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Antologia da lírica moderna

FRANCISCO SÁ DE MIRANDA (1481?-1558)

Comigo me desavim,
Sou posto em todo perigo;
Não posso viver comigo
Nem posso fugir de mim.

Com dor, da gente fugia,


Antes que esta assim crescesse:
Agora já fugiria
De mim, se de mim pudesse.
Que meio espero ou que fim
Do vão trabalho que sigo,
Pois que trago a mim comigo
Tamanho imigo de mim?

LUÍS DE CAMÕES (1524/25-1580)

Ao desconcerto do Mundo

Os bons vi sempre passar


No Mundo graves tormentos;
E pera mais me espantar,
Os maus vi sempre nadar
Em mar de contentamentos.
Cuidando alcançar assim
O bem tão mal ordenado,
Fui mau, mas fui castigado.
Assim que, só pera mim,
Anda o Mundo concertado.

CHARLES BAUDELAIRE

A uma passante (1857)

A rua, em torno, era ensurdecedora vaia.


Toda de luto, alta e sutil, dor majestosa,
Uma mulher passou, com sua mão vaidosa
Erguendo e balançando a barra da alva saia;

Pernas de estátua, era fidalga, ágil e fina.


Eu bebia, como um basbaque extravagante,
No tempestuoso céu do seu olhar distante,
A doçura que encanta e o prazer que assassina.

Brilho... e a noite depois! – Fugitiva beldade


De um olhar que me fez nascer segunda vez,
Não mais te hei de rever senão na eternidade?

Longe daqui! tarde demais! nunca talvez!


Pois não sabes de mim, não sei que fim levaste,
Tu que eu teria amado, ó tu que o adivinhaste!
(Trad. de Guilherme de Almeida)

Perfume exótico (1857)

Quando, cerrando os olhos, numa noite ardente,


Respiro a fundo o odor de teus seios fogosos,
Percebo abrir-se ao longe litorais radiosos
Tingidos por um sol monótono e dolente.

Uma ilha preguiçosa que nos traz à mente


Estranhas árvores e frutos saborosos;
Homens de corpos nus, esguios, vigorosos,
Mulheres cujo olhar faísca à nossa frente.

Guiado por teu perfume a tais paisagens belas,


Vejo um porto a ondular de mastros e de velas
Talvez exaustos de afrontar os vagalhões,

Enquanto o verde aroma dos tamarineiros,


Que à beira-mar circula e inunda-me os pulmões,
Confunde-se em minha alma à voz dos marinheiros.

(Trad. de Ivan Junqueira)

Uma carniça (1857)

Recorda o objeto vil que vimos, numa quieta,


Linda manhã de doce estio:
Na curva de um caminho uma carniça abjeta
Sobre um leito pedrento e frio,

As pernas para o ar, como uma mulher lasciva,


Entre letais transpirações,
Abria de maneira lânguida e ostensiva
Seu ventre a estuar de exalações.

Reverberava o sol sobre aquela torpeza,


Para cozê-la a ponto, e para,
Centuplicado, devolver à Natureza
Tudo quanto ali ela juntara.

E o céu olhava do alto a soberba carcassa


Como uma flor a se oferecer;
Tão forte era o fedor que sobre a relva crassa
Pensaste até desfalecer.
Zumbiam moscas sobre esse pútrido ventre,
De onde em bandos negros e esquivos
Larvas se escoavam como um grosso líquido entre
Esses trapos de carne, vivos.

Isso tudo ia e vinha, como uma vaga,


Ou se espalhava a borbulhar;
Dir-se-ia que esse corpo, a uma bafagem vaga,
Vivia a se multiplicar.

E esse mundo fazia a música esquisita


Do vento, ou então da água-corrente,
Ou do grão que, mexendo, o joeirador agita
Na joeira, cadenciadamente.

As formas eram já mera ilusão da vista,


Um debuxo que custa a vir,
Sobre a tela esquecida, e que mais tarde o artista
Só de cór consegue concluir.

Entre as rochas,inquieta, uma pobre cadela


Fixava em nós o olhar zangado,
À espera de poder ir retomar àquela
Carcassa pobre o seu bocado.

– E no entanto, hás de ser igual a esse monturo,


Igual a esse infeccioso horror,
Astro do meu olhar, sol do meu ser obscuro,
Tu, meu anjo, tu, meu amor!

Sim! tal serás um dia, ó tu, toda graciosa,


Quando, ungida e sacramentada,
Tu fores sob a relva e a floração viçosa
Mofar junto a qualquer ossada.

Dize então, ó beleza! aos vermes roedores


Que de beijos te comerão,
Que eu guardo a forma e a essência ideal dos meus amores
Em plena decomposição!
(Trad. Guilherme de Almeida)

CESÁRIO VERDE

Cristalizações (1878)

Faz frio. Mas, depois duns dias de aguaceiros,


Vibra uma imensa claridade crua.
De cócoras, em linha, os calceteiros,
Com lentidão, terrosos e grosseiros,
Calçam de lado a lado a longa rua.

Como as elevações secaram do relento,


E o descoberto Sol abafa e cria!
A frialdade exige o movimento;
E as poças de água, como em chão vidrento,
Refletem a molhada casaria.

Em pé e perna, dando aos rins que a marcha agita,


Disseminadas, gritam as peixeiras;
Luzem, aquecem na manhã bonita,
Uns barracões de gente pobrezita
E uns quintalórios velhos, com parreiras.

Não se ouvem aves; nem o choro duma nora!


Tomam por outra parte os viandantes;
E o ferro e a pedra – que união sonora! –
Retinem alto pelo espaço fora,
Com choques rijos, ásperos, cantantes.

Bom tempo. E os rapagões, morosos, duros, baços,


Cuja coluna nunca se endireita,
Partem penedos; cruzam-se estilhaços.
Pesam enormemente os grossos maços,
Com que outros batem a calçada feita.

A sua barba agreste! A lã dos seus barretes!


Que espessos forros! Numa das regueiras
Acamam-se as japonas, os coletes;
E eles descalçam com os picaretes
Que ferem lume sobre pederneiras.

E neste rude mês, que não consente as flores,


Fundeiam, como esquadra em fria paz,
As árvores despidas. Sóbrias cores!
Mastros, enxárcias, vergas! Valadores
Atiram terra com as largas pás...

Eu julgo-me no Norte, ao frio – o grande agente! –


Carros de mão que chiam carregados,
Conduzem saibro, vagarosamente;
Vê-se a cidade, mercantil, contente:
Madeiras, águas, multidões, telhados!

Negrejam os quintais, enxuga a alvenaria;


Em arco, sem as nuvens flutuantes,
O céu renova a tinta corredia;
E os charcos brilham tanto, que eu diria
Ter ante mim lagoas de brilhantes!

E engelhem muito embora, os fracos, os tolhidos,


Eu tudo encontro alegremente exato,
Lavo, refresco, limpo os meus sentidos.
E tangem-me, excitados, sacudidos,
O tato, a vista, o ouvido, o gosto, o olfato!

Pede-me o corpo inteiro esforços na friagem


De tão lavada e igual temperatura!
Os ares, o caminho, a luz reagem;
Cheira-me a fogo, a sílex, a ferragem;
Sabe-me a campo, a lenha, a agricultura.

Mal encarado e negro, um para enquanto eu passo;


Dois assobiam, altas as marretas
Possantes, grossas, temperadas de aço;
E um gordo, o mestre, com ar ralaço
E manso, tira o nível das valetas.

Homens de carga! Assim as bestas vão curvadas!


Que vida tão custosa! Que diabo!
E os cavadores descansam as enxadas,
E cospem nas calosas mãos gretadas,
Para que não lhes escorregue o cabo.

Povo! No pano cru rasgado das camisas


Uma bandeira penso que transluz!
Com ela sofres, bebes, agonizas;
Listrões de vinho lançam-lhe divisas,
E os suspensórios traçam-lhe uma cruz!

De escuro, bruscamente, ao cimo da barroca,


Surge um perfil direito que se aguça;
E ar matinal de quem saiu da toca,
Uma figura fina desemboca,
Toda abafada num casaco à russa.

Donde ela vem! A actriz que tanto cumprimento


E a quem, à noite, na plateia, atraio
Os olhos lisos como polimento!
Com seu rostinho estreito, friorento,
Caminha agora para o seu ensaio.

E aos outros eu admiro os dorsos, os costados


Como lajões. Os bons trabalhadores!
Os filhos das lezírias, dos montados:
Os das planícies, altos, aprumados;
Os das montanhas, baixos, trepadores!
Mas fina de feições, o queixo hostil, distinto,
Furtiva a tiritar em suas peles,
Espanta-me a atrizita que hoje pinto,
Neste Dezembro enérgico, sucinto,
E nestes sítios suburbanos, reles!

Como animais comuns, que uma picada esquente,


Eles, bovinos, másculos, ossudos,
Encaram-na, sanguínea, brutamente:
E ela vacila, hesita, impaciente
Sobre as botinas de tacões agudos.

Porém, desempenhando o seu papel na peça,


Sem que inda o público a passagem abra,
O demonico arrisca-se, atravessa
Covas, entulhos, lamaçais, depressa,
Com seus pezinhos rápidos, de cabra!

ANTÓNIO NOBRE (1891)

Não repararam nunca? Pela aldeia,


Nos fios telegráficos da estrada,
Cantam as aves, desde que o Sol nada,
E, à noite, se faz sol a Lua cheia.

No entanto, pelo arame que as tenteia,


Quanta tortura vai, numa ânsia alada!
O Ministro que joga uma cartada,
Alma que, às vezes, de além-mar anseia:

– Revolução! – Inútil. – Cem feridos,


Setenta mortos. – Beijo-te! – Perdidos!
– Enfim, feliz! –? –! – Desesperado. – Vem.

E as boas aves, bem se importam elas!


Continuam cantando, tagarelas:
Assim, António! deves ser também.

CAMILO PESSANHA

Violoncelo (ca. 1900)

Chorai, arcadas
Do violoncelo.
Convulsionadas.
Pontes aladas
De pesadelo...
De que esvoaçam,
Brancos, os arcos...
Por baixo passam,
Se despedaçam,
No rio os barcos.

Fundas, soluçam
Caudais de choro.
Que ruínas, ouçam…
Se se debruçam,
Que sorvedouro!

Lívidos astros.
Soidões lacustres...
Lemes e mastros...
E os alabastros
Dos balaústres!

? (1899)

Não sei se isto é amor. Procuro o teu olhar,


Se alguma dor me fere, em busca de um abrigo;
E apesar disso, crês? nunca pensei num lar
Onde fosses feliz, e eu feliz contigo.

Por ti nunca chorei nenhum ideal desfeito.


E nunca te escrevi nenhuns versos românticos.
Nem depois de acordar te procurei no leito,
Como a esposa sensual do Cântico dos cânticos.

Se é amar-te não sei. Não sei se te idealizo


A tua cor sadia, o teu sorriso terno...
Mas sinto-me sorrir de ver esse sorriso
Que me penetra bem, como este sol de inverno.

Passo contigo a tarde e sempre sem receio


Da luz crepuscular, que enerva, que provoca.
Eu não demoro a olhar na curva do teu seio
Nem me lembrei jamais de te beijar na boca.

Eu não sei se é amor. Será talvez começo...


Eu não sei que mudança a minha alma pressente...
Amor não sei se o é, mas sei que te estremeço,
Que adoecia talvez de te saber doente.

GOTTFRIED BENN

Bela juventude (1912)


A boca de uma moça que há muito jazia em meio aos juncos
parecia toda roída.
Quando abriram o peito, o esôfago era só buracos.
Acabaram achando num recanto em baixo do diafragma
um ninho de ratos jovens.
Uma das irmãzinhas pequenas morrera.
Os outros viviam do fígado e dos rins,
bebiam sangue frio e tinham
passado ali uma bela juventude.
E bela e pronta foi também a morte deles:
Foram jogados todos juntos na água.
Ah! Como os focinhinhos guinchavam!

AUGUSTO DE CAMPOS

O rei menos o reino (1949-1951)

Onde a Angústia roendo um não de pedra


Digere sem saber o braço esquerdo,
Me situo lavrando este deserto
De areia areia arena céu e areia.

Este é o reino do rei que não tem reino


E que – se algo o tocar – desfaz-se em pedra.
Esta é a pedra feroz que se faz gente
– Por milagre? de mão e palma e pele.

Este é o rei e este é o reino e eu sou ambos


Soberano de mim: O-que-fui-feito,
Solitário sem sol ou solo em guerra
Comigo e contra mim e entre meus dedos.

Por isso minha voz esconde outra


Que em suas dobras desenvolve outra
Que em forma de som perdeu-se o Canto
Que eu sei aonde mas não ouço ouvir.

Cidadecitycité (1963)

atrocaducapacaustiduplielastifeliferofugahistoriloqualubrimendimultiplicorganiperiodipl
atipublirapareciprorustisagasimplitenaveloveravivaunivoracidade
city
cité

Acesse em:
http://www2.uol.com.br/augustodecampos/cidadecitycite.htm

Tudo está dito (1974)

MAYER HAWTHORNE

Green eyed love (2009)

My love, my green eyed love


We'll watch the clouds from above
C'mon, lift me up

My love,my velvet rope


Take me away from it all
When I feel I can't cope
They say they say they say
You're no good for me
But I know I know that's a lie
And since I'm slow sometimes
I just don't know anymore
But I never want to say goodbye

My love, my green eyed love


You know when push comes to shove
I need you, you're in my blood

My love, unlawfully wed


Take me outside of it all
When I'm stuck in my head

My beautiful green eyed love


I'm always dreamin of
My beautiful green eyed love

Lift me up, my love


My green eyed love lift me up
They say they say they say
You're no good for me
That's a lie
They say they say they say
They say they say they say
You're no good for me
That's a lie

Acesse:

http://www.youtube.com/watch?v=PYVvNcAT84A

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