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Bazerman, Charles
Gênero, agência e escrita / Charles Bazerman ; Judith Chambliss
Hoffnagel, Angela Paiva Dionísio, (organizadoras) ; tradução e adaptação
Judith Chambliss Hoffnagel. - São Paulo: Cortez, 2006.
06-5835 CDD-410
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Gêneros não são apenas formas. Gêneros são formas de vida, mo-
dos de ser. São-frámes--para a ação social. Sã~ ~~bientes para a aprendi-
zagem. São os lugares onde-o-sentidOéCõnstrUído. O-sgêneros mol~
os pensamentos que formamos e as comunicações através das quais
interagimos. Gêneros são os lugares familiares para onde nos dirigimos
para criar ações comunicativas inteligíveis uns com os outros e são os
modelos que utilizamos para explorar o não-familiar.
Mas a paisagem simbólica que construímos para viver é precisa-
mente aquela que mais se ajusta a nós e aos outros com quem a compar-
tilhamos. Mesmo quando achamos que os gêneros aos quais estamos
habituados estão repletos de conflitos, disfunções ou até decepções, e
queremos buscar alternativas, tais gêneros ainda formam os hábitos dis-
cursivos e cognitivos que carregamos conosco.
Outras pessoas têm outros lugares que construíram, aos quais re-
gularmente se dirigem para interagir. Quando viajamos para novos do-
mínios comunicativos, nós construímos nossa percepção sobre eles com
base nas formas que conhecemos. Até mesmo os nossos propósitos e
desejos de participar daquilo que a nova paisagem parece nos oferecer
originam-se dos propósitos e desejos moldados em paisagens anteriores.
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~ O retr~to que fiz sob;e o pap~l do gênero como modelador da ativi-
. 'i--- dade educacional baseia-se nos desenvolvimentos da lingüística, da re-
~ fi-- tórica, da psicologia e da sociologia. Essas áreas de investigação consi-
deram gênero e outros conceitos correlatos diferentemente daquelas ofe-
recidas pela tradição literária. Essas formas alternativas diferem não
apenas nas ferramentas intelectuais e investigativas mobilizadas para
lidar com os gêneros, mas também na diversidade de gêneros conside-
rados.
Por quase dois séculos, gênero tem sido um termo importante nas
artes e na-crítica artística. A palavra, num primeiro momento, foi trazida
para a língua inglesa como referência a um tipo de pintura de cenas
rústicas, favorecidas pela academia francesa, para depois lançar-se no
âmbito da literatura e de outras artes. Apesar de o termo gênero ser, hoje,
amplamente utilizado para identificar as especificidades de vários tipos
de criações nas mais diversas esferas criativas, continua carregando con-
GÊNERO,AGÊNCIA E ESCRITA 2S
determinada situação como uma ocasião que exige uma carta de recla-
mação. Além disso, o reconhecimento do gênero tipifica as possíveis ações
e intenções sociais, uma vez que se percebe que uma carta de reclama-
ção é uma resposta possível a alguma injustiça nas relações comerciais.
As implicações dessa abordagem social de gênero vêm sendo ex-
ploradas ao situar o gênero dentro de teorias socioestruturais e sociopsi-
cológicas, observando o seu surgimento quanto às relações sociais regu-
larizadas, às instituições comunicativas e às práticas psicológicas social-
mente definidas (Bazerman, 1988). Isto é, os êneros, da forma como
são percebidos e usados pelos indivíduos, tomam-se parte de suas~-
Vções sociais padroni..:~d~s,de s~isagem :omunicat~a e~e sua orga-
nização cognitiva.
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As implicações sociais e psicológicas de gênero também têm sido
elaboradas em relação à teoria dos atos de fala e às considerações estru-
turacionistas de Bourdieu (1991),Giddens (1984)e Luhmann (1989).As
teorias estruturacionistas mostram como padrões mais amplos d~~-
ridades sociais são criados e m~;s-~avés dos muitos atos IDdiYi-
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a:Uâis-queestabelecem, reafirmam e modificam padrões e ex~ectativ;s.
Esses padrões oferecem espaços socia~ p~a os ~tos de fala, ass~ como'
definem as exigências para o sucesso de uma ação (Berkenkotter &
Huckin, 1994; Yates & Orlikowski, 1992). As explicações estruturacio-
nistas de gênero, portanto, nos oferecem os meios para a análise das
condições sociais e institucionais dos atos de fala propostos por Austin,
evitando-se as tendências abstracionistas e descontextualizadas da aná-
lise de Searle. Além disso, ao dispor espaços definidos sócio-historica-
mente, nos quais devemos falar de modo reconhecível e apropriado, os
gêneros apresentam ambientes ou habitats que nós percebemos e nos
quais agimos (Bazerman, 1994a e 1994b).
Os estudos históricos e etnográficos em diversos domínios têm pro-
curado utilizar essas abordagens lingüística, retórica e sociopsicológica
de gênero, incluindo, por exemplo, estudos da comunicação científica e
técnica, dos registros e diagnósticos na medicina e na veterinária, da
comunicação administrativa e política, e da educação em diferentes ní-
veis. (VerD. Atkinson, 1993,1999;Bazerman & Paradis, 1994;Blakeslee,
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GÊNERO. AGÊNCIA E ESCRITA 29 ~
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1992; Campbell & Jamieson, 1990; Casanave, 1995; Connor, 1994; ç'
Fahnestock, 1993; Freedman & Medway, 1994b; Freedman, 1993; ~ ~j
Hunston, 1988;Myers, 1990;Prior, 1991;Schryer, 1993;Smart, 1993;Yates, \.~
1989;Yates & Orlikowski, 1992.)Esses estudos examinam como os yá-;1 Q
rios lugares de trabalho e de int~ração-social são organizados em tomo d )J
ae-~onTuntos estruturã"~~sde gênero~, como a produção desses gêneros ~ ~
- . é parte essencial do trabalho e da interação nesses espaços, e como o fi }-
çy pensámento e o sentido são estruturados' p.as tare as realizadas pelos l!..
,":::, gêneros. Esses estudos aproximam os trabalhos em retórica, comunica-< :>d
ção e lingüística dos trabalhos em psicologia (ver Vygostsky, 1986),so- ~
ciologia (ver Luckmann, 1992; Luhmann, 1989) e antropologia (ver IJ
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