já submetidos à operação cardiovascular (revascularização circulação extracorpórea e um homoenxerto. O desenvolvi-

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mento das próteses valvares e do tubo de dacron foi um fa- Com freqüência há envolvimento de outros segmentos
tor de progresso nas operações desses aneurismas. da aorta. Quando for o arco e a porção proximal da aorta
A operação desenvolvida por Bental e De Bonno3, em descendente, a operação poderá ser feita de uma só vez.
1968, que consiste na substituição da valva aórtica, dos sei- Quando há envolvimento de segmentos mais distais, eles
os de valsalva e da aorta ascendente com um tubo de dacron serão tratados posteriormente, a não ser que estejam em ris-
valvado, associado ao reimplante dos óstios coronarianos co imediato de rotura.
possibilitou um tratamento seguro nos casos em que há en- Nos pacientes com aneurismas muito grandes e nas re-
volvimento da raiz e das válvulas da valva aórtica. operações (aneurisma aderido à parede torácica) deve-se
Nos últimos anos surgiram técnicas para preservação estabelecer a circulação extracorpórea e hipotermia antes da
dos folhetos da valva aórtica, substituindo-se apenas os abertura do tórax para evitar-se a lesão do aneurisma.
seios de valsalva e a aorta ascendente, e implantando-se os
óstios coronarianos no tubo12,35.

Fig. 18.5 — Aspecto cirúrgico da perfusão pela artéria carótida atra-


vés de tubo de PTFE e drenagem pela veia femoral esquerda. A tora-
cotomia só é feita após hipotermia, para evitar lesão do aneurisma que
está aderido ao esterno (reoperação). A B

Fig. 18.6 — A. Formação aneurismática por rotura de tubo valvado de


Para a correção dos aneurismas desse segmento da aor-
pericárdio. B. Correção com novo tubo de dacron valvado. As coroná-
ta, utilizamos a CEC (circulação extracorpórea) com hipoter- rias foram implantadas no tubo com interposição de tubos de PTFE.
mia moderada ou mesmo profunda (quando há envolvimento
do arco aórtico). A canulação arterial pode ser pela artéria Nas reoperações nem sempre é possível o implante di-
femoral ou pelo arco aórtico. Em nosso serviço preferimos reto dos óstios coronarianos no tubo de dacron. Nestes ca-
usar tronco arterial braquiocefálico, artéria carótida direita ou sos, pode-se usar tubos de PTFE ou de dacron entre o óstio
artéria subclávia direita, pois, fazemos a anastomose distal e o tubo ou, se necessário, a oclusão dos óstios coronaria-
sem clampeamento aórtico, ressecando-se dessa maneira nos e a revascularização com pontes de safena entre o tubo
toda a aorta ascendente e mesmo uma porção do arco aórti- e os ramos coronarianos (Fig. 18.6).
co ou mesmo todo o arco, mantendo-se perfusão cerebral
continua, pinçando-se o TABC, proximal à canulação32. Para
proteção miocárdica, usamos cardioplegia sangüínea gelada, A RCO A ÓRTICO
por injeção nos óstios coronarianos associado ou não à re- Nesse segmento da aorta a causa mais freqüente dos
troplegia pelo seio coronariano. aneurismas é a aterosclerose. Naqueles em que há envolvi-
Quando apenas o segmento tubular é o acometido, é mento concomitante da aorta ascendente e da aorta descen-
substituído por um tubo de dacron. Às vezes há acome- dente a degeneração mixomatosa é a causa predominante.
timento da valva aórtica (estenose, insuficiência), cuja O arco aórtico pode estar envolvido em toda sua cir-
substituição deve ser feita separadamente. Quando há cunferência ou apenas na sua concavidade (aneurisma sa-
acometimento dos seios de valsalva e da valva aórtica, cular). Esses aneurismas se manifestam por dor, rouquidão,
poderá ser usada a operação de Bental3 ou as técnicas de disfagia ou dispnéia por compressão das estruturas e órgãos
preservação da valva12,35. vizinhos. A rotura pode ser para o mediastino, a cavidade

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184
pleural ou a cavidade pericárdica. Quando associado à insu- circulatória (Fig. 18.8). Após a anastomose do tubo de da-
ficiência valvar aórtica, pode manifestar-se por insuficiência cron ao arco aórtico, a circulação extracorpórea pode ser res-
cardíaca congestiva. tabelecida para o segmento cefálico da aorta, o tubo é
Em nossa experiência de 93 pacientes os aneurismas pinçado e a anastomose distal é feita. Com isso diminuímos
eram isolados em apenas seis, nos demais havia acometi- o tempo de parada circulatória. Quando a aorta ascendente
mento da aorta ascendente e/ou da aorta descendente. não pode ser canulada (aorta lesada, tubo prévio etc.), a per-
fusão poderá ser por artérias axilar esquerda, subclávia es-
Em geral, tratamos os aneurismas do arco simulta-
querda, femoral esquerda ou ilíaca esquerda.
neamente aos da aorta ascendente e porção proximal da
descendente.
Quando toda a aorta descendente ou toracoabdominal
está envolvido, deixamos um tubo (tromba de elefante) na
aorta descendente o que facilitará a correção posterior na-
queles segmentos por operação convencional ou através de
endopróteses auto-expansíveis (Fig. 18.7).

Ao
Asc

TP

AE

Fig. 18.7 — Aneurisma envolvendo aorta ascendente, arco e torácica Fig. 18.8 — Perfusão extracorpórea através de canulação da aorta as-
descendente. Correção em dois tempos. Primeira operação com tubo cendente (Ao Asc) para infusão, do tronco pulmonar (TP) e do átrio es-
de dacron na aorta ascendente, arco (com reimplante dos vasos bra- querdo (AE) estes últimos para drenagem. Esse tipo de perfusão é
quiocefálicos, e tromba de elefante na aorta descendente. Em um se- utilizado para correção de aneurismas da porção distal do arco e os
gundo tempo, a porção descendente foi corrigida com endopróteses da aorta descendente (torácica e toracoabdominal).
auto-expansíveis.

O grande progresso no tratamento desses aneurismas AORTA TORÁCICA DESCENDENTE


foi a utilização da hipotermia profunda (15oC) e da parada cir-
culatória introduzidas por Griep16, porém com essa técnica Os aneurismas envolvendo esse segmento, que se es-
temos uma limitação de tempo e, nos casos mais complica- tende da origem da artéria subclávia esquerda até o diafrag-
dos, a operação poderá demorar mais que o limite de segu- ma, estão associados a aneurismas de outros segmentos em
rança. Assim, alguns autores 1,20,24,28,32 desenvolveram 25% dos casos. As causas desses aneurismas são múltiplas,
técnicas que possibilitam a perfusão cerebral anterógrada mas a mais freqüente é a aterosclerótica. Esses aneurismas
contínua20, com isso temos mais tempo e segurança para têm uma alta incidência de rotura seja na cavidade pleural,
uma correção completa. no esôfago e no pulmão, a sua expansão acomete órgãos e
Os vasos braquiocefálicos são implantados no tubo de estruturas vizinhas e isso pode causar sintomas como dis-
dacron separadamente ou em bloco único num só orifício ou fagia, dispnéia e dor por compressão vertebral e da parede
através de tubos de dacron ou PTFE entre esses vasos e o costal e nervosa (rouquidão).
tubo. Outra técnica interessante é a de Kouchoukos23 que é O diagnóstico do aneurisma da aorta descendente
chamada arch first, como o nome indica, anastomosa-se um às vezes é feito por meio de um raios x de tórax de roti-
tubo de dacron aos vasos braquiocefálicos e inicia-se a per-
na, bem como pelo ecocardiograma ou pela tomografia
fusão cerebral por esse tubo que posteriormente é anasto-
computadorizada.
mosado ao tubo que será colocado entre aorta ascendente
e aorta descendente, com isso diminui-se o tempo de isque- Na atualidade não se realiza aortografia a não ser em
mia cerebral. casos especiais. Em pacientes com mais de 40 anos de ida-
Outro método de proteção é a retroperfusão cerebral33 de que necessitam de correção cirúrgica em geral é indica-
que tem sido questionada quanto ao seu benefício17. do uma cinecoronariografia para descartar coronariopatia
Quando a porção distal do arco é a afetada e está as- associada.
sociada a aneurisma da aorta descendente, a via de acesso Ultimamente esse tipo de aneurisma pode ser corrigido
é por toracotomia látero-posterior no quarto espaço intercos- com endoprótese auto-expansivel por via femoral em grande
tal esquerdo, circulação extracorpórea entre a aorta ascen- número de casos, mas nos pacientes em que esta técnica não
dente e o átrio esquerdo27, hipotermia moderada e parada é aplicável, a operação convencional pode ser feita com um

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185
risco relativamente baixo, naqueles pacientes que não têm Esses aneurismas podem manifestar da mesma manei-
doenças associadas (insuficiência coronariana, acidente vas- ra que os de outra localização, alguns ainda que com gran-
cular cerebral prévio, insuficiência renal, doença pulmonar de diâmetro podem ser assintomáticos e são diagnosticados
obstrutiva crônica, insuficiência cardíaca congestiva). por acaso ao ser feito um raios x de tórax, um ecocardiogra-
Quando há envolvimento do arco aórtico, nós preferi- ma, uma tomografia ou uma ressonância magnética.
mos utilizar a circulação extracorpórea com hipotermia mode- Os sintomas podem ser devidos à expansão do aneu-
rada (28oC) ou profunda (15oC) dependendo da extensão do risma, que comprime estruturas e órgãos adjacentes (esôfa-
envolvimento do arco. go, disfagia; pulmão, dispnéia; vértebra, dor; e até mesmo
Preferimos, quando possível, a perfusão arterial pela distúrbios neurológicos-paraparesia, dor) e por rotura e he-
aorta ascendente27 ou artéria subclávia-axilar esquerda. Exis- morragia (cavidade pleural, esôfago, duodeno, retroperito-
tem autores que preferem o clampeamento simples11 da aor- neal, pulmonar).
ta, utilizando-se ou não um desvio protetor da medula, tipo Os exames complementares devem informar não só a
átrio esquerdo, femoral ou áxilo-femoral. extensão e o diâmetro do aneurisma, mas também mostrar as
Na correção desses aneurismas existe o risco de lesão artérias ramos da aorta, pois, muitas vezes essas artérias po-
isquêmica da medula (paraplegia-paraparesia), principalmen- dem apresentar obstruções que devem ser tratadas simulta-
te quando o pinçamento aórtico é proximal à origem da ar- neamente.
téria subclávia esquerda. Em pacientes que operamos O tratamento cirúrgico desses aneurismas envolve mui-
utilizando a circulação extracorpórea e hipotermia não ocor- tos problemas31, dificuldades no controle hemodinâmico do
reu paraplegia-paraparesia. paciente, se a técnica utilizada é o pinçamento simples da
A via de acesso é uma toracotomia látero-posterior no aorta (pinçamento da aorta junto à artéria subclávia acarreta
quarto espaço intercostal esquerdo. Às vezes é necessária sobrecarga no coração que deve ser controlada com medi-
uma incisão no sexto espaço intercostal esquerdo para se cação vasodilatadora e uma hipotensão distal ao pinçamen-
fazer a anastomose distal, quando é muito baixa. Nesses ca- to). Por isso atualmente o pinçamento é utilizado, porém
sos é obrigatória a intubação pulmonar seletiva. associado a um desvio tipo átrio esquerdo, femoral com
bombas centrífugas. Assim, a sobrecarga cardíaca é alivia-
da e a hipotensão na porção distal da aorta é evitada (dimi-
AORTA TORACOABDOMINAL
nuindo a isquemia visceral abdominal e principalmente a
Os aneurismas nessa localização são classificados medular espinhal). Esse tipo de proteção é indispensável
em quatro tipos de acordo com Crawford10: os do tipo I nos tipos I, II e III.
iniciam-se junto à origem da artéria subclávia esquerda Alguns autores, como Kouchoukos22 e nós, preferimos
estendendo-se até a altura da emergência das artérias vis- utilizar a circulação extracorpórea (CEC) associada à hipoter-
cerais (tronco celíaco, mesentérica superior, e renais); os mia profunda ou moderada e parada circulatória, durante a
do tipo II estendem-se da origem da subclávia esquerda correção dos aneurismas dos tipos I e II. Kouchoukous uti-
até a bifurcação aorto-ilíaca; os do tipo III iniciam-se no liza a CEC pela canulação de uma artéria e uma veia femorais.
terço médio da aorta torácica descendente e estendem-se Nós preferimos, quando possível, utilizar a canulação
até a bifurcação aorto-ilíaca; e os do tipo IV acometem da aorta ascendente e do átrio esquerdo27 ou se a aorta as-
toda a aorta abdominal, com envolvimento das artérias cendente já foi operada, utilizamos a artéria subclávia esquer-
viscerais (Fig. 18.9). da ou a artéria axilar esquerda, com uma dessas estratégias,
após a hipotermia (20 a 25oC) a CEC é interrompida, o aneu-
risma é aberto, a anastomose do tubo de dacron com a aor-
ta é realizada, a CEC pode ser restabelecida, na porção
proximal da aorta, o tubo é pinçado e as anastomoses das ar-
térias intercostais e das viscerais ao tubo são realizadas, e
então é feita a anastomose com a aorta distal. Com esta téc-
nica, nós evitamos a sobrecarga cardíaca e a hemorragia que
ocorre quando o aneurisma é aberto, o que protege a medula
espinhal e as vísceras abdominais, proteção essa acrescida
da hipotermia sistêmica.
Na atualidade, com a melhora dos materiais utilizados
na CEC, os seus efeitos colaterais são bastante aceitáveis.
A primeira operação para correção de um aneurisma tipo
IV foi feita por Etheredge15, em 1954. DeBakey13,14 utilizou
I II III IV
inicialmente enxertos homólogos e a seguir tubos de dacron
e, em 1965, publicou uma série de 42 pacientes operados14.
Fig. 18.9 — Classificação dos aneurismas aórticos toracoabdominais Em 1974, Crawford9 descreveu técnica em que a exposição
descrita por Crawford10. do aneurisma era inteiramente retroperitoneal com pinça-

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186
mento simples da aorta, abertura do aneurisma e implante de ses pacientes possuem doenças associadas como DAC
artérias intercostais e viscerais (estas em bloco único, quan- (doença arterial coronária), doença vascular periférica e ce-
do possível, diminuindo o tempo de isquemia). rebral, doença pulmonar, hipertensão arterial sistêmica e tam-
Atualmente, autores com grande experiência, como bém em geral são pacientes com mais de 60 anos de idade.
Coselli8 e Safi29, utilizam um desvio tipo átrio esquerdo-femo- Muitas vezes o risco cirúrgico está relacionado a essas
ral associado ao pinçamento aórtico. doenças associadas e à idade avançada.
As complicações mais freqüentes na correção dos Atualmente existe a possibilidade do tratamento com as
aneurismas toracoabdominais são: insuficiência renal, cardía- endopróteses auto-expansíveis, o que tem sido muito favo-
ca, respiratória, paraparesia-paraplegia, isquemia mesentérica, rável nos pacientes cujo risco cirúrgico é elevado. Nos pa-
baixo débito cardíaco e acidente vascular cerebral e hemor- cientes com baixo risco em especial nos mais jovens, a
ragia (per e pós-operatória imediata). A complicação mais te- operação tradicional ainda tem uma indicação bastante jus-
mida na correção dos aneurismas nessa localização é a tificável pelo conhecido resultado a longo prazo.
paraplegia. Acreditamos que a hipotermia moderada ou pro- As principais complicações do tratamento cirúrgico
funda associada ao implante de artérias intercostais é um são complicações cardíacas: infarto agudo do miocárdio,
excelente método de prevenção. Quando empregamos o clam- insuficiência cardíaca congestiva, baixo débito pulmonar, insu-
peamento da aorta, este deve ser associado à perfusão da aor- ficiência e infecção respiratória necessitando de assistência
ta distal (tipo AE-femoral), monitorização da pressão liquórica ventilatória prolongada, gastrintestinais, isquemia mesenté-
rica, hemorragia digestiva.
e monitorização dos potenciais evocados sensoriais34.
Quando existe um segmento intacto entre a origem das
A melhora da técnica cirúrgica, maior experiência, melho-
artérias renais e o aneurisma, o clampeamento aórtico é fei-
ra dos meios de diagnósticos, utilização de tubos de dacron
to neste local, mas há situações em que o aneurisma esten-
praticamente impermeáveis têm diminuído as complicações
de-se até a origem daquelas artérias, então nesses casos, a
e a mortalidade. Os pacientes operados podem ter um re- aorta deve ser clampeada junto ao diafragma.
sultado muito satisfatório a médio e mesmo a longo prazos
Nos casos em que há envolvimento das artérias ilíacas
(Tabela 18.2).
(aneurisma ou obstrução) o tratamento deve ser com um tubo
de dacron bifurcado. Quando houver obstrução das artéri-
as renais ou da mesentérica superior o tratamento dessas le-
Tabela 18.2
Tratamento Cirúrgico dos Aneurismas da Aorta × Mortalidade sões deve ser simultâneo por meio de enxertos com tubos de
dacron ou de PTFE (politetrafluoretileno).
N Óbitos % A laparotomia mediana é o acesso mais utilizado, mas
a via retroperitoneal poderá ser a de escolha quando for ne-
Torácico 771 100 12,9
cessário o clampeamento aórtico mais proximal.
Toracoabdominal 75 19 25,3
Abdominal 176 16 9 O aneurisma da aorta abdominal pode romper-se para o
duodeno (manifestando-se por hematemese ou enterorragia)
Total 1.022 135 13,2 para a veia cava inferior (VCI) com as manifestações de uma
fístula artério-venosa (ICC).
Em nosso serviço operamos pacientes com este tipo de
ANEURISMA DA AORTA ABDOMINAL INFRA-RENAL aneurisma, muitos dos quais submetidos à revascularização
miocárdica prévia.
A aorta abdominal infra-renal é o segmento mais afeta-
do por aneurisma e a etiologia mais freqüente é a ateroscle-
ARTERITE DE TAKAYASU
rótica. Podem existir outras causas, como inflamatória,
dissecção, traumática ou pós-operatória. É uma doença sistêmica que foi descrita, em 1908, pelo
Podem coexistir aneurismas de outros segmentos (tóra- oftalmologista Takayasu, que encontrou alterações na reti-
cico descendente, arco), ou das artérias ilíacas. Esses aneu- na dos pacientes. Posteriormente verificou-se a ausência de
rismas podem ter uma evolução assintomática vindo a se pulso no pescoço e nos membros superiores dos pacientes,
manifestar por uma rotura súbita. Quando diagnosticados daí o nome “doença sem pulso”. Afeta a aorta e seus ramos,
clinicamente ou por exames complementares por outros mo- com lesão obstrutiva ou aneurismática ou ambas.
tivos, é importante definir o seu tipo (fusiforme ou sacular) Acomete mais o sexo feminino, na proporção de 4:1, e
seus diâmetros, a extensão e se há ou não envolvimento das pacientes jovens (na terceira década de vida). Pode manifes-
artérias renais. Os exames complementares mais utilizados tar-se por insuficiência cardíaca congestiva, por hipertensão
são o ultra-som, a tomografia computadorizada e a angior- arterial sistêmica, acidente vascular cerebral, insuficiência
ressonância magnética. aórtica, infarto agudo do miocárdio, insuficiência renal e ro-
O risco de rotura está associado à forma do aneurisma tura do aneurisma. Ilustramos esse nosso trabalho com dois
(maior risco nos saculares) e, principalmente, aos diâmetros de nossos casos.
transverso e ântero-posterior. Devem ser operados aqueles O primeiro é de uma paciente com 27 anos de idade, com
aneurismas com diâmetros de 50 mm ou mais. Muitos des- quadro grave de hipertensão arterial dos membros superio-

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187
res, insuficiência cardíaca congestiva, claudicação dos mem- A B
bros inferiores e angina pós-prandial. Havia severa obstru-
ção da aorta descendente e da artéria mesentérica superior.
A correção foi por meio de um enxerto com tubo de da-
cron entre a aorta ascendente e a aorta abdominal e um en-
xerto entre o tubo de dacron e a artéria mesentérica superior
(Fig. 18.10). Houve remissão total dos sintomas.

Aorta

Tubo

PTFE para art.


mesentérica
superior

Fig. 18.10 — Arterite de Takayassu envolvendo a aorta descendente e Fig. 18.12 — Correção cirúrgica em dois tempos. Inicialmente cor-
toracoabdominal e a artéria mesentérica superior. Correção com tubo reção do aneurisma do seio de valsalva da aorta ascendente, arco e
de dacron entre aorta ascendente e aorta abdominal e um tubo de tromba de elefante na aorta descendente. Posteriormente correção da
PTFE entre o tubo de dacron e a artéria mesentérica superior. porção toracoabdominal.

O segundo caso era de uma paciente do sexo feminino REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


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189
19 Alteração da Coagulação Pós-Cirurgia
da Aorta

Luiz Francisco Poli de Figueiredo


Ruy Jorge Cruz Jr.

RESUMO O tratamento eficaz de sangramentos induzidos por


coagulopatia adquirida depende da rápida identificação da
O sangramento pós-operatório está associado a aumen- causa desencadeante e de sua natureza. A formação de um
to importante da morbidade, mortalidade e custos da cirurgia coágulo estável depende de uma complexa interação entre a
da aorta torácica e toracoabdominal. Estas cirurgias complexas parede do vaso, as plaquetas e as proteínas da cascata da
envolvem alterações hemodinâmicas súbitas e intensas, pro- coagulação, interrompendo um sangramento por lesão vascular,
movem isquemia e posterior reperfusão em órgãos vitais, in- e o sistema fibrinolítico, encarregado de limitar a propagação
variavelmente provocam perdas sangüíneas substanciais e do coágulo ao local da lesão e restaurar a perviabilidade do
acentuado desvios de líquidos do compartimento intra para o
vaso13. A primeira resposta a uma lesão vascular é a retração
extravascular. Neste capítulo analisamos os diversos aspectos
e o espasmo do vaso lesado. A seguir, em razão da exposi-
das profundas alterações da coagulação na cirurgia da aorta
ção do colágeno subendotelial, ocorre a adesão, ativação e
torácica, cujas correção e prevenção devem ser realizadas con-
agregação plaquetária no local, fase esta considerada como
juntamente pelos cirurgião, anestesiologista e demais especi-
a da hemostasia primária6,64. A hemostasia secundária, desen-
alistas envolvidos no complexo controle pós-operatório destes
pacientes. cadeada pela liberação do fator tecidual e ativação da cas-
cata da coagulação, necessita de plaquetas ativadas para
cumprir adequadamente a sua função de estabilizar a fibri-
INTRODUÇÃO na e o friável tampão plaquetário, inicialmente formado na
Apesar dos grandes avanços no controle pré-, intra- e hemostasia primária20,39. Um conhecimento mais aprofundado
pós-operatório, permitindo resultados bastante satisfatórios na de todos os fatores envolvidos na coagulação e na fibrinólise
correção da dissecção e dos complexos aneurismas e torácica é de grande auxílio para a compreensão das coagulopatias pós-
e toracoabdominal, o sangramento pós-operatório está asso- operatórias e a leitura de textos especializados é recomendada16.
ciado a um aumento importante de morbidade, mortalidade e
custos8-12,59. As operações da aorta torácica e toracoabdomi- CAUSAS PARA ALTERAÇÕES DA COAGULAÇÃO
nal são extremamente complexas, envolvem alterações hemo- NA CIRURGIA DA AORTA
dinâmicas súbitas e intensas, promovem isquemia e posterior
reperfusão em órgãos vitais, provocam invariavelmente perdas Alterações da coagulação durante e após a cirurgia da
sangüíneas substanciais e acentuado desvio de líquidos do aorta são freqüentes, podendo causar risco imediato à vida
compartimento intra para o extravascular23,47. Ainda, todas es- destes pacientes46. As causas destas alterações são múlti-
tas alterações ocorrem em pacientes com doenças associadas plas e inter-relacionadas, incluindo a interferência com a in-
significativas e reserva limitada de diversos órgãos e sistemas8. tegridade de vasos de grande calibre, incisões e dissecções
Neste capítulo analisamos os principais aspectos das altera- extensas, necessidade de inibir completamente a coagulação
ções da coagulação nas operações da aorta torácica, as quais durante a oclusão da aorta, hemodiluição pela infusão de
devem ser de amplo domínio de cirurgiões, anestesistas e de- grandes volumes de soluções cristalóides, colóides e de-
mais especialistas envolvidos no complexo controle pós-ope- rivados do sangue, isquemia e reperfusão de órgãos vi-
ratório destes pacientes. tais diretamente envolvidos na produção de fatores da

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191
coagulação, ativação da resposta inflamatória sistêmica pe- o comprometimento transitório da função plaquetária sempre
las alterações hemodinâmicas sistêmicas e regionais, resul- ocorre51,63.
tando em disfunção microcirculatória no extenso território A disfunção plaquetária mais profunda é a observada nas
privado do fluxo normal, interferência com a fibrinólise, hi- cirurgias do arco aórtico que exigem circulação extracorpórea e
potermia e acidose, entre outros3,5,22,23,46. parada circulatória sob hipotermia profunda, necessária para a
Nas cirurgias da aorta torácica, a coagulopatia adquirida prevenção de lesão isquêmica cerebral12. Entretanto, mesmo a
deve ser avaliada clínica e laboratorialmente. Heparina circu- hipotermia discreta, desejável para proteger a medula espi-
lante, excesso de protamina, atividade fibrinolítica aumenta- nhal no reparo da aorta toracoabdominal, afeta a função pla-
da, disfunção quantitativa e qualitativa dos fatores de quetária e a eficácia da coagulação em geral. Temperaturas
coagulação, defeitos qualitativos na polimerização da fibri- menores do que 35oC podem comprometer a coagulação mes-
na, deficiências na formação do tampão plaquetário são causas mo na presença de níveis normais de fatores de coagulação54.
potenciais para o sangramento excessivo46,51. Deficiência pla- A isquemia e a subseqüente reperfusão dos órgãos
quetária, tanto qualitativa quanto quantitativa, é a causa abdominais e da musculatura esquelética durante e após
mais freqüente, consistente e previsível de sangramento in- o pinçamento aórtico estimula a produção e a liberação de
tra- e pós-operatório associado a alterações da hemosta- numerosos mediadores e fatores humorais que interagem
sia31,32,46. As plaquetas são fundamentais para a hemostasia intimamente tanto com o sistema de coagulação quanto com
adequada, pois são os primeiros elementos a chegar no local o sistema fibrinolítico21,22,46. O consumo e o seqüestro peri-
da lesão vascular. Liberam substâncias vasoativas e proteí- férico de plaquetas também contribui para os distúrbios pla-
nas pró-coagulantes, aderem ao local da lesão, apresentam quetários qualitativos e quantitativos, resultando em
alterações estruturais e metabólicas que aumentam a adesi- tampões plaquetários frágeis que sofrem lise precoce, pro-
vidade, resultando no agregado plaquetário multilaminar. A cedendo em ressangramento. Este processo pode ser acele-
cascata da coagulação ativada converte a protrombina em rado pela diminuição de fatores de coagulação circulantes e
trombina, que se liga à membrana fosfolípide do tampão pla- pela fibrinólise ativada, freqüentemente observados nas
quetário6,20,39,64. Na cirurgia da aorta torácica, o impacto no operações da aorta torácica51,63.
número e na função das plaquetas é multifatorial, portan- Todas estas alterações acima descritas são intensamen-
to comprometendo a primeira etapa da hemostasia. Altera- te magnificadas em pacientes submetidos a cirurgia da aor-
ções nas plaquetas podem estar relacionadas ao uso ta na emergência, as quais exigem grandes quantidades de
pré-operatório de aspirina ou outras drogas que afetam a sangue e derivados, induzindo a coagulopatia dilucional, re-
função plaquetária. lacionadas à transfusão maciça. O sangue estocado é defi-
A cirurgia da aorta torácica exige inibição da coagula- ciente de fatores de coagulação e plaquetas. A redução do
ção para prevenir a formação de trombos e êmbolos indese- número de plaquetas, mesmo para taxas moderadas, quando
jáveis na região distal ao pinçamento da aorta ou no circuito associada às deficiências discretas dos fatores de coagula-
da circulação extracorpórea, freqüentemente empregada. A ção, resulta em descompensação rápida da hemostasia46.
heparina é amplamente utilizada, tem poucos efeitos colate- Na ruptura dos aneurismas ou dissecções aórticas ex-
rais e pode ser rapidamente neutralizada pela protamina. tensas, a instabilidade hemodinâmica, com choque e hipo-
Ocasionalmente a heparina pode induzir plaquetopenia, perfusão generalizada, aumentam em muito a possibilidade
geralmente discreta. Muito raramente, pode causar pla- de coagulação intravascular disseminada, com conseqüên-
quetopenia grave, mediada por reação imune51,63. A variabi- cias catastróficas no pós-operatório. A ativação endotelial e
lidade da resposta individual e os efeitos da hipotermia na de células brancas na extensa superfície microcirculatória
depuração da heparina exigem a monitorização freqüente do hipoperfundida ativa simultaneamente a coagulação e a cas-
efeito anticoagulante na cirurgia da aorta torácica, mais fre- cata inflamatória, responsáveis pela disfunção de múltiplos
qüentemente através do tempo de coagulação ativado. A órgãos, causa freqüente de óbito5. Ainda, a instabilidade
anticoagulação adequada evita a coagulopatia de consumo hemodinâmica exige transfusão maciça de sangue e deriva-
em pacientes subeparinizados e reduz a dose total de hepa- dos, causa consumo e depleção de plaquetas e fatores de
rina e protamina, assim como minimiza os efeitos do complexo coagulação, e aceleram a fibrinólise. É de importância capi-
protamina-heparina na função plaquetária, quando um exces- tal reverter a causa da coagulação intravascular, controlar o
so de heparina tenha sido empregado46,63. local de sangramento, restabelecer a continuidade vascular,
As operações da aorta realizadas com circulação extra- restaurar a estabilidade hemodinâmica e, mais especificamen-
corpórea, total ou parcial, afetam a eficácia da função plaque- te, corrigir as deficiências da hemostasia.
tária. O extenso contato entre o sangue circulante e as A experiência da equipe, especialmente do anestesista
superfícies não-endotelizadas dos circuitos extracorpóreos e do cirurgião, é de importância óbvia para reduzir a perda
resultam em trauma direto aos receptores plaquetários, ati- sangüínea nestas operações complexas. A técnica operató-
vação, degranulação e agregação plaquetária reduzidas. A ria meticulosa e precisa, reduzindo o tempo para o restabe-
hemodiluição reduz tanto as plaquetas quanto os fatores de lecimento do fluxo através do vaso reparado, o rápido
coagulação. Embora a contagem plaquetária raramente dimi- controle de toda a fonte de sangramento, desde a incisão da
nua para taxas inferiores a 100.000/mm3 após a hemodiluição, pele até o fechamento, é fundamental para prevenir o san-

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192
gramento difuso e continuado que ocorre quando a hemo- criam condições para perpetuar e piorar o quadro46. O trata-
diluição e a hipotermia são induzidas. mento empírico deve ser iniciado enquanto os resultados la-
As cirurgias da aorta torácica até a alguns anos esta- boratoriais estão pendentes. No sangramento grave, plasma
vam associadas a perdas sangüíneas consideráveis pelos fresco congelado deve ser transfundido para superar as de-
poros das próteses vasculares. Alternativas, tais como pré- ficiências de fatores de coagulação, geralmente em conjun-
coagulação com o sangue do próprio paciente, a cobertura to com a transfusão de plaquetas, pois a plaquetopenia e a
dos poros da prótese com solução de albumina e posterior disfunção plaquetária são as causas mais comuns de sangra-
colocação da prótese em autoclave, não preveniam perdas mento intra-operatório inesperado41-43. Níveis de fibrinogê-
substanciais de sangue quando havia coagulopatia e/ou fi- nio baixos necessitam de transfusão de crioprecipitado. A
brinólise. Em virtude da disponibilidade atual dos enxertos fibrinólise excessiva pode ser minimizada com drogas anti-
maleáveis e impermeáveis, pela impregnação com colágeno, fibrinolíticas, tipo o ácido epsilon-aminocapróico, para inibir
gelatina e albumina, entre outros, esta potencial fonte de a fibrinólise e permitir a depuração dos produtos de degra-
perda sangüínea não mais é considerada fator significante de dação do fibrinogênio pelo sistema reticuloendotelial. Con-
sangramento. Outros aspectos técnicos auxiliam sobremanei- centrados de hemácias são transfundidos conforme a
ra na redução da perda sangüínea, incluindo a realização necessidade para manutenção das taxas de hemoglobina em
com perfeição das anastomoses e a hemostasia rigorosa, im- níveis suficientes para o adequado transporte de oxigênio41-43.
pedindo sangramentos de causa considerada mecânica, são
essenciais para a redução do sangramento e perpetuação de IDENTIFICAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA DO RISCO DE
uma eventual coagulopatia46. C OAGULOPATIA

IDENTIFICAÇÃO DA PRESENÇA DE COAGULOPATIA E


É de grande importância conhecer os fatores predispo-
CONDUTA IMEDIATA nentes ao desenvolvimento de uma coagulopatia durante ou
após a cirurgia da aorta. O diagnóstico de potenciais distúr-
O tratamento depende da gravidade do sangramento, bios de coagulação depende de três parâmetros distintos: a
da identificação e reversão imediata da causa desencadean- história clínica, o exame físico e os exames laboratoriais. Es-
te. Um dos sinais mais precoces de coagulopatia intra-ope- tes devem ser direcionados para a exclusão ou detecção de
ratória é a presença de sangramento difuso em locais de uma coagulopatia potencial.
superfície cruenta, previamente secas. Hematúria, sangra- A história, avaliando a eficácia do sistema hemostático,
mento pela orofaringe, pelo tubo orotraqueal, dreno de tó- deve ser realizada em todos os pacientes. Embora os indiví-
rax, ou por locais de inserção de cateteres também sugerem duos portadores de defeitos inerentes da coagulação sejam
a instalação de coagulopatia16. A presença de sangramento mais freqüentemente identificados durante a infância, defei-
maciço difuso nos locais da operação exigem diagnóstico e tos menores podem passar despercebidos e se manifestarem
tratamento rápidos. Imediatamente devem ser colhidos os de maneira extrema após uma cirurgia ou trauma16.
exames básicos para a definição do diagnóstico, direciona- A ocorrência pregressa de sangramento gengival após
mento e monitorização do tratamento, incluindo o número de escovação de dentes, metrorragia profusa, epistaxe, enteror-
plaquetas, os tempos de protrombina, trombina e trombo- ragia, ou sangramento exagerado em cirurgias prévias, são
plastia tecidual ativada e o fibrinogênio. As alterações da indicativos de distúrbios da coagulação que devem ser avalia-
hemostasia geralmente duram várias horas e o sangramen- dos e identificados no pré-operatório. A presença de doença
to por vasos lesados pode ocorrer espontaneamente ou hepática grave e de disfunção renal, que podem comprome-
após um episódio hipertensivo no pós-operatório imediato46. ter de modo multifatorial a eficácia da coagulação, devem ser
Na maioria dos pacientes, o sangramento pós-operatório re- também identificadas pela história e exame físico16. Deve ser
duz-se acentuadamente nas primeiras quatro horas. O san- dada atenção especial à condição nutricional do paciente. A
gramento maciço pelos drenos torácicos requer reexploração deficiência de vitamina K deve ser suspeitada em pacientes
imediata. A drenagem sustentada, na presença de exames de que estão fazendo uso de nutrição parenteral, nos caquéti-
coagulação normais ou pouco alterados, assim como a dre- cos, nos submetidos a radioterapia ou quimioterapia, deven-
nagem de grande quantidade de coágulos pelo dreno, suge- do ser considerada como importante causa de coagulopatia
re lesão passível de correção cirúrgica. Quando a drenagem intra e pós-operatória48.
é maciça, mesmo na presença de coagulopatia, a exploração O uso de drogas que interferem na hemostasia primá-
cirúrgica é necessária para excluir sangramento mecânico (ci- ria ou secundária, entre as quais a aspirina, a fenilbutazona,
rúrgico) e/ou permitir uma intervenção direta nos locais de ou as penicilinas semi-sintéticas, devem ser determinadas,
sangramento, como o tamponamento local e a cauterização pois está associado a aumento significativo de sangramen-
de áreas cruentas. O aquecimento do paciente pode promo- to no pós-operatório. Deve ser questionada a presença de
ver efeitos pró-coagulantes nítidos, pela melhora da eficácia história familiar de tendência hemorrágica assim como das
de plaquetas e fatores de coagulação. A hipotensão e o cho- características dos sangramentos pregressos, o que pode
que devem ser rigorosamente tratados e evitados em todo fornecer dados para a determinação da natureza da coagu-
paciente com suspeita de coagulopatia intra-operatória, pois lopatia. Equimoses espontâneas ou aos mínimos traumas,

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petéquias, e sangramento nasal ou da mucosa oral, suge- principalmente de grandes cirurgias cardiovasculares, in-
rem disfunção plaquetária qualitativa ou quantitativa, en- cluindo as operações da aorta. É um teste muito relacio-
quanto hemartrose, hemorragia retroperitoneal espontânea e nado ao TTPa, fornecendo, em poucos minutos, dados
hematoma muscular profundo sugerem distúrbios da hemos- sobre o tempo de formação de coágulo, a partir de uma
tasia secundária. A presença de icterícia, ascite, atrofia amostra de sangue total no próprio centro cirúrgico.
testicular e ginecomastia, sugerem disfunção hepática Tempo de trombina (TT) — O TT mede a conversão
grave e risco de sangramento espontâneo16,48. do fibrinogênio em fibrina induzida pela trombina, na fase
Para cirurgias da aorta, além da história e do exame final da cascata da coagulação. O TT não é afetado por
físico, os exames laboratoriais básicos para avaliar a coa- coagulopatias graves que comprometem a fase inicial da
gulação devem ser obtidos (Tabela 19.1). Para o diagnóstico coagulação, como nas hepatopatias e na hemofilia. O TT
e tratamento das coagulopatias intra- e pós-operatórias, é muito sensível à redução nos níveis de fibrinogênio, à
é importante conhecer as noções básicas dos testes la- presença de heparina e à inibição da coagulação por pro-
boratoriais mais freqüentemente utilizados, e que são dutos da degradação da fibrina (PDFs) na CIVD. O TT
abaixo descritos16,48,65. pode ser utilizado, assim como os níveis de fibrinogênio,
Tempo de protrombina (TP) — O TP avalia a via ex- PDFs e D-dímeros, para monitorar a trombólise terapêu-
trínseca da coagulação, sendo altamente sensível para tica e a CIVD7.
os fatores V e vitamina K dependentes (II, VII, IX e X). Tempo de sangramento (TS) — O TS avalia a he-
O TP aumenta com o uso de anticoagulantes orais, na de- mostasia primária, ou seja a formação do tampão plaque-
ficiência de vitamina K por desnutrição ou obstrução da tário inicial, pela mensuração do tempo que uma ferida
árvore biliar, na coagulação intravascular disseminada superficial no antebraço ou no lobo da orelha para de
(CIVD) e na disfunção hepática. O TP pode ainda aumen- sangrar. Deve ser realizado quando a contagem plaque-
tar quando altas doses de heparina são administradas, tária é normal e há suspeita de alteração qualitativa das
por inibição do fator II. O TP aumentado é corrigido pela mesmas. O TS aumenta (maior que cinco minutos) quan-
infusão de plasma fresco congelado e pela reposição de do a função plaquetária está comprometida, como pelo
vitamina K.
uso de aspirina, na uremia e na doença de von Wille-
Tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPa) brand. O TS também está prolongado na plaquetopenia,
— O TTPa mede a função da via intrínseca da coagula- na redução dos níveis de fibrinogênio e do fator V. A he-
ção, com sensibilidade para a maioria dos fatores, exce- parina também pode prolongar o TS por inibição plaque-
tuando-se o fator VIII. O TTPa pode não prolongar tária e por interações com o fator de von Willebrand26.
quando existe deficiência discreta de um fator isolado,
Contagem plaquetária — A contagem plaquetária é fa-
porém aumenta exponencialmente quando ocorre defi-
cilmente obtida, e níveis menores que 100.000/mm3 freqüente-
ciência de múltiplos fatores. O TTPa prolonga com o uso
mente prolongam o TS. É exame obrigatório frente a qualquer
de heparina não-fracionada, pela inibição do fator II, e é
sangramento não-mecânico, pois a plaquetopenia é a causa
utilizado para monitorar a anticoagulação. Com as hepa-
rinas de baixo peso molecular a ação no fator II é menor mais freqüente de sangramento intra- e pós-operatório. Exis-
e o TTPa, nestas condições, não é parâmetro adequado te uma relação inversa entre o TS e o número de plaque-
para a monitorização do efeito da droga. O TTPa aumen- tas, na faixa entre 10.000 e 100.000/mm3.
ta também nas coagulopatias generalizadas, por deficiên- Tempo de lise coágulo euglobina (TLCE) — O
cia de fatores ou pela presença de anticoagulantes TLCE mede o tempo que o coágulo é lisado em um tubo.
circulantes. Após a infusão de plasma, se o TTPa norma- A lise em tempo inferior a duas horas é considerado anor-
lizar, é provável que a causa seja deficiência de fatores, mal. O teste exige que a formação do coágulo seja ade-
enquanto se o TTPA persistir prolongado, deve-se suspei- quada, sendo o TCLE bastante útil para avaliar quadros
tar de heparina ou de anticoagulante lúpico circulante. Na de fibrinólise primária28. Quando a formação do coágulo
presença de coagulopatia global ou na anticoagulação te- é comprometida, como na CIVD, o teste não tem valor.
rapêutica, geralmente é observado aumento tanto do TTPa Tromboelastografia (TEG) — A TEG mede a veloci-
quanto do TP, pois ambos apresentam certa superposição dade da formação e a consistência do coágulo, fornecendo
de fatores. Quando o TP estiver elevado e o TTPa estiver uma estimativa qualitativa da coagulação e fibrinólise. Atra-
normal, deve existir deficiência de fator VII, por inibição da vés de traçados característicos diferencia a plaquetopenia
vitamina K por anticoagulantes orais ou por sua deficiên- das deficiências de fatores e da fibrinólise excessiva, sen-
cia, nas desnutrições ou obstruções biliares. A condição do utilizado principalmente no transplante hepático30. Por
de TTPa aumentado e TP normal sugere a presença de he- ser um teste trabalhoso, examinador dependente e de apli-
parina em doses moderadas ou hemofilia. cação prática limitada, não é utilizado rotineiramente na ava-
Tempo de coagulação ativado (TCA) — O TCA é liação de sangramento, pois os testes acima descritos
um teste muito útil para avaliar a função de coagulação fornecem, de modo muito mais simples, quase todas as in-
global e a adequação da heparinização intra-operatória, formações de cunho prático necessárias.

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Tabela 19.1
Testes Diagnósticos para as Coagulopatias Operatórias

Teste Avaliação Causas Aplicação

TP — tempo de protrombina Fatores II, V, IX, X, Anticoagulantes orais Monitorar anticoagulantes


proteínas C e S Hepatopatia orais
CIVD Definir coagulopatia

TTPa — tempo de Maioria dos fatores Heparinização Monitorar heparina


tromboplastina parcial CIVD Definir coagulopatia
ativado Anticoagulante lúpico

TCA — tempo de coagulação Função global da Heparinização Intra-operatório


ativado coagulação

TT — tempo de trombina Função do fibrinogênio Fibrinólise Monitorar fibrinólise sistêmica


Desfibrinogenemia
Heparina
CIVD

TS — tempo de sangramento Número e função plaquetária AAS Avaliar função plaquetária


Uremia
Plaquetopenia

Fibrinogênio, PDFs Fibrinólise CIVD Definir coagulopatia

TLE — Tempo de lise da Fibrinólise Fibrinólise primária Definir fibrinólise primária


euglobina

Tromboelastograma Cinética da coagulação Múltiplas Transplante hepático

CARACTERÍSTICAS DAS COAGULOPATIAS ADQUIRIDAS componente importante da coagulopatia intra-operatória,


capaz de promover disfunção plaquetária significativa, poden-
Conforme já discutimos, os sangramentos intra- e pós- do também desencadear CIVD. As principais causas de hipo-
operatórios graves ocorrem na cirurgia da aorta e exigem termia são perda de calor por tempo operatório prolongado,
conduta agressiva para a rápida identificação e correção da hipoperfusão por pinçamento aórtico prolongado ou por cho-
causa. Estabelecer se a causa do sangramento é mecânica ou que, e reposição volêmica maciça com fluidos não-aque-
por coagulopatia generalizada é fundamental. A maior cau- cidos 19,62 . Desta maneira, a coagulopatia induzida pela
sa de sangramento pós-operatório é mecânica, geralmente hipotermia pode levar a um ciclo vicioso, induzindo disfunção
localizada, podendo ser de grande monta, porém é passível plaquetária grave, maior perda sangüínea, pior perfusão teci-
de controle por revisão e hemostasia cirúrgica46. Por outro dual, maior reposição volêmica e maior tempo operatório, ali-
lado, sangramentos por coagulopatia costumam ser difu- mentando e perpetuando a coagulopatia. Uma vez instalada,
a hipotermia é de difícil reversão. Portanto, a prevenção deve
sos, contínuos, e de difícil controle por manobras locais. As
ser sempre exercitada por meio da estabilidade cardiorrespira-
diversas formas de controle operatório de sangramentos
tória, da infusão de líquidos aquecidos, de cobertores e col-
mecânicos não são analisadas neste capítulo. Nosso enfo- chões térmicos, de evitar exposição excessiva quando a
que é o diagnóstico e tratamento do sangramento induzi- temperatura de sala cirúrgica estiver baixa, entre outras.
do por coagulopatias adquiridas no intra- e pós-operatório,
partindo do pressuposto que os fatores mecânicos não es-
PLAQUETOPENIA
tão envolvidos.
Conforme já mencionado, a redução do número de pla-
HIPOTERMIA E ACIDOSE quetas e/ou a disfunção plaquetária são causas muito fre-
qüentes de coagulopatia, pois comprometem a adesão, a
Tanto a hipotermia quanto a acidose estão sistematica- secreção e a agregação plaquetárias, as fases iniciais da he-
mente presentes na cirurgia da aorta torácica. Os fatores de mostasia. A plaquetopenia é a causa mais freqüente de san-
coagulação são enzimas que funcionam otimamente em uma gramento pós-operatório. O risco de hemorragia significante
faixa estreita de temperatura e de pH. O melhor tratamento ocorre quando a contagem plaquetária é menor que 20.000/mm3.
para a acidose metabólica é minimizar os períodos intra-ope- No entanto se o sangramento é ocasionado pela presença da
ratórios de isquemia e restaurar a oferta de oxigênio aos te- plaquetopenia, este geralmente não cessará até que a con-
cidos, desta maneira revertendo-a. A hipotermia pode ser um tagem plaquetária exceda 100.000/mm3,21,46.

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O tratamento de pacientes com plaquetopenia e san- importante fator local de vasoconstrição, secreção e agrega-
gramento intra- e pós-operatório é a transfusão de plaquetas49. ção de plaquetas58. Esta acetilação da ciclooxigenase é irre-
Esta reposição deve ser baseada na contagem plaquetária, versível, durando a vida toda da plaqueta, bloqueando a função
no tempo de sangramento (avaliação funcional) e pelo porte desta enzima por 8 a 10 dias. A ingesta diária de 325 mg de as-
do procedimento. Identificar e tratar a causa desencadeante pirina, medicação utilizada rotineiramente em pacientes por-
da plaquetopenia é de grande importância. A plaquetopenia tadores de doença cardiovascular, pode induzir a inibição de
pode ser causada por distúrbios na produção, destruição ou cerca de 90% da ciclooxigenase. Desta maneira a liberação des-
seqüestro das plaquetas16. tas substâncias é inibida, com conseqüente comprometimento
A produção deficiente pode ser causada por diversas da agregação plaquetária. Como a acetilação é irreversível, uma
condições incluindo anemia aplástica, infiltração medular única dose de aspirina compromete definitivamente todas as
(leucemia, neoplasias, doenças mieloproliferativas e tubercu- plaquetas expostas, fazendo que o risco de sangramento in-
lose), deficiências nutricionais, quimioterápicos mielosupres- tra- e pós-operatório permaneça por até 10 dias57. Na imensa
sores, infecções virais, diversas drogas (estrógenos, álcool, maioria dos doentes, o sangramento induzido pela aspirina
diuréticos tiazídicos). Quimioterapia e irradiação produzem é discreto; entretanto na presença de outras alterações con-
plaquetopenia pela supressão dos megacariócitos na medula gênitas ou adquiridas da coagulação o sangramento pode ser
óssea, e se apresentam como a maior causa de sangramen- intenso18. Para a maioria das cirurgias eletivas de grande por-
to em pacientes que são submetidos a tratamento de doen- te é recomendada a suspensão da aspirina sete dias antes do
ça neoplásica. procedimento. O tratamento da disfunção plaquetária indu-
O seqüestro de plaquetas, e conseqüente plaqueto- zida pela aspirina é a transfusão de 5 a 10 U de concentra-
penia, podem ser observados nas diversas causas de hipe- do de plaquetas16,18,57.
resplenismo. Outros elementos figurados do sangue podem Assim como a aspirina, outros antiinflamatórios não-
ser seqüestrados como leucócitos e hemácias, induzindo hormonais, drogas freqüentemente empregados nos pacientes
um quadro de anemia e neutropenia. O hiperesplenismo de- cirúrgicos, também podem produzir alterações plaquetárias57.
corrente da hipertensão portal raramente leva a um sangra- Entretanto, diferentemente da aspirina, induzem alterações
mento espontâneo. No entanto, a plaquetopenia pode transitórias, limitadas ao período de circulação da droga.
agravar outras complicações da hipertensão portal, como Dezenas de outras drogas podem alterar a função plaquetá-
o sangramento digestivo alto, que pode ocorrer no pós- ria e devem ser imediatamente suspensas quando existe san-
operatório de cirurgias da aorta torácica ou outras opera- gramento associado16,18,57. O tratamento na urgência também
é pela transfusão de concentrado de plaquetas.
ções de grande porte.
A uremia freqüentemente induz sangramento durante e
A destruição das plaquetas pode ocorrer em diversas
após cirurgias, geralmente de mucosas, e raramente intrape-
situações como CIVD, circulação extracorpórea, drogas, púr-
ricárdico ou intracraniano21,50 .O acúmulo de substâncias tó-
pura trombocitopênica trombótica, síndrome hemolítica urê-
xicas às plaquetas tem sido responsabilizada pela disfunção
mica, e infecções. A destruição pode ocorrer também por
plaquetária observada, pelo comprometimento da ade-
mecanismos imunológicos (púrpura trombocitopênica idio- são plaquetária ao endotélio e a outras plaquetas. A trans-
pática, púrpura pós-transfusional, reações alérgicas graves). fusão de plaquetas nestas circunstâncias costuma ser pouco
A plaquetopenia pode ser induzida por drogas (heparina, efetiva, mesmo em urêmicos com plaquetopenia. A correção
quinidina, fentoína, entre muitas outras), sendo geralmente da disfunção plaquetária é a medida terapêutica obrigatória,
revertida com a suspensão da droga em questão. A púrpura devendo ser obtida pela hemodiálise ou a diálise peritoneal,
trombocitopênica trombótica e a síndrome hemolítica urêmica realizadas tanto no pré-operatório quanto no pós-operató-
são tratadas por plasmaférese e reposição de plasma fresco rio21,50. Outras medidas, entre as quais a eritropoetina recom-
congelado. Uma causa relativamente freqüente de plaqueto- binante, a desmopressina (DDAVP) e o crioprecipitado,
penia no pós-operatório mais tardio é a sepse pós-operató- podem ainda ser utilizadas nos pacientes urêmicos com san-
ria. A plaquetopenia é observada em mais da metade (56%) gramento refratário, resultando em correção do tempo de
dos pacientes com bacteremia, e se apresenta como a única sangramento. A elevação do hematócrito, pela eritropoetina
anormalidade na coagulação que pode ser detectada em um recombinante ou por transfusões, freqüentemente corrige o
número significante de pacientes sépticos. Em alguns pa- tempo de sangramento, provavelmente pela melhora da ade-
cientes, a plaquetopenia pode ser um indicador precoce da são das plaquetas, pela maior proximidade com o endoté-
instalação de sepse pós-operatória5,16. lio50. A desmopressina (0,3 mg/kg, EV) pode melhorar o
tempo de sangramento em pacientes urêmicos pelo estímu-
DISFUNÇÃO PLAQUETÁRIA lo da liberação do fator de von Willebrand pelas células en-
doteliais36,37. O crioprecipitado também pode corrigir o TS em
Drogas: A disfunção plaquetária induzida por diversas pacientes urêmicos, podendo também ser empregado nos
drogas é comum. A aspirina é a droga mais freqüentemente casos de sangramento de risco37,55.
associada à disfunção plaquetária, pela acetilação e inativa- A circulação extracorpórea, pode induzir disfunção pla-
ção da ciclooxigenase, a responsável pela conversão do áci- quetária pelo grande contato do sangue nas superfícies dos
do aracdônico para prostaciclinas e tromboxane-A 2 , tubos e membranas sintéticas que podem desencadear a

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ativação e degranulação das plaquetas e diminuir a capaci- A CIVD é uma condição com muitas causas desencade-
dade de agregação plaquetária posterior. Também a hipoter- antes potenciais nos pacientes submetidos a cirurgia da aor-
mia, a heparinização e a hemodiluição da circulação ta torácica. As causas mais freqüentes são as lesões
extracorpórea contribuem para a disfunção plaquetária15,67. teciduais graves por isquemia prolongada e posterior reper-
Na imensa maioria dos pacientes, o sangramento é discreto, fusão, choque hipovolêmico, cardiogênico ou séptico, e rea-
e as alterações laboratoriais mais freqüentemente observa- ções transfusionais. Em condições normais, os fatores de
das são discretos prolongamentos do TP e TTPa ou TCA, coagulação necessitam de uma superfície fosfolipídica para
e plaquetopenia discreta, ao redor de 150.000/mm3. Quando interagir, limitando o coágulo ao local da lesão. Na CIVD, os
o TTPa e TCA estão muito alargados, a provável causa é o mecanismos que mantém o coágulo localizado estão compro-
excesso de heparina circulante, devendo ser tratado com metidos, pois os fosfolipídios circulam difusamente4,16,46,60,65.
sulfato de protamina15. Se estas alterações laboratoriais fo- Na cirurgia da aorta de emergência, na qual há choque por
rem observadas em pacientes com sangramento significati- sangramento maciço, isquemia de membros, intestino ou
vo, deve ser realizada a transfusão de 10 unidades de outros territórios, ocorre situação semelhante à observada
plaquetas, mesmo que não haja plaquetopenia. O uso de em politraumatizados graves, que podem apresentar CIVD
plasma fresco congelado e crioprecipitado pode ser neces- pela liberação de grandes quantidades de tromboplastina
sário, e idealmente baseado em alterações laboratoriais. O tecidual, um fosfolípide tecidual, pelos tecidos lesados, es-
diagnóstico rápido e a intervenção específica imediata são pecialmente pelo tecido cerebral traumatizado, ossos longos
absolutamente fundamentais para a sobrevida dos pacientes fraturados e musculatura esquelética isquêmica ou esmaga-
submetidos a cirurgia cardíaca e com sangramento ativo pro- da16. Problemas obstétricos bem-definidos podem desenca-
vocado por alterações da coagulação. Sempre que houver dear CIVD, incluindo o descolamento de placenta, a embolia
sangramento maciço, deve ser considerada uma causa mecâ- por líquido amniótico, o abortamento séptico e o feto morto
nica e a reoperação para exploração e correção devem ser fei- retido4,16,60,65. Septicemia ou infecções pré- ou pós-operató-
tas sem demora, para minimizar as conseqüências das rias graves podem desencadear CIVD. A presença de imuno-
transfusões maciças e do consumo e perda de fatores de coa- complexos e bactérias no sangue desencadeia a agregação
gulação e plaquetas16,46. plaquetária e a exposição do fosfolipídio plaquetário, o fator pla-
quetário três, difusamente na corrente sangüínea5,34.O mes-
COAGULAÇÃO INTRAVASCULAR DISSEMINADA mo pode ser observado quando existe a exposição de
extensas áreas de endotélio, como nas queimaduras. Entre
O tratamento da coagulação intravascular disseminada outras causas clássicas de CIVD incluímos o veneno de co-
(CIVD) ou mais apropriadamente denominada coagulopatia bras e a infusão, mesmo de mínimos volumes, de sangue in-
de consumo, é extremamente complexo e a mortalidade asso- compatível, com os fosfolipídios liberados pelas células
ciada é muito elevada. Como a CIVD apresenta fatores predis- hemolisadas. Particularmente no paciente anestesiado, a rea-
ponentes bem-definidos e pode ocorrer de modo progressivo, ção transfusional pode ser mascarada, e deve ser suspeita-
freqüentemente a partir de condições existentes não adequa- da por hipotensão e sangramento súbitos durante a infusão
damente tratadas, a prevenção desta catástrofe deve ser sem- de sangue e derivados4,16,60,65. Cirurgias complexas, como as
pre exercitada em qualquer paciente cirúrgico em risco4,16,60,65. cirurgias vasculares de grande porte, podem desencadear
A identificação precoce e o tratamento imediato da CIVD são
CIVD quando realizadas em pacientes em choque e/ou quan-
mandatários, pois a CIVD entra em um ciclo vicioso, autoper-
do o procedimento é tecnicamente difícil, envolvendo perío-
petuante, que deve ser interrompido.
dos prolongados de isquemia e subseqüente reperfusão.
A CIVD é principalmente mediada pela atividade da Com a redução do fluxo, por pinçamento de uma grande ar-
trombina, que desencadeia a clivagem do fibrinogênio em
téria ou por choque, ocorre uma tendência à coagulação di-
monômeros de fibrina, ativa as plaquetas e os fatores V e
fusa, principalmente na extensa microcirculação lentificada.
VIII, libera tromboplastina tecidual das células endoteliais
Quando existe estabilidade hemodinâmica e fluxo microcircu-
gerando plasmina, que por sua vez cliva a fibrina e o fibri-
latório adequado, os fatores de coagulação ativados são
nogênio, gerando mais PDFs e inativação adicional dos fa-
diluídos pelo fluxo e filtrados pelo sistema reticuloendotelial,
tores V e VIII. O sangramento na CIVD é multifatorial, pelo
consumo do fibrinogênio, dos fatores V e VIII e das plaque- combatendo a tendência à coagulação difusa, simultanea-
tas, assim como pela fibrinólise excessiva e pela interferên- mente à ação da fibrinólise4,16,60,65. Quando os mecanismos
cia dos PDFs na polimerização dos monômeros de fibrina. naturais de prevenção da coagulação difusa são superados,
Entretanto, o balanço entre a trombina e a plasmina pode o sistema fibrinolítico é crítico em determinar a tendência ao
pender para a formação da trombose intravascular em vias sangramento ou trombose. Se os PDFs acumulam, a tendên-
e artérias. A trombose pode ocorrer precocemente, promo- cia ao sangramento existe66. Por estes motivos, considera-
vendo hipoperfusão e isquemia de órgãos tais como os rins, mos extremamente importante a manutenção da volemia e da
cérebro e adrenais, entre outros. Geralmente, estes dois fe- estabilidade hemodinâmica em todo o paciente potencial-
nômenos ocorrem simultaneamente, a coagulação inapropria- mente portador de condições predisponentes à CIVD.
da e descontrolada, pelo excesso de trombina, e a contínua A apresentação clínica da CIVD depende da intensidade
fibrinólise, pelo excesso de plasmina sistêmica4,16,60,65. e do fator desencadeante do processo. Apesar de manifes-

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tações isquêmicas poderem ser identificadas, na grande maio- do apresenta deficiência de plaquetas e dos fatores V e VIII.
ria das vezes predomina o sangramento, manifestando-se A perda de sangue reposta com este sangue estocado com-
como petéquias de surgimento espontâneo, sangramento de promete a eficácia da coagulação. Na presença de sangra-
mucosa, hemorragia intrapulmonar, intracraniana ou gastrin- mento e transfusões, a plaquetopenia, mesmo não muito
testinal, que podem ser maciços16. Deve ser sempre suspei- grave (cerca de 100.000 mm3), quando associada a deficiên-
tada nos pacientes com sangramento difuso e que não cias mesmo discretas dos fatores de coagulação, pode de-
receberam transfusão maciça ou anticoagulantes e sem he- sencadear a descompensação grave da hemostasia25,35. Além
patopatia. Os achados típicos laboratoriais incluem a redu- da coagulopatia dilucional, estes pacientes apresentam po-
ção do fibrinogênio, plaquetopenia precoce, elevação dos tencial para CIVD, reações transfusionais e imunológicas,
PDFs, e TP e TTPa aumentados. Se o sistema fibrinolítico já assim com hipotermia e outros distúrbios metabólicos16,17,65.
estiver ativado, podem ser observadas reduções no plasmi- Assim como na CIVD, a coagulopatia dilucional mani-
nogênio e na α2-antiplasmina4,16,60,65. Entretanto, em cerca de festa-se por sangramento difuso em superfícies cruentas, na
metade dos pacientes com CIVD, o fibrinogênio pode estar orofaringe, tubo orotraqueal ou em pontos de inserção de
em níveis satisfatórios, por produção aumentada na sepse ou cateter. Os exames laboratoriais caracteristicamente revelam
durante a gestação. A plaquetopenia é sempre observada; em contagem de plaquetas inferior a 100.000/mm3. O TS pode
mais da metade dos casos, a contagem é menor do que estar aumentado, desproporcional aos níveis de plaquetas,
50.000/mm3. O D-dímero está sempre aumentado na CIVD, por disfunção plaquetária. Os fatores V e VIII são reduzidos
porém pode também aumentar no tromboembolismo venoso, pela diluição, porém, em virtude da grande reserva orgânica
enquanto os PDFs, por serem metabolizados no fígado, po- destes fatores, o TP e TTPa apresentam aumentos geralmen-
dem acumular na disfunção hepática4,16,17,65. te discretos. O fibrinogênio pode estar normal ou discretamen-
A presença de PDFs e queda do fibrinogênio auxiliam na te diminuído17,35,65. Estes dados laboratoriais descartam CIVD
diferenciação entre a CIVD e a coagulopatia da transfusão e nas outras coagulopatias, os níveis de plaquetas podem es-
maciça. Nas doenças hepáticas, diferentemente da CIVD, a tar normais. A principal medida terapêutica é a reposição de 10 U
contagem plaquetária e do fibrinogênio geralmente estão de plaquetas, precedidas de duas a quatro unidades de plas-
preservadas ou discretamente reduzidas. Os portadores de ma fresco congelado. Crioprecipitado deve ser utilizado na
deficiência de vitamina K possuem níveis de plaquetas e fi- presença de fibrinogênio baixo49,65. O uso profilático de deri-
brinogênio normais. Pacientes em uso de aspirina, os porta- vados do sangue na transfusão maciça é controverso. Alguns
dores de hiperfibrinólise, e os heparinizados, apresentam autores recomendam a reposição de 1 U de plasma fresco con-
contagem plaquetária normal65. gelado para cada 4 U de concentrado de glóbulos transfun-
Conforme mencionado, a identificação e controle do lo- didas e 10 U de plaquetas para 10 U de glóbulos49.
cal de ativação plaquetária e liberação de tromboplastina é
de importância óbvia. De modo igualmente importante, de- HEPATOPATIAS E DEFICIÊNCIA DE VITAMINA K
vem ser restauradas a volemia e a estabilidade hemodinâmi-
ca, e corrigidas a acidose e hipotermia. A reposição de O fígado é um órgão fundamental para a coagulação,
plaquetas, de plasma fresco congelado, corrigindo os fato- sendo responsável pela síntese dos fatores V, VII, IX, X, XI,
res da coagulação, e de crioprecipitado, para repor fibrino- XII, XIII, fibrinogênio I, protrombina II, além da antitrombi-
gênio e fator VIII, devem ter como objetivo a manutenção de na III e de componentes do sistema fibrinolítico, incluindo
níveis de plaquetas superiores a 100.000/mm3, um TTPa na o plasminogênio e a antiplasmina-α2. O fígado também é res-
faixa de normalidade, e níveis de fibrinogênio superiores a ponsável pela depuração, tanto de fatores de coagulação
200 mg/dL16,17,65. Estes valores devem ser checados 30 minu- ativados quanto de ativadores do plasminogênio e dos
tos após as reposições e a cada seis horas, como intervalo PDFs. A disfunção da hemostasia na obstrução biliar e na
mínimo. O uso de ácido aminocapróico, bloqueador da fibri- hepatopatia crônica é complexa, multifatorial16. Na obstrução
nólise, é contra-indicado na CIVD, pois a fibrinólise desen- biliar, a redução de oferta de sais biliares à luz intestinal com-
cadeada pela coagulação é um mecanismo de defesa. O uso promete a absorção da vitamina K, lipossolúvel. Os primei-
de heparina é controverso, podendo ser seletivamente indi- ros fatores comprometidos na disfunção hepática são os
cado na púrpura fulminante, reduzindo a mortalidade de 90% dependentes da vitamina K (II, VII, IX e X), com resultante
para 18%. Ocasionalmente pode ser indicada na CIVD desen- prolongamento do tempo de protrombina2,33. Na doença he-
cadeada por feto morto retido e na síndrome de Kasabach- pática por cirrose, hepatite crônica ativa, insuficiência hepá-
Merritt (hemangionas gigantes). É contra-indicada na CIVD tica, ou nos grandes tumores hepáticos, a função hepática
na hepatopatia, na septicemia e nas outras complicações fica comprometida. Nestas condições, a redução da remoção
obstétricas, assim como em todo paciente com sangramen- de fatores de coagulação ativados pode precipitar a coagu-
to intracraniano, intrapericárdico ou intrapulmonar4,16,17,65. lação intravascular, com consumo de fatores que já apresen-
tavam produção deficiente. Estes eventos, associados à
TRANSFUSÃO M ACIÇA redução da depuração dos PDFs, que circulam inibindo a po-
limerização da fibrina e a função plaquetária, contribuem para
A causa principal da coagulopatia desencadeada por a coagulopatia4,33. A vitamina K é obtida pela ingestão de
múltiplas transfusões é a diluição de plaquetas e fatores da vegetais e pela síntese endógena pela flora intestinal58. A
coagulação35,65. Após 48 horas da coleta, o sangue estoca- deficiência de vitamina K pode ser ainda observada na des-

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nutrição prolongada, nas fístulas biliares, nas síndromes de sangue controla o sangramento. O uso de ácido aminoca-
má-absorção, nas diversas hepatopatias, no uso de antibioti- próico, no caso de hiperfibrinólise, pode ser perigoso, pois
coterapia de amplo espectro prolongada, e no uso de anticoa- pode potencializar a trombose na microcirculação se houver
gulantes orais2,61. Portanto, pacientes cirúrgicos recebendo CIVD associada. Concentrados de fatores II, VII, IX e X são
drogas que esterilizam a flora intestinal no pré-operatório e geralmente contra-indicados, pois podem desencadear CIVD
aqueles em jejum prolongado, com a continuação de antibió- por conter fatores ativados, pouco tolerados nos portado-
ticos de amplo espectro, são potenciais candidatos a defi- res de hepatopatia, pela deficiência de antitrombina III e de-
ciências de vitamina K2,58,61. puração hepática reduzida de fatores ativados4,17,33.
O quadro clínico da coagulopatia associada à disfunção A deficiência de vitamina K, nas situações de urgência,
hepática e à deficiência de vitamina K inclui sangramento em deve ser tratada pela injeção intravenosa de vitamina K (10 a
qualquer local, mais freqüentemente epistaxe, hemorragia diges- 20 mg) que deve normalizar o TP em 36 horas. Na presença de
tiva, sangramentos em pontos de acesso venoso ou biópsias, sangramento abundante, além da vitamina K endovenosa, de-
ou sangramentos maciços após cirurgia biliar ou hepática. vem ser administradas de duas a quatro unidades de plasma
Os pacientes com doença hepática apresentam caracte- fresco congelado, permitindo a correção da coagulopatia41,61.
risticamente o TP mais prolongado do que o TTPa, que pode
ser normal nas fases precoces. Os níveis de fibrinogênio HIPERFIBRINÓLISE
podem ser normais ou reduzidos, conforme a gravidade da
hepatopatia. Também a contagem plaquetária pode ser nor- A fibrinólise sistêmica é causada principalmente pela li-
mal, ou pode estar reduzida, se existir esplenomegalia. O TT beração maciça do ativador tecidual do plasminogênio pelo
pode ser normal ou aumentado. endotélio, responsável pela conversão do plasminogênio em
plasmina, lisando os tampões plaquetários e o fibrinogê-
Os pacientes com deficiência de vitamina K têm como
nio4,14,65. Hiperfibrinólise é também uma manifestação fre-
característica o TP maior do que o TTPa e as dosagens de
qüente de CIVD, principalmente nos que apresentam
plaquetas, fibrinogênio e TT são normais, auxiliando na di-
descompensação hepática grave. A hiperfibrinólise pode
ferenciação com as hepatopatias53.
ocorrer ainda em quadros de hipertermia grave, parada car-
O sangramento conseqüente à hepatopatia é controla- díaca e circulação extracorpórea. Alterações laboratoriais
do com grandes volumes de plasma fresco congelado para comuns na hiperfibrinólise incluem o prolongamento do TP,
corrigir o TP. Em virtude da meia-vida de seis horas do fa- TTPa e TT, com redução do fibrinogênio4,65. O objetivo do
tor VII, a infusão de plasma fresco pode ser necessária a cada tratamento é a interrupção do processo fibrinolítico, a depu-
seis horas. Vitamina K deve ser administrada a todos com ração dos PDFs pelo sistema reticuloendotelial e a restaura-
sangramento61. Transfusão de plaquetas e de crioprecipita- ção dos níveis de fibrinogênio. O fibrinogênio é restaurado
do podem ser necessárias na plaquetopenia e quando o fi- com crioprecipitado e o ácido aminocapróico pode ser utili-
brinogênio é baixo, respectivamente41-43. zado para interromper a ação da plasmina, em uma dose de
Todo portador de sangramento e hepatopatia deve ser 5 g intravenoso, com 1 g/hora por 24 horas45,52.
avaliado laboratorialmente para excluir a presença concomi- A Tabela 19.2 resume a meia-vida, os níveis para he-
tante de CIVD ou hiperfibrinólise, pelo tempo de lise da eu- mostasia operatória e as opções de reposição dos diversos
globina16,53,65. Geralmente o tratamento com os derivados do fatos de coagulação.

Tabela 19.2
Meia-Vida, Níveis para a Hemostasia Operatória e Opções de Reposição dos Diversos Fatores de Coagulação

Fator 1/2-Vida Hemostasia Reposição


I-fibrinogênio 3 a 4 dias 100 mg/dL plasma fresco congelado; crioprecipitado
II-protrombina 2 a 5 dias 20% a 40% plasma fresco congelado; crioprecipitado
V 15 a 36 h < 25% plasma fresco congelado; plaquetas
VII 4a7h 10% a 20% plasma fresco congelado; concentrado de fatores
VIII 9 a 18 h >80% plasma fresco congelado; crioprecipitado; concentrado de fatores
IX 20 a 24 h > 50% concentrado de fatores; plasma fresco congelado
X 32 a 48 h 10% a 20% plasma fresco congelado; concentrado de fatores
XI 40 a 80 h 15% a 25% plasma fresco congelado; concentrado de fatores
XII 48 a 52 h nenhum desnecessária
XIII 12 dias < 5% plasma fresco congelado; crioprecipitado
von Willebrand 4a8h 25% a 50% crioprecipitado; concentrado de fatores; plasma fresco congelado

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DERIVADOS DO SANGUE E DROGAS suspensas em plasma, para manter um pH maior do que seis,
preservando as funções plaquetárias e de fatores de coagu-
O tratamento eficaz da coagulopatia intra- e pós-opera- lação durante o armazenamento. Os concentrados de plaque-
tória depende da utilização racional e seletiva dos derivados tas contêm pelo menos 5,5 × 1010 plaquetas. As transfusões
do sangue e de drogas, pois além dos benefícios inquestio- de plaquetas são indicadas em todo sangramento intra e
náveis, todos possuem efeitos colaterais potencialmente pós-operatório significativo, atribuído à disfunção plaquetá-
graves41-43. ria ou à maioria das causas de plaquetopenia. Entretanto, a
transfusão de plaquetas pode ser contra-indicada ou forne-
SANGUE TOTAL ce benefício mínimo na plaquetopenia induzida por púrpura
trombocitopênica idiopática, púrpura trombocitopênica trom-
Uma unidade de sangue total, cerca de 500 mL, contém bótica e no hiperesplenismo, pela rápida destruição das pla-
hemácias (hematócrito 35% a 40%) e os elementos do plas- quetas transfundidas. Na CIVD, a transfusão de plaquetas
ma. O sangue fresco, com menos de 24 horas, raramente está deve ser paralela ao tratamento da causa desencadeante e
disponível em virtude da necessidade de realizar os diversos perpetuante, pois as plaquetas transfundidas podem ter eficá-
testes de compatibilidade e das diversas doenças passíveis cia limitada pela interferência dos PDFs na adesão e agregação
de serem transmitidas pela transfusão, o que leva pelo me-
plaquetária. O uso profilático é ocasionalmente recomendado,
nos 15 horas. O sangue total pode ser armazenado por até
principalmente quando a contagem plaquetária é inferior a
35 dias, porém, após 24 horas, perde leucócitos, plaquetas,
20.000/µL ou menor que 50.000/µL antes de procedimentos
e a atividade dos fatores V e VIII. Os fatores II, VII, IX e X
cirúrgicos43. Uma unidade de plaquetas eleva, em um pacien-
e os linfócitos viáveis persistem durante o armazenamento,
te adulto, a contagem plaquetária entre 5.000 a 10.000/µL.
enquanto as hemácias entram em glicólise anaeróbica para
Uma estimativa grosseira da necessidade de plaquetas para
gerar ATP, que é insuficiente. Além do aumento dos níveis
a hemostasia é de 1 U/10 kg. A sobrevida das plaquetas cir-
de potássio pelo comprometimento da bomba sódio-potás-
sio, ocorre acúmulo de lactato, redução do pH e conseqüente culantes pode ser afetada por sangramento continuado,
redução da 2,3-DPG, limitando a liberação tecidual de oxigê- hiperesplenismo, febre e infecção, entre outras. A contagem
nio. Após a transfusão, entre três e oito horas, 50% do 2,3- de plaquetas deve ser realizada mais freqüentemente, ori-
DPG é regenerado. Existem poucas indicações para o uso de entando a necessidade de transfusões adicionais. As pla-
sangue total no paciente cirúrgico. A principal é o sangra- quetas apresentam as reações e riscos semelhantes às
mento maciço em paciente necessitando imediata expansão observadas com as transfusões de hemácias41-43.
volêmica com capacidade de transportar oxigênio. O sangue
total deve ser compatível com o tipo sangüíneo. Em um adul- CONCENTRADO DE PLAQUETAS POR AFERESE
to de 70 kg, uma unidade de sangue total eleva a hemoglo-
bina em 1 g/dL e o hematócrito em até 3%. As reações As plaquetas por aferese são obtidas de um doador
adversas não são freqüentes, porém podem ser muito graves, apenas, contendo de 3 a 6 × 1011 plaquetas suspensas em
incluindo reação hemolítica quando a transfusão for incom- 200 a 400 mL de plasma fresco. Uma unidade equivale a seis
patível, febre, reações alérgicas, bacteremia, transmissão de unidades de plaquetas randômicas. A indicação primária de
doenças, sobrecarga, volume, edema pulmonar e insuficiên- plaquetas por aferese é a presença de anticorpos HLA por
cia renal42. transfusões prévias. Uma unidade de plaquetas por aferese
eleva a contagem plaquetária em 30.000 a 60.000/µL. Assim,
como a transfusão de plaquetas randômicas, a transfusão de
CONCENTRADO DE HEMÁCIAS
plaquetas por aferese deve ser direcionada pela resposta clí-
Uma unidade de concentrado de hemácias, preparada nica e pela contagem plaquetária, realizada pelo menos após
pela centrifugação de sangue total, é utilizada para incremen- uma, 12 e 24 horas. As reações e riscos também são seme-
tar a capacidade de transporte de oxigênio nos pacientes ci- lhantes. Por este motivo, plaquetas devem ser transfundidas
rúrgicos com coagulopatia, sendo capaz de aumentar o apenas quando claramente indicadas e na quantidade menor
hematócrito de um adulto de 70 kg, em 3% por unidade trans- possível para atingir uma hemostasia adequada43.
fundida. Deve ser compatível com o tipo sangüíneo do pa-
ciente e pode ser armazenado por até 40 dias, sofrendo as PLASMA FRESCO CONGELADO
alterações do 2-3,DPG, do equilíbrio ácido-base e dos eletró-
litos semelhantes às descritas com o sangue total. Também O plasma fresco congelado é preparado a partir de san-
as reações adversas são semelhantes, porém o risco de so- gue total, até seis horas após a coleta e armazenado a -18oC.
brecarga de volume é menor42. O volume de cada unidade é de 200 a 250 mL, contendo to-
dos os fatores de coagulação em níveis adequados para a
CONCENTRADO DE PLAQUETAS RANDÔMICAS hemostasia, incluindo 200 a 400 mg de fibrinogênio. O plas-
ma não deve ser usado como expansor plasmático e como
Concentrados de plaquetas são preparados a partir de fonte de nutrição. Deve ser usado para repor a deficiência de
sangue total, logo nas primeiras horas após a coleta. São fatores de coagulação em pacientes com sangramento intra-

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ou pós-operatório secundário a CIVD, hepatopatia, transfu- ria genética, o risco de transmissão de doenças tem sido re-
são maciça e outras coagulopatias dilucionais41. A transfu- duzido acentuadamente.
são de plasma fresco congelado é o tratamento de eleição
para a reversão emergencial dos efeitos de anticoagulantes VITAMINA K
orais. Pacientes com deficiência de antitrombina III também
podem ser beneficiados com a transfusão de plasma. A quan- A vitamina K age pela carboxilação dos fatores já sin-
tidade de plasma necessária para fornecer níveis hemostáti- tetizados e armazenados no fígado, e que são liberados cer-
cos dos fatores é de cerca de 10 a 15 mL/kg. A reposição é ca de seis horas após a infusão parenteral de vitamina K. A
direcionada pelo TTPa e, principalmente, pelo TP. Reações normalização do tempo de protrombina ocorre geralmente
e riscos são semelhantes aos da transfusão de hemácias e após 24 horas58. Por este motivo, para reverter rapidamente
plaquetas41-43. efeitos de anticoagulantes orais, deve ser utilizado plasma
fresco congelado.
CRIOPRECIPITADO
PROTAMINA
O crioprecipitado é preparado a partir de plasma fresco
recongelado. Uma unidade de crioprecipitado contém um O sulfato de protamina liga-se à heparina, revertendo
volume entre 10 a 15 mL, e contém 80 a 120 U do fator VIII:C, sua ação anticoagulante por permitir que a antitrombina III
55 mg de fibronectina, 150 a 250 mg de fibrinogênio, cerca de retorne ao seu estado inativo. A ação da protamina deve ser
40% a 70% do fator de von Willebrand e 20% a 30% do fa- monitorada pelo TCA e pela avaliação da resposta clínica44.
tor XIII presentes no plasma fresco congelado inicial. Cerca de 10 mg de protamina são empregados para a rever-
O crioprecipitado é utilizado para tratamento de formas são da ação de cada 1.000 U heparina. Entretanto, como a
graves de hemofilia A, nos quais os níveis de fator VII:C po- meia-vida da heparina é muito curta, com o passar do tem-
dem ser menores do que 1%, desencadeando sangramento po, menos protamina é necessária, porém deve ser sempre
espontâneo. Quando os níveis forem ao redor de 5%, ocor- monitorizada. A protamina pode desencadear colapso hemo-
re sangramento aos mínimos traumas. Para procedimentos dinâmico e morte, pela associação de hipotensão sistêmica
cirúrgicos, é recomendado no mínimo níveis de fator VIII:C com hipertensão pulmonar24,38 . Anafilaxia franca também
de 50%. A duração do tratamento é determinada pelo sangra- pode ser desencadeada, principalmente em pacientes com
mento e por medidas do fator VIII27. antecedentes de alergia. Adicionalmente, a própria protami-
O crioprecipitado também é o tratamento de escolha no na pode ter efeitos anticoagulantes via inibição do fator te-
tratamento da doença de von Willebrand, pois contém am- cidual. Portanto, o uso de protamina deve ser rigidamente
bos fator VIII:C e fator de von Willebrand. A dose do crio- monitorizado e ser reservado a pacientes com sangramento
precipitado depende da gravidade do sangramento, e 1 U/10 kg relacionado ao uso de heparina.
é a dose usual, podendo ser repetida a cada 8 a 12 horas. A
resposta é monitorada pelo tempo de sangramento e melhora DESMOPRESSINA
clínica36.
Sangramento associado a baixos níveis de fibrinogênio, O acetato de desmopressina (DDAVP) é um análogo
provocados por CIVD, hepatopatias e diversas desfibrino- sintético da vasopressina, que possui um potente efeito he-
genemias, também são tratados com crioprecipitado. Níveis matológico e discreto efeito vasoconstritor. O DDAVP au-
de fibrinogênio ao redor de 100 mg/dL são geralmente sufi- menta os níveis dos fatores VIII e de von Willebrand,
cientes para a hemostasia, e o tratamento deve ser direcio- melhorando a adesividade plaquetária ao endotélio lesa-
nado pelas dosagens laboratoriais. Entretanto, nas situações do37,55. O DDAVP pode ser particularmente útil no sangra-
de emergência, o emprego de uma dose inicial empírica de 8 U mento por disfunção plaquetária associada à uremia e à
de crioprecipitado é considerado adequado4,41.Também no circulação extracorpórea36,56. O DDAVP aumenta muito rapi-
sangramento associado à uremia, a infusão de 10 U de crio- damente os níveis de fator VIII e von Willebrand, sugerin-
precipitado contribui para a hemostasia29. As reações e riscos do que o mecanismo de ação do DDAVP é pela estimulação
com o uso de crioprecipitado são semelhantes às observa- da liberação de moléculas pré-formadas. Desta maneira, o
das com a transfusão de sangue e outros derivados. DDAVP reduz o TS. Como o DDAVP tem efeitos antidiuréti-
cos, o sódio sérico e a osmolaridade devem ser monitorados.
CONCENTRADO DE FATORES O uso profilático de DDAVP não é recomendado55.

Concentrado de fatores específicos, especialmente os AGENTES ANTIFIBRINOLÍTICOS


fatores VIII e IX, pode estar indicado para cirurgias eletivas
em portadores de deficiência específica, principalmente he- O uso de agentes antifibrinolíticos é reservado para
mofilia A27. Apresenta risco elevado de transmissão de do- os pacientes com suspeita de fibrinólise primária. O áci-
enças, principalmente hepatite, pois são obtidos a partir de do aminocapróico e a aprotinina bloqueiam diretamente o
plasma de múltiplos doadores. Recentemente, por engenha- plasminogênio e também a ação da plasmina na fibrina e no

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Tabela 19.3
Principais Agentes Empregados no Tratamento das Coagulopatias Intra- e Pós-Operatórias

Agentes Ação Principais Indicações Dose

Concentrado de hemácias Reposição de hemácias Aumentar capacidade de 1U (350 mL) aumenta o


transporte de O 2 hematócrito em 3%

Plaquetas Reposição plaquetas e diversos Restaurar número e/ou função 1 U (50 mL) aumenta de 5 a
fatores de coagulação plaquetária. 10.000/µL
Deficiência inespecífica de
fatores da coagulação

Plasma fresco congelado Repõe fatores da coagulação, TP prolongado, deficiência 250 mL/U
exceto V e VIII antitrombina III, reversão
anticoagulação oral

Crioprecipitado Fatores VIII e von Willebrand, Tratamento da 20 mL contêm 200 mg de


fibriogênio hipofribrinogenemia fibrinogênio e 70 U de fator VIII

Hemofilia A
Concentrado de fatores Deficiências específicas de
fatores

Vitamina K Estimula fatores II, VII, IX e X Hepatopatia anticoagulantes 10 a 20 mg EV


orais, TP

Protamina Antagonista da heparina Reversão heparinização, TTPa 10 mg/10.000 U de heparina


prolongado

Ácido aminocapróico Inibidor do plasminogênio Fibrinólise primária 0,1 mg/kg ataque, 1 g/h

Aprotinina Inibidor da plasmina Fibrinólise primária

fibrinogênio. Alguns autores recomendam a aprotinina para de coagulação é fundamental para o tratamento planejado e oti-
a redução de sangramento nas reoperações cardiovascula- mizado da coagulopatia intra- e pós-operatória.
res, entretanto existem dúvidas quanto ao seu uso profiláti-
co1,52. Agentes antifibrinolíticos não devem ser utilizados na REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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203
20 Ferimento Cardíaco Penetrante

Álvaro Razuk
José Gustavo Parreira
Samir Rasslan

RESUMO Beck, em 19265 , sugeriu que o histórico do tratamento


dos ferimentos cardíacos penetrantes fosse dividido em três
A maioria das vítimas de ferimentos cardíacos não so- períodos. No primeiro, as feridas cardíacas eram considera-
brevive o suficiente para receber atendimento médico. Con- das invariavelmente letais, o que perdurou até o século
tudo, com a melhoria do atendimento pré-hospitalar, um XVII. No segundo período, a observação e a experimentação
número crescente de casos alcança os hospitais com vida. foram os pontos principais, investigando-se a possibilidade
Cerca de 60% encontram-se estáveis hemodinamicamente à de tratamento das lesões cardíacas. O terceiro iniciou-se em
admissão. Na maioria, são portadores de lesões simples e de 1882, com o reparo cirúrgico destas lesões.
fácil tratamento. Entretanto, para o bom prognóstico, são A primeira descrição de um ferimento cardíaco foi feita
necessárias: avaliação diagnóstica precisa, rápida indicação no século 9 A.C., por Homero. Em sua obra, a Ilíada, descre-
cirúrgica e técnica operatória adequada. A apresentação clí- veu que os movimentos do coração eram trasmitidos através
nica destes doentes varia de ausência de sintomas ao cho- de uma lança que transfixou o coração de Alkathoos5. Aris-
que hemorrágico profundo e à parada cardiorrespiratória. tóteles afirmou: “O coração, de todas as vísceras, é a úni-
Desta forma, todas as vítimas de ferimentos torácicos sus- ca que não suporta lesões. Isto é esperado já que a maior
peitos devem ser investigadas prontamente. Os métodos fonte de força (o coração) é destruída e não há ajuda para
diagnósticos mais utilizados são o ultra-som e a janela peri- os outros órgãos que dependem dela”5. Larrey, em 1829,
cárdica. A toracotomia ântero-lateral esquerda é a via de aces- descreveu o primeiro caso de lesão de pericárdio que se
so mais empregada, e deve ser escolhida principalmente nos curou, “retirando-se um líquido colorido por meio de uma
casos de instabilidade hemodinâmica. A sutura do ferimen- sonda introduzida pelo orifício de um ferimento por arma
to é suficiente para o tratamento da maioria dos doentes que branca no tórax”5.
alcançam o serviço hospitalar. O prognóstico varia com o O tratamento das lesões cardíacas, na primeira metade
mecanismo de trauma, câmaras lesadas, gravidade da lesão do século XIX, era absolutamente conservador e consistia
e deterioração fisiológica à admissão. Este capítulo discute na aplicação de sanguessugas, venossecção e passagem de
o mecanismo de trauma, apresentação clínica, métodos diag- cateteres ou sondas através do orifício da lesão para evacuar
nósticos, tratamento, complicações e prognóstico dos feri- o líquido intrapericárdico4. A maior casuística nesta época
mentos cardíacos penetrantes. foi de Fischer, em 1868, cuja análise de 452 casos demons-
trou apenas 10% de recuperação4.
INTRODUÇÃO Os primeiros experimentos em suturar os ferimentos car-
díacos foram realizados por Block, em 188225. Os ferimentos
As lesões cardíacas são a causa de 10% das mortes em eram feitos experimentalmente em coelhos e, a seguir, sutu-
vítimas de ferimentos por projéteis de arma de fogo1. A maio- rados. Iniciava-se, assim, o período da sutura cardíaca. En-
ria das vítimas de ferimentos cardíacos morre logo após o tretanto, esta prática encontrou opositores em grandes
trauma, e apenas um pequeno número chega a receber tra- cirurgiões da época, como Billrooth (1883), que não se mos-
tamento médico. Contudo, a melhoria do atendimento pré- trou favorável a este tipo de conduta3.
hospitalar aumentou a freqüência dos que são admitidos em Em 1895, Cappelen descreveu o primeiro ferimento car-
serviço hospitalar in extremis. díaco suturado em humanos5. Foi seguido, em 1896, pelos

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205
relatos de Farina e Rehn5. O doente tratado por Rehn, víti- fogo3,4. Ambos podem ser graves e letais, contudo, algu-
ma de ferimento por arma branca no ventrículo direito, foi mas diferenças ocorrem em relação à dissipação de ener-
operado somente no segundo dia após a lesão em decorrên- gia local.
cia de descompensação hemodinâmica e recebeu alta hospi- Os ferimentos causados por arma branca (FAB) são li-
talar em bom estado. Pela primeira vez um cirurgião obteve mitados ao trajeto do instrumento. Normalmente, um cone
sucesso no reparo de uma lesão cardíaca. com base no orifício de entrada representa a área com pos-
Dez anos após realizar a primeira sutura cardíaca com síveis lesões internas. Já os ferimentos causados por pro-
sucesso, Rehn (1907) publicou uma revisão de 124 casos, com jéteis de arma de fogo (FPAF), além de produzirem lesões
taxa de sobrevida de 40%25. Costa9, em uma revisão sobre a ao longo do trajeto que percorrem (cavitação definitiva),
história da cirurgia cardíaca no Brasil, relatou que, em 1905, podem lesar estruturas vizinhas por dissipação de energia
João Alves de Lima seria o primeiro a praticar a sutura cardíaca (cavitação temporária)3,25. As lesões resultantes dependem
em nosso país, cuja comunicação médica foi assim feita: da massa, morfologia, deformação e fragmentação do pro-
“Encontrávamo-nos à porta da sala de operação jétil, além da resistência dos tecidos a sua passagem25. A
da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, no cavitação temporária pode atingir 10 a 20 vezes o diâmetro
dia 16 de agosto de 1905, quando percebemos um do projétil3,4.
fiacre entrando no hospital, transportando um Dessa forma, os ferimentos por projéteis de arma de fogo
doente,... Aproximamo-nos da viatura e, pelo san- causam grandes lacerações no pericárdio e nas câmaras car-
gue que manchava suas roupas, vimos que se tra- díacas, com predomínio dos sintomas relacionados à hemor-
tava de um ferido, com aspecto moribundo.... ragia. Já os ferimentos por arma branca são acompanhados
Cortamos suas vestes, eis o que constatamos: um por tamponamento cardíaco em 80% a 90% dos casos10.
ferimento na região lateral esquerda do esterno,
Atualmente, com a melhoria do atendimento pré-hospita-
ao nível da quarta costela, aonde escapava certa
lar, mais doentes vítimas de ferimentos cardíacos têm chegado
quantidade de sangue rutilante, o pulso era imper-
aos hospitais com vida. No passado, havia um predomínio
ceptível e havia esfriamento dos segmentos, palidez
das vítimas de FAB12. Entretanto, autores como Naughton
lívida, estado sincopal, quase a morte. Diagnosti-
encontraram predomínio de doentes vítimas de FPAF em sua
camos imediatamente um ferimento do coração e,
casuística20. A melhoria no atendimento pré-hospitalar fica
malgrado a imensa gravidade, acreditamos que
clara na nossa instituição. Na primeira série publicada por
uma intervenção de urgência absoluta era a úni-
ca maneira de evitar a morte iminente. Começamos Coimbra e col., em 1995, havia predomínio de FABs, enquanto,
por fazer uma incisão no sentido do ferimento,... em 1999, encontramos números semelhantes entre as vítimas
Limpamos rapidamente o campo e uma ferida do de FABs e FPAFs8,25. Coimbra e col. relataram mortalidade
pericárdio apresentou-se a nossa vista... ampliamos de 83% nos FPAFs e 44% nos FABs. Provavelmente, a maior
verticalmente a fenda do pericárdio e o coração nos mortalidade está associada a lesões mais graves nas vítimas
apareceu recoberto de uma grande quantidade de de FPAF8.
coágulos. Neste momento os batimentos cardíacos Por estar localizado anteriormente, o ventrículo direito
cessaram. Esvaziamos o pericárdio de todos os co- é a câmara mais freqüentemente lesada, especialmente nos
águlos e fizemos massagem no coração, que reini- ferimentos por arma branca12. Lesões internas são raras nos
ciou os batimentos e ao mesmo tempo tornou-se admitidos em serviços hospitalares, visto que a maioria dos
mais difícil ver o ferimento cardíaco;... encontra- doentes com acometimento de valvas e septo morre no local29,30.
mos uma ferida no ventrículo esquerdo, medindo As lesões das artérias coronárias também não são freqüentes,
mais ou menos 14 mm no sentido vertical, baban- mas são consideradas graves já que podem apresentar san-
do sangue. Imediatamente fizemos um ponto de ca- gramento volumoso ou provocar isquemia miocárdica.
tgut que nos serviu de ponto de apoio para chuleio
que assegurou definitivamente a hemostase da fe- ÍNDICES DE GRAVIDADE E CLASSIFICAÇÃO
rida do miocárdio.”
O doente sobreviveu apenas uma hora. A classificação de gravidade das lesões cardíacas pro-
Somente após duas décadas surgem novos registros de posta pelo Comitê de Trauma do Colégio Americano de Ci-
casos de sutura cardíaca em nosso meio. O primeiro caso de rurgiões é a mais empregada atualmente (Tabela 20.1)17. A
sucesso foi em 17 de novembro de 1927, tratado por Sílvio gravidade das lesões está estratificada em seis graus, o que
Brauner, no pronto-socorro do Rio de Janeiro9. dá parâmetro para comparação entre diferentes séries de li-
teratura, além do seu valor diagnóstico. Existe também um
MECANISMO DE TRAUMA índice específico para o prognóstico dos doentes com trau-
ma cardíaco, o Penetrating Cardiac Trauma Index, que tem
Os mecanismos mais freqüentes são as lesões por sido empregado em análise de resultados de tratamento em
arma branca (perfurocortantes) e projéteis de arma de diversas séries (Tabela 20.2)13,22.

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206
Tabela 20.1
Classificação das Lesões Cardíacas Segundo o Comitê de Trauma do Colégio Americano de Cirurgiões17

Grau Descrição

I • Trauma fechado menor com alteração eletrocardiográfica


• Trauma penetrante ou fechado com lesão pericárdica, sem lesão cardíaca, tamponamento ou herniação associados

II • Trauma cardíaco fechado com bloqueio (ramo ou AV) ou alterações isquêmicas ao ECG, mas sem insuficiência cardíaca
• Trauma penetrante em miocárdio, sem comprometer a espessura total da parede, sem tamponamento associado

III • Trauma cardíaco fechado com extra-sístoles ventriculares (> 5/minuto)


• Trauma cardíaco fechado com lesões internas, sem insuficiência cardíaca
• Laceração pericárdica com hérnia cardíaca associada
• Contusão miocárdica com instabilidade hemodinâmica
• Trauma penetrante com lesão miocárdica de espessura parcial, associada a tamponamento cardíaco

IV • Trauma fechado ou penetrante com lesões internas e insuficiência cardíaca


• Trauma fechado ou penetrante associado à insuficiência mitral ou aórtica
• Lesão de espessura total em átrio direito, ventrículo direito ou átrio esquerdo

V • Trauma fechado ou penetrante com lesão coronariana proximal


• Lesão de espessura total em ventrículo esquerdo
• Lesão estrelada de átrio direito, ventrículo direito ou átrio esquerdo, com menos de 50% de perda de tecido

VI • Avulsão cardíaca
• Lesão com perda de mais de 50% de tecido de uma câmara

* Avançar um grau para lesões múltiplas.

Tabela 20.2 admitidos em hospitais, 60% apresentam-se estáveis hemo-


Índice de Traumatismo Cardíaco Penetrante13 dinamicamente4,8,12,25. Existem principalmente três apresenta-
ções observadas na prática diária:
Grau Descrição
a) doentes com ferimentos precordiais, mas sem sintomas;
1 Tangencial, envolvendo pericárdio ou miocárdio b) tamponamento cardíaco, seja na sua forma compen-
parcialmente sada (estabilidade hemodinâmica) ou descompensada (ins-
tabilidade hemodinâmica);
2 Lesão de uma única câmara à direita
c) hemotórax, freqüentemente associado com instabi-
3 Lesões múltiplas de uma única câmara lidade hemodinâmica.
Não são raros os casos de vítimas de ferimentos car-
4 Várias câmaras, átrio esquerdo isolado ou ventrículo
díacos que estão assintomáticas à admissão3,11,20,29. Isto
esquerdo isolado
ocorre com o tamponamento do ferimento pela parede ven-
5 Lesão coronariana, defeito intracardíaco grande tricular (mais espessa) ou mesmo pelo sistema de baixas
pressões das câmaras direitas. Portanto, a simples presença
de ferimento precordial penetrante traz a necessidade de in-
APRESENTAÇÃO CLÍNICA vestigação objetiva por exames complementares para excluir
a possibilidade de lesão interna24.
Os ferimentos cardíacos penetrantes, como os traumas O tamponamento cardíaco, com sua tríade clássica:
em geral, ocorrem na população jovem, na fase produtiva da abafamento de bulhas, estase jugular e hipotensão arterial,
vida12,22,23,27,29. A média etária na nossa instituição é de 30,8 foi descrito por Beck5 em 1926. O diagnóstico precoce de
anos, com predomínio do sexo masculino (83% dos casos)25. um tamponamento cardíaco é essencial para prevenir isque-
A apresentação clínica das vítimas de ferimentos cardíacos mia miocárdica e morte por tamponamento não-aliviado (in-
varia da estabilidade hemodinâmica ao colapso cardiovascu- suficiência cardíaca restritiva). A hemorragia dentro do saco
lar com parada cardiorrespiratória22,25. Isto depende de vários pericárdico pode ser inicialmente tolerada. Entretanto, este
fatores como o mecanismo de trauma, a câmara cardíaca le- período de tamponamento compensado pode deteriorar
sada, a extensão do ferimento, o tempo entre trauma e admis- quando o acúmulo de sangue no saco pericárdico ultrapas-
são, a presença de tamponamento cardíaco e a presença de sa os limites de distensão do mesmo. Esta restrição mecâni-
lesões cardíacas internas. ca resulta em dificuldade de contração miocárdica e prejudica
Cerca de 80% das vítimas de ferimentos cardíacos mor- o enchimento das câmaras cardíacas, levando à diminuição
rem antes de alcançar atendimento médico12,20. Dos que são do débito cardíaco e da perfusão coronariana19.

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207
Razuk, em 1999, encontrou a tríade de Beck em apenas
10% dos doentes com ferimentos cardíacos atendidos no
Servico de Emergência da Santa Casa de São Paulo25. Anali-
sando isoladamente cada componente da tríade, observou-se
que 40,3% dos doentes apresentavam abafamento de bulhas
cardíacas na admissão e 30% apresentavam estase de veia
jugular.
Moreno e col.19, em 1986, afirmaram que a presença do
tamponamento cardíaco seria um fator crítico e determinante
na sobrevida dos doentes com ferimentos cardíacos pene-
trantes. Estes autores demonstraram uma taxa de sobrevida
de 73% nos doentes com tamponamento e de apenas 11%
naqueles sem tamponamento cardíaco. Entretanto, estudos
mais recentes não demonstram diferença estatisticamente
significativa na presença de tamponamento cardíaco como
fator preditivo de sobrevida dos doentes6,7,8. Provavelmen- Fig. 20.1 — Ferimento precordial em doente assintomático, portador
te, a explicação para esta diferença de resultados esteja no de lesão em ventrículo direito.
fato de não existirem estudos que definam o exato momen-
to em que o tamponamento cardíaco perde o seu efeito pro-
tetor (contra a exsanguinação) e torna-se deletério, levando A B
ao choque cardiogênico.
Já os doentes com hemorragia podem apresentar-se
nos mais variados graus de choque hemorrágico, desde
apenas taquicárdicos e sem hipotensão arterial até choque
extremo com ausência de pulso. De nota, sabe-se que a
análise do estado fisiológico na admissão tem importan-
te valor prognóstico. Utilizamos o Índice Fisiológico pro-
posto por Ivatury e col.13 para a classificação dos doentes
Fig. 20.2 — Radiografias de tórax (PA e perfil) demonstrando projétil
à admissão:
de arma de fogo em mediastino, cujo orifício de entrada foi em he-
• Choque profundo — quando a pressão arterial sistó- mitórax esquerdo. Nota-se também dreno de tórax locado e área de
lica estiver menor que 80 mmHg, porém os mesmos perma- contusão pulmonar.
necem conscientes.
• Agônicos — doente semiconsciente, pulso fino e rá-
A área de maior risco para lesões cardíacas é delimita-
pido, respiração agônica e sem pressão arterial.
da cranialmente por uma linha que passa no segundo espaço
• Fatais — quando os doentes se apresentam incons- intercostal, o limite caudal está no décimo espaço intercos-
cientes, sem sinais vitais, porém apresentavam sinais de vida tal e os limites laterais direito e esquerdo são, respectiva-
durante o transporte. mente, as linhas paraesternal direita e axilar anterior24. Cerca
• Mortos ao chegar — doentes sem sinais vitais ou de de 70% dos doentes com lesões cardíacas têm os ferimentos
vida na admissão ou durante o transporte. localizados nesta porção da parede torácica25. Este quadri-
Esta classificação, em conjunto com o mecanismo de látero é conhecido como Área de Ziedler e aproximadamen-
trauma, também é útil para indicação de toracotomia na sala te 30% das vítimas de ferimentos neste local apresentam
de emergência, como será exposto adiante. ferimentos cardíacos (Fig. 20.1)24.
Os estudos radiológicos, quando realizados, não são espe-
cíficos para feridas cardíacas (Fig. 20.2). A radiografia de tórax é
DIAGNÓSTICO normal em mais de 80% dos casos24. Achados como aumento da
Devemos suspeitar do ferimento cardíaco nos doentes área cardíaca, pneumopericárdio e projétil sobre a área cardíaca
vítimas de ferimento penetrante na face anterior do tórax, podem indicar, mas não definir, a lesão24. Portanto, exames mais
sensíveis e específicos são necessários. São as opções para a
mesmo assintomáticos. Em nosso serviço, é obrigatória a in-
avaliação diagnóstica nos doentes assintomáticos:
vestigação objetiva de possíveis lesões cardíacas em vítimas
de ferimentos penetrantes que possam ter atingido o me- • Janela pericárdica subxifóidea.
diastino. Desta forma, doentes com ferimentos por arma • Janela pericárdica transdiafragmática.
branca na face anterior do tórax, ou mesmo ferimentos por • Ultra-sonografia bidimensional transtorácica.
projéteis de arma de fogo que transfixam o mediastino são • Ecocardiografia transesofágica.
submetidos a exames complementares, mesmo estando as- • Focused Assessment Sonography for Trauma (FAST).
sintomáticos (Figs. 20.1 e 20.2). • Janela pericárdica por videotoracoscopia.

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A janela pericárdica tem sido utilizada de forma ampla lesão cardíaca, a instabilidade hemodinâmica pode ser um
para diagnóstico do ferimento cardíaco penetrante no Servi- sinal maior de lesão e o cirurgião deve pensar basicamente
ço de Emergência da Santa Casa de São Paulo8,24,25. Usual- em três opções:
mente é realizada por via subxifóidea, porém, nos doentes • Focused Assessment Sonography for Trauma (FAST).
submetidos a laparotomia exploradora, pode ser realizada • Toracotomia de emergência.
através do acesso transdiafragmático. Por proporcionar vi-
• Pericardiocentese.
sualização direta do saco pericárdico, possui sensibilidade
e especificidade próximas a 100%, sendo considerada padrão Nas vítimas de ferimentos de Área de Ziedler instáveis
ouro no diagnóstico dos ferimentos cardíacos4,7,24. Entretan- hemodinamicamente, a visualização de líquido no pericárdio
to, na nossa instituição, apenas 30% dos doentes submeti- pelo FAST é um sinal maior de lesão, e a operação está in-
dos a este procedimento possuem lesão cardíaca24. Trata-se dicada. Caso o cirurgião não disponha do FAST e o paciente
de procedimento invasivo, que deve ser realizado em centro apresente sinais de tamponamento cardíaco clássico, ou
cirúrgico e com anestesia geral. Desta forma, traz riscos de mesmo hemotórax rapidamente progressivo, também há ne-
lesões iatrogênicas. Atualmente, buscam-se formas menos cessidade de tratamento cirúrgico. Neste caso, a toracotomia
agressivas para o diagnóstico de ferimentos cardíacos em de emergência está indicada.
doentes assintomáticos. A pericardiocentese é, nos dias atuais, utilizada apenas
A ecocardiografia bidimensional avalia presença de der- como manobra de salvamento proporcionando alívio do tam-
rame pericárdico, sendo necessários apenas 50 mL de líqui- ponamento cardíaco descompensado. É preconizada pelo
do no saco pericárdico para o diagnóstico16. curso ATLS (Advanced Trauma Life Support) do Colégio
Quando comparado com a janela pericárdica, a ecocar- Americano de Cirurgiões2. Deve ser evitada com o propósi-
diografia tem especificidade de 97% e sensibilidade de 90% to de diagnóstico, já que apresenta resultado falso-positivo
na identificação de ferimentos cardíacos penetrantes3,16. Tra- em até 50% e falso-negativo próximo a 37%10. Além disso, a
ta-se de um método não-invasivo, mas que apresenta limita- agulha de punção pode causar arritmias, lesão de artéria co-
ções, como disponibilidade do aparelho e ser operador ronária ou de miocárdio10. Portanto, indicamos a pericardio-
dependente3,16. A sensibilidade diminui quando há hemotórax centese (punção de Marfan) apenas em casos especiais,
ou alterações da parede torácica, como no enfisema subcu- quando há instabilidade hemodinâmica e alta chance de
tâneo3,16. Nestes casos, o ecocardiograma transesofágico tamponamento cardíaco, mas a toracotomia não pode ser
demonstrou melhores resultados3,16. Contudo, além da di- realizada por algum motivo específico (falta de material cirúr-
ficuldade técnica na realização do ecocardiograma transe- gico ou preparo técnico da equipe).
sofágico em traumatizados, ainda há a dificuldade na
visualização do ápice do ventrículo esquerdo, fatos que li- TRATAMENTO
mitam a utilização deste método na urgência16.
Uma opção para o cirurgião geral é o FAST28. Trata-se VIAS DE ACESSO
de um exame ultra-sonográfico realizado na sala de emergên-
cia pelo próprio cirurgião, com objetivo de visualizar líquido O tratamento difinitivo para os ferimentos cardíacos é a
intrapericárdico28. É um método rápido, com sensibilidade sutura. A via de acesso para a cavidade torácica é de extrema
superior a 90% e que pode ser repetido rotineiramente28. O importância já que, se for adotada a incisão inadequada, o ci-
treinamento é importante na diminuição da curva de apren- rurgião não terá oportunidade para uma segunda escolha.
dizado, pois a acurácia é diretamente relacionada à experiên- A esternotomia mediana é a incisão de escolha nos
cia e à capacidade do examinador. O problema deste exame doentes hemodinamicamente estáveis, pois permite exposi-
está nos falso-negativos que, apesar de raros, podem trazer ção ampla do coração e do mediastino. Porém, há alguns
conseqüências desastrosas para o paciente. problemas na sua utilização em trauma. Apesar de ser exce-
Nos casos de ferimentos na Área de Ziedler e suspeita lente para acesso do coração e dos grandes vasos, não per-
de lesões diafragmáticas (ferimentos de transição toracoab- mite a avaliação e o tratamento de lesões em mediastino
dominal esquerda), a janela pericárdica por videotoracosco- posterior e espaços pleurais. Outra limitação é o grau de
pia é uma boa opção18. Este é o método de escolha para contaminação freqüentemente observado nestas situações
avaliação de lesões diafragmáticas nestas situações, o que críticas. Sabe-se que a infecção de ferida e osteomielite de
permite também a observação direta do pericárdio. Morales esterno são problemas sérios após esternotomia e, em trau-
e col.18, em 1997, propuseram a janela pericárdica através da ma, nem sempre as técnicas de assepsia são ideais. Outro
torascoscopia e observaram sensibilidade de 100% e espe- problema é o tempo para realização da esternotomia. Na maio-
cificidade de 96%. ria dos serviços de emergência de nosso país não se dispõe
Uma outra situação é a avaliação diagnóstica em doen- de serras específicas de esternotomia, e a serra de Gigli é a
tes instáveis hemodinamicamente. Em trauma, a hipotensão opção. Desta forma, em doentes instáveis hemodinamica-
arterial persistente é um sinal maior de gravidade, quando mente, a esternotomia mediana pode dispensar um tempo
hemorragia grave deve ser suspeitada. Desta forma, não há valioso para o controle da hemorragia e o alívio do tampo-
tempo para realização de exames. Nos casos de suspeita de namento cardíaco. Portanto, indicamos a esternotomia em

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209
trauma nas vítimas de ferimentos por arma branca de parede cardíaco pode ser controlado com compressão digital na
anterior do tórax que estejam estáveis hemodinamicamente. maioria das vezes, tomando-se o cuidado para não aumen-
Toracotomia ântero-lateral esquerda é a incisão prefe- tar o diâmetro do orifício. Se houver dificuldades, uma son-
rencial para controle da hemorragia nos doentes que são da de Foley é passada pelo ferimento e mantida tracionada
admitidos em choque ou in extremis. Proporciona acesso para hemostasia temporária.
rápido à cavidade torácica, permite controle da hemorragia, Na nossa instituição, se houver possibilidade, optamos
alívio do tamponamento cardíaco, massagem cardíaca inter- por transferir doentes críticos para a sala operatória de ime-
na, pinçamento da aorta descendente e do hilo pulmonar, se diato, já que a mortalidade é de duas a seis vezes maior nas
necessário14,26. Esta toracotomia pode ser prolongada atra- toracotomias realizadas na sala de emergência25. Entretanto,
vés do esterno para o tórax à direita, com ampla exposição quando ocorre piora acentuada da condição hemodinâmica
do mediastino anterior, do pericárdio e de ambas as cavida- ou há indicação de toracotomia de reanimação, a mesma é
des torácicas (bitoracotomia). Trata-se da via de acesso mais realizada na sala de emergência.
freqüentemente empregada em nosso serviço8,25.
TRATAMENTO DAS LESÕES CARDÍACAS
TORACOTOMIA DE REANIMAÇÃO
A maioria das vítimas de ferimentos cardíacos que são
A toracotomia na sala de emergência para a reanimação submetidas a tratamento cirúrgico possui lesões de simples
é um procedimento cirúrgico que deve ser indicado seletiva- tratamento3,4. Grande parte dos que têm lesões internas, em
mente. Não mais que 7% dos doentes submetidos a este pro- várias câmaras e em coronárias, morre antes de receber tra-
cedimento sobrevivem26. Por outro lado, os custos e gastos tamento médico.
associados a esta conduta, bem como a chance de contami- O saco pericárdico, geralmente, encontra-se distendido
nação da equipe cirúrgica são fatores relevantes. e de coloração azulada. O mesmo deve ser incisado longitu-
Uma análise detalhada dos resultados de literatura é dinal e anteriormente ao nervo frênico. O coágulo só deve
necessária para compreensão do papel da toracotomia de ser removido quando o material para sutura estiver prepara-
reanimação. A letalidade depende do mecanismo de trauma, do. Além disso, após a abertura do pericárdio, a luxação do
órgãos lesados e estado fisiológico à admissão6,13. Os melho- coração deve ser feita sem manobras abruptas, pois a tração
res resultados são em vítimas de ferimentos por arma bran- excessiva pode levar a arritmias ou rotura da junção da veia
ca, com sobrevivência de 17%, seguida das vítimas de FPAF, cava superior com o átrio direito.
com 4% e, finalmente, o trauma fechado, com 1%26. Quando Quando há sangramento ativo pelas câmaras cardíacas,
comparamos os órgãos lesados, observamos que o maior algumas manobras podem ser realizadas. Um dos métodos
número de sobreviventes tinha lesão cardíaca isolada26. Em mais utilizados é a compressão digital da fenda12,15,21. A in-
relação ao estado fisiológico proposto por Ivatury e col.26, trodução do dedo dentro da ferida ventricular é perigosa
sabe-se que a sobrevivência após toracotomias de reanima- podendo romper o miocárdio. Esta manobra pode funcionar
ção em mortos ao chegar é anedótica, em doentes “fatais” nas lesões atriais, nas quais se confecciona sutura em bol-
chega a 8% e, em “agônicos”, é 12%. Portanto, os melhores sa ao redor do dedo21. Outra opção é o uso de uma sonda
resultados estão associados a vítimas de ferimentos de arma de Foley, sendo o balão insuflado e tracionado levemente21.
branca em tórax, que são admitidos com sinais de vida na Esta manobra, além de promover hemostasia temporária, au-
sala de emergência, especialmente se o coração for o órgão xilia na reposição volêmica que pode ser realizada através da
lesado26. sonda (Fig. 20.3). Alguns autores sugerem o uso de grampos
A via de acesso de escolha é a toracotomia ântero-la- de pele (grampeador) para a hemostasia temporária em le-
teral esquerda (Fig. 20.3). O posicionamento do membro su- sões ventriculares29. Nas lesões atriais, um clamp de Sa-
perior esquerdo acima do ombro esquerdo é importante para tinsky pode ser aplicado para controlar o sangramento da
a abertura dos espaços intercostais. Normalmente, o primeiro ferida, com sutura subseqüente12,21.
passo é uma rápida avaliação do trajeto e dos possíveis ór- Existem outras manobras arriscadas para reduzir o san-
gãos acometidos. O pulmão é mobilizado para fora do tórax, gramento, que devem ser reservadas apenas para casos es-
expondo o mediastino posterior. Se houver ferimento de hilo peciais. Uma delas é a manobra de Sauerbruch, que consiste
pulmonar ou suspeita de embolia aérea, a aplicação de clamp na introdução do terceiro dedo da mão esquerda no seio
no hilo pulmonar é recomendada. A aorta descendente é transverso, seguido da compressão das veias cavas, átrio
identificada, isolada e ocluída por clamp específico. Impor- direito e veias pulmonares pelos terceiro, quarto e quinto
tante é ressaltar a possibilidade de lesão de vasos intercos- dedos esquerdos situados no fundo de saco de Henle, en-
tais ou esôfago durante o isolamento da aorta. Portanto, não quanto o indicador e o polegar fixam a massa ventricular3,21.
é necessário o isolamento da aorta em toda a sua circunferên- A circulação extracorpórea raramente é necessária. Che-
cia, mas apenas nas faces anterior e posterior para a aplicação ga a ser utilizada em menos de 5% dos casos de traumatis-
do clamp. Abre-se o saco pericárdico longitudinal e ante- mo cardíaco30. Geralmente é empregada quando há lesões
riormente ao nervo frênico esquerdo, iniciando-se a massa- complexas, como as que acometem o septo, as coronárias ou
gem cardíaca interna. Sangramento ativo pelo ferimento na presença de corpo estranho intracavitário.

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210
A B

C D

Fig. 20.3 — Toracotomia de reanimação. A. Toracotomia ântero-lateral esquerda. B. Clampeamento de aorta torácica descendente. C. Massagem
cardíaca interna. D. Controle da hemorragia por sutura de ventrículo direito e introdução de sonda de Foley em lesão de átrio direito.

As feridas atriais devem ser suturadas com pontos se- amplamente aberto ou o mesmo pode ser fechado. A aproxima-
parados ou sutura contínua com fio de polipropileno 4.0. As ção deve ser parcial, livre de coágulos, assegurando-se que o
lesões ventriculares são suturadas com pontos separados e espaçamento entre os pontos de sutura não permita a saída da
passados na espessura total do miocárdio para evitar a for- ponta do coração e aparecimento de hérnia cardíaca.
mação de pseudo-aneurismas. Alguns cuidados devem ser Nos casos de ferimentos torácicos nos quais os instru-
tomados nas lesões ventriculares: os pontos não devem ser mentos perfurocortantes se encontram fixos no tórax, é re-
apertados mais que o necessário para coaptar as bordas da comendada a retirada em centro cirúrgico, sob anestesia geral
lesão, evitando isquemia miocárdica. Devem-se ancorar os e visão direta do mesmo (Fig. 20.5). Nestes casos, tanto a ví-
pontos com fragmentos de músculo livre, pericárdio, pericár- deo toracoscopia como a toracotomia são opções. Desta
dio bovino ou material sintético (teflon 2 mm ou dacron) para forma, evita-se o destamponamento de eventuais lesões que
evitar cortar o músculo cardíaco no momento de apertar o possam sangrar ativamente.
nó (Fig. 20.4). Ferimentos próximos às artérias coronárias
devem ser passados sob o vaso, na forma de pontos em “U”. COMPLICAÇÕES
Os ramos distais das artérias coronárias podem até ser liga-
dos, porém lesões tronculares devem ser reparadas. Os doentes operados devem ser avaliados no pós-ope-
As lesões internas podem ser presumidas no ato opera- ratório com exame físico, enzimas cardíacas, eletrocardiogra-
tório pela presença de frêmito. As lesões mais freqüentes são ma (ECG) e ecocardiograma. O ECG tem-se mostrado
septais, que não precisam ser corrigidas na fase aguda obriga- inespecífico para avaliar a extensão da lesão miocárdica ou
toriamente. O ideal seria melhorar as condições clínicas dos presença de lesões residuais. Em nosso serviço, cerca de 50%
doentes para um tratamento definitivo, mas isto é decidido caso dos doentes apresentaram alterações no segmento ST25. As
a caso. Ao final do procedimento, podemos deixar o pericárdio enzimas cardíacas estão elevadas em quase todos os doentes.

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211
A B

Fig. 20.4 — Síntese de lesão cardíaca com pontos ancorados. A. Ponto em U sobre pericárdio bovino. B. Sutura de lesão extensa de miocárdio
sobre malha de teflon.

foi a mesma (entre direito e esquerdo) e não houve diferen-


ça estatística nas taxas de mortalidade25. Não há dúvida que
os ferimentos de múltiplas câmaras cardíacas possuem maio-
res taxas de mortalidade30.
As lesões de artérias coronárias são observadas em tor-
no de 6% dos casos e apresentam taxa de mortalidade de 70%
(lesões tronculares)30. As lesões de septos interventriculares
ocorrem em torno de 1,5%, com taxa de mortalidade de 36%30.
Além das lesões anatômicas, um dos principais fatores
prognósticos é o estado clínico na admissão. Há uma corre-
lação forte com o índice fisiológico de Ivatury, que foi con-
firmado em nossa instituição25.
A presença da estase da veia jugular está relacionada
com menor mortalidade, possivelmente os doentes com es-
Fig. 20.5 — Instrumento fixo em tórax (empalamento).
tase jugular estão sob “efeito protetor” do tamponamento
cardíaco, o que evitaria a exsanguinação. O tempo que os
O ecocardiograma possui alto grau de sensibilidade e espe- doentes permaneceram em choque durante o ato operatório
cificidade para diagnóstico de alterações anatômicas. É importante e a presença de lesão vascular também influenciaram na mor-
para a identificação de lesões valvares, defeitos septais, aumen- talidade dos doentes25.
to de câmaras, derrame pericárdico e corpos estranhos. É obriga-
tório no pós-operatório precoce em nosso serviço. COMENTÁRIOS FINAIS
A presença de sangue no pericárdio pode desencadear
a síndrome pós-pericardiotomia, com dor local e febre, que é O aumento da violência interpessoal e a melhora do
tratada clinicamente com antiinflamatório não-hormonal e/ou atendimento pré-hospitalar estão trazendo mais doentes gra-
corticóide. Raramente há derrame pericárdico crônico. Das ves e instáveis hemodinamicamente aos centros hospitala-
complicações extracardíacas, as mais comuns são pulmona- res. Sem dúvida, quanto mais rápido o diagnóstico e o
res como broncopneumonia e atelectasia. tratamento de doentes com ferimentos cardíacos penetran-
tes, melhor o prognóstico e menor a mortalidade. Portanto,
é importante lembrar que:
PROGNÓSTICO
• Vítimas de ferimentos penetrantes em tórax com trajeto
Os doentes com ferimentos de ventrículo direito apre- mediastinal devem ser investigadas quanto à possibilidade
sentam probabilidade 4,8 vezes maior de sobrevida, quando de lesões cardíacas, mesmo estando assintomáticas.
comparados com lesões do ventrículo esquerdo6,8,10,14. A le- • A ultra-sonografia é um exame pouco invasivo, mas
talidade associada às lesões atriais é maior que a observa- não descarta a presença de lesão cardíaca.
da em lesões ventriculares, fato que pode ser explicado pela • A janela pericárdica (subxifóidea, transdiafragmática
parede fina dos átrios, a qual não permite tamponamento da ou por videotoracoscopia) é o exame-padrão-ouro para o
lesão. Na nossa instituição, a freqüência das lesões atriais diagnóstico dos ferimentos cardíacos penetrantes.

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212
• A janela pericárdica deve ser feita em centro cirúrgico, 12. Ivatury RR. Injury to the heart. In: Feliciano DV, Moore EE,
Mattox KL. Trauma. 3.ed. Connecticut: Appleton & Lange; 1996.
sob anestesia geral e com material de toracotomia preparado. p.409-22.
• A esternotomia deve ser reservada para doentes es- 13. Ivatury RR, Nallathambi MN, Stahl WM, Rohman M. Penetrating
táveis hemodinamicamente, com ferimentos por arma bran- cardiac trauma. Quantifying the severity of anatomic and physiologic
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ca em parede anterior do tórax. 14. Mattox KL, Beall Junior AC, Jordan Junior GL, De Bakey M.
• A toracotomia ântero-lateral esquerda, ou mesmo a bi- Cardiorraphy in the emergency center. J Thorac Cardiovasc Surg
toracotomia, se necessário, são empregadas nos instáveis 1974; 68: 886-95.
15. McNamara DA, Mccart C, Granell Ms, Vassia S, Prendergast P,
hemodinamicamente ou que apresentem ferimentos em me- Watson RG. Successful management of penetrating cardiac trauma
diastino posterior. in a regional hospital. Ir J Med Sci 2000; 169: 65-6.
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sala de emergência é a vítima de ferimento por arma branca a prospective study. J Trauma 1995; 39: 902-9.
em tórax, que se apresenta fatal ou agônico à admissão. 17. Moore EE, Cogbill TH, Malangoni MA, Jurkovich GJ, Shackford
• A maioria dos ferimentos cardíacos pode ser tratada SR, Champion HR et al. Organ injury scaling. Surg Clin North
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apenas com a sutura simples. Lesões internas ou coronaria- 18. Morales CH, Salinas CM, Henao CA, Patino PA, Munoz CM.
nas que requerem circulação extracorpórea são raras. Thoracoscopic pericardial window and penetrating cardiac trauma.
• O prognóstico depende diretamente do estado fisiológi- J Trauma 1997; 42: 273-5.
19. Moreno C, Moore EE, Majure JA, Hopeman AR. Pericardial
co, ou seja, o tratamento deve ser realizado antes da descom- tamponade. A critical determinant for survival following penetrating
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21 Tratamento Cirúrgico do Truncus Arteriosus

Miguel Lorenzo Barbero Marcial


Carla Tanamati

RESUMO lacionada à síndrome de DiGeorge, síndrome velocardiofa-


cial com alterações no metabolismo de cálcio13 e na popula-
O truncus arteriosus é uma anomalia cardíaca rara e re- ção de linfócitos T33.
presenta 1,1% a 2,5% das cardiopatias congênitas. Quando
não tratado, possui alta mortalidade (aproximadamente 50%
no primeiro mês de vida e 88% em um ano). O tratamento ci- ASPECTOS MORFOLÓGICOS
rúrgico deve ser indicado o mais precocemente possível para O truncus arteriosus é classificado de acordo com a
se evitar a doença vascular pulmonar irreversível. Nesse ca-
origem das artérias pulmonares do tronco comum12 ou com
pítulo revisaremos os aspectos anatômicos, clínicos e cirúr-
o grau de desenvolvimento da aorta ascendente e canal ar-
gicos dessa anomalia.
terial nos casos de artéria pulmonar única40.
Na classificação de Collett-Edwards, no tipo I existe um
INTRODUÇÃO tronco pulmonar curto que dá origem às artérias pulmonares
O truncus arteriosus é uma má-formação cardíaca rara direita e esquerda, sendo o tipo mais comum (69%)37. No tipo
com prevalência de 0,04 a 0,09 casos para cada 1.000 nasci- II, as artérias pulmonares originam-se próximas, lado a lado.
dos vivos8,15,19,24,30 e representa 1,1% a 2,5% das cardiopatias No tipo III, as artérias pulmonares originam-se bem separa-
congênitas. Anatomicamente, existe um tronco arterioso co- damente, lateralmente ao tronco comum (2%)38.
mum, que se inicia na base do coração através de uma val-
va truncal única e dá origem à circulação coronariana, VALVA TRUNCAL
sistêmica e a uma ou duas artérias pulmonares. Na maioria
dos casos, abaixo da valva truncal existe uma comunicação A valva truncal única é trivalvulada em metade a dois
interventricular ampla. terços dos casos e quadrivalvulada no restante7. Na maio-
A história natural é bastante desfavorável, com sobre- ria dos doentes que sobrevivem à infância, as cúspides são
vida no primeiro mês de 50%, 30% nos três meses subse- bem formadas. Em contrapartida, nos estudos de necrop-
qüentes, 18% aos seis meses e 12% no primeiro ano de sia34, em um terço dos casos são encontradas alterações mi-
vida11,18,25. A correção cirúrgica deve ser indicada o mais pre- xomatosas graves, principalmente nos óbitos neonatais, e
cocemente possível para se evitar a doença vascular pulmo- estão associadas à insuficiência da valva truncal.
nar irreversível.
COMUNICAÇÃO INTERVENTRICULAR
ASPECTOS MORFOGENÉTICOS
A comunicação interventricular é alta, justatruncal e
A deleção do cromossomo 22 q 11 está relacionada a geralmente ampla. Inferior e anteriormente é limitada pela
um significativo número de anomalias conotruncais. Apro- trabécula septomarginalis e posteriormente por uma ban-
ximadamente um terço dos doentes com truncus arteriosus da muscular que separa a valva truncal da valva tricúspide
apresenta esta alteração cromossômica21,31, e pode estar re- (fossa ventriculoinfundibular).

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215
A NOMALIAS A SSOCIADAS O tratamento cirúrgico consiste no fechamento da co-
municação interventricular, na divisão das artérias pulmona-
A associação mais freqüente é a interrupção do arco res do tronco comum e no restabelecimento da conexão entre
aórtico ou coarctação de aorta com persistência de canal ar- o ventrículo direito e as artérias pulmonares.
terial27. Arco aórtico à direita é a segunda associação mais
freqüente (25% a 35%)42. Anomalias de origem das artérias
H ISTÓRICO
subclávias podem estar presentes em 10%, assim como per-
sistência da veia cava superior esquerda (10%). Inicialmente, o tratamento cirúrgico consistia apenas na
bandagem de uma ou das duas artérias pulmonares23,36. A
QUADRO C LÍNICO primeira correção intracardíaca foi realizada por Behrendt7,
em 1962, através da interposição de um tubo não-valvulado
O quadro clínico é de insuficiência cardíaca congesti- de politetrafluorcarbono. McGoon e col.9,41, em 1967, foram
va com taquipnéia, taquicardia, cansaço e sudorese às ma- os primeiros a utilizar um homoenxerto aórtico para recons-
madas, baixo ganho ponderal e quadros de infecções trução da via de saída do ventrículo direito.
respiratórias de repetição. A cianose pode estar presente em A primeira correção na infância foi realizada em 1971 por
um terço dos casos e pode ser um sinal de hipertensão pul- Barratt-Boyes20, em uma criança de seis semanas de vida.
monar irreversível (Síndrome de Einsenmenger). Os resultados insatisfatórios dos condutos extracardía-
cos para estabelecimento da conexão ventrículo direito-
D IAGNÓSTICO artérias pulmonares, principalmente em neonatos motivou o
desenvolvimento de uma nova técnica de reconstrução da
Radiografia de Tórax via de saída do ventrículo direito através da conexão direta
com uso de monocúspide, idealizada por Barbero Marcial e
A radiografia de tórax mostra cardiomegalia acentuada col.3, em 1987, para o truncus tipo I e II da classificação de
e hiperfluxo pulmonar bilateral. Collett-Edwards.

CORREÇÃO COM CONDUTO E XTRACARDÍACO


Eletrocardiograma (OPERAÇÃO DE RASTELLI)
O eletrocardiograma mostra sobrecarga biventricular e Através de esternotomia mediana, as artérias pulmona-
sinais de hipertensão pulmonar (P pulmonale). res são dissecadas e cadarçada. Com auxílio de circulação
extracorpórea com canulação bicaval e da aorta ascendente
e hipotermia a 25oC, as artérias pulmonares são ocluídas tem-
porariamente, a aorta é pinçada e a solução cardioplégica a
Ecocardiograma
4oC administrada anterógradamente.
O ecocardiograma bidimensional confirma o diagnóstico O tronco pulmonar ou as artérias pulmonares direita e
demonstrando o tronco comum cavalgando a comunicação in- esquerda são ressecadas do tronco comum após cuidadosa
terventricular, a valva truncal única com anormalidades, a origem inspeção da origem dos óstios coronários e da valva trun-
das artérias pulmonares, coronárias e anomalias associadas. cal. O orifício de retirada é fechado com dupla sutura contí-
nua de polipropilene 4-0 ou 5-0 ou com colocação de um
remendo de pericárdio bovino.
Através de ventriculotomia direita longitudinal, a comu-
Cateterismo Cardíaco nicação interventricular é fechada com placa de pericárdio
bovino com sutura contínua com pledget de polipropilene 6-0.
O cateterismo cardíaco pode ser indicado para definição
das artérias pulmonares, arco aórtico e estado hemodinâmico. A reconstrução da via de saída do ventrículo direito é
realizada com interposição de um conduto extracardíaco val-
No truncus arteriosus existe um grande desvio de vulado, podendo ser de pericárdio bovino corrugado valvu-
sangue ventricular da esquerda para direita e pressão sis- lado4 ou homoenxerto pulmonar ou aórtico1,28,39 de diâmetro
têmica no ventrículo direito e artérias pulmonares. O hi- ideal para superfície corpórea14. A anastomose das artérias
perfluxo pulmonar mantém a saturação arterial de oxigênio pulmonares é feita com polipropilene 6-0. Na anastomose do
acima de 85%2. conduto de pericárdio bovino corrugado, o conduto é corta-
do de forma biselada a fim de permitir a anastomose direta no
TRATAMENTO CIRÚRGICO ventrículo direito com sutura contínua de polipropilene 5-0
com reforço de pericárdio bovino (Fig. 21.1). Na utilização de
A correção cirúrgica deve ser realizada o mais precoce- homoenxerto aórtico, a anastomose posterior da valva é rea-
mente possível devido à elevada mortalidade nos primeiros lizada com polipropilene 5-0 e na porção anterior, a cúspide
meses de vida (67% nos primeiros seis meses de vida)40 e ao anterior da mitral pode ser utilizada para anastomose com o
risco de desenvolvimento de doença vascular pulmonar ir- ventrículo direito ou com interposição de um enxerto triangular
reversível (Síndrome de Eisenmenger). de politetrafluorcarbono (PTFE) ou pericárdio bovino.

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Devido à alta incidência de reoperações, principalmen-
te se a primeira cirurgia for na fase neonatal, o pericárdio é
fechado para diminuir o risco de acidentes.

Fig. 21.2 — Operação de Barbero Marcial. Divisão do tronco comum.

A parede posterior da reconstrução da via de saída do


ventrículo direito é realizada com anastomose direta da face
inferior da artéria pulmonar esquerda e a face superior da
ventriculotomia (Fig. 21.3) com pontos separados de polipro-
pilene 7-0 com pledget.
Fig. 21.1 — Operação de Rastelli com conduto extracardíaco de pe-
ricárdio bovino corrugado valvulado.

CORREÇÃO SEM CONDUTO EXTRACARDÍACO


(TÉCNICA DE BARBERO-MARCIAL)

A correção sem conduto extracardíaco pode ser realiza-


da nos truncus tipo I e II de Collett-Edwards, na ausência de
hiper-resistência vascular pulmonar (índice de resistência vas-
cular pulmonar < 6 Wood units) e na ausência de coronária
esquerda cruzando a via de saída do ventrículo direito5.
Sob circulação extracorpórea a 20oC, canulação bicaval
e da aorta ascendente, a aorta é pinçada e as artérias pulmo-
nares cadarçadas. Uma incisão longitudinal é realizada no
tronco pulmonar e estendida em direção à artéria pulmonar
esquerda e ao seio esquerdo de valsalva após identificação
do óstio da coronária esquerda e da artéria pulmonar direi-
ta. Um enxerto de pericárdio bovino é suturado dividindo o
tronco comum em componentes aórtico e pulmonar, deixan-
do a valva truncal para a aorta (Fig. 21.2).
A ventriculotomia direita é realizada iniciando logo após
o seio esquerdo de valsalva em direção inferior e à esquerda.
Através do ventrículo direito, a comunicação interven-
tricular é fechada com uma placa de pericárdio bovino com Fig. 21.3 — Operação de Barbero Marcial. Reconstrução da parede
sutura contínua de polipropilene 5-0 ancorada com pledget. posterior da conexão ventriculopulmonar.

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217
Na reconstrução da parede anterior utiliza-se uma pla- Devido a estes achados, temos empregado a cardiople-
ca de pericárdio bovino com valva monocúspide porcina de gia sangüínea a 4oC com indução de 30 mL/kg e manutenção
tamanho ideal para a superfície corpórea, sendo anastomo- a cada 20 minutos de 20 mL/kg, proteção miocárdica tópica
sada com sutura contínua de polipropilene 6-0. Essa placa de com soro gelado e, se necessária, administração de cardio-
pericárdio bovino e colocada de modo a manter a valva mo- plegia retrógrada.
nocúspide ao nível da anastomose da parede posterior
(Fig. 21.4) para diminuir a insuficiência pulmonar residual.
ISQUEMIA MIOCÁRDICA PÓS-INDUÇÃO ANESTÉSICA

No truncus arteriosus existe uma interdependência en-


tre os fluxos sangüíneos sistêmico, pulmonar e coronariano.
Durante a indução anestésica pode haver significativa redu-
ção da pressão diastólica sistêmica secundária a vasodilatação
pulmonar provocada pelas drogas anestésicas43. Conse-
qüentemente existe redução da pressão de perfusão corona-
riana, aumento da tensão da parede ventricular com aumento
do consumo miocárdico.
Esta isquemia miocárdica, demonstrada pelo supradesni-
velamento do segmento ST ao eletrocardiograma pode levar
à parada cardíaca, se não identificada e tratada adequada-
mente. A única manobra eficaz para tratar a isquemia é a
oclusão parcial das artérias pulmonares para diminuir o “rou-
bo” de fluxo pulmonar e aumentar a pressão de perfusão sis-
têmica e coronariana. Outras manobras, como administração
de volume ou catecolaminas, não são efetivas.

INSUFICIÊNCIA DA VALVA TRUNCAL

Insuficiência da valva truncal ocorre em mais de 50%


dos doentes com truncus arteriosus e consiste em fator de
risco para mortalidade precoce e tardia16. Nos casos com re-
gurgitação moderada ou grave, a plastia da valva truncal ou
a troca valvar é mandatória17. A insuficiência é geralmente
Fig. 21.4 — Operação de Barbero Marcial. Reconstrução da parede
decorrente de retração das cúspides ou prolapso, dilatação
anterior com enxerto de pericárdio bovino com valva monocúspide. do anel ou alterações do tecido valvar.
A plástica da valva truncal deve ser realizada sempre
que possível, em especial em neonatos. As técnicas mais
Nos casos de truncus tipo II, as artérias pulmonares empregadas são a ressecção triangular e ressutura da cús-
são ressecadas do tronco comum e a neoaorta reconstruída pide com prolapso, plicatura intercomissural e plicatura trans-
com uma placa de pericárdio bovino. Devido à grande dis- ventricular do anel da valva.
tância entre o ventrículo direito e as artérias pulmonares, a
Nos casos não passíveis de plástica, a troca da valva
aurícula esquerda é utilizada para construção da parede pos-
terior da conexão ventriculopulmonar. O restante da opera- truncal por bioprótese, prótese mecânica ou homoenxerto
ção é similar ao do truncus tipo I. aórtico com ou sem ampliação do anel.

CONSIDERAÇÕES ESPECIAIS RESULTADOS

PROTEÇÃO M IOCÁRDICA OPERAÇÃO DE RASTELLI

Os lactentes com truncus arteriosus apresentam insu- A mortalidade hospitalar varia entre 11%9 a 29%32. No
ficiência cardíaca congestiva grave devido ao irrestrito hi- estudo de Rajasinghe e col.32 com seguimento de 165 pacien-
perfluxo pulmonar. Sawa e col.35 demonstraram alto grau de tes por 20 anos após alta hospitalar, mostra uma curva atua-
injúria celular com alterações mitocondriais, edema intrace- rial de sobrevida de 90% em cinco anos, 85% em dez anos e
lular e redução siginificativa dos grânulos de glicogênio em 83% após 15 a 20 anos de correção total. Entretanto a inci-
biópsias miocárdicas no truncus arteriosus. Essas alterações dência de reoperações por disfunção do conduto extracar-
podem ainda ser agravadas se não for realizada proteção díaco, seja aloenxerto ou xenoenxerto é de 50% em cinco
miocárdica adequada. anos e de 90% em dez anos.

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Brown e col.10 estudou 60 pacientes com truncus arteriosus 5. Barbero Marcial M, Tanamati C. Alternative non-valved techniques
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e num tempo de seguimento mediano de 9,4 anos, a sobre- Cardiovasc Surg Ped Cardiac Surg Annual 1999; 2:121-30.
vida em quatro meses foi de 82%, sem nenhum óbito tardio. 6. Becker AE, Becker MJ, Edwards JE. Pathology of the semilunar
A incidência de reoperações foi de 64% em sete anos e 36% valve in persistent truncus arteriosus. J Thorac Cardiovasc Surg
em dez anos. A troca de conduto foi maior nos homoenxer- 1971; 62: 16-26.
7. Behrendt DM, Kirsh MM, Stern A, Sigmann J, Perry B, Sloan H.
tos aórticos 55% versus 43% para os pulmonares, 80% para The surgical therapy for pulmonary artery-right ventricular
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neficência Portuguesa de São Paulo, foram operados 45 11. Calder L, Van Praagh S, Sears WP, Corwin R, Levy A. Truncus
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sem conduto extracardíaco. A média de idade foi de 4,1 anos, 12. Collett RW, Edwards JE. Persistent truncus arteriosus: a
variando de 23 dias a 11 meses. A maioria dos pacientes era classification according to anatomic types. Surg Clin North Am
do tipo I de Collett-Edwards. 1949; 29: 1245.
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O tempo de seguimento médio foi de 3,9 anos (dois anos in children with conotruncal cardiac defects. Circulation 1996;
a 11,4 anos). A mortalidade global foi de 28,8%, com mortali- 93: 1702-1708.
dade hospitalar de 24,4%, principalmente na fase inicial de ex- 14. Daubeney PE, Blackstone EH, Weintraub RG, Slavid Z, Scanlon
periência. Entre 1993 a 1996 a mortalidade hospitalar decresceu J, Webber SA. Relationship of the dimension of cardiac structures
to body size: an echocardiographic study in normal infants and
para 11,5%. A causa mais comum de óbito foi de baixo débito children. Cardiol Young 1999; 9: 402-10.
cardíaco e nos achados de autópsia foram encontrados infarto 15. Dickinson DF, Arnold R, Wilkinson JL. Congenital heart disease
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A maioria encontra-se em classe funcional I da NYHA, sem 17. Elkins RC, Steinberg JB, Razook JD. Correction of truncal valve
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A insuficiência pulmonar pós-operatória foi encontrada 18. Fontana RS, Edwards JE. A review of 357 cases studied pathologically.
em 18 pacientes (40%) sendo leve em dez (55,6%), modera- Congenital cardiac disease, p. 95. Philadelphia: WB Saunders;
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da em seis (33,3%) e grave em dois (11,1%). 19. Fyler DC, Buckley LP, Hellenbarnd WE. Infant heart disease,
Estenose pulmonar foi encontrada em sete pacientes congenital heart disease. New England Regional Program.
(23,3%), cinco do tronco pulmonar, uma da artéria pulmonar Pediatrics 1980; 65: 375-461.
e uma de ambos. Dois pacientes foram submetidos à angio- 20. Girinath MR. Case presentation: truncus arteriosus: repair with
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a correção. 21. Goldmuntz E, Clark BJ, Mitchell LE, Jawad AF, Cuneo BF, Reed
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Outros grupos têm demonstrado uma incidência de pacien- 22. Heath D, Edwards JE. The pathology of hypertensive pulmonary
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dez anos10. in the pulmonary arteries with special reference to congenital
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220
22 Tratamento Cirúrgico da Transposição das
Grandes Artérias

Marcelo Biscegli Jatene

RESUMO saída do VE pelo fechamento da CIV, direcionando o sangue


do VE para a aorta, e conexão do VD com o tronco pulmo-
Os primeiros relatos de correção fisiológica da transpo- nar através de tubo extracardíaco. Ainda nesse período, em
sição das grandes artérias foram feitos na década de 1950. 1966, Rashkind17 relatou importante contribuição utilizada
No início o tratamento cirúrgico visava à correção ao nível rotineiramente até a época atual, tendo realizado atriossep-
dos átrios. Na década de 1970 Jatene descreveu a correção tostomia com cateter-balão, ampliando a CIA e promovendo
cirúrgica ao nível das grandes artérias, propondo uma cor- a mistura do sangue do AD e AE. Até então, a ampliação da
reção mais fisiológica. Posteriormente, alguns autores suge- CIA ficava restrita à atriosseptectomia proposta por Blalock
riram algumas modificações técnicas, porém o conceito da e Hanlon4, em 1950.
correção fisiológica das grandes artérias permaneceu. Atual-
Concomitante ao aparecimento das operações atriais,
mente a cirurgia de Jatene, para a correção da transposição
das grandes artérias, é realizada em praticamente todos os vários cirurgiões continuaram na busca de um procedimen-
centros que tratam de cardiopatias congênitas, e tem contri- to mais fisiológico, onde diversas propostas cirúrgicas de
buído com perspectivas favoráveis de evolução imediata e correção da TGA das grandes artérias fossem feitas3,8,11, até
a longo prazo. que, em 1975, Jatene9 relatou pela primeira vez com sucesso,
em caso de TGA com CIV, a correção arterial, invertendo as
grandes artérias e translocando as artérias coronárias para
EVOLUÇÃO HISTÓRICA a neo-aorta.
O primeiro relato de correção fisiológica da transposi- Procedimentos arteriais também foram descritos poste-
ção das grandes artérias (TGA) foi realizada experimental- riormente por Damus6, Kay12, Stansel20, em 1975, Aubert2, em
mente por Albert1 que propôs uma correção atrial em 1954; 1978, e mais recentemente em 1996, Murthy14, operações de
constava a utilização de retalho de pericárdio, redirecionan- resultados menos favoráveis e uso limitado. Em 1981, Le-
do o retorno venoso dos pulmões para o ventrículo direito compte13 descreveu manobra cirúrgica de anteriorização do
e o retorno venoso sistêmico para o ventrículo esquerdo. tronco pulmonar, adotada pela maioria dos cirurgiões, em
Tentativa no plano arterial também foi descrita pela primeira função principalmente da disposição ântero-posterior das
vez em 1954, quando Mustard15 realizou em sete pacientes grandes artérias, presente na maioria dos casos de TGA.
a transferência da coronária esquerda para o tronco pulmo- A operação de Jatene9 foi descrita e aplicada inicialmen-
nar, sem resultado favorável. te nos casos de TGA e CIV e em crianças com idade supe-
Baseado na operação proposta por Albert, em 1959, rior a três meses, que correspondiam a aproximadamente 25%
Senning19 descreveu com sucesso a correção atrial, através dos casos de TGA, restando a possibilidade de tratar a TGA
de engenhoso rearranjo das paredes atriais, corrigindo fisio- com septo interventricular íntegro (75% dos casos), em fai-
logicamente a TGA. Outra correção atrial modificada foi pro- xa etária ainda por ser mais bem definida. Vários grupos ci-
posta por Mustard16, em 1964, e o tratamento cirúrgico da rúrgicos se interessaram neste universo de crianças que até
TGA ficou sendo realizado por vários anos através das então vinham sendo tratadas com as bem-sucedidas técni-
duas operações referidas. Em 1969, Rastelli18 propôs corre- cas atriais. Em 1977, Yacoub21 descreveu uma operação para
ção cirúrgica da TGA associada à CIV e estenose da via de TGA com septo interventricular íntegro em dois estágios,

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221
constando o primeiro da realização de bandagem do TP as- a 14 french ou 16 french, dependendo do peso da criança ou
sociado ou não a shunt sistêmico-pulmonar, no sentido de do tamanho das estruturas cardíacas; a cânula de aorta nor-
preparar o VE para assumir o fluxo sistêmico e, no segundo malmente utilizada é de 10 french para neonatos e diâmetros
estágio, a operação de Jatene alguns meses após a primeira progressivamente maiores conforme o peso da criança. Nos
operação. casos em que houver associação de interrupção de arco aór-
O conceito de aplicar a operação de Jatene em crianças tico, deve-se posicionar uma segunda cânula arterial na re-
no período neonatal foi primeiro utilizado por Castaneda5 que, gião proximal do canal arterial, direcionando o fluxo para a
em 1984, corrigiu com sucesso TGA com septo interventricu- aorta descendente. A canulação é sempre realizada após in-
lar íntegro, sem que houvesse necessidade de preparar o VE, fusão de heparina na dose de 4 mg/kg de peso.
em especial nos primeiros 15 dias de vida. Tal experiência pas- No preparo para CEC, utilizamos oxigenadores de mem-
sou rapidamente a ser reproduzida em grande número de cen- brana pediátricos e máquinas com bombas de rolete. O per-
tros em todo o mundo, com resultados semelhantes. fusato para preenchimento do circuito deve ser preparado
Restava ainda um grupo de neonatos com idade supe- com sangue total fresco ou concentrado de hemácias e plas-
rior a 15 dias de vida, que ainda deixava dúvidas a respeito ma, no sentido de manter o hematócrito durante a CEC em
do momento adequado para sua correção. Diferentes expe- valores situados entre 27% e 30%. Outras drogas, como cor-
riências foram descritas, como a do grupo de Boston10, que ticóides e solução de manitol, podem fazer parte do perfusa-
em 1989 propôs a realização de preparo rápido do VE, seguin- to, a critério do grupo cirúrgico.
do o mesmo princípio descrito por Yacoub21, limitando o in- Na condução da CEC, utilizam-se rotineiramente nos
tervalo entre os primeiro e segundo estágios em sete dias. Outra neonatos a hipotermia profunda, com temperaturas entre
experiência foi descrita por Davis7, que passou a indicar roti- 18oC e 20oC, com hipofluxo contínuo de 50 a 60 mL/kg/min.
neiramente a operação de Jatene em TGA com septo interven- Excepcionalmente se utiliza a parada circulatória total, fican-
tricular íntegro em todas as crianças desde o período neonatal do a mesma reservada a manobras cirúrgicas de curta dura-
até os 2 meses de idade, com resultados satisfatórios. ção. Tanto o esfriamento como o aquecimento devem ser
Independente da preferência individual de cada gru- lentamente conduzidos, esfriando ou aquecendo cerca de
po cirúrgico, historicamente a operação de Jatene consti- 1oC a cada 1min30seg. No início do esfriamento utiliza-se flu-
tuiu um importante marco no tratamento dos diferentes xo total de 100 mL/kg/min e abaixo de 25oC reduz-se o fluxo
tipos de TGA, operação atualmente realizada em pratica- para 60 mL/kg/min. Pode-se utilizar drogas vasodilatadoras
mente todos os centros que tratam de cardiopatias congê- como clorpromazina ou nitroprussiato de sódio durante o
nitas, e que veio trazer perspectiva favorável de evolução período de aquecimento. Ainda com uso restrito em nos-
imediata e a longo prazo. so meio, pode-se utilizar como opção de droga vasodila-
tadora desde o início da CEC, a fenoxibenzamina (doses
TÉCNICA OPERATÓRIA — CONSIDERAÇÕES GERAIS de 0,1 mg/kg/dose), potente α-bloqueador de efeito prolon-
gado (18 a 24 horas), cujo principal efeito é a homogênea
MONITORIZAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA perfusão tecidual durante e após a CEC.
A proteção miocárdica nos neonatos portadores de
A monitorização pré-operatória não difere de outros pro- TGA é feita com infusão de solução cardioplégica sangüínea
cedimentos cirúrgicos habituais, devendo constar de moni- hipotérmica na raiz da aorta e repetida a cada 30 a 40 minu-
torização eletrocardiográfica, acesso venoso confiável para tos. Vários tipos de solução cardioplégica podem ser utiliza-
indução anestésica (periférico ou central), além de linha ar- dos desde que se sigam critérios rigorosos quanto à forma
terial e sondagem vesical. A utilização de uma segunda linha de infusão e repetição das doses. Damos preferência pela
venosa preferencialmente central deve ficar a critério do ser- solução preparada a partir do perfusato, acrescido de K+ e
viço, podendo ser utilizado um cateter central (a punção resfriada em trocador de calor separado até cerca de 6oC a
deve ficar sob responsabilidade de profissional com expe- 8oC, o que resulta em solução com pH de 7,40, [K+] -18 a
riência) ou deixar para colocação de uma segunda linha ve- 20 mEq/l; hematócrito de 20% a 22%. Administramos dose
nosa após o término da operação, exteriorizada ao lado da inicial de 20 mL/kg de peso e doses repetidas de 10 mL/kg.
incisão cirúrgica. Termômetro esofágico e retal e colchão tér-
mico também devem ser rotineiramente posicionados.
OPERAÇÃO DE JATENE

CIRCULAÇÃO EXTRACORPÓREA E PROTEÇÃO PRINCIPAIS I NDICAÇÕES


M IOCÁRDICA
De uma forma geral, todos os casos de TGA simples ou
Independente do tipo de TGA, damos preferência à uti- com CIV devem ser abordados cirurgicamente no período neo-
lização de duas cânulas de drenagem venosa inseridas nas natal, por meio da operação de Jatene. Os casos de TGA sim-
veias cavas superior e inferior e cânula arterial posicionada ples ou com CIV pequena, sem repercussão, devem ser
na porção mais distal da aorta ascendente, próxima à emer- preferencialmente operados nas duas primeiras semanas de vida,
gência do tronco braquiocefálico. Preferimos cânulas período em que o ventrículo esquerdo apresenta capacidade de
venosas de 3 mm ou 4 mm de diâmetro, correspondente suportar o fluxo sistêmico após a correção da anatomia.

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222
Nos neonatos que se apresentem para tratamento cirúr- descrito anteriormente. Após o início da CEC, procede-se à
gico após a segunda semana de vida, damos preferência por ligadura e secção do canal arterial, liberando totalmente a
definir a indicação cirúrgica após avaliação ecocardiográfi- artéria pulmonar. As etapas descritas são utilizadas para to-
ca da contração de ambos os ventrículos e sua relação de dos os casos de TGA, independente do padrão coronaria-
pressão e massa. Dessa forma, nos casos em que o VE apre- no encontrado. Inicia-se o esfriamento e procede-se à
sente pressão igual ou superior ao VD, onde o septo inter- infusão de solução cardioplégica, como já citado.
ventricular se mostre retificado ou abaulado para o VD, Realiza-se então a secção da aorta logo acima do pla-
procede-se à indicação da operação de Jatene sem receios. no dos postes comissurais, cerca de 1 cm acima dos óstios
Nos casos onde a pressão do VE é menor que a do VD, com coronarianos. Nesse momento faz-se a inspeção final do tipo
o septo interventricular abaulando para o VE, prefere-se não e trajeto das coronárias, bem como da valva aórtica e via de
indicar a correção imediata, em função de o risco do VE não saída do ventrículo direito. Acreditamos ser de muita impor-
conseguir suportar o controle do fluxo sistêmico. Restariam tância a exploração das coronárias através de exploradores
duas opções terapêuticas, dependendo da preferência indi- rombos com cerca de 1 mm de diâmetro, o que ajuda muito
vidual do grupo cirúrgico. A primeira seria deixar a criança a definir o trajeto e descartar ou confirmar a presença de tra-
seguir em evolução clínica, após se certificar que exista co- jeto coronariano intramural.
municação ampla ao nível do septo interatrial, e proceder à
Na seqüência secciona-se o tronco pulmonar abaixo da
correção a nível atrial antes do primeiro ano de vida; a se-
bifurcação, realizando-se também cuidadosa inspeção da valva
gunda opção seria a realização de preparo do VE, como des-
pulmonar e via de saída do ventrículo esquerdo, futuras estru-
crito por Jonas20, com realização de bandagem do TP e shunt
turas sistêmicas. Posiciona-se o coto distal do tronco pulmo-
sistêmico pulmonar, e operação de Jatene cerca de sete a 10
dias após. nar anteriormente à aorta, como descrito por Lecompte13.
Existem ainda experiências de diferentes grupos cirúr- Inicia-se então a abordagem propriamente dita das co-
gicos que indicam indiscriminadamente a operação de Jate- ronárias, realizando sua excisão da parede aórtica. Damos
ne em todos os neonatos portadores de TGA simples até o preferência pela retirada do óstio coronariano com pratica-
segundo mês de vida, com resultados satisfatórios a curto mente toda a parede aórtica do seio de Valsalva correspon-
e longo prazos, como descrito por Mee21. Preferimos, mes- dente, deixando pequena borda de aorta no contorno do
mo assim, uma abordagem mais convencional, como descri- fundo do seio de Valsalva e próximo às comissuras envolvi-
to anteriormente. das. Repete-se a manobra para a outra coronária, excisando
Nos casos de TGA com CIV, damos preferência pela as duas coronárias antes do início do reimplante da primei-
correção no primeiro mês de vida, tentando evitar o apare- ra. Rotineiramente excisamos inicialmente a coronária es-
cimento de complicações relacionadas à CIV, como infec- querda, seguida pela coronária direita.
ções pulmonares ou insuficiência cardíaca. Nos casos de Procede-se então à escolha da posição da coronária a
TGA associada à presença de CIV múltiplas, preferimos rea- ser implantada no tronco pulmonar. Para tanto traciona-se
lizar bandagem do TP, existindo a possibilidade de ganho de superiormente o coto proximal do tronco pulmonar, deixan-
peso e chance de fechamento espontâneo de algumas comu- do-o na posição espacialmente mais próxima do normal; na
nicações, o que facilitaria uma correção futura. seqüência projeta-se a coronária por sobre o TP, definindo-se
a direção e posição a ser implantada. Faz-se então uma inci-
são em “L” (trap-door) a partir da borda do coto do TP, to-
TÉCNICA OPERATÓRIA
mando cuidado para não avançar a incisão por sobre a valva
Todas as crianças são operadas por esternotomia me- pulmonar. O uso da trap-door visa facilitar o posicionamento
diana. Após abertura mediana do pericárdio, procede-se ini- da coronária, já que se faz uma mínima rotação da mesma,
cialmente à inspeção da anatomia cirúrgica dos grandes prevenindo distorções ou angulações que possam causar
vasos e das artérias coronárias, previamente descritas pelo isquemia coronariana.
ecocardiograma ou pelo cateterismo cardíaco. Rotineiramente Inicia-se a sutura da coronária à parede do TP com fio
retiramos um fragmento de pericárdio da criança, que é man- absorvível PDS 7-0, sutura contínua. Repete-se a mesma se-
tido hidratado com solução fisiológica, para ser utilizado a qüência para o outro óstio coronariano. Uma vez implanta-
fresco na reconstrução do tronco pulmonar. das as coronárias, realiza-se a anastomose do coto proximal
Após inspeção inicial, procedem-se à extensa dissecção do TP (já com as coronárias implantadas) com o coto distal
e liberação dos vasos da base, liberando a aorta ascenden- da aorta, com fio absorvível PDS 7-0; na presença de dife-
te do tronco pulmonar, além de liberar as artérias pulmona- rentes calibres entre os dois vasos, deve-se utilizar mano-
res até suas ramificações iniciais ao nível dos hilos de bras para reduzir o diâmetro do coto proximal ou aumentar
ambos os pulmões; disseca-se também o canal arterial com o do coto distal, o que deve ser decidido pelo cirurgião no
o máximo cuidado, para evitar lesão, já que se trata de teci- momento da realização da sutura.
do extremamente friável. Realiza-se em seguida a reconstrução do coto proximal
Terminada a liberação dos vasos da base, procede-se à da aorta, com colocação de remendos de pericárdio autólo-
heparinização e à canulação das veias cava e aorta, como já go, substituindo a parede aórtica excisada conjuntamente

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223
com os óstios coronarianos, suturando os remendos à pa- 6. Damus PS. Letter to the editor. Ann Thorac Surg 1975; 20: 724.
rede aórtica com fios de polipropilene 7-0. Utiliza-se habitual- 7. Davis AM, Wilkinson JL, Karl T, Mee RBB. Transposition of the
mente dois remendos separados, um para a reconstrução de great arteries with intact ventricular septum. Arterial switch repair
in patients 21 days of age or older. J Thorac Cardiovasc Surg
cada seio de Valsalva. Faz-se então por fim a anastomose do 1993; 116: 111-5.
coto proximal da aorta com o coto distal do TP, restabelecen- 8. Idriss FS, Goldstein IR, Grana L, French D, Potts WH. A new
do a anatomia dos vasos da base. Na maioria dos casos uti- technic for complete correction of transposition of the great
liza-se a manobra de Lecompte de anteriorização do TP, que vessels. Circulation 1961; 24: 5.
fica em posição anterior à aorta. 9. Jatene AD, Fontes VF, Paulista PP et al. Successful anatomic
correction of transposition of the great vessels: A preliminary
Em seguida procede-se ao fechamento da CIA, aqueci-
report. Arq Bras Cardiol 1975; 28: 461.
mento da criança, reperfusão do coração, quando se tem a 10. Jonas RA, Giglia TM, Sanders S et al. Rapid, two-Stage arterial
exata idéia da posição dos óstios coronarianos e do resul- switch for transposition of the great arteries and intact ventricular
tado da operação. Antes da abertura do clamp aórtico, uti- septum beyond the neonatal period. [Suppl 1] Circulation 1989;
lizamos rotineiramente o Tissucol®, cola biológica à base de 80: 203.
trombina e aprotinina, no auxílio à hemostasia, em função do 11. Kay EB, Cross FS: Surgical treatment of transposition of the
grande número de linhas de sutura. great vessels. Surgery 1955; 38: 712.
12. Kaye MP. Anatomic correction of transposition of the great
Em função da possibilidade de variações no padrão coro- arteries. Mayo Clin Proc 1975; 50: 638.
nariano, o posicionamento dos óstios coronarianos no TP vai 13. Lecompte Y, Zannini L, Hazan E et al. Anatomic correction of
depender do tipo de anatomia das coronárias, ficando a deci- transposition of the great arteries. A new technique with out use
são sobre qual a melhor posição no momento da operação. of prosthetic conduit. J Thorac Cardiovasc Surg 1981; 82: 629.
Nos casos onde houver associação de CIV, preferimos 14. Murthy KS, Cherian KM. A new technique of arterial switch
operation with in situ coronary reallocation for transposition of
realizar o fechamento da CIV antes do início da abordagem the great arteries. J Thorac Cardiovasc Surg 1996; 112: 27-32.
dos vasos da base, habitualmente por via transatrial, utili- 15. Mustard WT. Chute AL, Keith JD et al. A surgical approach to
zando placa de pericárdio bovino fixada por pontos separa- transposition of the great vessels with extracorporeal circuit.
dos de polipropilene 6-0. Surgery 1954; 36: 39.
16. Mustard WT. Successful two-stage correction of transposition of
the great vessels. Surgery 1964; 55: 469.
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thoracotomy: A palliative approach to complete transposition of
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the great arteries. JAMA 1966; 196: 991.
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great arteries: New technique for anatomical correction. Br Heart transposition of the great arteries with pulmonary stenosis: A review
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3. Bailey CP, Cookson BA, Downing DF, Neptune WB: Cardiac Circulation 1969; 39: 83.
surgery under hypothermia. J Thorac Cardiovasc Surg 1954; 27: 73. 19. Senning A. Surgical correction of transposition of the great vessels.
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Stark J, Pacífico AD (eds). Reoperations in Cardiac Surgery. for anatomical correction of transposition of the great arteries
London: Springer-Verlag, 1989. with intact interventricular septum. Lancet 1977; 1: 1275.

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224
23 Cirurgia Cardíaca Fetal

Renato S. Assad

RESUMO nicas cirúrgicas, o potencial para cirurgia fetal aumentou


consideravelmente.
O tratamento cirúrgico de certas cardiopatias congêni- Atualmente, a aplicação do ultra-som para se detectar
tas complexas tem apresentado um progresso importante por malformações fetais potencialmente corrigíveis é acompa-
meio de abordagem mais precoce e intervencionista. Apesar
nhada de enorme entusiasmo, pela possibilidade de se alte-
dessa tendência, ainda existem pacientes portadores de le-
rar o manuseio pré-natal do feto por meio de novas técnicas
sões cardíacas complexas que são submetidos a inúmeras
de intervenção fetal.
tentativas de cirurgias paliativas, evoluindo com prognósti-
co incerto a longo prazo. A possibilidade de se realizar a cirurgia fetal a céu aber-
to pode representar a alternativa mais lógica para algumas
Neste sentido, a cirurgia cardíaca fetal pode suprir esta
afecções fetais. As alterações anatômicas consideráveis para
importante lacuna. Uma abordagem mais precoce ainda, isto
a intervenção intra-uterina são aquelas que interferem com
é, intra-uterina, dessas lesões complexas durante seu está-
gio inicial de desenvolvimento pode representar maior chan- o desenvolvimento de órgãos fetais, sendo que, se forem ali-
ce de sobrevida para estes pacientes. viadas precocemente, permitirão o prosseguimento normal
de seu desenvolvimento no restante da gestação. Atualmen-
As malformações obstrutivas, por exemplo, do fluxo in-
te, poucas malformações se encaixam nestes parâmetros.
tracardíaco normal durante a vida fetal geram uma lesão se-
cundária gradual e progressiva que se manifesta tardiamente, Pesquisas pioneiras sobre os princípios da cirurgia fe-
alterando significantemente a anatomia pós-natal. O grau de hi- tal foram desenvolvidos por Harrison e col.47,48, além da ava-
poplasia da camara afetada representa o principal fator determi- liação da segurança do procedimento para a mãe e o feto66,
nante do insucesso após a intervenção neonatal convencional. e o seu efeito na fertilização posterior4. Sua experiência acu-
Uma intervenção precoce pré-natal teria a vantagem de mulada de mais de 1.000 cirurgias em ovelhas e mais de 200
aliviar a obstrução primária e corrigir a hemodinâmica fetal, em primatas, bem como a experiência clínica inicial62, apoia-
rompendo-se assim o ciclo e evitando-se as alterações se- das por poderosas armas diagnósticas, tais como o ultra-
cundárias deletérias. Este procedimento permitiria à câmara som transabdominal e transvaginal, têm amadurecido a idéia
cardíaca afetada certo período para se desenvolver e recu- do feto como paciente cirúrgico1,18,25,26,28,75,88.
perar sua função durante a vida fetal. O tratamento cirúrgico de certas cardiopatias congêni-
tas complexas tem apresentado um progresso importante por
INTRODUÇÃO meio de abordagem mais precoce e intervencionista. Durante
a década de 1980, o maior domínio da proteção do miocárdio
A primeira intervenção fetal foi descrita por Liley em imaturo, da hipotermia profunda e da parada circulatória vi-
1963 para tratar a eritroblastose fetal associada à hidropsia abilizou o tratamento cirúrgico definitivo nos primeiros dias
fetal61. Nos anos subseqüentes, pesquisas nas áreas de fi- de vida, permitindo desenvolvimento cardíaco pós-natal ade-
siologia, genética, endocrinologia e bioquímica fetal permi- quado e evitando-se assim as seqüelas da cianose crônica
tiram grandes progressos no campo da medicina fetal. Com e hiperfluxo pulmonar, com o restabelecimento da fisiologia
este conhecimento acumulado, ao lado do desenvolvimen- e da anatomia cardiovascular normal no período neonatal.
to de métodos diagnósticos não-invasivos e de novas téc- Apesar dessa abordagem precoce, ainda existem pacientes

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225
portadores de lesões cardíacas complexas que perdem a opor- estenose aórtica crítica. Fishman38demonstrou em fetos de
tunidade do tratamento cirúrgico no momento adequado ou ovelhas que a variação da pré- e da pós-carga em ambos os
são submetidos a inúmeras tentativas de cirurgias paliati- ventrículos do feto pode ocasionar várias formas de cardio-
vas, evoluindo com prognóstico incerto a longo prazo. Neste patias congênitas . Da mesma forma, a hipoplasia do ventrí-
sentido, a cirurgia cardíaca fetal pode suprir esta importan- culo direito pode ser conseqüência de um forame oval amplo,
te lacuna. Uma abordagem mais precoce ainda, isto é, intra- uma obstrução na via de entrada do ventrículo (atresia tri-
uterina, dessas lesões complexas durante seu estágio inicial cúspide) ou na sua via de saída (estenose severa ou atresia
de desenvolvimento pode representar maior chance de so- pulmonar), complacência do ventrículo alterada, ou canal ar-
brevida para estes pacientes. Muitas destas lesões comple- terial restritivo.
xas, como a síndrome da hipoplasia de câmaras esquerdas ou Uma intervenção precoce relativamente simples, isto é,
dos grandes vasos, são seqüelas de lesões primárias relati- pré-natal, teria a vantagem de aliviar a obstrução primária e
vamente simples, que ocorrem precocemente no desenvol- corrigir a hemodinâmica fetal, rompendo-se assim o ciclo e
vimento fetal. Caso estas lesões sejam abordadas e evitando-se as alterações secundárias deletérias. Este pro-
corrigidas ainda na vida intra-uterina, complicações secun- cedimento permitiria à câmara cardíaca afetada certo perío-
dárias poderiam ser evitadas, com melhora significante do do para se desenvolver e recuperar sua função durante a
prognóstico da criança após o nascimento. vida fetal.

PATOGÊNESE DAS CARDIOPATIAS CONGÊNITAS FISIOLOGIA CARDIOVASCULAR FETAL


Ao se considerar a intervenção intra-uterina, é impor- Para postularmos uma relação entre fluxo sangüíneo e
tante tecer algumas considerações sobre os possíveis me- forma do coração fetal em desenvolvimento, devemos primei-
canismos envolvidos na patogênese das cardiopatias ramente entender o comportamento do fluxo sangüíneo fe-
congênitas, fisiologia cardiovascular fetal normal e as alte- tal que determina a anatomia cardíaca fetal normal. Estudos
rações hemodinâmicas que podem ocorrer com as anomalias da fisiologia cardiovascular em fetos no estado de repouso
cardíacas congênitas. foram desenvolvidos por Rudolph e Heymannn68. A ovelha
A alteração da hemodinâmica cardíaca intra-uterina re- foi utilizada como modelo experimental pela semelhança com
presenta o melhor prognóstico para correção cirúrgica intra- fetos humanos em peso, pressões sangüíneas, tensões de
uterina. De acordo com esta hipótese, existe uma relação oxigênio, fração de ejeção dos ventrículos e distribuição do
entre a forma e a função do coração fetal em crescimento, fluxo sangüíneo em estágios correspondentes de gestação70.
principalmente nos últimos estágios do desenvolvimento
fetal. O desenvolvimento intra-uterino normal do sistema HEMODINÂMICA DA CIRCULAÇÃO FETAL
cardiovascular está intimamente relacionado com o estímu-
lo pressórico e volumétrico da corrente sangüínea através do Existem alguns aspectos que diferem a circulação fetal
coração fetal, contribuindo para o tamanho e posição dos da circulação neonatal ou do adulto. Os ventrículos direito
grandes vasos, dimensões das câmaras cardíacas, e até mes- e esquerdo trabalham em paralelo, devido à existência de
mo para o tamanho do orifício valvar80. Portanto, qualquer dois shunts, um intracardíaco, o forame oval, e outro extra-
obstrução intracardíaca, seja no nível do forame oval, ductus cardíaco, o ductus arteriosus, o que proporciona elevado
arteriosus, ou valvas cardíacas ou até mesmo uma complacên- débito cardíaco de aproximadamente 400 mL/kg/min. O flu-
cia ventricular esquerda diminuída, podem alterar dramatica- xo sangüíneo para os pulmões é mínimo, devido à elevada
mente o volume de sangue através das câmaras cardíacas. resistência de seu leito vascular77. Os pulmões extraem oxi-
As malformações obstrutivas, por exemplo, estabelecem-se gênio da corrente sangüínea em vez de fornecê-lo ao sangue.
cerca de dois meses após a fecundação, quando a morfogê- Por outro lado, a placenta proporciona ao feto um circuito de
nese cardíaca encontra-se potencialmente completa, perma- baixa resistência vascular. É a principal via de trocas gaso-
necendo intactas através dos sete meses subseqüentes à sas, excreção de produtos metabólicos finais, e aquisição de
introdução da lesão original. Estas alterações do fluxo intra- fontes de energia, tais como glicose, aminoácidos, ácidos
cardíaco normal durante a vida fetal geram uma lesão secun- graxos e eletrólitos. As trocas gasosas fetais ocorrem na pla-
dária gradual e progressiva que se manifesta tardiamente, ca corial, sendo que o sangue oxigenado que retorna para o
alterando significantemente a anatomia pós-natal. O grau de feto pela veia umbilical apresenta saturação de oxigênio de
hipoplasia da camara afetada representa o principal fator 60% a 70%. Conseqüentemente, o sangue da veia cava in-
determinante do insucesso após a intervenção neonatal ferior apresenta saturação de oxigênio mais elevada que o da
convencional. veia cava superior. Aproximadamente metade do retorno san-
Estudos experimentais de Lev59 e Hahr45 mostraram que güíneo placentário perfunde inicialmente o parênquima he-
a síndrome da hipoplasia de câmaras esquerdas pode estar pático e então prossegue para a veia cava inferior através
associada à restrição do fluxo sangüíneo destas câmaras em das veias hepáticas. A outra metade ultrapassa o fígado atra-
crescimento, como ocorre na obstrução parcial ou total do vés do ductus venosus e drena diretamente na veia cava in-
forame oval durante a vida fetal, na estenose mitral congê- ferior. Aproximadamente dois terços do sangue procedente
nita, na complacência ventricular esquerda diminuída ou na da veia cava inferior passam através do forame oval para o

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226
átrio esquerdo, ventrículo esquerdo e aorta ascendente. A tal é extremamente dependente da freqüência cardíaca para
separação do fluxo sangüíneo da veia cava inferior em duas manter débito cardíaco adequado71. Essas respostas têm im-
partes é devida à relação anatômica entre esta veia, os átrios portantes implicações na cirurgia cardíaca fetal, onde as per-
e o forame oval, com fluxo preferencial para o lado esquer- das sangüíneas, reposição volêmica, estresse e o trauma
do do coração fetal e porção superior do feto (cabeça e mem- cardíaco afetam a função cardíaca globalmente, sendo o feto
bros superiores). O restante do fluxo da veia cava inferior, vulnerável ao estresse cardiovascular.
juntamente com o fluxo sangüíneo da veia cava superior e
seio coronário seguem para o ventrículo direito e tronco pul- CRITÉRIOS PARA CIRURGIA INTRA-UTERINA
monar para suprir a metade inferior do feto (tronco e mem-
bros inferiores), além da pequena fração do fluxo que vai Para a realização da cirurgia cardíaca fetal, alguns crité-
para os pulmões (7% a 8%). rios devem ser considerados:
Durante a maior parte da gestação, as pressões da aorta e
do tronco pulmonar estão equalizadas devido ao grande ductus DIAGNÓSTICO PRÉ-NATAL
arteriosus. Entretanto, a pressão sistólica do ventrículo di-
reito e do tronco pulmonar pode ser de 5 a 8 mmHg maior que Atualmente, muitos tipos de cardiopatias congênitas
a pressão sistólica do ventrículo esquerdo e da aorta ao final podem ser precisamente diagnosticados pelo ecocardiogra-
da gestação, devido à “relativa” constrição do canal arterial. ma em torno da 18a semana de gestação através da parede
O fluxo sangüíneo para cada órgão é regido essencialmente abdominal1,18,28,40,63 ou até mesmo em torno de 11 a 13 sema-
pela resistência vascular local do órgão, uma vez que as pres- nas de gestação pela via transvaginal25,75,88. Estes métodos
sões de perfusão são iguais através da circulação fetal. permitem distinguir cardiopatias que poderiam eventualmen-
te ser abordadas através da intervenção intra-uterina, auxi-
liando não apenas no manuseio clínico do feto, como também
MIOCÁRDIO FETAL na decisão da via do parto e o planejamento do mesmo em
Alguns aspectos do seu desenvolvimento devem ser centro de cardiologia infantil para tratamento especializado.
levados em consideração quando se pensar em intervenção
intra-uterina. Embora o desenvolvimento primário do coração VANTAGEM TERAPÊUTICA
se complete em torno de oito semanas de gestação, muitos
componentes celulares e moleculares do coração permanecem Durante a fase embrionária, o grau de divisão celular do
imaturos até após o nascimento. Os elementos contráteis do miocárdio é elevado. Entretanto, ocorre uma diminuição pro-
miocárdio fetal diferem qualitativa e quantitativamente do gressiva deste índice durante o restante da gestação, com
miocárdio adulto. Os miócitos fetais apresentam diâmetro rápido declínio logo após o nascimento, quando a maior par-
reduzido e o número total de sarcômeros por grama de mio- te do crescimento ventricular ocorre por hipertrofia celular.
cárdio fetal é consideravelmente menor que o do adulto. Estes achados experimentais de Manasek65 e Zak90 sugerem
Conseqüentemente, o miocárdio fetal desenvolve maior ten- que a maior capacidade mitótica das células cardíacas fetais,
são quando distendido durante a diástole, sendo por isso isto é, maior potencial de hiperplasia celular, proporcionaria
menos complacente39. Isto pode contribuir para o hipode- melhor crescimento de câmaras ventriculares hipoplásicas
senvolvimento ventricular quando o volume sangüíneo in- após intervenção intra-uterina. Após o restabelecimento do
tracavitário estiver reduzido. fluxo intracardíaco normal durante a vida fetal, haveria uma
maior possibilidade de se recuperar a anatomia da câmara
afetada devido a este potencial hiperplásico.
INERVAÇÃO CARDÍACA FETAL Da mesma forma, estudos da circulação coronariana fe-
O desenvolvimento completo da inervação simpática tal mostram que, quando o ventrículo direito fetal é subme-
do coração fetal ocorre apenas após o nascimento, enquanto tido a sobrecarga pressórica, ocorre maior desenvolvimento
o sistema parassimpático está bem desenvolvido até o final do leito vascular coronariano em resposta a este estímulo83.
da gestação17,82. Assim, o aumento da contratilidade ventri- Quando esta mesma sobrecarga é aplicada no ventrículo do
cular como resposta do miocárdio fetal à descarga de cate- neonato, a possibilidade de aumento da vascularização co-
colaminas fica prejudicada durante estados de estresse. ronariana é menor que aquela observada na vida fetal84.
Portanto, mais uma vez, a circulação fetal parece ser regida Portanto, existem motivos anatômicos e fisiológicos
principalmente por fatores mecânicos que atuam sobre o para se considerar a intervenção intra-uterina em relação à
miocárdio fetal. Finalmente, o mecanismo fetal de Frank-Starling terapêutica neonatal convencional, principalmente em lesões
é muito limitado na adaptação do aumento do débito cardía- associadas à hipoplasia ventricular, devido ao potencial de
co. Observa-se pequena resposta da fração de ejeção ventri- crescimento e desenvolvimento das estruturas fetais.
cular associadas às grandes variações da pré- e pós-carga41.
Estudos da avaliação da pós-carga no coração fetal demons- TÉCNICA CIRÚRGICA
tram que ocorre uma redução do débito cardíaco em 25%
quando há discreta elevação da pós-carga, indicando uma Esta é a área de enfoque das pesquisas atuais, com a
limitada reserva de contratilidade. Por isso, o ventrículo fe- principal finalidade de desenvolver técnicas cirúrgicas e

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anestésicas eficazes, permitindo o tratamento cirúrgico intra- bilical durante a CEC não-pulsátil determina um aumento da
uterino de cardiopatias congênitas de maneira segura. Não resistência vascular placentária. Uma vez que a circulação
há relatos de estudos experimentais de modelos de cardiopa- placentária não exibe mecanismo auto-regulatório67, o au-
tias congênitas com cirurgia a céu aberto, pois as técnicas mento da resistência vascular provavelmente está relaciona-
atuais não permitem ainda exposição intracardíaca segura e do com o colapso passivo do leito vascular. A hipotermia
posterior recuperação do feto. A cirurgia cardíaca fetal a céu causa um efeito negativo adicional ao fluxo sangüíneo pla-
aberto necessita de suporte circulatório extracorpóreo (CEC). centário durante a CEC fetal, pelo fato de aumentar ainda
Os primeiros estudos de suporte circulatório fetal foram mais a resistência vascular placentária. Conseqüentemente,
realizados na década de 1980. Inicialmente, foi tentada a pa- uma menor quantidade de sangue é oxigenada, conduzindo
rada circulatória total sob hipotermia profunda do feto através assim ao estado de acidose respiratória.
do resfriamento de superfície3. Entretanto, a ressuscitação A circulação extracorpórea, tanto em adultos como em
fetal após o reaquecimento esbarrava em uma série de difi- crianças, libera quantidades significativas de prostaglandinas
culdades. Estudos pioneiros de circulação extracorpórea vasoativas2,33,43,87,89. Como as prostaglandinas são importan-
propriamente dita no feto foram realizados por Slate e col. tes moduladores do tônus vascular placentário, formulou-se
em 198478. Os fetos foram colocados em CEC através da ca- a hipótese de que a liberação de prostaglandinas vasoativas,
nulação da artéria carótida e do átrio direito, utilizando-se a tromboxane e prostaglandina E2, sintetizadas durante e após
placenta como único oxigenador. Os fetos raramente sobre- a CEC fetal, teria papel importante na gênese da disfunção
viviam ao procedimento, da mesma forma como na parada placentária observada após a intervenção fetal. Com o ob-
circulatória total com hipotermia profunda. Uma vez que os jetivo de bloquear a síntese de prostaglandinas vasoativas
conhecimentos da fisiopatologia induzida pela cirurgia fetal durante a CEC fetal, foram utilizados corticóides74 e indome-
eram escassos, a aplicação clínica desta abordagem terapêu- tacina72 no perfusato da CEC. Quando estas drogas foram
tica não seria possível até que análises mais rigorosas des- utilizadas, não houve aumento da resistência vascular pla-
tas alterações fossem avaliadas. centária, e, tanto o fluxo placentário, como os gases sangüí-
neos fetais permaneceram relativamente constantes durante
A fisiopatologia induzida pela CEC fetal foi avaliada por
e após a CEC fetal, abrindo o primeiro grande passo para a
Bradley e col. em 198821,24. Esses autores demonstraram sig-
sua aplicação clínica.
nificante alteração na distribuição do débito cardíaco duran-
Entretanto, o método ideal para a CEC fetal não está
te a CEC fetal. O fluxo sangüíneo placentário era muito
ainda determinado; um dos grandes obstáculos é a neces-
reduzido durante e após a CEC, decorrente do aumento da
sidade de se manter alto fluxo (400 mL/kg) quando a placenta
resistência vascular placentária. As trocas gasosas deterio-
é incluída no circuito, uma vez que a mesma demanda cerca
ravam-se, acarretando acidose respiratória progressiva e
de 40% do débito cardíaco. A dificuldade de se obter alto
óbito fetal. Por outro lado, o leito vascular pulmonar, que
fluxo está relacionada à limitação do tamanho das cânulas.
normalmente recebe apenas 7% do débito cardíaco, apresen-
Caso um oxigenador seja incluído no circuito da CEC, a per-
tava vasodilatação acentuada durante a CEC. Estas altera- fusão da placenta durante a mesma pode não ser necessária.
ções provavelmente estão associadas à má perfusão tecidual Em modelo de isolamento placentário in situ, foi demonstra-
e acidose metabólica fetal importante, secundárias ao fenô- do que a função placentária fica preservada até mesmo 30
meno de “roubo de fluxo pulmonar”. O aumento da resistência minutos de parada normotérmica da circulação umbilical10,11.
vascular placentária tratava-se de um fenômeno vasoativo e Foi então desenvolvida a hipótese de que a exclusão da cir-
que o uso de um vasodilatador (nitroprussiato de sódio) culação umbilicoplacentária do circuito da CEC fetal, além de
durante a CEC restabelecia a troca de gases placentária por permitir fluxo sistêmico mais adequado, protegeria este lei-
redução de sua resistência vascular e aumento do fluxo to vascular dos prováveis fatores etiológicos da disfunção
sangüíneo20,22,23. Diante de tais fatos, a maior barreira para a placentária e, conseqüentemente, da acidose respiratória
aplicação clínica da cirurgia cardíaca intra-uterina não seria pós-CEC fetal.
relacionada à técnica cirúrgica em si, mas sim às respostas Posteriormente, Fenton e col.35 compararam dois grupos
fisiopatológicas do feto às várias formas de intervenção. de fetos submetidos a preparação de CEC total, um incluindo
Hawkins e col.49 compararam os efeitos da CEC em nor- e outro excluindo o leito vascular placentário do circuito da
motermia e hipotermia, demonstrando que as trocas gasosas CEC. Este estudo revelou melhor fluxo placentário pós-CEC
placentárias eram deficitárias quando a CEC era realizada em no grupo com o clampeamento do cordão umbilical (exclu-
condições de baixo fluxo e normotermia, e durante todos os são da placenta), além da preservação da função placentá-
níveis de fluxo de CEC hipotérmica. ria, corroborando os achados demonstrados no modelo de
Como a placenta representa o principal fator de morbi- isolamento placentário.
mortalidade durante a CEC fetal, o comportamento hemodinâ-
mico do leito vascular placentário foi analisado em condições ANESTESIA FETAL E RESPOSTA
de CEC fetal, utilizando-se modelo experimental de isolamen- ENDOCRINOMETABÓLICA FETAL AO ESTRESSE CIRÚRGICO
to do órgão in situ8,9. Como o leito vascular placentário nor-
malmente apresenta-se totalmente dilatado no seu estado A avaliação da resposta endocrinometabólica ao estres-
basal44, o baixo fluxo e/ou a baixa pressão de perfusão um- se cirúrgico fetal revela aumento significante dos hormônios

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228
do estresse (epinefrina, norepinefrina, vasopressina, corti- anestésica para bloquear a resposta ao estresse cirúrgico e
costeróides, e o sistema renina-angiotensina) de aproximada- preservar a função miocárdica juntamente com a indometa-
mente 10 vezes em relação aos níveis séricos basais5,12,46,50,69. cina para bloquear a vasoconstrição placentária durante a
Estes níveis elevados determinam aumento da freqüência circulação extracorpórea fetal tem permitido a continuidade
cardíaca, da resistência vascular sistêmica e da pós-carga do da gestação de fetos de ovelhas após a circulação extracor-
miocárdio fetal. Como o aparelho contrátil do miocárdio ima- pórea (sobrevida de 80% em gestações com fetos únicos),
turo fetal não tolera o aumento da pós-carga, esta situação com o nascimento de cordeiros normais a termo37.
gera queda e redistribuição regional do débito cardíaco, que Por outro lado, a anestesia com opiáceos tem sido mui-
compromete significantemente o metabolismo fetal. Ocorre to eficaz em neonatos submetidos a cirurgia cardíaca, tanto
então aumento do consumo de oxigênio e diminuição da em relação ao bloqueio da resposta ao estresse como na
perfusão tecidual que agrava a acidose metabólica fetal. manutenção da função cardíaca6,7. Esta técnica pode ser apli-
cável em fetos humanos como método eficaz de bloqueio da
Atualmente, estão sendo realizados estudos compara-
resposta ao estresse cirúrgico sem causar depressão mio-
tivos entre diferentes técnicas e drogas anestésicas que per-
cárdica e/ou alteração na resistência vascular periférica.
mitam uma maior supressão do estímulo fetal ao estresse
Tendo em vista o fato de as ovelhas não possuírem recep-
cirúrgico.
tores opiáceos responsáveis pela anestesia, este tipo de ani-
A anestesia geral oferece várias vantagens em relação mal não é apropriado para a avaliação da anestesia com
à anestesia regional para a realização da cirurgia fetal53, como opiáceos em fetos. Estudos futuros utilizando-se altas doses
por exemplo os relaxamentos materno e uterino satisfatórios. de opiáceos como principal anestésico em primatas subme-
Como grande parte dos agentes voláteis atravessa a barrei- tidos a cirurgia fetal poderão revelar grandes informações a
ra placentária, a imobilização e a anestesia fetal são obtidas86. este respeito.
Quando cuidadosamente conduzida, ela é bem tolerada pelo Em resumo, a anestesia fetal ideal deve respeitar algu-
feto, uma vez mantida a perfusão uteroplacentária normal31. mas premissas básicas:
Embora o halotano seja o anestésico de escolha em ci- 1. Fácil administração.
rurgias de fetos humanos, tanto este, quanto a quetamina, 2. Bloquear a resposta fetal ao estresse cirúrgico.
não bloqueiam completamente a resposta endocrinometabó-
3. Não promover depressão miocárdica.
lica do feto ao estresse cirúrgico. Por outro lado, existem al-
4. Não desequilibrar as resistências dos leitos vascula-
guns aspectos positivos da anestesia com halotano: este
res periféricos.
agente atravessa a barreira placentária após a administração
materna, evitando-se assim a necessidade de uma anestesia
fetal complementar. Além do mais, o halotano é potente re- R ISCO C IRÚRGICO
laxante da musculatura uterina, o que permite melhor expo- Como o tratamento cirúrgico expõe a mãe e o feto, uma
sição do feto. Entretanto, estes anestésicos apresentam avaliação criteriosa da relação de risco-benefício entre a ci-
alguns inconvenientes, tais como bloqueio inadequado da rurgia fetal e a cirurgia neonatal deve ser estabelecida antes
resposta endocrinometabólica do feto ao estresse cirúrgico de submeter a mãe e o feto ao risco de novas abordagens
e inotropismo negativo. Estudos posteriores foram desen- terapêuticas. Segundo Vlahakes e Verrier85, alguns critérios
volvidos para avaliar a hipotése de que a acidose metabóli- devem ser considerados:
ca progressiva observada após a cirurgia fetal estaria • A lesão a ser corrigida deve apresentar alta morbimor-
relacionada com estes efeitos do halotano73. Demonstrou-se talidade, apesar do tratamento intensivo pós-natal.
que este agente determina um aumento global da pós-carga • O risco da intervenção fetal deve ser menor que a in-
e também certo grau de depressão miocárdica, evidenciado tervenção pós-natal convencional, em termos de evolução
pela diminuição do débito cardíaco fetal. Além do mais, o flu- imediata e tardia.
xo sangüíneo placentário também é reduzido devido ao au- • Risco cirúrgico mínimo para a gestação (perda fetal e/ou
mento da resistência vascular placentária associado à parto prematuro).
diminuição da resistência vascular periférica. Assim, o fluxo • Risco cirúrgico mínimo para a mãe.
sangüíneo da placenta é desviado para o organismo fetal • Preservar a futura fertilidade materna.
pelo desequilíbrio das duas resistências.
O trabalho de parto prematuro, freqüente complicação
Estudos mais recentes têm utilizado a técnica de blo- da cirurgia fetal, representa uma constante ameaça durante
queio espinhal total através da injeção de anestésicos locais o pós-operatório. A irritabilidade uterina induzida pela histe-
na cisterna magna34,36. Este método comprovadamente blo- rotomia pode ser controlada por halotano durante a cirurgia
queia a resposta aos estímulos dolorosos sem causar de- e com agentes tocolíticos por via oral ou intravenosa no
pressão miocárdica importante. Estes estudos demonstraram pós-operatório. A monitorização intensiva é fundamental,
que o débito cardíaco fetal e o fluxo sangüíneo placentário porém nem sempre eficaz. A morbidade associada ao contro-
com este método são superiores quando comparados a ou- le do parto prematuro deverá ser reduzida com a experiência
tras técnicas anestésicas. A combinação desta técnica clínica acumulada.

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229
INDICAÇÕES CIRÚRGICAS Tabela 23.2
Evolução Perinatal de 55 Fetos com
Baseado na teoria do desenvolvimento de cardiopatias Bloqueio Atrioventricular Total Congênito
congênitas fluxo-dependentes, a correção intra-uterina de
lesões específicas pode ter uma vantagem significante em Cardiopatia Congênita
relação à terapia pós-natal. Exemplos incluem a síndrome
Presente Ausente
da hipoplasia de câmaras esquerdas, obstruções da via de
saída dos ventrículos, como a atresia pulmonar com sep- N Mortalidade N Mortalidade
to interventricular íntegro ou estenose aórtica crítica (Ta-
bela 23.1). Como o método ideal de suporte circulatório Hidropisia fetal 18 (62%) 100% 4 (15%) 100%
extracorpóreo do feto ainda não foi atingido, as cirurgias FC > 55 bpm 8 (35%) 62% 20 (77%) 0%
FC < 55 bpm 15 (65%) 93% 6 (23%) 67%
cardíacas a céu aberto não podem ser realizadas com to- Total 29 (53%) 86% 26 (47%) 15%
tal segurança.
Obs.: Notar a mortalidade em todos os casos que apresentam
hidropisia fetal, independente da presença de cardiopatias congênitas
associadas. O prognóstico se agrava quando os fetos apresentam
Tabela 23.1 freqüência cardíaca (FC) menor que 55 batimentos por minuto (bpm).
Cardiopatias Congênitas Associadas a Distúrbios
da Corrente Sangüínea no Coração Fetal, com
Indicação de Tratamento Cirúrgico Pré-Natal Como a avaliação do marca-passo fetal é praticamente
impossível com o sistema de condução atrioventricular fetal
Hipofluxo Direito Hipofluxo Esquerdo
intacto, foi desenvolvido modelo experimental de BAVT em
Atresia ou estenose tricúspide Atresia ou estenose mitral fetos de ovelhas para avaliar e comparar o desempenho de
dois eletrodos, um de rosqueamento (screw-in) e outro de
Atresia ou estenose pulmonar Atresia ou estenose aórtica sutura epimiocárdica. O eletrodo de rosqueamento, além de
severa com SIV* íntegro severa
apresentar consideráveis vantagens técnicas, demonstrou
Forame oval restritivo ou ocluído melhor conservação de energia, sendo, portanto a melhor
opção quando o implante de marca-passo em fetos estiver
Coarctação da aorta indicado13,14.
*SIV = septo interventricular íntegro. Entretanto, este procedimento esbarra no maior obs-
táculo à cirurgia fetal a céu aberto: a irritabilidade uterina
e o conseqüente trabalho de parto prematuro pós-operató-
rio, freqüentemente observados na experiência clínica inicial
Outra afecção fetal passível de abordagem intra-uteri-
da cirurgia fetal em humanos62,81. Até o presente momento,
na seria o bloqueio atrioventricular total congênito (BAVT).
não é possível controlar farmacologicamente tal complica-
O feto fica muito sensível à bradicardia e conseqüente hipoper-
ção de modo eficaz, o que acarretaria o nascimento de um
fusão tecidual, o que pode levar ao quadro de insuficiência
bebê prematuro.
cardíaca congestiva. Esta grave descompensação cardíaca
Por outro lado, a punção da cavidade amniótica apre-
pode resultar em hidropisia fetal, complicação de elevada mor-
senta um pequeno risco de perda fetal, estimado em aproxi-
talidade intra-uterina na quase-totalidade dos casos52,54,79. Esta
madamente 0,5%42. Provavelmente, a punção do miocárdio
associação mórbida é geralmente refratária ao tratamento
fetal com os recursos apropriados, guiada por ultra-som,
clínico convencional no sentido de aumentar a freqüência
para implante do eletrodo de marca-passo poderia ser rea-
cardíaca e o débito cardíaco fetal (Tabela 23.2)19,30,64,75. Os
lizada com baixo risco de perda fetal. O implante de marca-
recém-nascidos sobreviventes são submetidos a implante
passo pré-natal também pode ser ampliado com o uso de
temporário do marca-passo durante a ressuscitação neona-
técnicas endoscópicas, evitando-se assim os riscos da his-
tal. Entretanto, a mortalidade para este tipo de abordagem
terotomia32,56,57.
terapêutica ainda é muito elevada, girando em torno de
80%51,55. Devido ao pobre prognóstico do BAV congênito Com o objetivo de minimizar o trauma materno-fetal e
associado à hidropisia fetal, o implante de marca-passo fe- evitar o trabalho de parto prematuro pós-implante de marca-
tal pode representar grande chance de sobrevida fetal27,29. passo, foi desenvolvido no Instituto do Coração de São
Esta alternativa terapêutica oferece algumas vantagens: em Paulo um minieletrodo fetal para implante de marca-passo
primeiro lugar, o tratamento definitivo poderia ser instituí- percutâneo, veiculado até o miocárdio fetal na ponta de uma
do logo ao primeiro sinal de hidropisia fetal. Isto permiti- agulha de raquianestesia (Fig. 23.1).
ria o prosseguimento normal da gestação, com recuperação Apresentamos o caso de uma gestante de 36 anos de
da insuficiência cardíaca e desenvolvimento fetal normal idade com feto na 18a semana de gestação, apresentando
até atingir sua maturidade, com as funções respiratória e BAVT (FC = 47 batimentos/minuto) e quadro de hidropisia
cardiovascular estáveis durante o parto a termo60. importante, associados à cardiopatia congênita complexa

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230
Implante 1o PO
A B C Volts
3,0

E
2,0

D
1,0
F
0,0
0,2 0,4 0,6 0,8 1,0 1,2 1,4 1,6 1,8 2,0

Fig. 23.1 — Protótipo da agulha com o eletrodo de barra em “T”: A. Largura de pulso (ms)
Barra metálica com 5,0 × 0,5 mm. B. Fio de aço multifilamentar tor-
cido e revestido por polipropileno azul. C. Extremidade metálica para Fig. 23.2 — Curvas de estimulação obtidas durante o procedimento
conexão ao gerador de pulsos. D. Agulha 18-G de anestesia epidural, (implante) e no primeiro dia pós-operatório. Os limiares de estimula-
modificada na extremidade distal, através de um chanfrado de 25o e ção do miocárdio fetal foram consistentemente baixos, sem perdas de
extensão de 7,0 mm, E. O qual permite apenas a introdução da barra comando com o novo eletrodo. As curvas permaneceram relativamen-
metálica do eletrodo no interior da agulha. F. Mandril para liberação te constantes para larguras de pulso maiores que 0,6 ms, com aumen-
do eletrodo. to inversamente proporcional para valores inferiores de largura de pulso.

(isomerismo atrial esquerdo e defeito completo do septo ESTADO ATUAL DA CIRURGIA FETAL
atrioventricular). O tratamento clínico materno com medica-
Como o método ideal de suporte circulatório extracor-
ção cronotrópica positiva e corticóides não foi eficiente para
póreo do feto ainda não foi atingido, as cirurgias cardíacas
aumentar a freqüência cardíaca para reverter o quadro de in-
a céu aberto não podem ser realizadas com segurança. Em
suficiência cardíaca congestiva fetal. Na 24a semana de ges-
relação às bradiarritmias fetais, o implante de marca-passo em
tação, o acompanhamento ultra-sonográfico do feto revelava
fetos representa a cirurgia intra-uterina mais factível no fu-
contratilidade muito deprimida do ventrículo direito e derra- turo próximo, por ser relativamente simples e por não neces-
mes nas cavidades abdominal e pleural. Diante do prognós- sitar de suporte circulatório extracorpóreo. Como a cirurgia
tico reservado, com grande chance de óbito fetal, o implante cardíaca fetal está ainda nos seus primeiros passos, existem
de marca-passo pré-natal com o novo eletrodo foi conside- ainda muitas áreas a serem exploradas, que abrangem técni-
rado na 25a semana de gestação15,16. cas de histerotomia e histerorrafia sem induzir ao aborto es-
A punção do miocárdio fetal foi realizada com auxílio do pontâneo, técnicas de circulação extracorpórea fetal, o
ultra-som, o qual guiou a introdução da agulha através do domínio da resposta da unidade materno-feto-placentária ao
abdome e do útero maternos até o miocárdio fetal. Posterior- suporte circulatório extracorpóreo e o desenvolvimento de
mente, o eletrodo permaneceu ancorado no miocárdio fetal, novas técnicas cirúrgicas que permitam o manuseio dos frá-
enquanto sua extremidade externa foi conectada ao gerador geis tecidos fetais. Pesquisas contínuas destas áreas estão
de marca-passo, alojado no subcutâneo do abdome mater- cada vez mais aproximando a cirurgia cardíaca fetal da reali-
no. Sendo assim, os estímulos elétricos foram transmitidos dade de hoje.
ao coração fetal sem a necessidade de se realizar uma histe-
rotomia, minimizando o trauma cirúrgico e diminuindo as REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
chances de trabalho de parto prematuro induzido pelo pro-
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233
24 Anestesia para Cirurgia Cardíaca

José Otávio Costa Auler Júnior


Mara Regina Guerreiro Moreira
Paula Andréa Baptista Franco

RESUMO logia das diversas afecções, da relação entre o consumo e


a oferta de oxigênio para o miocárdio, do desenvolvimento
Neste capítulo são apresentados aspectos atuais dos e da disponibilidade no mercado de medicações que auxiliam
procedimentos anestésicos habitualmente empregados em no melhor controle da hemostasia, permite ao anestesiologis-
cirurgia cardíaca. Além da avaliação pré-operatória, também ta um manuseio do paciente com maior segurança para ob-
são destacados os principais componentes do procedimen- tenção de melhores resultados.
to anestésico-cirúrgico, como a monitorização dos pacientes,
a seleção da técnica anestésica, considerações gerais sobre a
circulação extracorpórea e os cuidados necessários após a sua AVALIAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA
interrupção. O uso de agentes hemostáticos em cirurgia car- AVALIAÇÃO PRÉ-ANESTÉSICA
díaca é analisado, sendo destacadas as principais medica-
ções antifibrinolíticas atualmente empregadas em cirurgias A visita pré-anestésica deve ser feita antes de toda e
com circulação extracorpórea. Finalmente, são descritos os prin- qualquer anestesia, mesmo que de urgência, preferencial-
cipais aspectos relacionados aos procedimentos anestésicos mente pelo anestesiologista que a executará. Os principais
das cirurgias de revascularização do miocárdio sem circulação objetivos da avaliação pré-anestésica são30:
extracorpórea e das cirurgias de correção de cardiopatias • Captar a confiança do paciente orientando-o sobre a
congênitas. anestesia, os cuidados perioperatórios e tratamento da dor,
reduzindo a ansiedade e facilitando a recuperação.
INTRODUÇÃO • Determinar sua condição física, exames complementa-
res, interconsultas necessárias.
O desenvolvimento de novos cateteres e técnicas na
• Estimar o risco anestésico-cirúrgico do procedimento.
cardiologia intervencionista tem contribuído para redução do
número de pacientes com necessidade de intervenção cirúr- • Selecionar a técnica anestésica e os agentes mais in-
gica. Por outro lado, embora a população cirúrgica tenha dicados para o caso.
passado a ser de pacientes cada vez mais graves e subme- A avaliação pré-anestésica que antecede a cirurgia cardíaca
tidos a cirurgias mais complexas, os resultados têm sido pro- visa principalmente ao sistema cardiovascular, mas também de-
gressivamente melhores. vem ser investigados os sistemas respiratório, hepático, renal,
Nas duas últimas décadas, na cirurgia cardíaca, obser- metabólico, neurológico e hematológico21,30.
vou-se o aprimoramento das técnicas operatórias, dos mé- Os eventos perioperatórios devem ser explicados ao pa-
todos de proteção miocárdica, do melhor entendimento da ciente e familiares, incluindo o transporte para sala de cirur-
circulação extracorpórea (CEC), bem como a melhora dos cir- gia, os acessos vasculares, a indução anestésica e o processo
cuitos, e por fim, o aumento do número de cirurgias sem a de recuperação na Unidade de Terapia Intensiva21.
utilização da CEC. Dados da história, exame físico e investigação labo-
Paralelamente, o desenvolvimento de monitores mais ratorial são usados para delinear o status anatômico e
acurados, associado ao melhor entendimento da fisiopato- funcional do sistema cardiovascular. Além disso, é im-

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235
portante investigar sinais e sintomas sugestivos de dis- Tabela 24.2
função ventricular direita e/ou esquerda, aumento na Sinais de Disfunção Ventricular na Avaliação Pré-Anestésica
gravidade ou freqüência dos ataques anginosos ou pre-
História
sença de disfunção ventricular induzida pela isquemia, o História de infarto prévio ou insuficiência cardíaca congestiva (ICC)
que sugere comprometimento de grandes áreas do mio- Sintomas de ICC: fadiga, dispnéia, ortopnéia, dispnéia paroxística
cárdio. Antecedentes de arritmia devem ser pesquisa- noturna
dos, incluindo tipo, gravidade, se associada a sintomas,
Exame físico
se houve necessidade de intervenção e tratamento. Es- Hipotensão, taquicardia
sas informações permitem a seleção apropriada da moni- Ingurgitação venosa, distensão jugular, presença de B3, B4
torização intra-operatória e agentes anestésicos. Devem Edema, ascite, hepatomegalia
ser também investigadas doenças comumente associa-
Eletrocardiograma
das e os fatores de riscos, tais como, hipertensão arte- Isquemia, infarto
rial sistêmica, diabetes mellitus, tabagismo, dislipidemia Ritmo, anormalidades de condução
e obesidade 15,21,30.
Raio X de tórax
As medicações cardiovasculares de uso rotineiro, inclu- Cardiomegalia, congestão pulmonar, edema pulmonar, derrame
sive os antiarrítmicos, devem ser mantidas até o momento da pleural
cirurgia21. Deve ser realizado exame físico detalhado confor-
me a Tabela 24.1. A Tabela 24.2 mostra os sinais sugestivos Testes de função cardíaca
Fração de ejeção (FE) de ventrículo esquerdo < 0,4
de disfunção ventricular, que devem ser pesquisados na vi- Índice cardíaco < 2,0
sita pré-anestésica. Pressão capilar pulmonar > 18
Ecocardiograma: FE baixa, anormalidades na contratilidade
Ventriculografia: FE baixa, áreas múltiplas de hipocinesia, acinesia
ou discinesia
Tabela 24.1
Aspectos do Exame Físico na Avaliação Pré-Anestésica

Sinais vitais MEDICAÇÃO PRÉ-ANESTÉSICA


Pressão, pulso, freqüências cardíaca e respiratória, temperatura
A seleção da medicação pré-anestésica e a sua dosa-
Peso e altura gem dependerão da idade do paciente, do status cardiovas-
Para o cálculo das dosagens de anestésico, índice cardíaco cular e do grau de ansiedade21,30.
O objetivo da medicação pré-anestésica é diminuir a
Pescoço ansiedade e as alterações hemodinâmicas durante o período
Distensão jugular e sopro carotídeo operatório. Presença de baixo peso, caquexia, disfunção
Previsão de intubação difícil
ventricular ou valvar grave podem potencializar depressão
respiratória, mesmo com baixa dose da medicação. Sedação
Coração
Murmúrios característicos de lesão valvar
adicional pode ser realizada na sala de cirurgia sob observa-
B3 (aumento da pressão diastólica final de ventrículo esquerdo) ção do anestesiologista. A sedação inadequada pode predis-
B4 (diminuição da complacência) por a hipertensão, taquicardia, vasoespasmo coronariano,
Atrito pericárdico propiciando isquemia miocárdica21.
Cardiomegalia A medicação pré-anestésica pode combinar as pro-
priedades sedativas e analgésicas dos opióides (morfina
Pulmões 0,1 a 0,2 mg/kg) com propriedades sedativas e anésticas dos
Congestão: estertores, sibilos, roncos benzodiazepínicos (diazepam 0,05 a 0,1 mg/kg, midazolam
0,03 a 0,05 mg/kg, lorazepam 0,04 mg/kg). É importante lem-
Vasculatura
Acessos venosos
brar que a medicação pré-anestésica pode causar sedação
Palpação dos pulsos periféricos profunda, hipercarbia e hipoxia21.
A clonidina e a dexmedetomidina também podem ser in-
Abdome dicadas como pré-anestésicos. Sua utilização minimiza as al-
Ascite, hepatomegalia terações da pressão arterial e freqüência cardíaca durante a
laringoscopia e a intubação traqueal. Entretanto, pode oca-
Extremidades sionar bradicardia e hipotensão por redução do estímulo
Edema periférico adrenérgico central2.
Sistema Nervoso
Alguns estudos sugerem que a dexmedetomidina pos-
Déficits motores ou sensitivos sui efeito sedativo e analgésico13. Quando usada como me-
dicação pré-anestésica por via intramuscular, possui efeitos

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236
semelhantes ao midazolam, ocasionando pouca alteração Temperatura
hemodinâmica e depressão respiratória17.
Pode ser monitorizada por meio de sensores posiciona-
A rotina utilizada pelo serviço de Anestesia do Institu-
dos no esôfago, reto ou tímpano. Há também a possibilida-
to do Coração é a prescrição de midazolam 15 mg via oral, 45
de de aferição da temperatura sangüínea por meio do cateter
minutos antes da cirurgia, em adultos com função ventricu-
de artéria pulmonar6.
lar normal e 7,5 mg para adultos com disfunção moderada.
Para pacientes com disfunção ventricular grave, idosos ou
caquéticos não é prescrita medicação pré-anestésica. Pressão Arterial Invasiva

Pode ser obtida pela cateterização da artéria radial, ar-


PROCEDIMENTO ANESTÉSICO-CIRÚRGICO téria femoral, artéria braquial ou artéria axilar. Durante a dis-
secção da artéria mamária interna, o pulso da artéria radial ou
M ONITORIZAÇÃO braquial ipsilateral pode ser transitoriamente interrompido.
Oxímetro de Pulso Após a CEC, a pressão da artéria radial pode ser 30 mmHg
menor que a pressão na aorta. O mecanismo pode ser expli-
Mede a fração de oxiemoglobina em relação à hemoglo- cado pela vasodilatação periférica que ocorre durante o
bina reduzida. Permite detectar episódios de hipoxemia, es- aquecimento. Esse gradiente tende a atenuar-se com 45 mi-
pecialmente durante sedação adicional6. nutos após a CEC21.

CO2 Exalado Pressão Venosa Central

A utilização da capnografia e capnometria tem sido suge- Reflete a pressão do átrio direito e, conseqüentemente,
rida por aumentar a segurança do ato cirúrgico. É um método a pressão diastólica final do ventrículo direito. Dessa forma
não-invasivo que permite detectar problemas que podem estará alterada quando houver disfunção ventricular direita,
ocorrer durante a assistência respiratória, como a descone- bem como variações volêmicas importantes. Além disso, o
xão do ventilador, intubação seletiva, hipofluxo pulmonar e acesso venoso central é mandatório para infusão de medi-
outras alterações ventilatórias e metabólicas6. cações vasoativas6.

Eletrocardiograma Cateter de Artéria Pulmonar

Utilizado principalmente nas derivações V5 e DII. A is- Indicado nos casos de infarto agudo do miocárdio com
quemia limitada ao miocárdio, secundária à coronariopatia, instabilidade hemodinâmica, reoperação, co-morbidades como
requer análise das ondas do ECG, sendo a derivação V5 bas- insuficiência renal, procedimentos combinados (valvar + re-
tante sensível para este fim. A derivação DII pode monito- vascularização) e disfunção ventricular esquerda e/ou direita.
rar arritmias e detectar isquemia da parede inferior do VE O cálculo da resistência vascular, do índice cardíaco e
(derivações DII, DIII e a VF correspondem à coronária direi- correlatos, como transporte de oxigênio, é útil para diagnós-
ta). A derivação V5 detecta isquemia da parede anterior do tico do perfil hemodinâmico e seu tratamento. A mensuração
VE (artéria descendente anterior). DI e aVL podem detectar do débito cardíaco permite a análise da função ventricular e,
isquemia da parede lateral do VE (artéria circunflexa). Ocasio- quando acompanhada de medidas pressóricas (pressões: ve-
nalmente, a lesão do miocárdio pode reduzir a voltagem do nosa central, de artéria pulmonar, capilar pulmonar), também
complexo QRS6,21. permite a avaliação indireta da contratilidade ventricular6.
Além das medidas hemodinâmicas, há possibilidade de
Análise do Segmento ST obter parâmetros relacionados ao transporte e extração de
oxigênio, uma vez que o catéter de artéria pulmonar permite
A presença de infra ou supradesnivelamento pode indicar mensurar a saturação do sangue venoso misto e do débito
infarto do miocárdio. O critério clássico para o diagnóstico de cardíaco25.
isquemia subendocárdica é a presença de infradesnivela- Os cateteres de termodiluição com débito cardíaco contí-
mento de 0,1 mV (1mm), que ocorre até 80 ms após o ponto J. nuo, volume diastólico final contínuo e oximetria, de uso mais
O supradesnivelamento do segmento ST traduz um processo recente, são projetados para possibilitar a monitorização das
isquêmico transmural e no intra-operatório ocorre devido a pressões, do débito cardíaco contínuo, do volume diastólico fi-
espasmos coronarianos e com intensidade de 0,1 a 0,2 mV nal contínuo do ventrículo direito e da saturação venosa de
(1 a 2mm). Os critérios de especificidade de um infradesni- oxigênio. Para medir o débito cardíaco continuamente, o equi-
velamento variam conforme a característica de inclinação do pamento emite energia térmica no filamento situado distalmen-
segmento (horizontal, ascendente ou descendente). O diag- te no cateter, usando o princípio da termodiluição. O cateter tem
nóstico de isquemia miocárdica pode ser feito quando tais um filamento especial de 10 cm que fica entre o átrio direito e o
alterações perduram pelo menos por 20 segundos6,21. ventrículo direito, quando corretamente posicionado25.

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Ecocardiografia Transesofágica Atualmente, sabe-se que vários agentes anestésicos
podem ser utilizados em cirurgia cardíaca, permitindo boa
Fornece informações precisas sobre a anatomia e fisio- estabilidade cardiovascular, associado ao despertar mais
logia cardiovascular, com a vantagem de ser menos invasi- precoce no pós-operatório, com menor necessidade de per-
va. Permite a avaliação de isquemia miocárdica durante o manência na Unidade de Terapia Intensiva. Associada aos
intra-operatório, por meio de alterações da movimentação da inúmeros protocolos de agentes anestésicos para cirurgia
parede do miocárdio. Permite também a avaliação da função cardíaca que proporcionam um despertar precoce, veio a
ventricular global. Na cirurgia valvar, permite avaliar a ade- preocupação em instituir técnicas de analgesia pós-operató-
quação de plásticas valvares. Outras indicações são: avalia- ria. Estas técnicas são empregadas com objetivo de minimi-
ção pré-operatória das correções cirúrgicas de cardiopatias zar a dor principalmente visando diminuir as complicações
congênitas, aneurisma de ventrículo, aneurisma e dissecção pulmonares, como as atelectasias. A utilização de opióides
de aorta pericardiectomias3,6. intratecais e a técnica do PCA “patient central analgesia” são
aquelas que têm sido mais utilizadas33.
Monitorização do Sistema Nervoso Central Ao selecionar-se a técnica que melhor benefício traria
para aquele determinado tipo de paciente, alguns questiona-
Pouco utilizada em cirurgia cardíaca, exceto em circulação
mentos se fazem necessários: Qual o tipo de afecção, qual
extracorpórea com hipotermia profunda e parada circulatória.
a técnica cirúrgica proposta? Existirão procedimentos asso-
ciados? Existe comprometimento da função ventricular?
Eletroencefalografia Quais são as doenças associadas?
Monitorização do balanço entre o consumo e a oferta O objetivo maior na escolha do agente anestésico é a
de oxigênio no córtex cerebral. Depressão da atividade do estabilidade hemodinâmica visando reduzir o consumo de
EEG indica que a oferta de oxigênio está comprometida6. oxigênio pelo miocárdio. Neste sentido, o entendimento da
Doppler transcraniano: permite obter informação fisiopatologia das diversas afecções assume um papel pri-
contínua e em tempo real da velocidade do fluxo sangüíneo mordial. A seguir, menciona-se alguns cuidados necessários
nos vasos da base do cérebro, mas principalmente da arté- perante as diferentes afecções cardíacas quanto à escolha da
ria cerebral média. Tem sido usado durante endarterectomia técnica anestésica.
de carótida para determinar alteração de perfusão durante o
pinçamento da artéria carótida interna. ESTENOSE MITRAL
Saturação venosa do bulbo jugular: permite a avalia-
ção contínua ou intermitente da saturação venosa de oxigê- Nesta afecção há diminuição da área valvar e, por con-
nio na veia jugular e a medição da diferença arteriovenosa seqüência, o débito cardíaco torna-se limitado pelo volume
cerebral6. de sangue que passa através da valva. Os pontos básicos
na conduta anestésica são o controle da freqüência cardía-
ca e da hipertensão venocapilar pulmonar. Por prejudicar o
Monitorização da Profundidade Anestésica
esvaziamento atrial esquerdo, a elevação da freqüência car-
Índice Bioespectral é um método derivado do EEG pro- díaca é deletéria, possibilitando o surgimento de edema pul-
cessado, que gera um valor numérico com escala de 0 a 100, monar e insuficiência ventricular direita16,32.
sendo que o decréscimo dos valores indica maior grau de
sedação e hipnose6. Esta monitorização tem crescido entre INSUFICIÊNCIA MITRAL
os anestesiologistas, o que permite titular com mais segu-
rança a dose dos agentes anestésicos. Os principais determinantes do quadro hemodinâmico
na insuficiência da valva mitral são o volume e a complacên-
Monitorização da Função Renal cia do átrio esquerdo. O objetivo principal do controle anes-
tésico neste caso é a redução da fração regurgitante com
Sonda vesical para mensurar o débito urinário6. vasodilatadores, evitando a distensão ventricular, aumento
da resistência vascular periférica, bradicardia, hipertensão
venocapilar pulmonar e diminuição da contratilidade16,32.
SELEÇÃO DA TÉCNICA ANESTÉSICA
ESTENOSE AÓRTICA
Por muito tempo foram utilizadas na cirurgia cardíaca
técnicas anestésicas baseadas em altas doses de opiáceos, Na estenose da valva aórtica existe aumento da pressão
por estes conferirem boa estabilidade cardiovascular durante sistólica ventricular, com formação de gradiente de pressão
o ato anestésico cirúrgico. No entanto, o uso de altas doses entre ventrículo esquerdo e aorta. Isto acarreta hipertrofia
destes agentes determinava um período mais prolongado de concêntrica do ventrículo esquerdo e conseqüente diminui-
permanência do tubo orotraqueal e ventilação mecânica no ção da sua complacência. Entre os principais objetivos na
pós-operatório. anestesia destes pacientes, destacam-se a manutenção da

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238
freqüência cardíaca, do ritmo sinusal, das pressões de enchi- dem causar retenção hídrica importante e disfunção de múl-
mento elevadas e da pós-carga diminuída, bem como a pre- tiplos órgãos. A disfunção temporária de praticamente todos
servação da contratilidade16,32. os órgãos e sistemas ocorre normalmente após períodos
mais prolongados de CEC e reação intensa de defesa do or-
INSUFICIÊNCIA AÓRTICA ganismo, definida como resposta inflamatória sistêmica
(SIRS), podendo levar à exacerbação das alterações inflama-
Nesta afecção há sobrecarga de volume no ventrículo tórias no pós-operatório19,24,35.
esquerdo, levando à hipertrofia excêntrica. À semelhança da
insuficiência mitral, um dos objetivos da anestesia é evitar CUIDADOS APÓS A CIRCULAÇÃO EXTRACORPÓREA
a distensão do ventrículo esquerdo, evitando assim o aumen-
to do refluxo do sangue durante a diástole16,32. Apesar do grande aprimoramento dos métodos de CEC
observado nos últimos anos, este procedimento ainda repre-
REVASCULARIZAÇÃO M IOCÁRDICA senta uma situação não-fisiológica, cujo desmame pode ser
dificultado por diferentes fatores e sem dúvida é o período
Na cirurgia de revascularização do miocárdio, em face mais crítico da anestesia para cirurgia cardíaca. Uma vez que
do comprometimento variável da circulação coronária, deve- a correção cirúrgica tenha sido satisfatória, os principais fa-
se sempre objetivar a otimização da relação entre a oferta e tores que devem ser considerados na saída da CEC são: a
o consumo de oxigênio. O que pode ser obtido com diver- freqüência cardíaca, o retorno venoso, a função ventricular
sas técnicas anestésicas, sendo comum o emprego de anes- e a pós-carga, indiretamente avaliada por meio da resistên-
tésicos inalatórios, mesmo durante o período da CEC12,26. cia vascular e da pressão arterial.
A partir destas considerações, alguns pontos devem ser
CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A CIRCULAÇÃO sempre considerados na saída da CEC, como: a avaliação vi-
EXTRACORPÓREA sual da função cardíaca; a otimização da freqüência, se ne-
cessário com a instalação de marca-passo; a análise do
Durante a CEC, o sangue é circulado por meio de bom- eletrocardiograma para detecção de sinais de isquemia; a
ba mecânica de fluxo contínuo, que é independente dos con- avaliação o ajuste da pré-carga, evitando-se a distensão do
troles fisiológicos. Muitos dos reflexos fisiológicos estão coração; a otimização da pós-carga com a utilização de agen-
inibidos ou modificados por alterações na temperatura, va- tes vasodilatadores e o início da infusão de inotrópicos e/ou
riações ácido-básicas, hemodiluição, freqüência cardíaca e
inodilatadores, como os inibidores da fosfodiesterase, antes
modificações no tônus vascular causado pela produção e li-
do término da CEC, em pacientes com má função ventricu-
beração de substâncias vasoativas. Em decorrência destas
lar. Paralelamente, é importante lembrar que o tempo de CEC
alterações, a pressão colóido-osmótica é reduzida, a permea-
prolongado (superior a 150 minutos) relaciona-se muitas ve-
bilidade capilar aumenta e ocorre transferência importante de
zes à disfunção ventricular e à dificuldade de desmame.
fluídos do espaço extravascular19,24,35.
Além disso, pode ser necessário o tratamento de arritmias
Também ocorrem alterações nos mecanismos fisiológi- por cardioversão ou agentes antiarrítmicos, a otimização do
cos do sangue, devido ao seu contato com as substâncias
transporte de oxigênio e o controle adequado do equilíbrio
estranhas do circuito e do oxigenador. Este contato ativa os
hidroeletrolítico e da hipoxemia.
sistemas enzimáticos do plasma e das células sangüíneas,
desnatura as proteínas plasmáticas e introduz substâncias Pacientes com dificuldade à saída da CEC ou que ne-
estranhas à circulação. São ativados pelo menos cinco sis- cessitem voltar à mesma devem ter a monitorização otimiza-
temas protéicos do plasma e cinco tipos de células sangüí- da. Com este objetivo, é importante a verificação do débito
neas durante a perfusão com sangue heparinizado. Dentre cardíaco e da pré-carga ventricular esquerda por cateter po-
estes sistemas, destacam-se o sistema de contato, caracte- sicionado na artéria pulmonar20. Quando esta situação não
rizado pelos fatores XI e XII e pela pré-calicreína, os siste- for possível, a introdução de um cateter no átrio esquerdo
mas intrínseco e extrínseco da coagulação, a cascata do permite a adequada avaliação da pré-carga do sistema es-
complemento e o processo de fibrinólise. As células sangüí- querdo. O emprego da ecocardiografia transesofágica deve
neas mais afetadas são as plaquetas, os neutrófilos, os mo- ser também considerado quando houver dificuldade à saída
nócitos, os linfócitos e as células endoteliais19,24. da CEC. Este exame é muito útil na determinação da causa da
Como conseqüência da ativação de elementos do san- falência circulatória, que pode estar relacionada à existência
gue durante a CEC, podem ocorrer distúrbios hemorrágicos de insuficiência valvar residual, de cavidades ventriculares
associados à presença de heparina, à baixa atividade do sis- pequenas ou ainda de comprometimento global da função
tema plaquetário e à fibrinólise. É produzida uma grande va- ventricular3.
riedade de pequenos êmbolos, que não pode ser totalmente A falência ventricular direita deve ser sempre considerada
prevenida pela filtração do sangue, impactando-se em arte- nos portadores de hipertensão pulmonar, de infarto de ven-
ríolas e capilares do SNC. Além disso, várias substâncias trículo direito ou de falência ventricular esquerda. Nos casos
vasoativas, que afetam a permeabilidade capilar e o tônus de hipertensão pulmonar e disfunção de ventrículo direito,
vascular, são liberadas na circulação. Estas alterações po- sem disfunção importante do ventrículo esquerdo, a utilização

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239
do óxido nítrico deve ser considerada em associação ao ajuste lação e ativação da fibrinólise, especialmente quando a CEC
volêmico e ao uso de inotrópicos e vasodilatadores18,23. é prolongada.
A seleção de drogas inotrópicas ou vasodilatadoras no Quando os distúrbios de coagulação são secundários
período de saída da CEC deve ser feita de acordo com o efei- às alterações da hemostasia, as anormalidades da coagulação
to desejado4. Pacientes mais graves freqüentemente neces- devem ser corrigidas, seja pela administração de produtos
sitam associações de inotrópicos e de vasodilatadores, que fracionados do sangue ou pelo uso de substâncias farmaco-
também podem ser administrados conjuntamente com inibido- lógicas com propriedades hemostáticas5,22.
res da fosfodiesterase23. Quando não ocorrer melhora imediata A heparinização prévia à instalação da CEC deve ideal-
com o tratamento medicamentoso instituído, a indicação do mente garantir completa inibição da ativação da cascata da
uso de assistência circulatória mecânica, inicialmente com o coagulação, com manutenção de todos os seus componen-
emprego do balão intra-aórtico, deve ser prontamente estabe- tes de forma que a coagulação normal possa ser restaurada
lecida. Na vigência de grande comprometimento pré-operató- após a sua reversão. Neste sentido, o sulfato de protamina
rio da função ventricular, o emprego do balão intra-aórtico deve ser administrado em doses adequadas para a neutrali-
deve ser considerado antes mesmo do início da CEC ou do zação da heparina circulante ao final da CEC, evitando-se o
procedimento cirúrgico4,11. sangramento pós-operatório desencadeado tanto pelo exces-
Durante o ato anestésico-cirúrgico a ventilação passa so de heparina, quanto de protamina. A neutralização da he-
a ser nas modalidades volume ou a pressão controlada, com parina é realizada com protamina na relação de 1:1, diluída em
os parâmetros de freqüência respiratória de 12 rpm, fração 100 mL de SF 0,9% e infundida via intravenosa lentamente.
inspirada de oxigênio de 0,5, volume corrente de 6 a 8 mL/kg A intervenção farmacológica para promover hemostasia
peso, relação inspiração/expiração de 1:2 e com pausa ins- deve ser considerada em algumas circunstâncias. Em relação
piratória de 10%. Durante a cirurgia, mantém-se o PEEP. Ao à disfunção plaquetária, se a contagem de plaquetas for in-
final da cirurgia, acrescenta-se pressão positiva expiratória ferior a 100.000/mm3, deve-se considerar a transfusão imediata
final (PEEP) conforme o valor da saturação periférica de oxi- de concentrado de plaquetas. A transfusão de plasma fres-
gênio, em média de 5 a 10 cmH2O8. co congelado ou de fibrinogênio (crioprecipitado) também
Indica-se o recrutamento alveolar quando a relação pode ser necessária, embora o sangramento por coagulopa-
PaO2/FiO2 for menor que 200 e quando há presença de ate- tia ocorra geralmente quando os fatores de coagulação di-
lectasias e hipoxemia. Neste caso, aumenta-se a concentra- minuem a 30% do normal.
ção de O2 para 80% e a partir do valor inicial da PEEP, Outro aspecto importante do controle da hemostasia
aumenta-se progressivamente a pressão, de 2 em 2 cmH2O, após cirurgia cardíaca com CEC é o uso de medicações an-
até alcançar 20 cmH2O. Mantém-se a PEEP em 20 cmH2O por tifibrinolíticas. Apesar da heparinização adequada durante a
30 segundos com a redução gradual até atingir seu valor ini- CEC, a atividade do sistema de coagulação ainda pode ser
cial. Outro método utilizado para recrutamento, é a venti- demonstrada pela persistência da atividade da trombina, que
lação com pressão positiva e aumentar a pressão de 2 em entre outras ações atua nas células da microvasculatura para
2 cmH2O até atingir um volume corrente de 1.000 mL, durante induzir a produção de ativador tecidual do plasminogênio,
cinco minutos. Então, retorna-se à modalidade ventilatória iniciando a conversão do plasminogênio em plasmina, ati-
prévia com PEEP de 5 a 10 cmH2O8. vando então o processo de fibrinólise5,22.
Evitar concentração elevada de oxigênio, inclusive na A aprotinina é um polipeptídeo natural extraído do pul-
indução anestésica, é a maneira mais simples para prevenir mão bovino e tem ações inibidoras da proteinase, reduzin-
atelectasias. do a fibrinólise por inibir a conversão do plasminogênio em
plasmina. Ensaios clínicos controlados em cirurgia cardíaca
CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE USO DE com CEC mostraram diminuição do sangramento e da neces-
MEDICAÇÕES HEMOSTÁTICAS sidade de transfusão sangüínea no período pós-operatório.
A partir destes estudos, a aprotinina tem sido indicada ha-
Distúrbio hemorrágico é complicação relativamente fre- bitualmente em reoperações, coagulopatias adquiridas ou
qüente, principalmente a CEC com tempo superior a 90 mi- congênitas, na fase não-trombótica da coagulação intra-
nutos. Além das complicações relacionadas ao sangramento vascular disseminada, nas endocardites, no transplante car-
propriamente dito, existe também aumento do risco de falência díaco e alergia a protamina. Como contra-indicações, atenção
ventricular, arritmias e infecção pós-operatórias. O emprego da especial na utilização nos casos que apresentem fenômenos
CEC em períodos curtos, hemostasia cirúrgica rigorosa, ma- tromboembólicos, distúrbios da hemostasia (anticoagulante
nutenção da temperatura corpórea e controle da hipertensão lúpico, síndrome antifosfolipídica, deficiência de antitrombi-
arterial são medidas simples que podem ajudar a reduzir a na III), alergia a derivados bovinos e insuficiência renal crô-
incidência desta complicação bem como a necessidade de nica ou aguda5,22.
transfusão de hemoderivados no perioperatório. Quando da utilização da aprotinina, no entanto, é im-
Na maioria das vezes, a principal causa de sangramen- portante que fatores que ativam ou favoreçam a coagulação
to relacionado à cirurgia cardíaca é a disfunção plaquetária. como plasma fresco, crioprecipitado e plaquetas não devam
Por outro lado, pode haver redução dos fatores de coagu- ser utilizados durante a CEC. Após a CEC, caso haja a neces-

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240
sidade da administração de hemoderivados, estes não de- Vários avanços tecnológicos foram responsáveis pelos
vem ser infundidos na mesma via da aprotinina. Um frasco resultados atualmente alcançados pela cirurgia de revascu-
de aprotinina contém 50 mL com 500.000 UIK (unidade ini- larização do miocárdio sem o uso da CEC. Do ponto de vista
bidora de calicreína) que é igual a 70 mg. Devido a relatos na técnico, no entanto, o cirurgião precisa de campo cirúrgico
literatura de tromboses, tem sido diminuída a dose utilizada sem sangue e com pouca mobilidade, sendo necessária a in-
no transoperatório, com bons resultados e menos efeitos terrupção temporária do fluxo coronário. Pinças ou garrotes
colaterais. Usualmente inicia-se dose de ataque 100 mL na vasculares são empregados na região proximal dos vasos e
indução anestésica que deve ser administrada por período de algumas vezes também distalmente durante a arteriotomia
20 a 30 minutos, lembrando sempre de fazer dose-teste com 2 coronária. Estas manobras, no entanto, podem promover is-
a 3 mL ainda com o paciente acordado devido ao risco de aler- quemia miocárdica, que pode ocasionalmente desencadear
gia. A manutenção é de 25 mL/hora em infusão contínua até arritmias e instabilidade hemodinâmica. Paralelamente, a es-
o início da CEC, reiniciar após a protamina até o fechamento tabilização do coração é necessária para facilitar as anasto-
do tórax. No perfusato da CEC 100 mL. Não ultrapassar a dose moses com os vasos coronários, sendo normalmente obtida
total de 7. 000.000 UIK durante o procedimento. com o uso de estabilizadores que imobilizam e comprimem
O ácido ε-aminocapróico é antifibrinolítico inibidor da parcialmente as câmaras ventriculares28.
plasmina e a sua concentração plasmática efetiva para inibi- O manejo anestésico da cirurgia de revascularização do
ção da fibrinólise é de 130 mg/mL. Esta concentração é ha- miocárdio sem CEC inclui os mesmos aspectos gerais dos
bitualmente alcançada com bolus inicial de 100 a 150 mg/kg procedimentos convencionais. No entanto, a hipotermia du-
de peso durante 20 a 30 minutos, seguido de infusão contí- rante o procedimento pode ser um problema, cujo controle
nua de 0,5 a 1,0 g/hora. A duração de sua ação é de cerca de deve ser feito pela administração de fluidos aquecidos no
três horas, sendo 90% eliminado pela urina em 24 horas. Per- intravascular e no espaço pleural pelo cirurgião. A monito-
mite diminuição das perdas sangüíneas e da necessidade de rização da pressão da artéria pulmonar tem sido uma estra-
transfusão de hemoderivados, sendo a sua utilização cada tégia também recomendada, mas o seu uso rotineiro é
vez mais difundida na literatura por apresentar bons resul- controverso. Já a monitorização da mecânica respiratória e
tados com custos menores e menos efeitos trombóticos27. das trocas gasosas está sempre indicada. Alguns grupos
O ácido tranexâmico é também um inibidor da plasmina também utilizam a ecocardiografia transesofágica para detec-
e a sua concentração plasmática para inibição da fibrinólise tar anormalidades da contratilidade regional e otimizar a pré-
é entre 10 e 15 mcg/mL. Estudos em adultos submetidos a carga durante o procedimento. Finalmente, aspectos como o
cirurgia cardíaca com CEC têm demonstrado redução nas uso de anestésicos de curta duração, controle agressivo da
perdas sangüíneas e nas transfusões. Casos de trombose dor pós-operatória para permitir uma extubação mais rápida
vascular foram descritos durante tratamentos prolongados, e um período de estadia mais curto em unidade de terapia
especialmente em pacientes com lesões ateromatosas7. intensiva têm sido considerados14.
O serviço de anestesia do Instituto do Coração pre- Em relação à estabilização do coração, a imobilização da
coniza o emprego do ácido ε-aminocapróico como agen- área da anastomose também pode ser obtida com o empre-
te antifibrinolítico em adultos. Este agente é normalmente go de agentes farmacológicos para induzir bradicardia. Os
empregado na dose de 3 g, administrada em bolus antes agentes empregados com esta finalidade são os bloqueado-
da indução anestésica, seguindo-se à infusão contínua de res de cálcio e os β-bloqueadores, sendo também utilizada
1 g/hora até o fechamento do esterno. a anestesia peridural torácica alta, associada ao emprego de
dispositivos de assistência circulatória mecânica9.
ANESTESIA PARA REVASCULARIZAÇÃO DO Atualmente, com novos dispositivos mecânicos para
MIOCÁRDIO SEM CIRCULAÇÃO EXTRACORPÓREA fixação do coração, agentes farmacológicos ou mesmo epi-
dural torácica para reduzir a freqüência cardíaca e o inotro-
Existem evidências consideráveis de que a cirurgia de pismo ficaram para segundo plano.
revascularização do miocárdio sem o uso da CEC, quando Por outro lado, drogas vasoativas devem estar prepara-
bem indicada e corretamente realizada, reduz o custo e a das e prontas para serem administradas, já que a ocorrência
permanência hospitalar dos pacientes, minimizando a mor- de deterioração cardiovascular pode acontecer rapidamente
bidade resultante do uso deste dispositivo. Este procedi- e necessitar pronta intervenção. Em geral, pequenas doses
mento permite a revascularização completa do miocárdio em em bolus de epinefrina (10 a 20 mg) são suficientes para res-
um percentual expressivo de pacientes, com resultados tabelecer a contratilidade cardíaca. O desafio na cirurgia de
comparáveis aos obtidos com a cirurgia convencional em revascularização do miocárdio sem CEC é a dualidade entre
relação à permeabilidade dos enxertos. Em conseqüência, a circulação e o consumo miocárdico de oxigênio. Exceto
não é nenhuma surpresa a observação de que o número de para pacientes com comprometimento importante da função
cirurgias de revascularização do miocárdio realizadas sem cardíaca ou ainda com baixo débito cardíaco, infusões de
CEC tem-se elevado significativamente a partir de 1995, agentes α e β-agonistas, como dopamina, dobutamina, no-
sendo esperado que alcance 50% do total destas cirurgias radrenalina e epinefrina não devem ser realizadas regularmen-
nos próximos anos10,29,31. te. Por outro lado, a circulação sistêmica deve ser preservada

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adequadamente para se evitar a ocorrência de hipotensão. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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243
25 Distúrbios da Hemostasia na Cirurgia
Cardíaca e a Sua Prevenção

Roberto Abi Rached


Luciana Pereira Almeida de Piano
Cyrillo Cavalheiro Filho

RESUMO dimento bastante complexo, esta vem acompanhada de di-


versos fatores que agridem o sistema sangüíneo. Estes fa-
A cirurgia cardíaca é um procedimento cirúrgico bastan- tores estão resumidos na Tabela 25.1.
te complexo e, invariavelmente, está acompanhada de várias
situações que agridem o sistema sangüíneo e prejudicam a
hemostasia. Tabela 25.1
Os distúrbios da hemostasia causam aumento do risco Condições Desfavoráveis, Presentes na Cirurgia Cardíaca
de hemorragia pós-operatória e, conseqüentemente, aumen-
to das necessidades transfusionais, situações que aumen- Extensa lesão óssea
Extensa lesão de tecidos
tam a morbidade e a mortalidade dos pacientes operados. Administração de altas doses de heparina e protamina
A monitorização do sistema sangüíneo no perioperató- Parada dos movimentos do coração e pulmão
rio de cirurgia cardíaca tenta quebrar este círculo vicioso, Sistema de circulação extracorpórea:
tentando atenuar os distúrbios da hemostasia, reduzindo o • Hemodiluição
• Hipotermia
sangramento pós-operatório e utilizando de forma racional a
• Contato do sangue com superfície estranha
transfusão homóloga. • Agressão mecânica/trauma sobre os elementos sangüíneos
• Hipotensão e hipoperfusão tecidual
DISTÚRBIOS DA HEMOSTASIA NA CIRURGIA
CARDÍACA E SUA PREVENÇÃO
Após serem expostos às condições desfavoráveis, pre-
O sistema de hemostasia tem a vital função de manter sentes na cirurgia cardíaca, estes pacientes poderão desen-
o sangue no estado líquido na presença de endotélio vas- cadear as seguintes complicações: hemólise intravascular35;
cular íntegro e, ao mesmo tempo, na ocorrência de lesão plaquetopenia25; coagulopatia49; aumento da atividade do
vascular, iniciar um processo de ativação que resultará na sistema fibrinolítico49; disfunção de órgãos26; necrose de
formação do coágulo de fibrina. Para atingir este objetivo, o
órgãos48; disfunção neurológica com alterações cogniti-
organismo dispõe de uma série de estruturas e elementos que
vas37; aumento do risco de infecção36; e aumento da ativi-
interagem entre si, criando um equilíbrio dinâmico entre os
dade inflamatória17.
fatores ativadores e inibidores. Diversas situações anormais
podem perturbar este equilíbrio. Sempre que algum distúrbio Todas estas situações desfavoráveis e suas conse-
resultar no aumento de fatores inibidores ou na diminuição/ qüentes complicações poderão se expressar por aumento
hipofunção dos fatores ativadores da hemostasia, o paciente do risco de hemorragia pós-operatória. Em média, 2,5%
estará com maior risco hemorrágico. Por outro lado, quando a 6% dos pacientes submetidos a cirurgia cardíaca com
a alteração resultar em aumento dos ativadores ou diminuição/ CEC necessitam de revisão cirúrgica do sangramento
hipofunção dos inibidores da hemostasia o paciente apresen- pós-operatório 6,41.
tará aumento do risco de trombose. Além de aumentar os riscos, o sangramento pós-ope-
Sabe-se que a cirurgia cardíaca poderia causar altera- ratório impõe a utilização de grandes volumes de transfusão
ções nos dois extremos. Isto porque, além de ser um proce- homóloga, agravando e aumentando a mortalidade dos pa-

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245
cientes29. Aproximadamente, 5% dos pacientes submetidos podem precipitar um estado de coagulação intravascular
a cirurgia cardíaca com CEC recebem politransfusão41, o que disseminada31,32 e a história de alergia à ingestão de peixe,
equivale a um volume transfusional de uma volemia do pa- crustáceos e vasectomia prévia parece estar relacionada a
ciente em um período de até 24 horas. maior risco de reação à protamina.
Diante do quadro atual, visando atenuar os distúrbios
da hemostasia, reduzir o sangramento pós-operatório e, con- Medicamentos
seqüentemente, as necessidades de transfusão homóloga,
torna-se fundamental um monitoramento do sistema sangüí- Alguns medicamentos ingeridos pelo paciente no pe-
neo no perioperatório de cirurgia cardíaca. ríodo pré-operatório podem interferir no sistema de hemos-
tasia, além de sugerir doenças que eventualmente ocorreram
AVALIAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA recentemente. Avaliar os medicamentos nos últimos 10 dias,
com especial atenção nos antiplaquetários (aspirina, clopi-
Objetiva-se conhecer as condições clínicas pré-cirúrgi- dogrel, ticlopidina), anticoagulantes, trombolíticos e antiin-
cas de cada paciente, estimar os riscos e propor condutas flamatórios.
para reduzir ou prevenir eventuais complicações.
Antecedentes Transfusionais
História Clínica
Os pacientes previamente transfundidos apresentam
Antecedentes Hemorrágicos maiores riscos de sensibilização e de reações transfusionais,
além de, ocasionar maior dificuldade para a obtenção de
Interrogar a ocorrência de perdas sangüíneas anormais. hemocomponentes compatíveis. Nestes casos, pesquisar o
Os distúrbios intensos, via de regra, são conhecidos e rela-
local, tipo dos hemocomponentes, volume transfundido e
tados. As alterações leves e moderadas podem ser assinto-
descrição de eventuais reações. Indivíduos com anteceden-
máticas e desconhecidas dos pacientes.
tes de reações transfusionais poderão necessitar de condu-
O médico deve estimular o paciente sugerindo exemplos tas específicas para prevenir futuras reações.
práticos que facilitem a interpretação. Questionar quanto à
ocorrência de sangramento após escovação dos dentes, ex-
trações dentárias, cortes na pele, hematomas, epistaxes fre- Antecedentes Familiares
qüentes, perdas menstruais intensas, hemorragias após
Na pesquisa de distúrbios hemorrágicos, hemolíticos e
cirurgias ou partos já realizados. Em crianças, questionar os
tromboembólicos, o médico deverá interrogar sobre porta-
pais quanto a sangramento em coto umbilical, sangramento
dores de hemofilia, doença de von Willebrand, anemia falci-
após erupção dentária e formação desproporcional de gran-
forme, talassemias, abortamentos de repetição, tromboses,
des hematomas.
acidente vascular cerebral e outros eventuais distúrbios. A
presença de antecedentes familiares importantes poderá im-
Antecedentes Tromboembólicos por uma investigação específica.
A ocorrência de fenômenos tromboembólicos ou
abortamentos de repetição pode sugerir maior tendência Exame Físico
a complicações trombóticas, especialmente, após a utili-
zação de agente antifibrinolítico ou concentrado de fato- Esta etapa deverá estar voltada para a procura de sinais
res de coagulação. que sugiram alterações hematológicas. Os parâmetros impor-
tantes a serem analisados são: coloração de pele e mucosa,
icterícia, petéquias, hematomas, equimoses, hemartroses, te-
Condições Clínicas
leangiectasia, apalpação de gânglios, edema, circulação co-
Tem sido demonstrado aumento das complicações ci- lateral, ginecomastia em homens, tamanho e textura do fígado
rúrgicas em pacientes com múltiplos agravos clínicos90. Al- e baço, ascite, edema de membros inferiores e outros sinais
terações hepáticas e/ou hiperesplenismo prejudicam a importantes que estejam eventualmente presentes.
produção de fatores do sistema de coagulação e desenvol-
vem hiperatividade do sistema fibrinolítico34; a insuficiência Exames Laboratoriais
renal agrava ou desencadeia anemia e disfunção plaquetá-
ria; a insuficiência cardíaca pode levar à estase venosa com A triagem laboratorial pré-operatória, apresentada na
conseqüente comprometimento hepático; a hipertensão pul- Tabela 25.2, poderá ser realizada em todos os pacientes ci-
monar pode desencadear lesão endotelial com aumento da rúrgicos. Nos casos de distúrbios hematológicos relatados
atividade pró-coagulante; a presença de hemólise intravas- ou alterações nestes exames de triagem, será necessária a
cular, trauma, infecção, câncer e próteses valvares metálicas realização de exames adicionais e específicos.

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246
Tabela 25.2 Hemofilia, Doença de von Willebrand e Outras
Exames Laboratoriais de Triagem Deficiências Graves de Fatores de Coagulação

• Tempo de protrombina (TP) Estes casos deverão ser acompanhados por especialis-
• Tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPA) ta, em serviço que disponha de laboratório de hemostasia e
• Tempo de trombina ou dosagem de fibrinogênio de concentrados específicos de fatores de coagulação.
• Contagem plaquetária
• Tempo de sangramento*
• Hemograma completo Pacientes Anticoagulados
• Tipagem sangüínea
• Pesquisa de anticorpos irregulares Os pacientes que recebem anticoagulação estão sendo
• Testes sorológicos (hepatite B e C)
• Bilirrubinas totais e frações*
tratados para situações de alto risco tromboembólico. Por
• Avaliação das funções hepática e renal outro lado, mesmo os pacientes adequadamente anticoagu-
lados estão com parte de sua hemostasia comprometida e,
* Exames que podem ser classificados como específicos. Obs.: outros portanto, apresentam maior risco de fenômenos hemorrági-
exames poderão ser realizados a critério de cada serviço. cos. Nesta apresentação, estaremos classificando os pacien-
tes em função do seu risco trombótico basal e do potencial
DIAGNÓSTICO PRÉ-OPERATÓRIO hemorrágico do procedimento cirúrgico.

Neste parágrafo, apresentaremos uma classificação empí- Pacientes Anticoagulados por Apresentarem Risco
rica do diagnóstico hematológico pré-operatório. Esta classifi- Trombótico MODERADO
cação objetiva individualizar os riscos da intervenção cirúrgica
e propor medidas terapêuticas e profiláticas específicas. 1. Fibrilação atrial (FA) sem complicações em pacien-
tes com menos de 65 anos de idade.
Condições Gerais Satisfatórias 2. Antecedentes de tromboembolismo há mais de três
meses e desaparecimento do fator de risco.
São indivíduos que não apresentam antecedentes de Estes pacientes, quando necessitarem de procedimen-
sangramento ou trombose, seu quadro clínico geral é satis- tos eletivos invasivos de alto risco hemorrágico (cirurgia
fatório e seus exames laboratoriais encontram-se dentro dos cardíaca ou outras cirurgias de grande porte) terão o seguin-
limites de normalidade. Via de regra, não necessitam de me- te esquema3:
didas terapêuticas especiais. Eventualmente, os pacientes
• Suspender anticoagulante oral (AVK) 5 dias antes da
que vierem a apresentar sangramento excessivo deverão ser
cirurgia.
reestudados.
• Controlar normalização do INR.
• Iniciar, 24 horas após suspensão do AVK, heparina
Portadores de Distúrbios Clínicos Descritos no não-fracionada (HNF) ou heparina de baixo peso mo-
Item “Condições Clínicas” lecular (HBPM) em dose profilática.
Na medida do possível, tentar tratar, reverter ou atenuar • Não administrar heparina por 24 horas antes do início
estas alterações clínicas. da cirurgia.
• Pós-operatório: profilaxia com HNF/HBPM.
Plaquetopenia • Após retirada dos drenos torácicos, reiniciar AVK.

O número mínimo aceitável de plaquetas para se iniciar Pacientes Anticoagulados por Apresentarem ALTO
uma cirurgia não está definitivamente estabelecido, e pode Risco Trombótico
ser diferente para cada procedimento cirúrgico e para cada
paciente. A indicação de transfusão de concentrado de pla- 1. FA associada a alterações cardíacas anatômicas e/ou
quetas nos períodos pré- e pós-operatório de cirurgia cardía- pacientes com mais 65 anos.
ca estarão descritos em parágrafo específico. 2. Evento tromboembólico recente (menos de três me-
ses) independente da presença do fator de risco.
Testemunhas de Jeová 3. Evento tromboembólico há mais de três meses e ma-
nutenção do fator de risco.
Estes indivíduos não aceitam a utilização de sangue e
4. Prótese cardíaca mecânica.
seus hemocomponentes como instrumento terapêutico. Este
tema é bastante polêmico entre os profissionais que assis- 5. Pré-operatório de tromboendarterectomia de artéria
tem ao paciente cirúrgico, porém, na visão dos autores, após pulmonar.
esclarecimento e conscientização a respeito dos possíveis 6. Outras indicações de anticoagulação plena.
riscos, as partes deverão estabelecer um acordo formal que Estes pacientes, quando necessitarem de procedimen-
deverá ser respeitado. tos eletivos invasivos de alto risco hemorrágico (cirurgia

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cardíaca ou outras cirurgias de grande porte) terão o seguin- esquema: dose de ataque: 400 U/kg de HNF, EV em bolus an-
te esquema3: tes do início da CEC; dose de manutenção: 100 U/kg de
• Suspender AVK cinco dias antes da cirurgia. HNF, na CEC, sempre que o tempo de coagulação ativada
• Controlar normalização do INR. (TCA) estiver abaixo do nível estabelecido, que é de quatro
• Iniciar, 24 horas após suspensão do AVK, heparina a cinco vezes o valor de TCA pré-heparina.
não-fracionada (HNF) ou heparina de baixo peso molecular Durante a CEC, é imperativa a realização periódica de
(HBPM) em dose de anticoagulação plena. monitorização laboratorial da anticoagulação. O exame mais
• 24 horas do pré-operatório: anticoagulação plena HNF. utilizado para este fim é o TCA que deverá ser realizado nos
momentos:
• Três horas antes do início da cirurgia: suspender ad-
ministração da HNF. 1. Antes da administração de heparina.
• Pós-operatório: anticoagulação plena. 2. Após administração de heparina e pré-CEC.
3. A cada 20 minutos durante a CEC, se os valores de
anticoagulação estiverem adequados.
Pacientes Anticoagulados que Necessitam, em Caráter
de Urgência (Menos de 24 Horas), de Procedimento 4. Cinco minutos após administração de dose de ma-
Cirúrgico com Alto Risco Hemorrágico (Cirurgia nutenção de heparina.
Cardíaca ou Outras Cirurgias de Grande Porte)3 5. Pré-protamina.
6. 10 a 15 minutos após a administração de protamina.
• Suspender anticoagulante oral. A protamina, cujo objetivo é neutralizar a heparina, será
• Vitamina K 5 mg EV cada 12 horas (duas doses). administrada após o término da CEC na dose de 1 mg de pro-
• Colher INR no pré-operatório imediato. tamina para cada 100 unidades de HNF utilizadas na dose de
• Se INR ≤ 1,5: liberar para cirurgia. ataque. O valor desejado de TCA pós-protamina é de até
• Se INR > 1,5: administrar, no pré-operatório imediato, 15% superior ao valor da pré-heparina.
plasma fresco (duas bolsas no adulto e 15 mL/kg na crian-
ça) ou concentrado do complexo protrombínico (20 a 30 uni- Transfusão Autóloga
dades/kg).
• Reservar mais plasma fresco no serviço de hemoterapia. É definida como a transfusão de qualquer hemocompo-
nente sangüíneo que tenha sido doado pelo próprio pacien-
Obs.: Nestes pacientes, a administração de concentra-
te/receptor. Neste caso, o paciente estará protegido contra
do de fatores pode estar relacionada com aumento do risco
várias complicações da transfusão homóloga. A autotrans-
trombótico.
fusão é classificada em relação à cirurgia em: pré-operatória
programada; hemodiluição intra-operatória; recuperação in-
Pacientes Anticoagulados que Necessitam, em Caráter tra-operatória e recuperação pós-operatória.
de EMERGÊNCIA Imediata, de Procedimento Cirúrgico Tem-se demonstrado os benefícios da transfusão autólo-
com Alto Risco Hemorrágico (Cirurgia Cardíaca ou ga por meio da redução do volume de transfusão homóloga e
Outras Cirurgias de Grande Porte)3 conseqüente redução da aloimunização e da transmissão de
• Suspender anticoagulante oral. doenças pela transfusão12,27,32. As principais indicações da
autotransfusão estão apresentadas na Tabela 25.3.
• Vitamina K 10 mg EV.
• Administrar no pré-operatório imediato, plasma fres-
co (duas bolsas no adulto e 15 mL/kg na criança) ou concen-
Tabela 25.3
trado do complexo protrombínico (20 a 30 unidades/kg). Indicações da Autotransfusão
• Colher INR no pré-operatório imediato.
• Reservar mais plasma fresco no serviço de hemoterapia. • Evitar doenças transmitidas por transfusão.
• Armazenar tipos raros de sangue.
Obs.: Nestes pacientes, a administração de concentra- • Prevenir aloimunização.
do de fatores pode estar relacionada com aumento do risco • Pacientes com antecedentes de reações transfusionais graves.
trombótico. • Prevenir problemas em pacientes aloimunizados.
• Permitir transfusão em crenças religiosas que proíbem transfusão.
• Tratar perdas sangüíneas maciças no intra-operatório.
CUIDADOS NO PERÍODO INTRA-OPERATÓRIO
Fonte: Manual Técnico AABB2.
Anticoagulação na Circulação Extracorpórea

Uma anticoagulação adequada durante a CEC é funda- Mesmo diante dos aparentes benefícios descritos na
mental para se evitar complicações trombóticas e hemorrá- Tabela 25.4, a autotransfusão apresenta complicações47 e
gicas. O anticoagulante de escolha é a HNF, no seguinte contra-indicações.

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248
Tabela 25.4 ção no sentido de avaliar o sistema de hemostasia ou pro-
Contra-Indicação da Autotransfusão curar problemas relacionados à cirurgia.

• Condições de saúde precárias


• Quadro infeccioso ativo disseminado
Tabela 25.5
• História de epilepsia*
Causa de Sangramento Pós-Operatório
• Anemia; Hb < 12,5 g/dL na primeira doação*
• Angina pectoris instável*
Anatomocirúrgico
• Estenose aórtica*
Excesso ou rebote de heparina
• Sorologia positiva**
Distúrbios da hemostasia:
• Fração de ejeção do ventrículo esquerdo < 45%*
• Arritmia severa, bloqueio AV* • Deficiência de fatores de coagulação
• Freqüência cardíaca < 50 bpm ou > 100 bpm* • Estados hiperfibrinolíticos
• Pressão sistólica < 100 mmHg ou >180 mm Hg* • Distúrbios plaquetários:
— plaquetopenia
*Contra-indicação exclusiva da modalidade pré-depósito. — disfunção plaquetária
**Contra-indicação relativa. Fonte: Manual Técnico AABB2. Alterações mistas ou associadas

Agentes Antifibrinolíticos
Sangramento de Origem Anatomocirúrgico
O sistema fibrinolítico está, invariavelmente, hiperativa-
Nestes casos, os parâmetros laboratoriais, via de regra,
do nos pacientes submetidos a cirurgia cardíaca com CEC.
encontram-se próximos dos valores normais, e não há sangra-
Sabe-se que esta hiperatividade é um importante fator que
mento difuso por ferida cirúrgica ou por punções. A intensida-
potencializa a hemorragia pós-operatória13,43,51. O processo
de do sangramento poderá determinar a necessidade de revisão
de hiperfibrinólise teria início a partir da esternotomia, sofren-
cirúrgica da hemostasia. A reoperação estará indicada quando
do intensificação a partir da administração de heparina, ad-
o débito sangüíneo por drenos apresentar valor igual ou supe-
ministração de protamina e liberação aumentada do ativador
rior a 10 mL/kg em uma hora ou 5 mL/kg por três horas.
tecidual do plasminogênio (tPA) pelas superfícies lesadas16.
Para controlar a hiperatividade do sistema fibrinolítico
e, conseqüentemente, reduzir o sangramento pós-operatório, Excesso ou Rebote de Heparina
tem-se estudado a utilização profilática de agentes antifibri- Esta situação poderá ser encontrada em até 52% dos
nolíticos, principalmente, em nosso meio, o Ácido Épsilon pacientes submetidos a cirurgia cardíaca com CEC e, fre-
Aminocapróico13,43,89 e a Aprotinina15,28. qüentemente se manifesta uma hora após a administração de
Estudos têm demonstrado que além do mecanismo an- protamina38. Este fenômeno não está bem esclarecido, pare-
tifibrinolítico, a aprotinina pode beneficiar os pacientes sub- cendo ser devido a uma quantidade de heparina depositada
metidos a cirurgia cardíaca com CEC por apresentar atividade no extravascular que retorna ao intravascular. O fraciona-
antiinflamatória e preservar a função plaquetária28. mento da dose total de protamina tende a reduzir esta ocor-
rência. Alguns serviços recomendam administrar 75% da
CUIDADOS NO PERÍODO PÓS-OPERATÓRIO dose total de protamina após o término de CEC e, os 25%
restantes podem ser administrados ao final da cirurgia ou
Este é um dos períodos mais críticos para se definir o com a reinfusão do sangue recuperado por autotransfusão
prognóstico cirúrgico. A bomba cardíaca volta a funcionar, automática intra-operatória.
submetendo as estruturas operadas a forte pressão. Nesta
fase deverá haver uma monitorização clínica e laboratorial ri-
Distúrbios da Hemostasia
gorosa no sentido de se observar as eventuais complicações.
Apresentam, geralmente, sangramento aumentado por
Hemorragia Pós-Operatória todos os drenos torácicos, além de sangramento difuso por
ferida cirúrgica e punções venosas. Todos estes sinais ocor-
A hemorragia pós-operatória é uma das mais freqüen- rem na vigência de alterações em um ou mais exames que
tes e temidas complicações da cirurgia cardíaca. As cau- avaliam a hemostasia. A Tabela 25.6 apresenta os exames
sas mais importantes deste distúrbio estão apresentadas mais utilizados para avaliar o sistema de hemostasia no pe-
na Tabela 25.5. ríodo pós-operatório de cirurgia cardíaca.
A gravidade e a etiologia da hemorragia pós-operatória A utilização adequada dos recursos laboratoriais, alia-
são avaliadas pelo volume do sangramento e por parâmetros da ao quadro clínico, permite identificar a real alteração, pro-
laboratoriais11,22. No paciente adulto, um volume de drenagem pondo tratamento precoce e específico. Desta forma, evita-se
sangüínea nas primeiras 24 horas por volta de 600 mL14,21 e a utilização de múltiplos agentes terapêuticos indicados em-
um volume total de até 900 mL41,42 pode ser aceito e espera- piricamente que, além de desnecessários, podem causar im-
do. No entanto, valores superiores impõem uma investiga- portantes efeitos indesejáveis.

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249
Tabela 25.6 Concentrado de Plaquetas
Exames para Avaliar o Sistema de Hemostasia no Pós-Operatório
No período pré-operatório de cirurgia cardíaca, indica-se
• Tempo de protrombina (TP) transfusão profilática de plaquetas em contagens inferiores
• Tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPA) a 100.000/mm3. Após cirurgia cardíaca com CEC, praticamente
• Dosagem de fibrinogênio
• Contagem plaquetária
todos os pacientes desenvolvem plaquetopenia, decorren-
• Hemograma completo te de hemodiluição, ativação e consumo25,41,92, estando as
• Tempo de coagulação ativada (TCA) plaquetas lesadas e com função bastante comprometida.
• Atividade anti-Xa Nestes casos, a transfusão poderá estar indicada em conta-
• Tromboelastograma (TEG)
• Dímero-D
gens inferiores a 40.000/mm3 mesmo sem sangramento e con-
• Dosagem de atividade de Antitrombina tagens inferiores a 80.000/mm3 na presença de sangramento
aumentado2,4,13. Em contagens plaquetárias superiores a
80.000/mm3 com sangramento aumentado, a transfusão de
Hemorragias de Causas Associadas plaquetas poderá ser indicada quando for observada redu-
ção da máxima amplitude no tromboelastograma (TEG) asso-
Estas são as situações mais freqüentemente encontra- ciado a valores próximos do normal no TP, TTPa e nível de
das. Algumas alterações anatômicas dão origem a alterações fibrinogênio45,30.
da hemostasia por causarem sangramento com perda e con- A Tabela 25.7 apresenta a quantidade de bolsas de pla-
sumo de fatores de coagulação e plaquetas, além de hipera- quetas necessárias para obter o aumento esperado na con-
tivação da fibrinólise. tagem plaquetária. A presença de febre, infecção, CIVD,
Além do sangramento pós-operatório clássico, o san- hemorragia, esplenomegalia, politransfusão, presença de
gue colhido para realização de exames laboratoriais também aloanticorpos, presença de anticorpo antiplaqueta e anti-
colabora para a intensificação da anemia dos pacientes em AgHLA pode alterar a resposta terapêutica à transfusão de
terapia intensiva46. Foi relatado que a média do volume de plaquetas.
sangue coletado para exames é de 62 (± 6 mL/dia) na UTI,
sendo mais de um quarto deste volume perdido ou despre-
zado1. Acredita-se que o volume total de sangue colhido para Tabela 25.7
exames laboratoriais corresponde a aproximadamente 30% de Dose e Resposta Terapêutica à Transfusão de Plaquetas (plq)
todo o volume de concentrado de hemácias transfundido10.
• 1 bolsa plq* para um adulto de 1,8 m2, aumenta 5.000 a
10.000 plq/mm3
Transfusão de Hemocomponentes • 1 bolsa plq* para cada 10 kg de peso, aumenta 30.000 a
50.000 plq/mm3
Ainda não se dispõe de um critério único e preciso para • 1 bolsa plq* por 1,0 m2, aumenta 10.000 a 15.000 plq/mm3
• 1 bolsa plq por aférese** (para adulto de 1,8 m2), aumenta
se indicar transfusão de hemocomponentes8. A dificuldade 30.000 a 50.000 plq/mm3
na obtenção de critérios objetivos ocorre por vários motivos,
entre os quais, pode-se destacar: capacidade de adaptação * Plaqueta convencional, obtida a partir de uma unidade de sangue
de cada paciente; condições clínicas (insuficiência de órgãos total.
** 1 bolsa de plaquetas por aférese equivale a oito bolsas convencionais.
ou doenças associadas); presença de perdas sangüíneas e
durante procedimentos cirúrgicos complexos2.
Diante desta relativa subjetividade na indicação das Sangue Total
transfusões, foi observado que pacientes submetidos a pro-
cedimento cirúrgico semelhante receberam volumes de trans- Está indicado na presença de sangramento agudo de
fusão significativamente diferentes20 e, 25% a 50% das mais de 25% da volemia. Pode ser administrado no volume
transfusões realizadas em pacientes cirúrgicos não apresen- de 20 a 25 mL/kg de peso em crianças e duas ou mais uni-
taram justificativa correta5,9,19,44. dades em pacientes adultos, em função da intensidade e da
A transfusão de sangue e hemocomponentes tem per- velocidade do sangramento. É importante destacar que, em
mitido a realização de procedimentos cirúrgicos complexos, situações especiais de hemorragia aguda e intensa, a trans-
porém, apesar dos benefícios obtidos, vários fatores estimu- fusão pode ser indicada independentemente da alteração do
lam a redução do volume de transfusão homóloga, entre valor de hematócrito e hemoglobina.
eles: transmissão de agentes causadores de doenças; reação
hemolítica por incompatibilidade ABO; imunomodulação com Concentrado de Hemácias
aumento do risco de infecção e disseminação de células ma-
lignas; efeitos da lesão de estocagem; aumento da morbida- A transfusão de concentrado de hemácias (CH) tem por
de, mortalidade e tempo de permanência intra-hospitalar; objetivo manter ou restaurar a capacidade de transportar oxi-
problemas éticos e legais e, por fim, desejo da grande maio- gênio do sangue em pacientes normovolêmicos, evitando a
ria dos pacientes5. hipoxia dos tecidos2.

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250
A indicação de transfusão de CH deve ser individuali- submetidos a cirurgia cardíaca. Neste sentido, a equipe de-
zada, em função das condições clínicas de cada paciente, verá estar voltada na melhoria das condições clínicas pré-ci-
doenças associadas e, intensidade e velocidade de instala- rúrgicas, na redução do sangramento pós-operatório, no
ção da anemia. Via de regra, o paciente cirúrgico, quando sob controle e no uso racional da transfusão homóloga.
efeito de anestesia, tem um comprometimento da qualidade
e da intensidade dos sintomas clínicos. Os parâmetros labo- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ratoriais são elementos mais objetivos, porém, os valores de
hemoglobina (Hb) e hematócrito (Ht), amplamente utilizados 1. Allazia M, Colavolpe JC, Botti G, Corda N, Ramero C, Françoise
para indicar a transfusão de hemácias, podem não refletir com G. Spoliations sanguines liées aux prélèvements en réanimation.
exatidão o grau de oxigenação dos tecidos. Evidências mos- Étude prélilinaire. Ann Fr Anesth Réanim 1996; 15: 1004-7.
2. American Association of Blood Banks (AABB) Technical Manual
tram que valores de Hb acima de 8 g/dL são adequados para
13th edition. Bethesda, Maryland, 1999. pp. 413-414.
manter boa oxigenação exceto para pacientes com cardiopa- 3. Ansel J, Hirsh J, Dalen J, Bussey H, Anderson D, Poller L et al.
tia grave (IAM ou angina instável), quando o nível de Hb Managing oral anticoagulation therapy. Chest 2001; S119: 22-38.
deveria ser mantido acima de 10 g/dL (24) ou 12 g/dL23. 4. Balachandran S, Cross MH, Karthikeyan S, Mulpur A, Hansbro SD,
Nos pacientes cirúrgicos, baixos valores de Hb no pe- Hobson P. Retrograde autologus priming of the cardiopulmonary
bypass circuit reduces blood transfusion after coronary artery
ríodo pré-operatório estiveram relacionados com aumento da
surgery. Ann Thorac Surg 2002; 73: 1912-8.
mortalidade intra-hospitalar52. Especificamente na cirurgia 5. Barnette RE, Fish DJ, Eisenstaedt RS. Modification of fresh-frozen
cardíaca, a indicação de hemácias poderá variar em função transfusion practices through educational intervention. Transfusion
do momento cirúrgico, sendo: período pré-operatório, se 1990; 30: 253-7.
Hb < 8 g/dL40; durante a CEC, se Ht < 18 a 20%21; e período 6. Bashein G, Nessly ML, Rice AL, Counts RB, Misbach GA.
pós-operatório, se Ht < 28 a 30%50. Preoperative aspirin therapy and reoperation for bleeding after
coronary artery bypass surgery. Arch Intern Med 1991; 151: 89-93.
7. Beutler E. Platelet transfusions: the 20,000/µL trigger. Blood
Plasma Fresco 1993; 81: 1411-3.
8. Brecher ME. Optimizing transfusion strategies when does it add
A transfusão de plasma fresco está indicada nas seguin- up? transfusion support for perioperative transfusions. In: The
tes condições: reverter de forma emergencial a anticoagulação Compedium a selection of topic presentations from the technical/
clinical and scientific tracks. Philadelphia: American Association
obtida por anticoagulantes orais; corrigir deficiências espe- of Blood Banks; 1998. pp. 175-9.
cíficas de fatores, quando os concentrados específicos não 9. Cavalheiro CF. Aprotinina em cirurgia cardíaca de revascularização
estão disponíveis; corrigir sangramento microvascular, quan- do miocárdio com circulação extracorpórea: estudo duplo-cego
do os exames que avaliam o sistema de coagulação (tempo para avaliação do mecanismo de ação, eficácia e segurança. São
de protrombina e tempo de tromboplastina parcial ativada) Paulo: Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo; 1997.
apresentarem alteração superior a 40%; em pacientes poli- 174p. (Tese de doutorado).
10. Corwin HL, Parsonnet KC, Gettinger A. RBC transfusion in ICU.
transfundidos e sem disponibilidade de exames laboratoriais Is there a reason? Chest 1995; 108: 767-71.
para avaliar a hemostasia; tratamento da síndrome hemolíti- 11. Dallan LA, Oliveira SA, Chamone DAF, Iglézias JCR, Verginelli
ca urêmica, púrpura trombocitopênica trombótica ou coagu- G, Jatene AD. Aspectos práticos na indicação de revisão de
lação intravascular disseminada e, ainda, terapêutica de hemostasia no pós-operatório imediato de cirurgia cardíaca. Rev
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