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EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DA FAZENDA

PÚBLICA DA COMARCA DE RECIFE -PE

HEBERTE LAMARCK GOMES DA SILVA, brasileiro, casado,


engenheiro agrônomo, Deputado Federal, inscrito no CPF/MF sob o nº
020.084.884-46 e portador do RG nº 4.629.075 SDS/PE, residente e domiciliado
na Avenida Bernardo Vieira de Melo, nº 1900, apto 302, Piedade, Jaboatão dos
Guararapes/PE, vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência, com
fundamento nos artigos 1º, § 1º e 2º, parágrafo único, alínea “c” da Lei nº
4.717/1965, propor a presente

AÇÃO POPULAR, com pedido liminar

em face da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), sociedade de


economia mista constituída por meio do Decreto-Lei n. 89.396, de 22 de fevereiro
de 1984, CNPJ 42.357.483/0006-30, inscrição estadual 82.879.781, com
endereço na R. José Natário, 478 - Areias, Recife - PE, 50900-000, Telefone:
(81) 3252-6100, imprensarec@cbtu.gov.br, pelos fatos e razões a seguir
apontados.

RESUMO DA CAUSA

O metrô de Recife, como é do conhecimento geral, constitui um dos


principais meios de transporte público da cidade, responsável, segundo dados
da própria Companhia Brasileira de Transportes Urbanos (CBTU), pela
locomoção diária de mais 400 mil usuários diariamente, chegando a mais de 10
milhões de usuários mensalmente.

1
Esse enorme contingente de consumidores recebeu uma dolorosa e
inesperada notícia no dia 07 de maio de 2018: o anúncio pela CBTU, sociedade
de economia mista responsável pela gestão do metrô de Recife, do reajuste de
87,5% (oitenta e sete e meio por cento) no valor das tarifas diárias de transporte
na cidade. Aumento que passou a vigorar de forma abrupta desde o dia 11 de
maio, última sexta-feira, ou seja, apenas 5 (cinco) dias após a anúncio.

De acordo com o anúncio no sítio oficial da empresa, replicado em


diversos meios jornalísticos, o valor da tarifa saltou de R$ 1,60 (um real e
sessenta centavos) para R$ 3,00 (três reais), de modo a cobrir 06 (seis) anos de
alegado congelamento inflacionário no período, passando a CBTU a arrecadar
o montante 110 milhões de reais anualmente, valor que hoje corresponde a 66
milhões.
.
Ainda em conformidade com o anúncio oficial da ora Requerida, “a
recomposição das perdas inflacionárias reflete em valores inferiores aos
praticados pelo sistema rodoviário e visa o equilíbrio entre o custo operacional e
o preço pago pelo usuário, bem como a manutenção do caráter social do serviço
metroferroviário prestado pela CBTU, finalidade principal da Companhia.”

O ato praticado, porém, não observa a parte mais vulnerável da relação –


o consumidor pernambucano– que suportará o desembolso de quase o dobro do
valor diário da passagem, onerando seu orçamento familiar mensal a ponto de,
possivelmente, impedir o acesso ao transporte pela impossibilidade de
pagamento. E, o que é pior, esse reajuste ocorreu em apenas 4 (quatro) dias
após a decisão da CBTU, dificultando ou até impedindo o usuário de exercer
qualquer movimento ou planejamento, no sentido de redirecionar parte de suas
economias para o transporte coletivo.

Tal ato afronta diversas normas jurídicas, sobretudo as de proteção ao


consumidor e princípios basilares do ordenamento brasileiro, como os da
proporcionalidade, razoabilidade, moralidade, confiança, boa-fé, etc, gerando
danos irreparáveis ao orçamento de milhares de família, razões pelas quais se
apresenta a presente AÇÃO POPULAR.

2
DO CABIMENTO DA AÇÃO POPULAR

A ação popular é o meio processual posto à disposição do cidadão, e tem


como objetivo a anulação de atos ilegais comissivos ou omissivos, que lesem o
patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe; à moralidade
administrativa; ao meio ambiente; ao patrimônio histórico e cultural, na forma do
artigo 5º, LXXIII da CR/88.

Neste sentido, dispõe o artigo 1º da Lei 4.717/65:

"Art. 1º Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a


anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao
patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos
Municípios, de entidades autárquicas, de sociedades de
economia mista (Constituição, art. 141, § 38), de sociedades
mútuas de seguro nas quais a União represente os
segurados ausentes, de empresas públicas, de serviços
sociais autônomos, de instituições ou fundações para cuja
criação ou custeio o tesouro público haja concorrido ou
concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou
da receita ânual, de empresas incorporadas ao patrimônio
da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios,
e de quaisquer pessoas jurídicas ou entidades
subvencionadas pelos cofres públicos".

Também são considerados nulos os atos ou contratos que impliquem em


modificações ou vantagens, inclusive prorrogações que forem admitidas, em
favor do adjudicatário, durante a execução dos contratos de empreitada, tarefa
e concessão de serviço público, sem que estejam previstas em lei ou nos
respectivos instrumentos, nos exatos termos do artigo 4º, IV da Lei 4.717/65.

Assim, cabível o manejo da ação popular no caso dos autos.

A jurisprudência recente do Superior Tribunal de Justiça — amparada em


precedentes do Supremo Tribunal Federal – autoriza o cabimento de ação
popular ainda que verificada a ausência de dano ao patrimônio, quando houver
ilegalidade que ofenda os princípios da Administração Pública:

“... 2. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE n. 170.768/SP,


pacificou ser ausente a contrariedade ao art. 5º, LXXIII, da Lei Maior por
entender que, para o cabimento da ação popular, basta a ilegalidade do

3
ato administrativo a invalidar, por contrariar normas específicas que
regem a sua prática ou por se desviar de princípios que norteiam a
Administração Pública, sendo dispensável a demonstração de prejuízo
material aos cofres públicos ... (STJ – RESP 849297/DF, Segunda Turma,
Relator Ministro Mauro Campbell Marques, DJ 08.10.2012, publicado na
RSTJ vol. 228, p. 217).

É certo, portanto, que ainda que não haja dano ao erário, a afronta aos
princípios constitucionais regentes da Administração Pública autoriza, por si só,
o manejo da ação popular, sendo este o caso em tela: trata-se o reajuste tarifário
anunciado pela CBTU de um ato atentatório a diversos princípios da
administração pública, dentre eles o da moralidade, tal como demonstraremos.

DA LEGITIMIDADE ATIVA

A autoria popular é exercida na forma e condições da Lei 4.717/65, por


cidadão brasileiro, com prova da cidadania por meio de título eleitoral, que
encontra-se anexado à presente. Legitimado o autor, portanto, a requerer a
anulação do aumento da tarifa por parte da CBTU.

DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL

A competência para a análise da presente demanda é de uma das Varas


da Fazenda Pública de Recife, tendo em vista que o ato administrativo praticado
é de sociedade de economia mista oriunda da Rede Ferroviária Federal S/A,
constituída por meio do Decreto-Lei nº 89.396, de 22 de fevereiro de 1984.

Nesse sentido, jurisprudência pacificada do Superior Tribunal de Justiça,


verbis:

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO POPULAR. SOCIEDADE DE ECONOMIA


MISTA. CBTU.
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇA ESTADUAL. I.
Declarado expressamente nos autos o desinteresse da União Federal,

4
compete à Justiça Estadual o julgamento de ação popular movida contra
sociedade de economia mista.
II. Conflito conhecido e provido, para declarar competente o Juízo
suscitado, da 3ª Vara da Fazenda Pública de Belo Horizonte, MG. (STJ –
CC 25538/MG, Relator Min. Aldir Passarinho Junior, Primeira Seção, DJ
30.08.1999, p. 27)

PROCESSUAL CIVIL. MEDIDA CAUTELAR. TARIFA DE ENERGIA


ELÉTRICA. REAJUSTE. PORTARIAS NºS. 38, 45 E 153/86 - DNAEE.
COELBA.
CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO. EMPRESA DE
ECONOMIA MISTA. JUSTIÇA ESTADUAL.
I. As empresas de economia mista têm seu foro na Justiça Estadual, ainda
que na ação a controvérsia gire em torno de reajuste de tarifa de energia
elétrica fixado com base na observância, pela concessionária de serviço
público, de portarias baixadas pelo DNAEE, que não participa da lide.
II. Precedentes do STJ.
III. Conflito conhecido, para declarar competente o Juízo de Direito da 7ª
Vara da Fazenda Pública de Salvador, ora suscitado. (CC 23761/BA, cc
1998/0078686-4, Relator Ministro Aldir Passarinho, Primeira Seção, DJ
22.03.1999, p. 36, RSTJ vol. 119, p. 54

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. ADMINISTRATIVO.


MANDADO DE SEGURANÇA EM FACE DE SOCIEDADE DE
ECONOMIA MISTA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL.
1. Conforme a jurisprudência desta Corte, compete à Justiça Estadual o
julgamento das ações propostas em face de sociedade de economia
mista.
2. A competência da Justiça Federal se verifica em feitos de tal natureza
quando a União possa intervir como assistente ou oponente, de acordo
com a Súmula 517 do STF, o que não se verifica in casu. 3. Conflito
conhecido para determinar competente o suscitante, Juízo de Direito da
1ª Vara de Fazenda Pública e de Registros Públicos de Campo Grande-

5
MS. (CC 56989/MS, Terceira Seção, Relator Ministro Og Fernandes, DJ
07.11.2008).

Cumpre salientar que não é objeto da presente ação os reajustes em


outras capitais, como Belo Horizonte, João Pessoa, Maceió e Natal, porquanto
desconhecidos seus fundamentos. Limita-se ela ao questionamento tão-
somente do reajuste abusivo da tarifa incidente na cidade de Recife-PE de
87,50% (oitenta e sete e meio por cento).
Daí porque, preliminarmente, reclama o conhecimento da presente ação
popular, a ser dirimida no âmbito de uma das Varas da Fazenda da Capital.

DA APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Aplica-se à espécie o Código de Defesa do Consumidor, que dispõe em


seu artigo 4º:

“Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o


atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua
dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses
econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a
transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os
seguintes princípios:
VII - racionalização e melhoria dos serviços públicos;

Assim, também, o artigo 6º:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:


X - a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.” (Grifo
nosso)

É evidente, assim, a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor


para a proteção do usuário de serviço público em relação a ato praticado pela
administração ou por concessionário, como a jurisprudência do Superior Tribunal
de Justiça já assentou:

6
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. FORNECIMENTO DE ENERGIA
ELÉTRICA. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. APLICAÇÃO.
ENQUADRAMENTO DE EMPRESA COMO CONSUMIDORA FINAL DO
SERVIÇO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. REVISÃO DO
JULGADO. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE REEXAME DE
PROVA. SÚMULA 7/STJ. INCIDÊNCIA.
1. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que a relação
entre concessionária de serviço público e o usuário final para o
fornecimento de serviços públicos essenciais, tais como energia elétrica,
é consumerista, sendo cabível a aplicação do Código de Defesa do
Consumidor. (STJ - AgInt no AREsp 1061219 / RS,AGRAVO INTERNO
NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL, Relator Ministro Og Fernandes,
Segunda Turma, DJ 25.08.2017).

DA ILEGALIDADE

Como prescreve o art. 2º, alínea “c” da Lei nº 4.717 de 1965, são nulos os
atos praticados pela administração com ilegalidade do objeto, sendo certo que o
dano aos cofres públicos, como já ressaltado, não é requisito absoluto.

Destarte, salta aos olhos a ilegalidade da conduta praticada pela CBTU,


pois a concessão de 87,50% de reajuste sobre as tarifas de metrô, por si só, se
revela agressiva às economias do consumidor, parte mais vulnerável na relação
de consumo, pois não há qualquer justificativa legal para a oneração do usuário
com um reajuste correspondente ao somatório das perdas inflacionárias
correspondentes aos últimos 06 (seis) anos de uma só vez.

A legislação de regência não autoriza o somatório de inflações reprimidas


e o consequente repasse ao consumidor, sob pena de ofensa, em primeiro lugar,
à modicidade tarifária, integrante do conceito de serviço adequado a que se
refere a Lei Geral de Concessões (Lei 8.987/98):

7
“Art. 6º Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço
adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido
nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato.
§ 1º Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade,
continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade,
cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.” (enfatizou-se)

Sobre o tema, o ilustre professor Celso Antonio Bandeira de Mello


esclarece que:

“As tarifas devem ser módicas, impedindo, assim, sua excessiva


oneração, de modo a assegurar acessível a todos os usuários, uma vez
que o serviço público, por definição, corresponde à satisfação de uma
necessidade ou conveniência básica dos membros da Sociedade”. 1

Aliás, a supracitada legislação autoriza, em homenagem à modicidade


tarifária, que as concessionárias obtenham outras fontes de receitas para
impedir aumentos impactantes ao consumidor:

“Art. 11. No atendimento às peculiaridades de cada serviço público,


poderá o poder concedente prever, em favor da concessionária, no edital
de licitação, a possibilidade de outras fontes provenientes de receitas
alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados, com
ou sem exclusividade, com vistas a favorecer a modicidade das tarifas,
observado o disposto no art. 17 desta Lei.
Parágrafo único. As fontes de receita previstas neste artigo serão
obrigatoriamente consideradas para a aferição do inicial equilíbrio
econômico-financeiro do contrato.”

1
Citado por GONÇALVES, Cristiane Vitório. APLICAÇÃO DA MODICIDADE TARIFÁRIA COMO
DIREITO SUBJETIVO DO INDIVÍDUO DE ACESSO AO SERVIÇO PÚBLICO. Disponível em
https://jus.com.br/artigos/25342/aplicacao-da-modicidade-tarifaria-como-direito-subjetivo-do-individuo-
de-acesso-ao-servico-publico/2

8
No ponto, pede-se vênia para transcrever o trabalho de Cristiane Vitório
Gonçalves, citando o magistério de Diógenes Gasparini:

“Diógenes Gasparini (2004, p. 286), argumenta que os serviços públicos


‘não devem ser prestados com lucros ou prejuízos, mas mediante retribuição
que viabilize esses interesses’, todavia admite, em casos excepcionais, a
possibilidade do Poder Público subsidiar o serviço público, bem como
ampliar as fontes de receitas das concessionárias:
Em situações excepcionais, o Poder Público pode subsidiar seu custo ou
consentir na utilização de outras fontes de receitas, conforme facultado pelo
art. 11 da Lei Federal das Concessões e Permissões de Serviço Público.
Cabe à lei, nos termos do art. 175 da Constituição da República, instituir
para essa remuneração a competente política tarifária.”

Mas em vez de buscar tais alternativas para equacionar suas perdas


inflacionárias no período, a CBTU optou pela mais drástica, qual seja, despejar
de uma só vez no usuário, a parte hipossuficiente da relação, um reajuste que
se faz, assim, extremamente lesivo.

Portanto, afigura-se flagrantemente atentatória à modicidade tarifária a


concessão, em um ano, da sequência de reajustes inflacionários não concedidos
nos anos anteriores, sob pena de aniquilar as combalidas finanças do usuário do
serviço.

De fato, o Código de Defesa do consumidor estabelece que:

“Art. 6º São direitos básicos do consumidor:


IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos
comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas
abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;
[...]
Art. 51 – São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais
relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

9
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que
coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam
incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;
§ 1o Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:
I – Ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;
III.- se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-
se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras
circunstâncias peculiares do caso”. (Grifo nosso)

Bem se vê que todas essas disposições que protegem o consumidor de


práticas abusivas foram violadas pelo ato em comento. Tratou-se o reajuste de
uma medida arbitrária que alterou drasticamente as condições da prestação do
serviço, e que assim colocou o consumidor em desvantagem exagerada,
incompatível com a boa-fé e a equidade.

A boa-fé objetiva, aqui, entra como um dos princípios violados, já que se


trata de um princípio que orienta relações contratuais no âmbito cível e
consumeirista, e que, como vimos, se espraia para as relações estabelecidas
entre o prestador de serviço público e seu usuário. Tal princípio estabelece que
não pode uma parte surpreender a outra com demandas desarrazoadas,
imprevisíveis e desleais, como é o caso. De fato, afirma Flávio Tartuce que o
princípio da boa-fé carrega os seguintes aspectos:

1. o dever de cuidado em relação à outra parte negocial;


2. o dever de respeito;
3. o dever de informar a outra parte o conteúdo do negócio;
4. o dever de agir conforme a confiança depositada;
5. o dever de lealdade e probidade;
6. o dever de colaboração ou cooperação;
7. o dever de agir conforme a razoabilidade, a equidade, a boa razão. 2

2
TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. 3ª ed. São Paulo: Método/GEN, 2013, p.550.

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É evidente, portanto, que houve quebra dos deveres de zelo, cooperação,
razoabilidade e lealdade decorrentes do princípio da boa-fé por parte da CBTU
para com o usuário, o que juridicamente constitui uma ilicitude apta a ensejar a
anulação do ato por ela perpetrado. Também foi rasgado o princípio da
confiança, que igualmente rege as relações entre administração e administrado,
pois este foi surpreendido, não teve a possibilidade de se adequar às novas
regras tarifárias unilateralmente e arbitrariamente impostas pela parte ré. Nesse
sentido, afirma Rafael Maffini que:

“...a proteção da confiança deve ser considerada como um princípio


deduzido, em termos imediatos, do princípio da segurança jurídica e, em
termos mediatos, do princípio do Estado de Direito, com precípua
finalidade voltada à obtenção de um estado de coisas que enseje
estabilidade, previsibilidade e calculabilidade dos atos, procedimentos ou
simples comportamentos estatais [...].3

Ora, tudo o que não houve aqui foi estabilidade, previsibilidade e


calculabilidade, porquanto o aumento foi imposto com um prazo extremamente
exíguo, e sem escalonamento. Portanto, a alteração drástica das tarifas, visando
pretensamente reequilibrar o contrato, pois justificada pela reposição da inflação
dos últimos doze anos, na verdade fez a balança pender em desfavor do usuário,
que, exatamente por ter passado seis anos pagando a tarifa de R$ 1,60, não
contava com um aumento, tanto menos com seu aumento em níveis tão
elevados e a ser implementado em tempo tão exíguo. Com isso, de uma hora
pra outra viu seu orçamento comprimido pelo peso dos aumentos represados.

Também o princípio da razoabilidade se mostra claramente afrontado,


porquanto repugna ao bom senso, à sensatez e à razão o repasse em uma vez
ao consumidor de um aumento represado durante doze anos. O princípio da
razoabilidade, que permite ao judiciário o controle de arbitrariedades e excessos
cometidos pela administração contra os administrados, é portanto, um princípio

3
MAFFINI, Rafael da Cás. Princípio da Proteção Substancial da Confiança no Direito Administrativo
Brasileiro. 253f. Tese (Doutorado em Direito). Faculdade de Direito, Universidade Federal do Rio Grande
do Sul, Porto Alegre, 2005, p. 48-9.

11
essencial no controle jurisdicional dos atos do podes público, porque permite a
superação da análise de aspectos puramente formais e avanço na utilização de
critérios valorativos.
É nesse sentido, então, que o ato da CBTU se mostra mais repugnante
ao mínimo senso de ponderação, de equilíbrio, de proporção, é dizer, de justiça,
já que, pelo menos desde Aristóteles a ideia de justiça é compreendida em
estreita consonância com a ideia de igualdade. É essa igualdade entre as partes
que foi pela imposição pela CBTU de um aumento tão elevado e de maneira tão
repentina e atropelada.
Tem-se, diante do exposto, pela afronta às regras de proteção ao
consumidor e aos princípios regentes da administração pública, inclusive à
moralidade administrativa, que constitui cláusula nula de pleno direito o
estabelecimento de vantagens exageradas ao prestador do serviço público,
considerando-se vantagens exageradas aquelas decorrentes do desequilíbrio
contratual, ainda que a pretexto de reequilibrá-lo, como é o caso, devido à forma
pela qual foram implementadas.
Trata-se, em verdade, de afronta a um direito subjetivo do usuário de um
serviço público que é vital, de uso frequente e contínuo – como é o caso do
transporte público – de não ser surpreendido com reajustes desproporcionais
concedidos inopinadamente.
Assim, o prazo de 4 (quatro) dias contado entre o anúncio da medida e
sua implementação mostra-se insuficiente para a reorganização financeira dos
usuários, e eiva de vício a medida, que se revela desleal e abusiva, pois
sobrecarrega o elo mais vulnerável na relação. Não é moral, razoável e
proporcional onerar ainda mais o cidadão, que tem sofrido reduções sistemáticas
em suas finanças e convivido com a fila do desemprego.
Há, portanto, irrefutáveis violências à Constituição Federal e a legislações
de regência, todas elas justificáveis para impor, definitivamente, a suspensão e
posterior anulação do ato praticado pela CBTU no âmbito do município de Recife.

DO PEDIDO LIMINAR

Por estarem presentes os requisitos do fumus boni juris e periculum in


mora, far-se-á necessária e devida a concessão de medida liminar.

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Com efeito, a ilegalidade do aumento já ficou claramente demonstrada, e
reside no fato de ter sido o reajuste feito de maneira totalmente arbitrária, em um
valor quase que extorsivo, e sem sequer um prazo minimamente razoável de
implementação, de modo que, assim, tal ato colide com as normas de defesa do
consumidor e diversos princípios do ordenamento, como os da
proporcionalidade, razoabilidade, boa-fé, confiança, moralidade, modicidade
tarifária, etc.
Já o perigo da demora na prestação jurisdicional reside no dano
irremediável que este abrupto aumento irá acarretar no bolso de inúmeras
famílias, a grande maioria de baixa renda, cujos integrantes utilizam o metrô. E
isso não apenas pelo nítido excesso no reajuste, mas, sobretudo, repita-se, pelo
fato de que, pegas de surpresa, sem tempo para se planejar, as famílias terão
seu orçamento seriamente comprometido.
Com efeito, a medida, que entrou em vigor ontem, 11 de maio, foi
anunciado no dia 07 de maio, com apenas 4 dias de antecedência. Esse atropelo
inviabiliza totalmente a adequação das famílias a essa nova realidade de
despesas com transporte, e isso está acarretando grandes dificuldades paras a
imensa maioria dos usuários, cujas economias são contadas, não havendo
“gordura” para cobrir esses novos gastos.
Registre-se, ainda, que a concessão dessa medida em caráter liminar, o
que protege as famílias, em nada irá agravar a situação da CBTU, que já se
mantém com as tarifas no patamar anterior há 06 anos, o que lhe dá plena
capacidade de garantir a continuidade do serviço durante o tempo em que for
discutido o mérito sem maiores transtornos. Tal não é o caso das pessoas
afetadas por esse aumento.
Desse modo, presentes todos os requisitos autorizadores da medida
liminar, espera-se que a mesma seja concedida, de modo a evitar maiores
prejuízos ao consumidor até que a CBTU, como é conforme ao bom-senso e,
sobretudo, ao direito, reedite a medida estabelecendo um escalonamento do
aumento, ou seja, que o mantenha, se assim for mesmo necessário, mas
implementando-o de maneira lenta e gradual, a fim de que o consumidor possa
dispor do tempo necessário para se adaptar à nova realidade.

5. CONCLUSÕES E PEDIDOS

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Ante o exposto, requer o autor:

1. A concessão da medida liminar inaudita altera pars tendo em vista a


suspensão da eficácia do ato administrativo manifestamente
ilegal referente ao aumento das tarifas cobradas pela Companhia
Brasileira de Trens Urbanos dos usuários do Metrô de Recife, de modo a
ficar mantido o valor atual da tarifa, de R$ 1,60, fixando multa diária em
caso de descumprimento.
2. A citação da CBTU após a concessão da liminar a fim de que apresente
sua contestação no prazo legal, se assim desejar.
3. No mérito, requer seja anulado o referido ato, porquanto afrontoso os
direitos do consumidor e diversos princípios da administração pública.
4. Seja a ré condenada ao pagamento das custas processuais e honorários
advocatícios.

Pretende provar o alegado por todos os meios de prova admitidos, em


especial pela juntada de matérias jornalísticas e novos documentos e cópia do
ato administrativo (que até o momento da propositura da ação não foi divulgado).

Dá-se a causa o valor de R$ 1.000,00 (mil reais) para efeitos fiscais.

Nestes termos,
Pede deferimento.

Recife, 12/05/2018.

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