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BYZAS
(Eu, Sísifo II)
Cotia
2016
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INTRODUÇÃO
Dessa forma, como o prezado leitor irá notar, estaremos fazendo juntos, um
vôo alto de reconhecimento pela História da Humanidade, procurando sempre
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E para tanto contaremos, como no primeiro volume de Eu, Sísifo, com obras
famosas de historiadores renomados, com leis consagradas recebidas de
gerações passadas ou culturas já extintas, com ações promovidas por
sentimentos cristãos, ou com documentos que chegaram até nós em obras
reconhecidas universalmente.
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Capítulo I - PROPOSTA
Ouvindo o som um pouco abafado de rotores, ainda muito distante, mas que
aos poucos ia aumentando na direção do XPTO Voturuna, Sísifo deixou seu
computador ligado no programa DOSVOX e colocou-se em pé ao lado de sua
mesa de trabalho na sala dos assistentes. Começou a sentir seu coração bater
mais forte e uma sensação de algo que lhe parecia muito estranho e urgente.
Era uma espécie de pressentimento que não sabia de onde vinha.
- Estou, sim, Luis Carlos... Não sei, não, mas estou tendo a sensação clara de
que vem vindo alguém diferente e importante por aí... se é que essa máquina
vem de fato para cá!...
- Concordo, se de fato essa espécie de nave vem mesmo para cá. Ela pode
simplesmente passar por cima e ir para São Roque, Itu... ou para qualquer
outro lugar... Não é mesmo?
- Mas se aqui for seu destino, meu caro, fique você sabendo que será a
primeira vez que isso acontece em nossos ambientes desde que aqui cheguei
faz um tempão, afirmou Labda.
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- Labda, Sísifo... por favor, venham até aqui, fez ela a meia voz, com gestos
insistentes na direção dos dois.
- O que foi, Eurínome? Que tumulto foi esse aí fora? perguntou mesmo antes
de chegar.
- Ele está acabando de descer dessa máquina incrível e vem vindo para cá,
informou ela com certa ansiedade.
Até aquele dia, ou seja, dez dias depois de Masada, Labda e Sísifo não haviam
comentado em pormenores, nem com Eurínome, nem com Mestre Agostinho,
sobre o que sucedera nas areias do Mar Morto entre eles e Mestre Joshua,
apesar das cobranças e indiretas eventuais de Eurínome. Mesmo sem terem
formalmente decidido, ambos sentiam que deviam manter uma espécie de
segredo bem fechado.
Eurínome vez por outra alegava que Labda andava diferente, estranha, menos
sorridente e pouco falante, como era costumeiro acontecer quando estava meio
adoentada ou tristonha. Mas no fundo de sua alma, apesar do pouco que
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soubera com relação ao passeio ao mar Morto, além do repasse muito claro
por parte de Heródoto sobre os desdobramentos futuros, ela associava essas
diferenças de atitudes de Labda ao projeto que estavam concluindo. Todos, de
uma certa forma, estavam vivendo dias cruciais e de grandes expectativas
quanto a um futuro ainda um pouco incerto.
Na ocasião havia ficado muito claro que os quatro deveriam continuar, com
Eurínome vinculando-se mais ao papel específico de consultoria e a uma
contínua cobertura em todos os aspectos do projeto cobertos por Heródoto.
Naqueles dias que corriam, entretanto, a ênfase principal dos trabalhos dos
assistentes não estava mais nas diversas etapas a serem cobertas com a nova
direção e objetivos, mas sim na finalização e na análise crítica da síntese dos
relatos sobre pessoas com deficiência na cultura hebraica de milênios antes de
Cristo. Esse desafio todo deveria ocorrer antes da sua aprovação, da
indispensável duplicação e da remessa aos membros do Grupo de Trabalho,
que deveriam aguardar por meio dos costumeiros e-mails e seus respectivos
anexos.
Eurínome, com um grande sorriso, abriu a porta de vidro que dava para o
gramado externo para Joshua, vestido com um traje esporte fino, blazer com
uma camisa clara e uma gravata sóbria, muito elegante como sempre,
mostrando um sorriso muito espontâneo.
- Salve, Eurínome! Obrigado! Isso é que é recepção! E salve, salve, meus bons
amigos do Mar Morto! Temos os dois juntos aqui. Que bom!
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- Calma... calma, vocês dois!...Por enquanto ninguém deste lugar sabe o que
só vocês dois sabem a meu respeito... E assim precisaremos continuar por
algum tempo. Será um segredo entre nós três apenas. Aqui, agora e por algum
tempo mais, para todos os efeitos, sou apenas Mestre Joshua, está certo? Eu
sei bem que não é fácil, mas fiquem tranqüilos e o mais natural possível para
comigo e nas diversas situações, que vocês conseguem. Estamos
combinados? Sou eu mesmo que diz: Para todos no XPTO Voturuna sou
Mestre Joshua, nada mais!...
Com sua pasta de documentos debaixo do braço, ele se aproximou mais dela
de uma forma bastante descontraída, sorridente e com seu braço direito livre
segurou-a pelos ombros com carinho. Logo em seguida tomou sua mão direita
e comentou:
- Você está com a mão fria e um pouco pálida, Labda... Até parece que eu
assustei você. Eu não sou tão feio assim, sou? riu ele para descontraí-la,
enquanto segurava o braço de Sísifo com sua mão esquerda.
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- Que bom encontrar você outra vez, não é mesmo, Mestre? Acho que todos
nós adoramos essa sua idéia diferente de vir de helicóptero, não é mesmo,
Labda e Sísifo?... Achei bem diferente... observou ela com um tom de voz um
pouco alterado, olhando-o com bastante atenção e notando seu traje elegante.
Do seu lado, sem saber muito o que dizer, Labda sorriu da informação, mas
não se conteve e perguntou imediatamente:
- Ela está muito bem, sim. No aniversário dela, que foi outro dia... na verdade
no dia 15 de agosto, ela ficou encantada com aquela plantinha que eu havia
comprado na lojinha de Masada, lembra? Ela sempre teve uma forte predileção
por plantas e flores. Acho que ela mandou um agradecimento a você pelo beijo
que você me encarregou de transmitir...
Enquanto falavam, devagar os dedos dela foram passeando pelo dorso da mão
de Joshua, envolvendo seus dedos e chegando à sua cicatriz no punho, num
gesto de um respeito profundo e muito carinhoso. Muito comovida com sua
proximidade, seu coração repetia em silêncio, como se fosse uma oração:
- Meu Deus amado... Você está aqui comigo... Estou segurando sua mão!...
Obrigada!...
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- Foi uma solução discutida entre meu Pai, o Pará e eu... Não se preocupem,
meus caros... Foi, portanto, uma deliberação a três, ouviu, Helena de Corinto?
enfatizou Joshua, brincando com ela e sacudindo um pouco suas mãos, na
tentativa de fazê-la descontrair-se um pouco.
- Pará é uma abreviação que usamos para o nome clássico dele. Seu nome
completo é Paráclito, que para vocês, popularmente, é representado por uma
pomba, ou seja, o Espírito Santo. Ele tem esse nome de Paráclito porque além
do raciocínio límpido que sempre demonstra, na verdade ele é o que conforta,
consola, dá forças, reanima e também, que intercede pelas pessoas atingidas
por problemas sérios, ou seja, os aflitos. Explicando um pouco, Helena, esse é
o seu papel na Trindade. Ele é de uma índole tão perfeita, que permite
gostosamente que alguns dos assim chamados “santos” desempenhem partes
substanciais de seu papel.
Voltando-se para Sísifo, que estava bem ao seu lado, segurou o braço dele
enquanto mantinha Labda abraçada do seu lado direito.
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- Você está cuidando bem de sua garota querida aqui? perguntou num tom
leve.
- Eu entendo... Eu entendo, meu caro. E você acha que vai conseguir dar-se
bem nessa sua futura nova função? perguntou ele, soltando Labda do seu
abraço.
- Eu sei... eu sei bem, Luis Carlos. Você, devido ao seu dia a dia de atividades
no Mosteiro dos Cistercienses, melhor do que ninguém sabia que ele merecia o
descanso com o qual foi verdadeiramente premiado. Ele, agora em seu novo
ambiente acolhedor, sabe bem disso. Mas não se preocupe nem um pouco,
porque ele está muito bem... muito bem mesmo. Quero que você saiba que eu
estive com ele ontem e quando eu lhe disse que iria ver você, ele me pediu
bastante comovido para lhe dizer que deve sempre prestar atenção em sua
saúde. Pediu para se agasalhar bem nas noites frias, alimentar-se bem sempre
para não ficar doente, comer verduras, legumes e frutas bem frescas, procurar
não ficar resfriado e para tomar cuidado especial com os seus olhos...
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Mestre Joshua afastou-se um pouco dos dois, assim que Eurínome passou por
eles. Aproveitou então para informar em voz alta, enquanto seguia
imediatamente seus passos e começava a descer os degraus de pedra:
- Eurínome, por favor, eu marquei hoje à tarde uma reunião com Mestre
Agostinho. Nós dois combinamos por e-mails mais ou menos a hora. Por favor
oriente-me por aqui. Deste ângulo aqui fico meio perdido. Não desejo ir para o
lado errado e me perder nas instalações do XPTO Voturuna, onde atuo faz
algum tempo.
Ela, sorrindo com carinho, chegou ao final da escada, voltou-se para Labda e
disse, segurando de leve o braço de Mestre Joshua:
- Está muito bem, Mestre. A Labda vai conduzir o senhor até a sala de Mestre
Agostinho. Lamento não poder acompanhá-lo o tempo todo, porque eu preciso
muito ficar aqui neste canto perto da escada, por causa de problemas muito
sérios que só eu mesmo posso resolver. Olhe só para a minha mesa!... Meu
trabalho destes dias está fortemente relacionado com aquelas reuniões de
Masada. Perdoe-me por não o acompanhar. Eu não posso me ausentar daqui
desta área até tudo ficar em boa ordem. Mas você está em boas mãos aqui
com a Labda e o Sísifo, pode ter certeza.
Alcançando o último degrau da escada, mais perto dele, Labda murmurou aos
seus ouvidos, admirada e enfatizando um pouco as palavras:
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- Você está nos dizendo que vai precisar de nós por um bom tempo... Estou
admirada com essa informação... É isso mesmo?!
- Olha, Josh... cochichou Labda. Aquela moça muito sorridente ali perto
daquela porta, que está vestida com aquele longo estampado e em pé ao lado
de sua mesa, olhando para nós agora, é a Noelma. Ela trabalha direto com
Mestre Agostinho.
Labda deu uns passos para o lado e fez um gesto para Noelma, que já havia
se colocado em frente à sua mesa ao perceber a aproximação do pequeno
grupo.
- Dá para você ajudar Mestre Joshua, Noelma? Ele veio para um encontro
marcado com Mestre Agostinho.
Ela caminhou rápido na direção dos três e, apertando a mão de Mestre Joshua,
afirmou:
- Claro que sim, Mestre. Por favor, venha comigo, sim? Boa tarde! E que prazer
em vê-lo outra vez aqui no XPTO Voturuna!...
Ele caminhou com desenvoltura ao seu lado, enquanto Labda, com o coração
ainda um pouco acelerado, olhando de soslaio para Joshua, voltou a
acomodar-se em sua mesa de trabalho. Sentou-se pesadamente, com os dois
braços caídos ao seu lado. Sentiu a mão de Sísifo em seu ombro e apertou-a
de leve. Seus olhos encontraram-se e um largo sorriso dominou o rosto dos
dois, enquanto os olhos de Labda ficavam cheios de lágrimas.
- O nosso Deus veio nos ver, Luis Carlos... E parece que Ele precisa de nós.
Isso não é realmente “divino”? Eu nem estou acreditando...
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- Que Mestre Joshua precisa da gente... É isso mesmo... Que ele precisa da
gente, segundo ele nos disse agora mesmo.
- Ora, não se assuste, mas isso pode acontecer com a participação mais
envolvente desses nossos Mestres, como tem acontecido, por sinal. Até os
deuses do Olimpo por vezes precisam dos pobres seres humanos, não é
mesmo? Por que não o resto de todos nós, Mestres Historiadores e
assistentes, que somos mortais? observou ela com convicção.
Colocando a ponta do dedo indicador entre os dentes, como era seu costume
nos momentos de dúvida, e olhando mais firmemente na direção de Mestre
Joshua, antes de entrar na sala de Mestre Agostinho, Eurínome completou
pensativa:
- Não sei se acontece com você, Labda, mas é engraçado como Mestre Joshua
me lembra alguém... por se apresentar sempre tão bem posto, tão elegante...
Me lembra muito alguém... eu nem saberia dizer quem... Só pode ser um dos
mais lindos deuses do Olimpo... Apolo, talvez? Ares? Bom. Deixa pra lá. Não
adianta nada eu ficar dizendo isso, porque vocês não acreditam mesmo nos
deuses do Olimpo!... Esqueçam.
Eurínome voltou-se para Labda com as mãos abertas sobre o peito, mas muito
sorridente. Vagarosamente soletrou bem às claras, mas sem qualquer som:
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- Parece o A – po – lo...
- Quero em primeiro lugar agradecer, Mestre Agostinho, por ter dado atenção
àquelas proposições que eu fiz, tanto nos meus últimos telefonemas quanto
nos meus e-mails. Quero deixar bem claro outra vez que não é minha intenção
alterar a ordem dos trabalhos que irão recomeçar logo, nem eventualmente
substituir as prioridades estabelecidas até agora no inicio de sua gestão. Mas
eu pensei que, assim como o Grupo de Trabalho teve condições de encaixar as
preciosas informações suas sobre a Pré-História, quando de seu primeiro
contato com os nossos historiadores, mesmo sem elas fazerem parte das
preocupações originais do Grupo, poderia ser oportuno que pensemos com
verdadeiro interesse nos pontos que discutimos.
- Isso mesmo, meu caro. Na verdade nós precisamos divulgar com mais
precisão e mais destaque muitos dos atos que têm demonstrado, de fato,
mentes doentias e por vezes muito cruéis de determinadas figuras históricas e
que provocaram muitas lesões incapacitantes em seres humanos praticamente
indefesos, causando não apenas muitas mortes, mas também muita dor, muita
desgraça individual e social.
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- Eu sei bem que você sempre menciona aqueles que, embora não
exteriorizem sua alma cruel de uma forma cruenta e seus sentimentos
verdadeiros, são indivíduos sem ética, que se aproveitam da existência de
pessoas com deficiência, seja na sociedade em geral, seja em seu grupo
familiar, para manterem instituições de atendimento bastante questionável,
locupletando-se com altos proventos e enriquecendo-se à sua custa. Você tem
plena razão ao afirmar que esses também precisam ser desmascarados,
eliminando as aparências de beneméritos que carregam como troféus para
todos os cantos. Alguns desses hipócritas acham que têm seu lugar garantido
no Paraíso, com sua dedicação – dedicação entre aspas, hein? - a uma
entidade que atende, por exemplo, jovens com sérias lesões incapacitantes ou
com deficiências múltiplas.
- Não se preocupe com isso, por favor. Teremos uma primeira reunião para
iniciar a análise do que foi possível levantar para prosseguimento dos trabalhos
apenas daqui a 10 dias úteis, ou seja, daqui a mais ou menos duas semanas.
Acho que poderemos facilmente absorver sua proposta, que eu considero de
fato relevante, disponibilizando nosso melhor acervo humano que está
trabalhando nos dias atuais para dar início imediato aos esquemas de
prosseguimento do nosso projeto. Não sei se é do seu conhecimento, mas
Eurínome, Labda, Britt e Noelma estão escaladas para continuar no projeto.
Quanto ao Sísifo e minha pessoa, estaremos disponíveis e muito interessados.
Além disso, estaremos recebendo em alguns dias alguns reforços que tornarão
possível o prosseguimento seguro do nosso grande projeto.
- Que bom que tem essa possibilidade. Minha idéia é mostrar ao vivo o que de
verdade teve influência para que os fatos que iremos pesquisar fossem
acontecer, como aconteceram, apesar de tudo. Mas, acima e além disso, por
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- Tão logo haja tempo de sua parte e os recursos humanos com que contar
estiverem disponíveis. Precisaremos ter tudo mais ou menos em ordem para
levantar alguns fatos e trabalhar em cima deles, mesmo que fora de uma
ordem cronológica muito óbvia.
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Ao chegar perto de Labda e de Sísifo, Joshua fez um gesto com a cabeça para
acompanhá-lo e, com um sorriso especial, convidou Eurínome também para
segui-lo.
Enquanto Eurínome foi subindo logo antes para deixar tudo em ordem para a
partida, Labda e Sísifo seguiram os passos de Joshua e passaram com ele
pela porta principal de entrada.
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- Estamos combinados com Mestre Agostinho e tudo está em boa ordem para
trabalharmos em ângulos especiais do grande projeto, que continuará o
mesmo. Não se preocupem que ele fará o devido repasse a vocês no tempo
certo.
- No entanto, eu já desejo pedir a você, Luis Carlos, para, apenas nas horas
vagas, ir fazendo uma pesquisa prévia na Internet, obtendo primeiramente a
autorização de Mestre Agostinho de Alfenas, se considerar necessário. Mas, de
qualquer forma, procure marcar em sua memória estes nomes: Rei Dario I,
Imperador Basílio II, vários outros Imperadores bizantinos, como a Imperatriz
Irene e também o rei Ricardo Coração de Leão. Veja o que descobre a respeito
deles, Luis Carlos, naquilo que se relaciona a atos de crueldade despótica
contra seres humanos, causando lesões incapacitantes.
- Sei... Rei Dario I, Imperador Basílio II, Imperatriz Irene, Ricardo Coração de
Leão... Certo?
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Abraçando-o para se despedir, Labda beijou seu rosto com ternura. Ainda
abraçada a Joshua, murmurou:
- Mais uma vez muito obrigada pelo que fez por nós dois. Mas, independente
disso, nem preciso dizer o quanto o Luis Carlos e eu te amamos como nosso
Deus Único e Verdadeiro...
Ele sorriu com aquela serenidade que só Ele conseguia transmitir e já na porta
do helicóptero segurou as mãos dos dois e respondeu:
- Eu sei... eu sei muito bem. E saibam que eu gosto de ouvir isso. Meu Pai e o
Paráclito valorizam muito também esse reconhecimento das intervenções por
vezes muito sutis que fazemos nos eventos diários. A grande maioria dos seres
humanos nunca se lembra de agradecer seus bons momentos. Lembrem-se
sempre de mim, Helena e Luis Carlos, porque estarei por aí verdadeiramente
ao seu alcance! Acreditem nisso... de verdade, insistiu.
- Prestem bem atenção para o que vou lhes dizer agora, meus queridos.
Os dois, de mãos dadas, ficaram parados, de olhos fixos naquele rosto amado,
aguardando.
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- Vocês não precisam ajoelhar-se, nem decorar qualquer oração, para adorar a
Deus, nem para conversar com este Joshua que vocês sabem perfeitamente
bem quem é. Não é preciso assumir qualquer postura formal. Basta abrirem
seus corações e se disporem não só a falar, mas também a ouvir o que eu
posso querer dizer a vocês. Eu não sou nem surdo nem mudo, apesar de
muitos seres humanos pensarem que sou. Eu estarei sempre atento. É assim
que deve funcionar o relacionamento que eu tenho desejado com toda a
Humanidade, por sinal. Não se assustem nem estranhem, mas de vez em
quando minha voz pode parecer o som longínquo de um trovão, o trinar de um
pássaro, a visão de uma borboleta multicolorida voando ao seu redor, o céu
estrelado cortado por um asteróide, o barulhinho único da chuva caindo sobre
as folhas das árvores... Prestem sempre atenção ao seu redor e naquilo que
vocês genericamente chamam de Natureza, porque eu sempre estarei por
perto. Sempre e a toda hora. Acreditem nisso e vivam com essa certeza.
- Nós dois estaremos sempre procurando acreditar com muita força e certeza
em tudo isso. Nós queremos poder sentir você ao nosso redor em todos os
momentos, não só porque você é o nosso Deus, mas porque de verdade nós o
amamos, Joshua... Jesus... nosso Mestre amigo, nosso Deus verdadeiro.
Ele sorriu seu melhor sorriso para os dois, enquanto se afastavam do alcance
das grandes hélices ainda imóveis e fez um gesto de adeus sorridente para
Eurínome que havia aparecido na porta do gramado.
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- Adeus, querido, sussurrou Eurínome... Esse nosso Mestre parece muito com
o meu deus preferido, que é Apolo, sabia, Labda?
- Para mim?... Bem, para mim Ele é o que há de melhor já saído de um ventre
materno. Para mim Ele é muito mais do que Apolo... mais do que Ares... mais
do que uma dezena de deuses e deusas do Olimpo.
- Garota!... Pelos deuses todos, você parece que está apaixonada por ele!...
- Estou, sim. Mas eu sei que Ele entende com perfeição o tipo de afeto que eu
sinto por Ele... que dá um valor enorme à minha vida e me faz reforçar e
prestar muito mais atenção no amor que eu tenho pelo Luis Carlos.
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Capítulo II - PERSAS
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Em apenas alguns instantes, uma elegante mulher apareceu naquilo que era o
amplo vestíbulo da sala de audiências do palácio imperial em seu vestido
verde, de um tecido fino levemente estampado, com gola justa e sem mangas.
Passou de imediato ao grupo a imagem de uma dama que tinha uma beleza
muito própria, que conseguia atravessar os espaços com perfeição, sem fazer
qualquer ruído, a não ser o farfalhar do tecido de seu vestido.
Era Farah Diba, a Imperatriz da Pérsia, acompanhada por duas auxiliares e
pelo médico encarregado do projeto para o qual a ONU estava dando pleno
suporte técnico.
Com as mãos cruzadas como em oração, segurando de leve um medalhão
preso a uma corrente dourada que descia para seu peito, sorriu ao ver o
pequeno grupo que a esperava em pé, e murmurou, olhando para o Mestre
Joshua:
- “Master Joshua, enchantée de votre visite”...
Trocaram cumprimentos com um leve aceno de cabeça, apenas entre sorrisos.
Sem toques, as apresentações de todos os presentes foram gentis, sóbrias e
contaram apenas com olhares, mesuras elegantes dos renomados mestres
presentes e dos assistentes especiais, sorrisos e palavras próprias para a
ocasião.
Farah Diba sentou-se com marcante elegância no sofá e foi afirmando, num
francês límpido, que o sonhado projeto regional de criação de um centro de
treinamento de especialistas árabes para a fabricação de próteses e órteses
para amputados e pessoas com paralisias na Pérsia, beneficiando participantes
de todos os países árabes vizinhos, estava praticamente na fase final de
acabamento e ia indo muito bem. Diversos candidatos a alunos-bolsistas para
o curso de um ano que ia ser encetado já haviam se apresentado no próprio
local, em Shiraz, de acordo com datas previamente negociadas. Seu total seria
de 30, e, conforme plano inicial, os participantes, professores e trainees seriam
originários de países como Líbano, Arábia Saudita, Jordânia, Síria, Egito,
Iraque, Líbia, Sudão, Etiópia, Kuwait, Yemen e até das distantes Argélia,
Marrocos e Tunísia, sob a coordenação e supervisão de um especialista da
ONU, Werne Wille, que, terminadas suas férias anuais na Alemanha, chegaria
a Teheran dali a três dias.
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lanchinho e bebidas. Foi cortando uma paisagem por vezes árida, por vezes de
um verde exuberante, durante quase duas horas.
Num certo momento, o professor Hassan explicou:
- Como estamos praticamente chegando a Behistun, que é aquela montanha
com picos gêmeos lá no horizonte, deixe-me recordar a todos que o rei Dario I
havia conseguido impor-se após golpe que ele coordenou para derrubar
Gaumata, um falso Imperador que era um mago. Além disso, lutou com muita
persistência contra 9 reis que cercavam a Pérsia, para garantir a
inquestionabilidade de seu poder. Não só fez isso, campanha após campanha,
batalha após batalha, pilhagem após pilhagem, massacre após massacre, mas
mandou registrar seus feitos ad eternum, na montanha de pedra mais estranha
do Iran, ao lado da vila de Behistun, que vocês estão vendo lá longe. Fica bem
na margem de uma antiqüíssima rota das caravanas que ia da Babilônia até
Ecbatana, antiga capital da Média. Saibam que em muitos pontos é a mesma
trajetória desta rodovia asfaltada e de pista dupla que estamos usando agora.
Depois de alguns minutos, conforme a grande montanha foi ficando mais perto,
o confortável veículo cedido pela Imperatriz foi tomando a pista lateral sem
asfalto à direita. Assim que a viatura foi chegando mais perto do morro de
pedra, foi se afastando mais do leito principal da estrada para a direita e
procurou a sombra de umas árvores centenárias nas proximidades da
caravanserai ali existente.
- Não vamos entrar nessa caravanserai porque na verdade nossa parada por
aqui não será longa.
- Caravanserai?! perguntou Sísifo um pouco admirado. O que é isso,
professor?
- Caravanserai é uma espécie de um amplo hotel ou motel de estrada, muito
próprio daqui, todo protegido e originalmente existente desde muitos séculos
para abrigar e mesmo hospedar os cansados componentes das caravanas. Em
algumas delas, além de instalações para abrigar as pessoas, havia aquelas
destinadas aos camelos ou outros animais de carga. Existem aquelas que
dispõem até de produtos a serem vendidos para abastecer as pessoas com
alimentos ou roupas. Só para dar a você uma idéia mais realista de como uma
caravanserai se apresenta, Sísifo, todas elas são construídas com as paredes
das suas instalações de costas para o exterior, sem qualquer janela ou
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- Bem... A frase continua assim: “Ele ficou amarrado na entrada do meu palácio
e todo o povo o viu. Depois eu o crucifiquei em Arbela”...
Ele baixou o binóculos muito devagar e, ainda olhando para o morro enorme,
murmurou em inglês, entre os dentes:
- Ufa!... Que rei bonzinho, esse Dario!...
- Ele é um ancestral seu, meu caro...brincou Mestre Joshua com ele, dando-lhe
um tapa carinhoso nas costas.
- Só que hoje em dia não se faz isso na Pérsia, não é mesmo, Mestre? retrucou
o companheiro de viagem.
- Mas eu estou sabendo de fontes limpas que as autoridades policiais daqui da
Pérsia e de outros países do Oriente Médio fazem outras coisas... Outras
coisas...
- É verdade, Mestre Joshua, é verdade”, afirmou Hassan, sem condições de
escapar da realidade.
Mesmo chocado, o bravo persa continuou:
- Vocês sabiam que por crimes de furto, aqui no Iran e em diversos países
árabes, quando o ladrão é flagrado e não há dúvida do crime, ele ainda pode
ter uma das mãos amputada?
Sísifo ficou meio pasmo, mas ficou olhando fixamente o professor Hassan
falando de seus costumes.
- Tem mais, tem mais, gente! Quando um homem ou uma mulher –
especialmente uma mulher - são condenados por “adultério” eles devem ser a-
pe-dre-ja-dos!!!.
Ele explicou um pouco mais, procurando chamar a atenção de todos.
- Claro que isso acontece mais com mulheres. Os homens podem ser
polígamos e as mulheres não vivem com esse privilégio. Se são flagradas, a
acusação é de adultério mesmo. E o apedrejamento é a pena imposta, para
desestimular esse tipo de crime.
- Difícil de acreditar!!! Mas isso acontece... dentro da lei?! É uma forma de
execução de uma sentença condenatória à morte? perguntou Labda, sem se
conformar com aquelas informações.
- Claro que é! Em séculos passados o apedrejamento era feito num canto de
rua qualquer ou num terreno baldio onde poderia haver entulhos e pedras as
mais variadas. Hoje em dia, em locais pré-determinados e com pedras pré-
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Foi recolhendo aos poucos seu material que estava espalhado sobre a mesa,
enquanto concluía:
- Neste nosso grupo especial de trabalho, no dia de hoje contando com o apoio
de Heródoto, que todos vocês conhecem bem, teremos para a coordenação
das primeiras idéias sobre esse tópico da Chegada do Cristianismo a
colaboração de um dos especialistas mais reconhecidos da atualidade, ou seja,
Mestre Joshua. Ele cobrirá uma multiplicidade de informações sobre a chegada
do Cristianismo e a verdadeira epopéia que a envolveu. Por favor, Mestre
Joshua, estaremos todos atentos a suas palavras.
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Essa paz, que passou para a História, não foi garantida apenas pelas armas
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- Esses fatores todos - por mais estranho e irônico que possa parecer, meus
caros - apresentaram-se no início da vida cristã como agentes facilitadores.
Mas, talvez muito mais do que eles, convém ressaltar o lamentável estado
moral da sociedade romana como um todo - especialmente a mais favorecida -
que, além dos desmandos quanto a usos e costumes, não chegava a atinar
com o verdadeiro significado dos problemas que atormentavam continuamente
certas camadas da população, tais como os escravos, os oprimidos, os servos,
os "bárbaros" em geral e outros mais - enfim, todos aqueles que compunham a
massa dos pobres do glorioso Império Romano. Quero aqui ressaltar que o
conteúdo da doutrina cristã, que era toda voltada para maior consideração aos
seres humanos por meio da renovada idéia da caridade, ou seja, para o amor
ao próximo, para o perdão das ofensas, para a valorização e compreensão do
significado da pobreza, da simplicidade de vida e da humildade, conteúdo esse
pregado pelo próprio Jesus Cristo e divulgado com argumentos cada vez mais
convincentes, conquistou a grande horda dos desfavorecidos em primeiro
lugar. No meio deles, aqueles que eram vítimas de doenças crônicas, de
defeitos físicos ou de problemas mentais.
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- Na verdade, Labda, tudo isso deixou perplexos todos os que deles viviam
despreocupados. Aos poucos, alguns cidadãos romanos começaram a
posicionar-se favoravelmente a esse novo modo de ver o seu semelhante,
mudando inclusive seu modo de ser. Outros mantiveram-se alienados como
soe acontecer em muitas situações. Mas muitos reagiram de várias formas
contra os cristãos e seu modo de pensar e atuar, procurando cada vez com
mais insistência, aquilo que consideravam negativo e reacionário na religião
que surgia.
- Mestre Joshua, eu gostaria muito de saber como e porque essa nova linha de
raciocínio de fato influenciou novas realidades do grande mundo romano?
perguntou Mestre Tucídides, que ouvira com atenção redobrada, num dos
cantos da grande sala.
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- Meus bons amigos, essa característica de religião quase que sem fronteiras,
mencionada por Mestre Joshua, chamou imediatamente a atenção dos
governantes romanos, como não poderia deixar de ser. E por que?
Simplesmente porque o Império Romano e seus mandatários, que respeitavam
(ou pelo menos ignoravam) as religiões e crenças locais ou nacionais dos
povos conquistados, não aceitavam em hipótese alguma essa espécie de
organização aparentemente judaica que se instituíra e que afirmava manter
uma religião "não licenciada" pelas autoridades de Roma à busca de adeptos
em qualquer das nações integrantes do Império. Foi dessa maneira que o
Cristianismo começou a ser olhado pelas autoridades romanas como um
movimento ilegal, tendo sido extremamente fácil para seus questionadores
descobrir aspectos "negativos" na audaciosa religião de um só Deus, que não
apenas desprezava deuses sem conteúdo e "surdos-mudos", como afirmavam
seus líderes, como também abria espaços nas mais variadas nações e raças
subjugadas pelos romanos. Mas talvez muito mais do que isso, era uma nova
religião que se recusava a reconhecer a pretensa característica de divindade
no Imperador romano. E o que aconteceu? As autoridades romanas
começaram uma repressão violenta, para desencorajar sua expansão, por
meio das famosas perseguições aos cristãos.
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- No livro que, com a ajuda de muitos cristãos mais cultos, consegui escrever e
que levou o título de História Eclesiástica, cuja cópia está aqui em minhas
mãos, existe um trecho que faço questão de ler para todos vocês.
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O mártir, mandado de volta à prisão, foi barrado por um soldado que perguntou
seu nome. E ele respondeu com clareza, apesar da língua amputada.
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Foi o Imperador Constantino que, em 315, editou uma lei que bem demonstra
a influência dos princípios defendidos pelos cristãos de respeito à vida. Essa lei
considerava os costumes arraigados - embora não generalizados - de mais de
cinco séculos, prevalecentes no Império Romano desde a Lei das Doze
Tábuas, e em Esparta principalmente, que não só permitiam como também
exigiam que o pai de família, senhor absoluto de tudo e de todos no lar, fizesse
morrer o recém-nascido que ele não queria que sobrevivesse, devido a defeitos
ou a mal-formações congênitas. Constantino considerou esses costumes como
equivalente a um "parricídio" e tomou providências para que o Estado
colaborasse para a alimentação e vestuário dos filhos recém-nascidos de
casais mais pobres. Exigiu que essa nova lei fosse publicada em todas as
cidades da Itália e da Grécia, e que fosse em todas as partes gravada em
bronze para, dessa forma, tornar-se eterna.
.............................................................................................................................
Voltando-se para Mestre Agostinho, Joshua levantou as duas mãos para seu
encerramento.
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Já passava das dez horas da noite quando, visivelmente feliz, Heródoto deu as
mais calorosas boas vindas a Mestre Agostinho e a Sísifo, logo depois de
ambos terem liberado suas pequenas bagagens na alfândega, conduzindo-os
para o setor VIP previamente reservado do Aeroporto Internacional de Atakurk,
em Istambul.
Heródoto adiantou-se uns passos para ficar numa posição mais frontal com os
recém-chegados e comentou:
Voltando-se para Sísifo, que acabara de colocar sobre uma cadeira as poucas
parcelas de suas bagagens, cumprimentou:
- Boas vindas a você também, Sísifo, muito aguardado por aquelas jovens ali
sentadas. Vai lá dizer um alô...
Ele soltou a sua mão e afirmou num tom mais alto para todos na sala ouvirem:
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Byzas
famoso Chifre Dourado. Daqui a pouco um confortável ônibus virá nos buscar,
não se preocupem.
Antes de sair da sala VIP, Agostinho percebeu com satisfação que tanto Labda
quanto Noelma já haviam localizado estrategicamente sobre a mesa redonda
as extensões dos microfones de seus micro-gravadores.
- Nosso encontro aqui nessa imensa metrópole que é Istambul, que, como
vocês sabem, tem uma parte na Europa e outra na Ásia Menor, contará
pessoalmente com dois antigos historiadores de conhecimento enciclopédico e
muito vasto a respeito do Império Bizantino e que escreveram obras de
referência inquestionável, conhecidas em todos os cantos do mundo moderno.
Teremos, já confirmados e de corpo presente, Mickael Psellos e Edward
Gibbon. Seus nomes dispensam comentários, não é mesmo? No caso de
Psellos, devo informar com imensa satisfação que ele virá nos encontrar na
sala VIP, onde estamos instalados, daqui a pouco. Gibbon só estará chegando
amanhã cedo. Outros historiadores foram também convidados. Esperamos que
consigam estar presentes.
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Byzas
Ela ficou surpresa com a pergunta, mas aproveitou para colocar uma dúvida
que tinha.
- Sabe, mestre, nos anos que vivi em Corinto eu ouvi falar muito pouco em
Bizâncio. A região onde agora estamos, era ocupada por pequenas vilas de
origens as mais variadas... e havia um núcleo, me parece, que era chamado de
Bizâncio ou Bizantos, pelo que eu possa recordar.
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- Mas você está aqui conosco, comunicativa e muito vivaz. O que se sabe
mesmo é que a partir de uma certa época no meio do século VII antes de
Cristo, algumas famílias originárias de Mengara, que era uma cidade pujante
perto de Atenas, procuraram novas paragens para viver. Não se sabe os
motivos, mas talvez por dificuldades locais, periculosidade nas vizinhanças,
brigas entre famílias, terras de má qualidade e outros motivos não arrolados.
Começaram uma busca intensa ao norte depois de muitas consultas, sob a
liderança de seu rei que se chamava Byzas.
Labda levantou-se e foi até o quadro branco, pegou uma caneta colorida e
escreveu Byzas com letras maiúsculas.
- Obrigado pela ajuda, Labda. Neste ponto vocês precisam lembrar que na
língua grega havia declinações de palavras, não é mesmo, Labda? Nominativo,
genitivo, dativo, acusativo, vocativo e ablativo. E o genitivo de Byzas era...
Labda me ajude!...
- Sim! Diz a lenda que Byzas, a fim de liderar seu povo para o norte, em busca
de um aprazível local para montar sua cidade, foi antes consultar o Oráculo de
Delphos. A orientação, sempre enigmática, foi a seguinte:
“Localize seu povo na grande área plana que fica do lado oposto do cego”.
- Verdade isso? Mas que legal, hein? Do lado contrário do cego, comentou
Sísifo. Do lado que o cego não podia ter enxergado?... Ou do lado que o líder
da cidade não quis enxergar...
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- É... De fato, do lado oposto do cego que não conseguiu ver a maravilha de
região do outro lado, comentou Sísifo.
- Não duvidem nunca, pois, a Grécia surgirá sempre como uma linda flor num
imenso pântano de lendas, meus caros, não é mesmo, Labda?. É evidente que
hoje tudo isso aqui pertence aos turcos, mas a História consegue resgatar as
origens e, um pouco lá para trás, estaremos nós, os gregos de raiz.
O grupo voltou, logo após seu ligeiro lanche, para a sala VIP e sentou-se para
dar início à reunião de trabalho, enquanto o ônibus não chegava.
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- Vamos lá, então, meus caros. Não sei se vocês já notaram, mas de vez em
quando alguns historiadores não se conformam com essa posição
condescendente que tem sido reconhecida para com determinadas figuras
ilustres da Historia Bizantina. Na verdade, a História da Humanidade, conforme
nos é transmitida nos países do mundo ocidental, chega ao absurdo de
minimizar e chega mesmo a deturpar, por exemplo, a eventual importância do
Império Bizantino, que durou nada menos do que onze séculos, evitando
passar uma imagem realista de determinados Imperadores.
- Meu caro Luis Carlos, sei muito bem de seus esforços, de seus estudos e do
tempo que você tem dedicado a esses assuntos relacionados ao Império
Bizantino desde os anos de Curso sobre História Antiga, na Universidade de
São Paulo. Temos conversado bastante a respeito, não é mesmo? Eu vou
pedir que você repasse para nossas muito atentas assistentes algumas idéias
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- Mas vejam bem. Foram mais de onze séculos de existência. Onze séculos
intensamente vividos no mesmo período de tempo em que a Europa mantinha-
se numa etapa obscura e problemática da História, que foi a Idade Média,
como todos nós sabemos muito bem. Durante vários desses onze séculos
nunca deixou de ser uma notável unidade política que manteve muito viva a
cultura clássica de gregos e de romanos. É interessante notar que desde a sua
criação, durante toda a sua existência, procurou estabelecer com clareza sua
característica fundamentalmente cristã, com evidentes mudanças de ênfase,
pelos muitos séculos afora.
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- Veja bem, Labda. Se nós formos nos referir aos desmandos que levaram
multidões a viverem com deficiências físicas ou sensoriais, o Império Bizantino
acabou sendo marcado na História da Humanidade como um lamentável
exemplo, uma vez que diversos de seus Imperadores destacaram-se em sua
gestão, não apenas por suas lutas, conquistas e intransigência na defesa do
Cristianismo, como também pela severidade dos castigos e penalidades que
infligiam, apoiados ou não nas leis. A existência legal de punições, como a
mutilação de membros ou o vazamento dos olhos de muitas vítimas – culpadas
ou não – que caíram nas mãos da justiça, foi uma verdadeira e lamentável
marca registrada da realidade bizantina.
Mestre Agostinho, que estava voltando com uma bojuda pasta de papéis nas
mãos, ouvindo o final da explicação de Sísifo, comentou:
- Isso mesmo, Mestre Agostinho, emendou Sísifo. E olha que não nos é difícil
imaginar a extensão dos problemas das pessoas com deficiências pelas
causas usuais, quando a eles eram acrescentadas as dificuldades de todas
aquelas pessoas cegas e amputadas devido a penalidades impostas pela lei e
pelo poder absoluto dos Imperadores e seus mandatários.
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- E o mais incrível disso tudo é que nada dessa magnificência impediu que
barbáries sem conta acontecessem, muitas delas até em nome de Deus!
exclamou Sisifo.
- Isso é bem verdadeiro. Bem, meus prezados, estou notando daqui do meu
canto que Mestre Heródoto está chegando acompanhado por um dos mais
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- Eu tive o prazer de ler sua obra, Mestre Psellos, informou Sísifo ao apertar
sua mão.
- Espero que não tenha sido muito enfadonho, meu jovem amigo.
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Mestre Agostinho aproximou-se devagar para fazer parte da pequena roda que
havia sido formada ao redor de Psellos e de Heródoto, que levantou as mãos e
informou:
Ao final das discussões, todo o material gravado pelas duas assistentes havia
coberto de sobejo todos os assuntos levantados por Mestre Agostinho, com os
comentários de Heródoto e de Psellos.
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era capaz até de me levar até lá. Claro que dependia sempre de você ser
simpático, sorrir, mostrar-se leve e... que não é turista. Isso é válido para hoje
em dia, claro, mesmo fora de temporada. O turismo está aos poucos tornando
muitos dos moradores de qualquer lugar mais reservados e frios, embora
alguns se excedam porque querem por vezes alugar um quarto ou vender
algum artesanato...
- Verdade, comentou Sísifo.
Todos foram se acomodando nas cadeiras por ali existentes, enquanto Noelma
comentava:
- Ai, que bom nós estarmos aqui em cima. Mas, olha! Eu estava pensando que
poderia haver uma linguagem mais universal, vocês não acham? Ou, então,
para coisas básicas pelo menos. Eu sei, claro, que as agências turísticas têm
seus pequenos panfletos ou caderninhos especiais de distribuição para sua
clientela com frases usuais da língua local, mas...
- Isso ajuda um pouco, Noelma... Pelo menos eu acho, afirmou Labda. Mas eu
também acredito muito mais na mímica. Em situações difíceis eu às vezes ajo
como se eu fosse muda... tentando chamar a atenção para algo que eu
preciso, sem o uso de palavras. E em geral sou bem atendida.
- Mas isso não deve acontecer com todo o mundo, eu acho, comentou Noelma.
Tanto aqui na Turquia quanto em qualquer outro país do mundo, essas
pessoas que têm alguma limitação podem até receber atenção que merecem,
mas muitas vezes devem ser colocadas de lado como se fossem estorvos.
Disso eu tenho certeza, mesmo porque é exatamente isso que tem acontecido
no mundo inteiro desde que eu me conheço como gente... e isso faz um
tempão, riu ela.
Sísifo, rindo da observação, sentou-se numa posição mais ereta para
comentar:
- Olha, Noelma, eu não tenho nem idéia de como é que as pessoas com
problemas especiais são tratadas aqui na Turquia. Claro que todos esperamos
que haja consideração suficiente. Afinal, todo esse povo reza de joelhos e de
testa no chão todos os dias várias vezes. Espero que essa postura diante de
Alá leve não só a Turquia, mas todos os países muçulmanos a oferecer
serviços bem adequados. E sabem por que motivo eu penso assim? Porque há
estudos de especialistas que afirmam que o grau de civilização e de cultura de
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um povo pode ser medido, não apenas pela preocupação que demonstra para
com os seus grupos mais enfraquecidos e/ou minoritários, mas também pelos
tipos de apoio e pela qualidade com que esse apoio é passado para a prática.
- Mas, Sísifo, o fato de todos os muçulmanos orarem várias vezes ao dia,
voltados para Meca, não significa que a Turquia, por exemplo, tenha um povo
completamente civilizado e culto, não é mesmo? observou Labda.
- É verdade, Labda... Sim, é verdade. Quando eu ainda era estudante, aprendi
que algumas formas de prestação de auxílio, utilizadas em certas culturas,
através dos séculos, podem ter sido muito surpreendentes. Houve épocas da
História do Império Bizantino, por exemplo, em que fazer o bem, dar esmolas,
participar de esforços organizados, colaborar com programas destinados a
algum tipo de assistência ao ser humano em dificuldade, era a efetivação pura
e simples da virtude cristã da caridade. Era considerado mais ou menos como
a verdadeira aquisição de um passaporte irrestrito aos céus e a uma vida
eterna repleta de esplendores, conforme ouvimos ontem Mestre Agostinho
comentar.
- Mas isso seria muito bom, se fosse verdade, não é mesmo? perguntou
Noelma.
- Todos nós estamos cansados de saber que o ser humano em dificuldade
pode ser assistido efetivamente de várias maneiras, não sabemos? perguntou
Labda.
- Desculpe minha total ignorância a respeito, Sísifo, mas nesses dias que
correm na História da Humanidade eu não faço a mínima idéia de como essa
ajuda pode acontecer.
- Olha, Noelma, pode-se colecionar exemplos os mais variados para ilustrar o
como fazer e o como não fazer acontecer essa ajuda sempre importante. As
entidades ou movimentos de socorro surgem por vezes espontaneamente, por
vezes graças a um objetivo bem expresso, e, de vez em quando, com
segundas intenções. Vejam o exemplo do Império Bizantino.
- Eu acho que a História tem em seus arquivos exemplos fartos dessas
segundas intenções, não é mesmo? comentou Labda.
- Você tem toda a razão, porque não se trata de situações próprias do Século
XXI, em absoluto. Se a gente parar um pouco para pensar, a doença grave, os
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- A gente sabe muito bem que, quando se fala em pessoas com deficiência,
vem na cabeça da gente em geral uma imagem negativa de pobreza, de
esmola, de andrajos, de falta de educação e de higiene, de inutilidade.pessoal
e de rejeição.
- É muitas vezes verdadeiro, mas muitas vezes também são imagens geradas
pelos preconceitos existentes em todos os lugares, Labda. Existem, sim,
pessoas com deficiência com as características que você mencionou, mas
existem também aquelas abrigadas em famílias bem formadas que sofrem as
conseqüências de uma deficiência física ou sensorial. Existem aquelas que
nasceram com muita iniciativa e que procuram sozinhas seus caminhos.
Existem aquelas dotadas de uma inteligência fora do comum e que são
atingidas por males que as limitam de uma forma brutal... Existem, por
exemplo, aquelas que têm paralisia cerebral e que são desconsideradas por
um engano das pessoas que acham serem elas deficientes intelectuais,
quando muitas vezes têm um intelecto invejável.
- É verdade, Mestre. Eu mesma tenho uma deficiência física, mas fui criada por
minha família, que era bem ampla, onde recebi muito carinho... apesar de
depois...
- Sim... depois não foi assim? perguntou Noelma.
Heródoto não se conteve e fazendo um sinal de apoio a Labda comentou:
- Meus caros, eu conheci a história da Labda lá em Corinto. Ela viveu muitos
anos feliz no palácio real, com seu filho Cípselo, que era rei daquela importante
cidade. Mas, quando ela era solteira, a família dela, pressionada pelo ambiente
perfeccionista que imperava na grande família dos Báquidas, percebeu que ela
era rejeitada por ter um pequeno defeito físico...
- Nenhum homem queria casar comigo! riu ela. E eu fui começando a viver
mais isoladamente como adulta, apesar de me dedicar com grande felicidade a
meus sobrinhos pequenos e às crianças de um modo geral.
- Verdade, Labda? Apesar de tão bonita que você é, não é mesmo, gente? Eu
não vejo nem nunca vi defeito físico nenhum em você, afirmou Noelma, muito
solícita, olhando sorridente seu rosto bem de perto.
Labda tomou seu rosto com as duas mãos, beijou-a na testa e comentou:
- Você não vê porque hoje em dia eu uso essas botinhas que você tanto
gosta... Elas eliminam a diferença que eu tenho numa das pernas...
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- Ah... é isso...
- Pois então, continuou Heródoto, casaram esta moça aqui com o filho de um
ricaço de Petra, só para ela desaparecer do ambiente seletivo dos Báquidas.
- E Petra era muito longe!... comentou Labda. Muito longe mesmo.
- Que absurdo, não?
- Mas tive meu filho, que foi o maior tesouro que eu ganhei dos deuses.
Mestre Agostinho aproveitou a ocasião para esclarecer:
- Deixe-me aproveitar esta oportunidade para comentar o seguinte: Uma
pessoa adulta, com algum tipo de deficiência, pequena ou grande, não importa
- seja ela física, sensorial, orgânica, funcional, mental, ou mesmo social –
precisa garantir sua vida com aceitáveis níveis de atuação pessoal, tanto física
quanto psicológica, de acordo com situações próprias da sua vida e da
comunidade onde vive. São esses níveis de equilíbrio, por assim dizer, que
poderão levá-la a uma vida mais digna, mais útil, mais feliz e mais encaixada
em seu meio-ambiente. Eu não desejo estragar a hora de repouso que vocês
estão procurando usufruir, mas, aproveitando o desenrolar do assunto e o
exemplo do caso da nossa Labda aqui, só quero acrescentar que os problemas
de uma pessoa adulta com deficiência vão muito além da luta direta pela
redução ou pela eliminação total ou parcial da dificuldade, não é mesmo,
Labda?.
- É a pura verdade, Mestre Agostinho. É uma verdade que se aplica a qualquer
pessoa, tenha ou não tenha a mesma cor da pele, o mesmo formato de rosto,
as mesmas características físicas... É evidente que suas dificuldades para
acertar sua vida dependem muito do apoio que receberam ou deixaram de
receber de seu núcleo familiar. Não estou falando só de pai e mãe. Estou
falando do conjunto de pessoas da mesma grande família, ou seja, avós, tios,
sobrinhos, primos, cunhados...
- Vejam bem, confirmou Agostinho. A aceitação ou não de uma pessoa com
uma lesão diferente não se limita, em absoluto, à utilização de um parzinho de
botas, como a Labda está fazendo. A questão ultrapassa em muito um simples
emprego remunerado e competitivo. E a grande verdade é que cada pessoa
com deficiência que busca um lugarzinho em seu meio-ambiente tem sido por
vezes pressionada a, não só superar a dificuldade causada pela limitação,
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bem marcadas, rente à parede, com um garbo digno de nota. Parecia que
estava de fato se exibindo.
Emocionada e com o coração batendo mais forte, Noelma segurou firme o
braço de Labda, enquanto seguia completamente imobilizada o trotar do belo
animal, que foi diminuindo sua marcha elegante, conforme foi se aproximando
do lado oposto do portão aberto onde elas estavam ao lado de Calil.
Com os olhos fixos no belo animal, ela levou a mão ao coração e murmurou:
- Britt... Labda... Ele é igualzinho o meu cavalo, lá de Tyne... Seu nome era
Albinus, para os legionários. Era o cavalo preferido do Centurião Médico Lucius
Flavius... mas para mim era apenas... apenas... Querido...
O animal parou de trotar do lado oposto onde elas estavam e sem qualquer
comando do cavalariço que o controlada, começou a caminhar na direção do
centro do redondel. Ao chegar próximo ao mastro central, parou por um
instante e foi, a passos lentos, balançando de leve a magnífica cabeça,
aproximando-se de Noelma, que ficou muito emocionada, largou o braço de
Labda e estendeu as duas mãos na direção do cavalo, num movimento
espontâneo. Ele, com os olhos grudados nela, foi chegando perto, relinchando
baixinho e com suavidade, movimentando devagar a cabeça magnífica. Seu
focinho encaixou-se perfeitamente bem nas duas mãos estendidas de Noelma,
que deu uns passos em sua direção para abraçar sua cabeça e para passar as
mãos com muito carinho em seu peito e em seu pescoço.
- Querido... você é lindo de tudo... Você é uma cópia exata de Albinus... que eu
perdi num campo de batalha todo enlameado, com uma flecha cravada bem
no peito.
Ela começou a chorar, mas o cavalo manteve-se calmo em suas mãos e
aceitou seu abraço com serenidade, como se a conhecesse desde sempre. De
vez em quando levantava a cabeça e relinchava baixinho, mostrando seu
carinho e seu contentamento.
- Você por acaso conheceu Albinus, lindo cavalo? brincou ela segurando com
leveza sua orelha preta, enquanto continuava abraçando sua cabeça.
Afastando-se um pouco, ela viu que o cavalariço vinha andando em sua
direção, enrolando devagar a rédea de controle de distância. Quando ele
chegou mais perto, Noelma perguntou:
- Qual é o nome dele?
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- É Blanco... acho que por causa da cor. É um nome latino. Só que ele tem
essa orelha direita diferente, como a senhora percebeu...
- Eu sei... Você não vai acreditar, mas o meu tinha a mesma marca...
Deixando o cavalo tranqüilo nas mãos e no abraço de Noelma, ele chegou
mais perto de Britt e de Labda e foi explicando:
- Pelo que eu ouvi dizer, ele era um cavalo selvagem e meio lendário que vivia
nas planuras da Bulgária, mas que se enturmou com outros mais selvagens do
que ele. Fez isso por causa de uma égua toda branca... e acabou sendo
capturado na grande manada. Mas, apesar de tudo, é um animal sensível, pelo
que eu tenho observado.
Dirigindo-se para Noelma, comentou:
- A senhora é a primeira pessoa da qual ele se aproxima com tranquilidade.
Engraçado. Eu estou acostumado com ele, mas, quando ele parou seu trote,
olhou direto para a senhora do outro lado do redondel e começou a caminhar
num passo lento, mas determinado, me deu a impressão que ele reconheceu a
senhora... De algum lugar, quem sabe?...
Ela sorriu com alguma tristeza e com os olhos cheios de lágrimas. Passou
devagar a mão direita desde o alto das orelhas até suas narinas. Suavemente
cochichou para ele bem baixinho, como se estivesse lá em Tyne, quase dois
mil anos antes...:
- Vai treinar, vai, Albinus... Ninguém nem imagina, mas aqui no meu coração eu
sei que é você!... O meu lindo Querido, que ficou no meu colo na hora de
nascer. Eu tenho certeza de que é você... De que forma eu não sei... Que
Apolo te proteja e garanta sua prole por muitos anos mais, com sua égua
branquinha como a neve que eu estou vendo daqui... me olhando enciumada e
balançando a cabeça várias vezes...
Blanco soltou-se devagar de suas mãos e olhou na direção da égua, do outro
lado.
O cavalariço olhou na mesma direção, riu e disse:
- Aquela é Nora, a namorada dele. Não se deixam por nada...Ela deve estar
enciumada, brincou ele.
Labda riu da observação e passando bem devagar uma das mãos no pescoço
de Blanco observou:
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- Pudera, um garanhão destes!... Ela, ali adiante, mostra que não é burra nem
nada.
Todos riram da felicidade da observação e o cavalariço foi puxando de leve a
rédea, para continuar sua rotina.
- Desculpem, mas eu tenho que continuar meu trabalho com ele e com outros
cavalos... Mas voltem sempre que quiserem.
Albinus foi se afastando devagar, com passadas bem marcadas. Quando
estava a uns dez metros dela, parou e virou a cabeça para olhá-la mais uma
vez, enquanto Noelma abanava a mão devagar, num sinal de adeus,
murmurando entre lágrimas:
- Adeus, Querido! Fico feliz que esteja vivo e muito lindo, e com uma namorada
tão formosa e elegante. Cuide bem dela, Querido.
Lágrimas desceram pelo seu rosto e molharam um pouco sua blusa. Ela se
voltou para Labda e escondeu o seu rosto em seu peito, soluçando um pouco.
- Desculpe minha emoção... É que no destacamento de cavalaria da Victrix, eu
tive um cavalo branco como esse... exatamente como esse, todo branco, com
aquela orelha preta... e nós dois morremos na mesma hora durante uma
batalha perto de Tyne...
Parou um pouco, enxugou o rosto com um lenço de papel e murmurou:
- Mas, vocês viram... nós dois estamos vivos outra vez!
Labda e Britt, entendendo sua emoção, sem dizer nada foram se afastando
devagar, enlaçando a cintura de Noelma e caminharam na direção do refeitório,
onde o grupo esperava sua chegada.
- Promete contar para nós duas pelo menos essa história de um verdadeiro
amor como o seu?
- Claro que sim! Aliás, pela escala de apresentações, eu serei a próxima a
contar para vocês pormenores de minha vida passada.
Calil, observando os olhos vermelhos de Noelma, chegou perto dela muito
solícito e começou a falar o muito que sabia sobre os pontos de atração de
Istambul:
- Da. Noelma, a senhora sabia que agora Santa Sofia é um Museu, não sabia?
Passou de Basílica Imperial para Mesquita, quando os turcos deram o golpe
final no Império Bizantino, isso em 1453. Faz pouco tempo que ela passou a
ser um museu. Mas é um ponto de importância marcante. Vocês todos têm
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toda a razão de querer visitar essa obra amanhã cedo, como sugeriu o mestre
ali.
- Nós podemos ir juntos, se vocês todos quiserem, comentou Labda. Pelo que
eu li de noite ela deve estar fechada.
- No entanto, preciso dizer que um ponto que nenhum turista quer perder aqui
em Istambul é o assim conhecido Kapaliçarsi, afirmou Calil muito solícito. O
mundo todo conhece o Kapaliçarsi...
E acrescentou para melhor conhecimento de todos:
- É o famoso Grande Bazar ou Mercado Coberto. Ele fica no distrito de Fatih,
que não é longe daqui, quase no fim desta avenida.
- E lá a gente pode encontrar o que, Calil? perguntou Noelma, já refeita da
emoção e segurando o seu braço.
- Uma variedade enorme de joalheria, cerâmica, tapetes, especiarias, roupas,
tecidos, souvenirs... coisas assim daqui da Turquia, Da.Noelma. Muitas coisas
pequenas e lindas para dar para o seu namorado. É um enorme mercado
coberto, com mais de 60 ruas e, segundo alguns turcos exagerados, tem mais
de 4.000 lojinhas. É muito movimentado de dia até o início da noite. Dá para
vocês irem hoje, se quiserem, para uma visita rápida.
Agostinho, diante do interesse do grupo que ainda estava em pé na frente do
Centro e sem destino, emendou:
- O jovem Calil, nosso atencioso mordomo aqui, poderá explicar como se vai
até lá. Fale alguma coisa sobre o Grande Bazar para eles, Calil!...
O jovem turco, bem posto dentro do seu jaleco azul, chegou bem
desembaraçado, sorriu com toda a franqueza, mostrando dentes alvos e bem
alinhados e informou com certo orgulho próprio de habitantes de Istambul:
- Acreditem em mim quando digo que esse Bazar é o mais antigo do mundo
todo!
- Você não está exagerando, não, Calil? perguntou Noelma rindo.
- Não estou, não, Dona Noelma. A gente aqui em Istambul sabe que ele foi
iniciado em 1461, depois que os turcos tomaram posse de fato desta cidade
famosa e ordenaram um pouco a vida aqui na velha Constantinopla, que
estava um verdadeiro caos. Havia muitos pedintes cegos ou... estropiados,
como dizem os franceses, nas esquinas, no hipódromo, perto do
orphanotrophium, perto das grandes igrejas... A maior parte das lojinhas do
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kapaliçarsi está agrupada por tipos de produto. Numa só área vocês podem
encontrar produtos de pele de animais, de joalheria só de ouro ou só de pedras
preciosas...
- Parece fascinante... Gente, vamos dar uma chegada lá antes do anoitecer? O
lugar por lá é seguro, Calil?
- Imagine, gente! Claro que é! Istambul é uma metrópole segura, como
qualquer cidade grande. E é bem iluminada. É só ter cuidado de não ficar
andando por ruas escuras com pacotes ou distraidamente. É igualzinho
Londres, Nova York ou o Rio de Janeiro.
- É a mesma coisa em São Paulo... comentou Mestre Agostinho. É preciso
sempre ter cuidado e não demonstrar que você é turista, tem dinheiro, anda
distraído...
Calil animou-se com a possibilidade deles visitarem o Kapaliçarsi, o que
despertou nele uma pequena esperança de que passassem pela lojinha de sua
irmã Fátima para comprar alguma lembrancinha feita em casa. Assim ela
poderia garantir pelo menos a taxa mensal de aluguel que ela ainda estava
devendo. Aproveitou para esclarecer:
- O Kapaliçarsi fica na parte mais alta da grande área comercial, na encosta sul
do Chifre de Ouro, aqui perto. Exatamente nesse lugar é que os navios
atracavam para trazer abastecimento para a cidade, que deles dependia para
tudo. Fizeram um enorme aterro para poder ampliar a área comercial de
Istambul faz muito tempo. O Kapaliçarsi fica entre duas mesquitas – nem vou
dizer os nomes porque vocês nem vão se lembrar – mas o ponto de referência
melhor é que ele fica bem perto da avenida principal da cidade antiga,
chamada de Divanyolu. Deu para entender? Di-va-ny-o-lu. Essa avenida é dos
tempos dos gregos que se orgulhavam de serem chamados de romanos...ou
seja, dos tempos áureos da Constantinopla cristã, que se dizia Reino de Deus
na Terra.
Todos mostraram-se animados para ir procurar o famoso mercado coberto,
com Calil, na entrada do Centro, fazendo indicações quanto à direção a tomar.
Vendo-o ali parado, de mãos cruzadas como em oração e o grupo se afastando
aos poucos, Noelma não se conformou, voltou correndo e convidou, segurando
seu braço:
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- Calil, você já terminou seu trabalho aqui no centro. Por que não vem com a
gente? Nenhum de nós fala turco e se quiser comprar alguma coisa você
poderia ajudar... E podemos ir ver a lojinha de sua irmã.
- Ah... eu não quero atrapalhar vocês...Imagine!...Olha, Dona Noelma, minha
irmã Fátima – é um amorzinho de gente. Como eu contei antes, ela tem uma
lojinha lá que tinha sido do meu avô. Ela vende esses perfumes em bastões,
sabe? Esses que a gente acende e fica fumegando, dando um cheiro gostoso
numa sala ou num quarto. Lojinha número 2112 – fácil de guardar. Ela fala
inglês também. Ela poderá ajudar vocês. Diga que eu que mandei... Eu, o
Calil... irmão mais novo dela...
- Que bom. Mas mesmo assim, vem Calil!... Vem! Você ajudará muito a
gente!... insistiu Labda, enquanto Noelma segurava a sua mão, tentando puxá-
lo para a rua.
Ele ficou animado. Afastou-se um pouco de Noelma e, fazendo gestos amplos
com os braços, afirmou:
- Espera um pouquinho que eu vou tirar este jaleco aqui e vou pegar o carro do
Centro para levar vocês. Além de mais seguro, dá para ir mais rápido. E fiquem
tranqüilos porque eu sou um motorista licenciado e autorizado pela direção do
Centro. Volto já...
Num instante, de fato estava de volta guiando uma espécie de perua com
diversos lugares e logo estava enturmado, usando um boné de uma equipe de
basebol local e camisa azul clara de mangas curtas. Num instante parou ao
lado do grupo que foi tomando os diversos lugares.
Logo estava enturmado, com Noelma ao seu lado, falando o tempo todo,
explicando cada ângulo dos lugares por onde passavam, contando histórias de
combates, de heróis bizantinos ou turcos mais recentes que ali viveram ou
morreram nesta ou naquela calçada, de monumentos derrubados por
terremotos (Aqui mesmo tinha um, dona Britt, mas os nobres latinos
derrubaram e levaram embora para deixar no Museu Britânico, em Londres),
de milagres ocorridos nos séculos do Império Cristão, de aparições de Maomé
ou de profetas vários a grupos de peregrinos que iam a Meca, da invasão de
Constantinopla pelos Cruzados e muita coisa mais.
De repente ele parou o carro.
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Noelma e Britt olharam intrigadas para ele para saber o que tinha acontecido.
Ele apontou em frente, com as duas mãos estendidas e voltadas para cima,
demonstrando muita alegria. Com um grande orgulho anunciou:
- Aqui está a entrada do Kapaliçarsi, prezados. Não é lindo?
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- Vejam bem que a eventual "latinização" das palavras não disfarça de maneira
alguma sua origem grega. Os radicais "kómeion" e "dócheion" correspondiam a
abrigo, proteção, cuidado, recipiente, enquanto que o radical "trópheion"
relacionava-se à idéia de alimentação e de educação. É importante observar
que o "Orphanotróphium" de Constantinopla foi muito importante e tão
magnificamente construído e montado que levou o Império a manter o titulo
honorífico de "Orphanotróphus" para seu diretor, geralmente outorgado a um
importante sacerdote ou bispo da Igreja.
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Esses hospitais e todos os demais 34 que foram organizados até o final do século
X recebiam não apenas doentes mas também pessoas com deficiências sérias e
limitadoras.
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Mestre Agostinho interrompeu os relatos para um intervalo que foi muito bem
aceito. Em seu retorno, tão logo todos estavam acomodados, iniciou a segunda
parte da tarde com estas observações:
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Muito cruéis para os nossos dias eram as penalidades aplicadas por alguns
Imperadores ou potentados bizantinos. No entanto, ressalte-se que elas estavam
perfeitamente bem estabelecidas em lei e o mundo oriental vivia séculos que
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O historiador das realidades bizantinas, que foi Bréhier, informa que em sua
obra intitulada "Vie et Mort de Byzance", há uma introdução escrita por uma
das maiores autoridades no assunto, que foi Henri Berr. Esse famoso
historiador chama-nos a atenção para um fato que caracterizou o Império
Bizantino, ou seja, as mutilações: "Temos encontrado sem cessar nestas páginas,
a menção não apenas de assassinatos, mas de torturas as mais diversas, de
"suplícios refinados": arranca-se os olhos, corta-se a Iíngua, queima-se com ferro
em brasa; mas sobretudo vaza-se os olhos. Vazar os olhos é prática corrente".
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Esse relato poderá ser iniciado com o jovem príncipe herdeiro do trono, Leão,
filho de Constantino V, com 25 anos de idade, casando-se numa faustosa
cerimônia realizada na Basílica de Santa Sofia, com uma belíssima jovem
ateniense de 18 anos de idade, de nome Irene, que era plebéia e órfã de pai e
mãe.
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Foi face a essa situação que os cinco começaram uma trágica seqüência de
conspirações, antes e depois da morte de Leão IV. A primeira tentativa de
golpe, abortada, foi perdoada pelo Imperador enfermo, sem maiores castigos.
A segunda, entretanto, que aconteceu alguns anos após, tinha encontrado Irene
com as rédeas do poder nas mãos, na qualidade de regente. A penalidade
imposta por ela foi suave, mas contundente: os cinco irmãos foram forçados, por
sua expressa determinação, a assumir o estado sacerdotal. E para que toda a
nobreza e todo o povo soubessem da realidade do castigo, "convidou-os" a
oficiar os solenes ritos do Natal na Basílica de Santa Sofia, distribuindo
inclusive a comunhão aos fiéis. O estado sacerdotal forçava as pessoas a
manterem uma atuação a tempo integral e proibia o envolvimento em assuntos
alheios àqueles próprios da função, o que presumivelmente deixaria Irene e o
filho Constantino sossegados.
Poucos anos depois, entretanto, ocorreu nova e séria conspiração dos cinco
irmãos. Irene perdeu a paciência e mesmo na qualidade de regente que ainda
era, considerou-se atingida por crime de lesa-majestade. Mas aplicou penas
"suavizadas", face à perspectiva da pena de morte: mandou amputar a língua
dos quatro "nobilíssimos" e “vazar os olhos do césar" Nicéforo.
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A conseqüência não demorou quase nada: Irene foi libertada por Constantino
VI que, arrependido, restaurou-a ao poder com o título de imperatriz e com
poderes para governar ao seu lado.
Ano após ano Constantino provou ser um Imperador fraco e Irene foi crescendo
em sua influência, seu poder e mesmo em sua aceitabilidade durante muitos
anos muito questionada na corte. E foi por influência direta de Irene (e talvez
exigência) que o general Mouselen, comandante da revolta que a levara â prisão
vexatória, foi preso e teve seus olhos vazados, sem maiores considerações.
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Nascera ele em 958, tendo falecido em 1025. Reinou entre os anos 976 e o ano
de sua morte. Dentre suas campanhas militares mais significativas para a
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- "Sua crueldade infligiu uma vingança fria e estranha a 15.000 cativos que
haviam sido culpados apenas de defender seu país. Foram privados de sua
visão, mas para um em cada cem, um só olho foi deixado, para que pudesse
conduzir a sua centúria cega à presença de seu rei. Dizem que seu rei faleceu
de pesar e de horror; a nação toda ficou traumatizada com esse terrível
exemplo".
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Muito irritado, Basílio II fez seus homens parar e deu ordens para que o
governador de Philipópolis, Nicéforo Xiphias, com um bem treinado
contingente de soldados, desse a volta numa das montanhas que faziam parte
do grande desfiladeiro, para assim atingir o exército búlgaro por um dos
flancos. E numa ação conjugada, os bizantinos venceram as forças búlgaras;
mas não tiveram a oportunidade de prender Samuel que escapou ileso.
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- Creio ser oportuno, Mestre Bréhier, ressaltar que, embora Constantino VIII não
fosse considerado à época um tirano muito cruel, na verdade ele fazia vazar os
olhos de pessoas importantes das quais suspeitava, deixando-as logo após em
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Rormano Argiro, seu primeiro marido, por exemplo, que passou para a História
como um Imperador muito voltado aos interesses do Império, esquecendo as
atenções que poderia dar à sua imperatriz que ainda era uma mulher bonita, bem
conservada e saudável, teve sua morte por ela encomendada no ano de 1034,
depois de ocupar o trono por seis anos. 0 motivo de Zoé: estava profundamente
apaixonada por um novo amante seu e queria transformá-lo em Imperador.
Morto Romano, a imperatriz casou-se imediatamente, subindo ao trono Miguel
IV. No entanto, o que logo a imperatriz descobriu foi que seu amado era doente
e sofria de ataques epiléticos cada vez mais constantes. Tanto isso é real que
logo se desinteressou da imperatriz e retirou-se a um mosteiro longínquo. Antes
disso, porém, havia convencido Zoé a adotar um sobrinho seu como herdeiro do
trono, o que a imperatriz fez com poucas hesitações, face à paixão que a
consumia.
Miguel V irradiava uma antipatia tão forte ao seu redor que logo tornou-se
intolerável para a imperatriz e para a corte toda. Percebendo o perigo que
corria, Miguel procurou bajular e agradar em público a imperatriz. Em tudo
Miguel V procedia de acordo com orientações recebidas de um tio seu,
Constantino, que recebera o título de "nobilíssimo".
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- Mas sua história não termina aí, pois ele e Constantino conseguiram fugir e
procurar a segurança de um mosteiro longínquo. Lá foram localizados. Miguel
e Constantino fugiram para o mosteiro de Stoudios onde, por ordem de
Teodora, vazaram seus olhos e internaram-nos em mosteiros diferentes”.
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- Concordo plenamente com o preclaro professor Diehl, mas, vejam bem, meus
caros. Estamos falando de um Imperador que posteriormente viveu uma
seríssima deficiência física, sofrendo muito com os problemas decorrentes de
um mal que os historiadores identificaram como gota, mas que poderá ter sido
artrite reumatóide ou artrite deformante, segundo tive oportunidade de me
informar em livros atuais de medicina. Mas, para que tenhamos uma idéia viva
das limitações físicas que atingiram o Imperador bizantino, é importante que
analisemos aquilo que pude elaborar naqueles dias conturbados. Em minha
obra "Chronographie", que tenho aqui comigo, relato o seguinte na linguagem
e com os conhecimentos de medicina daqueles séculos:
Movendo-se para fora do local onde havia sido colocado, Psellos tomou seu livro
nas mãos e comentou:
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- O fluxo que o marcava de imediato atingiu suas mãos e depois seus ombros,
e acabou atingindo o corpo todo. A partir daí, todo membro inundado por esse
fluxo terrível perdia sua energia e, com as fibras e ligamentos embaralhados, os
elementos da harmonia deslocaram-se, resultando em desequilíbrio e
enfraquecimento. E eu vi seus dedos, tão bem feitos, negar sua própria forma
e, retorcidos e desalinhados, tornar-se incapazes de segurar não importa o que;
seus pés ficaram totalmente inchados e dobrados sobre si mesmos; seus
joeIhos, também inchados, formavam uma saliência como um cotovelo, a tal
ponto que não eram capazes de assegurar sua marcha; e, impossibilitado de
manter-se em pé por longo tempo, passava a maior parte do tempo no leito.”
Psellos fechou seu livro e voltou a caminhar um pouco pela sala, na frente de
sua audiência muito atenta.
- Mestre Psellos, estou seguindo seu detalhamento dos males que afetavam
Constantino IX com muita atenção, porque sou fisioterapeuta. Cheguei a dar
atendimento a casos de artrite reumatóide e artrite deformante no Centro de
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Reabilitação de Oslo com uma certa intensidade. Esses males são uma verdadeira
caixa de surpresas, como dizem alguns médicos. Eu gostaria de saber que outras
providências eram tomadas nessas procissões solenes para reduzir a um mínimo
as dores e dificuldades do Imperador.
- Dra. Britt... Nessas curtas procissões, os auxiliares cobriam todo o trajeto com
tapetes a fim de evitar que seu cavalo escorregasse nas lajotas do caminho entre
o palácio imperial e a basílica de Santa Sofia. Em sua vida de todo o dia dentro
do palácio, para se movimentar de ambiente para ambiente ele era carregado
por camareiros muito cuidadosos e bastante fortes sem maiores dificuldades, a
menos que houvesse a incidência de um forte ciclo de dores. Para repousar à
noite com um mínimo de desconforto, a dificuldade crescia, pois qualquer
posição era incômoda e diante disso seus camareiros ajudavam-no a procurar
posições, viravam-no com cuidado no leito e com isso conseguiam acertar
almofadas e adaptações não especificadas, até ouvirem Constantino concordar
com a posição buscada.
- Deixem-me agora fazer uma observação sobre uns pontos que sempre me
comoveram quanto às atitudes de Constantino. Apesar da contínua luta com
as dores e os problemas delas decorrentes, ele jamais deixou escapar uma
palavra contra Deus. E se alguém vinha se queixar dos próprios sofrimentos,
ele ficava aborrecido e mandava a pessoa se retirar, às vezes até usando de
palavras rudes. No mais recôndito de seu ser Constantino IX aceitava suas dores
e a limitação física como uma punição pelos seus pecados passados e como
freio de sua natureza, segundo me confessou diversas vezes. Ele me dizia
de vez em quando, com sua voz macia, vez por outra interrompida por
algum momento de excruciante dor: "Como meus instintos não cedem à
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razão, capitulam diante dos sofrimentos do corpo. Meu corpo sofre, mas os
impulsos desordenados de minha alma são assim controlados".
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suas armas, das suas jóias e do seu manto de púrpura, Romano IV passou
uma noite cercado por muitos guerreiros inimigos. Foi uma noite muito perigosa
para sua vida no devastado e muito confuso campo de batalha, tendo por todos
os lados uma multidão quase sem controle que saqueava tudo o que podia. A
glória por essa ilustre presa foi disputada por um escravo e por um soldado: um
escravo que o havia visto no trono de Constantinopla e um soldado cuja
extrema deformidade havia sido relevada face à necessidade de serviços de
sinalização.
Neste ponto das discussões, Mestre Agostinho tomou a palavra para dar
prosseguimento aos depoimentos sobre eventos relacionados aos temas em
discussão.
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Universidade de São Paulo e que dedicou muitas horas de estudos das obras
dos Mestres Historiadores Gibbon, Bréhier, Diehl, Finlay e Psellos para
escrever diversos artigos que foram publicados em diversas revistas. Trata-se
de Luis Carlos, muito mais conhecido em nosso meio pelo apelido de Sísifo.
- Um dos assuntos que mais interessou este jovem historiador aqui do meu
lado foi o papel que dois cegos tiveram na História Bizantina: Enrico Dandolo e
Isaac V, Angelus. É ao jovem mestre em História que passo a palavra para nos
esclarecer a respeito.
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O que o velho embaixador certamente não havia imaginado era o tipo de reação
do Imperador bizantino que, enfurecido ao extremo e ofendido com as
argumentações fortes e unilaterais de Dandolo, apelou para a tortura refinada
e cruel, típica de sua corte. Irado ao extremo com a alegada arrogância de
Dândolo, determinou o Imperador que o embaixador de Veneza fosse amarrado
ali mesmo no salão de audiências e mandou colocar muito próximos aos seus
olhos vasos de metal incandescente que acabaram comprometendo seriamente
sua visão. Dizem os historiadores que Dandolo ficou completamente cego com a
luminosidade excessiva e muito próxima de seus olhos, abertos à força por dois
dos torturadores, provocando a destruição de sua retina.
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Sísifo fez uma pequena pausa para permitir alguns comentários que foram
feitos, ressaltando o fato de que um cego acabou provocando uma alteração
muito benéfica e de dimensões difíceis de serem analisadas na História da
Humanidade.
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Com o aval do papa Inocêncio III, que foi previamente consultado a respeito
por Alexius, conseguiu convencer o grupo de nobres a refazer seus planos da
Cruzada. Nos novos planos a Cruzada passaria primeiramente por
Constantinopla, a fim de destronar o Imperador Alexius III e de garantir a
instalação do jovem Alexius no trono.
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cego como estava, não poderia mais ocupar o trono bizantino e de que ele
seria, como de fato era, seu herdeiro.
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- No entanto, foi um impasse curto, pois, com o aval dos nobres latinos, pai e
filho, após o reencontro, conversaram muito e Isaac II acabou aceitando as
condições negociadas pelo filho, embora deixando claro que duvidava de sua
viabilidade. E o velho Imperador cego estava certo. Ficou logo claro que não
seria possível pagar os cruzados e cumprir o prometido. Foram ambos
afastados do trono, inaugurando-se então a fase de investidura dos Imperadores
latinos, sob a custódia dos cruzados e Imperadores do ocidente europeu.
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- Todos nós, do século XXI, e tenho a certeza de que vários dos Mestres aqui
presentes, repudiam essas determinações para cegar este ou aquele indivíduo.
No entanto, ao prosseguir com objetividade nosso relato sobre a realidade
bizantina, verificaremos que algumas autoridades passaram dos limites,
mesmo se considerarmos que a lei permitia tudo nos esforços para a defesa da
dignidade e da própria vida dos Imperadores bizantinos. Um ato muito frio e
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Gibbon procurou uma posição mais cômoda para continuar sua exposição.
- Anos depois, estando João IV, Lascáris, com apenas 11 anos de idade,
Miguel Paleólogus resolveu destronar o jovem Imperador e com isso afastar a
dinastia dos Lascáris. Para tanto mandou cegá-lo. Claro que a perda da visão
incapacitou o jovem príncipe para as atividades do mundo. Em vez da
violência brutal de arrancar os olhos, o nervo ótico foi destruído com o intenso
brilho de um vaso incandescente. O jovem João Lascáris foi levado para um
castelo distante, onde passou muitos anos na privacidade e na obscuridade.
Logo após o ato praticado contra aquele menino famoso ter ficado conhecido,
Arsenius Autorianus, ex-tutor de João Lascáris, patriarca da Igreja Ortodoxa,
excomungou Miguel Paleólogus. Vejam bem o problema criado por esse ato do
velho patriarca. Na verdade o Imperador era considerado o representante de
Cristo e sua excomunhão era um ato fora de propósito. Após muita insistência
do Imperador e da corte, não ocorrendo a revogação do ato punitivo, o
patriarca foi trocado e a excomunhão revogada. Além de cegar o jovem
Imperador João IV, Lascáris, o Imperador Miguel VIII, Paleólogus, mandou
cegar vários nobres recalcitrantes e inconformados com a situação.
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- Grato pela informação, prezado Bréhier. Mais um ato que nós, historiadores,
não podemos deixar de relatar, mas que mereceria ser lançado com desprezo
numa verdadeira fossa negra que a Historia nunca teve a coragem de criar,
concluiu Gibbon.
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A conspiração dos dois príncipes foi descoberta e Mourad I tomou uma decisão
drástica contra a traição de seu filho primogênito: determinou o vazamento de
seus olhos. Mas o rigoroso sultão não deixou o assunto morrer aí, pois forçou o
Imperador bizantino a se manifestar antes da execução de sua sentença,
confrontando-o com o aspecto "traição".
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- O otomano, ou seja, Mourad I ameaçou seu vassalo de fato, que era João V,
Paleólogus, com o tratamento de um cúmplice e de um inimigo, a menos que
ele infligisse a mesma punição a seu filho. Paleólogus tremeu e obedeceu, e
uma precaução cruel envolveu na mesma sentença a infância e a inocência de
João, filho do criminoso. Mas a operação foi feita tão brandamente ou tão
imperitamente que um manteve a visão de um olho e o outro foi vítima
apenas do mal do estrabismo.
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Pelos séculos afora ocorreram duas exceções que foram Justiniano II (tinha sido
punido com a amputação do nariz, chamada de rinokopia), e Isaac II, que foi
destronado e cego, mas que voltou ao trono por pouco tempo, como vimos antes.
Alexios Mosele – General dos Armênios, teve seus olhos vazados por ordem da
imperatriz Irene de Atenas, co-imperatriz de Constantino VI.
Artabasdos – foi preso devido à sua insurreição contra Constantino V e foi cego.
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Constantino Diógenes – General muito popular teve seus olhos vazados por
suspeita de participar de uma conspiração contra Romano III, Argiros.
João Atalaricos – Tentou destronar seu pai, o Imperador Heráclio, teve o nariz
cortado e as mãos amputadas.
Justiniano II – Foi um Imperador destronado. Teve seu nariz amputado por ordem
do Imperador Leontios. Anos depois Justiniano II voltou a ocupar o trono do
Império Bizantino. É conhecido pelo cognome de “O Nariz Cortado”.
Nicéforo – Tio de Constantino VI, teve seus olhos vazados e seus quatro irmãos
tiveram suas línguas amputadas, depois de uma conspiração para colocá-lo no
trono depois da batalha de Marcellae.
Nicéforo – filho de Artabasdos, foi preso pelo mesmo motivo e acabou tendo seus
olhos vazados.
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Philipicos Bardanes – Teve seus olhos vazados numa casa de banhos, por
soldados das tropas Opsikianas.
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Os dois foram recebendo aos poucos os resumos trazidos por Noelma e depois
de quase três horas de revisão dos trabalhos desenvolvidos em sessões
plenárias ou apresentados em palestras distintas, ela bateu de leve na porta e
entrou com mais de 50 páginas dentro de um dossier fechado.
- Obrigado, Noelma. Peça para ela vir até aqui quando terminar sua refeição,
está bem? E você também deve ir almoçar. Só peça para Dona Margarida, da
copa, para nos trazer o lanchinho que a gente combinou com ela logo cedo,
porque estamos revendo tudo e agora temos essas mais de 50 páginas para
ler.
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Meu caro, deixe-me ler dois tópicos que acabei de rever e que são marcantes na
Historia do Império Bizantino.
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No rolar dos séculos, porém, o que sucedeu nas muitas histórias de mutilações
e vazamentos de olhos foi que essas punições aconteceram, numa grande
variedade de casos, devido a meras vinganças políticas e para afastar sérios
pretendentes ao trono, segundo nos relata a História.
"Pergunta-se como esse costume atroz, cuja crueldade refinada supõe uma
perversão do senso moral, pôde ser introduzido na sociedade bizantina",
comenta Bréhier ao analisar as mutilações. Segundo o famoso historiador, o
gosto pela mutilação pode ter sido o resultado do ambiente que cercava a
sociedade local, ao redor do século VII, e a influência da imigração de
consideráveis contingentes de turcos, árabes, sírios e outros, dentre os quais o
suplício era prática corrente desde muitos séculos.
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Para que seja bem entendida a questão das penalidades impostas pelas leis
imperiais que redundavam na instalação de limitações físicas e sensoriais, é
fundamental que distingamos pelo menos dois períodos na história desses
castigos.
Determinou o Imperador:
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"Mas ordenamos que a força das antigas leis seja conservada para os
indivíduos condenados por crime de lesa-majestade".
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declararão ter escrito o que o testador Ihes ditou; e se logo em seguida for
reconhecido que cometeram alguma falha, serão despojados de seus bens se
forem ricos, ou então serão açoitados e exilados se forem pobres. Adicionamos
mais que, se para confirmação do testamento for necessário recorrer a
juramento, como acontece freqüentemente, os que o lavraram deverão estar
concordes com as testemunhas, que jurarão atestar e confirmar a coisa".
- Muito claro o Imperador! Mas, prezado Agostinho, veja este ponto que nos
esclarece sobre a Penalidade Prevista para o Vazamento dos Olhos de
Outrem.
- Vejamos então o que diz a segunda Nova Constituição de Leão III. Ela
procura coibir frontalmente os crimes de vazamento dos olhos de alguém. Para
tanto o legislador imperial estabeleceu penas severas e bastante
desencorajadoras. Essa norma específica está intitulada no documento original
como "Qual deve ser a pena para quem cega alguém?".
- E como a coisa era de fato feita? Qual era a opinião do Imperador? perguntou
Heródoto.
..."Se ele tiver tirado" (extirpado, arrancado ou mesmo vazado são termos
correspondentes) os dois olhos, como nesse caso a igualdade da pena não
traria nenhum proveito para o que perdeu a visão (pois qual a vantagem que
pode achar um cego em um outro também ser cego?) e que a pena do talião,
mesmo que merecida, seria muito cruel para o culpado (pois nada é mais triste
do que a cegueira), decidimos que ele não a sofrerá e que será punido de outra
maneira, capaz de garantir alguma compensação à vítima. É assim que
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- Mas, meu caro Agostinho, o que sucedia se o malfeitor fosse uma pessoa pobre
ou sem recursos suficientes?
- Bem esclarecido e ponderado pelo Imperador Leão III. Agora, veja bem o que
acontecia com o malfeitor que cometia o crime de rapto, que era bastante
comum naqueles séculos. Qual a sua condenação nos tempos de Leão III?
Eis o que diz a síntese que tenho aqui comigo: Dentre os diversos crimes
citados na legislação coberta pelas Novas Constituições de Leão III, o rapto de
uma jovem solteira merece atenção especial. Essa Nova Constituição — de no.
XXXV — estava intitulada: "Da pena pronunciada contra o raptor de uma jovem
e seus cúmplices". Ela é clara, incisiva e não desperta qualquer dúvida.. . . "Se
o rapto for cometido sem o uso de armas, então o raptor não será punido com
a morte, porque ele não manifesta a intenção de a provocar. Mas terá a mão
cortada e aqueles que o ajudaram, ou que tenham tomado qualquer parte em
seu crime, serão açoitados, raspados e exilados".
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- Heródoto, deixe-me agora ler a você este trecho aqui que fala de um drama até
meio constrangedor devido ao abuso do poder sem uma apuração cuidadosa dos
fatos e às conseqüências de fofocas na corte.
Após alguns anos de glórias e vitórias à frente dos exércitos que combatiam os
muitos inimigos de Constantinopla, dentre os quais os Godos e os Vândalos, o
Imperador Justiniano transformou Belisário no primeiro general de todo o
Império. Seus contínuos sucessos, todavia, acabaram por despertar em
Justiniano os sentimentos de ciúme e de desconfiança, apesar dos incontáveis
atos de fidelidade de seu general maior.
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- Estou com alguma sorte com as folhas que vieram parar em minhas mãos para
revisão, sabia? comentou Agostinho. Vou ler alto para você ter uma idéia das
coisas boas que viviam acontecendo no Império Bizantino.
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Outro famoso santo da Igreja no Império Bizantino foi São Lineu. Ele chegou a
organizar e manter outros abrigos para cegos na cidade de Syr, na Síria atual.
Esses abrigos eram compostos de pequenas cabanas onde os internados viviam
por sua conta e graças à caridade das pessoas que garantiam seu sustento,
todas elas ligadas a ricas famílias da região. Essa experiência foi levada a efeito
durante o século V.
No mesmo século, entre os anos 400 e 403, São João Crisóstomo fez construir
alguns abrigos para doentes crônicos e pessoas que apresentavam condições
incapacitantes de seriedade, impeditivas de atividades rentáveis. Usou para
tanto as esmolas que coletava e os excedentes que juntava de seus proventos
como arcebispo de Constantinopla.
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de um homem cego, enquanto que um terceiro apóia alguém que perdeu uma
perna".
Informa-nos ele, também, que, em uma obra escrita pelo Imperador Maurício
Flávio Tibério (539 a 602), intitulado "Strategikón", poderemos encontrar esta
frase que nos surpreende: "Cuidados especiais devem ser prestados para
proteger os feridos após a guerra"
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- É a pura verdade, Mestre Agostinho. Estou certo de que a sábia História nos
repassa tudo isso para que aprendamos com os erros do passado.
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BIBLIOGRAFIA
BÉRENGER e outros – Les Nouvelles de l’Empereur Justinien suivis des Nouvelles de l’Empereur
Léon – Paris, 1811
FINLAY, G. – History of the Bizantine Empire from DCCXVI to MLVII – Bent – Londres, 1906
POURNAROPOULOS, G.C. – Status of Disabled People and the Care for them in Ancient Greece
– Hellenic Society for Disabled Children – Atenas, 1964
PSELLOS, M. – Chronographie (Histoire d’un Siècle de Bizance) – Belles Lettres – Paris, 1928
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ÍNDICE
Introdução ................................................................................................ 2
- Bibliografia .............................................................................................124
- Índice .....................................’................................................................125
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