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Elissa Soeiro

Ilustração e Capa: Paula Zambelli


ARAMES, CERCAS E MUROS
Elissa Soeiro

Para: Helena.
A poesia mais bonita que eu nunca terminei.
(E jamais vou terminar)
Sumário

SOPHIA
going back
entre bilhetes e recordações
but don't hurry and speed
como você reagiria?
mistery of love
palavras inventadas
como alguém que ama o abismo
eight
medianeira
minas gerais
NÃO ESTACIONE!
mas eu não choro e você?
o adeus que eu nunca dei
i just wanna be there
a poem about:

AEROPORTOS
paralelas
de fé
por isso, não se esqueça, dói
easy
chacarera
arames, cercas e muros
why are you so far from saving me?
over and over again
november rain
my dear, I swear I'll see you
she took my soul
o samba mais bonito que eu já vi
reparei que tinha ficado lá
casa pronta
não pouse em congonhas
sing me to sleep
pr’aqueles que conhecem a parede da casa de Deus
heads or tails
na nossa estante
sábado, signo e carnaval
sem fé e sem crença
ghost of you
pisou na minha casa sem limpar os pés
silhouette

BIFURCAÇÃO
de outro carnaval
outside
o tudo e o nada
quem dera
montreal, 10-8-17
she’s such a charmer, oh no
o primeiro poema pra ela
eu não sabia que seria o fim
portos, lemes, faróis e âncoras e eu e você
cranberries
vendida
ana,
o último café
berlim
hurricane katrina
spectrum
J.,
ver o sol se pôr vermelho
noite estrelada
Prefácio

Porres e poemas foram suficientes para que eu tirasse o mofo dos


rascunhos e decidisse, finalmente, publicar este livro.
Como de praxe, agradeço a todos os platônicos de ônibus, da rua, da vida.
Pessoas que passaram por mim sem eu saber o que seriam pra mim e muito menos
elas, pessoas que me tiraram do chão, me tiraram o ar ou nem tanto. À vocês eu
devo todo meu aprendizado sobre o amor, sobre o desamor e o peso de ser quem a
gente é.
Com carinho, um pouco de mágoa e dor, agradeço à Helena, meu cavalo de
aposta, meu palpite, minha Lydia Vance. Palavras não são suficientes e nem
cabíveis. Helena me mostrou os dois lados da moeda, me fez não só amá-la, como
também amar o próximo. Mas também foi a pessoa que fez arder muito mais que
brasa em pele e coração quentes. E como escrevi em um cd cheio de músicas que
lembram o que ela foi pra mim (e eu para ela), esse livro é por ela que me fez ver
coisas que eu jamais teria visto.
E pra finalizar, quero agradecer à Paula, que recebeu 3 dólares para
ilustrar esse livro, vejamos que estamos em crise no Brasil e um dólar custa uns 4
reais.
Paula, você é belíssima.
1

“Please, don’t go. I’ll eat you whole. I love


you so.”

- Alt-J
going back

você me levou ao seu lugar favorito. nem precisou dizer que era lá, dava pra perceber no brilho
dos seus olhos quando você disse pr’eu subir naquela pedra que dá pra ver a cidade quase toda.
era como se os arranha-céus da ilha de vitória estivessem beijando o céu estrelado, como se o
céu e a terra estivesse preparado um espetáculo entre luz e sombras só pra gente ver.
eu ficaria ali te observando falar por horas e horas, fitaria seus olhos preguiçosos olhando a
cidade de cima. juro que se pudesse ficar mais, não mexeria no teu cabelo macio que você
insiste em achar que fica mais legal desarrumado

e eu também acho.

te beijaria em cima daquela pedra até o dia amanhecer e a gente poderia ver o sol nascendo.
eu não queria ter pretensão nenhuma, mas você me deixou sem saída.
seus olhos combinavam com o brilho das estrelas, com o céu, com as luzes da cidade, comigo.
no momento que nos beijamos, eu soube que um dia era pouco pra ter você.
entre bilhetes e recordações

e como eu escrevi naquele seu caderno velho,

rabiscado e com algumas anotações:

de ti, meio sorriso basta.

não que eu queira metade do que você é.


eu quero esses seus sorrisos no domingo

ás 6 da manhã tentando melhorar meu humor,

que leve café quando meus olhos estiverem cansados.

quero enfeitar teus domingos,

deitar na grama verde da tua casa e

observar tuas covinhas enquanto você arranha uma música no violão.

dobrar as calças pra caminhar contigo na praia e

molhar metade delas ao tentar sentir o mar nos tornozelos.

ouvir seus planos de ir pra porto alegre ou curitiba lecionar música e

ouvir tuas composições e que componha pra mim.


mas por enquanto, meio sorriso basta.
but don't hurry and speed

me perdi quando te encontrei.


eu soube que tinha perdido a aposta e as fichas tinham acabado, no instante em que minha
boca encostou na tua.
parei na contramão da estrada.
eu atravessaria a cidade por você.
isso te assusta?
como você reagiria?

queria escrever um livro também, sabe?


a personagem principal seria helena.
dona dos cabelos meio louros, meio
castanho-claro.
e assim como no poema de bukowski, ela tem olhos castanho-claro,
desses olhos que conseguem te levar em outra dimensão e
te fazer se perder.
não deixaria de citar o seu quadril e que na primeira vez que eu a vi passei,
aproximadamente, 46 minutos olhando pra ele.
nenhum momento passaria despercebido,
como o dia que ela chorou quando,
finalmente,
descobriu o que eu daria pra ela no seu aniversário.
contaria para quem estivesse lendo,
que assim que ela me beijou
pela primeira vez,
eu sabia que era
amor.
contaria dos nossos altos e baixos e que ela é
ovo-lacto-vegetariana e
que não sei como se escreve esse palavrão.
como helena reagiria se virasse um personagem de um livro meu?
mistery of love

não passo um dia sequer sem falar sobre ciência,


simetrias,
ângulos,
equações, derivadas
e afins.

entre meus números mais complexos, minhas inequações sem solução, meus sistemas lineares,
está você,
talvez a incógnita mais complicada

[e bonita]
que eu já vi.
teus problemas,
tuas soluções,
tuas combinações,
tudo me deixa com vontade de ficar e descobrir o que acontece depois.
se seus dedos finos se encaixam perfeitamente no meio dos meus
e dentro de mim.
palavras inventadas

passaria horas tentando achar palavras difíceis e que não sei significado pra te escrever,
acontece que os teus olhos simplificam e descoisificam
qualquer coisa,
eles poderiam apaziguar a guerra fria.
depois de tanto murro em ponto de faca, encontrei você.
perdi o medo no instante que senti tua mão em volta do meu pescoço, quando atravessei duas
cidades só pra passar uma noite com você, quando eu bati à porta e tu abriu.
perdi o medo de sentir.
será que os grãos de areia podem me dizer que depois daquele beijo

[onde só o mar foi testemunha]


eu consiga algum dia esquecer os teus olhos?

até eles sabem que eu me entrego…


impossível não lembrar dos teus olhos cor de folha seca. eles são uma galáxia inteira,
eu só queria ser uma estrela.
não me perca de vista, Helena.
como alguém que ama o abismo

se ela me perguntasse, agora, o que me faz ficar, eu com certeza diria que a certeza da incerteza
que ela traz consigo e todo o resto da bagagem que um dia eu prometi levar, e ela lembra bem
disso.
e eu trouxe, cada pedacinho, mania e toda a constelação de pintas das costas dela.
às vezes Helena me pergunta como foi meu dia, noutras pergunta se tenho algo de novo,
raramente eu tenho algo a contar, não sei nem se existe algo sobre mim que ela não saiba.
ela conhece desde o meu estalar de dedos quando fico nervosa até o meu jeito de lidar com
elogios.
se ela me perguntasse, agora, o que eu mais gosto nela, eu diria o jeito como ela me desafia
quando diz toda a verdade, quando faz o oposto do que eu. faz dez anos que eu a beijei pela
primeira vez, eu lembro que no primeiro toque dos dedos dela no meu pescoço, eu quis correr e
ficar
ao mesmo tempo.
se eu fosse fazer uma pergunta a helena, seria:
hipoteticamente, se eu te levar girassóis num domingo à tarde, você vai correr?
eight

te entreguei a chave da minha casa e


perdi a cópia.
amanhã vou atravessar a cidade, ia
te pedir pra tocar um samba
enquanto eu como o pão que você assou hoje
pela manhã.
mas eu já te pedi tanta coisa,
já implorei tanto pra você me amar
que agora eu só espero te ver
e ouvir o teu silêncio,
por mais que doa.
eu só quero ir com você até o terminal, contar o que
meu cachorro fez com a bolinha
que eu comprei pra ele de aniversário.
não posso mentir que quero ver seu
sorriso do outro lado
da plataforma e que espero você segurar as minhas coxas.
pra você ver
que tudo que ficou
ainda tá aqui.
medianeira

definitivamente este não era um bom dia pra nenhuma de nós duas, mas só de estar ao seu
lado, eu me dava por satisfeita. como sempre me contento com pouco e como tudo que ela me
deu, metade.
pediu pra acender meu cigarro, dizendo que sempre quis acender o cigarro de alguém, eu seria
a primeira pessoa, mas com certeza, não a última. eu sentia medo.
dos seus dedos,
do isqueiro branco que queimava o meu cigarro,
da lagoa que estava na nossa frente e dos patos que surgiam do nada,
medo daquele guarda que estava atrás da gente, nos observando
e do que as duas meninas sentadas do outro lado poderiam falar de nós,
do céu nublado e da chuva que cairia em nós depois de 26 minutos.
também era a primeira vez que alguém acendeu um cigarro pra mim,
era a primeira vez que eu tomava banho de chuva, ao invés de correr pra debaixo de algum
lugar, que alguém me puxou pela mão com pressa para atravessar o semáforo, que dividi um
maço de cigarro com alguém,
foi a primeira vez que alguém disse que eu era alguém bacana de se estar.

foi nesse dia que percebi que qualquer coisa que eu fizesse com ela, seria a primeira vez,
a primeira mulher,
o primeiro maço.
a única coisa que eu não percebi que pra ela eu era só mais uma, mais uma entre tantas as
quais ela diga que é alguém bacana de se estar.

eu era figurante da minha própria história.

eu não queria alguém que escrevesse pra mim, eu queria uma bela história, eu queria escrever a
minha própria história, e que fosse como a primeira vez pra Helena também. mas como todas
as coisas que eu não entendo e não pergunto, essa é só mais uma. a sinceridade parece mais
fácil quando sai da boca de Helena, ela sempre tem a resposta na ponta da língua e eu sempre
perco a fala.
minas gerais

você lembra do jeito que eu fumo, acho


que ninguém nunca reparou na
pose da minha mão no intervalo de uma
tragada e outra,
nas minhas pernas cruzadas e na
posição dos meus dedos.
você me conhece mais do que eu,
ninguém nunca pisou aonde os seus
pés foram e isso não é privilégio,
é pesado demais pros seus ombros
curvados.
NÃO ESTACIONE!

Eu deveria ter prestado atenção nos sinais.


Nas placas.
Deveria ter voltado enquanto havia tempo.
Eu parei na sua rua, havia uma placa: NÃO
ESTACIONE!

Eu estacionei.
mas eu não choro e você?

e tudo continua na mesma. ela ainda pergunta se


tenho algo de novo e a resposta é sempre a mesma.
não.
o céu é o mesmo,
a terra em que piso é a mesma,
às vezes, quando eu entro no céu da boca dela,
eu vou até a lua.
quero gritar socorro e fazê-la entender porque eu corro
tanto.
às vezes o silêncio dela me consome,
come os meus neurônios e assim como a sua pele, dá
medo.
e se eu bater na tua porta com girassóis? e se eu perder
o controle?
não me jogue no fundo da tua gaveta como fez com o
poema que eu fiz pra você no dia que te levei no
concerto de piano. ainda é como se tudo fosse inédito.
odeio despedidas,
odeio chorar, odeio quando aqui só chove você. e você
sabe o que anda ao lado do ódio?
o adeus que eu nunca dei

pensei em te matar.
um final desses de filme, como você sempre mereceu,
não me entenda mal, baby.
você não é desses personagens que sobrevive.
só que você foi antes que eu pudesse escrever o teu final.
quem não sobreviveu fui eu.
morri de amor.
ainda não consegui colocar um ponto final em ti, helena.
você ainda me sacoleja todas as noites,
a sua fala mansa ainda me perturba.
você é quem sempre joga as cartas.
e ainda blefa, trapaceia, joga sujo.
helena, tu és fraude.
I just wanna be there

somos infames.
somos instantes.
estantes.
você fica na minha sala e
eu na tua
copa.
você segura a minha tv e
me diverte.
eu fico com os pratos e te
dou o que comer.
pra quem vem de visita é pedante,
sem cor e sem força.
pra quem mora - apenas nós - é
mais do que suficiente.
a gente dá risada no meio
da cena
melodramática
de nós duas.
você diz que eu terminei com você,
eu fecho a cara por cinco
segundos
e solto uma gargalhada, porque a gente
sabe que sempre volta.
perdi a conta e a credibilidade. o
crédito negativo é
quase nulo perto do
saldo positivo.
as nossas dívidas são
pagas
- e pagãs-
com um pouco de atraso,
mas nunca vencem.
a sua mão estava lá
na sala de vacina e no
velório.
minha respiração fica ofegante
quando você vem, mas quando
você vai me falta o ar.
a poem about:

your eyes.
you looking at me. your
chin.
your lips.
your lips kissing me.
your messy hair.
your thin fingers. your fingers
drawing on my face.
your features.
your smile. your big
teeth.
your feet. my feet in
your cold feet, or al-
most there.
your ass.
your nails.
your tongue.
your arms. your boobs.
your belly. your thighs.
your cold hand. your
voice. your whisper.
your ankle.
your crooked way. our fin-
gers and legs intertwined.
your laughter confused with
mine.
you.
2
aeroportos

“Boa parte de mim, vai embora.

A tua parte que hoje sou eu.”

- Vanguart
paralelas

amanhã eu completo duas décadas pisando nesse chão,


ainda procuro uma razão pra comemorar
mas só vejo guaranis kaiowás morrendo do meu lado.

vejo as torres gêmeas que um dia chamei de nós, tão separadas


que não sobraram nem os escombros, as cinzas e os restos
hoje você é a linda plantação de palmeiras no meio da amazônia desmatada e
eu sou a guimba de cigarro que polui a grande vitória,
o pó preto da companhia da Vale no mar de camburi.

pela janela do ônibus eu vejo o desumano,


eu vejo as ruínas de uma história bonita entre eu e você
eu vou comemorar que o preço da cerveja vai aumentar,
que a corrupção tá destruindo o brasil pelos quatro cantos,
eu vou comemorar o maior genocídio que não foi noticiado,
mas eu vou de peito aberto
mesmo que eu te veja no meio do concerto e perca o ar.

a dor da gente não sai nos jornais,


são só números.

eu te conheci em 2001,
quando eu estava assistindo dragon ball z e gelei quando tocou o plantão da globo
eu te conheci no tsunami de 2004
onde você destruiu tudo que eu tinha construído.
eu te conheci quando li sobre a bomba em hiroshima e nagasaki,
quando o câncer se infiltrou com chernobyl, em 86.
eu te vi quando titanic afundou e eu naufraguei.
eu te conheci em 2011 quando a minha
mãe me avisou pra tomar cuidado porque você não olhava no olho dela.

você causou a terceira guerra mundial,


mas amanhã é dia de colocar meu bloco na rua.
de fé

eu encontrei meu passo, meu tom e o samba.


ainda só, mas nunca sozinha.
de vez em quando a gente se esbarra, você me mostra um vídeo do seu cachorro e
eu te falo que passei na primeira fase do vestibular.
você sorri como quem se importa, mas no fundo você também encontrou seu
passo.
nosso caminho tinha uma bifurcação e fomos por lados opostos.
mas no meio da selva, das onças e canaviais: você.
odeio saber que andamos por estradas diferentes, mas me conforta saber que no
meio de tudo: você.
por isso, não se esqueça, dói

hoje pedi pra olhar seus dedos, sua mão e ajeitei seu cabelo que estava molhado
só pra fingir que ainda tá tudo no lugar
ou ainda há algum conserto.
mas assim como há coisas inquebráveis
há coisas impossíveis de se colocar de volta.
não é como se eu pudesse colocar uma fita crepe na nossa foto
ou um remendo na bolsa que você me deu.
algumas coisas são impossíveis de arrumar
ou colocar no lugar.
reparei bem na pinta do seu olho direito e
no seu estrabismo
reparei na sua calça preta nova e como sua bunda fica extremamente bonita
nela.
olhem bem nos seus olhos só pra garantir que não vou esquecê-los
apesar que eu
você
e todas aquelas pessoas que estavam na passarela sabem
talvez você saiba mais do que eu que seu olhar arde mais que tiro de carabina.
algumas coisas a gente também não consegue tirar do lugar.
easy

dormir em seu peito.


ou quando eu dormia com o nariz enterrado nos seus cabelos louros.
o quão era fácil dizer eu te amo ou escrever um bilhete e deixar na porta da
geladeira da casa dela.
acordar às seis da manhã com o sorriso amarelado e com as olheiras dela sorrindo pra
mim.
sua covinha do lado direito.
hoje ela está com outra pessoa num bar qualquer e eu fico feliz por isso.
ela me ensinou a ter o coração manso e a carregar o peso da vida. ela me ensinou tudo
que eu sei e ressignificou tudo que eu já sabia.
helena continua sendo a poesia mais bonita mesmo que acabada e a dor também me
sorri. ela cospe em mim toda vez que me vê e eu acredito que mereça,
todo o escarro,
todo vômito do pesar.
eu procurei por isso. temia não encontrar, temia tanto
que encontrei.
nada é como antes, eu não consigo acompanhar o passo de outra mesmo que
minhas pernas tenham aprendido a sempre correr.
talvez corri demais.
devorei os riscos, as linhas e os potes de borboletas. que hoje pedem liberdade.
perdi o senso, a localização.
passei do ponto e da validade.
ela deixou todos os cigarros na minha casa e o acaso levou algo mais leve.
ela merece.
suportou demais. suguei demais a energia dela e ela vivia cansada.
esgotei a sua paciência e seu senso de humor. hoje ela recarrega rindo de outras
piadas. hoje ela ri nas minhas costas e eu até acho graça também.
helena soube quando parar enquanto eu passei a quinta marcha.
ela sempre disse que eu dirigia mal.
chacarera

helena, hoje, pela noite,


precisei de ti.
pra dividir o disco novo do esteban e o cigarro.
pra não precisar esconder que eu não consigo ficar
só.
sem você.
helena, pela noite, rezei pra que você escutasse
minha súplica daí da tua cama.
corri até meus pulmões sangrarem e terem uma embolia
só pra sentir outra dor que não seja a tua falta. “se”.
se você estivesse aqui,
se você conseguisse escutar a melodia nova, se
você sentisse a minha respiração,
se você ouvisse a minha reza,
mais uma vez,
pra que daí da tua cidade tu possa ouvir.
helena,
se você soubesse ainda me tirar do fundo do poço.
me salvar do mundo lá fora.
se você ainda soubesse o caminho
da minha casa e se seu cavalo
lembrasse a rota do pé do meu
ouvido pra sussurrar
“eu não quero te machucar”
enquanto enfias uma faca no meu
estômago.
se tu voltasse a fazer a minha úlcera sangrar.
se o coração batesse tanto até não conseguir mais trabalhar.
arames, cercas e muros

o amor não é justo, falei.


eu já andei por cacos de vidro e
você também
os meus medos são iguais aos seus
[e as vontades também
a nossa história é tudo aquilo que não aconteceu
desde a primeira vez que eu
[te vi
eu sabia que precisava te ver de novo
fui de bar em bar,
em toda esquina até
achar sua rua,
[mas você
não abriu a porta.
ainda é cedo, amor
vem,
que eu vou.
mesmo se for pra passar por arames farpados
cercas elétricas
ou camisa de força
[ou de vênus

i think i saw you in my sleep, darling e


eu te amei
why are you so far from saving me?

um dia eu li que sentir medo era tão humano quanto sentir amor. mas nada é tão pior quanto
sentir medo de perder alguém que se ama. ela ainda não fez os exames e disse que não vai
pensar sobre isso. e embora eu tenha engolido o choro durante toda a viagem de volta pra casa,
não consigo parar de sentir medo.

eu tenho medo que na minha colação de grau ela não esteja. ou no meu casamento. eu que
nunca quis, de fato, casar, estou apavorada pela dúvida se ela estará lá ou não. se ela vai
conhecer a minha criança e dizer alguma simpatia para que ela pare de soluçar. me diga
alguma simpatia que pare o meu soluço agora, por favor.

dizem que deus não dá um fardo maior do que a gente pode segurar

e eu espero que ele saiba que sou fraca demais.


over and over again

hoje, de novo, pensei em escrever um livro sobre ela.


sobre ela,
sobre o jeito que ela sorri e
como ela começa a soluçar quando está bêbada.
pensei em várias formas de começar,
já que o final já foi escrito.
ela mesma se encarregou de escrever o
grand finale.
pensei em dizer o quanto eu
gostava do tênis vermelho
dela e da calça que deixava a bunda
dela mais gostosa.
tudo que ela já sabe de trás pra frente,
tudo que ela já leu e releu.
até as entrelinhas.
não há nada que ela não saiba.
aliás, há: eu faria tudo de novo.

mesmo sabendo o final.


november rain

aqui (dentro) chove, é novembro o ano todo desde


que você se foi, em dezembro é inverno
e a chacarera da saudade no
carnaval. o meu samba é sozinho,
e agora você toca pandeiro pra outra
mulher.
o cavaco chora e eu também,
junto com a chuva de novembro.
my dear, I swear I'll see you

alice é uma ilha


mas não como a ilha de vitória. ela é
mais como ilha saint martin,
você pode estar em dois lugares ao mesmo tempo
no céu e no inferno.
e por ser tão pequena há um grande risco de eu naufragar
andar pelas terras de alice é quase que um pecado ninguém
nunca ousa chegar perto,
mas aqui estou.
depois de ter muito rodeado,
estudado o mapa, ainda me perco.
ainda me afasto.

alice é tão pequena que não sabe como fazer para que cheguem até ela.
she took my soul

ela não faz com que meus


olhos fixassem nela,
mas os meus pés sempre
estão procurando os dela.
alice anda fazendo muita
merda ultimamente,
completamente doida.
só vai e faz.
estacionei na porta da casa dela
só pra ver o desfecho dessa história.
será épico.
dessa vez eu vou pagar pra ver.
vou me ver definhar

alice já começou a talhar o seu nome no meu tronco.


ela pode ser só mais uma louca
pra me fazer parar de fumar ou
ela pode ser o meu câncer de pulmão.
o samba mais bonito que eu já vi

sabe, você sempre me pergunta se eu sinto a sua falta e


eu com meu jeito torto, digo que sim,
mas a minha voz soa tão baixa e tímida
que parece que não disse nada.

eu vivo errando tentando acertar com você.


mas saiba que eu sinto a sua falta,
eu sentia muito mais falta dos seus sorrisos e
agora sei que você tá feliz
na sua voz do outro lado da linha dizendo que
não vem pra casa hoje
ou do jeito que você dança quando está por perto.
quando você não está, ajeitar a casa não faz sentido,
não há ninguém pra reclamar da bagunça do meu quarto
nem pra me lembrar de regar as plantas
nem pra me mandar dormir mais cedo.
eu sempre vi mãos ao redor do seu pescoço
que tentaram te matar, por vezes
e é bom saber que as mãos que te seguram agora
são mãos de quem te quer bem.
não tem ninguém por aqui pra me pedir pra bater as portas devagar
então me policio como se sua voz estivesse na minha cabeça
sinto falta das suas músicas pela manhã e de tomar café com você.
só quero que saiba que se eu puder fazer por ti
o que ninguém jamais fez por mim,
eu faço.
e as três palavras que eu não me perdoo por não conseguir dizer todo dia,
saem com muito mais facilidade hoje:

eu te amo
reparei que tinha ficado lá

ontem voltando da sua casa.


(leia o título)
faltou o ar.
faltou o chão.
fiquei na xícara do café morno,
no sofá,
na tevê.
mas me contaram que cê é um lobo solitário e pediram pr'eu ir devagar.
mas meu bem,
com você é mais de 110, 120, 160. a
distância não importa,
mas eu nunca sei aonde fica o freio.
esquerda ou direita?
eu reprovei na aula de direção e não lembro bem o sentido das coisas quando
você está por perto.
eu nunca quero ir.
mas por você, eu aprendo a dirigir.
casa pronta

ela mal chegou e já me fez acordar cedo. respirar


aliviada.
dormir sem ajuda de remédios.
ela mal pisou e já
me fez entender que eu sou só um grão de areia e
que ainda há um mar lá fora pra navegar.
ela me faz perceber que agora que ela veio eu posso vencer o mundo,
desbravá-lo e descobrir o que há de mais bonito que ninguém
ainda viu.
ela trouxe nas suas mãos pequenas a
coragem de viver a vida.
ela é a vida.
não pouse em congonhas

ela disse que gostou do cheiro do meu cigarro


e me pediu um trago após treze copos de cerveja.
ela não tem pose nenhuma pra fumar,
não há poesia nenhuma no meio dos dedos dela,
mas há poesia dentro dos olhos tristes e dentro
dos seus dentes tortos.
ela também está sangrando, como eu após as duas últimas garotas que
conheci, talvez eu atraia essas mulheres,
talvez elas sejam imãs pra mim.
ela achou minha tristeza legal e eu sorri de volta.
até mais,
num outro bar,
numa outra fossa.
sing me to sleep

na primeira vez que senti dor, você estava por aqui. apoiou minha cabeça no seu ombro estreito
enquanto eu soluçava um choro inquieto. me fez cenouras e couve-flor no vapor com um pouco
de sopa, pra ver se esquentava o que o frio daquele seis de junho me trouxe. me deitou e não
tirou a tua mão do meu cabelo até que dormisse.

na segunda vez que senti dor, foi porque você tinha me deixado, o mundo e deus tinha nos
esquecido. troquei a sopa por uma xícara de café intercalada por um cigarro de filtro vermelho.
não houve sono aquela noite, nem naquele ano. a mão que afagou foi a mesma mão que
esmurrou.

agora, na terceira vez que eu sinto dor, não há você, não há cigarro, não há sopa, não há café.
não há nada que me faça sentir viva. não há nada que disfarce o vazio, a solidão e o medo. meus
lábios tremem, involuntariamente, a cada vez que viro na cama e chamo seu nome. por que
você não consegue me escutar?

dessa vez você não vem e eu não tenho pra quem chorar.
pr’aqueles que conhecem a parede da casa de Deus

não conheci o teu rosto


não te toquei, nem ouvi as batidas do teu coração
não te coloquei no colo e te acalmei até dormir
não calcei as tuas meias, nem amarrei o teu cadarço como um dia fizeram
comigo
não pude te responder nem um terço das dúvidas que também são minhas
não vou te responder porque o céu é azul e que as
nuvens não são feitas de algodão
que o tempo aqui embaixo é quente e frio ao mesmo tempo
que eu esperei tanto a tua chegada quanto alguém
espera uma correspondência
durante anos que nunca chega
eu não pude te cantar que a casa é sua nem
pintar as tuas mãos numa folha de A4
eu não te contei do meu time do coração, nem pude ir com você ao estádio
eu não consegui fazer nem metade do que eu tinha planejado
mas eu te amei
e aonde você estiver, eu espero que você saiba disso
eu te amei com todas as nossas faltas,
o relógio não anda depressa e o teto tá de ponta-cabeça.
heads or tails

você pula em carnaval fora de época e tem a leveza de quinze cavalos,


sempre sei quando vai chegar, antes mesmo de bater.
você me nocauteou, cecília.
o amor é como jogar cara ou coroa,
querida.

seu nome soa como os metais daquela música do bon iver,


não pediu licença pra entrar na minha cabeça.

um dia te compro um hollywood vermelho


só pra gravar tua mão e o
jeito que você leva o cigarro à boca. você testa a minha memória.
antes que eu me esqueça, escreve o teu nome nesse papel.
mas, baby, eu sei.
já te memorizei.
na nossa estante

conheço teu toque. teu cheiro. teu riso e o som da tua voz.
depois daquele verão, em que eu te deixei sentada no nosso banco, nada mais foi o mesmo. o
tempo nem sempre conserta tudo. sempre teve um parafuso solto na prateleira que ergue a tua
foto e não há ferramenta que dê jeito.
a dúvida do que poderia ter sido sempre me assombra e me perturba. o “se” é a condição que
mais me assusta. e é justamente pelo “se” que precisamos nos manter longe.

se eu passo do teu lado.

se sinto teu cheiro. ou ouço tua voz.

se eu te peço pra ficar.

e se, por acaso, você fica?

não temos - e nem teremos - a resposta para nenhuma das nossas condições e o tempo pode ser
cruel demais para aqueles que não se permitem se perdoar. você não me perdoou e eu não te
culpo.
eu também não me perdoei.
sábado, signo e carnaval

eu tenho medo do que pode acontecer quando nossos corpos colidirem.


quando nossos planetas se alinharem.
quando plutão e saturno finalmente se aproximar.

apesar do medo, espero.

espero pra saber a cor do seu chinelo e pra qual lado você olha primeiro ao atravessar a rua.
espero pra guardar seu cheiro na minha jaqueta, mesmo que estejamos em pleno verão.
com você parece sempre que é alto mar, sei que vou acabar me afogando, mas a vista daqui é
tão bonita.
você é tão bonita.

que nem parece que vai me afundar.


sem fé e sem crença

parece que tudo voltou ao seu lugar.


eu voltei a escrever.
voltei a morar com a minha mãe. e agora visito o meu pai periodicamente.
voltei a ouvir los hermanos.
voltei a usar celular.
voltei a me organizar diariamente, semanalmente, mensalmente.
voltei a perder a cabeça.
fui me benzer esses dias. feitiçaria, a índia disse.
não sei se acreditei por apelo, desespero ou só por crer mesmo.
mas eu sinto que é bom voltar a acreditar em alguma coisa.
quase tudo voltou.

menos você.
ghost of you

uma cerveja.
um cigarro.
disco novo daquele cara que cê gosta e sua falta.
falaram hoje pra mim que dói demais ver nossas
fotos antigas, imagina se carregassem o meu coração no peito. se
tivessem tudo aquilo num filme
em loop na gaveta da memória.
imagina se vivessem com o teu
fantasma
atrás de cada porta,
debaixo de cada cama.
a dor da gente só é bonita pros outros
e a sua ida lateja, maltrata meu cérebro
fígado
e pulmões.
a falta de humanidade trouxe o nosso fim. e
eu só
me
culpo.
pisou na minha casa sem limpar os pés

eu gostava de te manter no jardim,


enfeitando os dias
brilhando o dia de domingo.
mas você é a personificação da bagunça,
entrou pela porta de trás e
até hoje acha estranho passar pela da frente.
chegou feito vendaval,
pintou minhas paredes de terra
com sua própria mão.
me tirou da zona de conforto,
me fez acordar pra tirar o lixo às
segundas, quartas e sextas
e suspender a barra da calça pra andar na praia.
chegou feito chuva de verão,
mas insiste em ser tempestade
e eu nem sempre gosto de chuva.
mas talvez eu compre uma capa.
silhouette

eu acordaria mais cedo só pra poder olhar ela dormir.


as costas nuas.
o cabelo preto meio liso meio ondulado. a
marca desbotada do biquíni.
a calcinha rosa-pastel.
o jeito que dela dormir, calmo e
sereno, que transfere a paz pra quem
vê.
acordar ao lado dela me dá vontade de levantar mais cedo,
escutar a minha mãe falar de como foi o final de semana, colocar
o lixo pra fora e sair dando
bom dia até mesmo pro português-não-português da padaria.
é bom acordar ao lado dela.
3
bifurcação

“Ora, se não sou eu, quem mais vai decidir


o que é bom pra mim? Dispenso a previsão.
Ah, se o que eu sou é também o que eu escolhi ser.
Aceito a condição.”

- Los Hermanos
de outro carnaval

eu sempre tive uma fixação por olhos,


mas os olhos dela me prendiam como
nenhum outro par de
olhos.
o verde da cor do mar trazia a
imensidão e o infinito,
a calmaria e o medo de me afogar neles.
existe um karma entre o cigarro
holywood
e eu,
e
ela
estava entre nós.
mais uma vez.
queria criar um pseudônimo ou um apelido
pra ela, mas eu ainda
não sei até aonde esse oceano vai.
meu par de olhos verdes.
fico com isso.
outside

a gente tem que se permitir sair de casa, menina.


alçar voo pra tirar os pés do chão.
amar o desconhecido
e perder o medo de altura,
do escuro,
do mundo.
o tudo e o nada

nós somos aquele poema


não acabado na cabeceira
de quem escreve,
o recado que eu deixei no seu
sketchbook*
que você nunca vai ler.
nós somos a cruzada
que faltou uma palavra pra terminar, mas
a nossa capacidade de largar coisas
inacabadas é maior que a nossa vontade de
continuar.
nós somos o beijo de despedida
que não deu tempo,
nós somos tudo o que não fomos.
por capricho
ou por falta de vontade.
o seu olho verde seria o meu oceano e
eu seria a sua âncora.
mas não fomos.
somos tudo o que não aconteceu.
quem dera

não sei se é essa sua franja


cortada
torta ou
se são os teus pés
pintados de azul. não
sei se é esse jeito
desaforado
ou o jeito com que você me manda
ajeitar o travesseiro pra você deitar.
não sei o que me prende,
só sei que tô aqui.
sentei num bar hoje e tocava fagner.
me concede essa dança?
meu pobre coração quer te fazer rodopiar.
teu furo no queixo me sorriu.
montreal, 10-8-17

seis heinekens e foi o suficiente pra você me escrever.


[seis, esse número sempre passa por aqui.
eu não sei se já te falei, mas seu cabelo tá muito bonito agora que você deixa ele solto e esse
boné combinou com você. as fotos que você manda me fazem, praticamente, sentir que tô aí
bem perto.
é como se eu estivesse vendo bem de pertinho o brilho dos seus olhos quando você tá
bagunçada da cerveja que compra no piranha’s bar.
e se eu realmente estivesse aí, eu diria tudo isso no pé do seu ouvido ou talvez eu gritasse no
meio do parque que tem bem na frente da sua casa.
desde de quando te vi, te reconheci e ali mesmo soube que você seria como uma brisa leve.
quando você voltar, baby, eu te prometo nothing’s gonna hurt you.
she’s such a charmer, oh no

alguma coisa me dizia sobre o quanto eu estaria acabada se a visse,


mas eu fui mesmo assim.
vinte e sete minutos de atraso e eu
pensei comigo: mais três minutos e eu vou embora.
text message.
- acabei de acordar, chego em dez minutos.
- ok.
eu poderia tê-la feito esperar por vinte e sete eternos minutos também, mas
ela não era culpada se eu odeio esperar
e não precisava saber do meu recente histórico de crises de
ansiedade. acendi um cigarro e esperei.
entre tantas pessoas indo e vindo, ela era alguém a se notar.
camiseta fluorescente,
se ela queria ser notada, certamente conseguiu. e
não foi apenas pela camiseta.
tinha algo nos olhos perdidos dela,
tinha uma chuva torrencial escondida atrás deles,
ela estava tão perdida quanto os seus olhos que fitavam a
grama enquanto fumava seu cigarro de payol.

não sei se devo te contar,


mas eu tropecei duas vezes na volta pra casa e passei do
ponto de ônibus. espero que não seja o efeito de você por
aqui.
o primeiro poema pra ela

ela que escrevia sentimentos.


que fazia arte com as palavras,
brincava com seus significantes e
entornava seus verbos.

núcleos únicos, frágeis.


sorriu.
dizendo que apesar de tanto escrever,
nunca havia sido escrita.

que apesar de dizer tantas letras com valor,


não havia visto um significado para si.

e eu sem jeito,
sem direito, dei-
lhe um.
eu não sabia que seria o fim

eu adoeci por você, eu quis


voltar atrás.
eu quis voar pra longe porque se
você não vem, não há razão estar.
te dei asas e você voou eu te
ensinei a ir esperando que
voltasse. mas você não sabe que o
céu é a minha casa
e não importa aonde você vá eu te
vejo e você sempre paira por aqui.
quando a noite vem
eu tenho mágoa.
portos, lemes, faróis e âncoras e eu e você

gostei do seu groove.

das suas unhas pintadas de vermelho ivete

e no jeito que seu sorriso sai fácil.

ela me parece ser a mulher que vai acabar comigo e cavar minha cova, mas eu não ligo.

porque com ela todo dia é dia de pular fogueira e todo dia é dia de querer queimar nos dedos

dela.

com ela é fácil de se estar e difícil de se despedir.


cranberries

ela me encontrou enquanto eu tomava caipirinha e


fumava um cigarro na varanda do prédio.
calça cor de sorvete de creme
e eu já quis devorá-la inteira, a
comi com os olhos,
a cor do seu batom me lembrava cranberries. o
nome dela é fácil
geralmente vem com outro nome pra complementar,
mas ela não precisa de complemento
ela por si já é inteira.
a gente deve ter trocado uns
10 a 13 olhares,
o meu, como sempre, dizia bem mais do que deveria.
já a paz dos olhos dela só me deixava a mais um passo da
insanidade.
mas o que mais me deixou a ponto de explodir foi ver que o batom dela não saiu
a noite inteira.
eu queria
ter borrado aquele batom.
vendida

você é a pintura que van gogh não pintou


mas eu quero me enfiar nas entranhas da noite
[estrelada do céu da tua boca.
você é o jardim de monet em território brasileiro,
mesmo que eu não te alcance.
e não saiba a rota até a tua casa.
a única coisa que eu sei, meu bem, é que com amor é mais caro.
por minutos com você, eu reabro a minha conta no branco do brasil
eu gasto todo o meu dinheiro
eu vendo a minha alma
só pra poder me enfiar nas entranhas do céu da tua boca. e
poder te amar como eu nunca pude
me deixa te amar, laura.
ana,

o seu nome era o mesmo que o nome da menina que estava cantando no palco.
quando eu te vi, recuei, pensei duas vezes e quase não fui até você.
mas se eu não tivesse ido, bem...
é melhor não pensar nisso.
eu não sei por onde começar, se falo das sardas do seu rosto
ou
do seu lábio cor de salmão.
não sei se falo do seu beijo ou do jeito que nossas mãos se tocaram enquanto a
música dizia:
eu vou fazer os meus planetas se alinharem no teu som,
quero fazer amor no espaço, quero borram o teu batom.
a única coisa que eu sei é que por você eu volto no centro da cidade pra te
combinar com as cores e os sons.
eu quero pintar você.
o último café

ela ainda está aqui. mas trouxe meus livros de volta e agora tira todas as roupas que são dela e
estão na gaveta do meu armário. a escova de dentes já foi guardada. e o sapato ela jogou fora.
nesse exato momento, me pergunto se ela vai jogar a minha escova de dentes, que fica na casa
dela, fora logo quando voltar ou se vai deixar por lá até lembrar que é minha.
nada sobrou.
ela passou o seu último café pra mim e de todas as vezes que ela foi, eu nunca soube quando
seria o último, mas dessa vez eu sei.
dá pra sentir em toda morbidez que cerca a casa.
o silêncio.
o semblante vazio.
a parede que chora.
e o meu peito que desaba.
e em troca do seu último café, eu escrevo meu último poema pra ela.

nota de rodapé: alice, não se esconda no seu passado.


berlim

voltei pra minha casa.


esta que moro desde que nasci, onde enterrei meus brinquedos que já estava enjoada, onde
minha mãe me viu pela primeira vez com a minha menina e eu vi meu pai sufocando a minha
mãe. há dois anos atrás fui pra capital, tentar a sorte, a sorte me sorriu e eu a deixei a mercê da
própria sorte. tudo desmoronou. a faculdade quase foi pro saco, mas havia alguém me puxando
do fundo de onde eu estava.
tropeça.
cai.
levanta.
como já dizia belchior, ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro. legendei minha
primeira foto do ano com essa frase, pra que eles lembrem, pra que eu me lembre. eu quase fui
e não voltei, mesmo, mas aquela mão me puxou. de novo.
ano novo.
comecei a fazer caminhadas. não larguei a terapia. estabeleci metas.
esse ano eu não morro.
dormi bem por onze dias seguidos depois que voltei pra casa, mas eu vou cambaleando por aí.
tive um pesadelo
dois, três.
os fantasmas sempre voltam. talvez eles nunca se vão de fato. eu vou aprender a lidar com eles.
ano passado eu morri,
mas esse ano, queridos,
eu não morro.
hurricane katrina

sentir um calor no peito antes de te ver é algo a se considerar.


já não sentia isso há um tempo e talvez - por bem ou por não - isso me faz sentir viva.
você é alguém a se considerar.

adoro o brilho dos seus olhos castanhos e do jeito que eles ficam quando você sabe que perdeu
o jogo.
spectrum

ela parece ser mística.


bruxa ou sereia, eu ainda não descobri
a voz dela parece o canto de iara e o seu olhar mata como se fosse feitiço.
a santa inquisição não existiria porque a igreja católica iria venerá-la, quiçá a canonizariam,
porque faz tão o bem quanto nossa senhora da penha.
eu não vejo a hora de ser queimada junto dela e por ela.
J.,

essa falta de notícia de você vai acabar me deixando doida.


aquele dia na praia, eu devia ter te beijado. mas deixei pra apreciar a cor branquinha da sua
pele refletida no mar, pra ver as ondas nada perfeitas do seu cabelo e cada falha da sua
sobrancelha.
deixei pra te ver tomar sol mesmo que já fosse 5 da tarde e ver o quanto você ficou bonita
naqueles óculos com a lente meio roxa.
me desculpa, eu não sei começar nada, eu já disse isso pra alguém.
o problema é que mesmo não sabendo eu quero começar porque você me dá vontade de
descobrir tudo sobre judaísmo, cabritos e outras coisas aleatórias.
mesmo que você não siga mais o judaísmo,
eu quero me esconder debaixo da tua saia.
eu quero me perder em santa tereza e que você me busque.
eu quero te levar em Bogotá pra gente saber se é melhor do que Pasárgada.
me deixa te levar pra longe.
ver o sol se pôr vermelho

tudo está um caos.


as pessoas têm medo da bandeira vermelha que carrego, enquanto eu tenho medo do sangue
que não para de jorrar.
em meio a esse caos, eu conheci ana, conheci uma tal de esther e cheguei me deitar com alguma
outra mulher.
mas algo aconteceu.
algo sempre acontece.
o vermelho do cabelo dela se entrelaçou com o vermelho da minha bandeira.
ela acendia sempre um marlboro vermelho ou um hollywood.
já diziam os bons - ou não - sorte no jogo, azar no amor.
mas com Catarina toda rodada era sorte, todo beijo também.
há tempos eu não andava pelo Centro, o brilho da cidade se confunde com os faróis dos olhos
dela.
tudo volta a fazer sentido.
a basílica de Santo Antônio desapareceu enquanto eu olhava para cada uma de suas sardas, na
tentativa fracassada de contar todas elas e cantava baixinho: você-não-sabe-quantas-horas-eu-
passei-olhando-pra-você.
e assim,
me perdi.
noite estrelada

estive distante por três dias talvez quatro.


lá tinha um punhado de bicho, planta, flor
mas nada era tão bonito quanto a poesia que deixei na cidade.

catú, o céu daqui é tão bonito que quase chega perto do céu da sua boca com gosto de vinho
barato.
red lights sparkle

tirei um tempo pra fazer tudo que não fizemos enquanto todo tempo era nosso.
fui àquela praia que você levou outra mulher e nunca me levou.
voltei ao centro de vitória, subi o morro do moreno e vi o 123 passar bem na minha frente e
passou.
no meio de uma peça eu senti vontade de te escrever, um sinal de fumaça ou fogo.
ainda assim, não o fiz.
não naquela hora.
fui em uma festa onde tinha mulheres muito bonitas e senti que ali seria um ótimo momento
pra deixar tudo o que fui e ser outra pessoa.
beijei uma, duas, três, os olhos eram vazios, só disso que eu lembro.
na praia que você nunca me levou, tudo girou como se eu nunca tivesse saído da ressaca que
era você, eu pude escutar o som das cordas do seu violão dançando pelos seus dedos.
eu vi um carro parecido com o seu, estacionado na frente de um hotel de gran fino, mas não
era você.
no centro de vitória, tudo era igual, a praça sempre iluminada, o teatro combinando com as
cores e nuances e no ar o cheiro do seu perfume amadeirado que jamais saiu dali.
mas também não era você.
no morro do moreno, eu quase vi você brincando nas nuvens que pairavam próximo ao topo,
mas o vento levou pra longe.
no 123, eu vi você entrar e saltar em santa tereza,
ou eu acho
que eu vi.
todo mundo é uma ilha, helena. mas eu queria ser mar.
porque mar é igual em todo lugar e a ilha só vai ficando menor.
eu sou menor perto de você, na minha população sempre tem gente chegando e partindo, mas
você nunca vai.
você é barco ancorado.
e eu sou pequena demais pra deixar você ir.

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