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tulante, audaciosa de agir <que l.

são essas com a sua pro-


fessora?> 12.1 intimidade no trato amoroso <ele estava to-
mando l. inadmissíveis com minha irmã l. assistida JUR
medida aplicada a menor infrator que consiste em designar
um orientador para acompanhar o caso, com duração míni-
ma de seis meses • l. condicional JUR concessão feita ao
Disciplina: “Técnicas de Redação e Interpretação” condenado, mediante requisitos e condições previstas na Lei
Turma: 3ª. Série do Ensino Médio de Execuções Penais, dando-lhe liberdade provisória antes
Responsável: Prof. Adriano Tarra Betassa Tovani Cardeal do término da pena, por ter cumprido determinado tempo de
Tema redacional 14: Liberdade de expressão no Brasil atu- prisão; livramento condicional • l. de imprensa direito que
al: direito necessário e aplicado ou conceito retrógrado e não tem a imprensa de emitir opiniões e pensamentos sem cen-
praticado? sura prévia, mas guardando critérios ético • l. de linguagem
1 não obediência às regras que norteiam a gramática, a sinta-
Expressão. s.f. (sXIV) ato ou efeito de expressar(-se) 1 ma- xe ou esquemas formais literários <l. de linguagem poética>
nifestação do pensamento por meio da palavra ou do gesto 2 linguagem vulgar, carregada de termos grosseiros • l. pro-
2 ênfase, entonação especial <dar maior e. ao discurso> 3 visória JUR liberdade concedida pelo juiz, temporariamen-
frase, sentença ou dito <uma típica e. francesa> 4 fisiono- te, permitindo-se ao acusado defender-se solto, com ou sem
mia, semblante; a maneira como o rosto, a voz e/ou o gesto prestação de fiança • l. vigiada JUR permissão que é conce-
revelam um estado moral, emocional ou de espírito <e. car- dida a um menor delinquente, vivendo em regime de inter-
rancuda> <a e. daquele rosto era de desalento> 5 vivacida- nato em escolas reformatórias, e que lhe faculta o direito de
de, animação, energia <um menino sem e.> 6 modelo, encar- ficar em companhia dos pais ou de um tutor, ou aos cuida-
nação, personificação, manifestação <era a e. da sabedori- ETIM lat.
a> 7 manifestação significativa, forte <o que disse é a e. da libertas,atis, “liberdade, condição de pessoa livre”.
verdade> 8 GRAM.TRAD qualquer elemento lexical (pala-
vra, locução, fraseologia etc.) 9 LING.EST m.q. significan- (HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicioná-
te (‘imagem acústica’) 10 MAT representação do valor de rio Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objeti-
uma quantidade sob forma algébrica 11 ato de espremer va, 2009, p. 1175-1176)
planta, fruta etc., para retirar o suco; espremedura e. idio-
mática LING locução ou frase cristalizada numa língua, cu- Relatório aponta 55 violações à liberdade
jo significado não é deduzível dos significados das palavras de expressão em 2014 no Brasil
que a compõem e que ger. não pode ser entendida ao pé da
letra (p.ex., bater perna Elaine Patricia Cruz; Daniel Mello
ETIM lat. expressio,onis, rad. de expressum, supino de ex-
primere, “espremer, representar, exprimir, enunciar clara- Em todo o ano 2014, 55 casos de violações à liberda-
mente”. de de expressão foram registrados no Brasil – tendo sido 15
assassinatos. O número consta de relatório anual divulgado
(HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicioná- hoje (3), no Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, pela or-
rio Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objeti- ganização não governamental (ONG) Artigo 19, que traba-
va, 2009, p. 860) lha pelo direito à liberdade de imprensa. Além de assassina-
tos, há denúncias de tentativa de homicídio, ameaça de mor-
Liberdade. s.f. (1338) 1 grau de independência legítimo te e tortura. Segundo o texto Violações à Liberdade de Ex-
que um cidadão, um povo ou uma nação elege como valor pressão: Relatório Anual 2014, o número de casos de viola-
supremo, como ideal 2 p.ext. conjunto de direitos reconheci- ções registrados em 2014 representou um aumento de 15%
dos ao indivíduo, isoladamente ou em grupo, em face da au- em relação ao ano anterior, quando houve 45 ocorrências.
toridade política e perante o Estado; poder que tem o cida- Em todos os casos, as pessoas foram vítimas em função de
dão de exercer a sua vontade dentro dos limites que lhe fa- atividades ligadas à liberdade de expressão, seja pela publi-
culta a lei <l. religiosa> <l. de pensamento> 3 condição da- cação de uma matéria, seja pela mobilização de uma comu-
quele que não se acha submetido a qualquer força constran- nidade ou a organização de uma manifestação. O relatório
gedora física ou moral <ter l. de movimentos> <ter l. de a- foi feito com base na repercussão dos casos de violações na
gir> 4 condição daquele que não é cativo ou que não é pro- imprensa, de dados de associações de comunicadores e or-
priedade de outrem <pôr em l. um prisioneiro> <dar l. a um ganizações de direitos humanos, que foram apurados por
escravo> 5 p.ext. estado daquilo que está solto, sem qual- meio de entrevistas com as vítimas e outros contatos rela-
quer empecilho tolhendo os seus movimentos <os cabelos cionados aos casos. O Pará teve o maior número de ocorrên-
voavam em l.> 6 p.ext. autonomia, independência, soberania cias (oito), seguido pelo Rio de Janeiro (seis). Nesse último,
7 p.ext. possibilidade que tem o indivíduo de exprimir-se de Júlia Lima, uma das responsáveis pelo relatório, diz que pe-
acordo com sua vontade, sua consciência, sua natureza 8 saram as denúncias contra militantes que participaram de
p.ext. licença, permissão <você tem total l. de sair ou ficar> protestos no ano passado. Com cinco mortes, a Região Nor-
9 p.ext. atitude que revela confiança, familiaridade <descul- te foi a parte do país com maior número de assassinatos de
pe-me a l. de telefonar-lhe tão tarde> 10 FIL capacidade in- defensores dos direitos humanos. Em seguida, vem o Nor-
dividual de optar com total autonomia, mas dentro dos con- deste, com quatro casos. O crescimento da violência contra
dicionamentos naturais, por meio da qual o ser humano rea- essas pessoas está diretamente ligado, segundo Júlia Lima,
liza sua plena autodeterminação, organizando o mundo que à falta de investigação e punição de envolvidos em crimes.
liber- “A gente continua acompanhando os casos apurados nos a-
dades s.f.pl. 11 autonomia de que gozam certos grupos soci- nos anteriores e a gente observa que eles não caminham co-
ais; imunidades, franquias <as l. galicanas> 12 maneira pe- mo deveriam. A responsabilização dos envolvidos não ocor-

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re. E o perfil de novos casos é o mesmo”, diz. Dos 55 casos a lideranças rurais, indígenas e quilombolas”, disse Júlia Li-
registrados em 2014, 15 foram homicídios contra comunica- ma. A maior parte dos casos relaciona-se com conflitos de
dores (jornalistas, blogueiros etc.) ou defensores de direitos terra (23), sendo que 15 vitimaram lideranças rurais. Quatro
humanos (lideranças rurais, indígenas e quilombolas, entre foram contra lideranças indígenas e quatro contra quilom-
outros). Onze foram tentativas de assassinato; 28, ameaças bolas. Houve casos de violações contra três militantes polí-
de morte; e um, crime de tortura. Entre os comunicadores, ticos e três lideranças LGBTI (lésbicas, gays, bissexuais,
ocorreram 21 casos de violação à liberdade de expressão, transgêneros e intersexuais), seguidos por violações a lide-
queda em relação ao ano anterior, quando foram registradas ranças comunitárias e advogados, de dois casos cada. Houve
29 situações de violência, seis delas contra mulheres. Desse também um caso contra uma política em exercício. Entre as
total, três foram homicídios, quatro tentativas de assassinato mortes ocorridas em 2014, está a de uma integrante do Mo-
e 14 ameaças de morte. “Os três profissionais de comunica- vimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em El-
ção assassinados em 2014 eram muito envolvidos com a po- dorado dos Carajás (PA). De acordo com a denúncia, Maria
lítica local de suas cidades [nos estados do Rio de Janeiro, Paciência dos Santos, de 59 anos, foi atropelada por um ca-
Bahia e São Paulo], questionavam as autoridades públicas e minhoneiro que avançou deliberadamente contra uma pas-
eram reconhecidos por isso. Pedro Palma era proprietário de seata do movimento na BR-155. No mesmo município, 19
um jornal chamado Panorama regional; Geolino Xavier e- militantes do MST foram mortos em abril de 1996 durante
ra um antigo radialista e chegou a ser vereador de seu muni- uma operação policial para desobstruir a mesma rodovia em
cípio, e Marcos Guerra mantinha um blog sobre a gestão que Maria Paciência foi atropelada. O MST ainda cobra pu-
pú-blica de sua cidade. Os três foram assassinados com tiros nição para os responsáveis pelo massacre. Entre os perfis de
na presença de outras pessoas que não foram alvo dos possíveis autores das violações contra defensores dos direi-
disparos, o que demonstra a intencionalidade de executar tos humanos, destaca-se a figura do fazendeiro ou grileiro,
somente os comunicadores”, diz o relatório. A maior parte com 17 casos, metade do total. Em seguida, vêm empresári-
dos comuni-cadores que sofreram violações é de veículos os (11% dos casos), políticos (9%) e policiais (6%). Não fa-
comerciais (17). Segundo a organização, houve uma zem parte de nenhum desses perfis típicos os possíveis auto-
mudança signifi-cativa no perfil das vítimas pois, nos anos res de três casos, e não foi possível apurar o perfil do autor
anteriores, a vio-lação era praticada principalmente contra em cinco outros casos.
comunicadores, enquanto neste ano as principais vítimas
são defensores dos direitos humanos. Um dos (Agência Brasil, “Direitos humanos”, 03.05.2015)
comunicadores que sofreram ten-tativa de assassinato foi o
radialista e jornalista Márcio Lú-cio Seraguci. Em entrevista
à Agência Brasil, ele disse que foi atacado por três homens
ao sair de um evento, nas imedi-ações de Parnaíba, em Mato
Grosso do Sul, cidade onde vi-ve. “Fiquei muito
machucado. Fiquei três semanas acama-do”, relatou.
Espancado e estrangulado com uma corda, Se-raguci diz
que perdeu a consciência durante a agressão e a-cordou
desnorteado. “Eu nem lembrava o que tinha aconte-cido”.
O radialista apresenta desde 1988 o programa Tribu-na
Livre, em que trata de temas delicados como operações
policiais e denúncias envolvendo políticos. Nesse período,
Seraguci, que também dirige um jornal, diz ter recebido ou-
tras ameaças. “Você sabe como é política em cidade do inte-
rior”, comentou o radialista para explicar as reações a seu Liberdade de expressão
trabalho. Além desse histórico, o radialista conta que as pró-
prias atitudes dos atacantes não deixam dúvidas de que o Ian McEwan
crime foi motivado por sua atuação como comunicador. “Eu
dizia ‘leva tudo’. Eles respondiam que não vieram pegar na- Cidades globais qual Paris, Londres ou Nova Iorque,
da. Não levaram nem a carteira”. A falta de conclusão das e seus entornos, possuem 10 milhões de pessoas ou mais em
investigações sobre o caso é algo que incomoda, especial- uma área menor que uma fazenda de criação de gado de ta-
mente Seraguci. “Uma coisa que a gente fica chateado é de manho médio nos EUA. Se os cidadãos fossem todos de u-
não ter a conclusão dessa investigação. Eu aguardo isso com ma só religião, uma só etnia e apenas uma visão de mundo,
ansiedade, eu quero saber [o motivo do ataque]”. Quanto a questão da liberdade de expressão nunca teria surgido. U-
aos motivos que estariam por trás das violações, nove deles ma área reduzida de uma cidade pode conter todas as etnias
ocorreram em razão de alguma denúncia feita; sete, devido da Terra e todas as visões religiosas, políticas e existenciais
a uma investigação [como apuração de informações para re- imagináveis. Diariamente, a partir de seus templos, as reli-
portagem] e cinco aconteceram em função de manifestação giões blasfemam umas às outras. Jesus é filho de Deus? Não
de críticas e opiniões. Os agentes do Estado aparecem como se você é muçulmano. Maomé foi o último mensageiro de
os principais autores das violações contra comunicadores no Deus na Terra? Não se você é cristão. O universo pode ser
país, sendo responsáveis por 16 dos 21 casos. Entre os agen- explicado ou explorado a partir duma cosmologia sem deu-
tes, políticos estavam envolvidos em nove casos. Em rela- ses, baseada na física? Não se você é muçulmano ou cristão.
ção aos defensores dos direitos humanos, ocorreram 34 vio- Quem vai garantir a paz? Não será a religião. A história eu-
lações, das quais 12 foram homicídios, sete tentativas de as- ropeia nos recorda de que, quando o Cristianismo vivia sua
sassinato, 14 ameaças de morte e um caso de tortura. Das pompa totalitária, anterior ao Iluminismo, a intolerância das
34 violações, 20 ocorreram em municípios com até 100 mil pequenas diferenças levou à barbárie e a massacres em esca-
habitantes. “Os crimes que aumentaram foram relacionados la chocante, como a Guerra dos Trinta Anos. O Islã – do Pa-

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quistão à Arábia Saudita e outros países do Golfo Pérsico, gresso da ciência e a emancipação social. Infelizmente a dis-
da Indonésia e da Turquia ao Egito – vive sua versão própria cussão global não parece ter gerado análise mais consistente
de um momento totalitário. Diariamente, lemos sobre casos sobre a forma idiossincrática como a liberdade de expressão
de tortura, prisão e execução de muçulmanos que desejam vem sendo tratada no Brasil. Um primeiro problema tem si-
deixar o Islã ou discuti-lo. No Paquistão, políticos usam as do o emprego abusivo de medidas judiciais para censurar os
leis de blasfêmia como armas letais. Uma professora está meios de comunicação na divulgação de informações sobre
presa no Egito há três anos por ter falado a seus alunos sobre políticos e outras pessoas que exercem função pública. De-
outras religiões. Em todo o Oriente Médio, o Cristianismo e cisões como a que proibiu o jornal O Estado de S. Paulo de
o Zoroastrismo estão sendo expulsos dos lugares onde nas- divulgar informações sobre a família Sarney têm prolifera-
ceram. Na Turquia, a liberdade de imprensa está sob ataque do Brasil afora, com enormes prejuízos para a cidadania. Ju-
cerrado por parte de conservadores religiosos. Regimes ára- ízes também têm sido cada vez mais generosos em declarar
bes autoritários utilizam a charia, a lei islâmica, como meio sigilo em processos que possam vir a causar embaraço a
de reprimir oposição política. Os grupos radicais Boko Ha- réus ou partes, sendo que a Constituição é mais do que clara
ram e Estado Islâmico representam uma intensificação do ao estabelecer que os processos são, por regra, públicos, de-
que é praticado em certos Estados. Na Arábia Saudita, que vendo apenas excepcionalmente transcorrer em sigilo. E o
abriga os santuários mais reverenciados do islã, o abandono fato de um réu ser uma figura pública não pode ser utilizado
da fé é punido com a pena de morte. A mais recente repres- como argumento em si para torná-lo imune ao escrutínio da
são à liberdade de expressão cometida naquele país – mil imprensa. Mas a culpa não é apenas dos juízes. Os legisla-
chicotadas e dez anos de prisão – mostra que o governo sal- dores também não tomaram o devido cuidado ao redigirem
dita denigre o Islã como religião da paz. A sentença provo- o novo Código Civil, ao estabelecerem a necessidade de pré-
cou reações de repulsa em todo o mundo, algumas delas ma- via anuência da pessoa ou de seus familiares para a divulga-
nifestadas por muçulmanos. Nas cidades do Ocidente, com ção de informação que lhes diga respeito, criando uma es-
sua riqueza de etnias e religiões, o único fiador da liberdade drúxula barreira às biografias, aos estudos historiográficos
de religião e da tolerância é o Estado laico. Ele respeita to- e mesmo às reportagens. Da mesma maneira, os magistral-
das as religiões e acredita em todas – ou em nenhuma. A li- dos têm atendido, de forma indiscriminada, solicitações pa-
berdade que permite aos jornalistas do semanário Charlie ra que informações circulantes na rede de computadores se-
Hebdo criarem sua sátira é exatamente a mesma liberdade jam suprimidas. Um primeiro desafio para nossos magistral-
que permite aos muçulmanos na França seguirem sua religi- dos é estabelecer uma distinção mais clara entre a proteção
ão e expressarem seus pontos de vista abertamente. Os de- devida à pessoa pública e aquela devida à pessoa privada.
votos não podem ter as duas coisas. A livre expressão é du- Tanto políticos como celebridades, sejam artistas, sejam es-
ra, é barulhenta e, às vezes, fere, mas, quando tantas visões portistas, que optaram por realizar seus projetos de vida de
de mundo precisam conviver lado a lado, a única alternativa forma mais exposta, não podem reivindicar o mesmo grau
à livre expressão é a intimidação, a violência e o conflito a- de proteção à imagem que os anônimos. O mesmo seja dito
cirrado entre comunidades. É impossível exagerar a impor- daqueles que, embora protegidos corporativamente, benefi-
tância da liberdade de expressão. Ela não é um simples luxo ciam-se do poder público e seus recursos. Há ainda a ques-
de jornalistas e escritores. Também não é um valor absoluto. tão dos discursos ofensivos, dos mais variados matizes. Em-
Quando é reduzida (por exemplo, para limitar o alcance on- bora não estejamos assistindo, no Brasil, à radicalidade dos
line de pedófilos), precisa ser por meio de leis, em confor- confrontos vividos em outros países, a tensão religiosa tem
midade com as instituições democráticas. Mas sem liberda- aumentado e requer uma atenção especial. O importante a
de de expressão, a democracia é uma farsa. Todas as liber- ponderar, no entanto, especialmente num momento dramáti-
dades que gozamos ou desejamos gozar tiveram de ser pen- co como em que estamos vivendo, é que as limitações à li-
sadas e discutidas livremente e instituídas por escrito. A li- berdade de expressão tendem, no final do dia, a prejudicar
berdade de expressão – de dar e receber informações, de for- os mais vulneráveis e a fortalecer os mais poderosos na polí-
mular perguntas incômodas, de realizar pesquisas acadêmi- tica, nas relações sociais e familiares. Ainda que essas limi-
cas, de praticar a crítica, a fantasia, a sátira –, o intercâmbio tações tenham sido colocadas com o objetivo de proteger
de ideias em toda a gama de nossas capacidades intelectuais, outros bens e interesses legítimos dentro de uma sociedade.
é a liberdade que dá origem às outras. A livre expressão não Várias dessas questões aguardam uma solução do Supremo
é inimiga da religião, é sua protetora. Devido à existência Tribunal Federal. Não são questões fáceis. Mas a construção
daquela, há dezenas de mesquitas em Paris, Londres e Nova de padrões mais claros e seguros deve nos ajudar a enfrentar
Iorque. Em Riad, Arábia Saudita, onde liberdade de expres- a borrasca.
são está ausente, não são permitidas igrejas. Hoje, quem im-
portar uma Bíblia poderá ser punido com a morte. (Folha de S. Paulo, “Cotidiano”, 24.01.2015)

(Folha de S. Paulo, “Tendências e debates”, 23.01.2015) Liberdade de expressão

Liberdade de expressão Hélio Schwartsman

Oscar Vilhena Vieira Já que as biografias não saem mesmo das manchetes,
é o caso de investigar melhor os fundamentos teóricos da
O hediondo atentado de Paris gerou uma onda de liberdade de expressão. Em outras palavras, por que deve-
manifestações em defesa da liberdade de expressão, mas mos ser contra a censura, seja ela prévia ou póstuma? Como
também de violentos protestos, como os da Chechênia e da já alertava o filósofo John Stuart Mill, no século XIX, há
Nigéria. Os debates sobre os limites da liberdade de expres- muitas formas de oprimir uma pessoa. Dois candidatos for-
são também têm sido intensos. E não podia ser diferente. A- tes a fazê-lo são o Estado, com suas leis e corpo policial nem
final, ela tem sido essencial para a vida democrática, o pro- sempre razoáveis, e a sociedade, por meio das “opiniões e

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sentimentos prevalecentes”. O único modo de contrapor-se talis, que é o fundo de pensão dos Correios. Após a realiza-
a isso é assegurar ao indivíduo um núcleo de liberdades irre- ção de investimentos suspeitos, o fundo teria ficado com um
dutíveis, entre as quais se destacam a de pensamento, ex- rombo de R$ 5,6 bilhões. Para Berzoini, o caso precisa ser
pressão e reunião. Se eu puder me juntar a quem pense como apurado, e os culpados, identificados e punidos. “A atual di-
eu, tenho chance de escapar da “tirania da maioria”. O inte- reção acho que está fazendo o trabalho de saneamento, mas
ressante é que os benefícios dessa tolerância institucionali- quem se equivocou terá que responder. A direção vai res-
zada não ficam restritos ao indivíduo. Ela está na base de ponder por isso”, defendeu. O ministro disse também que,
instituições que definem a modernidade, como a liberdade mesmo em se tratando de má gestão – equivocada e não ile-
acadêmica e, com ela, o desenvolvimento tecnológico e ci- gal –, ela também precisará ser punida. “Se alguém, inclusi-
entífico, e a imprensa que, ainda que muito imperfeitamen- ve na Previ, falhou, que responda por isso. Esse dinheiro é
te, ajuda a controlar os apetites de nossos governantes. Mais dos trabalhadores”, complementou.
do que isso, a liberdade de expressão, ao assegurar que to-
dos os temas possam ser discutidos sob todas as perspecti- (Folha de S. Paulo, “Poder”, 26.03.2015)
vas, contribui para a sociedade encontrar balanço entre mu-
dança e estabilidade. Tome-se o caso da moral. Um debate Constituição Federal
aberto facilita o ajuste fino entre a saudável contestação e o
necessário consenso. É importante frisar que a liberdade de Título II
expressão só faz sentido se estabelecida de maneira forte, a- Dos direitos e das garantias fundamentais
inda que não absoluta. Ninguém, afinal, precisa de garantias Capítulo I
para dizer o que todos querem ouvir. Esse instituto só se tor- Dos direitos e deveres individuais e coletivos
na relevante quando permite que, mesmo ideias que nos pa-
reçam desprezíveis, incluindo manifestações nazistas, racis- Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção
tas, biografias não autorizadas, circulem livremente. O tem- de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos es-
po e um pouco de sorte acabam se encarregando de enterrar trangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à
o que é lixo e preservar o que é útil. vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade,
nos termos seguintes: [...] IX – é livre a expressão da ativi-
(Folha de S. Paulo, “Opinião”, 18.10.2013) dade intelectual, artística, científica e de comunicação, inde-
pendentemente de censura ou licença [...].

(Casa Civil, “Constituição Federal”)

A boçalidade do mal

Eliane Brum

Pode-se aqui fazer a ressalva de que a discordância


vai muito além da política econômica e que o ex-ministro
petista encarnaria na lanchonete de um dos hospitais priva-
dos mais caros do país algo bem mais complexo. Mas a per-
gunta olha para um ponto preciso do cotidiano atual do Bra-
sil: em que momento a opinião ou a ação ou as escolhas do
outro, das quais divergimos, transformam-se numa impossi-
Ministro das Comunicações defende bilidade de suportar que o outro exista? E, assim, é preciso
liberdade de expressão eliminá-lo, seja expulsando-o do lugar, qual no caso de Gui-
do e Eliane, seja eliminando sua própria existência – simbó-
Júlia Borba lica, como em alguns projetos de lei que tramitam no Con-
gresso, visando a suprimir direitos fundamentais dos povos
Ministro das Comunicações, Ricardo Berzoini, dis- indígenas ou de outras minorias; física, como nos crimes de
se, nesta quinta-feira (26), que é um “defensor intransigente assassinato por homofobia ou preconceito racial. O que sig-
da liberdade de expressão”. Questionado sobre regulamen- nifica, afinal, esse passo a mais, o limite ultrapassado, que
tação da mídia na comissão geral da Câmara dos Deputados, tem sido chamado de “espiral de ódio” ou “espiral de intole-
ele afirmou que ainda não tem um projeto pronto sobre o as- rância”, num país supostamente dividido (e o supostamente
sunto. “Não tenho tolerância a ideias contra a liberdade de aqui não é penduricalho)? De que matéria é feita essa fron-
expressão, mas toda liberdade é combinada com outras. O teira rompida? A resposta admite muitos ângulos. Na minha
direito trabalhista, por exemplo, não pode mitigar a livre ini- hipótese, entre tantas possíveis, peço uma espécie de “licen-
ciativa”, defendeu. Os comentários do ministro foram feitos ça poética” à filósofa Hannah Arendt, para brincar com o
após questionamentos de parlamentares sobre a possibilida- conceito complexo que ela tão brilhantemente criou e cha-
de de o governo aplicar qualquer forma de controle sobre os mar esse passo a mais de “boçalidade do mal”. Não “banali-
meios de comunicação. José Carlos Aleluia (DEM-BA), por dade”, mas “boçalidade” mesmo. Arendt, a quem não lem-
exemplo, primeiro a subir na tribuna, disse que há interesse bra, alcançou a “banalidade do mal” ao testemunhar o julga-
por parte do PT em controlar a mídia, como forma de impe- mento do nazista Adolf Eichmann, em Jerusalém, e perce-
dir a publicidade de casos de corrupção, como o Mensalão ber que ele não era um monstro com um cérebro deformado,
e o Petrolão. Ele também acusou o governo de adotar medi- nem demonstrava um ódio pessoal e profundo pelos judeus,
das semelhantes às do governo da Venezuela ou da Argenti- tampouco se dilacerava em questões de bem e de mal. Eich-
na. Berzoini também foi questionado sobre situação do Pos- mann era um homem decepcionantemente comezinho que

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acreditava apenas ter seguido as regras do Estado e obedeci- quanto tornou o embate no campo da política muito mais
do à lei vigente ao desempenhar seu papel no assassinato de democrático. Meu objetivo aqui é chamar a atenção para um
milhões de seres humanos. Eichmann seria só mais um bu- aspecto que me parece muito profundo e definidor de nossas
rocrata cumprindo ordens que não lhe ocorreu questionar. A relações atuais. A sociedade brasileira, assim como outras,
banalidade do mal se instala na ausência do pensamento. A mas da sua forma particular, sempre foi atravessada pela vi-
boçalidade do mal, uma das explicações possíveis para o a- olência. Fundada na eliminação do outro, primeiro dos po-
tual momento, é um fenômeno gerado pela experiência da vos indígenas, depois dos negros escravizados, sua base foi
internet. Ou pelo menos ligado a ela. Desde que as redes so- o esvaziamento do diferente como pessoa, e seus ecos conti-
ciais abriram a possibilidade de que cada um expressasse li- nuam fortes. A internet trouxe um novo elemento a tal con-
vremente, digamos, o seu “eu mais profundo”, a sua “verda- texto. Quero entender como indivíduos se apropriaram de
de mais intrínseca”, descobrimos a extensão da cloaca hu- suas possibilidades para exercer seu ódio – e como essa ex-
mana. Quebrou-se ali um pilar fundamental da convivência, periência alterou nosso cotidiano para muito além da rede.
um que Nelson Rodrigues alertava numa de suas frases mais É difícil saber qual foi a primeira baixa. Mas, talvez, tenha
agudas: “Se cada um soubesse o que o outro faz dentro de sido a do pudor. Primeiro, porque cada um que passou a ex-
quatro paredes, ninguém se cumprimentava”. O que se pas- pressar em público ideias que, até então, eram confinadas
sou foi que descobrimos não apenas o que cada um faz entre dentro de casa ou de si, descobriu, para seu júbilo, que havia
quatro paredes, mas também o que acontece entre as duas vários outros que pensavam do mesmo jeito. Mesmo que es-
orelhas de cada um. Descobrimos o que cada um de fato se pensamento fosse incitação ao crime, discriminação raci-
pensa sem nenhuma mediação ou freio. E descobrimos que al, homofobia, defesa do linchamento; que chamar uma mu-
a barbárie íntima e cotidiana sempre esteve lá, aqui, para a- lher de “vagabunda” ou um negro de “macaco”, defender o
lém do que poderíamos supor, em dimensões da realidade “assassinato em massa de gays”, “exterminar esse bando de
que só a ficção tinha dado conta até então. Descobrimos, por índios que só atrapalham” ou “acabar com a raça desses nor-
exemplo, que aquele vizinho simpático com quem trocáva- destinos safados” não só era possível, como rendia público
mos amenidades bem-educadas no elevador defende o lin- e aplausos. Pensamentos que, anteriormente, rastejavam pe-
chamento de homossexuais. E que, mesmo os mais comedi- las sombras passaram a ganhar o palco e a amealhar segui-
dos são capazes de exercer sua crueldade e travesti-la de li- dores. E aqueles que antes não ousavam proclamar seu ódio
berdade de expressão. Nas postagens e nos comentários das cara a cara, sentiram-se fortalecidos ao descobrirem-se legi-
redes sociais, seus autores deixam claro o orgulho do seu ó- ão. Finalmente, era possível “dizer tudo”. E dizer tudo pas-
dio e, muitas vezes, também da sua ignorância. Com fre- sou a ser confundido com “autenticidade” e “liberdade”. Pa-
quência, reivindicam uma condição de “cidadãos de bem” ra muitos, havia e há a expectativa de que o conhecimento
como justificativa para cometer todo tipo de maldade, assim transmitido pela oralidade, caso de vários povos tradicionais
como para exercer com desenvoltura seu racismo, sua cole- e de várias camadas da população brasileira com riquíssima
ção de preconceitos e sua abissal intolerância com qualquer produção oral, tenha o mesmo reconhecimento na constru-
diferença. Foi como um encanto às avessas – ou um desen- ção da memória que os documentos escritos. Na experiência
canto. A imagem devolvida por esse espelho é obscena para da internet, aconteceu um fenômeno inverso: a escrita, que
além da imaginação. Ao libertar o indivíduo de suas amarras até então era uma expressão na qual se pesava mais cada pa-
sociais, o que apareceu era muito pior do que a mais pes- lavra, por acreditar-se mais permanente, ganhou uma ligei-
simista investigação da alma humana. Como qualquer um reza que, historicamente, esteve ligada à palavra falada nas
que acompanha comentários em sites e postagens nas redes camadas letradas da população. As implicações são muitas,
sociais sabe bem, é aterrador o que as pessoas são capazes algumas bem interessantes, como apropriação da escrita por
de dizer para um outro, e, ao fazê-lo, é ainda mais aterrador segmentos que não se sentiam à vontade com ela. Outras
o que dizem de si. Como o tal Eichmann de Hannah Arendt, mostram as distorções apontadas aqui, bem como inconsci-
nenhum desses tantos é um tipo de monstro, o que facilitaria ência de que cada um está construindo a sua memória: na
tudo, mas só ordinariamente humano. Ainda temos muito a internet, a possibilidade de apagar os posts é uma ilusão, já
investigar sobre como a internet, uma das poucas coisas que que quase sempre eles já foram copiados e replicados por
de fato merecem ser chamadas de “revolucionárias”, trans- outros, levando à impossibilidade do esquecimento. O fenô-
formaram a nossa vida e o nosso modo de pensar e a forma meno ajuda a explicar, entre tantos episódios, a resposta de
como nos enxergamos. Mas acho que é subestimado o efeito Washington Quaquá, prefeito de Maricá e presidente do PT
daquilo que a internet arrancou da humanidade ao permitir fluminense, uma figura com responsabilidade pública, além
que cada indivíduo se mostrasse sem máscaras: a ilusão so- de pessoal, às agressões contra Guido Mantega. Em seu per-
bre si mesma. Essa ilusão era cara, e cumpria uma função – fil no Facebook, ele sentiu-se livre para expressar sua indig-
ou muitas – tanto na expressão individual quanto na coleti- nação contra o que aconteceu na lanchonete do Einstein nos
va. Acho que aí se escavou um buraco bem fundo, ainda por seguintes termos: “Contra o fascismo à porrada. Não pode-
ser melhor desvendado. Como aprendi na experiência de es- mos engolir esses fascistas burguesinhos de merda! [...] Va-
crever na internet que não custa repetir o óbvio, de forma mos pagar com a mesma moeda: agrediu, devolvemos dan-
nenhuma estou dizendo que a internet, um sonho tão estu- do porrada!”. O ódio e a ignorância, ao serem compartilha-
pendo que jamais fomos capazes de sonhar, é algo nocivo dos no espaço público das redes, deixaram de ser algo a ser
em si. A mesma possibilidade de se mostrar, que nos revê- reprimido e trabalhado, no primeiro caso, e ocultado e supe-
lou o ódio, gerou também experiências maravilhosas, inclu- rado, no segundo, para ser ostentado. E quando me refiro à
sive de negação do ódio. Assim como permitiu que pessoas ignorância, me refiro também a declarações de não saber e
pudessem descobrir na rede que suas fantasias sexuais não de não querer saber e de achar que não precisa saber. Me ar-
eram perversas nem condenadas ao exílio, mas passíveis de risco a dizer que havia mais chances quando as pessoas ti-
serem compartilhadas com outros adultos que também as nham pudor, em vez de orgulho, de declarar que acham mu-
têm. Do mesmo modo, a internet ampliou a denúncia de a- seus uma chatice ou que não leram o texto que acabaram de
trocidades e a transformação de realidades injustas, tanto desancar, porque, pelo menos, poderia haver uma possibili-

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dade de se arriscar a uma obra de arte que as tocasse ou a vel que a experiência vivida na internet, na qual o que acon-
descobrir num texto algo que provocasse nelas um pensa- teceu nas eleições foi apenas o momento de maior desven-
mento novo. Sempre se culpa o anonimato permitido pela damento, não mudasse o comportamento quando se está ca-
rede pelas brutalidades ali cometidas. É verdade que o ano- ra a cara com o outro, quando se está em carne e osso e ódio
nimato é uma realidade, que há os fakes (“perfis falsos”) e diante do outro, nos espaços concretos do cotidiano. Seria,
toda uma manipulação para falsificar reações negativas a no mínimo, estranho que a experiência poderosa de se mani-
determinados textos e opiniões, seja por grupos organiza- festar sem freios, de se mostrar “por inteiro”, de eliminar
dos, seja como tarefa de equipes de gerenciamento de crise qualquer recalque individual ou trava social e de “dizer tu-
de clientes públicos e privados. Tanto quanto há campanhas do” – e assim ser “autêntico”, “livre” e “verdadeiro” – não
de desqualificação forjadas como “espontâneas”, nas quais influenciasse a vida para além da rede. Seria impossível que,
mentiras ou boatos são disseminados como verdades com- sob determinadas condições e circunstâncias, os comporta-
provadas, causando enormes estragos em vidas e em causas. mentos não se misturassem. Seria inevitável que essa “auto-
Mas suspeito de que, no que se refere ao indivíduo, a notícia rização” para “dizer tudo” não alterasse os que dela se apro-
– boa ou má – é de que o anonimato foi, em grande medida, priaram e se expandisse para outras realidades da vida. E a
um primeiro estágio superado. Uma espécie de ensaio para legitimidade ganhada lá não se transferisse para outros cam-
ver o que acontece, antes de se arriscar com o próprio RG. pos. Seria pouco lógico acreditar que a facilidade do “dele-
Não tenho pesquisa, só observação cotidiana. Testemunho tar” e do “bloquear” da internet, um dedo leve e só aparente-
dia a dia o quanto gente com nome e sobrenome reais é ca- mente indolor sobre uma tecla, não transcendesse de alguma
paz de difundir ódio, ofensas, boatos, preconceitos, discri- forma. Não se trata, afinal, de dois mundos, mas do mesmo
minação e incitação ao crime sem nenhum pudor ou cuidado mundo – e do mesmo indivíduo. A mulher que se sentiu “no
com o efeito de suas palavras na destruição da reputação e direito” de xingar Guido Mantega e, por extensão, Eliane
da vida de pessoas também reais. A preocupação de magoar Berger, e tornar sua presença na lanchonete do hospital in-
ou entristecer alguém nem é levada em conta. Ao contrário, suportável, assim como as pessoas que se sentiram “no di-
o cuidado que aparece é o de garantir que a pessoa atacada reito” de aumentar o coro de xingamentos, possivelmente a-
leia o que se escreveu sobre ela, o cuidado que se toma é o creditem que estavam apenas exercendo a liberdade de ex-
da certeza de ferir o outro. O outro, se não é um clone, só e- pressão como “cidadãos de bem indignados com o PT”, uma
xiste como inimigo. O problema, quando se apontam “bár- frase corriqueira nos dias de hoje, quase uma bandeira. Ao
baros”, e aqui me incluo, é justamente que os bárbaros são mandar Guido e Eliane para outro lugar – e não para qual-
sempre os outros. Nesse sentido, a eleição de 2014, da qual quer lugar, mas “pro SUS” – devem acreditar que o Sistema
derivou a tese, para mim bastante questionável, do “Brasil Único de Saúde é a versão contemporânea do inferno, para
partido”, bagunçou um bocado essa crença. Não foi à toa a qual só devem ir os proscritos do mundo. Possivelmente,
que amizades antigas se desfizeram, parentes brigaram e até acreditem também que o espaço do Hospital Israelita Albert
amores foram abalados, que até hoje há gente que se gostava Einstein deve continuar reservado para uma gente “diferen-
que não voltou a se falar. As redes sociais, a internet, vira- ciada”. Em nenhum momento parecem ter enxergado Guido
ram um campo de guerra, num nível maior do que em qual- e Eliane como pessoas, nem se lembrado de que quem está
quer outra eleição ou momento histórico. Só que, desta vez, num hospital, seja por si mesmo, seja por alguém que ama,
os bárbaros eram, até ontem, os aliados na empreitada da ci- está numa situação de fragilidade semelhante à deles. O di-
vilização. Descobriu-se que pessoas com quem se comparti- reito ao ódio e à eliminação do outro mostrou-se soberano:
lharam sonhos ou que se consideravam éticas – pessoas do aquele que é diferente de mim, eu mato. Ou deleto. Simboli-
“lado certo” – eram capazes de lançar argumentos desones- camente, no geral; fisicamente, com frequência assustadora.
tos – e que sabiam ser desonestos – e mentiras descaradas, Mas, claro, nada disso é importante. Nem é importante a
assim como de torturar números e manipular conceitos. E- greve dos caminhoneiros ou a falta de água na casa dos mais
ram capazes de fazer tudo que sempre condenaram, em no- pobres. Tampouco a destruição de estátuas milenares pelo
me do objetivo supostamente maior de ganhar a eleição. Os Estado Islâmico. Essencial mesmo é o grande debate da se-
bárbaros não eram mais os outros, os de longe. Desta vez, mana que passou: descobrir se o vestido era branco e doura-
eram os de perto, bem de perto, que queriam não apenas do – ou preto e azul. Mesmo sobre tal irrelevância, a selva-
vencer, mas destruir o diferente ou o divergente, eu ou você. geria do bate-boca nas redes mostrou que não é possível ter
O bárbaro era um igual, o que torna tudo mais complicado. opinião diferente. Já demos um passo além da banalidade.
Não se sai imune desse confronto com a realidade do outro, Nosso tempo é o da boçalidade.
a parte mais fácil. Não se sai impune desse confronto com a
realidade de si, este um enfrentamento só levado adiante pe- (El País, “Opinião”, 02.03.2015)
los que têm coragem. Como sabemos, enquanto for possível
e talvez quando não o for mais, cada um fará de tudo para
não se enxergar como bárbaro, mesmo que para isso precise
mentir para si mesmo. É duro reconhecer os próprios cri-
mes, assim como as traições, mesmo as bem pequenas, e as
vilanias. Mas, no fundo, cada um sabe o que fez e os limites
que ultrapassou. O que aconteceu na eleição de 2014 é que
os “bons” e os “limpinhos” descobriram algumas nuances a
mais de sua condição humana, e descobriram o pior: tam-
bém eles (nós?) não são capazes de respeitar a opinião e a
escolha diferente da sua. Também eles (nós?) não quiseram
debater, mas destruir. De repente, só havia haters (“odiado-
res”). De novo: desse confronto não se sai impune. A boçali-
dade do mal ganhou dimensões imprevistas. Seria imprová-

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