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DISCIPLINA: SISTEMÁTICA VEGETAL 1; Profa.

Bárbara Medeiros Fonseca


Texto adaptado do livro “O Planeta Simbiótico – Uma Nova Perspectiva da Evolução ” , de Lynn Margulis (Rio de Janeiro, Ed. Rocco, 2001, 137p.)
simbióticas, ele e suas idéias foram repudiados. Bactérias
O nome da videira
eram causadoras de doenças, não fontes de inovação
evolutiva. Hoje sabemos que o trabalho de Wallin está mais
A taxonomia é a ciência da identificação, afinado com o pensamento de nossa época do que com o da
nomeação e classificação dos organismos. Nomes e época dele.
esquemas de classificação organizam grandes quantidades Atualmente, para a maioria das pessoas, as
de informações. A taxonomia, como os mapas, realça formas de vida são facilmente divididas em três categorias:
algumas características peculiares. Contudo, como na plantas (para alimentação e decoração), animais (como
expressão popularizada pelo filósofo e antropólogo anglo- nossos bichos de estimação, frutos do mar e nós) e germes
americano Gregory Bateson, “o mapa não é o território”. (que devem ser derrotados). Tento substituir tal tolice cultural
Tampouco o nome do organismo. A história de qualquer supersimplificada por conceitos muito mais próximos de
organismo costuma ser representada por uma árvore de descrições científicas obtidas com grande dificuldade. Nem
família. Árvores de família geralmente crescem de baixo animais, nem plantas, nem fungos apareceram na Terra
para cima a partir de chão: um tronco se ramifica em muitas antes que as bactérias tivessem passado por pelo menos
linhagens, sendo que cada ramo é uma bifurcação a partir dois bilhões de anos de evolução química e social. Nem os
de um ancestral comum. Mas a simbiose nos mostra que tais animais nem as plantas são categorias de classificação
árvores são representações idealizadas do passado. Na eternas. Nenhuma delas foi estabelecida de forma definitiva
verdade, a árvore da vida muitas vezes cresce a partir de si por uma mente divina de pendor platônico. Além de todas as
mesma. As espécies se juntam, incorporam-se e formam plantas e animais vivos, hoje em dia existem pelo menos três
novos seres, que começam tudo de novo. A árvore da vida é outras formas de vida. E é aqui, entre as não-plantas e os
um ser entrelaçado, intricado e pulsante, com raízes e ramos não-animais, que está a verdadeira biodiversidade.
que se encontram sob e sobre a terra. A simbiose, como o
Animais e plantas são muito mais semelhantes
sexo, promove novas parcerias entre seres que já evoluíram
entre si do que em relação a todas as outras formas de vida
anteriormente. Também como o sexo, algumas simbioses
da Terra! Graças à microscopia eletrônica e a novas
são uniões prolongadas de futuros estáveis, prolíficos.
maneiras biológico-moleculares de estudar detalhes em
Outras rapidamente se desfazem. A interação de cada
todos os organismos, compreendemos melhor do que nunca
geração de seres geneticamente relacionados põe em
o heterogêneo sortimento de vida na Terra. Moléculas de
dúvida qualquer árvore da vida retratada nos livros.
cadeia longa, como o DNA, o ácido ribonucléico (RNA) e as
Utilizando o hoje famoso desenho sobre o qual proteínas nos permitem estudar todas as formas de vida com
tantos já trabalharam e que foi criado em meados da década um só padrão de medida. O divisor de águas animais-
de 1980 por Dorian Sagan, meu filho mais velho, plantas dominante desde antes de Aristóteles está ruindo.
empregamos a metáfora de uma mão. Cada um dos cinco Uma revisão radical tomou de surpresa nossos sistemas de
dedos representa um dos principais grupos de organismos. classificação. Os biólogos exploram os assombrosos
Pense em cada dedo como um entre cinco grandes reinos: detalhes dos micróbios, incluindo sua resistência diante da
todas as bactérias (as moneras ou procariontes, cujas adversidade e a tendência a sobreviver por meio de
células não têm núcleo), os prototistas (todas as algas, compromissos evolutivos simbióticos.
bolores de lodo, ciliados e muitos outros organismos
Meu trabalho com simbiontes microbianos me
obscuros formados por simbiogênese e compostos de
estimulou a criticar e depois rever a classificação biológica.
células com núcleos), os animais (todos os quais se
Nossa revisão moderna inclui uma classificação em cinco
desenvolvem de embriões que, por sua vez, se desenvolvem
reinos e duas fileiras. A maior distinção entre todas as
de uniões de espermatozóide-óvulo), os fungos (leveduras,
formas de vida é a que separa os procariontes da primeira
cogumelos e bolores que crescem de esporos fúngicos) e as
fileira – todas as bactérias compostas de células
plantas (que se desenvolvem de esporos e, em outras
“procariontes” que não evoluíram por simbiogênese – da
ocasiões, de embriões de origem sexuada, embora não
segunda fileira, que inclui todas as formas de vida
façam fotossíntese). Exceto pelas bactérias, cada dedo da
eucarióticas. Os eucariontes, organismos com células
mão da vida tem múltiplos ancestrais microbianos
nucleadas, evoluíram por simbiogênese. Esse grupo inclui
simbióticos.
prototistas, fungos, plantas e animais.
Na década de 1920, quando Ivan Wallin, na
Ernest Haeckel, um eclético cientista alemão,
Columbia University, sugeriu que componentes das células,
respeitando os protistas, acrescentou o reino deles ao das
cloroplastos e mitocôndrias, se originaram de bactérias
plantas e dos animais. Mas Antony van Leeuwenhoek (1632-

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1723), que nasceu mais de duzentos anos antes de Haeckel, O projeto de classificação pré-evolutivo mais
descobriu o mundo microbiano. Comerciante de tecidos de completo foi publicado pelo famoso botânico sueco de
Delft, na Holanda, van Leeuwenhoek passava os dias, como Uppsala Carolus Von Linné (1707-1778). Assinando o nome
eu, perscrutando o microcosmo; ele, contudo, montava seus em latim (Linnaeus), Lineu inventou o que veio a ser
próprios microscópios. Em um holandês coloquial do século denominado nomenclatura binomial. Deu dois nomes a cada
XVII, ele descreveu uma vida microbiana exuberante forma de vida, ambos geralmente derivados do latim ou do
encontrada nos charcos, na água parada, na saliva de grego. O “primeiro” nome designava o grupo ao qual o
jovens beldades e na diarréia dos bêbados. Suas descrições organismo pertencia – seu gênero – e, o último nome,
acabaram sendo publicadas em Londres na forma de cartas associado ao primeiro, a espécie. Esses nomes eram e
à Royal Society. Muito mais tarde, o conceito darwiniano de ainda são escritos em itálico, com inicial maiúscula no nome
evolução levou intelectuais europeus a buscar ancestrais do gênero. O sistema lineano é hoje fundamental para o
comuns da vida. Foi então que os diminutos seres de van conhecimento biológico. Até livros em japonês e chinês e
Leeuwenhoek se tornaram mais do que “anomalias” a serem textos em russo escritos com o alfabeto cirílico trazem os
mostradas pelo naturalista amador. Cada vez mais os nomes de espécies e gêneros em latim e itálico. O gênero é
micróbios eram vistos pelos microscopistas como o grupo taxonômico superior, mais abrangente. A espécie é o
configurações ancestrais de forma de vida maiores. agrupamento menor, menos abrangente.

É claro que os micróbios só foram incluídos nas Todos os cães, por exemplo, pertencem ao
categorias formais taxonômicas muito depois de terem sido gênero Canis. A espécie dos cães domésticos é Canis
descobertos. Após a descoberta de Louis Pasteur de familiaris. Os lobos são Canis lupus e os coiotes, Canis
nefandas bactérias causadoras de doenças, os menores latrans. Os seres humanos são Homo sapiens.
organismos receberam nomes e foram encaixados em um
Lineu também agrupou os gêneros em categorias
sistema de classificação.
taxonômicas superiores denominadas ordens, e as ordens
Muito antes de Pasteur, no século III a.C. em classes. Posteriormente, o anatomista francês Georges
Aristóteles classificou mais de quinhentas espécies de Cuvier (1796-1832) dispôs as ordens em grandes grupos de
animais. Utilizando apenas seu olhar aguçado, é óbvio que “ramificações”, que correspondem aos atuais filos. Cuvier,
ele não viu micróbio algum e achou que as categorias de cujo trabalho foi extremamente importante para a coleção do
vida eram fixas e imutáveis. Entretanto, algumas Museu de História Natural de Paris, estendeu a classificação
classificações de Aristóteles correspondem às nossas lineana aos fósseis. Tanto Cuvier como Lineu acreditavam
classificações modernas. Aristóteles agrupou os golfinhos, que todas as espécies eram formas eternamente separadas
por exemplo, junto com os mamíferos terrestres, em vez de criadas por um Deus onipotente. Cuvier achava que os
com os peixes. Mais tarde, o erudito romano Plínio (23-79 fósseis eram indícios de formas de vida do passado que
a.C.), nos 37 volumes de sua História natural, tentou haviam desaparecido com o Dilúvio bíblico e outras
catalogar todos os seres vivos cuja existência tivesse sido catástrofes. Dessa maneira, ele admitia que alguns animais
relatada. Baseando-se em muitas fontes de informação, haviam se extinguido, mas não havia indícios da criação de
Plínio incluiu em sua pesquisa os unicórnios, cavalos novas formas de vida desde que Deus criara o mundo.
voadores e sereias. Durante a Idade Média e já no Embora não fossem evolucionistas, Cuvier e Lineu, muito
Renascimento, de acordo com descrições de seres relatadas atentos aos detalhes das relações entre os seres vivos,
em narrativas de viagem, os “bestiários” eram escritos e foram excelentes eruditos. Eles acentuaram o que mais
ricamente ilustrados. tarde vieram a ser as principais linhas do pensamento
evolutivo que prosseguiu no fim dos séculos XIX e XX.
A taxonomia se tornou mais confiável quando,
em 1686, o inglês John Ray (1627-1705) publicou um Ernst Haeckel (1834-1919), o brilhante
compêndio reunindo milhares de diferentes espécies de pesquisador alemão do mundo natural, foi um dos primeiros
plantas. Em 1693 ele lançou uma classificação de animais, a defender a evolução de Darwin. Ele percebeu que o
dispondo-os de acordo com diferenças e semelhanças em conceito de evolução representava um problema para a
seus corpos: cascos, garras, dentes e outras características. antiga dicotomia planta-animal. Nem todas as afirmações de
Refletindo uma desconfiança cada vez maior quanto aos Haeckel estavam corretas: ele acreditava que a vida,
rumores, fábulas e fantasias relatados como fatos nos inclusive atualmente, evolui da falta de vida. Nossos
bestiários, Ray afirmou que os fósseis eram vestígios de ancestrais mais longíquos – alguns dos quais, segundo ele,
plantas e animais que não mais existiam. ainda viviam no fundo do mar – eram seres estranhos que

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deram origem tanto às plantas como aos animais. Ele animais, os prototistas de Hogg (apresentados como
afirmou que os ancestrais não eram nem um nem outro. protistas, os membros menores, que não pertenciam a
nenhum outro reino) e as moneras de Haeckel (bactérias).
Haeckel ampliou, popularizou e aplicou de forma
Whittaker, como Copeland, notou que os primeiros quatro
sistemática as idéias darwinistas da evolução. Ele descreveu
desses grupos são eucariontes: suas células sempre contêm
muitos seres novos, ilustrou belos seres flutuando nos
núcleo. Só os membros do último reino não têm núcleo e,
oceanos, o plâncton, e foi o primeiro cientista a transferir
portanto, são procariontes. Os membros desse grupo, todos
formalmente diminutos habitantes dos oceanos, os
bactérias, permaneceram entre as moneras de Haeckel
radiolários e foraminíferos, nem plantas nem animais, para
depois que Copeland removeu todos os organismos
seu próprio reino: Haeckel corajosamente concedeu-lhes o
nucleados.
título “reino monera”, que quer dizer unidades primitivas. Os
limites do reino monera de Haeckel variaram ao longo de Como Copeland e Whittaker, Karlene Schwartz e
sua vida. Ele às vezes incluiu amebas e bolores de lodo, eu ficávamos frustradas com as inconstâncias, contradições
hoje classificados como prototistas. Em alguns trabalhos e confusões de nossos colegas. Descobrimos que era difícil
Haeckel chegou a incluir as esponjas, hoje consideradas ensinar os disparates das classificações botânica e
animais, entre as moneras. Nas muitas edições de seus zoológica a nossos alunos. O aspecto botânico era, e muitas
muitos livros, Haeckel persistiu em sua rejeição ao antigo vezes ainda é, inconciliável com o aspecto zoológico.
sistema de classificação em dois reinos. Ele pensava, assim Observamos o que era óbvio: embora plantas e animais
como eu, que a rígida dicotomia plantas-animais contradizia tenham diferentes estratégias de sobrevivência, eles
novos conhecimentos e dificultava a compreensão da compartilham grandes semelhanças estruturais. Ambos são
história evolutiva da vida. Ao contrário de Lineu, que compostos de células que contêm cromossomos dentro de
classificou 10 mil espécies da criação de Deus, Haeckel era núcleos fechados por membranas. Ambos produzem óvulos,
um evolucionista darwiniano. espermatozóides e embriões. Desde a primeira vez que
lemos sobre o sistema em cinco reinos de Whittaker, na
Herbert F. Copeland (1902-1968), professor de
revista Science, em 1969, ele nos pareceu ser o melhor
biologia em Sacramento, Califórnia, aperfeiçoou o esquema
reflexo dos agrupamentos evolutivos da enorme diversidade
de Haeckel. Em 1956, ele publicou um livro pouco conhecido
da vida. Mas todas as grandes formas de vida têm
dividindo o reino monera de Haeckel em dois reinos.
ancestrais diretos entre os micróbios: as algas gigantes
Copeland reservou a categoria “monera” para as bactérias,
surgiram de diminutas algas douradas, bolores do lodo
observando a ausência de núcleo das células. O segundo
evoluíram de amebas e os ancestrais de grandes algas
reino, o prototista, ele tomou do trabalho de 1860 do
marinhas verdes eram microscópicas algas clorófitas, como
naturalista inglês John Hogg. Copeland colocou todos os
muitas existentes ainda hoje. Os grandes organismos não
micróbios cujas células tivessem núcleo no reino prototista.
podem ser separados de seus diminutos parentes próximos.
Incluiu ainda protozoários tradicionais, os bolores de água
Assim, seguindo Copeland, Karlene e eu ressuscitamos o
que se reproduzem formando células natatórias semelhantes
termo abrangente de John Hogg, Prototista: nós o
a espermatozóides e algas de todos os tipos. Quanto a
empregamos em uma versão ampliada, evolutivamente
muitos outros grupos estranhos de microorganismos
vigorosa do reino “protista” para nos referir a pequenos
nucleados ou formas de vida lodosas maiores, Copeland
membros dos prototistas. Todos os prototistas evoluíram, em
decidiu incluí-los unilateralmente como prototistas. Ele não
última análise, de simbioses bacterianas. Alguns prototistas
trabalhou com ninguém nem pediu permissão para alterar
são unicelulares; outros têm uma pequena quantidade de
classificações a fim de adaptá-las a seu sistema.
células. Amebas, ciliados, células de algas e algas marinhas
Três anos mais tarde, um professor da Cornell e a forma em colônia das amebas, bolores de lodo, são
University, Robert H. Whittaker (1924-1980), todos prototistas. Proto vem da palavra grega para primeiro,
cuidadosamente desenvolveu a presciente porém quase como em protozoário. Mas, ao contrário de “protozoário”, os
ignorada taxonomia em quatro reinos de Copeland. termos protista e prototista (que, de proto e ctista, significam
Whittaker, fundador do campo de ecologia de comunidades “primeiros seres criados”) não têm conotação zoológica.
na América do Norte, passou muitos anos estudando a Chamo os prototistas de “nenhuns aquáticos”. Alguns vivem
região de Pine Barrens, em Nova Jersey. Ele observou que em charcos, outros em buracos de árvore, ou ainda
os fungos nos desertos de pinheiros, em sua maior parte flutuando nos oceanos. Apesar de todos serem seres
cogumelos ligados pelas raízes nunca fotossintetizantes, aquáticos, nenhum deles é animal ou planta. Embora
eram tão diferentes das plantas que pertenciam a um reino à animais tenham evoluído de alguns dos prototistas (os
parte. Whittaker estabeleceu cinco reinos: fungos, plantas, zoomastigotos), plantas de outros (os clorófitos) e fungos de

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outros (os quitrídios), nenhum prototista é, propriamente, um especial para verificar a distinção arqueo-eubactérias,
animal, uma planta ou um fungo. determinada principalmente pela análise da sequência do
gene. Apesar de suas diferenças, tanto o sistema de três
Estamos convencidos de que os vírus não
domínios de Woese como o sistema de cinco reinos são
pertencem a nenhum dos cinco reinos. Eles não estão vivos,
coerentes com um ponto de vista simbiótico da evolução.
já que nunca fazem nada quando estão fora de células vivas.
Ambos são muito superiores ao anacronismo plantas versus
Os vírus precisam do metabolismo da célula viva porque não
animais.
têm o que é necessário para gerar seu próprio metabolismo.
O metabolismo, a incessante química da automanutenção, é Na taxonomia de três domínios de Woese,
uma característica essencial da vida. Somente as células, e diferenças moleculares entre os dois tipos de bactérias
os organismos compostos de células, efetuam metabolismo. recebem mais importância do que as diferenças entre um
Qualquer vírus fora da membrana de uma célula viva é cogumelo e um alce. A meu ver, isso é um absurdo. O
inerte. Não obstante, os vírus são importantes para a história melhor evolucionista do mundo atualmente, Ernst Mayr, da
da vida na Terra. Uma vez que dependem do metabolismo Harvard University, concorda plenamente conosco. Esse
dos outros, é muito plausível que os primeiros vírus tenham sistema de Woese, escreveu ele a mim recentemente, está
evoluído de bactérias. se infiltrando em todos os livros didáticos de biologia. “Acho
que vou fazer um pouco de barulho”. Mayr publicou um
A taxonomia em duas partes (procariontes
ensaio técnico sobre as semelhanças entre as
versus eucariontes) e cinco reinos retrata a história evolutiva
arqueobactérias e outras bactérias e as diferenças entre
de modo bastante preciso. É, portanto, muito mais exata que
todas as bactérias e o resto da vida, da vida nucleada.
a antiga e enganosa dicotomia planta-animal.
Bacteriófila como sou, creio que nosso esquema
Carl Woese, da Universidade de Illinois em
recentemente modificado de duas fileiras (prokarya,
Urbana, junto com seus colegas, propôs uma taxonomia
eukarya), publicado em 1998, é muito superior à
radicalmente diferente, em três partes, consistindo em
classificação de três domínios. A principal característica
archaea (a princípio denominadas arqueobactérias),
diferenciadora de todas as formas de vida, células não
eubactérias (todas as outras bactérias) e eukarya (todas as
simbiogenéticas (prokarya) versus células simbiogenéticas
formas de vida nucleadas). Ele denomina esses
(eukarya), recebe o status mais alto. Em seguida os
agrupamentos “domínios”. Sua classificação eukarya,
organismos são diferenciados pelo modo como se
constituída por organismos nucleados, é igual à nossa.
desenvolvem: de esporos (fungos), de um embrião cercado
Contudo, ele concede a eukarya o mesmo status dos outros
pelo tecido da mãe (plantas), de um embrião blástula
dois grupos de bactérias. Os quatro reinos eucarióticos
(animais) ou de nenhum dos casos acima (prototistas).
distintos (prototistas, fungos, animais e plantas) estão, para
Woese, agrupados em um só. Na minha opinião, Woese Como Mayr, vejo muitos problemas no sistema
dificulta mais do que esclarece a distinção crítica entre menos biológico de Woese. O principal critério de Woese
procariontes e eucariontes, entre vida simbiogenética e não para diferenciar todas as formas de vida é um único gene,
simbiogenética. uma determinada parte do DNA que codifica uma das
moléculas do RNA de um organismo. O RNA que esse DNA
Os outros dois domínios de Woese, como seus
codifica é parte da pequena subunidade de uma partícula
nomes indicam, são bacterianos. Comparando o RNA, uma
celular, o ribossomo. Woese utiliza apenas esse gene,
das moléculas longas fundamentais presentes em todas as
embora até as pequenas bactérias tenham cerca de 5 mil
formas de vida, Woese utiliza diferenças na sequência, a
genes em cada uma de suas células. Isso induz ao erro. Os
ordem das bases químicas do RNA, para classificar todos os
organismos devem ser classificados com base em toda a
organismos. Após coletar dados a respeito de quase mil
sua biologia. Em segundo lugar, pelo menos um prototista (o
tipos de vida, Woese distribuiu os diferentes procariontes
plasmódio, parasita da malária) altera a sequência de seu
pelas classes archaea ou eubactéria. Entre os membros do
gene de RNA em diferentes momentos ao longo da vida. Se
domínio archaea de Woese estão algumas halobactérias,
o RNA de um microorganismo pode mudar em questão de
procariontes que precisam de água salgada, e a maioria das
horas, a sequência de RNA provavelmente não é a melhor
bactérias acidófilas, de fontes sulfurosas. Também em
forma de definir o maior de todos os grupos. A categoria
archaea estão todas as bactérias que produzem gás metano.
taxonômica mais abrangente à qual um organismo pertence
O termo archaea, do grego, significa “antigo”, e pressupõe
tem de ser baseada em muito mais. A maioria das pessoas
que elas foram as primeiras a aparecer na Terra. Woese
consegue distinguir facilmente os quatro grandes reinos dos
classifica todas as outras bactérias como eubactérias
grandes organismos a olho nu, mas poucos de nós têm
(“bactérias verdadeiras”). É necessária uma tecnologia

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acesso aos métodos de seqüenciamento genético de
Woese. Além do mais, um sistema no qual fungos, plantas,
prototistas e animais são reunidos em um só grupo encobre
conhecimentos obtidos com muita dificuldade. Um sistema
taxonômico tem de ser um sistema de recuperação de
informações.

Tenho outras objeções aos três domínios de


Woese. Os procariontes, ao contrário dos animais, plantas e
outros eucariontes, costumam passar seus genes adiante
um de cada vez. As arqueobactérias e as eubactérias trocam
genes umas com as outras. Esses diminutos organismos são
muito semelhantes e pertencem a um mesmo império, reino,
domínio ou qualquer que seja o nome dado à categoria
taxonômica mais abrangente. O formato do corpo, o
comportamento e o desenvolvimento de qualquer forma de
vida devem ser levados em conta juntamente com suas
moléculas e elementos químicos internos. Mesmo que
houvesse sequências de genes idênticas na casca de uma
bananeira e na pele de um cão, ainda assim não
classificaríamos um cão junto com uma banana, mas com
lobos e chacais. A liberal tradição da taxonomia que leva os
botânicos a classificar plantas com base em partes de flores
é acentuada, em vez de subvertida, por novos insights
biológico-moleculares. Embora eu aprove a imensa
contribuição de Woese para a classificação universal, penso
que esse esquema em três domínios confunde mais do que
organiza. A passagem para os sistemas de classificação
baseados na evolução enfim se concretizou. As bactérias
evoluíram primeiro. Elas se diversificaram pela ramificação.
Depois, por meio da simbiogênese bacteriana, os ramos se
fundiram e surgiram os prototistas. A partir de uma rica
matéria-prima ancestral, alguns prototistas evoluíram em
fungos, outros em animais ou plantas. Grupos antigos
permanecem e se diversificam. Novas formas podem se
revelar transitórias ou estáveis. Enquanto todas as espécies
tendem a se tornar extintas, os agrupamentos maiores,
recebam eles o nome de domínio, reino ou qualquer outro,
permanecem.

Qualquer esquema taxonômico apresenta


problemas. Tendemos a rotular e descartar qualquer coisa
uma vez que tenhamos lhe atribuído uma categoria. Nossas
classificações nos impedem de ver o desregramento da
organização natural, pois fornecem “gavetas” conceituais
nas quais enfiam nossas idéias preconcebidas. Elas
deveriam refletir nosso estudo da natureza. O sistema de
duas fileiras e cinco reinos sempre precisará ser revisto.
Quaisquer que sejam suas dificuldades, ele não perpetua os
antiqüíssimos erros da dicotomia “animal versus vegetal”.
Podemos agrupar as formas de vida em três, cinco ou um
milhão de categorias, mas a vida em si nos escapará. 

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