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CADERNOS IPPUR

Publicação semestral do Instituto de Pesquisa e Planejamento


Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro

Editor O CADERNOS IPPUR é um periódico


Henri Acselrad semestral, editado desde 1986 pelo Instituto
de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regio-
Con selh o Ed itorial nal da UFRJ. Dirige-se ao público acadêmico
Ana Clara Torres Ribeiro interdisciplinar formado por professores,
Henri Acselrad pesquisadores e estudantes interessados na
Pedro Abramo Campos compreensão dos objetos, escalas, atores e
Rosélia Perissé Piquet práticas da intervenção pública nas dimen-
sões espaciais, territoriais e ambientais do
Consel ho Cien tífico desenvolvimento econômico-social. É dirigi-
do por um Conselho Editorial composto por
Aldo Paviani ( UNB )
Berta Becker ( UFRJ ) professores do IPPUR e tem como instância
Celso Lamparelli ( USP ) de consultação um Conselho Científico inte-
Inaiá Carvalho ( UFBA ) grado por destacadas personalidades da pes-
Leonardo Guimarães ( FIJN ) quisa urbana e regional do Brasil. Acolhe e
Lícia do Prado Valladares ( IUPERJ ) seleciona artigos escritos por membros da
Maria Brandão ( UFBA ) comunidade científica em geral, baseando-
Maurício de Almeida Abreu ( UFRJ ) se em pareceres solicitados a dois consulto-
Milton Santos ( USP ) res, um deles obrigatoriamente externo ao
Neide Patarra ( UNICAMP ) corpo docente do IPPUR. Os artigos assina-
Roberto Smith ( UFCE ) dos são de responsabilidade dos autores, não
Tânia Bacelar de Araújo ( UFPE ) expressando necessariamente a opinião do
Wrana Maria Panizzi ( UFRGS ) corpo de professores do IPPUR.

IPPUR / UFRJ
Prédio da Reitoria, Sala 543
Cidade Universitária / Ilha do Fundão
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CADERNOS IPPUR
Ano XIII, N o 1
Jan- Jul 1999
Indexado na Library of Congress (E.U.A.)
e no Índice de Ciências Sociais do IUPERJ.

Cadernos IPPUR/UFRJ/Instituto de Pesquisa e Planeja-


mento Urbano e Regional da Universidade Federal
do Rio de Janeiro. – ano 1, n.1 (jan./abr. 1986) –
Rio de Janeiro : UFRJ/IPPUR, 1986 –

Irregular.
Continuação de: Cadernos PUR/UFRJ
ISSN 0103-1988

1. Planejamento urbano – Periódicos. 2. Planejamen-


to regional – Periódicos. I. Universidade Federal do Rio
de Janeiro. Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano
e Regional.

Apoio
EDITORIAL
Convencionamos chamar de fronteira a região onde há indistinção, ambigüidade e
incerteza. Nela a contemporaneidade de tempos históricos configura uma unidade
do diverso. A fronteira existe em relação a alguma outra coisa, definindo-se como
enlace entre zonas estruturadas e não-estruturadas, entre a ordem e a desordem, o
velho e o novo. A fronteira extrai sua virtualidade histórica do jogo recíproco entre
o articulado e o não-articulado, entre a estrutura e a não-estrutura. Não se trata,
porém, de espaços vazios, sem história, “não-lugares”, mas sim de locus efetivos de
transformações socioterritoriais. Essas transformações são o objeto central do pre-
sente número do C ADERNOS IPPUR. Na fronteira desmaterializada do valor, vere-
mos como se desenvolvem as formas renovadas de reprodução/expansão do capital
financeiro. A aceleração dos ritmos da acumulação não deixará de redefinir, no
entanto, também a fronteira histórica e material da construção das formas urbanas
nas periferias do capitalismo. Fronteiras conceituais e simbólicas, por fim, estarão
sendo igualmente experimentadas nas formas de pensar e representar as cidades:
metáforas econômicas poderosas estão sendo acionadas para redesenhar as condi-
ções do exercício dos processos decisórios em política urbana. A discussão de uma
urbanização de fronteira nos conduz necessariamente às fronteiras do urbanismo.

O crescimento em espiral dos movimentos financeiros gera um “espaço dos fluxos” –


“infovia” do valor com geografias singulares configuradas nos locais de emissão e
recepção dos fluxos. Os lugares não deixam, porém, de abrigar regulações políticas
e dinâmicas decisórias financeiras, de exprimir as contradições socioespaciais de
uma geometria do poder, as diferenças geográficas da construção socioespacial das
moedas que servem ao desenvolvimento desigual global.

Pois o dinheiro move o mundo do crédito globalizado através de um espaço hetero-


gêneo, onde a pluralidade de lugares é significativa. Identificar as tensões da diferença
histórico-geográfica na fronteira de expansão do capital financeirizado significa identi-
ficar o modo como agentes, instituições e estruturas concorrem para a produção
dos territórios. Uma teoria dos sistemas evolutivos complexos é assim evocada para
dar conta das redes de conexão de cidades diferenciadas em regiões de fronteira de
povoamento. Nos núcleos urbanos modernizados, as teorias procurarão captar as
articulações de dinâmicas inovadoras nos sistemas locais de produção, ante a crise
dos mercados urbanos do emprego, da moradia, da provisão de serviços sociais.
Veremos que a crise do fordismo lega-nos elos de análise ainda insuficientemente
configurados em suas implicações para a democracia local e a gestão dos conflitos
urbanos, mas, sobretudo, para a redefinição das bases de um planejamento compro-
metido com a construção democrática.
CADERNOS IPPUR

Ano XIII, N o 1 SU MÁ R IO
Jan- Jul 1999
Resumos e Abstracts , 7
Atualidade Analítica , 15
CO LABO RARAM NESTE NÚMERO
Erik Swingedouw, 17
Alfredo Wagner Berno de Almeida Produciendo Futuros: el sistema financiero
Ana Cristina Fernandes como proyecto geográfico
Célio Bermann
Fania Fridman Artigos , 49
Flávio Villaça Jan G. Lambooy,
Frederico G. Bandeira de Araujo Frank Moulaert, 51
Glauco Arbix La Organización Económica de las
Lilian Fessler Vaz Ciudades: una perspectiva institucional
Luciana C. do Lago Rainer Randolph, 83
Lúcia Maria M. Bógus
O Planejamento Comunicativo entre as
Perspectivas Comunitarista e Liberal: há
Milton Campanário uma “terceira via” de integração social?
Paulo Estevão M. dos Santos Lia Osorio Machado, 109
Sueli Schiffer Urbanização e Mercado de Trabalho na
Amazônia Brasileira

ASSIST ENT E DE CO ORDENAÇ ÃO


Pesquisas , 139
Dulce Portilho Maciel Fabricio Leal de Oliveira, 141
A Metáfora Cidade-Empresa no
SEC R ET ÁR I A Planejamento Estratégico de Cidades
Jussara Bernardes Chélen Fischer de Lemos, 163
Audiências Públicas, Luta Social e
REVISÃO DE PORTUGUÊS Participação Democrática
Claudio Cesar Santoro Wilhelm Meiners, 185
Novo Ciclo de Investimentos da Indústria
PROJETO GRÁFIC O E EDITORAÇÃO
Automobilística no Brasil e seus
Claudio Cesar Santoro Desdobramentos Regionais
PROJETO GRÁF ICO DA CAPA Resenhas , 215
André Dorigo Rosélia Piquet, 217
Lícia Rubinstein Cidade-Empresa
ILUSTRAÇÃO DA CAPA
Presença na paisagem urbana brasileira
(por Leila Christina Dias)
Saneamento da Baixada Fluminense, Paul Krugman, 221
IHGB, 1913. Pesquisa de Leonardo Desarrollo, Geografía y Teoría Económica
Jefferson Fernandes (por Neio Campos)
Resumos Abstracts

Erik Swingedouw

Produzindo Futuros: o sistema Producing Futures: the financial


financeiro como projeto geográfico system as a geographic project

O crescimento espetacular dos mercados The spectacular growth of the interna-


financeiros internacionais está condicio- tional financial markets is profoundly
nando profundamente a economia e a conditioning global economy and geog-
geografia globais. Os movimentos finan- raphy. The financial movements estab-
ceiros realizados nos mercados de divisas lished at the exchange, obligations and
e nas bolsas, nos mercados de obrigações stock markets, as well as at the growingly
e nos cada vez mais habituais novos mer- important swaps, future and option mar-
cados de swaps, de futuro, de opções e kets and other similar instruments circu-
demais instrumentos derivados, circulam late all over the world, searching for fiscal
por todo o mundo na busca de paraísos paradises, special insurances and specu-
fiscais seguros, de garantias subsidiárias lative profits. In this process, these move-
e de lucros especulativos. Nesse processo, ments affect local and global financial
esses movimentos afetam as condições flows producers and receptors. Yet locali-
tanto globais como locais dos emissores ties act as temporary receptacles of
e receptores dos fluxos. Ainda que as lo- money and other forms of value,the
calidades atuem como depositários tem- money flows itselves, in its geography,
porários do dinheiro e de outras formas are those that define the meaning of
de valor, são os fluxos de dinheiro, em money as value. This paper tries to clarify
sua geografia, que definem e circunscre- the character of money as object(place)
vem o significado da moeda como valor. and process(space), given the changes
Neste artigo, tenta-se esclarecer o caráter observed in the global financial econo-
do dinheiro como objeto (lugar) e proces- my during the last decades. To do so,
so (espaço) à luz das mudanças ocorridas we analyse the intense historical-geogra-
na economia financeira global durante phical process where differences, ten-
as últimas décadas. Para isso, analisa-se sions and socio-spatial contradictions are
o intenso processo histórico-geográfico reciprocally determined through the
em que as diferenças, as tensões e as profound restructuring of geographical

Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XIII, No 1, 1999, p. 7-13


8 Resumos / Abstracts

contradições socioespaciais se autodeter- landscapes, through the destruction and


minam através de uma profunda reela- devaluation of huge value reserves as
boração e reestruturação das paisagens well as of people living conditions.
geográficas, da destruição e desvaloriza-
ção de grandes reservas de valor e, o que
é mais grave, das condições de vida dos
seres humanos.

Palavras-chave : sistemas financeiros, Keywords: financial systems, moneta-


fluxos monetários, geografia financeira ry flows, financial geography

Jan G. Lambooy, Frank Moulaert

A Organização Econômica The Economic Organization


das Cidades: uma perspectiva of the Cities: an institutional
institucional perspective

O artigo apresenta uma avaliação do This paper assesses the explicative pow-
poder explicativo das teorias neo-insti- er of the neo-institutionalist theories of
tucionalistas da organização e da desorga- the economic organization and disorga-
nização econômica das cidades e propõe nization of cities, stating some institu-
alternativas institucionalistas (evolutivas tionalist (evolutionist or regulationist)
ou regulacionistas) a essas teorias. Tendo alternatives to these theories. The text
por referência as teorias econômicas neo- makes reference to the neoinstitution-
institucionalistas tal como as define alist economic theories as defined by Eg-
Eggertsson, ou seja, o pensamento de gertsson, that is, the neoclassical tradition
tradição neoclássica, suavizado em suas modified by a more moderate reference
hipóteses de ausência de restrições insti- to the hypothesis of absence of insti-
tucionais no comportamento econômico, tutional restrictions to the economic
de informação perfeita e de intercâmbio behaviour, perfect information and ab-
sem custos, examinam-se inicialmente as sence of transactions costs. First, the text
conseqüências dos custos de transação examines the consequences of positive
positivos. Na segunda parte, resumem- transaction costs. Second, it resumes the
se as principais mudanças contempo- main contemporary changes in the eco-
râneas na organização econômica das nomic organization of cities, with spe-
cidades, com especial atenção aos se- cial attention to the growing importance
guintes aspectos: o crescimento dos servi- of professional services; the information-
ços profissionais; a cidade informacional; al city; the transactional city; the city as
a cidade transacional; a cidade como base of knowledge serving the innova-
base de conhecimentos para as ativida- tive activities of industry and services; the
Cadernos IPPUR 9

des inovadoras industriais e de serviços; network-city and the urban network.


a cidade-rede e as redes urbanas. Na ter- Third, we analyse the transactional and
ceira parte, analisam-se a cidade tran- network-city through the neoinstitution-
sacional e a cidade-rede a partir da alist economic explanations of the main
economia neo-institucionalista, que ex- principles of organizational dynamics of
plica alguns dos princípios gerais que sub- urban economies such as activities inter-
jazem às dinâmicas organizativas da nalization and externalization, markets
economia urbana, tais como a interna- specialization, structures decentralization
lização/externalização de atividades, a and networks production with its spatial
especialização de mercados, a descen- models. Forth, we present some indica-
tralização de estruturas organizativas, as tions as to how to get a better neoinsti-
configurações de redes e seus modelos tutionalist analysis of the urban economic
espaciais. A quarta parte apresenta al- system. Finally, we suggest that with a
gumas indicações acerca do modo como more integrated analysis of the urban
se pode melhorar a análise neo-insti- economy, stressing the institutional dy-
tucionalista do sistema econômico urba- namics of economic processes, it will be
no. Finalmente, sugere-se que com uma possible to identify, in the cities, non-
análise mais integrada da economia reductionist relations to social and polit-
urbana, baseada em uma leitura mais ical dynamics.
ampla das dinâmicas institucionais dos
processos econômicos, é possível captar
nas cidades relações não-reducionistas
com dinâmicas sociais e políticas.

Palavras-chave : economia urbana, Keywords: urban economics, neo-ins-


teorias neo-institucionalistas, custos de titutionalist theories, transaction costs
transação

Rainer Randolph
O Planejamento Comunicativo The Communicative Planning
entre as Perspectivas Comunita- between the Communitarian and
rista e Liberal: há uma “terceira Liberal Perspectives: is there a
via” de integração social? “third way” to social integration?

Ao contrário dos modelos tradicionais de Unlike the traditional models of plan-


planejamento e em oposição a propostas ning and in opposition to recent pro-
recentes – como a do chamado planeja- posals - as that of the so called strategic
mento estratégico –, o planejamento planning -, the communicative planning
comunicativo busca uma complexa arti- looks for a complex articulation with the
culação com os poderes sociais, políticos social, political and administrative pow-
10 Resumos / Abstracts

e administrativos, a partir da formação ers starting from the (autonomous) for-


autônoma de um poder oriundo das mo- mation of a communicative power
bilizações de comunidades comunicativas which originates from communities’
e dos consentimentos ali alcançados. O mobilizations and consents. This kind of
presente texto sustenta que o planeja- planning seeks to surpass the limitations
mento comunicativo procura ultrapassar of communitarian (republican) ways of
tanto as limitações de formas comunita- politics and participative planning, as well
ristas de política e de planejamento par- as those of the liberal perspective of the
ticipativo quanto as da perspectiva liberal State with its instrumentalistic, strategic
do Estado com sua apropriação instru- appropriation of the planning process.
mentalista-estratégica do planejamento. This text suggests that the largest chal-
Assinala também como desafio maior lenge for this project is to transform the
para esse projeto o de transformar o cír- vicious circle among the lack of democ-
culo vicioso entre falta de democracia e racy and the low levels of political (com-
baixa mobilização política em um círculo municative) mobilization into a virtuous
virtuoso através da luta por melhores circle through the struggle for better con-
condições de sua realização. ditions of its achievement.

Palavras-chave : planejamento comu- Keywords : communicative planning,


nicativo, participação, integração social participation, social integration

Lia Osorio Machado

Urbanização e Mercado de Urbanization and Labor Market in


Trabalho na Amazônia Brasileira Brazilian Amazon Region

O artigo apresenta uma descrição do This article attempts to describe the ur-
processo de urbanização na Amazônia banization process in the Brazilian Ama-
brasileira em três momentos, caracteri- zon region in different moments, each
zados por dinâmicas distintas de povoa- one presenting a different settlement
mento. Alguns aspectos das relações dynamics. Some of the conexions be-
entre urbanização e mercado de traba- tween urbanization and the labor mar-
lho são abordados em cada período, ket are explored, with emphasis on
com ênfase no período atual. Três noções current tendencies. The description was
básicas orientaram o trabalho: a) a evo- built on three basic notions: a) the non
lução não-linear da urbanização e das linear evolution of cities and urbaniza-
cidades; b) o vínculo entre urbanização tion; b) the link between urbanization
e sistema de povoamento; c) a subordi- processes and settlement systems; c) the
nação da ordem construída do sistema subordination of organized, deliberate
de povoamento à ordem espontânea order in the settlement system to a spon-
Cadernos IPPUR 11

dos mercados (de terras, de trabalho, taneous market order (of land, labor
de dinheiro). and money).

Palavras-chave : urbanização, mercado Keywords: Amazon Region, settlement


de trabalho, fronteira de povoamento dynamics, frontier urbanization

Fabricio Leal de Oliveira

A Metáfora Cidade-Empresa The Company-City Metaphor in City


no Planejamento Estratégico de Strategic Planning
Cida des

Este artigo aborda o planejamento estra- This article approaches city strategic
tégico de cidades a partir dos significados planning through the meanings which
que emergem da afirmação contempo- come up from contemporary assertion
rânea da metáfora cidade-empresa. São of company-city metaphor. There are
identificados, nas práticas e discursos identified, in contemporay practices
contemporâneos, elementos que reve- and discourses, the elements which
lam uma submissão da política urbana unveil urban politics submission to ef-
à performance eficaz e, portanto, à téc- fective performance, therefore, to tech-
nica. Não só os mesmos diagnósticos e nique. Not only the same diagnosis and
meios para a integração competitiva no means to competitive integration into
mundo globalizado são enunciados e globalized world are enunciated and
defendidos por autores de diversas defended by authors from different
origens, como os próprios vocabulários origins, but the vocabulary itself used
desses autores celebram palavras e ex- by these authors is made of words and
pressões-chave que reafirmam, pela re- expressions which restate, through
petição exaustiva, o que constituiriam exhaustive repetition, prescriptions to
receitas para as cidades. No planeja- cities. In the city strategic planning and
mento estratégico de cidades e na afir- in the company-city metaphor what is
mação da metáfora cidade-empresa, o important is not to try to understand
que está em jogo não é procurar com- what is a city, nor what could be called
preender o que é a cidade, nem estabe- a fair city, but what makes a city more
lecer o que seria uma cidade justa, mas effective in economic competition.
determinar o que torna uma cidade
mais eficaz na competição com seus con-
correntes.

Palavras-chave : planejamento estraté- Keywords: strategic planning, metaphor,


gico, metáfora, discurso econômico economic discourse
12 Resumos / Abstracts

Chélen Fischer de Lemos

Audiências Públicas, Luta Social Public Hearings, Social Struggles


e Participação Democrática and Democratic Participation

O texto analisa a participação da socie- The text analyzes the participation of


dade na discussão e tomada de decisão society in the discussion and decision
em processos de licenciamento ambien- making concerning the licencing process
tal de empreendimentos potencialmente of environmental potentially damaging
causadores de degradação ambiental, enterprises, through the study of an
através do estudo de um mecanismo institutional mechanism of participation:
institucional de participação: as audiên- the public hearings. The article discusses
cias públicas. O trabalho discute alguns some aspects of the accomplishment
aspectos do processo de realização das process of the public hearings, trying to
audiências públicas, procurando escla- illuminate its meanings for the different
recer seus significados para os diversos agents involved in the social struggles
agentes envolvidos nas lutas sociais as- associated to two hydroelectric plants
sociadas aos grandes empreendimentos, projects in Southern Brazil.
a partir dos casos de duas usinas hidre-
létricas localizadas na região Sudeste do
Brasil.

Palavras-Chave : audiências públicas, Keywords: public hearings, participa-


participação, luta social, licenciamento tion, social struggles, environmental li-
ambiental. cencing

Wilhelm Meiners

Novo Ciclo de Investimentos da The New Cycle of Automotive


Indústria Automobilística no Industry Investments in Brazil
Brasil e seus Desdobramentos and its Regional Implications
Regionais

O presente texto aborda o recente ciclo The text treats the recent cycle of auto-
de investimentos automobilísticos na motive investments in the Brazilian econ-
economia brasileira, com ênfase nos fa- omy focusing on its main factors: the
tores que o conduziram, como a evolu- Brazilian automotive market’s evolution
Cadernos IPPUR 13

ção do mercado brasileiro nos anos 90, in the 90’s; the automotive system set-
a implantação do regime automotivo, a ting up; the foreign investment that has
retomada do investimento externo no taken up again in this sector; and the
setor e a competição na disputa regio- inter-regional competition for the new
nal pelas novas plantas automotivas. O automotive plants. This factors are dis-
trabalho pretende discutir as forças que cussed as significant forces acting in the
impulsionaram esse ciclo de investimen- context of the “fiscal war” established
tos no contexto da guerra fiscal estabe- among regions in order to attract the
lecida entre as regiões para a atração automotive industries.
das montadoras.

Palavras-chave : indústria automobilís- Keywords : automotive industry, re-


tica, desenvolvimento regional, compe- gional development, inter-regional com-
tição inter-regional petition
Atualidade Analítica
Produciendo Futuros:
el sistema financiero como
proyecto geográfico

Erik Swyngedouw

Los movimientos especulativos en los mercados financieros


internacionales son como el SIDA de nuestras economías.

Jacques Chirac, junio de 1995

Dinero, dinero, dinero

Los flujos financieros en la dos de divisas y en las bolsas, en los


economía global mercados de obligaciones y en los, cada
vez más habituales, nuevos mercados de
Hoy, como cualquier otro día, mas de swaps, futuros, opciones y otros instru-
un billón de dólares estadounidenses mentos derivados más complejos. Estos
circularán alrededor del mundo de un flujos circulan por todo el mundo en
lugar a otro. De todo ese dinero, tan sólo busca de paraísos fiscales seguros, garan-
cerca del 10% se utilizará en transac- tías subsidiarias y ganancias especulati-
ciones comerciales internacionales. La vas. Su monto implicado supera en
mayor parte corresponde a movimien- muchas veces el valor total de los bienes
tos financieros realizados en los merca- y servicios producidos por la economía

Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XIII, N o 1, 1999, p. 17-47


18 Produciendo Futuros: el sistema financiero como proyecto geográfico

mundial. Por ejemplo, sólo en los mer- carteras de inversión, como los fondos
cados de divisas, la cantidad neta diaria de pensiones (véase Clark, 1993b), están
que circulaba en 1992 era de 900 mil estrechamente relacionadas con esta eco-
millones $USA, alrededor de 12 veces nomía de “casino”, como Strange (1986)
más que el PIB total de los países de la de forma tan acertada la describió.
OCDE sobre una base anualizada. Las
transacciones realizadas en el mercado Las devaluaciones y apreciaciones
internacional de capitales varían entre de las monedas resultan, a menudo, de
el 135% del PIB en EE.UU. y el 1000% una intensa actividad especulativa, tal y
en Gran Bretaña (BIS, 1994, pg. 174- como ocurrió en septiembre de 1992
175). cuando la libra esterlina se vio forzada a
abandonar el mecanismo de tipos de
Desde una perspectiva geográfica, cambio europeo, y también afectan a la
estos flujos son, por supuesto, eminente- vida diaria de forma importante, algunas
mente espaciales. Se mueven de un sitio veces acabando con cantidades consi-
a otro y, durante el proceso, afectan a derables de riqueza y valor potencial a
las condiciones “locales” de los extremos golpe de unas pocas teclas de ordenador.
emisor y receptor del flujo. Los momen- La espectacular quiebra virtual del con-
tos y casos de estos “espacios de flujos”, dado de Orange (el condado con la
a los que Castells (1989) concede gran renta media más elevada de EE.UU.)
importancia, generan geografías singu- en diciembre de 1994, cuando no pudo
lares y diferenciadas. Además, estos refinanciar su fondo de inversión, fuerte-
confieren una forma y una distribución mente apalancado, con que sus gestores
geográfica a las redes de telecomunica- de cartera habían apostado equivoca-
ciones y a las autopistas de la información damente en el mercado de futuros, cos-
que vinculan a los mercados financieros tará a los contribuyentes unos 2 mil
en una red densa y compleja de sistemas millones de $USA, según las estimacio-
de transacciones que operan las 24 nes, y reducciones y recortes en la pro-
horas del día (Thrift, 1986; Warf, 1989). visión de servicios sociales, ambientales
y educativos durante años (The Orange
Por tanto, no es preciso indicar que County Register, 7 de diciembre, 1994).
la economía global se encuentra profun-
damente afectada por este crecimiento Por supuesto, los lugares no son
en espiral de los mercados financieros in- meros receptores pasivos que se amol-
ternacionales. Pero es evidente que estas dan a los caprichos de los flujos moneta-
condiciones del sistema financiero inter- rios. Por el contrario, las configuraciones
nacional no sólo afectan a las configura- locales específicas de autorización y de-
ciones geográficas globales y a las sautorización social y su dinámica juegan
tensiones político-económicas, sino que un papel decisivo. Las políticas regula-
también influyen e, incluso, determinan doras nacionales, las características de
el entorno diario y las perspectivas de los centros financieros locales, el funcio-
cada uno de nosotros. Por ejemplo, las namiento de la economía nacional, etc.
Erik Swyngedouw 19

participan de forma notable en la con- El dinero parece contener o simbo-


formación de la geografía de las finanzas lizar muchas cosas y procesos. En rea-
globales. lidad, algunas personas afirman que
todos estos significados del dinero son
Sin embargo, aunque las localizacio- fundamentales para su funcionamiento
nes actúan como depositarios (tempo- en una sociedad capitalista (Harvey,
rales) del dinero y de otras formas de 1982). En primer lugar, el dinero es, cla-
valor, son los flujos de dinero sobre la ramente, un recipiente de algún tipo de
geografía los que definen y circunscriben valor. Con él, uno puede comprar palo-
el significado del dinero como valor. Mi mitas, casas, sexo y otras cosas más o
objetivo es aclarar este carácter objeto menos deseables. En segundo lugar, el
(lugar)/proceso (espacio) del dinero a dinero también es una forma universal
la luz de los cambios acaecidos en la eco- de medida en el sentido de que la mayor
nomía financiera global durante las últi- parte de las cosas se pueden expresar e
mas décadas. En este artículo, analizaré intercambiar a través de él. Estas carac-
la forma en que las tensiones y las con- terísticas proporcionan al dinero una
tradicciones se extienden en y a través cierta cualidad relativa, puesto que el
de la organización espacial y de la rees- valor de las cosas no se mantiene a lo
tructuración geográfica de las finanzas largo del tiempo y cambia a través del
globales. Se trata de un intenso proceso espacio. Sin embargo, en un momento
histórico-geográfico, en el que las dife- y lugar dados, el dinero también podría
rencias, las tensiones y las contradiccio- representar un valor absoluto. En tercer
nes socio-espaciales se autodeterminan lugar, también existe el objeto llamado
a través de una profunda reelaboración dinero. En estos momentos, con 100
y reestructuración de los paisajes geográ- dólares podría comprar muchas cosas
ficos, de la destrucción y devaluación de deseables en Nueva York pero con 100
grandes reservas de valor y, lo que es rublos rusos no conseguiría nada en
más grave, a menudo a expensas del Times Square. Esta circunstancia nos
sufrimiento humano. alerta sobre una interesante paradoja.
El dinero parece ser absoluto y relativo
El dinero mueve el mundo al mismo tiempo; su significado se obtie-
ne del proceso de intercambio dinero/
El dinero es algo extraño. Algunos bienes aunque, sin duda, distintas for-
observadores tienen dudas acerca de si, mas de dinero también existen como
después de todo, el dinero es realmente objetos por sí mismos.
un objeto. Altvater (1993) afirma que
el dinero sólo tiene sentido como parte Con todo, el dinero no es tan sólo
de un proceso continuo de circulación el aceite que lubrica la economía faci-
y transformación. Es el flujo de transfor- litando la compra y venta de bienes.
maciones que tienen lugar a lo largo del Todos somos perfectamente conscientes
camino lo que aporta significado y con- del poder y el valor de esos objetos de
tenido a ese objeto llamado dinero. papel o metal que estan en nuestras
20 Produciendo Futuros: el sistema financiero como proyecto geográfico

carteras. De hecho, el dinero nos per- quiebra del Barings, el banco de nego-
mite almacenar valor y acumular rique- cios británico más antiguo, expuso per-
za. Uno comienza con dinero e intenta fectamente (The Economist, 4 de marzo
terminar con más valor acumulado. Este 1995; Tickell, 1995). Así, estos caprichos
intrincado y casi místico proceso sólo de los mercados monetarios sugieren
puede llevarse a cabo convirtiendo el que, quizás, el dinero no es un recipiente
dinero en algo más, esto es, en otros de valor tan fiable como a menudo su-
bienes aunque, por supuesto, el objeto p on emos.
de estos intercambios puede ser otra
clase de dinero (por ejemplo, oro por El dinero también está estrecha-
dólares o dólares por libras). Esta trans- mente relacionado con el crédito. Los
formación muestra el vínculo entre la bancos conceden préstamos (a los es-
circulación del dinero y el movimiento tados, las empresas y los particulares),
del trabajo, los medios de producción especulando sobre el éxito de alguna
como maquinaria, carreteras y similares, empresa futura. Esto es precisamente lo
los recursos y la naturaleza (véase que el sector financiero ha hecho tradi-
Cronon, 1991). cionalmente. Los bancos reúnen gran-
des sumas de dinero y conceden créditos
Por otro lado, el dinero es mucho que los prestatarios deberán devolver
más que ese instrumento de circulación, con intereses. Por supuesto, esto depen-
un depósito de valor y un mediador en de de que el uso futuro tenga éxito, lo
el proceso de interacción entre sociedad cual no puede garantizarse de forma
y naturaleza. Aunque representa cierto alguna. La reciente utilización de la fi-
tipo de valor, facilitando el intercambio nanciación Ponzi y la megalomanía de
y permitiendo la acumulación, el dinero los bonos basura durante los ochenta
es, en última instancia, un trozo de papel asociaron las operaciones arriesgadas y
o de metal o, en los últimos años, una fuertemente especulativas a las expecta-
serie de bits y bytes que atraviesan a toda tivas de rápidos beneficios. Sin embargo,
velocidad las autopistas de la informa- cuando la deuda aumentó, el dinero se
ción, lo que, en esencia, le proporciona devaluó o los tipos de interés se dispa-
un carácter ficticio y lo convierte en algo raron, esta burbuja especulativa explotó
intrínsecamente especulativo (Harvey, y tuvo dramáticas consecuencias sociales
1982). Donde quiera que lo almacene- y políticas.
mos o lo movamos, contamos con que
mañana o al año siguiente todavía De todo ello se podría extraer otra
podremos intercambiarlo por cosas de- paradoja. No podemos imaginar la vida
seables y de que mantendrá, o preferi- sin dinero; es impensable una economía
blemente aumentará, su valor cuando integrada con mercados globales en la
aparezca de nuevo al final de la línea de que el dinero no intervenga en las inter-
flujo. Esta es una apuesta que, a menu- minables transacciones que dan cierta
do, no está en absoluto garantizada clase de coherencia a la sociedad de
como, por ejemplo, en el caso de la mercado. En esencia, la producción, el
Erik Swyngedouw 21

comercio, el intercambio y las inversio- ción, del capitalista al trabajador, de


nes confían en la existencia de algún tipo Londres a Katmandú, de hoy a maña-
de dinero seguro. Por otro lado, el creci- na. Debido a esta configuración socio-
miento futuro depende fundamental- espacial, el dinero es uno de los más
mente del dinero en forma de crédito, poderosos signos de un mundo en un
a pesar de que la circulación del dinero cambio casi continuo (Simmel, 1979;
sea, a menudo, incierta, volátil y muy Harvey, 1985). Sin embargo, no se trata
impredecible. Lo que hoy nos permite sólo de un signo o de una metáfora listo
comprar comida y nos proporciona las para un examen no constructivo. El di-
bases para el crecimiento futuro, mañana nero también incorpora ante todo un
puede carecer de valor. poder corporal directo (Shilling, 1993).
El hambre en Sudán o en el refugio para
Aún no hemos terminado con las los sin techo del South Bank en Londres,
múltiples y, por lo que hemos visto hasta la situación de los desempleados o las
el momento, conflictivas características del cumbres políticas y económicas mues-
dinero. También constituye una forma de tran el poder del dinero tanto a través
relación entre la gente. Las relaciones de su vertiente más represiva, violenta
sociales delimitan y, en última instancia, y subordinada, como de su capacidad
transforman los muchos (y, a menudo, para proporcionar poder y libertad.
controvertidos) significados del dinero, así Emerge así otra paradoja. El carácter
como la determinación de su valor. El social del dinero lo convierte en un ins-
dinero es una expresión de las relaciones, trumento de represión para algunos y
constituidas por su paso de mano a en un gran poder y control para otros.
mano. No hay duda de que el poder so- De nuevo, esto gira sobre la espacialidad
cial está asociado a la cantidad de dinero y la geografía social del proceso mone-
disponible en la cuenta corriente. Por otro tario.
lado, el éxito de un préstamo depende
de la realización de alguna forma futura El análisis de esta espacialidad ine-
de actividad y de trabajo. Así, el dinero vitable del dinero nos podría llevar por
yace en el centro de la “geometría del un camino bastante largo intentando
poder” de las relaciones socio-espaciales resolver la coreografía de la economía
y de su compleja red de relaciones de mundial y su dinámica. Sin embargo,
dominación y subordinación (Harvey, terminaríamos hablando acerca del di-
1989; pero ver también Massey, 1992, nero en abstracto y de la economía glo-
19 93). bal como una estructura de flujos con
una cierta cualidad abstracta.
Por último, el dinero siempre se al-
macena en algún sitio y se desplaza de De hecho, todavía no hemos com-
un lugar a otro. De hecho, todas las ca- pletado nuestro análisis sobre la(s)
racterísticas mencionadas se derivan del “naturaleza(s)” del dinero. En realidad,
incesante flujo monetario: de produc- habría que hablar de dineros más que
ción a consumo, de inversión a circula- de dinero. Por el momento, no existe
22 Produciendo Futuros: el sistema financiero como proyecto geográfico

un dinero universal en el sentido abs- más organizado a nivel global por el


tracto al que nos referíamos. Hasta hace capital privado y opera independiente-
poco, nos engañábamos con la posibili- mente de los intereses nacionales espe-
dad de un cierto “dinero mundial”. En cíficos (Lash y Urry, 1994). Por supuesto,
la actualidad, sabemos que incluso la a la larga, el funcionamiento del sistema
creación de una moneda europea en- está fuertemente basado en la provisión
traña demasiadas dificultades. El dinero y la regulación local (nacional) de dine-
todavía está irrevocablemente vincu- ro. De hecho, no deberíamos confundir
lado, de muy diversas formas, al estado la base territorial nacional del dinero con
(nacional) (véase Altvater, 1993; Martin, su inevitable espacialidad. Esto es lo que
1994). Esto le da un nuevo carácter y O’Brien (1991) parece hacer en su libro
añade otra tensión. Por supuesto, no Global Financial Integration: The End
todos los dineros son iguales y parece of Geography, en el que afirma que la
evidente que no pueden serlo si nos to- globalización de los fondos monetarios
mamos en serio la idea socio-espacial conduce de manera irremisible hacia el
de la construcción del dinero. El dinero final de la geografía como resultado de
nacional asume diferentes valores. Esto la desaparición (esto es muy cuestiona-
convierte al dinero mismo en un bien; ble) del estado-nación como la única y
algo que puede ser comprado y vendido más importante institución a la hora de
sobre las bases de la diferencia de valor, regular el valor del dinero. Más adelante,
real, esperada o imaginada, entre las di- en su libro, O’Brien tiene que reconocer
ferentes monedas. De forma bastante que el dinero está siempre “en movi-
simple, la compra y la venta de dinero miento”, tiene que ir a alguna parte,
se basa en las diferencias geográficas de pero, desafortunadamente, no mencio-
la construcción socio-espacial de las dis- na que esta observación reafirma la ine-
tintas monedas. Y esto, a su vez, está vitable espacialidad al definir lo que es
vinculado a la geometría geográfica del el dinero. Obviamente, el papel del Es-
comercio y el intercambio internacional tado es muy importante, aunque sólo
y al proceso del desarrollo desigual sea para restringir la cantidad de dinero
global. que circula. En efecto, el valor intrínseco
del papel moneda es virtualmente cero.
La formalización nacional del dinero En una economía capitalista de merca-
(que, sin embargo, también opera a una do, basada en la producción de escasez
escala geográfica mucho mayor) es una entre la abundancia real o imaginada,
fuente de considerable confusión. La in- resulta imperativo que se construya y
troducción del dinero requiere un espa- mantenga la escasez de dinero. Por lo
cio y un “distanciamiento socio-espacial” tanto, el papel del Estado es vital a la
para conseguir que la economía de mer- hora de limitar la cantidad de dinero en
cado funcione. En concreto, el crédito circulación a través de su monopolio
y la formación del mismo, que en la sobre las máquinas emisoras de mone-
actualidad constituye fundamentalmen- da. A medida que una creciente canti-
te una actividad privada, está cada vez dad de dinero adopta la forma de dinero
Erik Swyngedouw 23

en cuenta (en bases de datos electróni- se sustenta, a la larga, de manera ine-


cas, por ejemplo), esta tarea se complica vitable y a través de localizaciones con-
de manera notable puesto que el mono- cretas (Swyngedouw, 1992). Los flujos
polio del estado sobre la circulación del de dinero, en cualquiera de sus formas,
dinero y la escasez necesaria no son que pasan por estos lugares, están, de
nunca absolutos. hecho, basados y son posibles gracias a
la variabilidad entre estos lugares y, por
Todo esto es importante puesto que tanto, en último término, gracias a la
nos permite fijar el marco en el que se geografía. El dinero hace que el mundo
va a desarrollar el resto del artículo. En gire, precisamente porque el espacio es
concreto, en un contexto en el que tene- profundamente heterogéneo y abigarra-
mos en cuenta el orden global, las ten- do. Son estas diferencias (y las tensiones
dencias globales y la reestructuración generadas por este proceso de diferen-
global, a menudo existe una cierta pro- ciación) entre lugares, entre monedas y
pensión a observar el mundo como un entre dinero y otra serie de cosas las que
espacio meramente global. Este aspecto proporcionan esa energía vital que
es especialmente importante cuando puede mover el mundo. Y lo que intento
consideramos asuntos tales como la eco- poner de relieve en el resto del artículo
nomía o las finanzas internacionales, la es exactamente la ejemplificación ante-
deuda, el comercio y otros procesos de rior de las ingentes cantidades de dinero
igual magnitud. Sin embargo, es necesa- que circulan por el espacio y las tensio-
rio reiterar que este (des)orden global nes socio-espaciales que surgen de ello.

El intento abortado de crear dinero mundial

La geopolítica siglo fue realmente notable. Aunque a


contradictoria de la partir de 1945, a medida que el proceso
regulación financiera de descolonización se aceleraba, hubo
“global(?)” de la posguerra un aumento en espiral del número de
naciones-estado “independientes” (con
En este apartado quiero centrarme en su propia moneda), la integración eco-
la forma en que los mercados financieros nómica mundial se intensificaba. El
(capitalistas) globales se movieron desde expansionismo estadounidense (que es-
una situación de relativa estabilidad a taba bastante limitado geográficamente
una situación en la que el dinero empezó por la consolidación de un bloque socia-
a circular como lo que parecía ser casi lista, entonces impresionante) marcó el
enteramente un activo ficticio. De hecho, inicio del proceso, que siguió con la recu-
la geopolítica del dinero y el aprovecha- peración de Europa y se completó con
miento concreto del sistema financiero el “avance” del sudeste asiático bajo el
mundial durante el tercer cuarto de este liderazgo de Japón. La hegemonía occi-
24 Produciendo Futuros: el sistema financiero como proyecto geográfico

dental de EE.UU., no sin cierta oposi- oro. La consiguiente volatilidad en los


ción, colocó al dólar en un lugar predo- mercados de divisas, junto con el cre-
minante en la economía mundial. De ciente proteccionismo para defender los
hecho, esto último ya había sido antici- territorios nacionales frente a las deva-
pado y reforzado a través de los acuer- luaciones competitivas, quebraron la
dos de Bretton Woods, concluidos en columna vertebral del comercio interna-
1944 por los principales países occiden- cional y aceleraron la caída de la econo-
tales aliados. mía mundial hacia su peor y más largo
período de recesión. El descontento y
Este acuerdo intentaba reconciliar lo el sufrimiento humano resultante lle-
imposible homogeneizando el espacio varon al sistema capitalista al borde del
financiero mundial en el marco de lo colapso total. De hecho, parecía que la
que pronto serían más de un centenar era del capitalismo estaba cercana a su
de territorios nacionales, cada uno de fin, en especial en un momento en el
ellos con su propia moneda y marco re- que la promesa del surgimiento de una
gulador. El proyecto original de Bretton utopía socialista cobraba una gran im-
Woods, y el consiguiente marco institu- portancia.
cional, debían convertirse en una pieza
central de la ingeniería económica y En Bretton Woods, esta herencia
social y del pensamiento estratégico cristalizó en un compromiso global que
geopolítico (Triffin, 1961; Gowa, 1983; confirmaría y posteriormente impulsaría
Walter, 1993; Leyshon y Tickell, 1994). a los EE.UU. a una posición de liderazgo
hegemónico en una economía mundial
Hasta la primera guerra mundial, la reducida geográficamente al área capita-
mayor parte del dinero del mundo ope- lista (Van der Pijl, 1984). Este liderazgo
raba de acuerdo con algún tipo de es- sólo se podía mantener sin oposición si
tándar, habitualmente oro o plata. Con el crecimiento se aceleraba y se ex-
la internacionalización de la inversión y pandía geográficamente. Y esto sólo se
el comercio durante la segunda mitad podía conseguir promoviendo el comer-
del siglo XIX, el patrón libra-oro operó cio, el intercambio internacional y la
de facto como un proto-dinero mundial internacionalización de la inversión y la
(Ingham, 1994). El patrón oro se refería producción lo que, a su vez exigía un
a que los gobiernos emisores de papel sistema financiero estable, el cese de las
moneda garantizaban su libre converti- políticas de empobrecer al vecino y un
bilidad en oro. La creciente competencia rechazo del carácter anárquico y, a me-
y la rivalidad entre los estados durante nudo, ficticio de la circulación del dinero
las primeras décadas de este siglo produ- de antes de la guerra. El punto de refe-
cirían fuertes tensiones en el sistema fi- rencia del sistema sería el dólar esta-
nanciero que, con el tiempo, forzaron a dounidense. Esto convertía a EE.UU. y
las monedas de referencia, fundamen- su Reserva Federal en los árbitros de los
talmente la libra esterlina y el dólar, a asuntos financieros mundiales (Parboni,
abandonar el sistema de conversión al 1981). Aunque el control real sería dele-
Erik Swyngedouw 25

gado y organizado por el recientemente descansaba la regulación del mercado


creado Fondo Monetario Internacional mundial, al multiplicar las tensiones y
(FMI) que, con el tiempo, se apoyaría conflictos que afectaban al sistema desde
en el Banco Internacional para el Desa- su inicio. Estas tensiones socio-espaciales
rrollo y la Reconstrucción (más conocido podrían resumirse de la forma siguiente:
como Banco Mundial), los EE.UU. te-
nían de facto poder de veto en estas ins- 1. Se estableció un valor fijo (en el
tituciones. La cuota estadounidense en tiempo y en el espacio) para el dólar,
el FMI superaba con mucho la de los y por extensión para todas las demás
otros contribuyentes. La convertibilidad monedas, en términos de oro. De
al oro del dólar se restableció (a un valor esta forma, el dólar pasó a ser un
fijo de 35 $ por onza) y los restantes extraordinario contenedor de valor
países se comprometieron a fijar el valor absoluto. Antes hemos afirmado que
de sus monedas al dólar. No se podían esta estabilidad es, desde una pers-
realizar devaluaciones competitivas ni pectiva dinámica, una mera ilusión.
cambios protectores en los valores de El valor de las cosas tiene que variar
las monedas a menos que fuesen apro- (y lo hace) a lo largo del tiempo.
bados por el FMI (Glyn et al., 1988;
Strange, 1994). Las fluctuaciones de los 2. El acuerdo de Bretton Woods como
tipos de cambio ya no estaban sujetas a instrumento de regulación era un
los caprichos de los mercados o a los compromiso internacional que refle-
“toros” y los “osos” del juego de la espe- jaba la geometría espacial del poder
culación. Los desequilibrios temporales en ese momento (todas las formas
y los problemas en la balanza de pagos de regulación son compromisos in-
podían ser mitigados utilizando los dere- dicadores de las posiciones relativas
chos que los países tenían sobre los re- de poder). Sin embargo, durante las
cursos monetarios del FMI. Además, se siguientes décadas, la hegemonía de
extendió la idea de que la expansión del EE.UU. se fue erosionando poco a
comercio internacional sería más ho- poco, con lo que la geometría global
mogénea y que, por lo tanto, los dese- del poder cambió (Glyn et al.,
quilibrios estructurales serían, cuando 1988). Además, el compromiso era
menos, excepcionales. Por último, tam- parcial en el sentido de que los go-
bién se acordó que, de forma gradual, biernos nacionales y las regulaciones
las distintas monedas mundiales se libe- y acuerdos socioeconómicos nacio-
ralizarían y se permitiría su libre conver- nales se mantenían a nivel del esta-
tibilidad. do-nación. Las diferentes escalas
geográficas de la regulación socioe-
Este sistema daría forma a una con- conómica pronto soportaron fuertes
figuración geográfica global concreta tras tensiones (véase Aglietta y Orléan,
la guerra, pero el desarrollo de este pro- 1982; Aglietta, 1986). Distintas eco-
ceso también erosionó gradualmente las nomías nacionales y, por tanto, sus
condiciones y premisas sobre las que monedas comenzaron a sentirse
26 Produciendo Futuros: el sistema financiero como proyecto geográfico

incomodas en el sistema impuesto denses no tenían, por supuesto, voz


de tipos de cambio fijos, cuando las ni un control directo.
condiciones y las prácticas internas
cambiaron la posición relativa de 4. La Reserva Federal de EE.UU, se
cada economía nacional frente a las encontró en una posición única. En
otras. Por otro lado, conseguir la pre- Bretton Woods habían encontrado,
tendida liberalización del comercio al fin, la piedra filosofal de los alqui-
internacional presentaba bastantes mistas gracias al trazo de una pluma.
dificultades. Aunque el acuerdo de El papel se convertía en oro. Y la
Bretton Woods implicaba el estable- Reserva Federal adquirió el don de
cimiento de una Organización Inter- Midas. De hecho, cada 35$ que
nacional del Comercio que operase salían de la máquina de impresión
al lado del FMI y del Banco Mun- equivalían teóricamente a una onza
dial, serían necesarias siete compli- de oro. En la medida en que la de-
cadas rondas de negociaciones del manda de dólares se mantuviese alta,
GATT para llegar a este acuerdo esto sería sostenible. Sin embargo,
(Bhagwati, 1991). cuando la escasez se convirtió en
exceso y las prensas continuaron fun-
3. El dólar mismo, con su valor fijo en cionando a plena capacidad, la fuerza
oro, funcionaba de forma diferente de la disciplina férrea (más que dora-
según la escala geográfica en la que da) de los mercados sobrepasó los
circulase. Además, estas escalas pa- poderes divinos del emperador.
saron a ser cada vez más permea-
bles. En efecto, el valor a lo largo 5. El supuesto de una expansión rela-
del tiempo de una moneda, expre- tivamente homogénea (en el espa-
sado en tipos de interés, era deter- cio) de la economía mundial sobre
minado, o al menos seriamente el que descansaba la estabilidad
afectado, por las políticas socio- desafió la capacidad de liderazgo
económicas, fiscales y monetarias que se le había asignado a los
del país. Por un lado, los gobiernos, EE.UU. La geometría espacial del
incluido el de los EE.UU., intentaban poder bajo la que se negoció el com-
mantener los tipos de interés bajos promiso reforzaba, en realidad, el
para fomentar las inversiones, la dominio de los EE.UU. sobre la eco-
productividad y el crecimiento de la nomía mundial. Los desequilibrios
economía “real” y buscaban la satis- geográficos estructurales (a pesar de
facción de los intereses nacionales. que estuvieran orientados en torno
Por otro lado, el dólar se convirtió a la “geografía inconstante” de un
rápidamente en la moneda mundial. mapa mundial en continuo cambio,
En este contexto global en el que véase Storper y Walker, 1989) em-
los dólares pronto circularon en can- pezaron a grabarse a través de la
tidades más cuantiosas, la Reserva geografía de un sistema mundial de
Federal y las autoridades estadouni- comercio desigual.
Erik Swyngedouw 27

Estas tensiones, eminentemente proceso de homogeneización del co-


espaciales, que fueron captadas e inte- mercio y el intercambio internacional. La
gradas en los mecanismos y el funcio- globalización de la economía en la pos-
namiento del sistema financiero de la guerra fue claramente liderada por los
posguerra, pronto se cobraron su precio EE.UU. como potencia capitalista hege-
puesto que la coreografía resultante de mónica en la economía mundial. Gracias
la integración global multiplicó e inten- al sistema de tipos de cambio fijos y a la
sificó las contradicciones generadas en rápida acumulación de capital, las fron-
1944. A su vez, la geometría del poder teras para las inversiones de capital se
cimentada en el sistema se reorientó en ampliaron (Swyngedouw, 1989). La
nuevas e importantes direcciones. internacionalización del capital produc-
tivo, normalmente dentro de la estructu-
ra organizativa de las compañías, generó
Las tensiones se un flujo de capital desde EE.UU hacia el
multiplican: la coreografía exterior. Esta Inversión Extranjera Directa
de la integración global en el resto del mundo fue apoyada ade-
más por los dólares del Plan Marshall en
La configuración geográfica y la regula- un intento de reconstruir los espacios de-
ción del dinero mundial y nacional fijaron vastados por la guerra y de acelerar su
el escenario para el proceso de integra- integración en una expansión de la
ción global de la posguerra. Este proceso economía mundial liderada por EE.UU.
cambiaría el mosaico de desarrollo desi- (Lipietz, 1987). Claramente, durante los
gual y reordinaría las relaciones entre lu- primeros años (hasta mediados de la dé-
gares, regiones y países. Inevitablemente, cada de los sesenta), la balanza de pagos
los cimientos de la regulación financiera, de EE.UU. fue positiva. Sin embargo, a
tanto a nivel nacional como internacio- finales de los sesenta, este profundo
nal, sobre los que se apoyaba una cierta proceso de internacionalización había
forma de globalización, pronto mostraron comenzado a invertir la geografía del de-
una serie de tensiones. En este apartado, sarrollo desigual global. La reconstruc-
se ofrece un resumen sucinto de estas ción, primero en Europa y después en
múltiples tensiones que se extendieron Japón y otros países del este asiático,
paulatinamente a través de la red econó- aumentó la competencia global mientras
mica mundial. que la economía nacional americana
comenzaba a perder gradualmente su
Durante el período de posguerra, el ventaja competitiva. Esto lo demuestra
dólar americano se convirtiría simultánea- el hecho de que, a partir de 1966, la ba-
mente en una moneda nacional, sujeta lanza de pagos americana comenzó a
a todas las fuerzas, conflictos y dificultades mostrar importantes déficit, que crecie-
que tuvieron lugar dentro de Estados ron enormemente en las décadas siguien-
Unidos, y en una moneda mundial, uni- tes (Armstrong et al., 1991; Corbridge,
da fundamentalmente a los diferentes sis- 19 93).
temas políticos, culturales y sociales y al
28 Produciendo Futuros: el sistema financiero como proyecto geográfico

La hegemonía política y económica Woods habían anticipado, el valor fijo


de los EE.UU. fue objeto de fuertes con- del dólar le convirtió en la moneda pre-
troversias y, en algunas ocasiones, fue ferida para los intercambios comerciales
desafiada militarmente (Frank, 1994). mundiales. Esto no sólo alimentó la de-
En concreto, la Guerra Fría y la regiona- manda de dólares, sino que también
lización de este conflicto global exigió que provocó, en contra de las expectativas
se adoptasen compromisos significativos del FMI, que en algunos países se man-
en materia política, militar y financiera tuvieran saldos positivos o negativos en
por parte de todos los implicados (Cox, la balanza comercial, llegando a con-
1987). Aunque, en cierta forma, pudo vertir este desequilibrio en algo estruc-
ser el toque de difuntos para el comu- tural. Algunos países comenzaron a
nismo existente; sin embargo, también tener un superávit comercial conside-
supuso un importante drenaje de recur- rable (por ejemplo, los exportadores de
sos para EE.UU. La financiación del petróleo), lo que dio lugar a la acumu-
control político y militar sobre el mundo lación de dólares fuera de los EE.UU.
occidental, la carrera armamentística y Esta eclosión de petrodólares, que surgió
las negociaciones en aquellos lugares en los sesenta y se expandió tremenda-
donde su hegemonía era seriamente re- mente durante los años setenta, sentaría
plicada (Corea y Vietnam, por ejemplo, las bases para un mercado floreciente
entre otros muchos conflictos “locales”), de eurodólares. Las demás razones para
expandieron aún más el flujo de dólares la expansión de un dólar “global” esta-
fuera de EE.UU. La financiación de esta ban relacionadas con los procesos de
estrategia geopolítica, cuyo coste se dis- internacionalización anteriormente des-
paró a finales de los sesenta, se mantuvo critos. De hecho, incluso algunos tene-
por medio de la impresión de más dó- dores de fondos americanos decidieron
lares/oro. mantener su dinero fuera de los EE.UU.
para evitar de este modo medidas mo-
La recuperación de Europa y la eli- netarias y fiscales internas, mientras la
minación gradual de los controles mo- Unión Soviética y otros estados socia-
netarios intensificaron la salida de dólares listas mantuvieron sus cuentas en dólares
estadounidenses. En realidad, cada es- fuera de EE.UU. por temor a una acción
tado comenzó a acumular dólares como del gobierno estadounidense (véase
una forma de suplir las reservas de oro Strange, 1971; Wood, 1986; Roddick,
puesto que los dólares eran tan buenos 1988; Pilbeam, 1992).
o mejores que el oro (Swyngedouw,
19 92 ). Estas tensiones y conflictos socio-
espaciales se fueron intensificando poco
Esta internacionalización de los dó- a poco durante los años cincuenta y
lares estadounidenses se vio aún más sesenta y alteraron la geometría del
acentuada por la consolidación del dólar poder en el mundo económico. La agu-
como moneda mundial de hecho. Tal y dización de las tensiones puede resu-
como los negociadores de Bretton mirse tal y como sigue. Primero, la doble
Erik Swyngedouw 29

escala geográfica en la que se regulaba ejemplo, el mercado de la euromoneda


el dinero llegó a ser más contradictoria creció desde los 11 mil millones de dóla-
internamente. A medida que la posición res de 1964 hasta un billón de dólares
competitiva de EE.UU. variaba en el en 1984 y casi tres billones al comienzo
panorama económico mundial, surgían de los noventa (Martin, 1994, pg. 257-
presiones internas que solicitaban una 258). Nos encontramos frente a una si-
mayor alineación de la política moneta- tuación extraordinaria. Existían dos
ria con las condiciones nacionales, lo que mercados geográficamente distintos en
requería un aumento de la flexibilidad cuanto a las condiciones de regulación
monetaria. Sin embargo, la aparición de (aunque socioeconómicamente estaban
déficit en la balanza de pagos exigía un íntimamente relacionados), en los cuales
retorno a EE.UU. de los fondos interna- operaba el mismo dólar, que era libre-
cionales. mente intercambiable entre estos “conti-
nentes” y por oro.
Además, la necesidad de un medio
estable de intercambio y una moneda Tercero, la deteriorada posición com-
mundial cobraba incluso una mayor im- petitiva americana y el crecimiento de la
portancia a medida que se expandía el presión interna para hacer frente a este
comercio internacional. Sin embargo, la problema, junto con la necesidad de un
negociación de un acuerdo de comercio mayor acceso a los dólares globales para
global (GATT) – tal y como se convino financiar su déficit (al imprimir más dine-
en principio en Bretton Woods – entrañó ro, la economía se sumergió en una espi-
tremendas dificultades cuando los es- ral inflacionista, debido a que la escasez
tados individuales consideraron como de dólares imperante a finales de los
inevitables algunas formas de proteccio- cincuenta se convirtió en una gran abun-
nismo para mantener su competitividad dancia a finales de los sesenta), intro-
en un mundo integrado, en especial dujeron importantes presiones sobre el
bajo condiciones en las que los realinea- sistema de tipos de cambio fijos y de con-
mientos de monedas y las devaluaciones vertibilidad garantizada. Además, las
competitivas ya no iban a ser toleradas diferencias de rentabilidad entre los euro-
fácilmente. dólares y los dólares con base en EE.UU.
forzaron, de hecho, al dólar a abandonar
Segundo, el crecimiento del mercado su carácter absoluto y dieron paso a una
de eurodólares desembocó, de hecho, definición más relativa de su valor. La
en dos mercados diferentes, aunque re- combinación de estas tendencias opues-
lacionados, para la misma moneda. Por tas no pudo ser soportada por el sistema
un lado, había un mercado para el dólar de Bretton Woods y sus instituciones. La
en EE.UU., que se encontraba bajo el primera crisis surgió en 1968 cuando la
paraguas regulador de la Reserva Federal convertibilidad del dólar en oro se sus-
y, por tanto, del Estado; por otro lado, pendió temporariamente, a lo que siguió
existía un mercado no estadounidense el anuncio en septiembre de ese mismo
que tenía diferentes reglas de juego. Por año de que Alemania dejaba flotar libre-
30 Produciendo Futuros: el sistema financiero como proyecto geográfico

mente el marco durante un mes. La pun- dejando de lado la definición del dinero
tilla llegó finalmente cuando Nixon uni- como contenedor estable de valor abso-
lateralmente anunció en 1971 que los luto. La homogeneización impuesta del
Estados Unidos abandonaban la con- orden monetario mundial se desintegró.
vertibilidad garantizada del dólar en oro. El orden global se hizo añicos, pero en
Otros estados decidieron desligar sus los intersticios de este mosaico se fragua-
monedas del dólar para no ser atraídos ban nuevos acuerdos globales-locales
por la espiral devaluadora en la que el (“glocales”) y aparecían nuevos flujos
dólar se vio envuelto durante los años monetarios y nuevas configuraciones
70. Entre 1971 y 1973, el acuerdo de geográficas.
Bretton Woods comenzó a resquebrajarse
a medida que las divisas comenzaron a La debilitada posición competitiva
flotar unas frente a otras y frente al oro estadounidense, sus problemas de ba-
(u otros bienes) (Reszat, 1993). lanza de pagos y su creciente déficit pre-
supuestario (que alcanzó cotas dramáticas
En resumen, esta dinámica geográfi- durante la carrera armamentística de
ca y sus relaciones de poder desencade- Reagan) hizo que Estados Unidos se vol-
naron una serie de tensiones y procesos viese mucho más introspectivo. Su polí-
que, finalmente, socavaron la relativa tica monetaria fue dirigiéndose cada vez
coherencia de esta peculiar configura- más hacia objetivos internos. Por supues-
ción geográfico-histórica de la economía to, la creación de “xeno-dólares” también
del mundo capitalista. Las contradic- afectó al orden mundial. En un intento
ciones geográficas internas que propor- de traspasar la crisis devaluatoria a los
cionaron a la economía capitalista su demás, Carter buscó cuadrar sus cuentas
dinamismo y creatividad, también mina- imprimiendo dólares, lo cual provocó una
ron de forma continua los fundamentos rápida devaluación del dólar frente al oro
sobre los que descansaba. y desencadenó una espiral inflacionista
que disparó la inflación hasta los dos dígi-
tos. Cuando el dólar alcanzó su cotización
La fragmentación espacial y más baja a finales de los setenta y la espiral
la integración financiera: el inflacionista estaba fuera de control, el
nuevo escenario “glocal” del monetarismo reaganiano aplicó una polí-
dinero tica monetaria restrictiva y redujo la oferta
de dinero. El valor del dólar y los tipos
La perspectiva de un orden capitalista de interés reales crecieron vertiginosa-
global estable, prometida en la era de mente, difundiendo la crisis por toda la
la posguerra, demostró no ser más que economía mundial y, perjudicando en
un espejismo. La consecuencia real de concreto, a los Estados deudores (Cor-
la desaparición de Bretton Woods fue bridge, 1993).
que el dólar comenzó a flotar libremente
frente al oro, con lo que se restableció Sin embargo, dado que el dólar to-
como una medida relativa de valor, davía era una moneda mundial y un
Erik Swyngedouw 31

medio de cambio global, los exporta- y otros países de Europa, tuvieron que
dores de bienes se enfrentaban al peligro hacer frente al deterioro de sus balanzas
de verse arrastrados dentro de la espiral comerciales y a unos déficit presupuesta-
devaluatoria. En un intento de salva- rios astronómicos, como resultado del
guardar los precios de los bienes frente debilitamiento de sus posiciones com-
a la caída del dólar se formaron varios petitivas junto con un aumento de la de-
carteles. Debido a una serie de razones manda favorecido por el estado para
político-económicas, la OPEP fue el de mantener cierta cohesión social. Algunos
mayor éxito. Cada vez que el dólar ba- países intentaron inflar su deuda ince-
jaba, con un mínimo de todos los tiem- santemente imprimiendo más dinero (al
pos a finales de los setenta, el precio del final de la década eran habituales los ni-
crudo crecía espectacularmente. Ade- veles de inflación de casi el 20%). Esto,
más, la necesidad de un valor seguro por supuesto, socavó aún más lo que
provocó una lucha por el oro, haciendo quedaba de la estabilidad monetaria. A
subir su precio. Es evidente que estas la inestabilidad de los tipos de cambio
sacudidas en los mercados de bienes hubo que añadir el hecho de que los
afectaron tanto a las relaciones comer- tipos de interés también comenzaron a
ciales como a las estructuras de precios fluctuar con rapidez y de forma errática.
y contribuyeron a extender la crisis eco-
nómica. La incertidumbre sobre el valor Japón, cuyo proceso de renovación
monetario afectó negativamente al co- industrial ya había finalizado, logró
mercio internacional y reforzó los dese- crecer aún más y liderar algunos de los
quilibrios espaciales estructurales. Por territorios que habían quedado fuera de
ejemplo, la escalada del precio del petró- la influencia de Europa y EE.UU.. En
leo dio como resultado una afloración este contexto en el que las configura-
masiva de dólares procedentes funda- ciones geográficas estaban cambiando
mentalmente de las economías avanza- rápidamente, las llamadas al proteccio-
das y a la creación de una amplia reserva nismo y de hecho las medidas proteccio-
de petrodólares, que más adelante ali- nistas para proteger el mercado interior
mentarían los mercados de eurodólares. de las devaluaciones importadas, favo-
Las cosas fueron sustancialmente peor recieron la aparición de varios bloques
para aquellas economías del Tercer comerciales (Thurow, 1992). Esto no
Mundo que vieron que los precios de supuso de ningún modo el aislamiento
exportación se hacían cada vez más ines- hermético de la economía mundial –
tables mientras que los precios de las por el contrario, un objetivo del protec-
importaciones (y, desde luego, del petró- cionismo es reforzar las posiciones com-
leo) continuaban subiendo. Así, mientras petitivas en el mercado mundial (véase
algunos países iban acumulando enor- Hilferding, 1981). Se formaron tres blo-
mes superávit en sus balanzas comer- ques, que se centraron respectivamente
ciales, otros sufrían un intenso drenaje alrededor de Japón, los Estados Unidos
de fondos. Occidente y en particular y el eje germano-francés en Europa.
EE.UU., aunque también Gran Bretaña Naturalmente el aumento de la coope-
32 Produciendo Futuros: el sistema financiero como proyecto geográfico

ración intraregional no condujo a una estrategias, que he definido anterior-


intensificación del proteccionismo entre mente como estrategias de “glocali-
bloques, sino más bien hacia un redi- zación” (Swyngedouw, 1992), y que
mensionamiento de los mecanismos abarcaban subcontrataciones, alianzas
competitivos. La mejora de la coopera- estratégicas, trabajo en red y acuerdos
ción y el comercio regional facilitó la con- organizativos flexibles. Estas estrategias
secución de una posición competitiva permiten ajustes rápidos, tanto temporal
ventajosa en el mercado mundial (An- como espacialmente, en los acuerdos de
derson y Blackhurst, 1993; Borrman y marketing, distribución y producción
Koopmann, 1994). (Cooke et al., 1992).

Por supuesto, no sólo el comercio En resumen, los horizontes tempo-


se vio afectado, la coreografía espacial y rales y espaciales se redujeron conside-
temporal de la producción real de bienes rablemente según se subvirtió el orden
también experimentó profundos cam- monetario. El éxito comenzó a depender
bios. Tal y como ha señalado Jeelof cada vez más de períodos más cortos
(1989), la volatilidad en los mercados de tiempo, de breves distancias espacio-
monetarios hizo de la planificación de tiempo y de una aceleración del tiempo
la producción una tarea extremadamen- de rotación del capital (Harvey, 1989).
te arriesgada e incierta. La internacionali- Surgió un nuevo panorama para el de-
zación de la producción y la planificación sarrollo desigual, en el cual el sector fi-
a escala mundial de las cadenas de pro- nanciero, ahora liberado de la restricción
ducción y los flujos de inputs/outputs, de los tipos de cambio fijos y de valores
que caracterizaron en gran medida la absolutos, podría convertirse en sí mis-
división internacional del trabajo duran- mo en el escenario clave para la acu-
te la posguerra, se convirtieron en una mulación de capital y la expansión febril.
estrategia de alto riesgo. Los diferentes Esta coreografía global del dinero y sus
centros de producción y comercio esta- dimensiones histórico-geográficas son
ban ubicados en distintas zonas mone- precisamente las que darán forma a
tarias y sujetos, con frecuencia, a fuertes muchas de las variaciones y transfor-
fluctuaciones en sus tipos de cambio re- maciones económicas globales contem-
lativos. Esto hizo que la planificación poráneas. En el siguiente apartado,
estratégica a largo plazo de la localización regresaremos al análisis de cómo el di-
de las corporaciones fuera una catástro- nero por sí mismo (y no sólo como un
fe. Las compañías globalizadas inten- medio de pago e intercambio) llega a
taron enfrentarse a los rápidos cambios formar parte de los procesos de profun-
relativos en las condiciones de localiza- da reestructuración espacial y de crea-
ción poniendo en marcha una serie de ción de estrategias geográficas.
Erik Swyngedouw 33

Ganando dinero por el desplazamiento


e sp a c io -t ie m p o

El crédito y el mercado de tante de centros financieros en ultramar


divisas: creando espacio/ (Roberts, 1994). Johns (1994, pág. 32)
comprando tiempo afirma que “más de la mitad del stock
mundial de dinero o bien reside o bien
La “liberalización” del sistema financiero pasa por paraísos fiscales, lo que les con-
global señaló el final de un espacio mo- vierte en catalizadores esenciales para el
netario mundial integrado y, en conse- comercio mundial”. Estos lugares desta-
cuencia, la reafirmación de un mosaico cados en el tablero global, donde el di-
de monedas nacionales diferentes. La nero apátrida aumenta rápidamente, se
mayor parte de las mismas fluctuarían caracterizan por una regulación y un
en valor relativo frente a cada una de control sobre las monedas extranjeras
las demás, dependiendo de la combi- bastante exiguos, e incluso inexistentes,
nación y la confrontación de las políticas combinado con una integración global
económicas y monetarias nacionales, que permite el comercio durante las 24
por un lado, y de los flujos monetarios horas del día. Los mercados más regu-
internacionales, por el otro. Los intentos lados comenzaron a sentir cada vez con
de regular el dinero en esta nueva escala mayor fuerza el aguijón de estos nuevos
geográfica supranacional y subglobal, competidores y, dada la ideología mone-
resultaron extremadamente difíciles tarista del libre mercado, decidieron li-
debido a las tensiones geoestratégicas y beralizar sus mercados nacionales de
a las rivalidades entre estados. Por ejem- capital. La desregulación de los merca-
plo, la azarosa historia de la Unión Mo- dos monetarios en EE.UU. a principios
netaria Europea ilustra la forma en que de los 80 y el “Big Bang” de Londres en
la confrontación de las demandas nacio- 1986 suprimieron muchos controles y
nales y la integración y las estrategias permitieron una mayor apertura y ex-
financieras globales puede generar ten- pansión de los mercados financieros glo-
siones perpetuas y fricciones continuas bales. A finales de 1993, el BIS (Banco
(Gros y Thygesen, 1992; Leyshon y de Pagos Internacionales) informó de
Thrift, 1992). que el total del pasivo bancario bruto
internacional alcanzaba los 7,3 billones
De esta continua tensión y negocia- de dólares (BIS, 1994, p. 97).
ción entre los espacios monetarios lo-
cales (nacionales) y los flujos monetarios Las fluctuaciones en el tipo de interés
globales surgió un sistema monetario or- y en el tipo de cambio muestran la vola-
ganizado geopolítica y geoeconómica- tilidad del sistema financiero y resumen
mente de forma “glocal”. El crecimiento los efectos de la liberalización monetaria
del dinero “caliente” global corrió parale- de las dos últimas décadas. Estas fluctua-
lo a una expansión igualmente impor- ciones proceden de la interacción entre
34 Produciendo Futuros: el sistema financiero como proyecto geográfico

el comportamiento y políticas moneta- como un derecho sobre el tiempo (de


rias y socio-económicas nacionales y los trabajo) futuro crearon un escenario
movimientos internacionales de divisas. para las actividades financieras frené-
Por supuesto, las políticas monetarias y ticas. La especulación sobre valores fu-
económicas nacionales afectan, aunque turos y la compra de tiempo avanzaron
de una forma completamente diferente a través de la creación de nuevos espa-
a como lo hacían los mecanismos impe- cios y relaciones espaciales. El mercado
rantes durante la era de Bretton Woods. forex (foreign exchange market) ha cre-
La muerte, frecuentemente anunciada, cido de la modesta cifra de 15 mil millo-
de los estados nacionales parece sin nes de dólares USA en 1970, cuando la
duda prematura, aunque la posición y mayor parte de los contratos estaban
función de los mismos en el panorama directamente vinculados a operaciones
“glocal” haya cambiado. En particular, comerciales establecidas, a más de un
la política monetaria empezó a conside- billón de dólares en la actualidad. La
rarse como un elemento importante mayor parte de esta suma procede de
para el crecimiento económico cuando operaciones compensatorias, especu-
las políticas nacionales keynesianas de lativas y de arbitraje en los mercados
expansión a través de la demanda co- financieros internacionales. Gran Bre-
menzaron a ser remplazadas por estra- taña, EE.UU. y Japón, que ostentan el
tegias dirigidas a expandir el comercio liderazgo en las zonas europea, ameri-
internacional y a alcanzar una posición cana y asiática respectivamente, regis-
competitiva mejor en el mercado global tran alrededor del 60% del comercio
(Drache y Gertler, 1991). total. Los tres siguientes centros más
importantes (Suiza, Singapur y Hong-
Los mercados monetarios liberali- Kong) acumulan un 20% del total de
zados y la volatilidad de los mercados operaciones. En el mercado forex se
monetarios internacionales crearon un sigue operando fundamentalmente con
nuevo entorno económico. Al contrario el dólar estadounidense. Interviene al
de lo que ocurrió en la era Bretton menos en un lado, en el 90% de las tran-
Woods, la compra y venta de divisas y sacciones, mientras que el yen y el
la especulación sobre las fluctuaciones marco alemán se ven implicados en una
de los tipos de cambio permitieron el cuarta parte de las operaciones (BIS
desarrollo y el rápido crecimiento de un 1990a, pg. 209-210).
mercado de divisas especulativo (mer-
cado forex). Curiosamente, la idea de Casi todas las operaciones implican
que hacer dinero a través de la venta y transferencias espaciales de dinero así
compra de divisas y de la especulación como cambios en las posiciones relati-
sobre su valor futuro (por muy cercano vas del valor de las monedas (lo cual, a
que pueda estar dicho futuro) pasó a su vez, afecta a los tipos de interés, el
ser un medio fundamental para la acu- poder adquisitivo, las políticas moneta-
mulación. El dinero como expresión de rias y fiscales y así sucesivamente). Las
un valor en movimiento y el capital fluctuaciones a corto plazo en las que se
Erik Swyngedouw 35

basan estas transferencias también con- ciones, la sofisticada infraestructura y el


tribuyen a crear dicha volatilidad. Esta software utilizados en las operaciones,
volatilidad permite ganancias especula- los servicios financieros de la City, la rees-
tivas, mientras que los flujos de dinero tructuración de las condiciones socio-
contribuyen además a reafirmar estas económicas internas de las capitales
fluctuaciones. Supongamos, por ejem- financieras y la desregulación de los mer-
plo, que un agente cambia mil millones cados se fueron desarrollando a medida
de libras por la cantidad equivalente de que aumentaba el capital ficticio (véase
dólares el 8 de noviembre de 1994 a entre otros, Sassen, 1991; Budd y
un tipo de cambio de 62 peniques por Whimster, 1992).
dólar. Cuatro días más tarde, con un tipo
de 63 peniques, invirtiendo la opera- Sin embargo, con estos desarrollos,
ción obtendría un beneficio neto de más mover el dinero para aprovechar las
de 16 millones de libras. diferencias interespaciales y las varia-
ciones temporales esperadas se aceleró
Estos flujos geográficos especulativos hasta tal punto que las transacciones
y la acumulación de activos financieros tiempo-espacio a través de los sistemas
provocaron una actividad frenética, no de información y telecomunicaciones
sólo en los mercados financieros sino permitieron virtualmente un equilibrio
también en la relación dinero/bien/in- del mercado en el momento. Concluir
versión. La financiación a través de cré- una transacción entre dos agentes no
ditos, los esquemas financieros Ponzi y lleva más de diez segundos. De nuevo,
las emisiones de activos con riesgo como el dominio del tiempo en estas transac-
los bonos basura o la deuda del Tercer ciones (espaciales) es de una importan-
Mundo, combinados con préstamos a cia vital.
empresas demasiado expuestas y la espi-
ral de crédito al consumo, proporciona- Hasta finales de los setenta, casi todas
ron atractivo e inestabilidad al sistema las transacciones tenían lugar en el merca-
financiero global. do “spot”. El mercado “spot” consiste en
la parte del mercado en la cual dos agen-
La volatilidad del sistema financiero tes económicos se ponen de acuerdo
exigía que los agentes implicados en las para intercambiar sumas de dinero en
interacciones globales se protegiesen dos monedas diferentes en el espacio de
frente a las rápidas devaluaciones o re- dos días laborables. En 1989, el porcen-
valuaciones de las monedas, las fluc- taje correspondiente al mercado spot, al
tuaciones en los precios de los bienes o contrario de lo ocurrido en los “mercados
los cambios en los tipos de interés. La de derivados” (ver más abajo), se había
demanda resultante de nuevos instru- reducido a un 57% (BIS, 1990b). Entre
mentos financieros generó una dinámica 1989 y 1992, esta cifra descendió por
interna que promovió un abanico cada debajo del 47% (BIS, 1993b, pág. 16).
vez mayor de productos y servicios fi- En términos de expansión de los merca-
nancieros. Las redes de telecomunica- dos, el volumen de negocios diario en
36 Produciendo Futuros: el sistema financiero como proyecto geográfico

los períodos 1986-89 y 1989-92 aumen- siguientes, se han introducido un amplio


tó en un 104% y (sólo) un 18% respec- número de nuevos instrumentos finan-
tivamente en el mercado de divisas spot, cieros. Habitualmente se denominan
mientras que las cifras para esos mismos “derivados” y comprenden desde sim-
periodos correspondientes al mercado ples opciones y futuros hasta herramien-
no-“spot” fueron del 134% y del 77% tas de multiproceso muy complejas.
(BIS, 1990b, 1993b). En efecto, producir Constituyen el elemento central de los
más volatilidad, nuevas incertidumbres mercados financieros contemporáneos
y desequilibrios (en el futuro) pasaron a y reflejan la dinámica tiempo/espacio en
ser importantes estrategias para mantener el orden “glocal” de forma contundente.
el ritmo de acumulación del sector finan-
ciero. La creación de un futuro incierto y Por supuesto, el mercado de deriva-
volátil a través de transacciones espaciales dos no es nuevo. Los futuros y las opcio-
de dinero sería cada vez más importante. nes se introdujeron hace más de un siglo
Por otro lado, además del mercado forex, en la bolsa de mercancías de Chicago.
otros valores monetarios sujetos a rápidos Los primeros informes datan de 1848 y
cambios, como los tipos de interés y los el mercado de futuros de Chicago fue
mercados bursátiles también ofrecían ni- originalmente regulado de forma oficial
chos de mercado cada vez más lucrativos. a mediados de 1860 (Cronon, 1991, pg.
120-125). Las opciones y futuros sobre
bienes nunca han desaparecido real-
Los nuevos instrumentos mente. La novedad es el espectacular cre-
financieros y el mercado cimiento de los derivados puramente
de derivados: comprando financieros que operan bajo los mismos
espacio/ creando tiempo principios que los futuros y opciones
sobre mercancías y la aparición de nue-
Desde principios de los ochenta, y en vos, aunque relacionados, instrumentos
rápido crecimiento durante los años financieros (véase el recuadro 1).

Rec uadro 1 - Los “nuevos” acuerdos financieros y el mercado de derivados


De rivados financ iero s
La palabra “derivados” es un término general que se emplea para designar una serie de activos
financieros que se “derivan” de otros activos “subyacentes”, como las divisas, bonos, acciones o
mercancías. Los derivados son contratos que conceden a una parte un derecho sobre el activo
fundamental (o de su valor en dinero) en un cierto momento futuro y que obligan a la otra parte a
satisfacer el compromiso correspondiente. Pueden vincular a ambas partes por igual o pueden
ofrecer a una de las partes una opción a ejercitar o no. Por ejemplo, una opción sobre una divisa
permite comprar o vender una moneda determinada en algún momento futuro. El valor de la
opción (un activo financiero) se deriva del valor de la moneda (el activo financiero subyacente).
Los derivados son útiles para protegerse, realizar operaciones especulativas y de arbitraje y llevar
a cabo ajustes de bajo coste en las carteras de inversión. También se pueden combinar en
operaciones muy complejas. Algunos derivados se comercian en operaciones abiertas, otros se
pueden comprar y vender fuera de la bolsa. Su precio de mercado depende en parte del movi-
miento del precio del activo subyacente desde la realización del contrato.
Erik Swyngedouw 37

Rec uadro 1 - Continuación

Orige n de lo s de rivado s
Muchos de los instrumentos derivados no son especialmente nuevos. Por ejemplo, los futuros y
opciones sobre mercancías se utilizan desde mediados de la década de 1860 (véase Cronon,
1991). El primer swap se negoció en 1962. Sin embargo, la creciente incertidumbre de los mer-
cados financieros desde mediados de los 70 ha favorecido la proliferación de nuevos instru-
mentos como protección frente a los riesgos asociados a la volatilidad de los mercados de
divisas, a la rápida fluctuación de los tipos de interés, etc. El mercado de derivados permite una
mejor gestión del riesgo. No obstante, los derivados también se utilizan para actividades pura-
mente especulativas. En este sentido, su proliferación refuerza aún más la volatilidad e incerti-
dumbre del mercado. Su rápido crecimiento se ha acelerado por la globalización de los
mercados de capital, los avances tecnológicos en el terreno informático y de las telecomunica-
ciones, la liberalización de los mercados y la creciente competencia entre las instituciones finan-
cieras para inventar y vender nuevos productos.
De finic io ne s de los derivado s más impo rtante s
Opc ió n: Es el derecho a comprar o vender un número concreto de valores/títulos (monedas,
acciones, mercancías, etc.) a un precio específico dentro de un período determinado de tiempo.
Este derecho (la opción) también puede comprarse o venderse (en el mercado de opciones),
pero si el derecho no se ejercita dentro del período especificado, entonces expira y el compra-
dor de la opción pierde su dinero.
Futuro : Es un contrato para comprar o vender algo en el futuro a un precio acordado en el
momento actual. Al contrario de lo que ocurre con una opción, un futuro debe ser ejercitado al
final del contrato. Sin embargo, esto rara mente sucede en la práctica puesto que las partes en
general acuerdan liquidar sólo la diferencia entre el precio acordado y el precio efectivo en el
momento en el que el contrato se ejercita. Existen futuros para todo tipo de activos, desde
tripas de cerdo hasta índices del mercado bursátil.
S wap: Se trata de una transacción en la que las dos partes intercambian activos financieros.
Existen muchos tipos de swaps, por ejemplo, swaps sobre monedas o sobre tipos de interés. En
este último caso, por ejemplo, un prestatario que ha solicitado un préstamo en marcos ale-
manes intercambia el pago de los intereses sobre este préstamo por los de otro prestatario que
haya solicitado un préstamo en libras esterlinas.
De rivados mixto s: En los últimos años, se han introducido algunos instrumentos nuevos que
combinan una o más de las transacciones básicas anteriores (floors, caps, collars, swaptions...).
El control de estos sofisticados instrumentos puede llegar a ser muy complejo y exige unos siste-
mas informáticos y un software muy avanzados.
Proble mas
En la actualidad el mercado de derivados se encuentra sin regular. Los reguladores nacionales
e internacionales están muy preocupados por las consecuencias potencialmente ca tastróficas
que la proliferación y expansión de este mercado pueden provocar en la estabilidad del sistema
financiero internacional. Los inversores corren a menudo grandes riesgos, operando, en ge-
neral, con activos fuertemente apalancados en un mercado muy volátil. Se conocen muchos
ejemplos de fondos de inversión que pierden millones de dólares (véase Cuadro 1). Como el
mercado de derivados funciona con sólo una fracción del valor de los activos subyacentes, las
cosas pueden fallar estrepitosamente (como en el caso de la quiebra del Banco Barings). Dadas
las densas relaciones existentes en el sistema financiero internacional, una quiebra en un sitio
podría extenderse a través del sistema en un efecto dominó (Grupo de los Treinta, 1993;
Comité Basle, 1994).
Para más detalles, véase Becketti (1993), Grupo de los Treinta (1993), Hindle (1994), United
States General Accounting Office (1994), The Economist, 18 mayo 1994.
38 Produciendo Futuros: el sistema financiero como proyecto geográfico

Claramente, la gran volatilidad de implica un desplazamiento espacial del


los mercados de divisas y las incertidum- dinero, el mercado de derivados genera
bres imperantes en los mercados de ca- un futuro en tiempo real a través de des-
pitales exigían que los productores de plazamientos tiempo/espacio de los va-
bienes y los banqueros que operaban a lores futuros de los activos financieros.
escala internacional tomasen precaucio- Estos desplazamientos producen su pro-
nes para salvaguardarse (en la medida pia inestabilidad y refuerzan aún más el
de lo posible) frente a los rápidos cam- dominio del sector financiero sobre la
bios de los valores de las divisas o de los dinámica “glocal” del cambio socio-espa-
tipos de interés. Junto a las nuevas estra- cial contemporáneo. Los datos disponi-
tegias organizativas y de localización, se bles más fiables sugieren que el volumen
introdujeron nuevos instrumentos fi- total de derivados a finales de 1992 era,
nancieros (en concreto, opciones y futu- al menos, de 12,1 billones de dólares
ros, así como varios tipos de swaps), que en términos de la cantidad nocional, o
permitían protegerse frente a las fluctua- principal, de los contratos sobre deriva-
ciones de las monedas y de los tipos de dos pendientes, un aumento del 145%
interés. Estos permiten una defensa desde 1989 (United States General
frente a fluctuaciones en las monedas y Accounting Office, 1994, pg. 34).
las tasas de interés. Sin embargo, los mis-
mos instrumentos, al apostar sobre el
valor futuro de los tipos de interés y los Durante los primeros años, el merca-
tipos de cambio introdujeron un nuevo do de derivados se concentraba funda-
conjunto de incertidumbres y volatilidad mentalmente en las capitales financieras
futura creando las condiciones ideales tradicionales; sin embargo, en los últimos
para transacciones tiempo/espacio y años la expansión de la industria de los
flujos de dinero especulativos. El merca- derivados hacia Latinoamérica, Asia y
do “spot” con su acceso instantáneo y Europa del Este ha sido espectacular,
unos flujos de información casi perfectos pasando de 15 mil millones de dólares
se ajusta directa y virtualmente a las con- en 1992 a 57 mil millones de dólares en
diciones de mercado casi perfectas. Por 1993, un incremento del 275% (Westlake,
otro lado, los nuevos instrumentos finan- 1993; Locke, 1994). La búsqueda cons-
cieros permiten adquirir moneda nacio- tante de agentes e inversores para los
nal, tipos de interés, acciones, bonos, nuevos mercados de alta rentabilidad ha
etc. y contar con el desarrollo de su valor creado un patrón más diverso y en conti-
futuro. Por consiguiente, estos instru- nua expansión geográfica. Esta expansión
mentos crean, en parte, incertidumbre, espacial se basa en la extensión y densifi-
volatilidad y desequilibrios en el mercado cación de los soportes tecnológicos y las
(Thrift y Leyshon, 1994). La generación redes de telecomunicaciones y en la
continua de esta incertidumbre en el mayor sofisticación de los sistemas infor-
mercado resulta fundamental a la hora matizados de intercambio de informa-
de mantener un mercado de derivados ción (Kredietbank, 1992, p.3; Risk
rentable. Mientras que el mercado forex Technology Supplement, 1994). Con
Erik Swyngedouw 39

todo, seguramente, la difusión espacial Sin embargo, no parece inconce-


de este escenario generaliza el riesgo y bible que dichos fallos se extiendan a
expande aún más una burbuja especula- través del espacio y generen pánicos,
tiva ya inestable. No es sorprendente que trayendo consigo la desintegración fi-
los guardianes financieros mundiales nanciera y la quiebra del sistema finan-
estén profundamente preocupados por ciero internacional. Cuando el Banco
las consecuencias potencialmente per- Baring quebró el 26 de febrero de 1995
judiciales de una quiebra del sistema tras una operación comercial desastrosa
(McDonough, 1993; United States en el mercado de opciones sobre el índi-
General Accounting Office, 1994; Grupo ce bursátil Nikkei, que expuso al banco
de los Treinta, 1993). La cantidad de di- a unas pérdidas estimadas de 900 millo-
nero que se pierde por sobreexposición nes de libras esterlinas, las autoridades
en inversiones arriesgadas, especulacio- reguladoras británicas y el Canciller de
nes equivocadas y cambios inesperados el Exchequer se movieron con rapidez
en el mercado está creciendo con rapidez. para restablecer la confianza en la estabi-
Como ya mencioné anteriormente, la lidad de los mercados y en la reputación
quiebra del condado de Orange podría de los reguladores (Tickell, 1995). Como
costar a los contribuyentes hasta 2 mil la extensión y el alcance de los daños
millones de dólares. Hace pocos años, resultaban difíciles de calibrar, la incerti-
los distritos londinenses de Hammersmith dumbre provocó un gran nerviosismo
y Fulham perdieron 600 millones de dó- en los mercados y el Banco Central tuvo
lares de forma similar en actividades que intervenir para limitar los daños.
especulativas. Alrededor de otras 130
autoridades locales británicas invirtieron
en swaps sobre tipos de interés durante A medida que la geografía del mer-
la década de los 80. Cuando en enero cado de derivados se extiende y pasan
de 1991, la Cámara de los Lores decidió a estar implicados distintos sistemas
que la utilización de swaps por parte de reguladores nacionales, el peligro de un
las autoridades locales era ultra vires y hundimiento espectacular del capital so-
que todas estas transacciones quedaban breacumulado en este sector cobra una
anuladas, las contrapartes de las autori- gran importancia. Se dispone de poca
dades locales quedaron expuestas a unas información sobre el riesgo de exposi-
pérdidas potenciales de 600 millones de ción que presentan los derivados. En
libras esterlinas (Moody’s, 1991, pg. 4- primer lugar, resulta difícil la evaluación
5). El Cuadro 1 ofrece una lista de las de los riesgos crediticios debido a que la
pérdidas en derivados más importantes alta volatilidad de los instrumentos deri-
acaecidas hasta 1994. Hasta el momento, vados altera de forma continuada las
estos episodios individuales no han pro- tasas de exposición (frente a, por ejem-
vocado ondas expansivas a través del sis- plo, la exposición de los préstamos). En
tema económico y financiero, aunque a segundo lugar, los reguladores recogen
menudo han tenido efectos locales dra- pocos datos sobre el mercado de deriva-
máticos. dos y sus tasas de riesgo. Por último, la
40 Produciendo Futuros: el sistema financiero como proyecto geográfico

evaluación sistemática del riesgo per- tiempo/espacio y, por lo tanto, potencia


mitida por los derivados genera nuevas la creación de nuevos tipos de riesgo sis-
formas de riesgo, aumenta la volatilidad temático (Thrift y Leyshon, 1994).

C uad ro 1 - Algunas pérdidas famosas en el mercado de derivados


Pé rdidas Compañía Transacc ió n
D urante los diez prime ros años
$25 m General Reinsurance Caps
$377 m Merril Lynch Títulos respaldados por hipotecas
$125 m Société des Bourse Francaises Futuros financieros
$600 m London borough of Hammersmith and Fulham Varios
$380 m Klockner Cobertura de mercancías
$275 m Allied Lyons Opciones sobre forex
$70 m ABN AMRO Valoración MTM
$1456 m Kashima Oil Derivados sobre divisas
$130 m Nippon Steel Derivados forex
S e ptie mbre 1 9 9 3 a Fe bre ro 1 9 9 5
$ 50 Medani Efectos estructurados
$ 90 AIG Revaluación de derivados
$ 1340 Metallgesellschaft Corp. Derivados sobre energía
$ 200 Codelco Chile Futuros sobre bienes
$ 100 Cargill Derivados sobre hipotecas
$ 600 Askin Securities Modelo MBS
$ 157 P&G Spread sostenido marco/dólar
$ 121 Mead Corp. Swaps sostenidos
$ 100 Florida State & Florida League of Cities Derivados sobre hipótecas
$ 10 Kidder Peabody Amortización swap
$ 1450 Kashima Oil Derivados sobre divisas
$ 20 Gibson Greetings Swaps sostenidos
$ 10 CIBC Futuros financieros
$8 Caterpillar Financial Caps y swaptions
$ 22 ARCO (fondo de pensiones) Efectos estructurados
$ 35 Dell Computer Swaps y opciones sostenidos
$ 113 Air Products Swaps en divisas y sostenidos
$ 51 Harris Trust Savings Bank Derivados sobre hipótecas
$ 68 Pacific Horizon Funds Efectos estructurados
$ 20 Paramount Communications Swaps sobre tipos de interés
$ 10 Kidder Peabody Opciones sobre bonos
$ 40 CS First Boston Investment Management Derivados ligados a divisas
$ 90 Investors Equity Life Insurance Co. Futuros sobre bonos
$ 2000 Orange County (Diciembre 1994) Futuros sobre tipos de interés
$ 1400 Barings Bank Opciones sobre el índice Nikkei
Fue nt e: Wilson (1994), p. 22, Moody’s (1991), The Econom ist (4 March 1995)
Erik Swyngedouw 41

Un problema más grave que este compañía necesitó reestructurar sus acti-
escenario funesto de hundimiento global vidades para cubrir las pérdidas, lo que
es la posibilidad de que se devalúen y provocó la desaparición de alrededor de
desaparezcan miles de millones de dóla- 10.000 puestos de trabajo (Verbraeken,
res o yenes o libras mientras continúa cre- 1994, p.34) Durante la primera mitad
ciendo la polarización socio-económica, de octubre de 1994, el rublo cayó de
la pobreza y el sufrimiento humano y un 2.000 a 5.000 rublos por dólar. Gran
número cada vez mayor de personas no parte de los 2.300 bancos comerciales
consigue satisfacer muchas necesidades que existían en Rusia hicieron poco más
básicas. Por ejemplo, cuando la empresa que especular con estos cambios. No es
alemana del metal y el petróleo Metall- necesario detenerse en los efectos de esta
gesellschaft perdió más de 1.300 millones volatilidad en los precios de los alimentos
de dólares como resultado de operacio- y la energía para los pobres de Rusia
nes efectuadas en el mercado de deriva- (Higgins, 1994).
dos que quedaron fuera de control, la

El poder de la tríada y la circulación del capital

Los movimientos monetarios rigen el tiene profundas implicaciones para los


mundo de una forma hasta hace poco flujos de inversión y la geografía de la
impensable. Y, aunque estos flujos en producción así como para las relaciones
expansión aumentan la incertidumbre geopolíticas. En cada uno de estos
y la volatilidad, también refuerzan el “bloques” se han concertado medidas
nuevo orden político y espacial y la frag- para favorecer la cooperación y estabi-
mentación socio-espacial. De hecho, lizar el comercio y los flujos monetarios
estos flujos se basan en dicha fragmen- dentro de la región. La Unión Europea
tación y en la diferenciación geográfica. y la NAFTA son claros ejemplos.

La gran mayoría de las transaccio- No es sorprendente, por tanto, que


nes financieras tienen lugar en dólares, el comercio mundial y los flujos comer-
yenes o marcos alemanes. Esta circuns- ciales reflejen estas nuevas condiciones
tancia refuerza la geometría de Tríada geopolíticas (Randzio-Plath, 1994). Los
en cuanto al poder del dinero, en la cual flujos comerciales han experimentado
ninguna de estas regiones puede impo- cambios importantes entre 1970 y l990.
ner un proyecto hegemónico mundial. El comercio intraregional en Asia y en
Sin embargo, las fluctuaciones y la vola- Europa Occidental ha aumentado más
tilidad de las monedas de referencia de que el comercio interregional. Ahora
Asia, América y Europa, definen la diná- bien, a los países africanos y a los anti-
mica del sistema financiero mundial. Tal guos Estados socialistas de Europa les ha
y como se analizaba anteriormente, esto ido considerablemente peor. Mientras
42 Produciendo Futuros: el sistema financiero como proyecto geográfico

que la geometría de la Tríada favorece la de las escalas. Esta reorganización de la


cooperación intrarregional (aunque ope- importancia relativa y las relaciones
ran fuerzas poderosas diferenciadoras entre niveles geográficos no se ha rea-
que podrían desestabilizar estas nuevas lizado de forma neutral en lo que a su
formas de creación de alianzas territoria- contenido social se refiere. Por el contra-
les), las áreas que quedan fuera de esta rio, la nueva geometría del poder ha im-
nueva geometría del poder han sido con- pulsado a algunos hacia nuevos puestos
denadas a la marginación, la exclusión y de mando y ha desautorizado a otros.
el empobrecimiento. Por ejemplo, todos Mientras que muchos miles de personas
los modelos econométricos creados para sin techo deambulan por las calles de
evaluar el impacto del nuevo acuerdo del Londres y Nueva York y se estima que
GATT, aunque resultan bastante contra- 800 millones de personas en el mundo
dictorios en cuanto a la estimación de los no tienen acceso a agua potable en las
efectos netos, coinciden en el orden rela- grandes ciudades, los agentes de la City
tivo de los beneficiarios (o de los perde- mueven 1,3 billones de dólares cada
dores). Sin duda, los poderes de la tríada día. Es difícil encontrar ejemplos mejores
se beneficiarán de muy diversas maneras, y más perturbadores del mundo “glocal”
mientras que los países en “vías de desa- en el que vivimos. Urge llevar a cabo
rrollo” sólo resultarán favorecidos de una reconsideración de la función de la
forma marginal o se verán perjudicados escala geográfica, su construcción a
(De Standaard, 1994). Los desastres de través de relaciones de poder y lucha
Ruanda, Zaire o Rusia ilustran esta geo- social y el espeluznante sufrimiento hu-
grafía de marginación y exclusión de una mano que engendra. Esto es aún mas
forma que va más allá de la imaginación urgente sabiendo que la dinámica actual
hu man a. podría llevar a la economía mundial
hacia otra situación de crisis mientras que
En resumen, la compleja reestructu- bastaría con reajustar el tiempo y la es-
ración de los espacios comerciales y cala de circulación del dinero y el capital
financieros y de los flujos espaciales mun- para conseguir que la subordinación y
diales ha reavivado la importancia rela- el sufrimiento se convirtiesen en emanci-
tiva de una serie de escalas geográficas pación y capacidad de acción.
y ha producido una nueva articulación
Erik Swyngedouw 43

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Artigos
La Organización Económica
de las Ciudades: una perspectiva
in s t i t u c io n a l

Jan G. Lambooy y Frank Moulaert

I n tr o d u c ci ó n

En la literatura y la historia del mundo, Sin embargo, cuando se lee la litera-


las grandes ciudades y sus sistemas tura profesional y científica acerca del
económicos han sido típicamente re- proceso de desarrollo de las grandes ciu-
presentados como colmenas, donde se dades, a menudo se presentan análisis
combina una variedad rica y, muchas basados en interpretaciones bastante
veces, caótica de distintas clases de acti- racionales, o cuando menos, del desa-
vidades económicas en las esferas de la rrollo urbano económico inspiradas en
producción, la distribución y el consu- el orden. El análisis del surgimiento de
mo 1 . Estas actividades están incorpora- la ciudad de servicios, de la ciudad mun-
das en los flujos reales monetarios y de dial y global, de la ciudad transaccional
información, que vinculan los agentes etc., dan la impresión de que los siste-
urbanos y las zonas tanto dentro como mas económicos urbanos se organizan
fuera de las ciudades. Actualmente, un cada vez más según una lógica racional.
observador empírico no puede dejar de Esta lógica racional se corresponde con
apreciar que el surgimiento de la ciudad el modelo de persona civilizada neoinsti-
moderna, primero, y de la ciudad pos- tucional que toma decisiones, y que en
moderna, después, el caos sigue siendo vez de someterse al capitalismo salvaje
una constante. participa en acuerdos y transacciones

1
Véase por ejemplo la evocación maravillosa de la vida en la Cartago antigua, en Haefs (1989).

Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XIII, N o 1, 1999, p. 51-82


52 La Organización Económica de las Ciudades: una perspectiva institucional

racionales con otros agentes econó- las actividades innovadoras industriales


micos. Dichos acuerdos se basan en la y de servicios; la ciudad red y las redes
lógica económica de minimizar distintos urbanas. Estos cambios, que son de un
tipos de acción, y especialmente los gran interés para la literatura urbana,
costes de transacción. Los acuerdos se presentan un panorama impresionante
desarrollan en unos marcos institucio- de la ciudad económica racional, que
nales que reflejan el progreso de la so- ofrece amplias oportunidades de empleo
ciedad civil, basados en el respeto de la e ingresos a todas las capas de la pobla-
propiedad, en la iniciativa económica y ción urbana, en las nuevas y prósperas
en la capacidad y cooperación profesio- actividades estructuradas de acuerdo
nales. Incluso la regulación política de con la lógica transaccional. Este pano-
la sociedad urbana se interpreta cada rama ecléctico constituye, por supuesto,
vez más en dichos términos. una notable exageración de la realidad.

El propósito de este artículo es eva- La ciudad, como centro económico,


luar el poder explicativo de las teorías sigue siendo un espacio con una pano-
neo-institucionales de la organización y plia de diferentes actividades, tradiciona-
la desorganización económica de las ciu- les y nuevas, de producción, circulación
dades, y de plantear alternativas institu- y coordinación. El desarrollo postindus-
cionales (evolucionistas o regulacionistas) trial ha ido acompañado del crecimiento
a estas teorías. El artículo hace referencia vertiginoso de actividades que requieren
a las teorías neoinstitucionales en el sen- un bajo nivel de intensidad de capital y
tido de la economía neoinstitucional, tal de cualificación, algunas de ellas próspe-
como la definió Eggertsson, es decir, en ras en el sector informal de la economía
la tradición de la teoría económica neo- urbana, que sigue a los progresos posin-
clásica aunque suavizando las hipótesis dustriales; y el fracaso de reestructura-
de ausencia de restricciones institucio- ción del sector manufacturero tradicional
nales en el comportamiento económico, y de los servicios (por ejemplo, el trans-
de la información perfecta y del inter- porte público, los servicios sociales etc.),
cambio sin costes; por consiguiente, se refuerza la tendencia hacia una econo-
examinan inicialmente las consecuencias mía dual, especialmente en las grandes
de los costes de transacción positivos. ciudades. Es más, muchas de las deno-
(Eggertsson, 1990: 6-7). minadas nuevas actividades resultan ser
bastante vulnerables a los ciclos econó-
El segundo apartado resume los micos de expansión y recesión, gene-
principales cambios contemporáneos en rando así una tensión añadida en los
la organización económica de las ciuda- mercados de trabajo urbanos.
des, prestando especial atención a los
siguientes aspectos: el crecimiento de los Además, las dinámicas económicas
servicios profesionales; la ciudad infor- en la esfera del consumo y de la repro-
macional; la ciudad transaccional; la ciu- ducción siguen ocupando un lugar im-
dad como base de conocimientos para portante en la sociedad urbana. Las
Jan G. Lambooy y Frank Moulaert 53

nuevas denominaciones utilizadas para los contratos, acuerdos, organizaciones


definir la ciudad económica racional no etc., como resultado del intercambio y
cubren muchas de estas funciones urba- de las negociaciones entre agentes eco-
nas, y aunque éstas no constituyen el nómicos racionales similares. La segun-
principal objeto del artículo, deben te- da es que el mundo económico aparece
nerse en cuenta en aquellos aspectos totalmente desmaterializado en estas
que se refieren a su relación con la orga- teorías. Esto queda patente en su falta
nización del sistema urbano de produc- de interés por los mundos de la produc-
ción, distribución y control económico. ción (Salais y Storper, 1993), y de los
mercados y producción inmobiliaria
En el tercer apartado se analiza la (Van der Krabben y Lambooy, 1994).
ciudad transaccional y de red, a partir El mundo económico urbano se explica
de la economía neoinstitucional. Esta en términos de flujos de información y
explica algunos de los principios gene- transacciones, modos de comunicación
rales que subyacen de las dinámicas or- y gobernación. En realidad, los procesos
ganizativas de la economía urbana tales de transacción y coordinación son parte
como la internalización/externalización integrante de unos sistemas económicos
de actividades, la especialización de mer- más amplios, donde se incluyen los pro-
cados, la descentralización de estructuras cesos de producción y trabajo, las relacio-
organizativas, las configuraciones de nes laborales y de capital, los transportes
redes y sus modelos espaciales. Sin em- y la logística etc.
bargo, no consigue señalar una serie de
cambios económicos contemporáneos Para superar estas deficiencias teóri-
de las ciudades: las relaciones jerárquicas cas en el análisis económico urbano, la
en los procesos de coordinación que economía neoinstitucional necesita rea-
llevan a la exclusión de los agentes con lizar dos modificaciones importantes. En
menos poder, los fallos del mercado primer lugar, es necesaria una interpre-
inmobiliario, el desarrollo de los sistemas tación más realista de las dinámicas insti-
de producción, los procesos de sociali- tucionales y de la conducta individual
zación en la economía informal, el papel en la organización económica. En se-
de los agentes no económicos en la tran- gundo lugar, se deben combinar las di-
sacción y producción económicas etc. námicas de los procesos de regulación
y de producción, de manera que el aná-
El cuarto apartado presenta algunas lisis de los procesos económicos urbanos
indicaciones acerca de cómo se puede sea más realista. Esto puede llevarse a
mejorar el análisis neoinstitucional del cabo empleando tanto la teoría de la
sistema económico urbano. Las defi- economía evolucionista como la teoría
ciencias de las teorías citadas se deben regulacionista.
fundamentalmente a dos razones. La
primera es que existe una lectura con- Finalmente, en el quinto apartado
tractual de las dinámicas institucionales. se plantea que con un análisis más inte-
El mundo de las instituciones se limita a grado de la economía urbana, basado
54 La Organización Económica de las Ciudades: una perspectiva institucional

en una lectura más amplia de las diná- lazos en la ciudad, con dinámicas socia-
micas institucionales y de los procesos les y políticas no reduccionistas.
económicos, es posible establecer unos

La ciudad económica racional

Durante, al menos, los últimos diez años, visión económica arrogante del nuevo
la geografía económica ha desempeña- arquetipo urbano.
do un papel fundamental dentro del de-
bate sobre la reestructuración del sistema
productivo en el mundo capitalista. Entre El nuevo arquetipo urbano
los temas conocidos de este debate se
encuentran: la transición del fordismo a Las ciudades contemporáneas económi-
los modos de organización de la produc- camente “modernas” suelen represen-
ción posfordistas (Moulaert y Swynge- tarse como entidades territoriales cuyas
douw, 1989), la geografía de sistemas dinámicas socioeconómicas están gober-
flexibles de producción con especial én- nadas por unos nuevos principios de
fasis en las, generalmente reconocidas y innovación y organización, coordinación
frecuentemente criticadas, formas espa- económica y gestión. Estos nuevos prin-
ciales del Distrito Industrial y Distrito de cipios corresponden a distintos concep-
Alta Tecnología (Benko y Lipietz, 1992; tos de ciudades grandes y dinámicas.
Goldstein, 1991; Massey, 1985). El aná- Cada concepto representa importantes
lisis urbano ha seguido esta tendencia, y dimensiones de la organización econó-
se ha ocupado bastante de las ciudades mica urbana actual.
globales prósperas y de los mecanismos
económicos que se esconden detrás de LA C IU D AD IN N O V AD O R A
su éxito. Una lectura no demasiado crítica
de esta literatura podría convencernos de Este concepto, el más genérico de todos,
que las ciudades están cerca de conver- se refiere principalmente a la ciudad
tirse en entidades económicas y políticas como agente dinámico en la innovación
racionales, siguiendo la lógica de com- tecnológica, fundamentalmente a través
portamiento económico racional de la de la creación de parques de innova-
economía neoinstitucional, capaz de ción, de políticas de formación y edu-
proporcionar una solución a todos los cación etc. (cfr., por ejemplo, Goldstein,
problemas metropolitanos tradicionales 1991). En los últimos años ha habido
(desempleo, pobreza, utilización de terre- un cambio en la forma de entender la
nos, decadencia física, crisis de la demo- innovación, pasando del enfoque pro-
cracia y del gobierno local etc.). Pero la piamente físico “hardware”, hacia una
realidad se encuentra muy lejos de esta perspectiva de la innovación basada en
Jan G. Lambooy y Frank Moulaert 55

los conocimientos. Uno de los principales la que la literatura ha aplicado el término


partidarios de este acercamiento es resulta más bien cibernético.
Knight (1995).
LA C IU D AD TR AN SAC C IO N AL
LA C IU D AD PR O D U C TO R A Y D E
SERVICIOS En una terminología que se remonta a
Gottmann (1961), este término no sólo
Esta destaca el predominio de los servi- designa la ciudad que está dotada de una
cios, y el crecimiento rápido de servicios importante red de servicios financieros y
empresariales y de tipo FIRE en las ciu- comerciales, de infraestructuras de trans-
dades de primer y segundo rango de la porte, información y comunicación –
jerarquía urbana (Daniels, 1994; Bona- incluyendo por tanto los dos términos
my y May, 1994). En los últimos años, anteriores –, sino que hace también refe-
la atención se ha centrado particular- rencia a la “ciudad anfitriona”, que facilita
mente en los servicios avanzados de que se lleven a cabo transacciones debido
producción y en el papel que éstos de- a sus activos socioculturales, conexiones
sempeñan en la estrategia y organización con redes políticas, científicas, culturales
de la vida corporativa, así como en la etc., con alcance internacional (Gott-
reestructuración de las actividades eco- mann, 1983).
nómicas (como asesores en las áreas de
tecnología, organización o recursos hu- LA C IU D AD R ED
manos; como desarrolladores de siste-
mas etc.; véase Moulaert y Tödtling, La ciudad red es una ciudad multinodal,
1995). La imagen de la ciudad produc- o una conurbación de ciudades colin-
tora de servicios avanzados se asemeja dantes activamente conectadas, que
bastante a la de ciudad informacional. debido a su proximidad pueden bene-
ficiarse de las sinergias dinámicas del
LA C IU D AD IN FO R M AC IO N AL crecimiento interactivo por medio de la
reciprocidad, el intercambio de conoci-
Este es el título de un conocido libro de mientos y la creatividad inesperada.
Manuel Castells (1989), que describe la Estas consiguen también importantes
sociedad informacional a nivel urbano: economías de oportunidad, apoyadas
el carácter penetrante del desarrollo in- por rápidos y fiables corredores de infra-
formacional en el modo de desarrollo, estructuras de transporte y comunica-
la influencia de las tecnologías de la in- ción (Batten, 1995).
formación sobre los sistemas y flujos de
información, así como sobre la trans- LA C IU D AD GLO BAL
formación de las relaciones entre capital
y trabajo en la ciudad y sus suburbios. El calificativo “global” hace referencia
El criterio de Manuel Castells acerca de tanto a la influencia geográfica y como
la “ciudad informacional” es bastante funcional, especialmente al poder eco-
equilibrado; en cambio, la manera en nómico de una ciudad. Las ciudades glo-
56 La Organización Económica de las Ciudades: una perspectiva institucional

bales en general son ciudades donde hay sólo unas decenas de sociedades urba-
una fuerte presencia de sedes de Corpo- nas pueden denominarse globales. Las
raciones Transnacionales que operan en otras ciudades, sin embargo, aunque
muchos continentes. Algunas tienen una hacen referencia a las características
especialización funcional (financiera, es- quizás más innovadoras de las econo-
tructura de control de ciertas industrias mías urbanas contemporáneas, dejan a
manufactureras etc.), aunque la mayoría un lado los resultados de etapas ante-
manifiestan un alto grado de integridad, riores del desarrollo urbano. Por lo tanto,
diversidad y complementariedad en sus el modelo ortodoxo basado en la combi-
funciones económicas, sociales, políticas nación de estas figuras entra fácilmente
y culturales. Su carácter geográfico y fun- en conflicto con las intenciones de sus
cional las sitúa como núcleo de muchas autores, acabando por utilizar las partes
redes internacionales (Lambooy, 1988; de la realidad urbana socioeconómica
Sassen, 1994; Shachar, 1996). Obvia- por el todo.
mente, la ciudad global posee gran parte
de las características de las figuras urba- El cuadro 1 resume este tipo de
nas anteriores. “partes por el todo”: señala cuáles son
las dimensiones de las figuras urbanas
citadas anteriormente que se mantienen
El problema de estos conceptos de en el “nuevo arquetipo urbano”. Esta
grandes ciudades dinámicas diferentes, síntesis ahistórica y no institucional, re-
no es que no existen, sino que, en reali- fleja claramente en muchos sentidos la
dad, en la economía urbana ortodoxa forma de pensar de la economía neoins-
suponen el modelo de economía urba- titucional y abandona el análisis llevado
na actual. Sin embargo, su importancia a cabo por los autores previamente ci-
estadística es parcial. En todo el mundo, tados.

C uadro 1 - El nuevo arquetipo urbano: “la parte por el todo” en la vida


económica urbana
El desarrollo de la ciudad multifuncional, grande y dinámica está impulsado por un fuerte
comportamiento económico racional, gobernado por una serie de principios de intercambio y
coordinación, ya sean éstos de naturaleza corporativa, de mercado o contractual. El comer-
cio, la cooperación y la coordinación se realizan a través del intercambio de información y
por medio de transacciones, tanto entre individuos como entre redes. Las redes se forman en
y entre las ciudades. Sus principios directores son la conducta innovadora en la organización,
y la tecnología. El comportamiento económico racional, es también uno de los fundamentos
de la forma de gobierno urbana. Las instituciones innovadoras que fomentan un sistema eco-
nómico justo, basado en contrataciones individuales y colectivas entre ciudadanos homogé-
neos, son las que forman el núcleo del nuevo sistema urbano de coordinación política.
Jan G. Lambooy y Frank Moulaert 57

Argumentos empíricos industrias manufactureras, y otros


contra el nuevo arquetipo servicios, entonces esta cifra se
urbano dobla. En cuanto a los puestos de
trabajo de los servicios empresa-
Cualquier observador de dinámicas ur- riales, propiamente dichos, la mayo-
banas sabe que el “nuevo arquetipo ría están fuertemente concentrados
urbano” del cuadro 1, sólo muestra algu- en las capitales políticas y econó-
nas dimensiones de la realidad urbana. micas de las regiones, y a menudo
Una justificación parcial de esta visión representan el 40% o 50% del em-
sesgada del comportamiento socioeco- pleo nacional en estas actividades
nómico en las ciudades, es que los com- (Moulaert y Tödtling, 1995). Esto
portamientos y las actividades “nuevas” significa que en las ciudades que se
merecen probablemente más atención encuentran fuera de estas regiones,
que las que han existido durante algún los servicios empresariales consti-
tiempo o incluso durante siglos. Hasta tuyen menos del 5-10% de la to-
cierto punto, se podría justificar el sesgo talidad de empleo urbano, y por
empírico al que se acaba de hacer refe- consiguiente difícilmente se pueden
rencia. En cualquier caso, sea cual sea la utilizar como únicos ejemplos repre-
importancia innovadora de lo “nuevo”, sentativos para el estudio de la orga-
siempre debe comprenderse bien su rela- nización económica en el territorio
ción con lo “antiguo” (Jacobs, 1961). de estas ciudades;
Varias perspectivas teóricas – véase el
apartado cuatro – permiten establecer 2. Las ciudades globales sólo cubren
tales relaciones. La perspectiva histórica una pequeña parte de la realidad
que articula las etapas y formas de desa- económica. Muy pocos países con-
rrollo urbano, sigue un esquema distinto tienen ciudades globales. La mayoría
(Goedman, 1978; Lipietz, 1977; Jones, de las economías nacionales indus-
1990) al que plantea el arquetipo ur- trializadas, presentan algunas de las
bano: funciones económicas globales típi-
cas de las ciudades globales. En cual-
1. Los servicios, y sobre todo los ser- quier caso, países como Países Bajos,
vicios avanzados, que suponen los Bélgica o incluso Alemania, com-
valores transaccionales de uso por parten estas funciones entre varias
excelencia, sólo cubren una pe- ciudades grandes. En realidad, en
queña parte del empleo. En los paí- casi todas las economías urbanas y
ses de la OCDE, por ejemplo, en regionales que sirven a mercados de
1.990 la proporción de la población su área geográfica, predominan fun-
civil empleada en servicios finan- ciones de alcance regional y na-
cieros, seguros, inmuebles y servicios cional. Por lo tanto, extrapolar las
comerciales, se situaba entre el 4% características de las ciudades globa-
y el 12%. Si se incluyen también los les a otro tipo de ciudad supone un
trabajos de este mismo tipo de las tema delicado;
58 La Organización Económica de las Ciudades: una perspectiva institucional

3. Las dinámicas institucionales son más gares. Sin embargo, la especificidad


complejas que las transacciones, redes territorial determina las estrategias
y la contratación colectiva sugeridas de innovación, y hace necesario que
por el nuevo arquetipo urbano. Inclu- se definan estrategias específicas
so cuando se limita al comportamien- para lugares específicos (Cox,
to relacionado con la organización 1995). Por lo tanto, no es exagerado
económica, la obligada racionalidad decir que una conducta innovadora
económica adopta una amplia varie- exitosa tiene ingredientes locales ex-
dad de interpretaciones. Esto se debe plícitos;
al determinismo institucional, que de-
pende fuertemente de la dinámica 5. La idea de la ciudad transaccional,
institucional en las ciudades y las es la búsqueda iterativa, pero final-
regiones. Aunque es también una mente exitosa, de un equilibrio
consecuencia de la osmosis entre los entre agentes, actividades y flujos de
distintos tipos de racionalidad e irra- valores de uso de distintas clases. Sin
cionalidad que sirven de estímulo a la embargo, en realidad la socialización
conducta humana; urbana parece más una frágil articu-
lación de desequilibrios: entre activi-
4. Escuchando los discursos económi- dades económicas, en la distribución
cos contemporáneos sobre innova- de ingresos, en el mercado del tra-
ción urbana, se tiene la impresión bajo, en las funciones de utilización
de que existen algunas fórmulas es- del suelo, y entre los ámbitos econó-
tratégicas válidas para todos los lu- micos, sociales y de política espacial.

La ciudad neoinstitucional
A pesar del escepticismo inicial frente al mica institucional de North (Eggertsson,
nuevo arquetipo urbano y sus bases teó- 1990; Hodgson, 1993). Finalmente, las
ricas, se necesita estudiar más de cerca consecuencias espaciales de la economía
la teoría económica neoinstitucional y neoinstitucional para la economía ur-
su significado en el análisis de la organi- bana, no se han resumido de manera
zación económica de las ciudades. Exis- aceptable nunca.
ten, al menos, tres razones para ello.
Primero, la teoría no es completamente
igual al arquetipo: es propiamente ins- Los fundamentos de la
tructiva. Segundo, hay muchas versiones economía neoinstitucional
de la economía neoinstitucional, desde
el enfoque transaccional de Coase Las nociones centrales de la economía
(1937) y Williamson (1975; 1985) hasta neoinstitucional son las transacciones y
una interpetación más amplia de la diná- los costes de la transacción, los derechos
Jan G. Lambooy y Frank Moulaert 59

de propiedad y los contratos. Aunque sus derechos exclusivos” (Eggertsson,


los economistas neoinstitucionales no 1990: 14). Los conceptos de los costes
están realmente de acuerdo acerca de de información y transacción son dife-
cómo se definen las instituciones y de rentes. Como defiende Eggertsson,
cuál es, precisamente, la relación que “una persona solitaria en una isla desier-
tienen con las transacciones, la mayoría ta encontrará costes de información
parece reconocer que “cuando es cos- mientras se ocupa de su ‘producción ca-
toso llevar a cabo una transacción, las sera’, pero un individuo aislado no se
instituciones son importantes” (Coase, implicará en un intercambio y, por con-
1937). Los costes de transacción surgen siguiente, no tendrá costes de transac-
por la complejidad y el dinamismo de ción... Cuando la información resulta
los entornos y del precio de la informa- costosa, diversas actividades relaciona-
ción. Sin embargo, existen diferentes das con el cambio de derechos de pro-
opiniones sobre cómo surgen las insti- piedad entre individuos ocasionan costes
tuciones. de transacción” (Eggertsson, 1990: 15).
Los costes de transacción consisten en
En esta presentación de la economía “los costes de medir los atributos valiosos
neoinstitucional, se sigue principalmente de lo que se está cambiando y los costes
la interpretación de North (1990). Aun- de proteger los derechos, y respetar y
que menos conocido que Williamson, controlar los acuerdos” (North, 1990:
North es quizás el economista neoinstitu- 2 7 ) 2.
cional que interpreta la dinámica insti-
tucional de forma más amplia. Por lo La economía de los costes de la tran-
tanto, el diálogo entre su enfoque y la sacción se basa en dos suposiciones
economía institucional/evolucionista acerca de la conducta humana. Primero,
debería resultar más sencillo y menos los seres humanos actúan sujetos a un
polarizado. fuerte aspecto racional; los conoci-
mientos de las personas que toman las
Eggertsson, en su estudio de la eco- decisiones están profundamente limita-
nomía neoinstitucional, define los costes dos 3. Esto representa un problema en
de la transacción como “los costes que un entorno caracterizado por la incerti-
surgen cuando los individuos intercam- dumbre y la complejidad. Segundo, los
bian los derechos de propiedad por acti- seres humanos a veces tienen comporta-
vos económicos, obligando a respetar mientos oportunistas. Estos dos aspectos

2
En la interpretación de Williamson de los costes transaccionales: “Las transacciones pueden
tener lugar a través de los mercados o dentro de las organizaciones. Que una transacción
específica se asigne al mercado o a una organización, es una cuestión de minimización de
costes” (Williamson, 1975; 1985; Douma y Shreuder, 1992: 102).
3
Williamson no emplea bien el concepto de Simon de la obligada racionalidad. El concepto de
Simon de comportamiento satisfactorio no sólo se basa en la información limitada, sino
también en la dificultad de llevar a cabo todos los cálculos necesarios para poder tomar
decisiones racionales. Williamson pasa por alto éste último.
60 La Organización Económica de las Ciudades: una perspectiva institucional

particulares de la conducta humana las reglas formales; (2) normas de com-


destacan la importancia de la incerti- portamiento socialmente sancionadas;
dumbre a la hora de explicar las acciones y (3) pautas de conducta impuestas in-
humanas. “Estas incertidumbres surgen ternamente. Destacan, especialmente,
como consecuencia, tanto de la com- dos aspectos de las restricciones infor-
plejidad de los problemas que se tienen males: el papel importante que desem-
que resolver, como del software para peñan en la creciente evolución de las
resolverlos” (North, 1990: 25). Debe instituciones (la mayoría son crecientes
considerarse el papel de las instituciones cambios culturales); y que éstas se deri-
en este contexto, ya que se supone que van de aspectos culturales: no cambian
éstas reducirán la incertidumbre implícita inmediatamente reaccionando a cam-
en la interacción humana: bios en las reglas formales y ralentizan-
do el proceso de cambio.
“Las instituciones proporcionan la es-
tructura para el cambio, que (junto “Las reglas formales incluyen las
con la tecnología utilizada) deter- reglas políticas (y judiciales), las reglas
minará los costes de transacción y económicas y los contratos”. Las reglas
transformación. Depende de cómo políticas “definen la estructura jerárquica
resuelvan las instituciones los proble- de la forma de gobierno, su estructura
mas de coordinación y producción, básica de decisiones, y las características
se determinan la motivación de los explícitas de control de agenda”. Las
actores (su función de utilidad), la reglas económicas “definen los derechos
complejidad del entorno, y la capaci- de propiedad, es decir el conjunto de
dad de los actores para descifrar y derechos de uso y los ingresos derivados
ordenar el entorno (dimensión y de la propiedad o enajenación de un
aplicación).” (North, 1990: 34) bien o recurso” (ibid.: 47). La imposición
de una tercera parte implicaría, en prin-
Estas observaciones constituyen la cipio, “una parte neutral capaz de hacer
base de la explicación de North acerca cumplir los acuerdos, sin costes, de ma-
del cambio institucional y de la existen- nera que la parte infractora tuviese que
cia de diferencias considerables entre compensar siempre a la parte perjudi-
los sistemas económicos. Las institu- cada de forma que le resulte costoso
ciones necesarias para lograr cambios violar los contratos”. Esto supone el de-
económicos, varían su grado de com- sarrollo del estado como fuerza coerciti-
plejidad. North distingue entre restric- va capaz de controlar los derechos de
ciones informales, reglas formales e propiedad y el cumplimiento eficaz de
imposición por terceros. Las restriccio- los contratos (ibid.: 58-9).
nes informales (como son los tabúes,
las costumbres y las tradiciones) son North pretende articular una teoría
parte de la cultura que subyace a la so- de cambio institucional. Desde el punto
ciedad. Se componen de: (1) extensio- de vista de la estructura urbana, esto
nes, elaboraciones y modificaciones de hace que su teoría sea más relevante que
Jan G. Lambooy y Frank Moulaert 61

la versión de Williamson sobre economía 1929; Isard, 1956; Phelps, 1992; Mou-
institucional, en la que defiende que las laert y Djellal, 1995). Sin embargo, el en-
instituciones sólo se crean para reducir foque de North resulta especialmente útil
los costes transaccionales. North matiza para aclarar algunas de las dinámicas ins-
este supuesto y ofrece una visión más titucionales en el mercado inmobiliario
amplia de la dinámica institucional – urbano (Van der Krabben y Lambooy,
aunque aún limitada al sistema econó- 19 94 ).
mico. Afirma que las instituciones se
crean para reducir la incertidumbre En los últimos años, la idea de eco-
típica del comportamiento humano. nomías de aglomeración ha experi-
North reconoce que la historia influye mentado una evolución importante.
en el cambio institucional, éste depende Gracias al debate acerca de los procesos
de la trayectoria que se haya seguido, y de transacción e innovación, se le ha
que incluso a largo plazo, no siempre dado un contenido más amplio a este
contribuye a una mayor eficiencia, concepto (Phelps, 1992). En primer
como sostenían los economistas neoins- lugar, sus dimensiones cualitativas han
titucionales “puros”. A su juicio, las reglas recibido mucha más atención. El enfo-
políticas predominan sobre las reglas que ha cambiado, pasando de efectos
económicas. Las instituciones cambian de escala a efectos de alcance (Goldstein
interactivamente; aunque North en- y Gronberg, 1984) y de economías de
tiende el cambio institucional como un localización a economías de urbani-
sistema mecánico: que se produce en zación (Lambooy, 1981; Moulaert y
sentido ascendente, generando resulta- Djellal, 1995). En segundo lugar, sus im-
dos crecientes en los procesos institucio- plicaciones espaciales se han analizado
nales de aprendizaje. Por consiguiente, mejor. De hecho, actualmente resulta
simplifica la complejidad de las relaciones mucho más sensato considerar “las aglo-
entre estructuras, instituciones y agentes. meraciones como redes de áreas muy
extensas” (Moulaert y Gallouj, 1993).

La organización del espacio Directa o indirectamente, la noción


urbano neoinstitucional de aglomeraciones económicas urbanas
se ha enriquecido gracias, en gran medi-
La organización del espacio urbano neo- da, a las teorías económicas neoinstitu-
institucional puede interpretarse en tér- cionales. El análisis de los costes de la
minos de combinación de dinámicas de transacción de Williamson ayudó a evitar
internalización-externalización que pro- la lógica hooveriana de los costes de pro-
pone Williamson (1985) y del proceso ducción y distribución (Capellin, 1988).
institucional de aprendizaje de North Fundamentalmente, a través de una ex-
(1990). La mejor manera de combinar plicación detallada de que la lógica orga-
ambas lógicas en un marco espacial, es nizacional de los agentes económicos
utilizando la noción de economías de está profundamente influenciada por el
aglomeración (Hoover, 1948; Weber, coste de adquisición de los activos más
62 La Organización Económica de las Ciudades: una perspectiva institucional

adecuados para sus operaciones, como transaccionales del espacio, y puede


consecuencia de su intensa racionalidad surgir en diferentes órdenes espaciales
y oportunismo. Con la formulación de (Camagni, 1993). Actualmente, muchos
una teoría de cooperación económica de los efectos de la reducción de costes
“entre mercado y jerarquía”, que pone transaccionales que produce la concen-
su mayor énfasis en los costes internos tración urbana, sólo se pueden explicar
y externos, es decir, superando la incerti- por las configuraciones interurbanas
dumbre acerca del futuro de las cone- adoptadas por la división espacial de tra-
xiones entre el sistema de producción y bajo de los principales agentes urbanos
de distribución de una empresa, la apli- (Moulaert y Djellal, 1995). Muchas ven-
cación de la teoría de Williamson resta- tajas localmente específicas, se generan
blece al menos una dimensión de las combinando las capacidades locales con
economías externas que generalmente los recursos globalmente disponibles.
se atribuyen a las aglomeraciones urba- Esta nueva percepción ha contribuido
nas, y que por lo tanto se denominan al resurgimiento del debate acerca de la
economías de aglomeración. Un ejem- “proximidad”, tal y como se detalla a
plo, es el fácil acceso a la información, continuación: la proximidad y la coope-
gracias a la presencia de una serie de ración económica ajustada a la proxi-
agentes y activos en un sistema de infor- midad, no serán conceptos inseparables,
mación y comunicación relativamente pero deberán considerarse en un con-
bien organizado y espacialmente con- texto más amplio de redes que afectan
centrado, en el que se combinan ele- a áreas más extensas, dentro de las
mentos de mecanismos de mercado y cuales evolucionan las economías ur-
de cooperación en y entre empresas. ban as.
Según esto, las aglomeraciones urbanas
surgen y se desarrollan como los espacios La economía neoinstitucional no
adecuados para el intercambio comer- sólo ha contribuido a una mejor com-
cial, constituyendo una organización prensión de la organización de las rela-
flexible de empresas – abarcando las ciones de los agentes económicos en y
empresas red y las redes de empresas. entre las ciudades, sino que ha presen-
tado la ciudad como el entorno adecua-
La economía neoinstitucional no do para adquirir, producir y compartir
sólo ha contribuido a la explicación de conocimientos. La visión de North de la
las relaciones transaccionales en las innovación y el aprendizaje institucional
ciudades, también ha servido para re- es compatible en cierto sentido con el
considerar las relaciones entre espacio papel de las ciudades y de los gobiernos
y externalidades económicas tradi- urbanos en la innovación socioeconó-
cionalmente atribuidas, casi exclusiva- mica. La ciudad del conocimiento sólo
mente, a la concentración espacial, y tendrá éxito si se introducen instituciones
especialmente a la concentración urba- innovadoras apropiadas. En la lectura
na. La organización de redes, refleja la contemporánea de la aglomeración eco-
preocupación por controlar los costes nómica, el papel de estas instituciones
Jan G. Lambooy y Frank Moulaert 63

aparece explícito (véase por ejemplo en realidad, muchas instituciones crecen,


Knight, 1995). sencillamente, por el comportamiento
espontáneo de los agentes de mercados
La versión de North de la economía inmobiliarios (Leontidou, 1990).
neoinstitucional resulta también relati-
vamente instructiva, en lo refierente al Resumiendo, la ciudad económica
funcionamiento del mercado de suelo ur- neoinstitucional es, sobre todo, una ciu-
bano e inmobiliario. La explicación de dad donde se tienen en cuenta mucho
North sobre el crecimiento de las institu- más el intercambio y la cooperación, el
ciones para controlar la incertidumbre y aprendizaje y la innovación, que la inge-
el comportamiento oportunista de los niería, la producción, la consolidación y
agentes, aclara por qué eran necesarias la supervivencia. En este sentido, ofrece
las regulaciones nacionales para gestio- un importante complemento a la ciudad
nar la interacción entre la oferta y la de- industrial, basada en la coordinación de
manda en los mercados de propiedad, divisiones manufactureras y de comple-
la explotación de terrenos, las corpora- jos industriales (Scott, 1988). Sin em-
ciones inmobiliarias etc. Sin embargo, bargo, su concepción de la dinámica
existen dos incovenientes importantes institucional desde el punto de vista de
que limitan el impacto de este enfoque. mercados, jerarquías y autoridades (es-
En primer lugar, North hace referencia tatales) es demasiado sencilla, y cubre
sobre todo a sistemas institucionales na- sólo una parte de la complejidad de la
cionales, así que la aplicación de su teo- organización económica en la ciudad.
ría a nivel local se basa en una mera Además, es metafísica en el sentido ori-
extrapolación. En segundo, su lectura ginal del término: es especialmente ins-
acerca de la dinámica institucional sigue tructiva en actividades y organizaciones
siendo demasiado instrumentalista y económicas basadas en el conocimiento,
voluntarista (persigue la consecución de pero no supera los supuestos de la con-
unos objetivos concretos), mientras que, ducta económica racional.

La ciudad institucional
La expresión “ciudad institucional” hace nal neoinstitucional, o incluso la teoría
referencia a una ciudad cuya organiza- de elección pública y del agente princi-
ción económica se explica en base a la pal. Otros, como Commons y Veblen,
teoría económica institucional. en En limitan la economía institucional a cam-
este enfoque pueden presentarse dos bios basados en el antiguo institucio-
ambigüedades. En primer lugar, el térmi- nalismo, sobre todo el de los EE.UU.
no economía institucional tiene varios (véanse Hodgson, 1988; 1993; Mou-
significados. Algunos autores entienden laert, 1987). Otros en cambio, identi-
como parte de ésta, la teoría transaccio- fican la economía institucional con la
64 La Organización Económica de las Ciudades: una perspectiva institucional

evolucionista (Hodgson, 1988: 13) 4. La (Hodgson, 1988). Esto fue tan cierto en
única manera de superar este problema los años 30, frente al crecimiento de la
conceptual es definiendo cuidadosa- economía neoclásica, como lo es hoy
mente lo que queremos decir con teoría día en contra de las distintas corrientes
institucional (véase lo siguiente). En se- de economía neoclásica y neoinstitucio-
gundo lugar, no existe una literatura nal. A pesar de este planteamiento “en
propiamente dicha sobre las consecuen- negativo”, la economía neoinstitucional
cias de la economía institucional en el no surge como un complemento a las
análisis de la organización económica de debilidades de la ortodoxia, sino como
las ciudades. Sin embargo, la literatura una agrupación coherente de contribu-
acerca del desarrollo económico local y ciones teóricas diferentes que cubren
los sistemas de gobierno (Colletis et al., distintos elementos de la dinámica
1990), los sistemas de innovación regio- reguladora socioeconómica (Moulaert,
nales (Abdelmalki et al., 1992) y sobre 1987).
la reestructuración económica de las
economías urbanas (Harloe, et al., En general, la economía institucional
1990) se apropia de forma significativa considera a los participantes de la econo-
de la teoría institucional, y especial- mía como seres humanos, y a la socioe-
mente de la economía evolucionista y conomía como un sistema. A diferencia
la teoría de regulación. Por lo tanto, se de la economía ortodoxa, y de la neoins-
puede considerar que la teorización de titucional, “las relaciones sociales, las de-
la organización económica desde el cisiones y las acciones en la producción
punto de vista institucional constituirá el e intercambio”, “la tecnología en relación
próximo paso lógico en el análisis urba- con la producción etc.” y “los gustos y
no contemporáneo. preferencias individuales” se consideran
partes endógenas de este sistema (Hodg-
son, 1988). Esto implica una serie de im-
Características de un portantes consecuencias: los gustos y las
enfoque institucional preferencias dejan de estar determinadas
por el sistema económico, sino que se
La economía institucional se desarrolla forman en él, e influyen en su evolución;
como respuesta a la incapacidad de la el desarrollo de la tecnología y la diná-
economía ortodoxa de ocuparse del ca- mica organizacional son parte del este
rácter social de las relaciones económi- proceso; la dinámica institucional llega a
cas, la heterogeneidad de las actividades ser considerablemente más compleja y
económicas y la complejidad de la re- realista. La coordinación económica en
gulación y coordinación económica términos de autoridad económica dentro

4
Algunos autores tienden a identificar el “viejo” institucionalismo, con la economía evolucionista.
Esto no es del todo adecuado, para uno de los principales representantes del viejo institu-
cionalismo, John Commons. A John Commons no se le puede considerar un evolucionista
en el sentido posdarwinista.
Jan G. Lambooy y Frank Moulaert 65

de o fuera de la empresa, y el intercambio conducta (Hodgson, 1988).


transaccional dentro de o fuera de la
empresa, son reemplazados por una Sin embargo, existen diferentes
interpretación mucho más amplia en la aproximaciones en las corrientes de la
que se combina la diversidad de los teoría institucional. Haciendo referencia,
mundos de la producción con la diver- al menos, a tres de las escuelas más sig-
sidad de los sistemas de gobierno (Salais nificativas deben considerarse, sin
y Storper, 1993). En consecuencia la no- embargo, elementos de todas ellas, es-
ción de instituciones se ve ampliada: los pecialmente de la teoría evolucionista y
mercados, los contratos y las autoridades regulacionista.
que facilitan o dificultan las transacciones
se integran dentro de un enfoque histó- Las obras institucionales más cerca-
rico que se ocupa menos del “por qué nas al viejo institucionalismo anglosajón,
deberían” desarrollarse las organizaciones se inspiran profundamente en la visión
económicas y más del “cómo y por qué” contractual, típica de la escuela de Wis-
se desarrollan. El cambio de una interpre- consin (Commons, 1934; Moulaert,
tación normativa a una analítica, y de una 1987: 316). Aunque hay una clara sen-
estática a una histórica, de la dinámica sibilización por los procesos históricos de
organizacional tiene por lo tanto impor- explotación y desigualdad, la fuerte
tantes consecuencias para la teoría y creencia normativa de negociación y
metodología institucional. En primer contratación conduce a un mundo eco-
lugar, las hipótesis de comportamiento nómico en el que, tanto ahora como
económico racional de los agentes que en el futuro, las anomalías se solucio-
subyacen de la economía ortodoxa, son narán a través del trato colectivo. Esta
reemplazadas por hipótesis mixtas de ra- actitud está particularmente presente en
cionalidad e irracionalidad. La conducta la teoría de la contratación de trabajo
individual, intencionada o no, es inhe- (Salais, 1990).
rente a los procesos sociales. Esto nece-
sariamente, significa que el individualismo La economía evolucionista enfatiza
metodológico de las economías neoclási- la complejidad de los sistemas de forma-
cas y neoinstitucionales debería dar paso ción de preferencias y de los sistemas
al colectivismo metodológico. Ello su- cognitivos. Su contribución principal ha
pone que el comportamiento colectivo sido el análisis de los procesos tecno-
no es únicamente la suma de (los resul- lógicos y organizativos a nivel de empre-
tados de) los comportamientos de los sa y de sectores, desde un punto de vista
individuos que siguen unos principios neodarwinista (Dosi, 1988; Nelson y
bien definidos de racionalidad, sino que Winter, 1982). De alguna manera, re-
es el comportamiento de los individuos, calcan mucho la relación entre los aspec-
grupos y las instituciones que forman tos cognitivos y físicos del mundo de
parte de un sistema social, con determi- producción. Sin embargo, analiza la
nismos estructurales e institucionales así dinámica institucional en estrecha rela-
como con una diversidad de pautas de ción con los procesos de innovación, y
66 La Organización Económica de las Ciudades: una perspectiva institucional

por lo tanto tiende a entenderse de económicas reguladoras, y en los coexis-


forma instrumentalista (instituciones que tentes y continuos conflictos entre lógicas
promocionan la innovación, controlan que obedecen a distintas racionalidades.
la incertidumbre etc.). Uno de los pre- Las actividades económicas contempo-
cursores de la economía evolucionista ráneas crecen sobre la base del desarro-
es Veblen, que pertenece a la tradición llo urbano anterior, y se adaptan a los
del “antiguo” institucionalismo norte- prerrequisitos de los nuevos modos de
americano. Sin embargo, el “antiguo” producción (Moulaert, 1995; Moulaert
institucionalismo no puede identificarse y Leontidou, 1995). Las redes urbanas
con el evolucionismo. e interurbanas organizadas que respon-
den a ejemplos de coordinación racional
Una tercera corriente de la econo- y que ocupan un espacio ajustado a sus
mía institucional, es la que se conoce necesidades, son sustituidas por agentes
como la teoría de la regulación. Ha sido, únicos o asociados que cubren un con-
principalmente, esta teoría la que ha junto de áreas funcionales y no funciona-
conservado el vínculo con las bases de les, y de lugares aislados frecuentemente
las economías radicales y poskeynesia- deshabitados o abandonados. A dife-
nas (Boyer, 1987). Por lo tanto, es más rencia de la ciudad neoinstitucional, la
realista que las corrientes anteriores a la ciudad institucional está llena de con-
hora de tratar temas de relaciones de tradicciones en cuanto a intereses y
poder, desigualdad social y dinámica comportamientos; las instituciones van
política. mucho más allá del exclusivo interés de
coordinación económica basada en cri-
terios de eficacia para favorecer la dis-
Una crítica institucional de tribución en el mercado.
la ciudad neoinstitucional
Esta diversidad de categorías cues-
Una crítica institucional de la ciudad tiona la idea de la economía urbana
neoinstitucional no sólo supone sustituir innovadora, científica, basada en conoci-
los típicos agentes y relaciones neoinsti- mientos, informacional y transaccional.
tucionales por agentes e instituciones Si bien la innovación desempeña un
completamente nuevos, también supo- papel útil en la mayoría de las actividades
ne tener en cuenta las implicaciones económicas, significa algo completa-
geográficas. mente diferente en cada caso. Compá-
rense por ejemplo actividades como la
El enfoque de los sistemas históricos reparación de calzado, restaurantes
asociados al institucionalismo cuenta chinos o la asesoría de la gestión estra-
con diversos agentes económicos. Esta tégica.
diversidad se pone de manifiesto en la
variedad de actividades económicas de La información debe estar catego-
fabricación y de servicios, en las diferen- rizada según su funcionalidad, que de-
tes funcionalidades de las instituciones penderá de la naturaleza de la actividad,
Jan G. Lambooy y Frank Moulaert 67

su organización e instituciones aso- En lo referente a los mercados


ciadas. Distintas clases de información inmobiliarios, ya se ha indicado que la
no sólo requieren distintas formas téc- economía neoinstitucional de North es
nicas de tratamiento y transmisión, sino útil para identificar la lógica institucional
también distintos marcos institucionales. que hay detrás de las leyes, las regulacio-
nes y los agentes públicos que interfieren
Esto último puede que suponga la en estos mercados. Pero ésta sigue siendo
cuestión institucional más importante de una teoría que persigue el equilibrio
la versión williamsoniana de la econo- entre distintos tipos de oferta y demanda
mía neoinstitucional: la economía de de usos funcionales, suelo y propiedad.
costes transaccionales, es probablemen- No ayuda a explicar la dinámica de seg-
te de especial interés para estudiar la mentación en base a criterios sociales y
asignación de determinados activos y el características de utilización del suelo.
diseño de organizaciones eficientes en
entornos no turbulentos y sencillos. Pero Resumiendo, a través de una crítica
a pesar del análisis detallado de unas de las instituciones se puede aislar la asi-
ventajas comerciales determinadas, las metría de la ciudad neoinstitucional pre-
consecuencias transaccionales se definen sentada en el tercer apartado (Cuadro
exclusivamente en términos de la espe- 2). La ciudad neoinstitucional es una
cificidad del objeto, al margen de la di- ciudad sin procesos de producción. Sus
námica interna institucional de los ciudadanos son agentes cibernéticos y
“mundos de producción”. Según Salais transaccionales, y las instituciones pú-
y Storper (1993: 353), para la econo- blicas/privadas sólo controlan la in-
mía neoinstitucional la diversidad de certidumbre. El suelo y los inmuebles
objetos es un determinante esencial de únicamente se comercializan y aseguran:
la vida económica, mientras que la ac- no se usan, transforman o abandonan.
ción económica de las personas tiene Se dan por sentados los equilibrios de
menor importancia. Cada clase de acti- larga o media duración en los mercados
vo (como tiene una existencia objetiva) inmobiliarios. Las relaciones están limi-
crea un conjunto concreto de proble- tadas por las jerarquías corporativas, el
mas sobre los que actuar, una forma intercambio comercial, las formas con-
específica de fracaso comercial y de cre- tractuales de cooperación y respeto a
dibilidad, así como de comportamiento las leyes y reglas decididas por las ins-
oportunista; al mismo tiempo, ofrece un tituciones autoritarias, creadas sobre una
método para adaptar las instituciones de base contractual entre agentes indivi-
manera que contribuyan a la solución duales. Respecto a la organización es-
del dilema presentado por la “imperfec- pacial, la ciudad neoinstitucional es una
ción humana”. Desde luego, este enfo- red de agentes económicos que ocupan
que de la diversidad institucional es un lugares, comercian, negocian y contratan
caso extremo de determinismo objeti- entre sí, utilizando todo el espacio urba-
vo, que olvida por completo el proceso no. La diferenciación dentro de la ciudad
de producción y su regulación. se explica por la diferencia “objetiva”
68 La Organización Económica de las Ciudades: una perspectiva institucional

entre los valores de uso tramitados y por se intercambian suelen pertenecer al


las diferencias históricas entre las insti- ámbito de los productos contempo-
tuciones. Éstas, sin embargo, siguen siendo ráneos de alta tecnología y servicios
una caja negra, y los valores que en realidad profesionales.

C uadro 2 - Caracterización de las ciudades neoinstitucionales e institucionales


La c iudad ne oins tituc io nal
El desarrollo de la economía urbana se rige por el comportamiento económico racional. Inter-
cambio, cooperación y coordinación se llevan a cabo a través del intercambio de información
y de las transacciones relacionadas con los individuos y con las redes. Las redes se consti-
tuyen en y entre ciudades.
El comportamiento económico racional constreñido depende también de la forma de
gobierno urbana. Las instituciones que forman el núcleo del nuevo sistema urbano de coor-
dinación política, son las instituciones innovadoras que fomentan la decencia económica y
que se basan en la contratación individual y colectiva entre sujetos iguales.
La ciudad neoinstitucional es una ciudad sin procesos de producción. Sus ciudadanos son
agentes transaccionales y cibernéticos, y las instituciones públicas/privadas controlan la incerti-
dumbre. El suelo y los bienes raíces únicamente se comercian y aseguran: no se usan, trans-
forman o abandonan. Se dan por sentados los equilibrios de larga o media duración en los
mercados de los bienes raíces. Las relaciones están limitadas a las jerarquías corporativas, el
intercambio comercial, las formas contractuales de cooperación y respeto a las leyes y reglas
decididas por las instituciones autoritarias, creadas sobre una base contractual entre agentes
individuales. Respecto a la organización espacial, la ciudad neoinstitucional es una red de
agentes económicos que ocupan lugares, comercian, negocian y contratan entre sí, no dejan-
do de utilizar ningún terreno urbano. La diferenciación dentro de la ciudad se explica por la
diferencia “objetiva” entre los valores de uso tramitados y por las diferencias históricas entre
las instituciones.
La c iudad ins tituc ional
En la ciudad institucional, se considera el sistema socioeconómico en su conjunto; esto signi-
fica que la realidad (física, biológica, social) y las dinámicas estructurales e institucionales
interactuan entre sí. Los agentes humanos desempeñan un papel activo en la dinámica insti-
tucional, y también la determinan. Mundos “diferentes” interactuan entre sí. Para la organiza-
ción económica, esto supone que la dinámica institucional interactua con “los mundos de pro-
ducción” y que el comportamiento innovador tiene relación con la creatividad institucional.
La regulación política no puede seguir considerándose como instrumentalista, sino como
interacción recíproca entre ámbitos de regulación e instituciones reguladoras, reglas y prácticas.
Desde un punto de vista espacial, hay muchísima más variedad y desequilibrio de flujos y
redes de comercio, transacción y comunicación que lo que predica la neoinstitucional. La
continua relación estresante entre “mundos de la producción” y dinámica institucional, por un
lado, y la fuerte interacción entre la vida económica, política y sociocultural, por el otro, con-
ducen a una variedad de formas urbanas, de uso del suelo e inmuebles. La regla es el dese-
quilibrio en el mercado de bienes inmuebles.
Las diferentes corrientes de la tradición institucional, hacen énfasis a distintos aspectos:
La c iudad e vo luc io nista La c iudad re gulac io nista
 Organización innovadora y que aprende, di-  La dinámica reguladora se extiende a través
señada con una estructura competente y con de diferentes subsistemas; socialización for-
una política firme endógena a la organiza- m al e inform al de los agentes
ción corporativa  Relaciones de poder en todos los subsis-
 Ciudad como sistem a social de innovación temas urbanos, con gran énfasis en el pro-
ceso e intercam bio laboral
Jan G. Lambooy y Frank Moulaert 69

La ciudad evolucionista se han conservado son los que aportan


ventajas a la lucha por la supervivencia”
Uno de los rasgos más llamativos de la (Hodgson, 1994: 21). Hasta dónde se
ciudad neoinstitucional es la ausencia de puede llevar la analogía entre la teoría
sistemas de producción. Tal y como ex- económica evolucionista y la biología
plicaban Salais y Storper, en la economía evolucionista varía radicalmente según
neoinstitucional, el mundo de la bús- el autor, se pueden encuentrar plantea-
queda de activos específicos para con- mientos que van desde la igualdad de
trolar la incertidumbre no encuentra su enfoque entre la teoría evolucionista
paralelo en los mundos de los sistemas social y biológica, hasta la conservación
de producción. Es probable que este de los principios fundamentales (selec-
fuera el motivo principal por el que el ción, adaptación, aprendizaje, progreso)
acercamiento evolutivo a la “resolución en una teoría esencialmente social (Dosi
de problemas” podía considerarse como y Marengo, 1994).
complementario a la consideración de
Williamson acerca de que las empresas El modelo de la empresa innova-
funcionan como economizadoras sobre dora aprendiz es el aspecto de la econo-
los costes transaccionales (Dosi y Ma- mía evolucionista mejor desarrollado. Es
rengo, 1994: 165). el modelo del resolutor de problemas,
que utiliza capacidades externas e inter-
El principal modelo de la economía nas para hacer frente a las oportunidades
evolucionista contemporánea es el del y restricciones que surgen en el desa-
agente aprendiz (fundamentalmente la rrollo de la empresa. La cuestión no es
empresa aprendiz) involucrado en un optimizar el comportamiento de la em-
proceso de innovación tecnológica y presa en el sentido neoclásico o neoins-
organizativa en un mundo de incer- titucional, sino actuar racionalmente
tidumbre. Originalmente, el término usando las capacidades disponibles, en
“economía evolucionista” hace referen- un entorno cuya incertidumbre sólo se
cia a paralelismos con la teoría evolu- puede controlar por medio de procesos
cionista darwiniana, cuyos principios de aprendizaje. Utilizando las nociones
fundamentales se pueden resumir en tres del paradigma tecnológico y su trayecto-
puntos. En primer lugar, la variación de ria, se puede hacer una distinción entre
los componentes de una población debe el progreso tecnológico normal y la
ser inherente al sistema. Sin variación, forma de implementarlo en los sectores
la selección natural no puede actuar. Se- y las empresas (Dosi, 1988, Dosi y Orse-
gundo, debe existir y actuar un principio niggo, 1988; Freeman y Peres, 1988).
de herencia o de continuidad. En tercer En contribuciones más recientes se ha
lugar, la propia selección natural actúa analizado más detenidamente (Dosi y
“bien porque unos organismos mejor Marengo, 1994; Coriat y Dosi, 1995) el
adaptados producen una prole cada vez papel de la dinámica organizativa corpo-
más numerosa, o bien porque las varia- rativa como caso particular del proceso
ciones o combinaciones de los genes que de aprendizaje y resolución de proble-
70 La Organización Económica de las Ciudades: una perspectiva institucional

mas. “En general los miembros de una no y la creatividad en la adaptación ins-


organización tendrán diferentes ideas titucional.
del entorno que tienen delante. Esta
multiplicidad de representaciones re- Debido a sus lazos intrínsecos con la
quiere la implementación de unos me- teoría de la microrganización, la aplica-
canismos que reconcilien los conflictos ción de la teoría evolucionista a las ciu-
vigentes o potenciales” (Dosi y Marengo, dades y a los sistemas de ciudad no es
1994: 167). Estos dos autores ar- natural. Sin embargo, las nociones del
gumentan que estos mecanismos se paradigma tecnológico, la trayectoria
pueden observar desde, al menos, dos tecnológica y los sistemas nacionales de
perspectivas: una “cognitiva”, que re- innovación (Freeman y Perez, 1988) se
quiere una base común de conoci- han aplicado al ámbito regional (Ayda-
mientos, una representación común del lot, 1986; Abdelmalki et al., 1992; Mou-
entorno incierto; y otra “política”, que laert et al., 1993). Estas aplicaciones han
hace referencia a “los procedimientos mostrado la posibilidad de analizar las
que definen y rigen las relaciones jerár- instituciones que, positiva o negativa-
quicas en la organización”. Pero, sin mente, catalizan los procesos de inno-
embargo, ambas perspectivas están ín- vación regionales. Al mismo tiempo, la
timamente ligadas, “los aspectos cog- influencia evolucionista ha mejorado el
nitivos y políticos de los mecanismos de análisis de los aspectos funcionales y
coordinación están íntimamente interco- espaciales de la organización en red
nectados y no pueden distinguirse: las entre las empresas (Perrin, 1991). Aun-
relaciones que configuran la base orga- que hasta el momento parece inexis-
nizativa de los conocimientos son las tente, las aplicaciones para estudiar la
mismas que las que definen la estructura organización económica de las ciudades
jerárquica de la organización” (ibid.: supondrían un auténtico paso adelante
167). en este sentido. No sólo quedaría anula-
da la perspectiva neoinstitucionalista de
Si se compara la respuesta institucio- las empresas con una conducta dirigida
nal que ofrecen los evolucionistas a la a la resolución de problemas y que se
incertidumbre, frente a la respuesta que implican en distintos tipos y etapas del
ofrece North, a quien se ha considerado proceso de innovación, sino que tam-
un neoinstitucionalista “avanzado”, re- bién el aprendizaje organizativo, con su
sulta claro que como consecuencia de dimensión tanto cognitiva como política,
vincular las estrategias organizativas haría que la “ciudad sim” de las institu-
como requisito previo para la resolución ciones económicas urbanas y supraur-
de problemas, recogiendo información banas cobrara más realidad. A diferencia
en sus distintas formas, la idea creciente de las extrapolaciones neoinstitucio-
de crear instituciones queda totalmente nales, la diferenciación de las formas ur-
anulada por el principio de aprendizaje banas no sólo se atribuiría a los criterios
institucional, lo que implica el intercam- objetivos de los activos intercambiados
bio flexible de información con el entor- y los estímulos de control, sino también
Jan G. Lambooy y Frank Moulaert 71

a las trayectorias específicas de la orga- no un proceso de conducta o aprendi-


nización de los procesos de producción, zaje con un resultado distinto.
innovación y aprendizaje de/entre los
agentes económicos y no económicos. En segundo lugar, la economía evo-
lucionista no trata el proceso de trabajo
y relaciones laborales (ni retributivas).
La ciudad regulacionista Esto supone, desde luego, un defecto
importante para una teoría que debe
La anulación de la ciudad neoinstitucio- instruir acerca de la dinámica institucional
nal no se detiene con los evolucionistas. de una sociedad en la que estas relacio-
La teoría evolucionista sigue sujeta, al nes tienen un papel importante, e incluso
menos, a dos factores. En primer lugar, se consideran como fuerza motriz para
todavía existe un paralelismo demasiado la dinámica social y el progreso de las
obvio con la teoría biológica de la evolu- teorías radicales y sociológicas. Si se
ción, que atribuye un significado distinto desea analizar debidamente la dinámica
a la selección/adaptación y ruptura/crisis, institucional socioeconómica en el ámbi-
al que proporciona la mayoría de la teo- to urbano, las relaciones laborales y la
ría institucional contemporánea socioló- reproducción de la mano de obra deben
gica. El principio de selección/adaptación estar presentes en el marco teórico.
pone demasiado énfasis en los “gana-
dores”, las empresas exitosas o relati- Estos dos argumentos son los que
vamente exitosas. En este sentido, la han conducido a la ciudad regulacionista
sombra del comportamiento económico o a la lectura de la regulación socioeconó-
racional sigue predominando demasia- mica en la sociedad urbana, desde el
do, y no se considera el comportamiento punto de vista de la teoría francesa de la
de otras empresas menos innovadoras, regulación. De todas las teorías económi-
o conservadoras, ni a nivel individual ni cas institucionales citadas, ésta es la más
en cuanto a su relación con la estructura estructural, ya que reconoce los límites
socioeconómica. Por lo tanto, la teoría de la regulación económica instrumen-
evolucionista no resulta aún demasiado talista, y la necesidad de definir un mundo
preparada para analizar los agentes “no mucho más amplio de la dinámica regu-
adaptados” o “excluidos en términos ladora que interfiere con el espacio urba-
socioeconómicos” que, según los datos no local (Moulaert, 1955). Para identificar
estadísticos sobre los beneficios, los fra- la dinámica reguladora a nivel local, se
casos comerciales, la distribución de los hace una distinción entre la regulación
ingresos, los ciudadanos inmersos en la económica y no económica, entre la del
pobreza etc., componen buena parte del estado y la que no lo es, y entre la sociali-
panorama económico urbano. Además, zación o regulación informal y formal.
y en el mismo sentido, la ruptura, la au- Esto es asumir que la regulación se define
tomarginación, y los cambios contraevo- de manera no funcionalista y no econo-
lutivos (¿revolucionarios?) se consideran micista, como en los procesos de sociali-
parte de la evolución hacia el éxito, y zación y sus resultados que codifican la
72 La Organización Económica de las Ciudades: una perspectiva institucional

conducta individual y colectiva en los sub- tiva de las mismas, sino que pretende de-
sistemas de la sociedad urbana. Desde mostrar la complejidad de la dinámica
este punto de vista, el modelo instrumen- reguladora. Para conseguir elaborar este
talista de regulación con uno o varios cuadro, se empezó utilizando elementos
agentes (p.ej. agentes “del estado”) que de Peck y Tickell (1992), que explican
regulan (p.ej. grupos de ciudadanos, em- como la regulación económica que in-
presas, sindicatos) aplicando determina- fluye en el ámbito local, tiene lugar a dis-
das leyes y reglas políticas establecidas por tintos niveles espaciales. Aunque estos
la burocracia estatal, sólo es un caso espe- autores no los explotan, estos elementos
cial de regulación. La lista de formas ofrecen la oportunidad de extender el
reguladoras que muestra el cuadro 3, no argumento a formas de regulación no
pretende ser una reproducción exhaus- económicas e informales.

C uadro 3 - Ejemplos de regulación informal e informal que afecta la vida


económica en los sistemas urbanos

Tip o de Re gulac ión

S ubs is te ma / Económ ica: Económ ica: No económ ica: No económ ica:


Ins tit uc ión formal informal formal informal

Mercados Normalización de Relaciones Normas de Intercambio


producto/factor calidad recíprocas de protección de cultural entre
subcontratación salud y seguridad directivos
Leyes de actuando en los
Competencia mercados
(estado)
Horarios
comerciales
(gobierno local)
Organización de Derechos de Redes informales Regulaciones de Presión política a
sectores propiedad de tecnología, control del nivel distintos niveles
(enfocada tecnológica gestión de contaminación espaciales
paticularmente en (gobierno
el sector de la Legislación anti- Subcontratación regional o local)
construcción) trust (estado) informal entre
empresas
Organización de Legislación Mano de obra Regulación de las Asociaciones
procesos laboral parcial en la condiciones de socioculturales
laborales/ bolsa economía negra trabajo (estatado/ informales de
de trabajo Instituticiones del región) trabajadores
mercado de Empleo sin
trabajo contratación
Jerarquías de Trabajo
trabajo doméstico no
declarado
Jan G. Lambooy y Frank Moulaert 73

C uad ro 3 - Ejemplos de regulación informal e informal que afecta la vida


económica en los sistemas urbanos (Continuación)

Tipo de Re gulac ión

S ubs is te ma / Económ ica: Económ ica: No económ ica: No económ ica:


Inst it uc ión formal informal formal informal

Economía Leyes escolares Empleo Protección legal Costumbres


doméstica doméstico de de menores religiosas y
Programas de niños culturales
educación Protección de
oficiales División sexual de derechos de Organización del
trabajo parejas tiempo de ocio
Leyes sobre el
matrimonio
Vivienda Mercado de la Tenencia Regulaciones y Legalización o
vivienda (estado) compartida control de la renovación de
sanidad y la arrendamientos
Mercado Tenencia ilegal seguridad
hipotecario
Actividades de
Regulaciones construcción
acerca de división informales
por zonas
(locales)
Sistema Leyes, programas Asociaciones de Organizacion de Actividades tipo
educativo padres para reciclaje y clubes:
Administración recaudación de promoción del
del sistema fondos (los profesorado organización de
educativo amigos de...) eventos socio-
culturales etc.
Instituciones El conjunto de Grupos de Sistema de Grupos de
políticas regulación presión votación presión
económica estatal informales sobre informales sobre
(todos los niveles asuntos Organización de asuntos no
espaciales) económicos entidades económicos
municipales etc.
Agencias de Agencias estatales Iniciativas de base Creación de Mobilización
planificación o de mercado, o para el desarrollo formas legales sobre asuntos no
desarrollo económico local que fomentan la económicos, o al
económico local emancipación menos no
local exclusivamente

Movimientos de Interferencia con diferentes formas de regulación. Ejemplos: negociación


protesta sobre condiciones de trabajo, regulaciones ecológicas, política local de
inversión, relaciones de género etc.
74 La Organización Económica de las Ciudades: una perspectiva institucional

En la interpretación de regulación en la dinámica reguladora de la sociedad


económica de Peck y Tickell se subesti- local. Sin embargo, el término “actividad
ma el papel de la sociedad civil y de los informal” sigue resultando en cierto
hogares, no se tiene en cuenta como modo ambiguo: puede significar escapar-
etapa de la dinámica reguladora. Es una se del control del estado o evitar la regu-
lástima, porque muchas veces es a partir lación del mercado, o incluso las dos
de esto, de donde puede arrancar un cosas. También son posibles otras caracte-
discurso sobre la informalidad y las acti- rizaciones de las actividades informales
vidades económicas informales y la re- (Mingione, 1991: 8); éstas aparecen
gulación no económica: el hogar y la cuando se debaten los subsistemas con-
familia como entornos más adecuados cretos de la sociedad urbana; o cuando
para la reciprocidad y las relaciones aso- se detallan empíricamente determinadas
ciativas; la sociedad civil como escenario zonas. Las relaciones de poder se articulan
principal donde pueden surgir movi- con subsistemas diferentes. Representan
mientos reivindicativos espontáneos. el dominio de una clase de agentes sobre
Otro problema de este enfoque es que otros; o corresponden a la insurrección
no refleja suficientemente la desigualdad de poderes compensatorios, movimien-
de poder entre los agentes implicados tos de resistencia y de cambio. A priori,
en la dinámica reguladora. Las regula- sin verificación empírica, no se puede pro-
ciones son muchas veces el resultado de nosticar si la regulación informal o la re-
la dominación de un grupo sobre otro; gulación económica incorporarían más
la conducta reguladora (el estableci- opresión que la regulación formal o no
miento de leyes y normas, la penaliza- económica, respectivamente. Relaciones
ción y los incentivos etc.) en diferentes formales de subcontratación en el sector
subsistemas de la sociedad constituye de la construcción,por ejemplo, es decir,
frecuentemente el reflejo de la desigual- confirmadas por un acuerdo formal entre
dad de poder y recursos. Los movi- el contratista y el contratado, pueden ser
mientos compensatorios a menudo “se más explotadoras para el subcontratista
vuelven informales”, ya que las estruc- que las relaciones de subcontratación
turas de socialización formales están acordadas de manera recíproca en la
completamente congestionadas por las economía negra; y la discriminación cul-
instituciones socioeconómicas y las po- tural puede resultar más alienadora para
líticas tradicionales dominantes. Por lo las minorías étnicas que el hecho de que
tanto, los movimientos populares, las ini- se les pague un salario de subsistencia.
ciativas económicas informales y alter- De la misma manera, los movimientos
nativas, y los nuevos partidos políticos populares de la sociedad local basados
constituyen muchas veces las fuerzas más en cuestiones de género, ecología o de
creativas para la reestructuración socio- orientación cultural, pueden llegar a ser
económica en el ámbito local. más efectivos para controlar la relación
entre salario y trabajo, que los sindicatos
En el cuadro 3, se ha intentado in- corporativos etc. (véase, por ejemplo,
cluir las relaciones informales y de poder Fisher y Kling, 1993).
Jan G. Lambooy y Frank Moulaert 75

La organización económica urbana y la teoría


institucional: una prospección

El cuadro 4 agrupa diferentes teorías En lo que se refiere a la organiza-


(neo)institucionales, y su contribución ción económica de las ciudades, el mo-
efectiva o potencial al análisis de la orga- delo red de toma racional de decisiones
nización económica de las ciudades y sus económicas, de cooperación y de coor-
redes. Las áreas más oscuras señalan el dinación, defendido por los neoinsti-
trabajo teórico que en buena parte tucionalistas, es reemplazado por un
queda por hacer. En primer lugar, una modelo que implica diferentes institu-
combinación del antiguo instituciona- ciones con lógicas en parte opuestas,
lismo y de la teoría de regulación puede poderes desiguales y unas relaciones
contribuir a una teoría enriquecida de la mutuas fuertes. Cuando esto se aplica a
dinámica institucional en la organización la conducta innovadora, por ejemplo,
económica de las ciudades. Haciendo significa que las políticas de innovación
una breve referencia al giro que experi- del gobierno local y de las agencias, y
mentó el análisis urbano en Francia y en estrategias innovadoras impulsadas por
algún que otro país europeo (Topalov, empresas, no pueden considerarse de
1989), se puede plantear que lo que la modo instrumentalista. La conducta
teoría urbana necesita actualmente es innovadora va más allá de la lógica que
una síntesis entre el análisis estructural de fija los objetivos para la innovación, de
los 60 y 70, la planificación pragmática su implementación por agentes inno-
de la segunda mitad de los 70 y 80, y el vadores y de su catálisis por las autori-
resurgimiento institucional de finales de dades que controlan la incertidumbre,
los 80 y 90. Dicha síntesis aprovecharía como defenderían los neoinstrumen-
los enfoques históricos del pensamiento talistas. En su lugar, los objetivos para
de ambas escuelas, la visión sistemática las estrategias innovadoras los fijan unos
de la dinámica social así como el profun- agentes que son, a la vez, parte integran-
do respeto por la convalidación empírica. te de las instituciones y que se com-
Al mismo tiempo, la síntesis se beneficiaría portan según unas lógicas mixtas. Estas
del particular enfoque de cada escuela: son, en parte, una consecuencia de la
los sistemas en que se basa la aproxima- multidimensionalidad del comporta-
ción hacia una conducta económica e miento de las organizaciones y de las
innovadora, aspecto más preciado de la relaciones entre ellas. Las organizacio-
economía evolucionista contemporánea; nes implicadas en la coordinación eco-
y de la dinámica reguladora a nivel local, nómica urbana son múltiples: grandes
que en los últimos años ha llegado a ser empresas, entidades profesionales,
de gran importancia en la teoría de la Cámaras de Comercio, Sindicatos, ad-
regulación. ministraciones locales, administraciones
76 La Organización Económica de las Ciudades: una perspectiva institucional

estatales de rango superior, agencias están considerados por su contribución


públicas de planificación y política, mo- a la investigación: los teóricos de la seg-
vimientos populares etc. Pero la relación mentación de trabajo (Gordon, Piore,
entre las organizaciones también com- Edwards), los analistas de bienes inmue-
prende la socialización informal entre bles y de mercados urbanos de la vivien-
agentes, que no supone necesariamente da (Castells, Godard, Topalov), y de los
las estrategias de innovación, y que investigadores de la participación y mo-
puede influir de manera positiva o nega- vilización locales (Preteceille, Harloe,
tiva. Además, los agentes, las institucio- Friedmann) que han examinado temas
nes y las estructuras tienen una historia: que en el análisis urbano de los dorados
responden a trayectorias específicas de sesenta se pusieron de moda, más tarde
desarrollo, en la mayoría de los casos se olvidaron, y ahora son de primordial
sólo están relacionados indirectamente importancia para analizar la organización
con los programas de innovación nue- económica de la ciudad. El análisis insti-
vos, a menudo tecnocráticamente de- tucional del sistema urbano de produc-
finidos. Es obvio que esta perspectiva ción, muestra que la necesidad de incluir
institucional, en lo que a la dinámica de la dinámica de la reproducción como
innovación se refiere, es mucho más rea- elemento endógeno en el debate. El
lista que el arquetipo neoinstitucional de análisis institucional de los sistemas loca-
cooperación en red entre agentes (neo) les de producción se enfrenta cada vez
racionales de innovación. Y, a diferencia más con la distancia que existe entre las
de lo que a menudo se mantiene, la normas de reproducción orientadas
perspectiva institucional no conduce a hacia el mercado y las trayectorias de
la investigación metafísica, con objetos una serie creciente de hogares indivi-
de investigación empíricamente no com- duales que son castigados por la crisis
probables, sino que ayuda a que el del fordismo (pérdida de empleo, edu-
comportamiento político, estratégico y cación y formación poco apropiadas,
administrativo se esfuerze por resolver exclusión de la seguridad social o del sis-
la dinámica institucional urbana. tema de bienestar, aislamiento sociocul-
tural etc.). Los mercados urbanos del
Se han seleccionado las estrategias empleo y de la vivienda, la provisión de
innovadoras en el ámbito urbano a servicios sociales, la democracia local y
modo de ejemplo. Tal como se ha indi- la gestión de los barrios etc., aparecen
cado en los apartados anteriores, se como los eslabones perdidos del análisis.
pueden extraer conclusiones acerca de Volver a interpretar la teoría urbana de
lo que han escrito los institucionalistas los años sesenta de este siglo, liberándola
sobre los sistemas regionales de innova- de sus prejuicios estructuralistas y pro-
ción. En este mismo sentido, es posible porcionándole una perspectiva empírica
aprender mucho de autores que no per- más prudente, seguramente contribuirá
tenecen explícitamente a las tradiciones a formar un institucionalismo urbano
institucionales de investigación, pero que científica y políticamente efectivo.
Jan G. Lambooy y Frank Moulaert 77
78 La Organización Económica de las Ciudades: una perspectiva institucional

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O Planejamento Comunicativo
entre as Perspectivas Comunitarista
e Liberal: há uma “terceira via” de
integração social?
Rainer Randolph

Apresentação: retomando a discussão sobre o


planejamento comunicativo
Em momentos anteriores 1, refletimos expressão de uma mudança “estru-
sobre o surgimento de novas formas tural” ou, como dizem alguns autores,
do planejamento (em particular ao de um novo “paradigma” 2, em relação
nível municipal) em período recente. a abordagens anteriores. Partíamos do
Nossa investigação procurava averiguar chamado planejamento “participativo”
se essas formas que, no Brasil, experi- da década de 70 como principal refe-
mentavam certa consolidação em fins rencial histórico, uma vez que a década
da década de 80 e nos anos 90 deve- de 80 no Brasil – e em outras partes
riam ou não ser compreendidas como do mundo – aparece como uma “dé-

1
Ver em particular os trabalhos apresentados nos últimos anos na ANPOCS: Randolph, R.
Acordos estratégicos ou alianças comunicativas: Formas alternativas de gestão e planeja-
mento urbano? Trabalho apresentado no XX Encontro Nacional da ANPOCS, Caxambu,
1996; Randolph, R. O planejamento comunicativo é possível? Indagações e reflexões sobre
novas formas de articulação entre espaço, Estado e sociedade no Brasil. Série Estudos e
Debates, n. 6, IPPUR/UFRJ: Rio de Janeiro, 1996, 22 p. (ANPOCS 1995); e Randolph, R.
Gestão comunicativa versus gestão participativa: Novas formas de responsabilidade política
ou velhas irresponsabilidades? Trabalho apresentado no XVIII Encontro Nacional da ANPOCS,
Caxambu, nov. 1994.
2
Como afirmaram, em relação ao projeto da reforma urbana no Brasil, os autores Ribeiro,
L.C.Q., Santos Jr., O.A., Das desigualdades à exclusão social, da segregação à fragmentação:
os novos desafios da reforma urbana. Cadernos IPPUR, ano VII, n. 1, jun. 1993, p. 53-61.

Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XIII, No 1, 1999, p. 83-108


84 O Planejamento Comunicativo entre as Perspectivas Comunitarista e Liberal

cada perdida” também para o plane- pressupostos de distintas “qualidades”.


jamento. 3 Antes de mais nada, obrigaria a com-
preender o planejamento não apenas
Incorporamos à nossa argumentação como profundamente “político” 6 – en-
reflexões relativas a experiências recentes quanto reinterpretação de sua “locali-
de ações planejadoras nos Estados zação” dentro da própria “sociedade
Unidos, Inglaterra e mesmo no Brasil, política” –, mas como projeto de refor-
que procuraram romper com as velhas mulação das próprias relações entre
amarras administrativo-burocráticas, e da sociedade (civil) e Estado. Ou seja, o
instrumentalização de uma (pseudo) in- planejamento precisaria ser abordado
corporação de uma população mais em sua interface com a democracia ou
“atingida” que “envolvida”. Com base os procedimentos democráticos (ou
nas idéias centrais de autores anglo- mesmo a democratização) nas socieda-
saxões 4, abrimos a discussão sobre uma des contemporâneas; delegando, no atual
possível “via” (nova) do planejamento contexto, sua “vocação intervencionista”
que poderia ser qualificada de “comuni- e sua assim pretendida contribuição ins-
cativa” 5. Sua viabilidade dependeria da trumental ao desenvolvimento (econô-
existência de uma série de condições e mico) para o segundo plano. 7

3
Existem, especialmente na literatura norte-americana, uma série de sínteses e análises a
respeito dessa trajetória; ver, por exemplo, Hudson, B.M. Comparison of current planning
theories: Counterparts and contradictions. American Planning Association Journal, oct. 1979,
p. 387-398; Galloway, Th.D., Mahayni, R.G. Planning theory in retrospect: the process of
paradigm change. American Planning Association Journal, jan. 1977, p. 62-77.
4
Consideramos pioneiros o americano John Forester e a inglesa Patsy Healey; ver particularmente
a explicitação em Healey, P. Planning through debate: the communicative turn in planning
theory. In: Fischer, F., Forester, J. (eds.) The argumentative turn in policy analysis and planning.
Durham and London: Duje University Press, 1993; uma análise dessa autora do sistema de
planejamento na Inglaterra encontra-se em Healey, P. The reorganisation of State and market in
planning. Urban Studies, v. 29, n. 3/4, 1992, p. 411-434; no último Encontro Nacional da
ANPUR em maio de 1999 em Porto Alegre uma colega americana, Judith Innes, apresentou
uma experiência de São Francisco apoiada explicitamente na mesma base dos outros autores
e que aponta na mesma direção.
5
Apresentamos já em 1994 uma primeira sistematização em Randolph, R. Gestão comunica-
tiva versus gestão participativa:, op. cit.
6
Característica destacada na literatura mais recente sobre reforma urbana e planos diretores e
considerada como traço de um novo “paradigma” de planejamento urbano – pelo menos
em relação ao modelo tecnocrático dos anos 70 no Brasil – por Gondim, L. O plano diretor
como instrumento de um pacto social urbano: quem põe o guizo no gato. In: Farret, R.L.
(org.) Modernidade, exclusão e a espacialidade do futuro. (Anais do VI Encontro Nacional da
ANPUR), Brasília: ANPUR, 1996, p. 223-235.
7
Sem serem contraditórias ou exclusivas, as duas abordagens estão tendencialmente em
permanente conflito por causa do dilema, em contextos históricos concretos, do planeja-
mento capitalista entre “desenvolvimento” e “democracia” ou acumulação e legitimação; ver
nossos breves apontamentos a esse respeito em Randolph, R. Acordos estratégicos ou alian-
ças comunicativas, op. cit.
Rainer Randolph 85

Num segundo momento, com o rios aos princípios do outro modo de


objetivo de tornar mais nítidas as caracte- planejar 10.
rísticas deste projeto, buscamos confron-
tá-lo com a concepção contemporânea O presente ensaio pretende tornar
de um planejamento chamado “estra- mais “radicais” as investigações acerca
tégico” 8, que, já pela sua própria desig- da mesma temática; queremos levar a
nação, anuncia ser pólo oposto 9 ao discussão a um novo patamar de refle-
anterior. A realização de um “contra- xão política, na medida em que procu-
ponto” entre os dois projetos não signi- ramos compreender a proposta do
ficaria apenas um exercício analítico, planejamento comunicativo articulada
mas poderia ser referenciada por deter- com concepções políticas que expres-
minadas experiências brasileiras. Como sam três diferentes modelos normativos
exemplo, teríamos, por um lado, um de democracia 11.
modo de planejamento como o de
Porto Alegre, que estaria próximo ao A fim de realizar esse objetivo, serão
projeto comunicativo; e, por outro, a incorporados novos interlocutores ao
elaboração do Plano Estratégico da nosso debate; exploraremos mais a
Cidade do Rio de Janeiro (PECRJ), que fundo argumentos e autores-chave já
representaria uma abordagem baseada apresentados anteriormente e tentare-
em critérios sistêmicos de eficácia, agili- mos ampliar mais as referências aos
dade e gerenciamento eficiente, contrá- condicionantes histórico-concretos da

8
Ver ibidem.
9
Pelo menos quando se adota como referencial conceitual para a compreensão das sociedades
contemporâneas (e, apesar de todas as suas particularidades, também da brasileira) a visão
habermasiana de uma profunda contradição lógica entre atos comunicativos e atos estratégicos
(superada apenas dialética e concretamente nas práticas sociais cotidianas); ver Habermas, J.
Ações, atos de fala, interações mediadas pela linguagem e mundo da vida. In: idem, Pensamento
pós-metafísico. Estudos filosóficos. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1990, p. 65-103.
10
Ver a nossa discussão em torno do caráter estratégico do Programa Favela Bairro da Prefeitura
do Rio de Janeiro, que contém uma caracterização desse plano: Randolph, R. Plano Estratégico
e urbanização de favelas no Rio de Janeiro: Análise de aspectos estratégicos do Programa
Favela-Bairro. Trabalho apresentado no VII Colóquio sobre Poder Local, UFBA/NPGA, Salvador,
abr. 1997; e também Vainer, C.B. Cidades, cidadelas e a utopia do reencontro - uma reflexão
sobre tolerância e urbanismo. Cadernos IPPUR, ano XII, n. 1, jan./jul. 1998, p. 33-46.
11
Para essa primeira aproximação pautamos nosso estudo no breve artigo de Habermas, J. Três
modelos normativos de democracia. Lua Nova, Revista de Cultura e Política, 1995, n. 36, p.
39-48 (com um adendo editorial nas p. 48-53); esse texto, que teve sua origem numa
conferência proferida por Habermas na Espanha em 1991, foi incorporado ao seu livro
Habermas, J. Faktizität und Geltung. Beiträge zur Diskurstheorie des Rechts tund des
democratischen Rechtsstaats. Frankfurt/M.: Suhrkamp, 1992; portanto, seria através desse
livro – recentemente traduzido para o português – que poderíamos aprofundar nosso debate
com esse autor; uma empreitada suficientemente complexa que ultrapassaria os limites do
atual ensaio; ver Habermas, J. Direito e democracia. Entre facticidade e validade. Rio de
Janeiro: Tempo Brasileiro, 2 tomos, 1997/98.
86 O Planejamento Comunicativo entre as Perspectivas Comunitarista e Liberal

experiência brasileira de planejamento mocracia. Uma avaliação crítica da con-


e das relações Estado–sociedade. Pri- cepção republicana, à qual a modali-
meiramente, portanto, recuperaremos dade comunicativa do planejamento
brevemente a “trajetória recente do pla- está fortemente vinculada, permitirá, no
nejamento (urbano) no Brasil” 12 dentro último item, apontar algumas possíveis
do contexto maior dos modelos de reformulações do planejamento comu-
planejamento; em seguida, caracteriza- nicativo no sentido de desenvolver seu
remos rapidamente a “proposta comu- potencial de contribuição à democrati-
nicativa”, para confrontá-la com os zação da sociedade.
outros dois modelos normativos de de-

Uma breve trajetória do planejamento

Contexto geral: modelos da tanto às crises econômicas como às


e formas do planejamento sociopolíticas decorrentes 13.

De início e a título de explicitação da A “intervenção” deliberada (“racio-


nossa perspectiva geral a respeito do nal”) do Estado moderno é obviamente
tema, cabe observar que compreende- um fenômeno muito mais antigo; uma
mos a trajetória do planejamento, no intervenção regulatória talvez seja a
contexto da consolidação do Estado característica principal desse Estado a
moderno do século XX nos países in- partir da sua concepção inicial por
dustrializados, como uma estratégia de Hobbes, Locke e Rousseau 14. O que se
incrementar a racionalidade da sua atua- debate desde os jusnaturalistas, os pen-
ção, que esteve intimamente relaciona- sadores liberais e até os críticos-marxistas

12
Seguindo basicamente a interpretação de Azevedo, Sergio de. Planejamento, cidade e demo-
cracia: reflexões sobre o papel dos governos locais nos anos 90. In: Diniz, E., Lopes, J.S.L.,
Prandi, R. (orgs.) O Brasil no rastro da crise: partidos, sindicatos, movimentos sociais, Estado
e cidadania no curso dos anos 90. São Paulo: ANPOCS, HUTCITEC, 1994, p. 244-270.
13
Refutamos, com isso, visões a-históricas ou psicológico-reducionistas que vêem no “plane-
jamento” ou na sua “racionalidade” um traço característico universal da atuação humana ou
de sua ação orientada por objetivos. Não podemos concordar, portanto, com Hudson, quando
identifica as ordens do rei Hammurabi da Babilônia de encravar as leis em pedra como
planejamento; ver Hudson, B.M. Comparison of current planning theories: Counterparts and
contradictions. American Planning Association Journal, oct. 1979, p. 387-398, p. 387.
14
É Boaventura Santos que atribui a esses três autores os três princípios da construção da
regulação que representa um dos pilares do projeto da modernidade: o princípio do Estado
(Hobbes), o princípio do mercado (Locke) e o princípio da comunidade (Rousseau); ver
Santos, B. Pela mão de Alice. O social e o político na pós-modernidade. São Paulo: Cortez,
1996, 2. ed., p. 236.
Rainer Randolph 87

é a natureza desse Estado e sua relação/ vez mais complexas; exige-se, portanto,
intervenção com/em a “sociedade”. uma atuação complementar e corretiva
do próprio Estado (governo).
Antecede, ainda, ao surgimento do
planejamento propriamente dito o Surgem assim, a partir dos anos 30,
avanço de uma “gestão racional” dos as primeiras práticas sistemáticas de in-
negócios do Estado capitalista, que pode tervenção “planejada” 16, que foram
ser identificado nos países capitalistas, objeto da nossa discussão em trabalho
quando tomam corpo a profissionaliza- anterior. 17
ção dos encarregados – transformados
em “administradores” – e a burocrati- No atual contexto, não é necessário
zação (condicionamento legal) dos pro- aprofundar o estudo dos diferentes
cessos administrativos. modelos de planejamento que foram
desenvolvidos a partir daí. A propa-
Portanto, mais do que uma simples gação, a aceitação e o (muitas vezes par-
“racionalização”, o planejamento pode cial) abandono desses modelos pelos
ser entendido – em primeira aproxima- planejadores gerou uma certa seqüên-
ção – como “racionalização da raciona- cia em que os períodos da hegemonia –
lização” 15. Em termos mais concretos, discursiva ou mesmo prática – de um
diante das ameaças internas ao próprio modelo não excluía integralmente os
sistema de mercado na crise de 1929/ anteriores.
30, o projeto liberal dominante sofre uma
adaptação (Keynes) que procura instalar Assim, existem várias classificações
mecanismos complementares de solução a respeito das diferentes “fases” do pla-
dos problemas socioeconômicos. A lógica nejamento que foram experimentadas
(racional) da distribuição e alocação de em países capitalistas no século XX, com
recursos através dos mercados não pare- certas diferenças históricas, que, no en-
ce ter uma capacidade de condução sufi- tanto, conviviam mais ou menos paci-
ciente em sociedades e economias cada ficamente durante certos períodos 18.

15
Habermas chamou planejamento uma vez de “racionalização da racionalização”; ver Habermas,
J. Técnica e ciência enquanto “ideologia”. In: Os Pensadores - Benjamin, Habermas, Horkheimer,
Adorno. São Paulo: Abril Cultural, 2. ed., 1983, p. 313-343; aqui p. 313: “ A planificação
pode... ser concebida como um agir racional-com-respeito-a-fins, de segundo grau: ela se
dirige para a instalação, para o aperfeiçoamento ou para a ampliação do próprio sistema do
agir racional-com-respeito-a-fins.”
16
No sentido de uma “racionalidade instrumental” propriamente capitalista; há quem qualifi-
que as intervenções urbanísticas do século passado e do início do atual como “resquício”
feudal em plena consolidação capitalista.
17
Ver Randolph, R. O planejamento comunicativo é possível?, op. cit.
18
É óbvio que há enormes diferenças entre as experiências dos países industrializados e outros
que, na época, apenas iniciaram esse processo; sem falar daquelas diferenças oriundas dos
sistemas políticos e regimes governamentais.
88 O Planejamento Comunicativo entre as Perspectivas Comunitarista e Liberal

Negligenciando variações mais secundá- planejadores ou cientistas da área do


rias, é possível distinguir as seguintes planejamento começam a propor uma
quatro tradições principais 19: (i) racional- “virada argumentativa e comunicativa”
compreensiva ou sinótica 20; (ii) incre- na análise da política e no planejamen-
mental ou de estratégia de “muddling to. 24 Aparentemente contrariando
through” 21; (iii) advocatícia 22; e (iv) par- todos os ensinamentos das experiências
ticipativa ou transativa (nome cunhado que acabamos de mencionar, um
por Friedmann) 23. grupo de autores e planejadores tenta
desenvolver uma concepção do “pla-
Na década de 80, enfim, com a crise nejamento através de debate”; entre
do próprio Estado Social – no Brasil, eles, John Forester merece destaque es-
com o avanço da democratização em pecial, pois procura, desde o início da
moldes representativos –, tem início um década de 80, incorporar à sua reflexão
esvaziamento tanto do planejamento e, sobre o planejamento elementos da
especialmente, do planejamento partici- teoria da ação comunicativa de Haber-
pativo quanto das mobilizações popula- mas 25.
res em torno de reivindicações dirigidas
ao Estado. Retornaremos às idéias norteadoras
dessa nova alternativa mais tarde, após
Não deixa de ser curioso que é nesse a apresentação das especificidades e, em
contexto que, fora do Brasil, alguns particular, das modalidades participati-

19
Ver para o aprofundamento das explicações das tradições citadas, as contribuições de Davidoff,
Reiner, Lindblom e outros na já clássica coletânea de Faludi, A. (org.) A reader in planning
theory. Oxford e.o: Pergamon Press, 1973.
20
Ver Hudson, B.M. Comparison of current planning theories, op. cit., p. 388.
21
Há um nome principal relacionado a essa nova proposta, que é o de Charles Lindblom; ver
também Hudson, B.M. Comparison of current planning theories, op. cit., p. 389.
22
Ver idem, p. 390.
23
Hudson acrescenta ainda uma outra categoria: o planejamento radical que aparece mais
como proposta do que discurso/prática hegemônico; ver Hudson, B.M. Comparison of current
planning theories, op. cit., e nossa discussão em Randolph, R. O planejamento comunicativo
é possível?, op. cit.
24
Ver Fischer, F., Forester, J. (eds.) The argumentative turn in policy analysis and planning, op.
cit., e Brown, R.H. Social planning as symbolic practice, op. cit.
25
Ver – antes mesmo da publicação da Teoria da Ação Comunicativa – em Forester, J. Critical
theory and planning practice. American Planning Association Journal, july 1980, p. 275-
286, em que já apresenta tanto seu recurso à pragmática de Habermas como dois esquemas
sobre experiências de distorções na comunicação e as respectivas respostas para corrigi-las
como elementos chaves para sua teoria do planejamento; ver mais tarde em Forester, J.
Planning in the face of power. Berkeley e.o.: University of California Press, 1989; ver também
a apreciação da abordagem “foresteriana” por Gondim, L.M. Um encontro com Habermas
nas encruzilhadas da pós-modernidade: a contribuição de John Forester para uma teoria da
prática do planejamento. Cadernos IPPUR, ano IX, n. 1/4, jan./dez. 1995, p. 65-81.
Rainer Randolph 89

vas do planejamento no Brasil confor- partir de meados da década de 70, é


me interpretado por Azevedo26 . instalada a CNPU (Comissão Nacional
de Regiões Metropolitanas e Política
Trajetória do planejamento Urbana), no Ministério de Planejamento,
urbano em suas diferentes que apesar de seu grande prestígio e res-
formas no Brasil paldo não possuía poder institucional e
político para influenciar as políticas dos
Na sua origem, o planejamento brasi- poderosos órgãos setoriais. Sua poste-
leiro foi marcadamente influenciado, em rior transformação em CNDU (Conselho
todos os três níveis de governo, pela Nacional de Desenvolvimento Urbano),
abordagem “cepalina” dos anos 60, que vinculado ao Ministério do Interior
idealizava, através de reformas implan- (MINTER), não superou os constrangi-
tadas pelo Estado nacional, a superação mentos estruturais de coordenação da
das imensas desigualdades sociais e eco- política de desenvolvimento; sem muito
nômicas nos países latino-americanos. sucesso, tentou direcionar o ordena-
Essa intervenção pressupunha a existên- mento da rede urbana no país (ver o
cia e o funcionamento de um sistema exemplar Programa de Cidades de Porte
de planejamento compreensivo e inte- Médio, que contava com recursos do
grado capaz de preparar e implementar Banco Mundial). Nos últimos anos de
os programas governamentais. Entre- sua existência, no início da década de
tanto, já nas décadas de 60 e 70 verifi- 80, funcionou como fórum de debate
cou-se que no Brasil e em outros países dos grandes temas urbanos, privilegian-
da América Latina a CEPAL superesti- do a preparação de ações estratégicas
mara a capacidade de atuação do Esta- tais como a gestão do Projeto de Lei de
do, ao mesmo tempo que subestimara Desenvolvimento Urbano, que até hoje
o papel das forças do mercado. não foi aprovado pela Câmara.

Relembrando uma história que talvez Por conseguinte, ao final da década


hoje esteja quase esquecida, apresen- de 70, o governo federal, como a maio-
tamos algumas fases de planejamento, ria dos governos estaduais, começou a
tendo em vista a experiência brasileira abandonar tentativas compreensivas,
sobre as intervenções no meio urbano. globalizantes e integradas de planeja-
mento. Uma série de condicionantes
Primeiro, a partir de 1964, o gover- econômicos e políticos promoveu a reo-
no federal procurou imprimir à máquina rientação das propostas; no entanto, o
burocrática uma racionalidade econô- advento da Nova República (1985) e a
mico-administrativa de cunho empre- extinção do BNH (1986) levaram ao
sarial que levou à cristalização de um abandono formal de qualquer veleida-
enfoque setorialista nas diversas agências de de planejamento compreensivo ao
públicas de vocação urbana. Depois, a nível federal (saneamento e produção
26
Ver Azevedo, Sergio de. Planejamento, cidade e democracia: reflexões sobre o papel dos
governos locais nas anos 90, op. cit.
90 O Planejamento Comunicativo entre as Perspectivas Comunitarista e Liberal

da habitação distribuídos entre diferen- desses governos e sua prática diante das
tes ministérios; política habitacional ato- enormes demandas imediatas, da falta
mizada em inúmeras instituições etc.). de consenso e de complexidades de im-
plementação de mecanismos de parti-
Assim, apesar de uma retórica de par- cipação direta 29.
ticipação, observa-se um retorno à si-
tuação anterior a 1964 (pós-Plano de Sem querer entrar em maiores deta-
Metas), quando prevaleceu um tênue lhes e apreciações mais aprofundadas,
planejamento incremental visando resol- dirigimos particular atenção às expe-
ver problemas pontuais e localizados. riências participativas em diferentes pe-
Porém, parece-nos que é também nessa ríodos. Conforme Azevedo 30, no Brasil
época da preparação da Constituinte e precisariam ser distinguidos duas dife-
do debate durante todo o período da rentes modalidades:
elaboração da Carta Magna que surgem
novas formas de envolvimento (“partici- (i) a primeira, denominada “participação
pação”) político por parte da sociedade 27. restrita e instrumental”, avaliada a
partir dos objetivos do governo,
De uma maneira geral, os disposi- surge para responder à crise do pla-
tivos da própria Constituição provocarão nejamento compreensivo na medida
novos esforços em torno do planeja- em que divide responsabilidades,
mento das cidades e resultarão em novos amplia recursos disponíveis (mão-de-
“pactos” (territoriais) 28; ao nível munici- obra gratuita ou sub-remunerada),
pal, as experiências recentes de governos aumenta a eficácia na alocação de
municipais sob controle do Partido dos recursos e eleva o nível de legitimação
Trabalhadores, que pretendem ampliar (governo, burocracias). As organiza-
a participação direta da comunidade ções associativas que aceitam a “par-
através da incorporação de “conselhos ceria” com o governo o fazem por
populares” e entidades congêneres no interesses bastante pragmáticos, a fim
processo decisório da administração pú- de conseguir recursos adicionais aos
blica, apresentam, na opinião do autor, eventualmente obtidos através dos
uma certa falta de clareza sobre a melhor programas tradicionais; é esta a mo-
forma de proceder. Em geral ocorreu dalidade que prevalece historica-
uma defasagem entre o discurso inicial mente no país;

27
Ver, por exemplo, as reflexões de Ribeiro, A.C.T. Reforma urbana: limites da participação
política na esfera local e exclusão social. Trabalho apresentado na 41ª Reunião Anual da
SBPC, Fortaleza, 1989.
28
Ver Ribeiro, L.C.Q., Cardoso, A.L. Plano Diretor e gestão democrática da cidade. Revista de
Administração Municipal, v. 27, n. 196, jul./set. 1990, p. 8-20; e as contribuições em Grazia, G.
da (org.) Plano Diretor: instrumento de reforma urbana. Rio de Janeiro: FASE, 1990.
29
Ver Azevedo, Sergio de. Planejamento, cidade e democracia, op. cit.
30
Ver idem.
Rainer Randolph 91

(ii) a segunda, que teve maior tradição No seu balanço da experiência par-
nos países da Europa Ocidental, cha- ticipativa, o autor se declara favorável à
mada de “participação ampliada ou participação ampliada: “sem nenhuma
neocorporativa”, ocorre normal- dúvida, ... [ela] ... pode vir a ser um
mente através da inclusão de orga- mecanismo importante de democratiza-
nizações associativas em órgãos ção do Estado e de incorporação pau-
colegiados do tipo “conselhos” ou latina de setores populares melhor
“comitês”. O neocorporativismo organizados na gestão da política urba-
pode ser visto como possibilidade de na nos diferentes níveis de governo.” 31
substituição do corporativismo in-
formal (que beneficia grupos com A diferenciação entre as duas mo-
maior poder econômico e político) dalidades, conforme introduzida por
por uma arena institucional com Azevedo, permitirá aperfeiçoar os argu-
regras claras e transparentes em que mentos já trabalhados nos citados traba-
todos os setores interessados numa lhos anteriores em que o planejamento
determinada política pública possam comunicativo foi analisado no contexto
discutir os seus rumos. dos mencionados modelos gerais, par-
ticularmente em confronto com o parti-
No Brasil essa experiência é relativa- cipativo.
mente incipiente por dois motivos: por
um lado, devido a resistências por parte Mostrará, o que julgamos ainda mais
do poder público (estatal); por outro, importante, a necessidade de aprofun-
pelo pouco interesse que desperta em dar a reflexão com respeito aos projetos
grande parte das associações, o que não políticos aos quais essas modalidades
surpreende porque a forma neocorpo- estão ligadas. Pois, apesar das aparentes
rativista costuma atrair organizações semelhanças entre planejamento comu-
reivindicativas de âmbito maior (fede- nicativo e a modalidade neocorporati-
rações, associações regionais, estaduais vista do participativo, a diferença entre
e nacionais) e os movimentos sociais eles deriva-se de duas concepções polí-
stricto sensu (ambientalistas, movimento ticas divergentes nas quais se baseiam,
negro etc.), que têm certo “cacife” de como demonstraremos a seguir.
barganha nas diferentes arenas políticas.

A concepção do planejamento comunicativo


O anunciado confronto entre as diferen- pais características do planejamento
tes concepções políticas de democracia, comunicativo tal como idealizado mais
implícitas nas formas de planejamento, detalhadamente por Patsy Healey; já
pressupõe, obviamente, a prévia e relati- mencionamos que a abordagem dessa
vamente breve explicitação das princi- autora tem seus principais pilares no

31
Idem, p. 256.
92 O Planejamento Comunicativo entre as Perspectivas Comunitarista e Liberal

pensamento de John Forester, cujas Distinção entre sistema e


idéias evidenciam sua intensa interlo- mundo da vida
cução com Jürgen Habermas 32.
Essa distinção parece representar uma das
De uma forma sintética, tentamos re- principais contribuições da teoria social
sumir no Quadro 1 33 os principais itens crítica de Habermas, elaborada na década
que a autora considera básicos para que de 80, para a compreensão das socieda-
o planejamento mereça a chancela de des contemporâneas. Os sistemas econô-
“comunicativo”. mico e administrativo – com suas lógicas
estratégica e instrumental – tornam-se
A base conceitual para nossa com- dominantes ao longo da história da conso-
preensão dos elementos que Healey lidação e expansão do capitalismo, em re-
articula na sua proposta será a Teoria lação às manifestações da vida social que
da Ação Comunicativa de Habermas estão mais próximas à (re)produção de
enquanto concepção da sociedade mo- tradições, de socializações, e à própria for-
derna 34. mação da personalidade dentro de uma
lógica orientada para o entendimento
Pressupõe-se a existência de duas (que, por causa dessa sua lógica comu-
distintas esferas 35 no processo de plane- nicativa, é capaz de cumprir essas “tarefas”
jamento: (i) a primeira, que integra um de (re)produção da sociedade).
sistema administrativo governamental
como locus do planejamento; (ii) a se- Na sua caracterização das duas esferas,
gunda, que funciona como mundo da Healey dá maior destaque ao mundo da
vida com suas expressões multidimen- vida que aparece em certa oposição ao
sionais. O planejamento comunicativo sistema. É aqui, no mundo da vida, que
baseia-se numa certa caracterização da o planejamento comunicativo deve contar
distinção entre as duas esferas; como com indivíduos engajados na interação
projeto de planejamento qualifica-se com outros indivíduos, formando certas
como comunicativo por conceber uma “comunidades de discurso” que – apesar
determinada relação entre as esferas de fluidas e superpostas – procuram, res-
durante o processo de sua execução; peitando seus próprios elementos e respei-
seguiremos estes dois passos analíticos tando-se entre si, uma compreensão
para explicitar a proposta. mútua dos problemas que as afligem.

32
Ver, por exemplo, os capítulos (que têm sua origem em artigos da década de 80) do seu livro
Forester, J. Critical theory, public policy and planning practice. Albany: State University of
New York Press, 1993.
33
Ver sua elaboração em Randolph, R. Gestão comunicativa versus gestão participativa, op. cit.
34
Ver Habermas, J. Teoria de la acción comunicativa (2 v.). Madri: Taurus, 1989 (original em
alemão em 1981).
35
Como expressa logo o primeiro item da proposta de Healey, P. Planning through debate: the
communicative turn in planning theory, op. cit., aqui se mostra a clara referência ao pensa-
mento de Habermas; ver também as observações na nota de rodapé n° 24.
Rainer Randolph 93

Quadro 1 - Principais características da proposta comunicativa de P. Healey


1. Planejamento é um processo interativo e interpretativo que está situado dentro de um
sistema especializado de alocação e autoridade, mas que se dirige à multidimensionalidade
de mundos da vida (lifeworlds, Lebenswelten); o processo deve permitir que os envolvidos
debatam seus dilemas morais e contribuam com suas experiências estéticas;
2. estas formas de interação pressupõem a existência de indivíduos engajados com outros
em diversas, fluidas e superpostas “comunidades de discurso”; a ação comunicativa dos
participantes está dirigida à busca de patamares alcançáveis de entendimento mútuo
(que nunca será perfeito);
3. discussões no processo do planejamento intercomunicativo são baseadas no mútuo res-
peito dentro e entre as comunidades discursivas envolvidas 36;
4. o planejamento precisa ser reflexivo a respeito de seu próprio processo; ou seja, faz parte
do planejamento a própria construção de arenas onde programas podem ser formulados
e conflitos identificados e mediatizados;
5. é necessário lançar mão, durante o processo de planejamento comunicativo, de todas as
modalidades de conhecimento, compreensão, apreciação, experimentação, julgamento
etc.; nada é inadmissível – apenas restrições à agenda do debate;
6. a capacidade reflexiva crítica deve ser mantida viva durante todo o processo de argumenta-
ção; entretanto esta capacidade crítica deve ser exercida conforme os critérios de Habermas
de assegurar a possibilidade de compreensão, da integridade, legitimidade e verdade;
7. esta crítica embutida no processo – expressando uma moralidade para a interação –
serve ao projeto de um pluralismo democrático na medida em que concede “voz”,
“ouvido” e “respeito” a todos que têm algum interesse no assunto em pauta;
8. interação, portanto, não é uma simples barganha ou negociação; envolve uma recons-
trução mútua que constitui os interesses dos vários participantes, um processo de apren-
dizado mútuo através da disposição de todos para chegar a uma compreensão (não
necessariamente consenso);
9. assim, o planejamento comunicativo não é apenas inovativo; ele tem potencialidades de
mudança, de transformar condições materiais e relações de poder estabelecidas através
do empenho contínuo tanto de criticar e desmistificar como de contribuir à crescente
compreensão e denúncia de forças opressivas e dominadoras; ambigüidades e dilemas
presentes nos processos comunicativos devem ser apropriados como potenciais criativos
que enriquecem o esforço intercomunicativo; não se almeja a construção de uma lingua-
gem unidimensional;
10. finalmente, esta proposta pretende indicar aos planejadores como iniciar e proceder à
construção de um processo de planejamento em que não se sabe de antemão qual será
seu resultado, mas se conhece muito bem qual será o passo seguinte.
Healey, P. Planning through debate: the communicative turn in planning theory. In: Fischer, F.,
Forester, J. (eds.) The argumentative turn in policy analysis and planning. Durham and London:
Duje University Press, 1993. [Síntese e tradução nossas]

36
Conforme Healey, P. Planning through debate, op. cit., o respeito manifesta-se através do
reconhecimento mútuo, da valorização, da atenção que se concede ao outro e ao processo e
da busca de possibilidade de tradução.
94 O Planejamento Comunicativo entre as Perspectivas Comunitarista e Liberal

É aqui, também, que dilemas morais e foi, inclusive, um dos principais “ins-
e experiências estéticas têm sua origem; trumentos” de “colonização” do mun-
em que se desenvolvem modalidades di- do da vida, termo de Marx usado por
ferentes de conhecimento, compreensão, Habermas quando se refere à relação
apreciação, experimentação, julgamento entre os dois “lados”.
etc. Diferenças de interesses entre indiví-
duos e grupos precisam ser expressas e O ponto crucial do planejamento
aceitas no mútuo respeito entre as comu- comunicativo consiste, portanto, em
nidades envolvidas, apresentando uma transformar essa relação numa relação
moralidade para a interação. O debate de “verdadeira” interação entre as duas
entre os participantes a respeito de seus esferas, em que o sistema deve estar
interesses deve ser realizado como um aberto a um processo de aprendizado
processo de aprendizado mútuo através mútuo com as comunidades e deve
da disposição de todos para chegar a aceitar os mecanismos de comunicação
uma compreensão que não necessaria- “orientada para o entendimento” (e não
mente levará a um consenso. para um fim), uma vez que os objetivos
(resultados antecipados) do planeja-
Em relação ao sistema (administrati- mento não são conhecidos de antemão;
vo) temos muito menos indicações explíci- em que segue uma lógica essencialmen-
tas; porém, a caracterização do sistema te processual, adversa à condução ins-
como especializado em alocação (de re- trumental; em que, sempre aberto à
cursos) e em (exercício de) autoridade e autocrítica (capacidade crítica) e ao re-
poder (forças opressivas e dominadoras) direcionamento, estabelece no seu de-
destaca novamente a influência de Haber- curso arenas em que programas podem
mas. 37 É nele, também, que há barganha ser formulados e conflitos, identificados
e negociação; isto é, formas instrumentais e mediatizados.
e estratégicas de lidar com interesses diver-
gentes. Até onde essa esfera defende inte- Entendemos que Healey e outros
resses próprios não está muito claro, mas autores (Forester, Brown) propõem o
não se pode descartar essa hipótese. fortalecimento, dentro do processo de
planejamento, de uma lógica antagônica
Articulação entre sistema e à instrumental, o que subentenderia
mundo da vida no processo do certos níveis de autonomia da razão co-
planejamento comunicativo municativa e buscaria “afetar” e mudar
estruturas já cristalizadas 38. Portanto,
Já o afirmamos, o planejamento este- apesar de poder parecer omissa em re-
ve, tradicionalmente, ligado aos sistemas lação a determinações “estruturais”, a

37
Nas palavras da própria autora, ver idem, p. 241/42. Ela não se pautou apenas nesse autor,
mas utilizou-se também do debate pós-moderno e anti-racional de Foucault e Bourdieu e,
ainda, de uma quantidade grande de estudos etnográficos de práticas do planejamento.
38
É em Habermas, J. Direito e democracia, op. cit., que encontraríamos mais argumentos a respeito
das condições para uma empreitada que parece ter, à primeira vista, pouca chance de sucesso.
Rainer Randolph 95

proposta do planejamento comunicativo cer o silêncio, a violência e irracio-


não pode ser enquadrada num dualis- nalidade que são sempre escondi-
mo estrutura/organização/sistema versus das pelos códigos dominantes.” 39
superestrutura/agente/agência: ela ex-
pressa uma profunda crítica a esse dua- O planejamento comunicativo é
lismo, à dominação do sistema e aos compreendido como uma abordagem
códigos culturais dominantes. que pretende resolver esse choque
entre formas coletivas de ação e de
O planejamento comunicativo pro- atuação instrumental e estratégica do
cura seu principal sustento na esfera da sistema através da possibilididade de
convivência cultural, social e intersubje- “compreensão mútua” entre as duas
tiva das pessoas. Esse posicionamento, esferas. Portanto, essa forma do pla-
fortemente presente em Forester, deve- nejamento não se prende nem a uma
se compreender como oposição às habi- dinâmica comunitária de contatos face
tuais visões tanto positivistas das teorias a face ou subjetivo-voluntarista de su-
quanto instrumentalistas das práticas do jeitos sociais autônomos, nem apropria-
planejamento. se, isoladamente, de aspectos estruturais
e sistêmicos que a tornaria positivista
Mesmo tendo o locus no Estado, o ou instrumentalista.
que importa para o planejamento co-
municativo são as articulações (“mobili- Em suas “determinações estrutu-
zações”) em torno de carências coletivas rais-sistêmicas” o planejamento comuni-
que vão assumir forças capazes de ques- cativo poderia ser compreendido como
tionar o poder estabelecido: “estratégia” de resistência e subversão;
é nesse sentido que ele não é apenas
“Todas estas formas de ação coletiva “inovativo”, mas é capaz de mudar as
desafiam a lógica dominante num relações de poder, transformar condi-
terreno simbólico. Elas questionam ções materiais através do empenho con-
a definição de códigos, nominações tínuo de criticar, desmistificar e denunciar
da realidade. Elas não perguntam, as forças opressivas e dominadoras.
oferecem. Elas oferecem, através de
sua própria existência, caminhos di- Resumindo, a proposta pretende,
ferentes para definir significados de em essência, fornecer um novo modelo
ações individuais e coletivas. Não para “inventar a democracia”, baseado
separam mudança individual da na apropriação de um potencial cons-
ação coletiva; traduzem um apelo trutivo e crítico presente em novas
geral no aqui e agora da experiên- formas comunicativas baseadas em diá-
cia individual. Elas agem como nova logos. Não é uma questão trivial na me-
mídia: esclarecem o que o sistema dida em que situa o planejamento na
não diz de si mesmo, fazem apare- fronteira da principal oposição antagô-
39
Melucci, A. The symbolic challenge of contemporary movements. Social Research, v. 52, n. 4,
winter 1985, p. 788-816; aqui p. 812.
96 O Planejamento Comunicativo entre as Perspectivas Comunitarista e Liberal

nica da sociedade capitalista que é a citamente, a concepção política na qual


fronteira entre sistema e mundo da vida se baseia cada um dos modelos de pla-
(quadro institucional). Portanto, não sur- nejamento. Ao situar o planejamento
preende que essa proposta não ofereça comunicativo dentro do quadro dos di-
“soluções” pré-fabricadas; mas aposta ferentes modelos normativos de demo-
em uma “força do cotidiano” nem cracia – conforme apresentados por
sempre muito organizada, para a qual Habermas 42 –, ganharemos ainda argu-
poderíamos encontrar adeptos e defen- mentos para avaliar seus pressupostos
sores em outros lugares (ver, por exem- e propor sugestões para seu aperfeiçoa-
plo, Maffesoli e Certeau). mento 43.

Ou como sintetiza a autora: “ou nós No próximo item apresentaremos


temos sucesso em manter viva a dialética duas concepções de política que podem
crítica dentro da ação comunicativa ou ser vistas como as vertentes principais
nós continuamos presos à dialética de do debate norte-americano a respeito
sistemas totalitários” 40, refutando, inclu- da democracia. Veremos em que medi-
sive, suspeitas a respeito de sua proposta da os planejamentos neocorporativista
ser ingênua (“this concept of planning e comunicativo estão comprometidos
may seem idealistic and innocent”) 41. com essas concepções. A partir daí, será
possível na parte final do nosso ensaio,
Uma compreensão mais aprofun- à guisa de síntese e perspectiva, elabo-
dada da atual proposta deve então rar uma primeira reformulação da pro-
desvendar, mais implícita do que expli- posta de Healey.

Avaliação das concepções de política implícitas nos


planejamentos participativo e comunicativo
Para realizar a anunciada interpretação nimamente os modelos normativos de
política das duas formas de planeja- democracia que nos servirão como re-
mento faz-se necessário apresentar mi- ferencial.

40
Idem, p. 249. [Tradução nossa].
41
Ver também Gondim, L.M. Um encontro com Habermas nas encruzilhadas da pós-
modernidade, op. cit., que, sem fazer referência à proposta comunicativa, identifica essa
tendência em certas abordagens voluntaristas.
42
Já foi mencionado antes que apenas poderíamos trabalhar com essa referência específica; ver
Habermas, J. Três modelos normativos de democracia, op. cit.
43
Novamente convém destacar que uma apropriação mais aprofundada do acima citado livro
(Habermas, J. Direito e democracia, op. cit.) poderá melhor sustentar a argumentação aqui
desenvolvida; particularmente a partir do debate que Habermas trava em torno do conceito
do “poder comunicativo” de Hannah Arendt e da sua “oposição” aos poderes político e
administrativo.
Rainer Randolph 97

Liberalismo e do planejamento participativo para


republ i cani smo poder realizar uma apreciação definitiva.

Já nos reportamos várias vezes, na nossa A respeito da modalidade de partici-


análise, a um anunciado artigo de Haber- pação restrita ou instrumental, não ha-
mas 44 em que ele compara diferentes verá dúvida sobre as razões corporativas
concepções de política – tendo como da atuação política de organizações
interlocutor direto o Prof. Frank Michel- associativas, que a aproximarão, por-
man da Universidade de Harvard, que tanto, do universo da política liberal. No
representa a vertente da renovação do entanto, observamos ao mesmo tempo
“republicanismo” nos EUA. características que pouco se coadunam
com uma visão liberal, pois atribuem ao
As duas vertentes mais consagradas governo a responsabilidade de estimular
nos Estados Unidos, já o mencionamos iniciativas para a agregação de interesses
antes, são o liberalismo e a concepção privados.
republicana. A crítica à última vai permi-
tir a Habermas, mais tarde, desenvolver Igualmente, o caso da participação
sua própria concepção, que chama de ampliada ou neocorporativista 45 pode
“procedimental de política deliberativa”. parecer bastante próximo à conceitua-
ção liberal de política, mas apresenta por
Reunimos sinteticamente no Quadro sua vez elementos que o tornam tam-
2 os principais elementos apontados por bém ambíguo.
Habermas que devem caracterizar (e con-
frontar) os dois modelos; essa forma re- O divisor de águas parece-nos a
sumida permite perceber imediatamente forma política da participação e/ou sua
uma série de argumentos úteis à nossa ampliação. Se a inclusão de representa-
comparação. A organização e a possibili- ções de diferentes setores sociais em de-
dade de interpretação do Quadro vão terminadas arenas institucionais se deve
ficar claras na medida em que utilizarmos à agregação de interesses privados atra-
explicitamente as características para a vés de ações estratégicas de barganha,
análise das modalidades do planejamento. de troca etc. (em condições de concor-
rência, isto é, sob uma lógica igual à do
Apreciação dos projetos mercado) que procura formar uma von-
pol íti cos tade política capaz de exercer uma efe-
tiva influência, estamos (Quadro 2)
(i) Na verdade, não aprofundamos diante de uma forma liberal de articula-
o suficiente o estudo das modalidades ção corporativista. Essas articulações têm

44
Ver Habermas, J. Três modelos normativos de democracia, op. cit.
45
Seria importante, inclusive, devido à especificidade da história do Estado no Brasil, aprofundar
a investigação sobre diferentes corporativismos; ver Boschi, R.R. (org.) Corporativismo e
desigualdade. A construção do espaço público no Brasil. Rio de Janeiro: IUPERJ, Rio Fundo,
1991; ou Diniz, E. Crise, reforma do Estado e governabilidade. Rio de Janeiro: FGV, 1997.
98 O Planejamento Comunicativo entre as Perspectivas Comunitarista e Liberal

tradição em países onde se formou histori- inclusão desses interesses nas negociações
camente o Estado do Bem-Estar Social, ao nível do Estado e da sociedade política
através de uma prévia organização dos (com presença de representantes do go-
principais interesses econômicos e sociais verno, eventualmente de partidos) reali-
(tradicionalmente dos empresários e dos zadas por ocasião do planejamento de
trabalhadores, representados pelos res- determinadas medidas 46.
pectivos sindicatos), que permitiu a efetiva

Quadro 2 - Síntese das principais características das concepções liberal e republicana


Conceitos Concepç ão Liberal Concepç ão R epubl ic ana
Instância de regulação hierárquica representada pela
jurisdição (1ª fonte de integração social).
Justificação de sua existência: garantia de um processo
inclusivo de formação da opinião e da vontade políticas
Estado Aparato de administração pública em que cidadãos livres e iguais se entendem acerca de
que fins e normas correspondem ao interesse de todos.
Reacoplamento entre poder administrativo e o poder
comunicativo que emana da formação da opinião e da
vontade política.
Sistema estruturado em termos de Instância de regulação descentralizada representada
Sociedade uma economia de mercado, de pelo mercado (2ª fonte de integração social).
(Econômica) relações entre pessoas privadas e Desacoplamento entre comunicação política e
de seu trabalho social sociedade econômica.
Solidariedade e orientação pelo bem comum como
3ª fonte de integração social – mas que deve
gozar de primazia.
Base de sociedade civil autônoma, independente tanto
da administração pública como do intercâmbio privado
(para não ser absorvida pelo aparato estatal, nem
Solidariedade assimilada à estrutura do mercado) – pressuposto da
(Sociedade ––––––––––––– autodeterminação cidadã.
Civil)
Formação horizontal de vontade política, orientada
para o entendimento ou para o consenso alcançado
argumentativamente.
Infra-estrutura do espaço público e político (que tem por
função garantir a força integradora e a autonomia da
prática de entendimento entre os cidadãos).
Elemento constitutivo do processo de formação da
sociedade como um todo: - forma de reflexão de um
Função de agregar e impor os complexo de vida ético; - meio em que os membros de
Política –
interesses sociais privados perante comunidades solidárias, de caráter mais ou menos
formação da natural, se dão conta de sua dependência recíproca, e,
um aparato estatal especializado no
vontade do
emprego administrativo do poder com vontade e consciência, levam adiante essas
cidadão relações de reconhecimento recíproco em que
político para fins coletivos
encontram, transformando-as em uma associação de
portadores de direitos livres e iguais.

46
O funcionamento das “câmaras setoriais” no governo federal foi um exemplo no Brasil; ver
Diniz, E. Crise, reforma do Estado e governabilidade, op. cit.
Rainer Randolph 99

Quadro 2 - Continuação
Conc eit os Conc epç ão Liberal Conc epç ão R epubl icana
Status: define-se pelos direitos
subjetivos que os cidadãos têm Uma série de critérios onde esta concepção diverge da
diante do Estado e dos demais liberal (não os apresentamos aqui).
cidadãos. Elemento positivo: direitos de cidadania são direitos de
Goze proteção do Estado na participação e comunicação políticas; estabelece
medida em que observam as leis. liberdades positivas.
Direitos subjetivos são negativos – Poder administrativo (que não representa poder
Cidadão garantem um âmbito de escolha. originário) provém do poder comunicativo gerado na
Direitos políticos têm a mesma prática da autodeterminação dos cidadãos e se legitima
estrutura: fazer valer seus interesses na medida em que protege essa prática por meio da
privados através da agregação com institucionalização da liberdade política.
outros interesses privados até que se Espera-se dos cidadãos republicanos muito mais
forme uma vontade política capaz do que meramente orientarem-se por seus interesses
de exercer uma efetiva influência privados.
sobre a administração
Direitos subjetivos devem-se a uma ordem jurídica
objetiva que possibilita e garante a integridade de uma
O sentido de uma ordem jurídica vivência com igualdade de direitos e autonomia
está em que essa ordem permite fundada no respeito mútuo.
decidir em cada caso particular que Vincula legitimidade da lei ao procedimento
direitos cabem ao indivíduo. democrático de gênese da lei.
Direitos subjetivos (porém existe Há uma conexão interna entre a prática
Direito
algum conteúdo intersubjetivo de de autodeterminação do povo e o império
reconhecimento). impessoal da lei.
Direitos sempre fundados numa "lei É a comunidade que estabelece as leis
superior" de uma razão ou (conjunto de direitos).
revelação transpolítica Direito de votar interpretado como liberdade positiva
converte-se em paradigma dos direitos
em geral.
Paradigma é o diálogo, isto é, uma concepção dialógica
da política.
Luta por posições que assegurem a Política: como atividade normativa, contestação
capacidade de dispor de poder sobre questões de valores e não meramente questões
administrativo. de preferência, lançando mão da argumentação
Concorrência entre atores coletivos racional e persuasão.
que agem estrategicamente com o Há uma diferença estrutural entre o poder
objetivo de conservar ou adquirir comunicativo que surge da comunicação política na
posições de poder. forma de opiniões majoritárias, discursivamente
Processo Êxito mede-se através do número formadas, e o poder administrativo, próprio do aparato
Político de votos obtidos em eleições estatal (embate de opiniões sustentado no terreno
(decisões de voto têm a mesma político tem uma força legitimadora).
estrutura que as escolhas O poder administrativo somente pode ser empregado
orientadas para o êxito dos com base nas políticas e nos limites das leis que surgem
participantes de um mercado. do processo democrático.
O input de votos e o output de Formação da opinião e da vontade políticas no espaço
poder respondem ao mesmo público e no parlamento não obedece às estruturas dos
modelo da ação estratégica. processos do mercado, mas tem suas estruturas
específicas; são de uma comunicação pública orientada
para o entendimento.
Habermas, J. Três modelos normativos de democracia. Lua Nova, 1995, n. 36, p. 39-53.
[Síntese nossa]
100 O Planejamento Comunicativo entre as Perspectivas Comunitarista e Liberal

Se, por outro lado, a ampliação se tivo e da vontade política os quais


deve à presença de representações que deve transformar em atos e medidas
têm sua base na elaboração da solidarie- administrativas;
dade de comunidades, em que a forma-
ção da vontade política foi orientada pelo  SOCIEDADE: elaboração de propostas
entendimento, teríamos uma forma re- independentemente da administra-
publicana de articulação comunitarista 47. ção pública e do jogo do mercado; é
movida por solidariedade, entendi-
Em síntese, a participação ampliada mento e respeito mútuo; a formação
apresenta esse quadro ambíguo e pro- do poder comunicativo (processo do
vavelmente híbrido; o que quer dizer planejamento) é horizontal; emerge
que, em relação à concretização histó- de um amplo debate no espaço pú-
rica, podemos encontrar no mesmo blico e político; o pressuposto da
contexto tanto formas liberais como re- autodeterminação cidadã é a base
publicanas de organização de interesses. constituinte da sociedade;

(ii) A proposta comunicativa, ao con-  PROCESSO (POLÍTICO) DE PLANEJAMENTO:


trário, não aparenta ter ambigüidade o paradigma é o diálogo; durante o
nenhuma: a comparação da caracteri- processo político é possível questio-
zação da concepção republicana com os nar e redefinir valores, normas etc.;
dez itens do projeto comunicativo de P. os cidadãos exercem os direitos de
Healey (Quadro 1) mostra uma (quase) participação e comunicação política;
total e, nessa sua extensão, surpreenden- espera-se dos cidadãos um envolvi-
te concordância. Na formulação dessa mento que vá além da simples defe-
autora, a proposta comunicativa com- sa de seus interesses particulares.
partilha com a concepção republicana
de democracia todas as suas caracterís- O planejamento comunicativo pre-
ticas centrais: tende resgatar, exatamente no espírito
da concepção comunitarista de política,
 ESTADO: locus do planejamento, mas o “sentido democrata radical de uma
não seu lugar privilegiado; sua pre- auto-organização da sociedade por ci-
sença não tem legitimidade em si, dadãos unidos comunicativamente” em
porém se justifica na medida em que que os “fins coletivos não são derivados
garante a formação da vontade políti- somente de um arranjo entre interesses
ca; é o endereço do poder comunica- privados conflitantes” 48.

47
Este debate lembra a discussão a respeito de duas possíveis interpretações dos novos movi-
mentos sociais da década de 80 que analisamos em outro momento; ver Randolph, R.,
Silveira, C., Menegat, E. Solidariedade e gestão territorial: Indagações sobre a atuação das
organizações não governamentais no Brasil. In: Novas e velhas legitimidades na reestruturação
do território. Anais do IV Encontro Nacional da ANPUR (Salvador, maio 1991), org. por M.A.
Filgueiras Gomes. Salvador: UFBa, Faculdade de Arquitetura, 1993, p. 77-88.
48
Habermas, J. Três modelos normativos de democracia, op. cit., p. 44.
Rainer Randolph 101

No entanto, já nos nossos trabalhos articulações das vontades políticas) e


anteriores chamamos a atenção para as lógica instrumental das instituições para
dificuldades que uma concretização da escamotear suas verdadeiras intenções
forma comunicativa-comunitária en- atrás de uma postura latentemente es-
frentará ou, dito de outra maneira, aler- tratégica que apenas fingiria sua solida-
tamos que sua realização dependerá de riedade 49.
uma série de condicionantes cuja exis-
tência, no atual contexto brasileiro, não Com a identificação da íntima liga-
está assegurada em todos os lugares do ção entre republicanismo e planejamen-
país. E atentamos, ainda, para o perigo to comunicativo será mais fácil e frutífero
de essa proposta vir a ser “desvirtuada” realizar uma leitura crítica desse projeto
(num mero discurso ideológico) por al- a partir da qual poderão ser desenvolvi-
guém que se aproveitasse da inevitável dos elementos para seu aperfeiçoa-
tensão entre lógica comunicativa (das mento.

Uma leitura crítica da proposta comunicativa:


indicações para o direcionamento de seu
aperfeiçoamento

Argumentamos anteriormente que a de um município ou de um Estado


realização plena de processos (ações) co- ou como habitantes de uma deter-
municativos – plenos em sua oposição minada região, acerca de que tradi-
quando a processos estratégicos – se ções devem ter continuidade, acerca
torna difícil devido às limitações inter- de como devem tratar-se mutua-
nas (“micro-social”) da formação e afir- mente, de como tratar as minorias
mação de solidariedades comunitárias e os grupos marginais, acerca do
e da consolidação da integração social. tipo de sociedade em que querem
Habermas mostra, agora, uma outra di- viver, também constituem uma
mensão, externa (“macro-social”), do parte importante da política. Mas,
problema de se alcançar o consenso em em situações de pluralismo cultural
situações de pluralismo cultural e social: e social, por trás das metas politica-
mente relevantes muitas vezes es-
“Certamente os discursos de auto- condem-se interesses e orientações
compreensão, aqueles em que seus valorativas que de modo algum
participantes tentam esclarecer-se podem-se considerar constitutivos
acerca de como devem entender a da identidade da comunidade em
si mesmos como membros de uma seu conjunto, isto é, de uma inteira
determinada nação, como membros forma de vida compartilhada inter-

49
Dedicamos boa parte dos dois últimos artigos a essas questões.
102 O Planejamento Comunicativo entre as Perspectivas Comunitarista e Liberal

subjetivamente. Esses interesses e estabelecido tem pelo menos de


orientações valorativas, que entram guardar conformidade com princí-
em conflito sem perspectiva de con- pios morais que pretendem ter va-
senso, necessitam de um equilíbrio lidade geral para além de uma
ou de um compromisso que não é comunidade jurídica concreta.” 51
possível alcançar-se mediante discur-
sos éticos, ainda que os resultados Além da formação de uma vontade
se sujeitassem à condição de não comum pela via de uma autocompreen-
transgredir os valores básicos con- são ética (que seria o caminho do planeja-
sensuais de uma cultura.” 50 mento comunicativo), Habermas chama
a atenção para a possibilidade de essa
É nessa situação que os compro- “vontade comum” poder-se formar, tam-
missos entre interesses divergentes não bém, mediante um equilíbrio de interes-
podem ser mais obtidos através de um ses e compromissos, mediante a escolha
discurso racional que neutralize o poder racional de meios com respeito a um fim,
e exclua a ação estratégica; um equilíbrio mediante justificações morais e exames
se efetua, aqui, em forma de compro- jurídicos de coerência.
missos entre partidos estribados em
potenciais de poder e em potenciais de “Assim, esses dois tipos de política que
sanção. Mesmo assim, as negociações Michelman contrapõe em termos tí-
desse tipo pressupõem uma certa dispo- pico-ideais podem entrelaçar-se de
nibilidade das partes para a cooperação forma racional. A política dialógica e
ou disposição de, respeitando as regras a política instrumental podem entre-
do jogo, chegar a resultados que possam laçar-se no campo das deliberações,
ser aceitos por todos, ainda que por quando as correspondentes formas
razões diferentes. de comunicação estão suficientemen-
te institucionalizadas. Portanto, tudo
A própria eqüidade dos compro- gira em torno das condições de co-
missos municação e dos procedimentos que
outorgam à formação institucionali-
“é medida por condições e procedi- zada da opinião e da vontade polí-
mentos que, por sua vez, necessitam ticas sua força legitimadora.” 52
de uma justificação racional (norma-
tiva) com respeito a se são justos ou Habermas lança-se, assim, ao desa-
não. Diferentemente das questões fio de construir uma terceira via, um
éticas, as questões de justiça não terceiro modelo de democracia que se
estão por si mesmas referidas a uma apóia nas condições de comunicação
determinada coletividade. Pois, para sob as quais o processo político possa
ser legítimo, o direito politicamente ter a seu favor a presunção de gerar

50
Idem, ibidem.
51
Idem, p. 44-45.
52
Idem, p. 45.
Rainer Randolph 103

resultados racionais. Vincula essa pre- modelo liberal, porém mais fracas do
sunção ao fato de que nesse processo o que o modelo republicano, toma ele-
modo e o estilo da política deliberativa mentos de ambos e os articula de uma
realizam-se em toda a sua amplitude. forma distinta.” 53

Um modelo procedimental de polí- O processo político de formação da


tica deliberativa, como núcleo normati- opinião e da vontade comum continua
vo de uma teoria da democracia, estaria um elemento central para sua concepção
baseado em concepções diferentes acer- de democracia; porém, a estruturação
ca do Estado, de sua relação com a so- em termos de Estado de Direito não se
ciedade e do processo de formação percebe como algo secundário. Entende
democrática da opinião. Reavaliando os os direitos fundamentais e os princípios
dois outros modelos o autor conclui que do Estado de Direito como uma resposta
conseqüente à questão de como insti-
(i) para a concepção republicana, a tucionalizar os exigentes pressupostos
democracia é sinônimo de auto-orga- comunicativos do processo democrático.
nização da sociedade – e disso resulta Ou, em outras palavras, a realização de
uma compreensão da política que se uma política deliberativa não depende
volta polemicamente contra o aparato de uma cidadania coletivamente capaz
estatal (ver a argumentação da Hannah de ação, mas da institucionalização dos
Arendt contra a cidadania privatista de correspondentes procedimentos e pres-
uma população despolitizada) –, e que supostos comunicativos.

(ii) para a concepção liberal, dentro A teoria do discurso


de uma visão da separação insuperável
entre aparato estatal e sociedade, a for- “... não opera com o conceito de um
mação democrática é apenas um ele- todo social centrado no Estado, que
mento dentro de uma constituição que pudéssemos representar como um
deve disciplinar o poder do Estado me- sujeito em grande escala com ação
diante dispositivos normativos como os voltada para metas. Ela tampouco
direitos fundamentais, a separação de localiza esse todo em um sistema de
poderes e a vinculação da administra- normas constitucionais que regulem
ção à lei, e a política está centrada no o equilíbrio de poder e o compro-
Estado (e pode dispensar, assim, a su- misso de interesses de modo incons-
posição de que os cidadãos são capazes ciente e mais ou menos automático,
de ação coletiva). conforme o modelo da troca mer-
cantil. Ela dispensa inteiramente as
Assim, a “teoria do discurso que as- figuras de pensamento da filosofia
socia ao processo democrático conota- da consciência, inclinadas a atribuir
ções normativas mais fortes do que o a prática da autodeterminação dos

53
Idem, p. 47.
104 O Planejamento Comunicativo entre as Perspectivas Comunitarista e Liberal

cidadãos a um sujeito global ou riedade social, embora não possa mais


então a referir o império impessoal ser extraída apenas das fontes de ação
das leis a sujeitos particulares com- comunicativa. Vê como principal condi-
petidores entre si. ... ção para esse desenvolvimento a existên-
cia de espaços públicos autônomos
A teoria do discurso, diferentemen- amplamente diversificados e de proce-
te, conta com a intersubjetividade dimentos de formação democrática de
de ordem superior de processos de opinião e de vontade políticas, institu-
entendimento que se realizam na cionalizados em termos de Estado de
forma constitucional das delibera- Direito: “e em base do Direito (solida-
ções, nas instituições parlamentares riedade ou poder comunicativo) deve
ou na rede de comunicação dos es- ser capaz de afirmar-se também contra
paços públicos políticos. Essas co- os outros dois poderes – o dinheiro e o
municações desprovidas de sujeito, poder administrativo.” 56 (parêntese
ou que não cabe atribuir a nenhum nosso)
sujeito global, constituem âmbitos
nos quais pode dar-se uma forma- As apreciações críticas e as sugestões
ção mais ou menos racional da opi- construtivas de Habermas não se diri-
nião e da vontade acerca de temas gem, é óbvio, ao planejamento comuni-
relevantes para a sociedade como cativo. No entanto, na medida em que
um todo e acerca das matérias que levantamos a hipótese de que postura
precisam de regulação.” 54 comunicativa e concepção republicana
(comunitária) são aproximadamente
Imagina caminhos nos quais o poder idênticas, podemos aplicar as críticas ao
gerado comunicativamente se transfor- comunitarismo à proposta comunicativa.
ma em poder passível de ser empregado Porém, na medida em que Habermas
em termos administrativos 55. Conclui, mostra a possibilidade (e discute suas
finalmente, que precisa haver um deslo- condições) de uma complexa articulação
camento do centro de gravidade da re- desse poder (comunicativo) com os po-
lação entre os recursos dos quais as deres sociais, políticos e administrativos
sociedades modernas se valem para sa- e com o direito, podemos imaginar uma
tisfazer sua necessidade de integração e ampliação do projeto do planejamento
regulação: a despeito dos recursos re- comunicativo que lhe conferiria uma
presentados pelo dinheiro e poder, é posição “estratégica” (que ironia...) no
preciso que se desenvolva a força da fortalecimento da democracia nas
integração social inerente à solida- nossas sociedades.

54
Idem, p. 47-48.
55
Em Habermas, J. Direito e democracia, op. cit., o autor aprofunda essas questões e apresenta
suas posições em relação às condições necessárias para isso acontecer: destaca a condição
de uma sociedade civil forte e de uma esfera política pública dinâmica.
56
Habermas, J. Três modelos normativos de democracia, op. cit., p. 48.
Rainer Randolph 105

Nesse sentido, parece-nos que a comunicação foi e continua sendo o


maior contribuição que a concepção de “motor” do planejamento, então agora
política de Habermas traz para nossa é necessário “planejar” o modo como
discussão é sua problematização das ampliar a potência(lidade) desse motor.
próprias condições de comunicação, que Mais ainda, para a reflexividade do pla-
permite enxergar caminhos nos quais o nejamento comunicativo não se tornar
poder gerado comunicativamente se um círculo vicioso, em que a falta de
transforma em poder passível de ser em- comunicação só tende a se reforçar, pre-
pregado em termos administrativos 57. cisamos lutar na direção para a qual
Reconhecemos, por um lado, que as Habermas aponta: a favor do fortaleci-
restrições limitam as possibilidades de mento da sociedade civil (como ele en-
trabalhar exclusivamente com formas tende), da esfera pública política e da
comunitárias de solidariedade; mas, por sua proteção por mecanismos ineren-
outro, paradoxalmente com sua aber- tes ao Estado de Direito. E combater
tura para o liberalismo, Habermas busca aqueles caminhos “fáceis” e enganosos
potencialidades de comunicação através que em nada contribuem para o forta-
da institucionalização de pressupostos lecimento do poder comunicativo em
comunicativos do processo democrático. uma sociedade, como o faz a proposta
estratégica.
Aí o planejamento comunicativo
torna-se reflexivo: ao se confrontar con-
sigo mesmo percebe suas limitações e Tarefa digna de um exército de Hér-
procura contribuir para o desenvolvi- cules – mas cuja execução já foi inicia-
mento de suas potencialidades. Se a da, mesmo aqui, no nosso país.

57
Talvez o caso de Porto Alegre seja emblemático para esse caminho.
106 O Planejamento Comunicativo entre as Perspectivas Comunitarista e Liberal

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108 O Planejamento Comunicativo entre as Perspectivas Comunitarista e Liberal

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Cadernos IPPUR, ano VII, n. 1, p. 53- Federal do Rio de Janeiro - IPPUR/
61, jun. 1993. UFRJ
Urbanização e Mercado de
Trabalho na Amazônia Brasileira

Lia Osorio Machado *

A urbanização do território, o mercado Em linhas gerais, a fronteira de po-


de trabalho e as relações entre ambos voamento na Amazônia brasileira segue
apresentam certas especificidades nas o padrão esboçado acima, porém apre-
fronteiras de povoamento. Duas delas são senta um aspecto que, do ponto de vista
bastante conhecidas: a forte mobilidade da ocupação, a diferencia de outras
da população e do trabalho no interior grandes fronteiras de povoamento. Esse
do território, até certo ponto associada aspecto é o papel dominante da urbani-
ao fluxo e refluxo de migrantes, é respon- zação no sistema de povoamento regio-
sável pelo aparecimento de novas cida- nal, ou seja, a urbanização define o que
des e frentes de trabalho em curto espaço é, para todos os efeitos, o “modo de
de tempo; a facilidade de implantação produção” do espaço regional. Não se
de novas formas de organização das ati- trata, portanto, de um elemento com o
vidades produtivas pela ausência de mesmo peso de outro qualquer na con-
formas espaciais pretéritas e o caráter figuração do espaço regional, preen-
freqüentemente experimental dessas chendo a simples função de apoio ao
atividades provocam alterações bruscas povoamento. É o elemento organizador
na distribuição da população e do traba- do sistema de povoamento, aquele que
lho, sem paralelo nas áreas de povoa- define sua estrutura, seu conteúdo e sua
mento consolidado. evolução atual. É também o modo de

* Colaboraram para as ilustrações Murilo Cardoso (geoprocessamento), os mestrandos Tarcio


Cordeiro Ramos e Leticia Parente Ribeiro e os bolsistas de iniciação científica Rosane Tetéu,
Lucimar Araruna e Gilberto Polastrelli, aos quais a autora agradece.

Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XIII, No 1, 1999, p. 109-138


110 Urbanização e Mercado de Trabalho na Amazônia Brasileira

vida concreto e referencial da maioria dade de distinguir a categoria do “ur-


da população: entre 1960 e 1996, a bano” no passado e no presente de sua
proporção da população que vivia em história territorial. Tem sido uma fonte
vilas e cidades passou de 28% para 61% constante de confusão e erro o emprego
do total da população residente, e não do termo “urbanização” para designar
é absurdo afirmar que a população rural o conjunto de aglomerações surgidas na
está incluída no referencial de vida urba- região na época colonial, ou considerar
na através da mobilidade do trabalho e tais aglomerações como “cidades” (a
da expansão no ambiente rural dos mais recente tentativa, Araújo, 1998),
meios de telecomunicação. ou ainda pensar a urbanização e as cida-
des como resultantes de uma evolução
A urbanização do território não só linear e cumulativa (da aldeia indígena
enquadra a Amazônia firmemente neste à metrópole). Não só um modelo desse
final de século e a diferencia das outras tipo está distante da realidade, de modo
fronteiras de povoamento do século XX, geral, como é mais estranho ainda às
como também aponta para a necessi- realidades históricas amazônicas.

A fronteira da borracha

Durante séculos, mesmo na época pré- prazo funcionais ao domínio do territó-


colombiana, a disposição geográfica do rio, quase nada tiveram a ver com a gê-
povoamento na região amazônica obe- nese do urbano na região. De fato,
deceu ao traçado da rede fluvial, por desde a época colonial, sucessivos relató-
onde se fazia a circulação. No início do rios de governo indicavam que a auto-
século XVII, quando os ibéricos insta- suficiência das propriedades agrícolas, a
laram-se no vale com o objetivo de con- dificuldade de comunicação, a baixa dis-
trolar o território formado pela grande ponibilidade de mão-de-obra e a inexis-
bacia hidrográfica, escolheram os sítios tência de complementaridade produtiva
com maior densidade de população in- entre os subespaços amazônicos eram
dígena, quase todos localizados na ex- poderosos obstáculos ao crescimento
tensa planície de inundação (várzea) que das cidades (Machado, 1989).
caracteriza grande parte do vale do rio
Amazonas e de seus principais afluentes. É à economia da borracha que se
deve atribuir o impulso inicial ao desen-
Se as missões religiosas e as peque- volvimento da urbanização na região, a
nas fortificações e vilas, concebidas pelos partir da segunda metade do século
portugueses e construídas com a mão- XIX.
de-obra indígena, revelaram-se a longo
Lia Osorio Machado 111

A proto-urbanização dos proto-urbanização da região. Cabe aqui


vales amazônicos a breve descrição desse processo.

O aparecimento de novas aglome-


Para explorar o “ouro branco”, epíteto rações e o desenvolvimento, mesmo que
popular com que se designava o lucra- precário, da forma urbana se devem à
tivo leite extraído da árvore da borracha espacialmente extensiva cadeia comer-
(hevea brasiliensis), fluxos migratórios cial de exportação da borracha in natura
procedentes do Nordeste e Sudeste do e à importação de bens de consumo. A
país e mesmo do exterior dirigiram-se estrutura comercial se refletia na estrutu-
para a Amazônia, dispersando-se em ra da rede, em que a posição hierárquica
meio à floresta equatorial e criando uma de cada aglomeração era função de sua
rede de povoados, vilas e pequenas ci- posição na cadeia de comercialização.
dades conectadas pelas vias fluviais.
As interações entre vilarejos, vilas e
Na maior parte das aglomerações, o cidades eram inteiramente dependentes
equipamento urbano e portuário era da cadeia de exportação/importação,
precário, e o título de cidade, um eufe- que mobilizava os excedentes de valor
mismo: a área urbanizada se limitava a produzidos pela economia da borracha.
duas ou três ruas paralelas ao rio, mar- Essa cadeia funcionava com base na
geada por modestas casas, raramente de compra e venda a crédito das mercado-
alvenaria, localizadas nas partes mais ele- rias (aviamento), sistema usado tanto
vadas da planície sazonalmente inundada pelo pequeno como pelo alto comércio,
pela enchente dos rios. A falta de equipa- que, na prática, substituía a circulação
mento, mesmo nas maiores aglomera- de dinheiro pelo fluxo de mercadorias,
ções, não estimulava o desenvolvimento e era esse fluxo de crédito-em-mercado-
do modo de vida urbano, enquanto o rias que articulava entre si as aglome-
ritmo de vida nas aglomerações menores rações. Se, de um lado, esse sistema
era lento e intermitente, acompanhando facilitava a expansão da atividade co-
a sazonalidade da coleta da borracha e mercial, pois bastava ter crédito para o
o movimento de entrada e saída de em- comerciante se estabelecer, por outro,
barcações no porto. dificultava a captação do excedente em
cada lugar, o que, por sua vez, inibia a
Essas características, somadas à difi- diversificação das atividades produtivas
culdade de comunicação e à quase-au- e o processo de diferenciação funcional
sência de diferenciação funcional entre das aglomerações.
as aglomerações, são indicativos de que
não existiam as condições para o desen- Por se tratar de atividade coletora,
volvimento da rede urbana. Contudo, a extração do látex não envolvia a divi-
o povoamento associado à exploração são de trabalho nem o emprego de téc-
da borracha nos vales amazônicos im- nicas especializadas. Os coletores eram
pulsionou o que se pode denominar de trabalhadores autônomos, isto é, não
112 Urbanização e Mercado de Trabalho na Amazônia Brasileira

estavam subordinados a contrato for- natureza dessa organização não era


mal empregatício, e o valor do trabalho favorável à multiplicação das redes de
era medido pela quantidade de látex comunicações, tampouco à ampliação
extraído. A remuneração deveria ser das trocas, tanto no interior da aglo-
monetária, mas, na prática, os trabalha- meração como entre elas. Portanto, é a
dores não viam nem a cor do dinheiro. própria razão da rede, ou seja, sua cons-
Entretanto, a simples possibilidade de tituição em função da exploração da
remuneração em dinheiro constituía borracha, que restringe o pleno desen-
uma novidade na época quando o tra- volvimento do urbano e da urbanização
balho escravo ou semi-servil ainda do- do território.
minava em grande parte do Brasil, o que
é consistente com a conexão entre a A forma da rede proto-urbana esta-
economia da borracha e a expansão da va relacionada à área de ocorrência da
grande indústria nos países centrais. borracha. Embora houvesse espécies
produtoras de látex em terra firme (áreas
Por força da sazonalidade da extra- não inundadas), as mais produtivas eram
ção da borracha, os coletores permane- as árvores da hevea, localizadas nas flo-
ciam seis meses inativos, portanto, sem restas de várzea (planície de inundação).
remuneração. Essa restrição os tornava É a associação entre essa restrição eco-
dependentes do crédito disponibilizado lógica e o domínio da circulação fluvial
pelo comerciante local, em geral o pró- que explica a forma dendrítica 1 da rede
prio proprietário da unidade produtora proto-urbana. A rede englobava aglome-
(seringal), para a compra de alimentos rações situadas em pontos de transbordo
e de bens de consumo básico, o que, dos carregamentos, ou nos portos que
por certo, tinha a vantagem de reduzir serviam às grandes unidades produtoras,
o capital-dinheiro necessário para a im- ou na confluência de rios que drenavam
plantação e sustento da atividade serin- a produção das sub-bacias.
galista. A outra vantagem, é claro, era a
espiral de endividamento, que mantinha
os coletores presos à unidade produ- A estrutura urbana primaz
tora, evitando até certo ponto a mobi-
lidade do trabalho no território e, em A forma de distribuição da população
conseqüência, a competição entre os se- entre as cidades apresentava uma forte
ringais por força de trabalho. A relação diferença entre a maior cidade e o con-
mercantil simples, não monetarizada, de junto de cidades menores. Grosso
troca de trabalho por mercadoria, assim modo, a estrutura urbana de cidade-
como a progressão da dívida dos traba- primaz acompanha o modelo clássico
lhadores tornaram-se o suporte da geoe- dos sistemas de intercâmbio de tipo re-
conomia da borracha. Por outro lado, a distributivo (Morris, 1978).

1
O termo dendrítico designa a forma ramificada de uma rede, semelhante a uma árvore. No
texto, o termo é usado para descrever a forma tomada pela rede proto-urbana ao acompa-
nhar a forma dendrítica da rede fluvial.
Lia Osorio Machado 113

A cidade de Belém, no baixo rio gunda maior cidade da região e em


Amazonas, foi a maior beneficiária da capital do Estado do Amazonas. O cres-
estrutura comercial implantada para a cimento de Manaus deve ser atribuído
exportação da borracha para os centros à interiorização das frentes exploradoras
industriais da Europa e dos Estados de borracha que ali se bifurcavam em
Unidos. Como porto de entrada do vale direção norte (vale do rio Negro) e su-
do Amazonas, Belém concentrava a doeste (afluentes da margem direita do
maior parte dos negócios de exporta- alto rio Amazonas, onde mais tarde sur-
ção, ao mesmo tempo que centralizava giu o território federal do Acre).
a distribuição dos bens de consumo
importados do exterior e destinados às Como cidade, Manaus exercia fun-
áreas monoprodutoras de borracha da ções comerciais semelhantes às de
bacia amazônica. Bancos, firmas de na- Belém, sem contudo chegar a ameaçar-
vegação fluvial, ateliês, escritórios e pe- lhe a primazia, uma vez que as principais
quenas fábricas criaram, pela primeira firmas comerciais, nacionais e estrangei-
vez, um mercado de trabalho urbano. ras sediadas em Belém instalaram filiais
A cidade, antiga capital do Estado do em Manaus. Descrita como uma peque-
Pará, foi o principal pólo atrator urba- na aldeia de 8.500 habitantes em 1852,
no dos fluxos imigratórios, nacionais e sessenta anos depois sua população
estrangeiros. havia crescido para 50.000 habitantes
(1914). No entanto, o “urbanismo” de
Entre 1856 e 1907, a população da Manaus estava restrito aos setores de co-
cidade cresceu de 20.000 para 192.000 mércio e de residência dos moradores
habitantes, o que representava 25% da mais abonados.
população do Estado do Pará e mais de
dez vezes o tamanho populacional de O fosso social que separava os habi-
Cametá, a segunda cidade na hierarquia. tantes de pequenas e grandes aglome-
Sua posição de cidade-primaz pode tam- rações se refletia na paisagem urbana.
bém ser avaliada pelo grau de centrali- Cada aglomeração se dividia entre o
zação dos recursos financeiros disponíveis “centro”, que abrigava as casas comer-
para investimento urbano. Em 1891, o ciais, o porto e as melhores residências,
montante de recursos em Belém era 21 e o resto, onde vivia em casas de madeira
vezes maior que a soma de recursos das e palha a maior parte da população.
três cidades seguintes na hierarquia ur-
bana (Cametá, Santarém e Óbidos); em Em pleno apogeu das exportações
1907, era 33 vezes maior que o de Ca- de borracha (1891-1912), a área cen-
metá e 65 vezes maior que o de Santa- tral de Belém era servida por uma rede
rém (Le Cointe, 1922). de bondes elétricos, tinha água canali-
zada, iluminação elétrica nas ruas arbo-
Localizada a mais de 2.000 km da rizadas e margeadas por residências
costa atlântica, no alto vale do rio Ama- luxuosas, enquanto nos bairros perifé-
zonas, Manaus transformou-se na se- ricos a população vivia em condições
114 Urbanização e Mercado de Trabalho na Amazônia Brasileira

miseráveis, em casas precárias erguidas A partir da crise econômica regional,


em áreas pantanosas, sujeita a diversas a dinâmica da rede urbana move-se em
endemias (Le Cointe, 1922). sentido inverso. Enquanto a monopro-
dução da borracha determinou que cada
aglomeração, pequena ou grande, depen-
Se de fato a economia da borracha desse de recursos e de bens produzidos
disponibilizou os recursos para investi- em outras regiões do país e do mundo, a
mento em infra-estrutura urbana, per- estagnação econômica dos vales amazô-
mitindo, mesmo que de forma pontual, nicos estimulou a exploração dos recursos
o aparecimento da forma-cidade, a es- locais e a redução no ritmo de trocas entre
trutura sócio-político-institucional que as aglomerações. Esse processo de auto-
emergiu com ela excluiu a maior parte organização, adaptado à situação de
da população de seus benefícios, tanto estagnação da economia regional, pode
diretos (melhor remuneração e diversi- explicar a relativa estabilidade da estrutura
ficação da oferta de emprego) como de povoamento nas décadas seguintes.
indiretos (equipamentos de uso coleti-
vo). Tal tipo de projeto social é respon-
sável pela geração de uma urbanização Ao mesmo tempo que a economia
incompleta, visão de Milton Santos, de das áreas de floresta equatorial entrava
que aqui nos apropriamos, sobre o pro- em declínio, no domínio das savanas,
cesso de urbanização em países perifé- ao sul da grande floresta ombrófila, sur-
ricos (Santos, 1973; 1979; 1993). giam frentes de povoamento de curta
duração que deixavam em seu rastro
outras pequenas aglomerações proto-
Em face do “espaço dividido” e urbanas. No sul do Estado do Mato
pouco diversificado, não é surpreenden- Grosso (bacia do alto rio Paraguai), a
te que a queda brusca das exportações frente vinculada à criação de gado bo-
de borracha, depois de 1912, tenha vino e à fabricação de couros para o
provocado a desordem na incipiente mercado externo e interno foi respon-
rede urbana e em todo o processo de sável pelo aparecimento de pequenas
povoamento regional. No entanto, o vilas, sem contudo ter conseguido im-
desmonte da estrutura comercial de pulsionar o crescimento da Cidade de
exportação atingiu a rede de forma di- Cuiabá, antigo centro minerador do
ferenciada. O refluxo migratório tanto século XVIII e que havia se tornado ca-
deixou em seu rastro cidades-fantasmas pital do estado. Outro agrupamento de
e cidades estagnadas, como foi respon- pequenas vilas surgiu no atual Estado
sável pelo surgimento de novas aglome- do Tocantins, ligado à exploração mi-
rações, em conseqüência do êxodo rural neral. A leste da floresta, no Maranhão,
ocorrido nas áreas onde estavam locali- ainda outra frente vinculada à cultura
zadas as maiores unidades produtoras do arroz deu origem a pequenas aglo-
de borracha (sudoeste amazônico). merações proto-urbanas (Figura 1).
Lia Osorio Machado 115

Figura 1 - Aglomerações urbanas na Amazônia Brasileira (1945)

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IDAD452.PRJ 22/06/98

A fronteira urbana
Ao visitar a Amazônia Ocidental no final Embora permanecesse o comando
da década de 1950, o geógrafo Michel exercido pela rede fluvial sobre a interco-
Rochefort ficou impressionado com a es- nexão das aglomerações, o transporte
tagnação da economia local e a posição por esse meio de circulação havia sido
de primazia de Manaus. A cidade abri- complementado pelo transporte aéreo.
gava 88.600 habitantes, corresponden- De fato, muito antes das estradas, foram
tes a 54% da população urbana total os aviões os primeiros a efetuar a inte-
dos atuais estados do Amazonas, Acre, gração da Amazônia ao Centro-Sul do
Roraima e Rondônia. Nessa vasta área país, além de desempenharem impor-
predominavam as aglomerações com tante papel no controle militar do territó-
menos de 10.000 habitantes, a maioria rio depois da Segunda Grande Guerra.
delas centros elementares, cuja zona de
influência não excedia os limites dos mu- Na hierarquia urbana, abaixo de
nicípios respectivos (Rochefort, 1959). Manaus encontravam-se as capitais das
116 Urbanização e Mercado de Trabalho na Amazônia Brasileira

unidades federativas do Acre (1903), no Federal ao regime militar autoritário


Guaporé (atual Rondônia) e Rio Branco instituído em 1964. Contudo, suas pre-
(atual Roraima); os dois últimos territórios missas de modernização são devedoras
foram criados em 1943, no contexto da das teorias e modelos de desenvolvimen-
política de colonização do oeste brasileiro to econômico elaborados pela CEPAL
elaborada pelo governo de Getúlio Var- (Comissão Econômica para a América
gas. Rochefort assinalou o caráter artificial Latina/ONU), que já haviam sido ado-
dessas capitais, que não resultavam de tados pelo governo de Juscelino Kubit-
uma organização urbana espontânea, schek no Plano de Desenvolvimento
funcionais à necessidade de relações Nacional (1955-1960). O plano foi res-
intra-regionais, e sim de uma organização ponsável pela construção de Brasília e
voluntária do Governo Federal destinada de um feixe de estradas pioneiras que
a remediar a estagnação da economia conectasse por via terrestre a nova ca-
regional através da implantação de uma pital com todas as regiões do país. Uma
estrutura urbana que precedesse ao de- dessas estradas, a mais conhecida, é a
senvolvimento econômico. rodovia Belém-Brasília (1960). Cortan-
do extensas áreas de floresta e de sava-
Depois de 1966, essa estratégia, de na, a estrada de 2.000 km rompeu o
secundária, passou a dominante no que secular isolamento da Amazônia em re-
se refere à ação governamental. lação à Região Sudeste-Sul, centro eco-
nômico-político do país. Quando foi
lançada a Operação Amazônia (1966),
Um esforço malvisto: a seguida pelo Plano de Integração Nacio-
colonização nos trópicos nal - PIN (1970), as frentes migratórias
e os grandes fazendeiros já vinham ocu-
A intervenção estatal no povoamento pando em ritmo frenético as terras ao
com a conseqüente valorização das terras longo da estrada pioneira havia mais de
amazônicas foi decisiva no período 1966/ dez anos (Becker, 1982).
85. Dois elementos dessa intervenção
merecem ser destacados. O primeiro foi A implantação de redes técnicas mo-
a subordinação dos projetos de coloni- dernas, conforme citado, constituiu o
zação regional ao projeto mais amplo de segundo elemento essencial da inter-
modernização institucional e econômica venção governamental. As obras realiza-
(Silva, 1967; Cardoso, Mueller, 1977). das pelo PIN foram bem mais ambiciosas
O segundo foi o uso de redes técnicas do que o plano do governo Kubitschek,
modernas, com o objetivo de estimular com custos evidentemente superiores. In-
e viabilizar a mobilização de capitais e de vestimentos públicos foram dirigidos à
migrantes para as novas frentes de po- construção de 12.000 km de estradas pio-
voamento (Machado, 1987). neiras, em cinco anos, e à de 5.110 km
de redes de comunicação por microon-
Com freqüência, a literatura sobre das, em três. Em áreas selecionadas
esse período atribui as ações do Gover- foram implantadas redes de distribuição
Lia Osorio Machado 117

de energia elétrica associadas à constru- primeiro se refere à tendência de consi-


ção de usinas hidrelétricas de grande e derar a ocupação da Amazônia ilegíti-
médio porte. Finalmente, a rede de aero- ma porque inspirada por argumentos
fotogrametria para levantamento dos do tipo “destino manifesto” e por deva-
recursos naturais (Projeto RADAM-1971) neios sobre o “Brasil-grande potência”,
realizou a cobertura de cerca de 5 mi- freqüentes no pensamento geopolítico
lhões de quilômetros quadrados da Ama- militar. O desejo de garantir a sobera-
zônia (Kohlhepp, 1987). nia sobre quase 2/3 do território do país
não só é compreensível, como a deci-
As obras foram, sem dúvida, im- são do modo como fazê-lo, seja correta
pressionantes e sem paralelo na história ou errada, é prerrogativa de qualquer
da ocupação de terras na faixa intertro- Estado nacional. O outro reparo diz res-
pical, representando investimentos da peito ao fato de o povoamento efetivo
ordem de 10 bilhões de dólares (1970), da região desacreditar as teorias elabo-
a maior parte financiada pelo governo radas no século XIX, e recentemente
federal com recursos próprios (de que revividas, que atribuem a pobreza dos
30% provinham dos fundos de incenti- países subdesenvolvidos às condições
vo fiscal) e com empréstimos de bancos climáticas, particularmente quando se
internacionais (Mahar, 1989). trata de regiões equatoriais-tropicais
(Landes, 1998). Somente quem não
Igualmente impressionante foi a sofre os efeitos políticos dessas teorias
quantidade de críticas lançadas a todos pode considerá-las inócuas.
esses planos de desenvolvimento regio-
nal, desde sua implementação até hoje. Os investimentos federais foram res-
A série de erros cometidos, os custos ponsáveis pela alteração da disposição
ecológicos e sociais elevados, o desper- espacial do povoamento nas décadas
dício de energia humana são algumas seguintes (Figura 2). O atrator 2 primor-
das críticas justas à intervenção do go- dial deixou de ser a rede fluvial e passou
verno brasileiro. Este, por conseguinte, a ser as estradas pioneiras, tanto para
assumiu um comportamento defensivo, os fluxos migratórios dirigidos como
principalmente nos debates de âmbito para as correntes migratórias espontâ-
internacional. neas. À medida que os grandes eixos
de estradas pioneiras eram construídos
Apesar da propriedade da maioria na terra firme, ou seja, nas áreas não
das críticas aos planos e seus efeitos, o inundadas, as frentes de povoamento
tratamento dispensado a eles pela ex- invadiam a selva e novas aglomerações
tensa bibliografia “amazônica”, nacional apareciam, muitas delas já sob a forma
e estrangeira, merece alguns reparos. O de cidade.

2
Podemos definir o atrator como a estrutura para a qual convergem as trajetórias dos compo-
nentes de um sistema espacial.
118 Urbanização e Mercado de Trabalho na Amazônia Brasileira

Figura 2 - Urbanização da Amazônia Brasileira (1967-1990)

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1967
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IDADE902.PRJ 22/06/98

Fonte : IBGE. Org.: Lia Machado

A maior parte das antigas aglome- pouco a intervenção direta do Estado na


rações, situadas nas margens das vias criação de cidades pode ser considerada
fluviais, foi marginalizada pelas ondas como novidade na história das frentes
migratórias, com exceção das cortadas pioneiras modernas. O que a experiência
pelos novos eixos de circulação terres- amazônica talvez tenha de singular é a
tre. Por outro lado, as cidades de maior gênese quase instantânea, em um grande
nível hierárquico na antiga rede, ou seja, território, de um sistema urbano que é,
as capitais estaduais, foram revigoradas simultaneamente, a condição e o produ-
pelo influxo migratório. to do sistema de povoamento da região.

Urbanização e povoamento estão


O “sistema de povoamento
povoamento”” associados no conceito de “sistema de
povoamento”, que compreende um
Desde o início do atual processo de po- conjunto de nódulos (vilarejos, vilas e ci-
voamento, a aglomeração urbana serviu dades), as redes de comunicação que os
de base logística de operações para a interligam e o equipamento e a informa-
ocupação do território, evento comum ção que possibilitam essa conexão em um
no processo pioneiro de ocupação. Tam- dado território (Pumain, 1995). Ao rela-
120 Urbanização e Mercado de Trabalho na Amazônia Brasileira

cionar esse conceito ao de “grandes sis- que resulta de comportamentos hu-


temas técnicos”, usado para designar manos adaptativos, inovadores ou con-
tentativas deliberadas de controlar o pro- servadores do sistema, sem que esses
cesso de criação de elos de comunicação, comportamentos possam ser atribuídos
Denise Pumain toca num dos aspectos a propósitos deliberados (Allen, 1984;
fundamentais das ordenações territoriais Allen, Sanglier, 1981). Por conseguinte,
que é o da intencionalidade de determi- a ordem “espontânea” é a propriedade
nadas ações. Embora a autora não esteja primordial do sistema urbano, ao inte-
se referindo a áreas de povoamento grar também as organizações que ope-
“pioneiro”, achamos que a ocupação re- ram com intencionalidade (instituições
cente da região amazônica se aproxima públicas, corporações, firmas etc.).
bastante de sua concepção de sistemas
de povoamento como grande sistema Nessa linha de pensamento, por-
técnico-territorial. As redes engendradas tanto, o “sistema” urbano é o produto
pelos sistemas técnico-territoriais permi- de dois tipos de ordem: a organização
tem a multiplicação das interações entre intencional, impulsionada pela ação
os habitantes dos vários nódulos, sejam governamental, das empresas e das
elas de tipo monetário (comércio), hu- instituições, e a ordem espontânea (auto-
mano (migração) ou informacional. organizativa), produzida pelo mercado
(de terras, de trabalho, de bens, de servi-
No entanto, a ordenação do sistema ços etc.), pela ação das estruturas sociais
de povoamento (de base urbana), qual- coletivas e pelos indivíduos.
quer que seja o padrão técnico sub-
jacente, não é produto somente da Diversos autores têm tentado explicar
intencionalidade. F. von Hayek, por o processo de urbanização na Amazônia
exemplo, distingue dois tipos de ordem: a partir das teorias urbanas clássicas
a ordem construída com intencionalida- (Corrêa, 1987) ou da teoria de circula-
de e a ordem “espontânea”, que resulta ção do excedente social (Becker, 1982;
das ações humanas mas não do desenho 1990); nenhuma delas, porém, consegue
humano e que pode ser exemplificada conciliar os aspectos aparentemente
pelas ações coordenadas do mercado. contraditórios da urbanização regional.
Parece-nos que abordar o sistema de po-
Fazemos uso dessa distinção neste voamento como sistema complexo evo-
trabalho, porém de uma outra perspecti- lutivo permite que uma só teoria dê
va. A ordem intencional (determinação) conta desses aspectos.
e a ordem espontânea (indeterminação)
seriam propriedades objetivas de uma
família de sistemas conhecidos como A ordem intencional ...
sistemas complexos evolutivos.
De acordo com as diretrizes do governo
O “espontâneo” na evolução dos sis- federal, a implantação de redes infra-
temas urbanos se refere à ordem espacial estruturais tinha o duplo propósito de
Lia Osorio Machado 121

direcionar, seletivamente, o fluxo migra- cresceu de 311.622 para 633.392 habi-


tório, e de integrar a região ao resto do tantes no período 1970/80.
país. O uso dos recursos locais através
da política de pólos de desenvolvimento O efeito imediato dessas políticas foi
(agrícola, minerador, madeireiro) tam- a ampliação extensiva da rede urbana
bém foi concebido com o duplo pro- e o reforço à sua diferenciação hierár-
pósito de fixação do povoamento/ quica, com a permanência, contudo, da
diferenciação do espaço regional e de primazia das capitais, permanência que
estímulo à produção de mercadorias para mostra o papel fundamental das insti-
o mercado nacional e internacional. Por tuições governamentais de reguladoras
seu turno, a política de incentivo à ur- na distribuição tanto de recursos para o
banização, diretamente induzida pelo investimento urbano quanto de infra-
Estado ou sob sua tutela, partia da con- estrutura. Com isso, os limites políticos
cepção da cidade como elo de comu- dos estados que formam a Amazônia
nicação e elemento da infra-estrutura “oficial” interferem na estrutura urbana
(SUDAM, 1976a;1976b). e na delimitação dos subsistemas urba-
nos: em cada estado, a rede urbana
Os projetos de colonização governa- apresenta a tendência de se organizar
mental, como os implantados no eixo em função da capital.
da Transamazônica (Pará) e da BR-364
(Rondônia), e uma série de projetos de Em síntese, a política governamen-
colonização privada, com subsídio esta- tal ampliou o espaço de circulação de
tais, principalmente no norte do Estado informação, de mercadorias e de traba-
de Mato Grosso, associaram a criação lho, estimulando a gênese do sistema
de nódulos urbanos à distribuição e/ou urbano. Entretanto, a direção e a inten-
venda de terras (Coy, 1989;1992). Mui- sidade desses fluxos, embora sensíveis
tas das novas cidades foram construídas à ação governamental, apresentam uma
de forma planejada, com financiamento dinâmica própria.
e apoio técnico governamentais (Valen-
ça, 1991; Oliveira, 1992).
... e a ordem “espontânea”
Cidades antigas cortadas pela Transa-
mazônica, como Marabá e Altamira, re- Se é certo que o comportamento do mer-
ceberam recursos para equipamento e cado (de terras, de trabalho, de serviços)
para expansão do tecido urbano. A pode explicar a ordem “espontânea” do
mesma política beneficiou as capitais es- sistema de povoamento, a evolução
taduais. Dentre as capitais, Manaus foi desse mercado não pode se realizar inde-
beneficiada, já em 1967, pelo estatuto pendentemente das estruturas sociais que
de território especial para livre comércio governam o país, em particular das nor-
(Zona Franca), no intuito deliberado de mas que regulam a propriedade e o tra-
transformá-la na metrópole do médio balho (Santos, 1996). A concentração da
vale amazônico. A população urbana propriedade da terra, por exemplo, é
122 Urbanização e Mercado de Trabalho na Amazônia Brasileira

uma característica da estrutura fundiária o emprego de mão-de-obra assalariada.


brasileira. Que essa característica se repro- Esse tipo de organização do trabalho
duza em áreas com “abundância de contribui para a urbanização, na medida
terras”, como é o caso da Amazônia, indi- em que os trabalhadores (e suas famí-
ca o domínio de formas monopolistas na lias) vivem nas aglomerações e não nas
apropriação de terras livres em todo o fazendas. A figura do empreiteiro de
território nacional. Com efeito, a forma mão-de-obra, o “gato”, era usual no co-
peculiar assumida pelo desenvolvimento tidiano das pequenas cidades e vilas
capitalista no Brasil transformou a pro- localizadas nas áreas com maior con-
priedade em título financeiro e, nessa con- centração de grandes fazendas, caso,
dição, é utilizada pelo capital em geral e por exemplo, do sudeste do Pará.
não só pelo capital aplicado na agricultura
(Silva, 1984). Terceiro, a relação de dependência
das aglomerações em relação ao rural
A concentração da propriedade da nem sempre era de natureza a estimular
terra e a trajetória incerta dos investi- o desenvolvimento de uma “economia”
mentos agrários explicam, em grande urbana e a criação de empregos alter-
medida, a relação que se estabeleceu nativos. É difícil a formação de um mer-
entre urbanização, mercado de terras e cado mínimo estável que justifique a
mercado de trabalho a partir da déca- oferta de bens e serviços urbanos quando
da de 1960. Alguns aspectos dessa re- a densidade da população rural é baixa
lação podem ser destacados. ou flutuante. Mudanças na densidade da
população rural estavam vinculadas a al-
Primeiro, a alocação de massas de terações na estrutura fundiária, ao ritmo
trabalhadores em espaços progressi- de desmatamento, à ocupação de novas
vamente privatizados só pode ser realiza- e antigas áreas por posseiros e a trans-
da em espaços “abertos” à socialização, formações na atividade produtiva.
ou seja, nos espaços urbanos. Não é sur-
preendente, portanto, que povoados, Nas áreas de colonização ou naque-
vilas e cidades amazônicas tenham surgi- las onde existia uma certa concentra-
do ou crescido em função de imigrantes ção de pequenos produtores rurais, por
“sem-terra”, que passaram a engrossar, exemplo no extremo norte do Estado
querendo ou não, o contingente de mão- do Tocantins, a necessidade de comple-
de-obra em disponibilidade. mentar a renda familiar ou de acumu-
lar recursos para a exploração agrícola
Segundo, muitos grandes proprietá- estimulou a entrada, eventual ou siste-
rios, seja para legitimar sua apropriação, mática, dos produtores no mercado de
seja para aproveitar a disponibilidade de trabalho rural, levando muitos deles a
empréstimos baratos para “tocar” as fa- residir em vilas e povoados onde o aces-
zendas ou valorizá-las para a revenda, so aos circuitos de comércio de mão-
realizaram grandes desmatamentos com de-obra é evidentemente maior.
Lia Osorio Machado 123

Em resumo, a ampliação do espaço tura urbana e nas políticas sociais são


de circulação de mão-de-obra contri- importantes. Na medida em que os pe-
buiu para a ordenação espontânea do quenos aglomerados não são contem-
sistema de povoamento, porém as res- plados com recursos porque não estão
trições impostas ao desenvolvimento do institucionalizados como cidade, um
mercado de terras pela estrutura fun- contingente da população local/regional
diária e as características do mercado de permanece em situação de precarieda-
trabalho acentuaram a flutuação popu- de quanto ao acesso a serviços mínimos.
lacional dos núcleos urbanos e das aglo- Por outro lado, a instabilidade da massa
merações rurais, impedindo em muitos populacional de cada povoado, mesmo
casos a consolidação do urbano. que transformado em sede municipal,
não favorece o investimento em infra-
As implicações desse processo nas estrutura urbana.
políticas de investimento em infra-estru-

Tendências atuais da urbanização e do mercado de


trabalho

A retração dos investimentos do governo as curvas de crescimento da população


federal na Amazônia, acentuada após total, da população urbana e do número
1984 3, ocasionou, como seria de espe- de municípios criados, no período 1960-
rar, mudanças significativas no sistema 1996. Enquanto a da população total
de povoamento regional. Grande parte se mantém ascendente até 1991 e se
dos projetos de expansão de infra-estru- estabiliza em seguida, a da população
tura, principalmente a construção de urbana não só cresce a uma taxa muito
novas estradas, foi desativada, e a estru- maior até aquele ano como continua a
tura de apoio financeiro aos projetos de subir, embora mais lentamente, mesmo
colonização, público e privado, foi sendo depois que a população total se estabi-
aos poucos desarticulada. Contudo, seria liza em função da redução dos fluxos
errôneo atribuir as mudanças que estão migratórios para a região amazônica. As
ocorrendo no sistema de povoamento crises econômicas sucessivas pelas quais
somente à retração do governo federal. passou o país desde meados da década
de 1970 não tiveram, portanto, efeito
Nesse sentido, a Figura 3a e a Figura imediato na migração, que só diminuiu
3b são reveladoras. A Figura 3a compara a partir do início da década de 1990.

3
A retração foi gradual porque resultou da acumulação de sucessivas mudanças e crises: a crise
fiscal do Estado (1973/1979); a crise da dívida externa e a drástica redução dos empréstimos
internacionais (1983); o fim do regime de governo militar (1984); a nova Constituição federal
(1988); o fim dos incentivos fiscais ao capital privado aplicado na Amazônia (1991). Ver M.
Baer, 1993.
124 Urbanização e Mercado de Trabalho na Amazônia Brasileira

Em princípio, o crescimento da po- desde meados da década de 1980, a des-


pulação urbana poderia ser atribuído à peito da constituição de novos municí-
criação de municípios, ou seja, ao apare- pios, a extensão da rede urbana com o
cimento de novas cidades, pois a legisla- aparecimento de novas cidades é menos
ção brasileira define a sede de município significativa que o crescimento do tama-
como cidade. Contudo, a trajetória da nho populacional das cidades existentes.
curva de municipalização acompanha a Essa hipótese é consistente com as mu-
evolução da população total e não a da danças observadas na estrutura da rede
urbanização. A hipótese seria, então, que urbana (Figura 3b).

Figura 3
(a) Amazônia Brasileira: população e criação de municípios (1960-1996)
1960 = 100
800
Constituição1988

600

400
Plano de Integração Nacional

200

0
1960 1970 1980 1991 1996
Pop. Total Pop. Urbana Municípios (unidade jurídico-administrativa)
Fonte: IBGE Org.: Lia Osorio Machado

(b) Amazônia Brasileira: repartição da população urbana (1960-1996)

100%

75%

50%

25%

0%
1960 1970 1980 1991 1996
Tamanho das cidades (em 1000 hab.)

Fonte: IBGE >500 100-500 50-100 25-50 <25 Org.: Lia O.Machado
Lia Osorio Machado 125

Processos distintos no alto 650 cidades existentes em 1996, 87%


e na base da hierarquia tinham menos de 25.000 habitantes e
urbana 71%, menos de 10.000 habitantes. Em
outras palavras, embora a proporção da
A evolução da distribuição da população população urbana total vivendo em
urbana por classe de tamanho das cida- pequenas cidades tenha decrescido, a
des mostra que, de modo geral, a he- maior parte das aglomerações, tanto as
terogeneidade da estrutura hierárquica antigas como as que surgiram após
aumentou. Por outro lado, o apareci- 1960, permanecem na base da hierar-
mento de novas classes de tamanho no quia.
alto da hierarquia indica a tendência geral
de concentração da população urbana A análise da distribuição da popula-
nas maiores aglomerações (Figura 3b). ção por classe de tamanho das cidades
permite avançar algumas conclusões:
De fato, embora tenha ocorrido
uma modificação radical na hierarquia a) o sistema de povoamento não está
das cidades amazônicas na década de consolidado, por isso a expressão
1960, o evento mais significativo foi o fronteira urbana, se aceitarmos o cri-
crescimento das principais metrópoles tério proposto pelas Nações Unidas
regionais, Belém e Manaus, correspon- de que o limiar de 50.000 habitan-
dente ao aparecimento da classe de ta- tes define as cidades com maior pro-
manho de cidades superior a 500.000 babilidade de permanência;
habitantes. Nas décadas seguintes, essa
tendência foi reforçada pelo crescimen- b) mais importante, o fenômeno urba-
to de duas outras capitais, Cuiabá e São no não resulta de um processo con-
Luís. tínuo de agregação do povoamento,
pois são diferentes os processos que
A modificação que ocorreu na base atuam sobre as formações urbanas
da hierarquia é, no entanto, a mais su- situadas no alto e na base da hierar-
gestiva do ponto de vista do sistema de quia;
povoamento. Em 1960, quase 80% da
população urbana amazônica vivia em c) no período 1960/96, a estrutura do
pequenas aglomerações (de menos de sistema urbano foi gradativamente
25.000 habitantes). Daí em diante, a alterada, com o aparecimento de
proporção continuou a decrescer, até níveis intermédios na hierarquia, in-
chegar a 37%, em 1996. Nesse mesmo dicando a modificação do lugar rela-
período, grande parte das aglomerações tivo de diversas cidades no sistema;
rurais foi transformada em “cidade”, essa alteração, contudo, não foi sufi-
graças aos movimentos de autonomia ciente para alterar o caráter de pri-
municipal. Nesses trinta e seis anos, o mazia das maiores cidades, em geral
número total de aglomerações urbanas as capitais estaduais que comandam
aumentou de 177 para 650; porém, das os subsistemas.
126 Urbanização e Mercado de Trabalho na Amazônia Brasileira

“Regiões urbanas” em que modesto, de substituição de impor-


gestação tações (frigorífico, usina de laticínios, fá-
brica de móveis, compensados etc.).
Outra situação é a das áreas agrícolas
A evolução recente da urbanização de- especializadas em produtos de exporta-
monstra a gênese de adensamentos ou ção, entre as quais sobressai a da agroin-
“condensações” urbanas (Figura 4). Tra- dústria da soja (Coy, 1991; Bernardes,
ta-se do adensamento do número de 1996). Outra ainda é a do entorno das
cidades em determinadas regiões do sis- áreas metropolitanas (Belém, São Luís,
tema de povoamento. Para o estudo dos Manaus).
processos de urbanização a presença
desses adensamentos é tão importante
quanto o aumento do tamanho e nú- As redes sociais que emergem da
mero de cidades ou as mudanças na concentração de grupos de imigrantes
estrutura hierárquica. Indicam o apare- com a mesma identidade cultural é outro
cimento de economias externas locais, fator a ser considerado na constituição
ou seja, a possibilidade de geração de de “regiões urbanas”. As duas principais
vantagens advindas da concentração de correntes migratórias para a Amazônia,
produtores. Tal concentração, por seu no período pós-1960, se originaram nos
turno, reforça o adensamento, por estados do Nordeste e do Sul do Brasil.
exemplo atraindo mais fluxos de inves- Os hábitos, a alimentação, a composição
timento e/ou imigratórios (princípio de étnica, a filiação religiosa, as conexões
retornos crescentes ou de equilíbrio políticas, o grau de escolaridade e de
múltiplo) (Arthur, 1990). expectativas de qualidade de vida, a fa-
miliaridade com o modo de vida urba-
no formam um conjunto de fatores que
A emergência dessas “regiões” na distinguem ambas as correntes. Além
Amazônia (centro-sul de Rondônia, sul das diferenças culturais, o conhecimento
e centro-norte de Mato Grosso, região dos mecanismos de acesso ao crédito e
do Bico do Papagaio, centro-sul do To- ao apoio técnico (maior entre os imi-
cantins, centro-norte do Maranhão, cer- grantes do Centro-Sul do país) resulta
canias de Belém e de Manaus) depende em assimetrias de informação (Powell,
evidentemente da presença de conexão 1991), com forte impacto sobre o de-
viária, porém a situação geográfica que senvolvimento das regiões urbanas.
lhe deu origem pode ser diferenciada.
Uma delas é o adensamento da popula-
ção rural em áreas de estrutura fundiária No interior dessas regiões, a hierar-
diversificada, onde as atividades agrope- quia urbana reproduz, à maneira dos
cuárias (milho, arroz, café, carne bovina, fractais, a estrutura do sistema de po-
leite) e/ou as atividades extrativas (ma- voamento amazônico, com diferenças
deira, ouro, ferro, castanha-do-pará, marcantes entre a maior cidade e as
borracha) geraram processo, mesmo outras aglomerações.
Figura 4 - Amazônia Brasileira: urbanização (1996)

Lia Osorio Machado


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BOA VISTA

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RORAIMA !

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AMAPA !
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! MACAPÁ

74
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Cachoeira
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MARANHAO !
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Eirunepé !
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Araguaina

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Cruzeiro
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BR-163
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! 64 PORTO VELHO !
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RIO BRANCO
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TOCANTINS
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Populacao Urbana (em milhares de habitantes) !!


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Pontes e Lacerda B !! ! !
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Cáceres !
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! 64
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BR-163
! 50 a 100 !

Estradas principais

! 100 a 500
Km
Rio Amazonas

!
0 100 200 ! Cidades
> 500

127
Org. Lia Osorio Machado. Source: IBGE. BENKO.PRJ
128 Urbanização e Mercado de Trabalho na Amazônia Brasileira

A importância do emprego claramente de tipo urbano (construção


público no mercado formal civil, comércio, instituições financeiras,
de trabalho hotelaria, administração pública), os
dados oferecem um panorama do grau
de diversidade funcional das cidades
O programa RAIS do Ministério do Tra- além do número de pessoas empregadas
balho contabiliza anualmente para cada por setor. Para a região amazônica, o
município brasileiro o número de empre- peso relativo do setor público como prin-
gados com carteira assinada segundo o cipal empregador no mercado formal de
setor/função da economia local. Como trabalho é significativo nos dois extremos
a maior parte dos setores identificados é da hierarquia urbana (Tabela 1).

Tabel a 1 - Mercado formal de trabalho: o peso do emprego público por


tamanho urbano - 1996
Tamanho Mato
Acre Amapá Amazonas Pará Rondônia Roraima
urbano Grosso
(em 1.000 hab.)
* ** * ** * ** * ** * ** * ** * **
< 25 19 15 13 7 55 46 84 23 106 53 30 25 7 3
25 – 50 1 1 0 0 5 4 7 0 12 3 7 0 0 0
50 – 100 0 0 1 0 0 0 1 1 6 2 2 0 0 0
100 – 500 1 1 1 1 0 0 3 1 3 0 1 1 1 1
> 500 0 0 0 0 1 1 0 0 1 1 0 0 0 0
* Número de cidades
** Número de cidades onde o setor público é o maior empregador
Fonte : Ministério do Trabalho, RAIS (1996)

Essa condição é encontrada em 55% duas vezes mais do que a soma dos em-
dos municípios com cidades de menos pregados formais no comércio e na in-
de 25.000 habitantes. As diferenças entre dústria. Até o início da década de 1990,
os estados não são significativas, exceto Manaus se afastava desse padrão, em que
no caso do Estado de Mato Grosso, em o setor industrial empregava mais do que
que o menor número de municípios o setor público. A instabilidade provoca-
nessa situação pode ser tomado como da pela sucessão de reformas econômicas
um indicador do dinamismo da econo- e pelas mudanças técnicas voltadas para
mia regional. Os municípios com cidades a redução da mão-de-obra empregada
de mais de 100.000 habitantes incluem na indústria reverteu o quadro. A recente
evidentemente as capitais dos estados. desvalorização da moeda talvez incentive
Apesar da importância relativa da função um novo ciclo de instalação de unidades
industrial e comercial nas capitais, o setor industriais na zona franca e, com ele, o
público permanece como o maior em- aumento do emprego industrial.
pregador. Em Belém, esse setor emprega
Lia Osorio Machado 129

O predomínio do trabalho tas. Fatores como o maior controle sobre


informal nas menores a aplicação da legislação de trabalho, a
ci dades mais intensa competição por mão-de-
obra qualificada e o peso do emprego
Ao contrário das suposições correntes público nas maiores cidades podem ex-
que postulam uma maior proporção de plicar o fato.
empregados no mercado de trabalho
informal nas maiores cidades, os dados Por outro lado, pequenas cidades
da Tabela 2 apontam para a proporção como Oriximiná e Parauapebas (Pará)
relativamente menor do emprego infor- se diferenciam do padrão dominante,
mal nas maiores cidades e para a maior apresentando uma proporção relativa-
probabilidade de a população econo- mente maior de empregados no setor
micamente ativa estar empregada no formal. Como em ambas as localidades
mercado informal quanto menor for a estão situadas grandes empresas mine-
cidade. De fato, uma das principais ca- radoras, é razoável supor que a neces-
racterísticas do “capitalismo fundo de sidade de reter mão-de-obra qualificada
quintal”, tanto em áreas urbanas como tenha um papel importante na explica-
rurais, é a fuga de obrigações trabalhis- ção dessa discrepância.

Tabel a 2 - População ocupada, mercado de trabalho e tamanho urbano em


cidades selecionadas da Amazônia - 1996
Pop. Pop. urbana empregada
1 Pop.
Município / Cidade População ocupada / urbana Mercado Mercado
total Pop. total Total formal2 informal3
total
(*100) (%) (%)
Manaus 1.157.357 29 1.150.193 338.956 65 35
Belém 1.144.312 37 851.705 298.739 87 13
Cuiabá 433.355 37 426.903 156.312 75 25
Porto Velho 294.334 36 238.421 87.573 89 11
Boa Vista 165.518 34 150.442 42.369 49 51
Marabá 150.095 26 123.378 32.782 18 82
Araguaina 105.019 36 98.546 31.958 20 80
Ji-Paraná 95.356 37 80.783 28.805 32 68
Cáceres 73.596 35 59.505 18.622 25 75
Altamira 78.782 32 54.235 17.188 14 86
Sinop 54.306 32 46.489 15.285 49 51
Parauapebas 74.702 23 45.649 8.452 79 21
Itacoatiara 64.937 25 43.346 10.901 39 61
Pontes e Lacerda 40.768 33 26.869 8.951 11 89
Oriximiná 41.999 31 23.540 5.639 51 49
Eirunepe 25.776 15 15.420 2.312 26 74
S. Félix do Araguaia 10.862 44 6.057 2.048 17 83
(1) Estimativa da população ativa ocupada sobre dados de 1991, IBGE.
(2) Fonte: Ministério do Trabalho, RAIS, 1996.
(3) Estimativa do mercado de trabalho informal sobre dados de 1991, IBGE.
130 Urbanização e Mercado de Trabalho na Amazônia Brasileira

Novos municípios (1980/91) os novos municípios soma-


e a contra-tendência da vam uma população urbana maior do
“rural i za ção” que a rural, ou seja, a maior parte da
população municipal estava concentra-
Na primeira metade da década de 1980, da na cidade-sede, nos municípios cria-
ainda no governo militar, e especifica- dos mais recentemente a população rural
mente na região amazônica, novos mu- é quase o dobro da população urbana.
nicípios foram criados para atender à A comparação entre os municípios cria-
demanda reprimida da década anterior, dos na década de 1980 e os criados na
quando o sistema de povoamento havia primeira metade da década de 1990
produzido numerosas aglomerações ur- mostra o decréscimo da proporção de
banas que não eram consideradas ci- novos municípios com predomínio da
dades por não serem sedes municipais. população urbana: no Pará, a propor-
Depois que a Constituição Federal de ção caiu de 33% para 17%; no Estado
1988 retirou do governo federal e devol- de Tocantins, de 67% para 35%; e no
veu aos estados locais a prerrogativa de Estado de Mato Grosso, de 46% para
conceder autonomia municipal, o au- 23%.
mento do número de municípios foi ex-
plosivo: 138 no período 1980/1991 e Embora não caiba aqui a análise da
151 entre 1991 e 1996. Ainda assim, se estrutura agrária amazônica, podemos
for observada a dimensão continental da avançar a hipótese de que essa tendên-
Amazônia Legal, onde existem municípios cia recente de “ruralização” pode estar
do tamanho de muitos estados nacionais relacionada a fatores diversos. Um deles
(Itaituba no Pará tem 165.578 km2 e é a possibilidade de que esteja ocorren-
densidade demográfica menor do que 1 do em determinadas regiões um novo
habitante/km2), o aumento do número “ciclo” de expansão do regime de parce-
de municípios permanece irrisório. ria (em que as famílias dos parceiros
residem na propriedade rural durante
Uma parcela considerável dos novos o período contratado, que pode variar
municípios está situada nas incipientes de 1 a 3 anos na mesma propriedade).
“regiões urbanas”, ou seja, nas áreas que Outro fator, que pode estar ou não as-
apresentam a maior densidade de po- sociado ao anterior, é a formação de
voamento. Contudo, a comparação novas propriedades rurais (por compra
entre os dados relativos aos municípios ou assentamento) ou a reconversão pro-
criados no período 1980/91 e no perío- dutiva de fazendas já implantadas.
do 1991/1996 mostra que o aumento
do número de municípios na década de A tendência recente de “ruralização”
1990 está associado a um processo mais não representa, a nosso ver, uma nega-
de “ruralização” do que de urbanização ção da tese da dominância da urbani-
da população, no sentido mais restrito zação no sistema de povoamento. Como
de aumento da população residente nexo e referencial do sistema de povoa-
urbana. Enquanto no primeiro período mento, a urbanização permanece domi-
Lia Osorio Machado 131

nante, a despeito da mudança na locali- e os fluxos são mais intensos entre as


zação da população. Quer dizer, a urba- grandes cidades e entre elas e o sul do
nização apresenta um desenvolvimento país do que entre cada cidade e seu
intensivo nas cidades e extensivo no ter- entorno (ver Machado, 1995). Dados
ritório. A população localizada na área sobre o tráfego telefônico mostram que
rural não está dissociada do sistema de a maior parte das chamadas interurba-
povoamento de base urbana, seja do nas é para fora da região, seguida pelas
ponto de vista político (articulação ins- chamadas locais; as ligações interna-
titucional), econômico (articulação com cionais são inexpressivas (Embratel,
mercado e serviços de apoio técnico) e 1996) 4.
cultural (expectativas referenciadas ao
modo de vida urbano). A rede urbana, no entanto, é um
caso particular da forma de organização
em rede. Desde firmas, entidades re-
Formas de organização ligiosas, movimentos dos “sem-terra”,
em rede: circuitos legais e organizações não-governamentais, imi-
ilegais grantes, até contrabandistas e traficantes
de droga, cada vez mais grupos adotam
São os pressupostos de troca, de comu- a forma de organização em rede na re-
nicação e de interdependência entre as gião amazônica, por mais distintas que
aglomerações que fundamentam os sejam as motivações.
conceitos de sistema de povoamento e
de rede urbana. Na região amazônica Um dos principais efeitos da forma
esses pressupostos merecem alguma de organização em rede é restringir a
qualificação. expansão de processos espaciais centrí-
petos, ou seja, os processos que favore-
Se considerarmos o conjunto regio- cem a centralidade de determinados
nal, desde os centros elementares até núcleos e a disposição hierárquica do
as cidades-primazes, a conectividade conjunto de núcleos. Estruturas heterár-
viária entre as aglomerações urbanas é quicas emergem quando interações en-
muito baixa, exceto nas “regiões urba- tre aglomerações independentes, cada
nas” identificadas. A rede de estradas é uma com finalidade distinta, geram uma
ainda incipiente e muitas das que existem forma de organização em que uma ci-
não operam na estação de pluviosidade dade não está subordinada a outra aci-
mais forte (verão). Mesmo no caso das ma dela. A rede de telecomunicação tem
redes de telecomunicações, a conexão sido um dos principais agentes de de-

4
Pode-se prever que no futuro próximo a adoção de novas tecnologias de comunicação alterará
o quadro no sentido “um indivíduo=um nódulo de rede”. Por exemplo, o número de telefones
celulares por habitante em alguns dos estados menos conectados ao resto da região por
rodovia, como o Amapá e Roraima, é de 2,05 (maior que no Rio de Janeiro) e 1,64 (maior que
em Santa Catarina), respectivamente (Embratel, 1996).
132 Urbanização e Mercado de Trabalho na Amazônia Brasileira

senvolvimento de estruturas urbanas e a monetarização da economia regio-


híbridas, hierárquicas e heterárquicas, nal (Figura 5a). No entanto, o período
ao permitir que vilas e cidades perten- de maior crescimento foi a primeira
centes aos níveis inferiores da hierarquia metade da década de 1980 (de 634 em
urbana possam conectar-se com qual- 1981 para 1277 agências em 1985) –
quer outro lugar, desde que este parti- em pleno apogeu da crise financeira
cipe da rede. brasileira e da retração das ações dire-
tas do governo federal na região –, pro-
No Brasil, o setor bancário talvez vavelmente porque a rede bancária foi
seja o melhor exemplo da associação usada pelas redes de lavagem de dinhei-
entre a forma de organização em rede ro ligadas à evasão fiscal, ao contraban-
adotado por firmas e empresas e o sis- do e ao tráfico internacional de drogas
tema de telecomunicações (Dias, 1995). (Machado, 1998).
Na Amazônia, o crescimento do núme-
ro de agências bancárias foi significati-
vo: de 98 para 1281 agências, entre A Figura 5b mostra a disposição da
1961 e 1996. Inicialmente induzida pela rede de serviço de comunicação por
ação do Estado (federal e local), respon- satélite utilizada pela rede bancária, seus
sável pela implantação de agências pio- maiores clientes, para a transferência
neiras, a ampliação da rede bancária eletrônica de dinheiro entre as cidades
mostra uma crescente participação dos amazônicas e o sul do país, nesse caso a
bancos privados: de 33% para 58% metrópole de São Paulo. Embora apro-
entre 1961 e 1996, a maioria com sede veitando-se da rede instalada de cida-
em São Paulo (Souto, 1998). des, a conexão entre organizações que
operam via rede tende a ser indepen-
Em princípio, a expansão do núme- dente da vida social local, com estraté-
ro de agências não é surpreendente, gias próprias, sem compromisso maior
uma vez que ocorreram a urbanização com a estrutura hierárquica urbana.
Figura 5a

Lia Osorio Machado


Agências Bancárias
! Normandia Oiapoque!
Amazônia Legal - 1997 !

!
BOA VISTA!

!
Caracarai
S. Joao da Baliza
!
!
MACAPA
S. Gabriel da Cachoeira
!
! BELEM

!
Barcelos ! !! !
! !
! !!
!
! !
! SAO LUIS
!!
! !
!
! !! !!

!
! ! ! ! ! !
! ! ! ! !
! !
!

!
! ! ! !
! MANAUS ! !
!
Paragominas ! ! !
!! Santarem Alatamira !
! !
!!
Tefe ! ! ! ! Itacoatiara
!
!! !
!
!! !
! ! !
! !!! !! ! !
Coari ! ! ! ! ! ! !
!
Tabatinga ! Itaituba !!
Codo
!
! ! ! ! ! !
Imperatriz !!! ! !
! !
!
!!
!
!
!
! !
!
Maraba ! !

!
!!
! ! !
Manicore !
! ! ! ! !
! Parauapebas ! ! !
!
Eirunepe ! !
!

!
! !
Araguaina
! !
!
! !
!
S. Felix do Xingu ! !

!!
Labrea Humaita ! ! !!
!
Cr. do Sul ! ! ! ! Balsas
!!
!
! ! !
! !Feijo
PORTO VELHO !
!
!

!
! !
! !!
! !
!
Santana do Araguaia !

!
!
RIO BRANCO Ariquemes ! ! PALMAS
! Alta Floresta !
!
! !
! ! !
!
!
!
Guajara-Mirim ! Ji-Parana !
!
!
! ! !
! ! ! Cacoal
!!
! !Brasileia ! ! !
! ! Gurupi ! !
!
!! ! Sinop S. Felix do Araguaia
!
! ! ! !
! !
!
!!
! !!
!
!
!
! !
Nº de Agências ! Vilhena !
! ! !
! !
!
! !
! !
!! !
! !
! ! !
!
! 1-3 ! 4-7 ! 8-12
!
!
!! CUIABA !
!
!

!!
!! !! !
!
!
! !!
! !
!

!
!
!
! ! !

!
! !
! !
! !Barra do Garcas

!
! !
!
!
13-24 60-95 Rondonopolis km
!
!
0 100 200

133
!

Organizado por Lia Osorio Machado - Departamento de Geografia - UFRJ - banan 97 Fonte: Base de Dados do Banco Central do Brasil, 1997
Figura 5b

134
Redes Logísticas na Amazônia
Telecomunicações 1994
E
Rede de Serviços DATASAT BI Boa Vista
!

S.Grabiel da Cachoeira Macapá


! !
! Belém
Cachoeira do Arari !
! !! !

Urbanização e Mercado de Trabalho na Amazônia Brasileira


! !
!!
!! !
‚ São Luis
Parintins
Manaus !
! Santarém Pinheiro! !
Itacoatiara ! ! Maués
Altamira !
! ! ! Tucuruí Sta. Inês !!
Codajás S. Inês
Tefé Coari ! Itaituba ! !
Tabatinga ! Borba Dom Eliseu
! ! ! !
! ! ! !
! !
Imperatriz
!
Parauapebas ! ! !Grajaú
Carajás !!
Eirunepé Estreito
!
S. Félix do Xingu ! !
!
! !
!
! !
!
! !
Redenção !
Cruzeiro do Sul Porto Velho !
!
! !
Santana do Araguaia
Paranaíta !
!
Rio Branco !
! Ariquemes ! Aripuanã ! !
! ! ! !
!
!! Colider ! Marcelandia !
Guajará-mirim!
Castanheira
Cacoal ! ! Claudia ! S.F. Araguaia
!! ! !
! ! ! !
! !
Vilhena !
!
Cerejeiras !
! ! !
!!

Tangará da Serra ! ! !
! ! ! ! !
Pontes e Lacerda ! !
! ! !
!! !
!
!
! !!
! !
!
! !
!
! !!
! !
Poconé !

Fonte: Base de Dados do Banco Central do Brasil, 1995. Impresso em 13/04/1999; AMLOGSPO. 0
KM
100 200
São Paulo !

Organizado por Lia Osório Machado - Departamento de Geografia - UFRJ.
Lia Osorio Machado 135

Conclusões

1. O termo “Amazônia” é uma herança a urbanização, a evolução dos subsis-


do século XIX, quando a valorização temas urbanos regionais é igualmente
da borracha pelo mercado interna- dependente do destino particular de
cional levou à representação da área cada cidade.
de ocorrência da floresta pluvial como
região natural, unitária e homogênea. 4. Sem os planos diretivos, os subsídios
Embora já se soubesse naquela época e as ações diretas do governo federal,
da grande heterogeneidade da flores- não haveria a “fronteira amazônica”
ta, essa noção prevaleceu graças ao como é conhecida hoje. Por outro
direcionamento exclusivo do olhar lado, não se pode atribuir à ação do
dos especuladores para a extração da Estado-governo o processo efetivo de
borracha. Hoje essa representação povoamento. Este é o produto de uma
não corresponde mais às condições ordem espontânea, resultante das co-
concretas de ocupação. nexões entre as atividades 5 do sistema
de povoamento e a ação das institui-
2. A urbanização mostra o grau de com- ções governamentais.
plexidade dos processos que atuam
sobre a evolução do sistema de po- 5. Se de um lado as interações internas
voamento regional. Não há uma única ao sistema de povoamento tendem a
rede urbana, mas múltiplas redes ur- reforçar a estrutura hierárquica urba-
banas locais, provavelmente induzidas na, inclusive com a permanência de
pela segmentação do mercado de uma estrutura urbana primaz, de
trabalho regional em bacias de mão- outro, são limitadas pela dificuldade
de-obra, que acompanham a polari- de comunicação ainda prevalecentes
zação das atividades produtivas em na região. Contudo, a comunicação
certos subespaços regionais. com o restante do país e com o exte-
rior é relativamente mais fácil devido
3. A teoria dos sistemas evolutivos com- em grande parte ao poder das grandes
plexos permite explicar a diversidade empresas, públicas e privadas, que co-
de padrões evolutivos de urbanização mandam as redes conectivas desde
identificados na Amazônia brasileira, fora da região. A seleção dos lugares
na medida em que interpreta essa di- que integram essas redes é guiada
versidade como o produto de adap- muito mais pelas estratégias dessas or-
tações particulares ao “ambiente”. ganizações do que pela racionalidade
Embora existam determinações eco- da rede urbana implantada.
nômico-políticas gerais atuando sobre

5
O termo “atividades” é definido aqui como movimentos de contração ou de expansão dos
mercados, de comunicação/interação entre elementos do sistema, que levam à sua degrada-
ção ou ao aparecimento de processos de auto-organização.
136 Urbanização e Mercado de Trabalho na Amazônia Brasileira

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trado) – PPGG/UFRJ. pesquisadora do CNPq
Pe s q u i s a s
A Metáfora Cidade-Empresa
no Planejamento Estratégico de
Cidades

Fabricio Leal de Oliveira

A discussão em torno da inserção com- pedagógico, desenvolvemos um exercício


petitiva das cidades em um mundo glo- de tradução em que nos apropriamos de
balizado vem acompanhada por um discussões realizadas em outros campos
alteração significativa no vocabulário do conhecimento e as transferimos para
relacionado ao planejamento urbano. a discussão específica do planejamento
Nesse contexto, as metáforas e analogias e gestão das cidades. Assim, a utilização
próprias do discurso do planejamento da metáfora no discurso econômico dis-
estratégico de cidades se destacam pela cutida por Klamer, McCloskey, Cohen e
grande potência que têm mostrado no outros e os critérios de legitimação do
sentido de imprimir novas direções ao saber presentes na contemporaneidade
pensamento e às experiências na gestão analisados por Lyotard (1989) serão as
urbana. principais referências que permitirão ana-
lisar algumas implicações da transferência
Discutiremos aqui as questões que do modelo de gestão empresarial para a
emergem desse novo repertório, assim gestão urbana.
como a sua relevância, a partir da ex-
ploração de significados que surgem da Neste percurso, identificaremos ini-
afirmação contemporânea da metáfora cialmente o que entendemos por metá-
cidade-empresa. fora e por planejamento estratégico,
buscando a seguir discutir o caráter (cons-
Reconhecendo tanto a fertilidade da titutivo, heurístico, pedagógico, retórico)
utilização da metáfora na produção do da metáfora em questão, explorando
conhecimento quanto o seu potencial tanto a literatura específica quanto aspec-

Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XIII, N o 1, 1999, p. 141-161


142 A Metáfora Cidade-Empresa no Planejamento Estratégico de Cidades

tos observados nas gestões das cidades gico de cidades, a metáfora cidade-em-
do Rio de Janeiro e de Barcelona. presa informa e torna possível o desen-
volvimento de modelos e as práticas que,
Embora a expressão cidade-empre- partindo da gestão empresarial, tanto
sa não possa ser relacionada como típica têm transformado a gestão urbana con-
do repertório do planejamento estraté- tempor ânea.

Metáfor a 1
Para Arjo Klamer e Thomas Leonard recupera da análise de Black seis carac-
(1994), uma discussão sobre metáfora terísticas desse enfoque interativo da
partiria geralmente de Aristóteles, para metáfora: “a) o enunciado metafórico
quem produzir uma metáfora é, basi- engloba uma questão principal e outra
camente, dar a uma coisa um nome que subsdiária; b) estas questões devem
a ela não pertence (apud Klamer & abordar-se como sistema de coisas, mais
Leonard, 1994). A definição utilizada do que como coisas; c) na metáfora se
pelos autores (seguindo I. A. Richard e dá uma aplicação à questão principal de
Max Black) na discussão sobre o uso da ‘implicações acompanhantes’ próprias
metáfora no discurso econômico, entre- da questão subsidiária; d) as citadas apli-
tanto, é mais apropriada para o nosso cações podem ser tópicas ou divergen-
caso: metáfora é um processo da lin- tes; e) a metáfora seleciona, suprime,
guagem em que os atributos de um estrutura aspectos próprios da questão
objeto (questão subsidiária) são trans- principal; f) se produz um deslocamen-
feridos para outro (questão principal) e to de significado” 2 .
em que essas duas questões interagem
para criar um novo significado. Na metá- Ao mesmo tempo, o ponto da metá-
fora, caracteristicamente, a questão sub- fora seria precisamente que ela não é
sidiária procederia de um outro domínio entendida literalmente. Quase sempre
que não tem em princípio nada a ver existiria uma distinção entre os atributos
com o domínio da questão principal. da questão subsidiária e os da questão
principal que, embora relacionáveis no
Horenstein (1998), ao discutir as enunciado em questão, tornaria eviden-
metáforas nas ciências sociais, também te a intenção de se propor uma metá-

1
No Dicionário da Língua Portuguesa de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, metáfora é
definida como um “Tropo [emprego de palavra ou expressão em sentido figurado] que
consiste na transferência de uma palavra para um âmbito semântico que não é o do objeto
que ela designa, e que se fundamenta numa relação de semelhança entre o sentido próprio
e o figurado”.
2
Horenstein, Norma S. “Metaforas en ciencias sociales: un analisis desde la perspectiva
estructuralista”. In: Episteme, v. 3, n. 6, Porto Alegre: ILEA/UFGRS, p. 191, 1998.
Fabricio Leal de Oliveira 143

fora. Assim o seria tanto para Black, para cação cardial’, ainda é utilizada em
quem “na metáfora há uma suspensão sentido trópico. Não existe o ‘sentido
voluntária de descrença ontológica e que próprio’; existe somente – mas sem-
propõe um ‘modo peculiar de penetra- pre e ineliminavelmente, e nas metá-
ção intelectual’”, quanto para Turbayne, foras ou alegorias mais sutis ou mais
para quem o emprego da metáfora im- desordenadas – referência identitária,
plicaria na consciência da dualidade de ponto de uma rede de referências
sentido 3 . identitárias, ele próprio preso no
magma de significações e referido ao
Klamer & Leonard, entretanto, rela- magma daquilo que é. Existe alguma
cionam à visão tradicional de metáfora, atribuição que não seja metonímica?” 4
que a entenderia como um desvio do
significado da linguagem literal, a obser- É fundamental para a nossa ques-
vação de que toda a linguagem é meta- tão uma abordagem que opõe, de um
fórica e que, portanto, toda a nossa fala lado, a utilização da metáfora como li-
sobre o mundo assim o é. mitada à sua aplicação prática – sem
maiores conseqüências além das restri-
Essa é uma das questões tratadas tas ao objetivo que motivou a sua enun-
por Castoriadis quando se interroga ciação – e, de outro, a indiscernibilidade
sobre o sentido próprio das palavras e entre literalidade e metáfora. É a partir
a possiblidade de uma linguagem literal: desse encontro entre um caráter mera-
mente instrumental (quase banal) da
“O que é uma ‘figura do discurso’, um metáfora e o seu potencial cognitivo que
tropo, e o que é o sentido próprio? a discussão de Klamer e Leonard esti-
O que se denominou desde a antigui- mula uma investigação do planejamen-
dade tropos são somente os tropos to estratégico de cidades tendo como
particulares ou tropos em segundo foco o potencial de interferência que a
grau. Toda expressão é essencial- transferência dos atributos da empresa
mente trópica. Uma palavra, mesmo para a cidade pode assumir na criação
quando utilizada em seu pretenso de representações sociais e nas relações
‘sentido próprio’, ou com sua ‘signifi- de poder na cidade.

Metá f ora s
Prosseguindo, trazemos para a discussão tando também algumas definições de
a classificação dos tipos de metáfora uti- Cohen, 1993, e de McCloskey, 1994),
lizada por Klamer e Leonard (acrescen- segundo o seu desempenho de funções

3
Em Horenstein, op. cit., p. 190-191.
4
Castoriadis, C. A instituição imaginária da sociedade. Paz e Terra: Rio de Janeiro, 1982.
p. 393.
144 A Metáfora Cidade-Empresa no Planejamento Estratégico de Cidades

e papéis específicos, tal como aparecem te, a afirmação de que não podemos
no discurso econômico. Essa “transferên- pensar sem as metáforas e de que a pró-
cia” de campos disciplinares específicos pria cognição é metafórica 5: é exatamente
para o nosso tema é recorrente numa por reconhecer o potencial e a importân-
área transdisciplinar como a do planeja- cia dessa forma de pensamento que pro-
mento urbano e confirma, evidentemen- pomos o seu estudo específico.

De finiç õe s e tipos de metáfora se gundo Klame r & Le o nard e outros


É o esquema conceitual que utilizamos na caracterização de um mundo
Metáfora constitutiva que é desconhecido ou desconhecível (a metáfora constitutiva gerará ou
inspirará metáforas heurísticas).
Funciona motivando uma investigação na questão principal a partir da
justaposição dos atributos ou das relações da questão subsidiária.
Metáfora heurística
A metáfora heurística usualmente se desenvolverá em uma analogia ou
modelo, como as metáforas “capital humano” ou “mercado de trabalho”
A metáfora descreveria melhor o processo pelo qual vimos a saber do
Metáfora científica
mundo externo, tendo uma função cognitiva essencial para a ciência.
Não se presta à elaboração sistemática como a metáfora heurística.
Metáfora pedagógica Empregada apenas para clarificar aspectos mais difíceis de uma
explanação.
Alteração deliberada da linguagem com o objetivo de provocar um
efeito estético a partir do novo significado que emerge da utilização da
Metáfora poética metáfora. Não é projetada para elaboração analógica subseqüente e
tipicamente explora a instabilidade das conexões significantes entre as
questões principal e subsidiária.
Para Cohen, é uma analogia puramente metafórica. Trata-se da
Metáfora retórica utilização de semelhanças entre fenômenos para adicionar uma nota
pitoresca em uma análise de outra forma enfadonha.
Cohen 6: literalmente impossível. Dispositivo retórico para atrair a atenção
Metáfora comum do leitor ou ouvinte como meio de legitimação.
McCloskey7: na linguagem econômica, diz respeito à substitutibilidade.
Uma figura na qual o nome de um atributo é substituído pela coisa:
Metonímia
“o Palácio de Buckingham negou as acusações”.
Uma figura de linguagem que ocorre quando substituímos uma parte
Sinédocle pelo todo ou vice-versa: “Todas as mãos ao deck” (uma classe de fala
metonímica).
Símile Uma metáfora que é trivialmente verdadeira: “Tempo é como dinheiro”.

5
Embora Klamer e Leonard recorram sempre a F. Nietzsche para tratar do caráter metafórico da
cognição, discutir as questões apresentadas por Nietzsche exigiria um aprofundamento muito
além do escopo deste texto.
6
Cohen, B. “Analogy, Homology and Metaphor”. In: History of Political Economy. Annual
Supplement, v. 5, 1993.
7
McCloskey, D. N. Knowledge and persuasion in economics. Cambridge: Cambridge University
Press, 1994.
Fabricio Leal de Oliveira 145

A relevância dessa classificação para tação do planejamento estratégico


o estudo do planejamento estratégico de cidades como uma necessidade
de cidades está exatamente no seu po- no mundo contemporâneo?
tencial heurístico, motivando as seguin- d) Como entender as influências das
tes indagações: metáforas utilizadas na literatura, na
prática e no marketing do planeja-
a) O que é observável no planejamen- mento estratégico, no seu papel re-
to estratégico de cidades que, ao ser tórico, heurístico ou poético?
relacionado à classificação conside- e) Enfim, o que significa justapor na
rada, revela outros sentidos? cidade os atributos da empresa e o
b) Se admitirmos que as metáforas utili- que é possível auferir como resulta-
zadas no discurso do planejamento do desta justaposição?
estratégico não são neutras em rela-
ção à representação social da cidade
e da vida urbana, quais representa- Com o objetivo de ensaiar respos-
ções estariam sendo afirmadas, for- tas para algumas das questões acima,
talecidas, negadas, enfraquecidas? examinaremos a seguir o que diz a lite-
c) Quais seriam as metáforas constituti- ratura que trata do planejamento estra-
vas que tornam possível a represen- tégico de cidades.

O planejamento estratégico de cidades

Como resume William Siembieda belecimento de uma estratégia diante


(1994), o planejamento estratégico pra- dessas questões, segundo metas e obje-
ticado no setor público é uma “variante tivos definidos.
do gerenciamento estratégico (strategic
management), um processo conceitual De maneira geral, na literatura do
iniciado na Harvard Business School nos planejamento estratégico de cidades,
anos 20” 8 . Esse processo, que formaria esse “ambiente de ação” tem sua per-
a base do pensamento e da ação estra- cepção marcada pela consciência de
tégica de hoje em dia, estaria baseado crise do modelo de produção e pela in-
na identificação das forças, fraquezas, certeza em relação ao futuro, bem como
oportunidades e ameaças 9 de uma em- por um grupo forte de certezas, como a
presa em relação ao seu ambiente de globalização da economia, a inevitabili-
ação, assim como no processo de esta- dade da competição entre cidades e a

8
Siembieda, William J. Adaptation and Application of Strategic Planning in the Public Sector .
Seminario de Gestión Urbana Estratégica II, Puerto Montt, Chile, p. 4, Novembro de 1994.
M ime o .
9
Modelo SWOT: Strengths, Weaknesses, Opportunities and Threats.
146 A Metáfora Cidade-Empresa no Planejamento Estratégico de Cidades

necessidade do estabelecimento de tivo, não seriam capazes de contribuir


novas relações entre os setores público para o enfrentamento da crise fiscal e
e privado. É desse ambiente que emerge da nova mobilidade do capital.
como necessária a representação da
adoção do planejamento estratégico de Essa tendência de renovação da
empresas no setor público. gestão local, chamada de empreende-
dorismo competitivo, empresariamento
De acordo com David Harvey urbano, urbanismo de resultados ou
(1996), o amplo consenso entre os go- outro rótulo que identifique uma gestão
vernos locais de diferentes orientações em que uma variante de algum modelo
políticas de que as cidades devem ter de planejamento estratégico de empre-
uma gestão empresarial teria se firmado sas é traduzido e adaptado para a admi-
definitivamente no início da década de nistração pública, costuma enfatizar um
80. Essa mudança na administração pú- “novo papel” das cidades (“protago-
blica seria relacionada à recessão de 1973 nistas” da nossa época, segundo Jordi
e à desindustrialização, desemprego e Borja e Manuel de Forn, 1996) e a com-
crise fiscal, aos quais Harvey acrescenta petição interurbana, qualificada não
uma forte onda de neoconservadorismo, exatamente como necessária, antes
em que os investimentos tomariam “cada como inevitável para a sobrevivência
vez mais a forma de uma negociação das grandes cidades.
entre o capital financeiro internacional e
os poderes locais, os quais fazem o Essa representação da cidade con-
melhor possível para maximizar a atra- temporânea trouxe a literatura de ad-
tividade local para o desenvolvimento ministração de empresas para o centro
capitalista” 10. da discussão da questão urbana, pro-
vocando uma revisão de conceitos e
Como a crise fiscal obrigaria as ci- uma alteração nas práticas dos planeja-
dades a adotar uma gestão em que o dores operacionais. Se, por um lado, a
Estado é mais um promotor do que um emergência de “gerentes urbanos” es-
administrador, caberia à gestão urbana pecialistas na aplicação de metodologias
local articular os capitalistas individuais de planejamento estratégico empresa-
em torno de projetos e programas que rial traduzidas para as cidades possa ter
visassem ao desenvolvimento urbano tido a oposição de alguns planejadores
(geralmente econômico). As cidades que recusavam os novos métodos, por
seriam forçadas a uma postura mais outro, o planejamento estratégico pa-
agressiva na competição por recursos e rece ter reavivado o planejamento ur-
empregos, e as formas tradicionais de bano. Criticado seja pela imposição
planejamento, como o planejamento autoritária de modelos abrangentes seja
compreensivo e o planejamento norma- em nome da liberdade de manifestação

10
Harvey, David. “Do gerenciamento ao empresariamento: a transformação da administração
urbana no capitalismo tardio”. In: Espaço e Debates, ano XVI, n. 39, p. 50, 1996.
Fabricio Leal de Oliveira 147

da eficiência do mercado, o planeja- especificado –, que produziriam as es-


mento urbano é recuperado com uma tratégias integradas 12.
nova roupagem e torna-se pragmático
e “realista”. Já a ênfase de John Bryson (1988)
na “orientação para a ação” como ca-
De fato, Harvey já argumentava em racterística essencial do planejamento
1985 11 que é no curso da crise que ocor- estratégico se tornará recorrente no dis-
rem mudanças importantes no conheci- curso do planejamento urbano contem-
mento do planejador urbano e quando porâneo. Para Bryson, o planejamento
se apresentam oportunidades de legiti- estratégico é um esforço disciplinado
mação do seu papel, que se justificaria para produzir decisões e ações que mo-
pela habilidade de identificar riscos e de delem, guiem e qualifiquem o que uma
intervir para restaurar um “equilíbrio” organização (ou entidade) será, o que
capaz de perpetuar a ordem e manter ela fará e por que o fará. É um sistema
as condições e requisitos para a acumu- de planejamento abrangente, racional
lação de capital. e formalizado que funde planejamento
e tomada de decisões, sendo muito mais
Formalização e orientação orientado para a ação do que o planeja-
para a ação mento de longo alcance. Assim, somente
uma organização que tenha uma missão,
Para Henry Mintzberg (1994), cuja po- objetivos e metas claros, autoridade cen-
sição é ao mesmo tempo crítica e cética tralizada, indicadores transparentes de
em relação ao planejamento estratégi- performance e informação sobre a per-
co em empresas, haveria um problema formance real disponível a custo razoá-
lógico na própria expressão “planeja- vel, poderá implantar com sucesso um
mento estratégico”: a formalização seria sistema de planejamento estratégico.
a essência do planejamento, e a gera-
ção da estratégia não poderia ser for- Muito embora a tradução do pla-
malizada, pois constituiria um processo nejamento estratégico de empresas para
essencialmente criativo e intuitivo. as administrações municipais implique
em mudanças importantes na metodo-
Em uma outra posição, radicalmen- logia e no conteúdo do plano, quase
te oposta, Mariann Jelinek definiu pla- todos os autores que discutem o plane-
nejamento estratégico empresarial como jamento estratégico de cidades traba-
a programação (“institucionalização”) do lham com significados de estratégia e de
processo de formação da estratégia pelo planejamento em que a compatibilida-
uso de sistemas formais. Consistiria em de entre os dois termos é possível. A
uma série de passos articulados – em formalização dá pouca margem à intui-
que cada um se realizaria tal como fora ção, e a norma de legitimação do plano

11
Harvey, D. The Urbanization of capital. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 1985.
12
Mintzberg, Henry. The rise and fall of strategic planning. Toronto: The Free Press, 1994.
148 A Metáfora Cidade-Empresa no Planejamento Estratégico de Cidades

costuma ser muito mais a existência de ambiente e a olhar além de si mesma


um consenso em torno de objetivos e no espaço e no tempo.
ações do que a coerência lógica ou a
criatividade do plano estratégico. Essa abordagem do planejamento
estratégico como uma técnica é também
O próprio Mintzberg, em parceria a de Suzana Moura (1997), para quem
com Jørgensen 13, discutiu a possibili- o planejamento estratégico de cidades
dade de uma administração pública é uma técnica específica de análise e pro-
“planejar” a incorporação de estratégias jeção conjugada com processos políticos
emergentes 14 em um processo contínuo de consulta e negociação. Utilizando prá-
de aprendizado. Segundo os autores, ticas da gestão empresarial, o plano es-
aliás, as organizações freqüentemente tratégico de cidades seria baseado na
perseguem estratégias tipo guarda- promoção da cidade, na cooperação
chuva, em que apenas as linhas gerais público-privada e na formação de con-
são deliberadas. sensos. De fato, a “formação de consen-
sos” (ou a utilização do termo consenso)
Um maior compromisso com a exe- para justificar ações e investimentos no
cução do plano também é considerado espaço urbano típicos da pauta da inte-
por Kaufman & Jacobs (1996) como gração competitiva vem substituir a
uma especificidade do planejamento es- busca de um “equilíbrio harmonioso
tratégico. Para eles, o planejamento possível”, expressão presente no discur-
estratégico empresarial no setor público so do planejamento urbano operacional
seria uma técnica para desenvolver um da década de 1970 (Harvey, 1985).
programa de ação baseado na coope-
ração público-privada. Mais orientado Já para o chileno Carlos Matus
para ações, resultados e implementação (1989), o planejamento estratégico é
do que o planejamento público tradicio- um planejamento para situações de con-
nal (o planejamento compreensivo de flito e poder dividido, em que o plano
longo prazo ou master planning), o de um é “um produto criativo de um
planejamento estratégico empresarial juízo estratégico e o plano do outro é
adotado no setor público traria como um processo criativo e imaginativo que
contribuição fundamental a ênfase na não segue leis”. O planejamento (defini-
avaliação das forças e fraquezas internas do como cálculo que precede e preside
(da organização/administração pública) a ação, ou como mediação entre conhe-
em um contexto de oportunidades e cimento e ação) considera os outros ato-
ameaças, encorajando a organização/ res envolvidos e a imprevisibilidade das
administração pública a explorar o meio suas ações, assim como considera dife-

13
Mintzberg, H. & Jørgensen, J. “Una estrategia emergente para la política pública”. In: Gestión
y Política Pública, v. IV, n. 1, México, 1995.
14
Para Mintzberg (1994; 1995), estratégia é um plano (estratégia pretendida) mas é também um
padrão, uma consistência no comportamento durante o tempo (estratégia emergente).
Fabricio Leal de Oliveira 149

rentes horizontes de tempo, correspon- mais propagadas são as difundidas atra-


dentes aos objetivos e temporalidades vés dos textos e ações de consultores in-
diferentes de cada plano. ternacionais catalães como Jordi Borja e
Manuel de Forn i Foxà, que participaram
O planejamento estratégico “situa- da elaboração dos planos estratégicos de
cional” 15 de Matus distingue a relação Barcelona e do Rio de Janeiro (PECRJ),
sistêmica causa-efeito (que seria própria e que atuam como consultores de uma
dos sistemas naturais) da relação inicia- série de municipalidades no Brasil e na
tiva-resposta (mais pertinente à relação América Latina.
interativa entre atores sociais). Muito
embora essa distinção feita entre a es- Tal como em Bryson (1988) e
pecificidade das relações dos sistemas outros, o compromisso com os resul-
naturais e a especificidade das relações tados do plano é aqui um dos principais
sociais já seja em si discutível, o que in- fundamentos da metodologia catalã, a
teressa é a ênfase na relação iniciativa- qual dependeria da participação “...ativa
resposta que revela a imprevisibilidade dos agentes tanto na elaboração e defini-
inevitável inerente ao seu conceito de ção de estratégias, quanto no compro-
planejamento estratégico. O binômio misso, financiamento e execução das
formalização e orientação para a ação ações” 16 . Para Jordi Borja (1996),
encontra aqui uma formulação clara: o “Plano Estratégico é a definição de um
planejamento estratégico de Matus é projeto de cidade que unifique diagnós-
estruturado em problemas e oportuni- ticos, concretize atuações públicas e pri-
dades e em uma matriz de problemas e vadas e estabeleça um quadro coerente
módulos recursivos, a serviço das ne- de mobilização e de cooperação dos
cessidades de articulação do plano (um atores sociais urbanos” 17 .
jogo cujo objetivo é derrotar ou con-
quistar o oponente) com o orçamento Os conflitos entre os diversos atores
por programas. e entre as classes sociais ou são minimiza-
dos ou tidos como contornáveis, pelo
Os catalães menos no que diz respeito aos objetivos
“comuns” em relação ao ambiente exter-
No Brasil, as definições de plano, planeja- no (as outras cidades em competição e
mento estratégico e projeto de cidade as exigências da economia globalizada).

15
Por situacional entende-se que para cada ator social a realidade em que vive é uma situação
diferente e que existem vários planos sendo executados ao mesmo tempo com objetivos e
temporalidades diferentes.
16
Forn i Foxá, M. Barcelona: Estrategias de Transformación Económica. Seminário Estratégias
Urbanas Rio Barcelona, Rio de Janeiro, mai. 1993, p. 7. Mimeo.
17
Borja, J. “As Cidades e o Planejamento Estratégico: uma reflexão européia e latino-americana”.
In: Fischer, Tânia. (org.) Gestão contemporânea. Cidades estratégicas e organizações locais.
Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas Editora, 1996. p. 98.
150 A Metáfora Cidade-Empresa no Planejamento Estratégico de Cidades

A necessidade de vencer a compe- terna dada, na qual a reestruturação


tição com as outras cidades exigiria do produtiva e a globalização da economia
Estado (sempre o poder local) uma po- obrigam a que todos os meios sejam
sição “realista”: dadas a crise fiscal e a utilizados para garantir a inserção eficaz
nova mobilidade dos capitais, não have- da cidade na economia global. O para-
ria como atrair os capitais e os empregos digma da integração exigiria o abando-
necessários para o desenvolvimento de- no das estratégias de transformação/
sejado, senão contemplando os inte- emancipação e a substituição da noção
resses dos capitais comprometidos com de “vetor de mudança” pela noção de
a cidade. “resultado prático”. Assim, a subordina-
ção do debate à performance eficaz da
Embora Borja e Forn ressaltem em administração pública em termos de efe-
seus textos e palestras que o consenso tiva integração competitiva esvazia a di-
dos cidadãos em torno do projeto de mensão política do Estado, subsumindo
cidade não é possível em qualquer situa- as demandas sociais na esfera técnica.
ção 18 , a obtenção do consenso é consi-
derada atingível em função de fatores Essas primeiras e preliminares obser-
como “capacidade de liderança” ou “ca- vações a respeito da adoção da gestão
risma” dos administradores da cidade empresarial no setor público podem ser
(em geral os prefeitos) ou ainda em fun- mais bem analisadas quando, em vez de
ção da aplicação da metodologia ade- nos fixarmos na prática da gestão empre-
quada. A “mobilização interna” em torno sarial, procurarmos compreender algu-
do Plano não é orientada por uma lógi- mas possibilidades de significado que
ca de processo, em que os objetivos são surgem da interação entre os significados
redefinidos a partir da interação entre de empresa e de cidade. Para isso, exami-
os atores sociais: a discussão e a defini- naremos a utilização direta e indireta da
ção dos meios e objetivos obedecem às metáfora cidade-empresa no discurso do
regras exigidas por uma “realidade” ex- planejamento estratégico de cidades.

18
“Sólo la implicación de todos los actores supone una cierta garantía de cumplimiento de un
plan que se define obligatoriamente como proactivo. La implicación de sólo una parte de los
actores, probablemente los más avanzados, puede desarollar un efecto perverso: Impulsar
las acciones que ya se desarollaban normalmente, bendiciéndolas y dándoles la legitimidad
que supone el sombrero del Plan y, por el contrario, el mismo sombrero, en la medida que
prescriben las necesidades, puede actuar de disminuidor de presión sobre aquellos aspectos
urbanos e sociales más conflictivos. Como resultado, si el Plan no tiene una implicación
completa y un seguimiento integral, puede ayudar a desequilibrar, impulsando unas acciones
y ayudando a olvidar otras, en vez de la teórica función opuesta que pretende un desarollo
equilibrado de todos los sectores y especialmente de la convivencia ciudadana ligada a la
vida cotidiana de los habitantes.” (Forn, M., op. cit., p. 10.)
Fabricio Leal de Oliveira 151

A metáfora cidade-empresa

“ P e r f o r m a t i v i d a d e ” 19 dades mais desenvolvidas para se tor-


no mundo globalizado: narem competitivas... no contexto da
pragmatismo e “realismo” retomada da guerra econômica a partir
na gestão das cidades dos anos 60” 20.

A presença da métafora cidade-empresa Assim, a adoção do critério técnico


no discurso do planejamento urbano e da eficácia imporia uma “legitimação
em lugar das metáforas do início do pelo poder” que se realizaria através do
século (“cidade-corpo/organismo” e “controle do contexto” (o ambiente ex-
“cidade-máquina”) remete a um ques- terno): o “melhoramento das perfor-
tionamento acerca da metáfora constitu- mances realizadas contra os parceiros”
tiva que tornou possível a sua geração que constituem o contexto (“quer seja
e aceitação social. a ‘natureza’, quer os homens”). A narra-
tiva de legitimação idealista ou huma-
Propomos que partamos de Lyotard nista é abandonada pelo “estado e/ou
(1989) e da sua interpretação sobre uma a empresa” [grifo nosso]: “... no discurso
versão da sociedade em que o critério dos capitalistas de hoje, a única situação
de legitimação do saber não releva nem merecedora de crédito é o aumento do
a emancipação do homem, nem a es- poderio” 21 .
peculação sobre o saber em si mesmo,
sobre a própria condição humana. A transposição para a gestão empre-
Quando se adota o “princípio da otimi- sarial das cidades das questões apresen-
zação das performances” como critério tadas por Lyotard encontra ressonância
de legitimação, a pertinência não é “com tanto na relação da cidade com o am-
o verdadeiro, nem o justo,..., mas o efi- biente externo (as cidades e regiões
ciente”. Essa “versão tecnocrática” da rivais) quanto nas relações que confor-
sociedade, que entende que a verda- mam a cidade e nela se realizam. Se,
deira finalidade do sistema é a otimiza- por um lado, das cidades é exigido o
ção da “performatividade”, teria um mesmo esforço para se tornarem com-
paralelo com o liberalismo avançado, petitivas que das “sociedades mais
que é descrito por Lyotard como um desenvolvidas” citadas por Lyotard, por
“esforço ascético que é pedido às socie- outro, a necessidade de maior controle

19
Segundo Lyotard (1989), “performatividade” de um sistema diz respeito à “eficiência
mensurável numa relação input/output” (p. 28). Assim, “performatividade” é a relação glo-
bal dos inputs (energia gasta) com os outputs (informações ou modificações obtidas): um
“acto técnico é ‘bom’ quando realiza melhor e/ou quando gasta menos que outro” (p. 33-
91).
20
Lyotard, J. F. A Condição Pós-moderna. Lisboa: Editora Gradiva, 1989. p. 91.
21
Ibid., p. 92.
152 A Metáfora Cidade-Empresa no Planejamento Estratégico de Cidades

do ambiente externo exigiria antes um refere à promoção de transformações


controle interno que garantisse no míni- nas relações de poder entre os atores
mo uma coerência na performance. sociais urbanos e à produção de novas
representações da cidade não previstas.
Assim, o desenvolvimento da metá-
fora heurística cidade-empresa (que Muito embora alguns autores apon-
motiva uma investigação na cidade/ tem as adaptações necessárias para a sua
questão principal justapondo atributos tradução para o setor público, determi-
e relações da empresa/questão subsi- nadas características da gestão empresa-
diária) se relaciona diretamente com a rial podem ser identificadas sem alteração
adoção progressiva do modelo de pla- substancial em algumas práticas e/ou dis-
nejamento estratégico das corporações cursos sobre a cidade. Entre elas desta-
nas cidades, onde a competitividade e camos inicialmente 1) o aumento da
a interação estratégica com o ambiente flexibilidade e agilidade de decisão au-
externo são características constitutivas. mentando o poder e arbítrio do execu-
O pragmatismo e o “realismo” típicos das tivo municipal, 2) a participação na gestão
formas de gestão empresarial trazem e o direito à cidade proporcionais à
uma nova ênfase para a gestão das cida- capacidade de investimento dos cidadãos
des: o compromisso com a ação e com e 3) muito maior investimento na criação
a execução do Plano (o melhor plano é de condições para a produção e circu-
aquele que pode ser executado) supera lação do que na melhoria de condições
o compromisso com a transformação (o de vida da população local.
planejamento como um vetor de mu-
danças não garantidas pelo Plano). A questão fundamental é que se a
pólis é o lugar da democracia, o mesmo
Uma autoridade técnica se impõe não se pode dizer da empresa, o lugar
através do argumento da eficácia: o res- por excelência do despotismo do chefe
ponsável pela elaboração e implantação ou, pelo menos, dos principais acionistas.
do Plano deveria idealmente ser um O pretexto de dar mais poder ao chefe/
misto de técnico e de político, capaz de prefeito/líder carismático geralmente é
orquestrar consensos em torno de me- justificado pela necessidade de flexibi-
didas específicas obrigatórias para as lidade na gestão, a fim de poder reagir
cidades que desejam inserir-se competi- com rapidez à competição e à evolução
tivamente no mundo globalizado. do ambiente externo. Essa agilidade e
poder de decisão, entretanto, impõem
Entretanto, comparar a cidade com metodologia e tempos rígidos definidos
a empresa para fins práticos (nos referi- a priori segundo as “necessidades” da
mos aqui à possibilidade de desenvolvi- competição e da inserção no mundo
mento de analogias específicas e de globalizado.
produção de modelos de gestão supos-
tamente apropriados para o ambiente Assim, liberdade de decisão e cro-
competitivo) tem implicações no que se nogramas rígidos podem significar, res-
Fabricio Leal de Oliveira 153

pectivamente, diminuição do controle dos atores locais privilegiava as associa-


social sobre os atos da administração e ções empresariais e as instituições eco-
inviabilização dos canais de participação, nômicas, públicas e privadas, incluindo
caracterizando uma submissão da polí- apenas posteriormente as centrais sindi-
tica à performance eficaz e, portanto, à cais. De fato, ao condicionar o Plano à
técnica. viabilidade de execução (eficácia) e ao
amarrar as ações a compromissos quan-
Se na cidade democrática o gover- to ao seu financiamento e execução, a
no local presta conta dos seus atos à definição dos objetivos e das ações na
população, na empresa o CEO presta vertente catalã (e carioca) passa a depen-
contas aos acionistas segundo sua parti- der diretamente dos interesses dos agen-
cipação em cotas da empresa. Na cida- tes com capacidade de realização (leia-se
de gerida como uma empresa, o direito investimento).
à cidade é proporcional à capacidade
de investimento do cidadão. A legisla- Esse pragmatismo legitimou, por
ção urbanística e o programa de inves- exemplo, não só a incorporação ad hoc
timentos públicos podem ser alterados de projetos privados no Plano Estraté-
segundo as necessidades de aumento da gico da Cidade do Rio de Janeiro, como
atratividade da cidade para novos in- a própria condução da elaboração do
vestimentos ou mesmo para viabilização Plano, nascido de um compromisso
de empreendimentos caso a caso, de entre a Associação Comercial, a Fede-
acordo com os interesses dos investido- ração das Indústrias do Rio de Janeiro
res e com as devidas justificativas ad hoc. (FIRJAN) e a Prefeitura, praticamente
sem nenhuma participação da popula-
Isso é bem claro na experiência da ção 23. Essa parceria da Prefeitura com
gestão 1993-1996 22 no Rio de Janeiro um segmento do empresariado local,
e deveria ter a sua relevância investigada além de incluir a legitimação de projetos
no caso de Barcelona. Muito embora da Prefeitura existentes e em andamento
os catalães envolvidos na gerência do e de incorporar demandas fragmenta-
Plano Estratégico de Barcelona divul- das ou organizadas em torno de projetos
guem o seu projeto de cidade como con- específicos (como os relacionados à can-
sensual entre os habitantes da cidade, didatura do Rio às Olimpíadas em
segundo Moura (1997) a escolha inicial 2004), inaugurou uma convivência com

22
Gestão 1993-1996 na Cidade do Rio de Janeiro: Prefeito César Maia (PFL) e Secretário
Municipal de Urbanismo Luis Paulo Conde (PFL).
23
Em seu texto em parceria com Manuel Castells, posterior à conclusão do Plano Estratégico da
Cidade do Rio de Janeiro (Castells & Borja, 1996), Borja cita a experiência carioca, mas
omite o autoritarismo na elaboração do Plano. Enquanto Philip Kotler (Kotler, Haider & Rein,
1994), ao menos problematiza a viabilidade do planejamento estratégico em cidades sem
consenso mínimo em torno de metas e objetivos, Borja deixa que seja entendida como bem-
sucedida uma experiência que, se contou com a participação de uma parcela importante do
empresariado local, não foi sequer acompanhada pela população.
154 A Metáfora Cidade-Empresa no Planejamento Estratégico de Cidades

o empresariado local que Vainer (1995) globalização está em questão e é rele-


iria definir como “democracia direta da vante para o desenvolvimento da metá-
burguesia” 24 . fora em analogias específicas entre
cidade e empresa que resultariam na ge-
O viés tecnocrata é mais visível nos ração de metodologias de elaboração
diagnósticos e nas propostas, que se re- de planos estratégicos.
petem cidade após cidade, todos, em
tese, elaborados “respeitando as carac- Metáfora e literalidade
terítiscas locais”. Assim, por exemplo, a
receita para as grandes cidades se tor- Uma questão fundamental em relação
narem atraentes e competitivas inclui a à metáfora, para Cohen, seria precisa-
renovação das áreas centrais, a criação mente o fato de ela não ser entendida
de novas centralidades e de espaços no seu significado literal, pois a metáfo-
“qualificados”, a construção de infra- ra seria freqüentemente uma ficção,
estrutura para facilitar a passagem do uma atribuição de alguma propriedade
modelo industrial para o terciário quali- a um objeto ou conceito ao qual ela não
ficado, a promoção da realização de se aplica propriamente: todos sabem
conferências, feiras e grandes eventos, que a cidade não é uma empresa.
a modernização da infra-estrutura de
comunicações e das áreas empresariais, Já para Klamer e Leonard (nova-
o investimento na construção da ima- mente recorrendo a Nietzsche), a me-
gem da cidade, a realização de uma re- táfora descreveria melhor o processo
forma política e administrativa radical a pelo qual nós vimos a saber do mundo
fim de superar a “dicotomia legislativo- externo: é a ferramenta cognitiva possí-
executivo” e a separação “rígida entre vel e essencial quando abordamos o
os setores público e privado”, a criação desconhecido. Assim, toda a linguagem
de bancos, a promoção e a criação de seria metafórica, e literal e figurativo não
empresas mistas e a recuperação das seriam esferas distintas, mas os limites
áreas portuárias (Borja & Castells, 1996; de um continuum metafórico em que a
Ascher, 1994). “linguagem começa como metáfora e,
apenas ‘depois de longo uso’, <endu-
Por fim, se o contexto importa para rece ou congela> como literalidade” 25 .
o sentido metafórico, deve haver tam-
bém uma disputa pelo seu sentido: é Assim, o emprego da metáfora cida-
preciso afirmar a metáfora mundo de-empresa poderia conduzir, com o
globalizado para afirmar a metáfora ci- tempo, à transformação da metáfora na
dade-empresa. O próprio significado de representação social dominante de ci-

24
Vainer, Carlos B. Os Liberais Também Fazem Planejamento Urbano? Glosas ao “Plano
Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro”. II Semana IPPUR, Rio de Janeiro, 1995. Mimeo.
25
“Language begins as metaphor and, only ‘after long usage’ <hardens or freezes> into literality”
(Klamer e Leonard, op. cit., p. 27).
Fabricio Leal de Oliveira 155

dade: não mais como se fosse uma em- Essas perguntas estabelecem uma
presa, a cidade passaria a ser um tipo tensão entre cidade-empresa e a cida-
singular de empresa, com a transferência de-não empresa, que só poderia ser
de determinados atributos e relações mais bem explicitada a partir da análise
próprias da empresa, tais como a agili- detalhada dos planos estratégicos de ci-
dade e o arbítrio na gestão e a participa- dades elaborados com o perfil empre-
ção nas decisões segundo a capacidade sarial que examinamos aqui, o que está
de investimento. Possivelmente um muito além do escopo deste texto. Con-
“tipo” de empresa, em que nem todos tudo, a explicitação de possíveis cursos
os seus habitantes/trabalhadores/acio- de investigação sobre o planejamento
nistas seriam reconhecidos como aptos urbano e a gestão contemporânea das
a colaborar na produção da cidade capaz cidades é um dos nossos principais ob-
de sobreviver e vencer os seus concor- jetivos.
rentes. Esses cidadãos poderiam então
ser considerados menos importantes e O desenvolvimento de
“inferiores” do que os outros que cola- analogias
boram mais efetivamente para a “produ-
tividade” da cidade e, portanto, menos Segundo Klamer e Leonard, uma me-
merecedores de participar da gestão da táfora se torna heurística quando esti-
cidade. mula a construção de um sistema
analógico, de um modelo que traça pa-
Entretanto, essa cidade que é pensa- ralelos específicos entre os domínios dos
da como se fosse uma empresa é pen- objetos relacionados. Um modelo seria
sada assim até que ponto? A cidade uma metáfora desenvolvida e sistema-
inteira é pensada como empresa ou essa ticamente elaborada.
relação é reservada apenas para os seus
atributos, partes e relações onde faz sen- Para Cohen, a analogia serviria
tido e onde há correspondência e resso- “para fazer avançar o nosso entendi-
nância da justaposição dos atributos da mento referindo um fenômeno não
questão subsidiária? Se assim fosse, o inteiramente compreendido a um fenô-
que estaria de fora, o que não seria (ou meno análogo em alguma outra ciên-
não poderia ser) empresa? O que não cia onde ele é melhor compreendido” 26 .
seria empresa não seria a cidade, ou não
seria a cidade administrável por meio Se a cidade pode ser entendida
do planejamento estratégico? Qual a como uma empresa, então é possível
percepção social desta metáfora? Ela é que os componentes do que se chama
restrita ao meio operacional e acadêmico cidade possam ser comparados com os
do planejamento urbano? componentes do que se chama empresa

26
Cohen, B. “Analogy, Homology and Metaphor”. In: History of Political Economy. Annual
Supplement, v. 5, 1993.
156 A Metáfora Cidade-Empresa no Planejamento Estratégico de Cidades

(substitutibilidade). As relações que se indicadores que, uma vez realizados,


passam na cidade ou que constituem a comprovam a validade do Plano, evita
cidade, as redes materiais e imateriais, a legitimação através do alcance de obje-
podem então ser equiparadas às redes tivos não mensuráveis ou abstratos que
e relações da empresa tanto interna- podem não ser alcançados e que estão
mente quanto na relação da empresa fora do controle dos gestores (ou geren-
com outras empresas. tes) dos planos. A construção desses indi-
cadores é uma forma de controle que
Um modelo analógico produzido a se realiza não pela tentativa tradicional
partir da relação entre os atributos de de simplificação da realidade (sempre
cidade e de empresa, entretanto, tem frustrada), como é o caso de alguns pla-
a sua capacidade de persuasão de- nejamentos com ênfase normativa, mas
pendente da correspondência entre os pela simplificação pelo recorte da reali-
atributos e relações das questões prin- dade, pela abstração da realidade em
cipal e subsidiária, que são eles próprios nome da concentração em ações fac-
(atributos e relações) socialmente cons- tíveis.
truídos. Entretanto, a complexidade das
relações sociais que definem o que é Barcelona: a alegoria
uma cidade e a complexidade de rela-
ções nessa cidade socialmente cons- Se a fala figurativa permite-nos com-
truída não permitem que se estabeleça preender de um modo que a inter-
com facilidade um campo em que se pretação literal não pode, ela também
possa auferir a correspondência de atri- nos seduz com eficácia.
butos entre as questões principal e sub-
sidiária. A narrativa da elaboração do Plano
Estratégico de Barcelona é a grande ale-
Uma das formas de tentar evitar a goria da cidade-empresa na América
interferência da complexidade no esta- Latina. Barcelona, cidade-sujeito-ator-
belecimento das correspondências entre empresa-empresário-político, por seu
cidade e empresa consiste na proposição próprio esforço empreende uma mobi-
de ações específicas e suas realizações lização interna e externa que culmina
como critério de eficácia do plano estra- na sua inserção competitiva na nova
tégico, como nos casos do Rio de Janei- Europa e no mundo globalizado, gra-
ro e de Barcelona. Assim, se a realização ças à conquista das Olimpíadas de 1992
da ação programada é um indicador de e à construção de um projeto de cidade
sucesso do plano, a tarefa do gerente é de consenso.
promover e articular o “consenso” ne-
cessário em torno das ações/indicadores Nesse bem-sucedido esforço de se-
de eficácia. dução foram utilizadas expressões que
amenizavam a face dura da competição
A produção de um critério de legi- como “segurança cidadã” e “participa-
timação fechado em torno de ações/ ção cidadã”, ao lado de outras como
Fabricio Leal de Oliveira 157

“cultura cívica” e “patriotismo de cida- uma das histórias recentes de cidade


de”, valorizando o local e a tradição 27 . mais conhecidas entre os técnicos e es-
tudiosos do planejamento urbano e da
O apelo dramático da união de um gestão das cidades. Certamente é a his-
povo oprimido pela ditadura franquis- tória mais competente no sentido de
ta, finalmente liberto para lutar pela can- conseguir apresentar e divulgar possibi-
didatura das Olimpíadas e inserir-se lidades de sucesso como evidências e
competitivamente na nova Europa, é resultados.

Conclusão
A metáfora conecta dois domínios que como pensamos não só as questões
interagem para criar um novo significado principal e subsidiária, mas também
que não existia antes da sua enunciação sobre o mundo além dos conceitos 28 ”.
(Klamer e Leonard, 1994). É esse novo Mas como pensamos o mundo através
significado e a conjuntura em que ele dos conceitos, podemos dizer que a pró-
se insere que merece a nossa atenção: pria pertinência da metáfora é construí-
quais as possibilidades de transformação da socialmente e que visões de mundo
das relações de poder existentes com a estão em disputa por uma representação
criação desse novo significado? Como da questão subsidiária na questão
se altera a estrutura de poder na cidade: principal.
quem ganha, quem perde com a cida-
de-empresa? Considerar que “a cidade pode ser
administrada como uma empresa” ou,
O conteúdo cognitivo de uma metá- mais precisamente, que “a cidade pode
fora não pode ser alcançado pela sua aprender com as empresas como se ad-
tradução literal. É necessária, portanto, ministrar”, e assumir que a “cidade deve
uma reflexão que explicite os vetores de se comportar como uma empresa na
transformação de significado que são competição com outras cidades”, não
emitidos de uma metáfora, pois “uma implicam em que a cidade esteja sendo
metáfora, se pertinente, afeta o modo considerada de fato uma empresa. Isso

27
Já em 1985 Harvey (op. cit.) apontava o incentivo do “princípio de comunidade” como uma
estratégia de resposta a crises envolvendo algum risco à reprodução social. Nesse contexto,
as políticas facilitadoras do controle social e do restabelecimento da “harmonia” entre as
classes se dariam em torno das instituições básicas da comunidade, envolvendo um compro-
misso com melhorias comunitárias. Instrumentalidades como inclusão política, participação
cidadã e um compromisso da comunidade com serviços educacionais e de lazer e com um
senso de orgulho de vizinhança significariam uma “melhor”qualidade do ambiente construído.
28
Klamer e Leonard, op. cit., p. 30.
158 A Metáfora Cidade-Empresa no Planejamento Estratégico de Cidades

é trivial. O que não é tão trivial assim é integração competitiva no mundo glo-
que, ao construir uma ponte cognitiva balizado são comuns em autores de ori-
entre cidade e empresa, o pensamento gem tão diversa quanto Manuel Castells
estabelece relações entre atributos da e Philip Kotler, como os próprios voca-
cidade e da empresa que impulsionam bulários desses autores celebram deter-
uma nova maneira de pensar e admi- minadas palavras e expressões-chave
nistrar a cidade, assim como legitimam que reafirmam pela repetição exaustiva
velhas práticas na política municipal, as receitas contemporâneas para as
como a associação entre o capital local cidades.
(o capital imobiliário, por exemplo) e a
Prefeitura municipal no planejamento Assim como o “consenso entre ato-
urbano, seja através da programação de res públicos e privados”, os “contratos
obras e investimentos da administração, urbanos” e as “parcerias público-priva-
seja através da regulação do uso e ocu- das” muitas vezes são capazes de resu-
pação do solo. mir a gestão das cidades com Plano
Estratégico, o binômio globalidade/loca-
O que argumentamos, portanto, é lismo se encarrega de resumir o mundo
que o novo significado surgido a partir e a cidade contemporâneos.
da relação cognitiva entre a questão
principal (cidade) e a questão subsidiá- Por outro lado, a afirmação da me-
ria (empresa) é um vetor no sentido de táfora cidade-empresa oculta o fato de
favorecer certas práticas sociais em de- que a cidade não é uma unidade: os
trimento de outras. conflitos são minimizados e assim não é
potencializado o surgimento de alterna-
A ênfase na competição entre ci- tivas não previstas. Borja e Castells
dades por investimentos privados no (1996) chegam mesmo a dizer que a
mundo globalizado significa uma ênfase “não articulação entre os atores urbanos
no ambiente externo à administração, que caracterizou a cidade latino-ameri-
pois os atributos da administração (as cana parece em vias de superação” 29 .
forças e fraquezas) são avaliados en-
quanto capazes de enfrentar e aprovei- Essa unidade é mais notável na
tar as ameaças e oportunidades do meio enunciação da cidade como ator político
externo que seriam inevitáveis e, em (Borja e Castells, 1996): tratar-se-ia de
parte, conhecidas. Os investimentos para metáfora, metonímia ou símile? A afir-
atrair investimentos são a tônica e, muito mação da cidade como ator político cria
embora isso não seja uma novidade nas um novo significado a partir de ator/po-
administrações municipais, o discurso de lítica/cidade ou é, antes, uma superficia-
legitimação certamente o é. Não só os lização das relações sociais na cidade que
mesmos diagnósticos e meios para a permitem a sua simplificação na unidade

29
Castells, M., Borja, J. “As cidades como atores políticos”. In: Novos Estudos CEBRAP, n. 45,
p. 157, jul. 1996.
Fabricio Leal de Oliveira 159

da cidade? Não se pretenderia então pensar” 30, se refere provavelmente à


que a cidade fosse um ator político, mas administração pública (o governo local);
que a representação da cidade como mas a variedade de possibilidades de
ator político fosse uma metonímia para relações revela o potencial obscurecedor
a atuação coletiva dos atores sociais ur- da metáfora cidade-empresa. Embora
banos. A questão é que os atores sociais um pequeno grupo possa ser o sujeito
urbanos não estão coerente ou con- do planejamento estratégico, a metáfora
sensualmente organizados como atores pode ser interpretada como indicador
políticos e não podem portanto ser re- do consenso de todos os cidadãos.
presentados como unidade. A menos
que a cidade aqui não seja toda a cida-
de, todos os cidadãos, todas as relações Enfim, entendemos que a construção
sociais, mas apenas a cidade, os cida- da metáfora cidade-empresa é fruto de
dãos e as relações sociais considerados uma disputa em que o que está em jogo
relevantes e capazes de contribuir para não é a compreensão do que é a cidade,
a eficácia e a inserção competitiva da de que relações são nela possíveis, ou
cidade no mundo globalizado. do que é uma cidade justa, mas o que
torna a cidade mais eficaz. A pergunta
Quando Philip Kotler (1994) co- crucial parece ser então: o que precisa-
menta que “as localidades se tornaram mos nos tornar para vencer a competição
mais comerciais na sua maneira de com os nossos concorrentes?

30
Kotler, P., Haider, D., Rein, I. Marketing público. São Paulo: Makron Books, 1994.
160 A Metáfora Cidade-Empresa no Planejamento Estratégico de Cidades

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Audiências Públicas, Luta Social
e Participação Democrática *

Chélen Fischer de Lemos

I n tr o d uç ã o
Este trabalho analisa o processo de reali- Ao longo de vinte anos (dos anos
zação de audiências públicas no licencia- 1970 aos anos 1990), por meio de lutas
mento ambiental de empreendimentos sociais travadas nos mais variados cam-
potencialmente causadores de degra- pos, a sociedade brasileira foi construindo
dação ao meio ambiente. Através da espaços de participação e relacionamento
apresentação de dois casos de realização com o poder público, articulando alian-
de audiências públicas na avaliação am- ças, promovendo resistências e buscando
biental de empreendimentos hidrelétri- ampliar os direitos civis, políticos e sociais.
cos, procura-se esclarecer o papel desse A emergência de políticas, bem como de
mecanismo institucional no contexto da instrumentos legais e normativos que
participação da sociedade nas discussões têm como pressuposto a participação da
e tomadas de decisão relacionadas aos sociedade, cujo exemplo são a ação civil
processos de apropriação do território pública 1 e a audiência pública, confir-
e seus recursos naturais. mam esse processo.

* Este trabalho apresenta algumas questões e conclusões desenvolvidas na minha dissertação,


intitulada Audiências Públicas, Participação Social e Conflitos Ambientais nos Empreendi-
mentos Hidrelétricos: os casos de Tijuco Alto e Irapé. Dissertação de Mestrado em Planeja-
mento Urbano e Regional, Rio de Janeiro, IPPUR/UFRJ,1999.
1
Sobre o papel da ação civil pública como mecanismo de participação da sociedade nos
conflitos jurídico-ambientais, ver Fuks, Mário. Arenas de Ação e Debate Públicos: os conflitos
ambientais e a emergência do meio ambiente enquanto problema social no Rio de Janeiro
(1985-1992). Tese de Doutorado em Ciência Política, Rio de Janeiro: IUPERJ, 1997.

Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XIII, N o 1, 1999, p. 163-184


164 Audiências Públicas, Luta Social e Participação Democrática

No campo ambiental, assistiu-se, no da formulação de políticas, normas e


início dos anos 1980, à inauguração da regulações ou, ao contrário, através da
Política Nacional do Meio Ambiente (Lei desregulamentação de atividades –,
nº 6.938 de 31 de agosto de 1981) quanto da sociedade – através da orga-
rumo à formação do ordenamento ju- nização e formulação de demandas, que
rídico-institucional ambiental do país, incluíam um espaço de participação
que apontava para uma perspectiva de social no processo decisório das políticas
tratamento mais rigoroso e efetivo das relacionadas ao meio ambiente, ao esta-
questões sociais e ambientais. A adoção belecimento de direitos, entre outras.
de mecanismos de participação social,
como a audiência pública, na discussão A Política Nacional do Meio Ambien-
dos problemas ambientais associados aos te veio normatizar e reunir em um só
processos de intervenção no território corpo legal procedimentos e ações rela-
foi um passo importante nesse sentido. tivas às questões de proteção, conserva-
ção e preservação ambiental, instaurando
Foi somente a partir dos anos 1980 um novo processo no tratamento dessas
que a questão ambiental efetivamente questões. Esta lei (6.938/81) unificou os
emergiu no interior do Estado brasileiro. princípios ambientais, chamando para si
A introdução de uma noção de meio a responsabilidade sobre a supervisão e
ambiente na esfera estatal obrigou o a formulação de normas gerais da polí-
Estado a se posicionar como instância tica ambiental em escala nacional. Por
regulatória das relações e interações outro lado, através da formação do
entre as diversas dinâmicas sociais con- SISNAMA (Sistema Nacional de Meio
cretas – portadoras de lógicas, repre- Ambiente) 3, projetou um sistema de des-
sentações, valores e visões de mundo centralização da implementação, atri-
diferentes e, muitas vezes, conflitantes – buindo níveis de competência aos estados
e a materialidade. 2 Tal fato implicou no e municípios, que passaram a responder
desenvolvimento de inúmeras estraté- por uma importante área de gestão e li-
gias, tanto por parte do Estado – através cenciamento ambientais.

2
Conforme aponta Fabiani (1989: 205), a emergência do meio ambiente como uma categoria
nova e objeto de política no espaço público, implica a extensão do domínio político para
setores cuja atuação, em relação ao meio ambiente, estivera fora da ação estatal específica. A
incorporação desses setores, por outro lado, supõe a submissão a uma nova codificação e
fundamentação legal (ambiental), assim como a emergência de novas formas de participação
e representação política.
3
A fim de viabilizar a Política Nacional do Meio Ambiente, a lei criou o Conselho Nacional de
Meio Ambiente (CONAMA), como instância superior do SISNAMA, diretamente vinculado à
Presidência da República. O CONAMA teria como finalidade a articulação de todos os órgãos
e entidades nas diversas instâncias governamentais, bem como de instituições investidas
pelo poder público da responsabilidade pela proteção e melhoria da qualidade ambiental.
Sua missão primordial seria a formulação e execução da política ambiental.
Chélen Fischer de Lemos 165

As audiências públicas surgiram na final emitido pelo órgão responsável pelo


política ambiental brasileira como uma licenciamento ambiental 5 do projeto em
evolução no processo de constituição de questão.
instrumentos para a gestão ambiental.
Por meio da Resolução 001/86, o Embora não tenham perdido o cará-
CONAMA instituiu as audiências públicas ter facultativo, as audiências públicas
como uma das etapas do licenciamento deixaram de ser uma opção exclusiva dos
ambiental. Tal resolução menciona (em órgãos licenciadores para se transformar
seu último parágrafo) a possibilidade da em uma opção tanto institucional – dos
realização de audiências públicas como órgãos licenciadores, de órgãos públicos
veículo para esclarecimento do público ou do Ministério Público – como da so-
acerca do projeto em causa e seus im- ciedade civil organizada e/ou dos cida-
pactos ambientais e para discussão do dãos de alguma forma interessados na
Relatório de Impacto Ambiental (RIMA). obra ou empreendimento, através de pe-
Neste momento, as audiências públicas tição assinada por 50 (cinqüenta) ou mais
constituem basicamente mecanismos de cidadãos. Dessa maneira, de um meca-
informação/esclarecimento que pode- nismo para esclarecer dúvidas, elas po-
riam ser opcionalmente adotados pelos deriam transformar-se em instrumento
órgãos licenciadores ambientais 4 – esta- (político) público.
duais, municipais ou federal (IBAMA),
conforme o caso –, se estes julgassem ne- Conforme as Resoluções CONAMA
cessário e/ou conveniente. 001/86 e 009/87, a audiência pública é
um mecanismo institucional formal de
Posteriormente, através da Resolu- participação pública no processo de ava-
ção CONAMA 009/87, as audiências liação ambiental dos empreendimentos
públicas tornaram-se parte integrante do potencialmente causadores de degrada-
licenciamento ambiental e tiveram seu ção ambiental. A legislação prevê seu
papel definido nesse processo. Passaram, uso somente nos casos de empreendi-
a partir de então, a ter a atribuição legal mentos que tenham como exigência a
de discutir o conteúdo dos RIMAs e di- elaboração de Estudos de Impacto
rimir dúvidas a seu respeito, tornando- Ambiental (EIA) e do respectivo RIMA;
se fontes para o recolhimento de críticas a discussão dos demais documentos téc-
e sugestões a fim de subsidiar o parecer nicos exigidos para o licenciamento

4
Os órgãos licenciadores ambientais são também chamados de órgãos estaduais de meio
ambiente (OEMAs). Como essa denominação exclui o órgão federal (IBAMA), a denomina-
ção mais genérica foi adotada neste trabalho.
5
O processo de licenciamento ambiental compreende, por parte dos órgãos licenciadores, a
emissão de três tipos de Licença: Licença Prévia (LP); Licença de Instalação (LI); e Licença de
Operação (LO). A sociedade só é chamada a participar das discussões durante o processo de
licenciamento prévio ambiental (Resolução CONAMA 006/87).
166 Audiências Públicas, Luta Social e Participação Democrática

ambiental não implica a realização de A capacidade potencial de influen-


audiências públicas 6 . ciar o parecer final de concessão da licen-
ça faz com que as audiências públicas
Os órgãos licenciadores ambientais tornem-se “arenas” de uma disputa po-
dos estados da federação – e o IBAMA, lítica entre múltiplos agentes sociais,
nos casos determinados pela lei – são portadores de diferentes concepções e
responsáveis pela preparação e coorde- representações sobre o mundo material
nação das audiências públicas, quando e sobre a apropriação do território.
solicitadas. Após receber o EIA/RIMA do Sendo o espaço de confronto dessas
empreendedor, o órgão ambiental deve diferentes concepções e, ao mesmo
fixar em edital público um prazo não tempo, o espaço para a tentativa de
inferior a 45 dias para que os interessa- resolver institucionalmente os conflitos,
dos solicitem formalmente a audiência. as audiências públicas fazem parte de
Esta, contudo, só ocorre após a análise um “campo político” em que se desen-
prévia do EIA/RIMA e as demais com- volve uma complexa articulação de dis-
plementações efetuadas pelo órgão li- cursos que acionam diferentes lógicas de
cenciador ambiental. A realização da concepção e apropriação do território
audiência pública, uma vez solicitada, e de seus recursos, através dos quais se
condiciona a concessão da licença am- explicitam diferentes interesses econô-
biental, e sua não realização invalida micos, políticos, ambientais, sociais e
qualquer licença porventura concedida. culturais.

As audiências públicas e os empreendimentos


h idrelétricos

O planejamento das atividades das comunitária), mas o próprio modo de


empresas de energia elétrica (especial- vida e reprodução social de populações
mente em relação à geração de energia) residentes nas áreas de influência dos
envolve decisões de cunho financeiro, empreendimentos hidrelétricos. Assim,
tecnológico, político, organizacional, ter- tornou-se inaceitável, em particular do
ritorial, econômico, ambiental etc., que ponto de vista dos grupos sociais afeta-
atingem não apenas diferenciados e até dos, que tais decisões restrinjam-se ex-
contraditórios interesses econômicos e clusivamente às empresas do setor. A
sociais (públicos e privados, em escala luta dos movimentos de atingidos por
global, nacional, setorial, regional e barragens, associada às pressões dos

6
Na regulamentação das audiências públicas, alguns estados estabeleceram a possibilidade de
realização de audiências em processos que não exigem EIA/RIMAs, se o órgão ambiental julgar
necessário. É o caso dos estados de São Paulo e de Minas Gerais.
Chélen Fischer de Lemos 167

agentes financiadores internacionais 7 e mentos hidrelétricos foi inaugurado


de setores da sociedade preocupados com a Resolução CONAMA 001/86.
com as questões ambientais, evidencia- Nela, o CONAMA estabeleceu os crité-
ram a necessidade da criação de um es- rios e diretrizes básicas a fim de que a
paço institucional em que os aspectos Avaliação de Impacto Ambiental (atra-
técnicos, políticos e sociais dos projetos vés do EIA/RIMA) fosse utilizada como
hidrelétricos fossem discutidos ampla- um dos instrumentos da Política Nacio-
mente com a sociedade, a fim de que nal de Meio Ambiente. Além disso, no
os empreendimentos pudessem alcan- Artigo 2º da resolução foram definidas
çar um maior benefício social real, com as “atividades modificadoras do meio
um menor custo social e ambiental. A ambiente” que deveriam observar a
criação de mecanismos institucionais de elaboração de EIA/RIMA, dentre as
participação no licenciamento ambiental quais as obras hidráulicas para a explo-
tornou-se um primeiro passo no sentido ração de recursos hídricos com potência
de ampliar a discussão pública desses acima de 10 MW. Essa definição tor-
empreendimentos. nava tais empreendimentos candidatos
“naturais” à realização de audiências
O processo sistemático de licencia- públicas no processo de licenciamento
mento ambiental dos empreendi- ambiental.

Audiências públicas e movimento social contra as


ba rragens

As lutas dos movimentos contra as bar- dimentos hidrelétricos. O segundo passo


ragens se deram, inicialmente, durante foi a reivindicação de “terra por terra
o processo de implantação e execução na região”, que apontava para uma ten-
dos projetos, quando as ameaças de des- tativa de assegurar o reassentamento
locamento e expulsão eram um fato pra- com a recomposição do modo de vida
ticamente consumado, como as lutas nas das populações locais, o que vinculava
barragens de Sobradinho e Itaipu (Car- a relação com a terra a fatores extra-
valho e Scotto, 1995). Nessas primeiras econômicos: fatores culturais, sociais e
lutas, as ações dos movimentos visavam simbólicos como constitutivos da iden-
à obtenção de “indenizações justas” tidade social dos indivíduos (Carvalho
como compensação ao deslocamento e Scotto, 1995, e Vainer, 1995).
forçado das populações pelos empreen-

7
Em meados da década de 1980, a assunção da questão ambiental por parte do Banco
Mundial (BIRD) – em virtude das repercussões dos impactos socioambientais dos grandes
projetos e empreendimentos – reforçou o licenciamento como um instrumento eficaz de
gestão do meio ambiente. Além disso, como agente financiador, o BIRD podia pressionar os
países que recebiam seus financiamentos a adotar tal procedimento.
168 Audiências Públicas, Luta Social e Participação Democrática

Com o aprofundamento das lutas, não apenas contra projetos específicos de


foi construída a identidade de atingido a intervenção no território, mas contra
partir de uma nova atribuição de senti- uma forma de planejamento e desenvol-
do ao significado corrente desta palavra, vimento que excluía parcela significativa
que passou a descrever um sujeito social da população.
e político ativo na defesa do seu território,
das suas práticas sociais e do seu modo A mudança do conteúdo da luta
de vida; contraposto a um outro sujeito representa o crescimento e a evolução
representado pelo empreendimento política do movimento que passou de
hidrelétrico (no papel da empresa), que uma atitude defensiva, caracterizada pelas
“interfere” e interage negativamente reivindicações de “indenização justa” e
nesse espaço e em suas dinâmicas so- de “terra por terra na região”– cujos prin-
ciais. A constituição da identidade de cipais objetivos eram a recomposição do
atingido – que se apresenta em confronto modo de vida e a manutenção da condi-
com um determinado processo de expro- ção social de trabalhador rural, campo-
priação, orquestrado a partir do centro nês, índio, pescador etc. –, para uma
hegemônico, e ao lado de outros movi- atitude tanto ativa – representada por
mentos de trabalhadores que sofrem uma rejeição à forma de apropriação ex-
processos semelhantes – foi um passo terna do seu território e dos recursos
fundamental para a evolução do movi- naturais sob a forma de energia – quanto
mento e para a constituição posterior de propositiva – através do questionamento
um Movimento Nacional de Atingidos do modelo de desenvolvimento e da
por Barragens 8 . Uma vez assumida a política energética nele contida e da pro-
identidade de atingidos, o sentido passivo posta de um modelo de desenvolvimento
e pejorativo da palavra foi invertido para alternativo, mais integrador e democrá-
o sentido ativo e positivo de resistência, tico (Vainer, 1995).

8
O I Encontro Nacional de Trabalhadores Atingidos por Barragens ocorreu nos dias 19 a 21 de
abril de 1989, em Goiânia. Em março de 1991 (de 12 a 14) ocorreu o I Congresso Nacional de
Trabalhadores Atingidos por Barragens, em Brasília, com representantes dos atingidos de
várias partes do país. Nesse Congresso foi eleita a Coordenação Nacional do Movimento de
Atingidos por Barragens - MAB. O movimento nacional constituiu-se com o objetivo de articular
as lutas regionais em escala nacional, realizando ações em conjunto e defendendo os
compromissos firmados entre as empresas de energia elétrica e os movimentos de atingidos
em todo o país. Nesse sentido, o MAB procurou articular-se com outros movimentos sociais,
entidades da sociedade civil (nacionais e internacionais), sindicatos, e com o legislativo, a fim
de buscar a adesão política e social à causa dos atingidos. A constituição de um movimento
nacional contribuiu para a consolidação da identidade de atingido como uma identidade
positiva, capaz de compor uma força política. Em 1997, o MAB estendeu suas articulações para
além das fronteiras nacionais através do I Encontro Internacional de Atingidos por Barragens,
realizado em Curitiba em março desse mesmo ano. Do Encontro resultou o documento chamado
“Declaração de Curitiba, Pelo Direito à Vida e aos Modos de Vida das Populações Atingidas
por Barragens”.
Chélen Fischer de Lemos 169

A reivindicação da participação da hidrelétricos, por parte dos movimentos


sociedade na discussão dos aspectos téc- de atingidos por barragens, faz parte
nicos e nas tomadas de decisão em rela- desse processo.
ção aos aspectos políticos dos projetos

O c a so d a UHE Tij uco A lto

A concessão do aproveitamento hidrelé- “interagentes” naquele espaço. O movi-


trico para a construção da usina hidre- mento no Paraná, liderado pela Comis-
létrica (UHE) de Tijuco Alto – localizado são de Mobilização do Vale do Ribeira
no Vale do Ribeira, entre os estados de (CMVR), teve um âmbito de ação muito
São Paulo e Paraná 9 – foi solicitada ao localizado, centrado em Cerro Azul, seu
governo federal pela Companhia Brasi- município-sede. Todas as ações e estraté-
leira de Alumínio (CBA), empresa do gias formuladas pela Comissão focaliza-
Grupo Votorantim, e foi concedida pelo ram a defesa do município: seu território,
Departamento Nacional de Águas e seus moradores, sua integridade física e
Energia Elétrica (DNAEE) em 1988. O político-administrativa. Tal limitação fez
objetivo enunciado do empreendimento com que o movimento paranaense dei-
era a produção de energia elétrica para xasse de considerar a importância das
consumo próprio, com vistas à amplia- ações empreendidas no lado paulista,
ção da capacidade de produção de alu- tanto por parte do empreendedor, quan-
mínio do complexo industrial da CBA, to por parte dos órgãos ambientais e das
instalado em Mairinque/SP, numa usina comunidades atingidas. As articulações
de 144 MW de potência. foram buscadas nos limites do próprio
estado. Não houve interesse em conhecer
O movimento contrário ao empreen- e participar do processo semelhante que
dimento Tijuco Alto assumiu contornos estava ocorrendo no estado vizinho.
singulares em cada estado, coerente-
mente com a extensão da região, como No lado paulista, a mobilização lide-
também com a diversidade e especifi- rada pelo Movimento dos Ameaçados
cidade sociológica dos grupos sociais pelas Barragens no Vale do Ribeira

9
O Vale do Ribeira é considerado uma das regiões mais pobres e menos desenvolvidas desses
estados. Localizam-se aí os últimos remanescentes de mata atlântica na região e o último
grande rio que corre livre de barramentos: o rio Ribeira do Iguape. A concentração e as
disputas pela terra tornam a questão fundiária na região bastante complexa, provocando
inúmeros conflitos que envolvem centenas de famílias. Além disso, a região apresenta muitas
áreas ambientalmente protegidas e particularidades socioculturais, como a presença de co-
munidades remanescentes de quilombos. Numa região em que os problemas econômicos,
sociais e ambientais são muito complexos, a questão fundiária torna-se um agravante e um
fator alimentador de todos os outros problemas. Este é o cenário no qual se desenvolvem os
debates em torno da construção das barragens no Vale do Ribeira.
170 Audiências Públicas, Luta Social e Participação Democrática

(MOAB), por sua vez – articulando-se do MOAB, bem como pela ausência de
desde o início com o Movimento Nacio- mobilização organizada dos atingidos e
nal de Trabalhadores Atingidos por Bar- da comunidade em geral.
ragens (MAB) e com outros movimentos
sociais e entidades da sociedade – não A CMVR encontrava-se então pouco
concentrou sua ação no município-sede mobilizada. Além disso, já havia feito as
(Eldorado/SP). O MOAB adotou uma suas próprias “audiências públicas”, por
visão regional mais ampla, procurando ocasião da realização de duas Assem-
conhecer todos os aspectos do problema bléias Populares 11 , nas quais as opiniões
da construção das barragens no Vale do dos moradores e atingidos foram ex-
Ribeira, independentemente das fron- postas não apenas para o poder público
teiras estaduais. Tal perspectiva levou (inclusive a própria SUREHMA, que en-
seus militantes à tentativa de participar viou representantes às duas assembléias),
de todo o processo de licenciamento da como também para o empreendedor. De
usina, inclusive na audiência pública de certa forma, a questão já estava resol-
Cerro Azul/PR. vida: as pessoas se reuniram, deliberaram
pela não construção da usina, tornaram
As audiências públicas para a discus- pública sua decisão e esperaram que essa
são do EIA/RIMA da UHE Tijuco Alto decisão fosse respeitada. Mesmo tendo
foram solicitadas pelas entidades da so- conhecimento de que uma audiência pú-
ciedade civil SOS Mata Atlântica, em blica poderia acontecer, já que ela havia
São Paulo, e GEEP-Açungui (Grupo de sido mencionada pelo governo estadual
Estudos Espeleológicos do Paraná), no no início das conversações sobre o em-
Paraná, em julho de 1990, à Secretaria preendimento, a garantia de que a
de Meio Ambiente de São Paulo (SMA/ opinião da população seria levada em
SP) e à Superintendência de Recursos conta foi considerada mais importante do
Hídricos e Meio Ambiente do Paraná que a garantia de que haveria uma au-
(SUREHMA) 10, respectivamente. A par- diência pública formal para discutir os
tir dessas solicitações, foram marcadas impactos e implicações do empreendi-
as audiências em Ribeira/SP, em março m en to .
de 1993, e em Cerro Azul/PR, em ja-
neiro de 1994. Ambas caracterizaram- Os dois momentos – a participação
se pelo amplo apoio dos políticos locais organizada pela comunidade nas Assem-
ao empreendimento e pela limitada bléias Populares e a participação na au-
participação dos membros da CMVR e diência pública (de Cerro Azul) – podem

10
Esta superintendência foi sucedida pelo IAP – Instituto Ambiental do Paraná.
11
A primeira Assembléia Popular teve lugar na praça principal de Cerro Azul, no dia 07/09/1988,
e contou com a presença de cerca de 2.000 pessoas. A Segunda Assembléia Popular teve lugar
na escola estadual, no dia 27/10/1989, e contou com a presença de cerca de 1.000 pessoas.
Em ambas as assembléias colocou-se em votação se a população era favorável ou não à
construção da usina, que foi rejeitada por unanimidade.
Chélen Fischer de Lemos 171

ser entendidos como momentos que se esforços de mobilização na consecução


opõem. Para o movimento contra a de mais uma audiência na capital pau-
barragem no Paraná, as Assembléias lista, cuja realização propiciaria maior
Populares foram manifestações da co- visibilidade para o movimento, tornan-
munidade, do desejo de autonomia e da do também mais fácil driblar as ingerên-
vontade popular; enquanto a audiência cias da política local, por meio de uma
pública foi uma articulação política (do discussão mais extensa e democrática 12.
Estado com o capital) para viabilizar a
construção da usina, que deixou de fora Nas audiências públicas para a dis-
a comunidade. cussão do EIA/RIMA da UHE Tijuco Alto
foram implementadas medidas pelo
O MOAB, por outro lado, tinha ex- empreendedor e pelos órgãos ambien-
pectativas em relação à realização das tais que, somadas, limitaram a participa-
audiências públicas, mas lhe faltou ção não da sociedade em geral, mas a
tempo para a mobilização, tanto que participação politicamente organizada.
chegou a solicitar um adiamento da pri- Em primeiro lugar, a SMA/SP negou o
meira e, no caso da segunda, só teve pedido do MOAB de adiamento da au-
conhecimento na véspera de sua rea- diência em Ribeira para que o movi-
lização. Também o MOAB e as entidades mento pudesse organizar os atingidos
da sociedade civil que o apoiavam en- para dela participarem. Em segundo
tendiam que, com a mobilização de lugar, o empreendedor – sendo respon-
outras organizações e de setores da sável pela organização física da au-
sociedade, seria mais fácil conseguir a diência (espaço, som, recepção etc.) –
atenção das autoridades e de pessoas procedeu a uma identificação e seleção
interessadas nos problemas do Vale com dos participantes da audiência pública
capacidade e poder de decisão. A em Ribeira 13 . Em terceiro lugar, os mili-
ampliação da base social e política do tantes do movimento contra a barragem
movimento só poderia ser alcançada, foram impedidos de se pronunciar ade-
contudo, se a discussão pública do em- quadamente e de distribuir folhetos com
preendimento fosse igualmente amplia- sua visão sobre a construção da barra-
da e deslocada de seu espaço original; gem na audiência pública de Cerro Azul.
em outras palavras, se houvesse uma Em quarto lugar, o empreendedor pro-
audiência pública na capital. Assim, o curou manipular a participação deslo-
MOAB e seus aliados concentraram cando pessoas de outros municípios (não

12
As solicitações de audiência pública na Cidade de São Paulo foram protocoladas em julho de
1990, maio de 1993, agosto de 1993, outubro de 1993 e fevereiro de 1994. A mesma
solicitação foi feita por ambientalistas com assento no CONSEMA nas reuniões plenárias de
06/08/1993 e 06/05/1994; e na Reunião Extraordinária do Plenário do CONSEMA que
decidiu sobre a viabilidade do empreendimento em 26/05/1994.
13
Este procedimento foi denunciado à mesa organizadora por um representante das entidades
ambientalistas do CONSEMA e se encontra registrado na ata sumária da audiência.
172 Audiências Públicas, Luta Social e Participação Democrática

diretamente atingidos) para tomarem cesso de licenciamento ambiental. O


parte nas audiências públicas 14 . Final- MOAB e a CMVR atuaram separa-
mente, as pessoas com opiniões contrá- damente, cada um em seu estado, en-
rias ao empreendimento não puderam fraquecendo-se com o isolamento. A
expressar-se livremente, já que a “cla- articulação dessas entidades com outras
que contratada” pelo empreendedor entidades e movimentos sociais não evi-
cobria de vaias qualquer manifestação tou a fragmentação do movimento contra
desfavorável ao projeto. a barragem. O mesmo aconteceu com
os órgãos licenciadores ambientais dos
Além disso, o controle sobre as estados de São Paulo e Paraná, que con-
condições objetivas de realização das duziram suas análises e avaliações sem
audiências – tempo (dia e hora do even- cooperação/coordenação. O resultado foi
to), espaço (local), infra-estrutura (or- que o empreendedor pôde lidar com
ganização e ocupação do espaço, esses agentes sociais e institucionais indi-
transporte, lanches, suporte técnico como vidualmente, negociando caso a caso,
telão, caixas de som etc.) e domínio dos sem confrontar-se com um sujeito cole-
procedimentos do licenciamento ambien- tivo forte, que certamente teria maior ca-
tal através de assessoria técnica – tornou pacidade de pressão se todos os agentes
as audiências públicas, no caso de Tijuco envolvidos estivessem unidos em um úni-
Alto, uma realização do empreendedor. co movimento.
Por esta razão, uma parte da luta em torno
dessas audiências foi consagrada à reivin- O processo de avaliação ambiental
dicação, pelo movimento e pelas entida- da UHE Tijuco Alto também foi bastante
des ambientalistas, da realização de uma conturbado e marcado por manifesta-
audiência pública na capital paulista. A ções e representações de políticos locais
audiência pública na capital poderia e regionais junto aos governos estaduais
passar para o movimento o controle em favor do empreendimento, bem
sobre as condições de sua realização tanto como por tentativas de ampliar o núme-
pela escolha do tempo quanto pela do ro de audiências públicas para a discus-
lugar, o que permitiria uma maior mobi- são do EIA/RIMA e por manifestações
lização e preparo para o confronto com públicas de repúdio ao empreendimento,
o empreendedor durante o evento. no Vale do Ribeira e nas capitais dos esta-
dos, por parte do movimento contra as
O caso de Tijuco Alto também apre- barragens. A despeito disso, a viabilidade
sentou a constituição de um movimento ambiental do empreendimento UHE
social fragmentado, o que garantiu ao Tijuco Alto foi aprovada, e o governo do
empreendedor parte do sucesso no con- Paraná concedeu a Licença Prévia para
trole das condições de realização das a construção, em 11/02/1994, da UHE
audiências públicas, bem como do pro- Tijuco Alto, enquanto o governo de São

14
Segundo depoimentos de militantes do movimento, os políticos locais teriam mobilizado a
população de toda a região para comparecer à audiência pública e se manifestar favoravelmen-
te ao empreendimento. Para isso, teriam oferecido diária e almoço com churrasco e cerveja.
Chélen Fischer de Lemos 173

Paulo, através do Conselho Estadual de tos administrativos para viabilizá-la; exis-


Meio Ambiente (CONSEMA) 15 concedeu tência de uma série de estudos ambientais
a licença com 96 exigências condicio- incompletos; existência de pareceres con-
nantes 16 para a obtenção das licenças traditórios sobre a viabilidade ambiental
subseqüentes em 26/05/1994. do empreendimento; e uma insatisfação
com o resultado das audiências públicas
O movimento contra as barragens realizadas, devido à impossibilidade de
entendia que o EIA/RIMA não havia sido as pessoas e instituições contrárias ao
plenamente discutido em termos de de- empreendimento se manifestarem ade-
tecção e avaliação de impactos a ponto quadamente. Assim, o Ministério Público
de fundamentar uma tomada de decisão foi convocado para intervir no processo
consistente. Tal fato somava-se a uma por meio de ações civis públicas em
série de outros fatores: suspeição de favo- ambos os estados, sustando as licenças
recimento ao empreendedor quando da concedidas e interrompendo o processo
outorga do aproveitamento hidrelétrico de licenciamento, que foi reiniciado
pelo DNAEE, que inverteu procedimen- numa nova esfera: a instância federal.

O caso da UHE Irapé


A Companhia Energética de Minas de viabilidade da UHE Irapé – localizada
Gerais (CEMIG) recebeu do DNAEE a no Vale do Jequitinhonha, Estado de
autorização para proceder aos estudos Minas Gerais 17 – em 1991. O objetivo

15
O CONSEMA é o órgão deliberativo responsável pela discussão e elaboração das normas e
diretrizes da política ambiental do Estado de São Paulo.
16
As exigências condicionantes são obrigações (elaboração de estudos, formulação de proje-
tos, estabelecimento de medidas mitigadoras de impactos ambientais etc.) impostas pelos
órgãos licenciadores ambientais às empresas, cujo cumprimento condiciona a obtenção das
licenças ambientais subseqüentes.
17
Assim como o Vale do Ribeira, o Vale do Jequitinhonha é uma região pobre e cheia de
conflitos fundiários, o que contrasta com a existência de importantes recursos naturais (flo-
restais e subsolo, principalmente). A água, no entanto, é um recurso precioso por se tratar de
uma região sujeita a secas e baixos índices pluviométricos. A população é predominante-
mente rural, e a agricultura é praticada por pequenos produtores no Médio e Alto
Jequitinhonha, com emprego majoritário de mão-de-obra familiar. A pecuária é praticada de
forma extensiva em médias e grandes propriedades no Baixo Jequitinhonha. Essa divisão
reflete a estrutura fundiária polarizada latifúndio/minifúndio e a concentração da terra. O
garimpo de ouro e diamantes permanece até hoje uma atividade econômica importante para
complementar a renda familiar. A migração temporária e permanente, especialmente para
São Paulo e Mato Grosso do Sul, também é uma das particularidades do Vale e expressa as
dificuldades de reprodução social das famílias camponesas. Sendo uma região onde a mo-
radia às margens dos rios constitui o modo de vida tradicional, condição fundamental para a
reprodução social da população rural, a construção de barragens com o resultante desloca-
mento forçado da população pode ter graves conseqüências sociais.
174 Audiências Públicas, Luta Social e Participação Democrática

enunciado da construção, uma usina Realizando sua própria pesquisa


com 360 MW de potência, era a geração (contra-RIMA), os atingidos mostraram
e distribuição de energia para atender profundas falhas no EIA/RIMA da empre-
ao norte de Minas e sul da Bahia. O iní- sa do ponto de vista da caracterização
cio dos estudos para a construção da socioeconômica da região, apontando
barragem e a confirmação da intenção possibilidades e especificidades sociais
da CEMIG de formar um consórcio com (existência de comunidades remanescen-
a iniciativa privada para a execução do tes de quilombos, por exemplo) que não
empreendimento ativaram inúmeros foram consideradas nos estudos oficiais.
agentes sociais na região. De um lado, Assim, no confronto do “RIMA dos atin-
políticos, comerciantes, investidores ca- gidos” com o RIMA oficial de Irapé, os
pitalistas e a imprensa regional se mobi- atingidos esperavam revelar na audiência
lizaram pela construção da barragem. pública as fragilidades deste último, sua
De outro, os trabalhadores rurais que inadequação para analisar a realidade
seriam afetados pela barragem de Irapé socioambiental regional, e, assim, obter
constituíram um movimento forte, orga- sua rejeição pelo Conselho Estadual de
nizado, combativo e articulado intra e Política Ambiental (COPAM) 18 .
extra-regionalmente de oposição à cons-
trução da barragem. A negociação das medidas mitigado-
ras relacionadas aos impactos negativos
Para o enfrentamento com a empre- do empreendimento, que antecedeu à
sa, os atingidos, através da formação da realização das audiências públicas, serviu
Comissão de Atingidos pela Barragem para esclarecer as posições assumidas
de Irapé, procuraram munir-se de infor- pela CEMIG e pela Comissão de Atingi-
mações sobre a região e sobre a constru- dos no processo. Durante todo o tempo,
ção de barragens, contando também a CEMIG procurou afirmar sua disposi-
com a experiência de outros atingidos ção de negociar com os atingidos, en-
dentro e fora do estado. Além disso, as quanto “pressionava” para a imediata
alianças com entidades de assessoria a realização da audiência pública. Apesar
movimentos populares, sindicatos e uni- disso, as propostas de mitigação da
versidades foram igualmente de grande CEMIG continuaram num nível bas-
importância para legitimar e fundamen- tante abstrato, e a negociação ficou cir-
tar as reivindicações e críticas levantadas cunscrita aos limites determinados pela
ao longo do processo de organização, e empresa da “exploração racional dos
expostas principalmente na audiência limites dos Estudos de Viabilidade” 19 .
pública de Acauã.

18
O COPAM foi criado em 1977 como o principal órgão deliberativo e normativo de meio
ambiente do Estado de Minas Gerais.
19
A construção de uma usina hidrelétrica implica a realização de várias etapas de estudos e
projetos. Os estudos de viabilidade determinam se o empreendimento é exeqüível técnica e
economicamente, enquanto os estudos socioambientais (EIA/RIMA), que fundamentam a
Licença Prévia Ambiental, determinam sua viabilidade ambiental.
Chélen Fischer de Lemos 175

As discussões em torno dessas pro- As lutas pelas condições objetivas de


postas acabaram culminando no que a realização das audiências públicas nos
CEMIG definiu como “enfrentamento casos de Irapé e de Tijuco Alto tomaram
público”, embora não se tenham traduzi- rumos bem diferentes. Para o movimen-
do numa indisposição total ao diálogo to de atingidos de Irapé a audiência
pelas partes, mas numa “marcação de pública fazia parte da estratégia de luta
posição”: a CEMIG tentando mostrar-se desde o início. Assim, o movimento so-
aberta à discussão, especialmente para o licitou à FEAM 20 a realização da audiên-
órgão ambiental, enquanto impunha cia numa determinada localidade e
suas condições; a Comissão de Atingidos concentrou-se na preparação para o
procurando evidenciar que a empresa evento. A entrada de outros agentes
estava disposta a conversar, mas não a sociais na disputa pelo espaço (políticos
negociar concretamente, o que criava um regionais, comerciantes e investidores in-
impasse que levou à realização de uma teressados no empreendimento) levou
manifestação pública em Belo Horizonte à convocação de duas audiências: uma,
(em 10/03/1997). Nessa manifestação, solicitada pelos atingidos, a ser realizada
os atingidos mostraram que o discurso em uma das margens do rio (na loca-
da disposição ao diálogo não era sufi- lidade de Acauã, em 22/06/1997), e
ciente, eles queriam algo mais concreto: outra, pelos políticos, a ser realizada na
a negociação, nos seus termos. margem oposta (no Município de Cris-
tália, em 29/06/1997). O movimento
A estratégia da CEMIG de não avan- lutou e conseguiu obter o controle das
çar nas propostas, mas reafirmar sempre condições de realização da audiência
a disposição ao diálogo, acabou funcio- pública de Acauã, não só em termos de
nando. Para a Fundação Estadual de tempo e espaço, pois a audiência rea-
Meio Ambiente - FEAM, somente a dis- lizou-se no dia e local escolhidos pelos
posição da empresa ao diálogo foi evi- atingidos, como também da infra-estru-
denciada, e a Licença Prévia Ambiental tura (organização do espaço, transporte,
para a construção da UHE Irapé foi lanches), cuja responsabilidade finan-
aprovada pelo COPAM em 10 de dezem- ceira era da CEMIG 21 . Dessa forma, a
bro de 1997, com recomendações e con- audiência pública de Acauã tornou-se a
dicionantes estabelecidos pelo órgão “audiência dos atingidos”, ou seja, a que
licenciador. foi solicitada e controlada pelos atingi-

20
Em 1993, a Comissão de Atingidos enviou correspondência à FEAM pedindo informações
sobre o andamento do licenciamento da UHE Irapé e manifestando a pretensão de solicitar
audiência pública para discutir o processo. Como resposta, a FEAM sugeriu a solicitação
imediata da audiência pública pelo movimento, o que foi feito oficialmente em 1995.
21
De acordo com depoimento de técnico da FEAM recolhido durante o trabalho de campo, a
CEMIG contratou serviços de terceiros para a montagem de uma “lona de circo” em Acauã,
para o serviço de lanches e para o transporte dos interessados. A luta da Comissão de
Atingidos foi pelo controle dessa infra-estrutura, organizando os grupos de famílias que
seriam transportadas até a audiência e garantindo que tivessem “todo o conforto” de que
eram merecedores.
176 Audiências Públicas, Luta Social e Participação Democrática

dos. Nela os atingidos expuseram seus sugere, pois, que o ambiente da au-
pontos de vista, fizeram críticas ao em- diência interfere no seu resultado. Embo-
preendimento, reivindicaram seus direitos ra elas não tenham poder deliberativo,
e se mostraram grandes conhecedores podem ser politicamente estratégicas para
dos aspectos socioeconômicos e culturais os agentes sociais no desenvolvimento da
da região. luta.

A segunda audiência pública, reali- O caso de Irapé revelou um proces-


zada em Cristália, foi boicotada pelo so de luta ao longo do qual os atingidos
movimento que lutou contra sua realiza- foram constituindo-se e impondo-se
ção. O movimento argüiu que havia pe- como sujeitos políticos, sendo reconheci-
dido a audiência num local específico, dos pela empresa e pelo órgão ambien-
em torno do qual concentrou todos os tal. A unidade de ação, a articulação com
esforços de mobilização, e que, portanto, outros sujeitos (políticos, sociais, institu-
não havia razão para uma audiência em cionais) e a elaboração de um discurso
outro lugar. Além disso, seria uma forma autônomo e consistente em conteúdo
de esvaziar a audiência dos atingidos e crítico, permitiram que o movimento de
fornecer um palanque para os políticos atingidos disputasse com a CEMIG – em
locais. termos quase equivalentes – as condições
de realização do processo de licenciamen-
Esse processo de disputa das condi- to ambiental do empreendimento e das
ções de realização das audiências públicas audiências públicas, em particular.

O papel das audiências públicas nos processos de


licenciamento ambiental

Do ponto de vista da legislação ambien- Conforme foi apresentado, na pers-


tal, as audiências públicas são o principal pectiva legal/institucional as audiências
momento de concretização do discurso públicas atendem principalmente a três
participativo da sociedade nas questões objetivos:
ambientais: a participação da sociedade
se esgota nesse mecanismo. A sociedade
aparece na legislação como “meio am- l informação à sociedade sobre os
biente impactado” (Vainer, 1993) e aspectos mais importantes do projeto
como participante das audiências públi- em questão;
cas. Tal centralidade – que designa às au-
diências públicas um papel, de certa l recolhimento de críticas e sugestões
forma, superestimado – gera uma série acerca do projeto para subsidiar a
de expectativas nos agentes sociais e ins- tomada de decisão sobre o licencia-
titucionais envolvidos. mento; e
Chélen Fischer de Lemos 177

l efetiva participação da sociedade no lidar com a burocracia e para ter acesso


processo de licenciamento ambien- ao RIMA e demais documentos neces-
tal dos empreendimentos. sários à compreensão das implicações
do empreendimento. Além disso, o fato
Aceitando provisoriamente a idéia de de o empreendimento estar sendo licen-
que as audiências públicas concretizam a ciado por dois órgãos ambientais com
participação da sociedade no processo normas e procedimentos próprios – o
de licenciamento ambiental dos em- que dificultou o entendimento do pro-
preendimentos, pode-se dizer que essa cesso como um todo – contribuiu para
participação depende, em larga medida, que os participantes das audiências pú-
do grau de informação da população blicas, em ambos os estados, não com-
sobre o projeto e de sua real capacidade parecessem ao evento ou fossem para
de formular críticas e sugestões. lá despreparados, desorganizados e
desinformados sobre sua natureza e im-
Pela natureza e complexidade dos portância. Assim, para cumprir os obje-
processos que envolvem a construção tivos legais de informar a população e
de uma barragem hidrelétrica, uma úni- recolher sugestões sobre o projeto, as
ca audiência pública não é capaz de es- audiências públicas realizadas deveriam
clarecer todas as dúvidas e fornecer pelo menos ter-se complementado.
todos os dados para que a população
possa conhecer e “sugerir” mudanças no Considerando a UHE Tijuco Alto
projeto. Para cumprir o objetivo de in- um empreendimento com possibilidade
formar efetivamente a sociedade local, de gerar impactos regionais e Ribeira e
seriam necessárias a realização de um Cerro Azul municípios relativamente
esforço de mobilização da população próximos, os órgãos ambientais de São
para a audiência e/ ou a realização de Paulo e Paraná poderiam ter coordena-
várias audiências. Por outro lado, para do os eventos de modo que a audiência
cumprir o objetivo de recolher críticas e ocorrida em Ribeira realmente fosse
sugestões, o pressuposto é o conheci- complementada pela de Cerro Azul. Para
mento prévio aprofundado por parte da isso, bastaria uma integração dos pro-
sociedade, o que significa pleno acesso cessos de licenciamento verificados
às informações e documentos produzi- nesses estados. A ausência de comple-
dos pela empresa, bem como o conhe- mentaridade entre as audiências realiza-
cimento do processo de licenciamento. das mostrou, no entanto, uma aplicação
Os casos estudados fornecem evidên- puramente burocrática dos mecanismos
cias de que esses dois objetivos (infor- institucionais de participação e do pró-
mar/recolher críticas e sugestões) são prio licenciamento. Essa questão ficou
difíceis de alcançar, chegando a ser con- bastante evidente quando todos os pedi-
traditórios. dos do movimento contra a barragem
e de entidades ambientalistas para a rea-
No caso de Tijuco Alto, os atingidos lização de mais uma audiência pública
enfrentaram grandes obstáculos para em São Paulo foram rejeitados porque
178 Audiências Públicas, Luta Social e Participação Democrática

“vigorava a norma de que as audiên- empresa / atingidos foi importante até


cias públicas fossem sempre realizadas mesmo para que estes últimos chegas-
no município ou área de influência” sem à audiência pública com um alto
(MEMO.AI.020/94 de 19/06/1994, nível de informação sobre o processo e
grifo no original, Processo SMA/SP nº pudessem formular claramente suas rei-
0531/89) e as exigências legais já vindicações e fundamentar suas críticas.
haviam sido cumpridas. Não foi con- A posição assumida pela FEAM de “fran-
siderado que, para a sociedade, as quear” as informações, incentivando o
“exigências sociais” não haviam sido debate entre os atingidos e a empresa
cumpridas e que a norma, embora não em vez de limitar-se ao conhecimento
recomendasse a realização de uma técnico, foi de grande importância na
nova audiência na capital, também não fase de preparação para as audiências
a impedia. públicas. Esse nível de informação, no
entanto, foi resultante da organização
Assim, pode-se concluir que a norma dos atingidos, que conquistaram junto
criada para garantir a efetiva participação ao órgão ambiental o reconhecimento
da sociedade também atua como ele- do seu papel como sujeito no processo
mento limitador, posto que seu cumpri- de licenciamento. A comparação entre
mento estrito (de forma burocrática) os dois casos mostra que, embora seja
impede a ampliação do debate. Por outro legítimo o pleito por informações, o
lado, uma visão mais ampla do processo apoio e a anuência dos órgãos ambien-
de licenciamento ambiental e da aplica- tais facilita o acesso não só dos atingidos,
ção dos seus instrumentos, permite um mas de todos os interessados, auxilian-
melhor aproveitamento da participação do-os na preparação para uma “partici-
da sociedade local, à medida que obser- pação mais propositiva” nas audiências
vações, reivindicações e experiências são públicas, caso esse tipo de participação
incorporadas ao processo desde o início seja desejável pelos agentes envolvidos.
das discussões.
Do ponto de vista dos empreende-
No caso de Irapé, a FEAM usou dores, a participação da sociedade no
observações dos atingidos e das enti- processo de licenciamento ambiental é
dades de apoio ao movimento para vista como uma possibilidade e uma
formular seus pareceres e solicitar in- oportunidade de legitimar o empreen-
formações complementares aos estudos dimento ante a opinião pública. A
ambientais apresentados pela CEMIG. participação dos interessados no em-
Tal fato é importante, pois representa preendimento nas audiências públicas
um avanço em relação à aplicação reforça a credibilidade do processo de
estrita da norma no licenciamento am- licenciamento ambiental, bem como do
biental, pela tentativa de incorporar empreendimento e da própria empresa.
alguns aspectos do ponto de vista dos Todos os recursos são empregados para
atingidos no desenvolvimento dos estu- transformar a participação da sociedade
dos. A triangulação órgão ambiental / num meio de viabilizar o empreendi-
Chélen Fischer de Lemos 179

mento, tal como foi originalmente con- as condições impostas ao empreende-


cebido. As alternativas são apresentadas dor – obrigatoriedade da compra das
de acordo com a concepção técnica e terras e reassentamento das famílias
política original dos empreendimentos. deslocadas compulsoriamente dois anos
Assim, uma vez solicitadas as audiências antes do enchimento do reservatório –
públicas, elas poderão assumir seu são atribuídas à pressão dos atingidos e
“papel legitimador”, pois os empreende- têm uma relação direta com seu desem-
dores criarão condições para que isso penho nas audiências públicas reali-
ocorra, desenvolvendo uma série de es- zadas.
tratégias e mecanismos para controlar a
participação da sociedade. As audiências também podem
estabelecer patamares futuros de nego-
Para os empreendedores, o resulta- ciação, pela “publicização” de posiciona-
do das audiências públicas, tenham elas mentos e compromissos, mesmo que
alcançado ou não os objetivos propostos verbais, pelo empreendedor e pelo poder
pela legislação, é sempre o mesmo: a público. Além disso, as audiências públicas
discussão pública do projeto é conside- representam o fórum em que os movi-
rada resolvida, mesmo que a sociedade mentos contra as barragens e a popula-
continue reclamando mais informações ção em geral podem ser ouvidos tanto
e opondo-se ao empreendimento. A pelo empreendedor quanto pelo poder
simples realização das audiências públi- público representado pelo órgão am-
cas é suficiente para que os empreen- biental. Assim, as audiências são propícias
dedores considerem o debate com a para a sistematização e consolidação de
sociedade encerrado. reivindicações e para a realização de de-
núncias públicas. O problema fundamen-
Do ponto de vista dos atingidos, as tal para os movimentos consiste em
audiências públicas não são o foco cen- garantir que sua “fala” não seja apenas
tral da luta, mas representam um mo- ouvida, mas também considerada na
mento importante no processo, pois tomada de decisão. O que está em jogo
oferecem uma oportunidade para os nesse processo de luta – e nas audiências
movimentos ampliarem suas bases, atra- públicas em particular – é a capacidade
vés da mobilização da população, e aper- de cada agente influir na tomada de
feiçoarem suas formas de organização. decisão. Nesse sentido, a elaboração do
contra-RIMA pelos atingidos de Irapé
Mesmo não tendo poder decisório, teve um papel central, pois forneceu os
o resultado das audiências públicas pode elementos necessários à formulação de
influenciar a tomada de decisão dos téc- um discurso próprio, articulado e funda-
nicos que analisam o processo de li- mentado, capaz de contrapor-se ao dis-
cenciamento (EIA/RIMA) quanto ao curso oficial.
estabelecimento dos “condicionantes”
para a concessão ao empreendedor das Mesmo que o confronto nas audiên-
licenças subseqüentes. No caso de Irapé, cias não represente um momento deci-
180 Audiências Públicas, Luta Social e Participação Democrática

sivo no conflito, há uma disputa crucial em que as audiências públicas se reali-


em torno de quem detém a legitimidade zam constituem um enjeu real do con-
sobre o evento e sobre o seu processo fronto no terreno, no qual se desenham
de realização. Como o embate se dá as estratégias a serem adotadas pelos
numa ocasião definida – é um confronto agentes sociais.
com dia, hora e local marcados – o do-
mínio do espaço torna-se um elemento A estratégia empresarial percebida
real de controle, um objeto específico nos dois casos apresentados foi a de
de disputa. Dependendo de como, consolidar alianças com outros empre-
onde e quando as audiências públicas sários e políticos, especialmente para o
se realizam, são configuradas relações processo de execução do projeto, e de
de força diferenciadas que podem in- despolitizar as audiências com o uso do
fluenciar os rumos da luta. Embora nos discurso técnico-científico 22. A estratégia
casos apresentados um movimento dos movimentos contra as barragens,
tenha concentrado os esforços de mobi- por outro lado, foi a de politizar as au-
lização numa única audiência (Irapé) e diências ao máximo, a fim de ampliar a
o outro tenha tentado multiplicar os base de discussão e acirrar o confronto
eventos (Tijuco Alto), a seqüência dos através da participação politicamente
fatos demonstra que o tempo e o espaço organizada.

Conclusão
Pelas evidências apresentadas pode-se tantâneo” do conflito. As audiências pú-
dizer, portanto, que as audiências públi- blicas podem ser ainda espaços de rei-
cas possuem muitos significados e de- vindicações e afirmação de identidades
sempenham muitos papéis nos conflitos sociopolíticas (como no caso de Irapé)
relacionados aos empreendimentos ou espaços de controle das manifesta-
hidrelétricos. Ao longo do processo de ções públicas (como no caso de Tijuco
licenciamento ambiental, elas represen- Alto).
tam simultaneamente momentos do
processo de constituição de um campo Por outro lado, o resultado das au-
de lutas, momentos da própria luta, ob- diências dependerá diretamente do
jetos específicos de disputa e momentos modo como – no desenvolvimento da
de manifestação de posições cristalizadas luta – cada agente social ou institucio-
ou, em outras palavras, um retrato “ins- nal age, de acordo com os significados

22
Conforme demonstra Fabiani (1989), a “tecnificação” e a “cientifização” da política estão
relacionadas a um processo de despolitização e neutralização da dinâmica das lutas sociais,
a fim de produzir um esvaziamento do espaço político de sua conflitualidade, por meio da
redução dos problemas a uma solução técnica baseada na verdade científica.
Chélen Fischer de Lemos 181

e expectativas que atribui às audiências os agentes sociais podem ser identifica-


públicas. Em outras palavras, o resulta- das como parte essencial dos conflitos
do das audiências públicas está relacio- em torno da construção dessas barra-
nado à capacidade de cada agente de gens e como elemento fundamental
formular um discurso afirmativo, coe- para a compreensão desses conflitos.
rente e persuasivo sobre sua visão do Dessa forma, pode-se concluir que as
empreendimento; de fazer alianças e audiências públicas são elementos fun-
coesionar forças políticas; de utilizar ins- damentais para a compreensão dos con-
trumentos de pressão; de enfrentar os flitos ambientais em torno da construção
adversários em condições equivalentes de barragens, bem como do campo
etc. São as condições objetivas da pró- ambiental no qual estão inseridas.
pria luta que vão favorecer o controle e
a submissão dos agentes sociais ou o Retornando ao terceiro dos objetivos
surgimento e a expressão de novas sub- das audiências públicas propostos pela
jetividades no processo de realização de legislação, ou seja, efetiva participação da
audiências públicas. 23 sociedade no processo de licenciamento
ambiental dos empreendimentos, pode-
Como não possuem estrutura deli- se dizer que a existência de instrumentos
berativa, não constituindo pois um es- legais e institucionais potencialmente
paço decisório, as audiências públicas avançados não é suficiente para criar o
conformam espaços de lutas específicas ambiente favorável a tal participação. O
pelo domínio das condições simbólicas espaço da participação da sociedade não
e materiais de realização da participação está garantido pela existência desses
oficial e da legitimação dessa participa- mecanismos; ele é conquistado na luta
ção no processo de licenciamento social. É no embate político que se de-
ambiental. Assim, as audiências públicas finem a extensão, a qualidade e os mo-
são um subespaço social do campo am- mentos de participação, de acordo com
biental em que se desenvolvem os con- a capacidade dos diferentes agentes so-
flitos relacionados aos empreendimentos ciais em conflito de impor sua visão no
efetiva ou potencialmente causadores processo de luta, de fazer alianças e de
de degradação do meio ambiente. Tanto conquistar mais ou menos espaço de
no caso da UHE Tijuco Alto, como no atuação.
caso da UHE Irapé, tais disputas entre

23
Gismondi e Richardson (1994) contrapõem-se à idéia (baseada em Foucault) de que os
mecanismos institucionais, como as audiências públicas, viabilizam o controle e a submissão
das consciências pelo Estado, servindo como meio de controlar o debate público e a subor-
dinação dos descontentamentos populares. Para esses autores, a elaboração e formulação
de um discurso próprio – através da expressão de compreensões e argumentos alternativos
que questionam maneiras preestabelecidas de falar e pensar – pela população nas audiências
públicas ambientais pode alterar o curso das próprias audiências, uma vez que o discurso
oficial e dominante pode ser desmistificado e sua autoridade social questionada. O espaço
para o surgimento de novas formas de subjetividade ocorre no processo de recusa à adesão
ao discurso oficial e na afirmação da diferença na formulação do discurso próprio.
182 Audiências Públicas, Luta Social e Participação Democrática

Para os atingidos, a participação nos barragens propriamente ditos.


processos de decisão sobre a interven-
ção no território torna-se, portanto, Do ponto de vista da luta social as
mais um objeto de luta nos conflitos audiências públicas não têm uma cen-
ambientais relacionados aos empreendi- tralidade no conflito. A luta social vai
mentos hidrelétricos; não a participação muito além das audiências públicas,
passiva e controlada pelas empresas de construindo momentos e formas de par-
energia, mas a participação combativa ticipação nos quais são abertos outros
capaz de incluir os atingidos nos proces- canais de manifestação pública dos
sos decisórios como sujeitos políticos agentes sociais em conflito. As audiências
autônomos. Nos casos apresentados, a públicas constituem, portanto, uma das
participação – e, especialmente, a luta dimensões de um processo de luta social
pela participação – esteve intrinsecamen- mais extenso e complexo. Apesar disso,
te ligada ao controle das condições a análise do processo das audiências pú-
objetivas de realização dessa participa- blicas torna possível a realização de uma
ção pelos atingidos ou pelos empreen- reflexão aprofundada dos conflitos em
dedores nas audiências públicas, em que estão inseridas, pela reconstituição
todas as fases do processo de licencia- da dinâmica dos eventos que os inte-
mento e nos processos de luta contra as gr am .
Chélen Fischer de Lemos 183

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Novo Ciclo de Investimentos
da Indústria Automobilística no
Brasil e seus Desdobramentos
Regionais *
Wilhelm E. Milward A. Meiners

Introdução

A indústria automobilística durante todo Também o automóvel é importante por


este século conformou o padrão indus- movimentar um setor com grande poder
trial dominante, seja por sua influência de geração de renda e empregos.
decisiva na organização industrial, na
gestão do processo produtivo, na defi- “ Nos Estados Unidos, a indústria au-
nição de um novo modo de vida, seja tomobilística responde por 5% do
por sua capacidade de determinar a es- PNB e 17% do emprego industrial.
trutura produtiva e a dinâmica de de- Na Comunidade Européia, 10% do
senvolvimento de um país ou de uma emprego industrial relaciona-se com
região. a produção de veículos – na Alema-
nha, um em cada seis empregos
O automóvel é um produto comple- depende desta indústria. O México,
xo tanto pelas razões e pelos valores que hoje, tem 9% de sua produção de
o tornam desejável e útil, como pela ca- manufaturados e 10% do emprego
pacidade de incorporar subprodutos e em atividades relacionadas com a
sistemas articulados que demandam fabricação de veículos. No Brasil,
ramos e cadeias produtivas próprias. onde a indústria automobilística tem

* Texto baseado no capítulo 3 da Dissertação de Mestrado do autor: Implantação da indústria


automobilística e novos contornos da região de Curitiba. CMDE/UFPR, 1999.

Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XIII, No 1, 1999, p. 185-213


186 Novo Ciclo de Investimentos da Indústria Automobilística no Brasil

participação apenas modesta na laminados planos e produtos de aço.


produção de manufaturados, 6% do São igualmente grandes suas liga-
total (nota: dado do início dos anos ções com marketing, manutenção e
90), e no emprego industrial, 3% reparos, combustíveis e lubrificantes,
do total, ela tem um papel vital no seguros, transportes marítimos e
desenvolvimento do país por causa acessórios.” 1
da substancial ligação com outras ati-
vidades. Por exemplo, ela absorve Em termos gerais, podemos visuali-
76% das ligas de alumínio produ- zar o complexo automobilístico por sua
zidas no país, 43% das ligas de zinco, cadeia de relações interempresariais, da
36% de ferro fundido e 18% dos seguinte forma (Quadro 1):

Quadro 1 - Complexo automobilístico


Matérias-Primas e Insumos Distribuidores e Concessionárias
Componentes e Autopeças Financiamento e Crédito
Módulos e Sistemas Montadoras Combustível e Lubrificantes
Máquinas e Equipamentos Industriais Infra-estrutura deTransporte
Serviços Auxiliares à Produção Reparação, Manutenção e Reciclagem

À esquerda observamos a cadeia “puxadas” pela montadora e referenda-


produtiva industrial e de serviços auxi- das pelo sistema produtivo e tecnológico
liares “puxada” pela montagem de veí- existente. Nesse sentido, a disputa pela
culos, e à direita, a cadeia de produtos localização das montadoras traz a pers-
e serviços ligada à compra e ao uso do pectiva de que ocorra uma série de efei-
automóvel. As montadoras são o elo tos derivados, como a implantação de
entre as duas cadeias. A implantação de novos ramos industriais ligados ao com-
um complexo automobilístico em uma plexo automotivo e o desenvolvimento
região representa, de alguma forma, o de outras indústrias e negócios, am-
transplante e a possibilidade de desen- pliando os níveis de emprego e renda.
volvimento dessas atividades industriais

Indústria automobilística brasileira até meados


dos anos 90
A indústria automobilística, pela segun- ções no processo industrial são mais ra-
da vez neste século, altera seu modo de dicais, principalmente quando o foco
produzir e fazer negócios. Enquanto as são as mudanças de paradigma produ-
inovações no produto automóvel são, tivo que a indústria automobilística vi-
em sua maioria, incrementais, as inova- venciou neste século: o artesanato, a

1
O’Brien, P. e Karmokoliar, Y. (1994, p. 1).
Wilhelm E. Milward A. Meiners 187

manufatura fordista e a produção en- Com base nesse discurso, o governo


xuta. Não cabe, no propósito deste en- brasileiro formou, a partir do final dos
saio, uma reflexão pormenorizada sobre anos 50, uma aliança trilateral de desen-
os três paradigmas, mas é importante volvimento com uma das bases fincadas
uma abordagem acerca das mudanças no setor automotivo. À indústria monta-
do fordismo para a produção enxuta dora estrangeira são concedidos bene-
quanto à construção de um complexo fícios (cambiais, fiscais, financeiros e
automobilístico regional. tarifários) para implantar suas operações
em um país de mercado nascente e de
A montadora fordista possuía ver- industrialização tardia. Por sua vez, as
tentes claras em direção à integração montadoras, dada a exigência de nacio-
vertical, à produção em massa, intensiva nalização dos componentes, auxiliarão
em mão-de-obra de baixa qualificação, a incipiente indústria de autopeças por
a hierarquias departamentalizadas, a meio de contratos de suprimento (rom-
produtos estandardizados por segmentos pendo a tendência in house e implan-
e componentes uniformizados, à linha tando o suprimento horizontal de peça)
de produção rígida, a relações igualmen- e da transferência de tecnologias 3 ; o
te rígidas entre fornecedores e clientes governo aportará recursos, através de
e a suprimento de peças, entre outros. linhas especiais de financiamento, para
as montadoras e fornecedores de auto-
Na implantação dessa montadora peças, além de planos especiais de cré-
de produção em massa no Brasil, no dito ao consumidor, da implantação de
final dos anos 50, havia a clara consciên- importantes segmentos de base para
cia da mudança estrutural e empresarial suprimento de matérias-primas (minera-
que seria inaugurada a partir de seus doras, siderurgias, metalurgia, refino de
efeitos induzidos. “A indústria de veículos petróleo, petroquímica) e de infra-estru-
automotores, onde quer que se implan- tura (sistemas rodoviários, urbanização
te, sempre ensejou um surto de pros- de vias etc.).
peridade, por assim dizer, ilimitado.
Indústria de integração por excelência, Se por um lado logrou a implanta-
seus efeitos suplantam os de qualquer ção do complexo automotivo no país,
outro setor.” 2 por outro, ele esteve praticamente restrito

2
Presidência da República (1959) citado por Shapiro (1997).
3
“A legislação sobre o índice de nacionalização pretendia induzir as montadoras a produzirem
somente os componentes principais (como os motores e as estampagens de grandes peças)
e a contratarem junto a fornecedores as peças restantes. Graças à política protecionista,
veículos e peças tiveram que ser produzidos no país, sendo proibida sua importação. Conse-
qüentemente, procurando respeitar o índice de nacionalização, as montadoras foram levadas
a ensinar aos fornecedores conceitos de organização industrial; a oferecer contratos de longo
prazo e, com freqüência, acordos de exclusividade no fornecimento; a emprestar equipamentos
e recursos; a facilitar o contato com fornecedores estrangeiros; e a auxiliar na obtenção de
concessões e outros acordos de assistência técnica, que propiciariam aos brasileiros o acesso
à tecnologia e aos princípios modernos de produção.” Addis, C. (1997, p. 137).
188 Novo Ciclo de Investimentos da Indústria Automobilística no Brasil

a uma única região, o ABC paulista. Foi especiais; a recuperação do crescimento


somente a partir de meados dos anos 70, com estabilidade das economias brasi-
com um novo surto de investimentos leira e argentina, fazendo-as ressurgir de
automotivos, que a política de descen- uma crise que havia abalado o conti-
tralização do Governo Federal, acom- nente latino-americano por mais de dez
panhada de intensa política de atração anos; e os acordos firmados no âmbito
de investimentos manifestada por alguns da Câmara Automotiva que conduziram
estados, que o complexo automobilístico a algumas políticas setoriais e que acaba-
iniciou seu espraiamento em direção a ram por definir o Regime Automotivo
novos centros produtivos, em um movi- Brasileiro e as políticas de expansão das
mento de “desconcentração-concen- vendas, como isenção do IPI e benefí-
trada” para o Vale do Paraíba (São José cios aos carros populares (Acordos Auto-
dos Campos - GM; e Taubaté - VW e motivos de mar/92 e fev/93 e o Decreto
Ford), Minas Gerais (Belo Horizonte - 799 de mar/93), favorecendo a moder-
Fiat), Paraná (Curitiba - Volvo e New nização das linhas de montagem e, tem-
Holland) e Rio Grande do Sul (Caxias porariamente, a manutenção do nível
do Sul - Agrale; Horizontina - SLC; e de emprego.
Canoas - Agco). Foram configurados
novos eixos para o surgimento de com- Como conseqüência dessas medidas,
plexos automotivos regionais; porém, em a venda de veículos saltou das medíocres
decorrência da retração do mercado 960 mil unidades produzidas em 1991
interno na década de 80, os projetos de para 1 milhão e 581 mil unidades, em
expansão, modernização e relocalização 1994 (crescimento de 65%). O fatura-
de autopeças foram prejudicados, ocor- mento com a venda de veículos evoluiu
rendo um “congelamento” da situação de US$13,46 bilhões, em 1991, para
desde finais dos anos 70. US$ 23,54 bilhões, em 1994 (crescimen-
to de 75%). Nesse ano, a venda de carros
A indústria automobilística inicia populares atingiu 447.900 unidades,
uma nova fase de crescimento na econo- representando 45,9% do total da venda
mia brasileira a partir do início dos anos de automóveis. O setor de autopeças
90, resultado dos seguintes fatores de- saiu do pior resultado obtido na década
cisivos: a abertura econômica, que au- de 90, US$ 9,85 bilhões de faturamento
mentou sua exposição à concorrência em 1991, para atingir US$ 14,38 bilhões
internacional, indicando uma trajetória em 1994 (crescimento de 46%). A parti-
de reestruturação em direção à “produ- cipação da indústria automobilística no
ção enxuta”; a necessidade financeira PIB industrial brasileiro aumentou de
das montadoras de recuperar sua renta- 8,5% em 1991 para 13,5% em 1994,
bilidade na atividade principal; a confor- recuperando sua posição de destaque no
mação do Mercosul, ampliando a área crescimento da economia brasileira no
de mercado para as montadoras pre- período. A média mensal de recolhimento
sentes na região, bem como gerando a do ICMS no setor saltou de US$ 46
necessidade de regimes automotivos milhões em dezembro de 1992 para
Wilhelm E. Milward A. Meiners 189

93,7 milhões no final de 1994 (pouco tinados à renovação dos modelos e mo-
mais de 100%). A arrecadação de impos- dernização dos equipamentos, com
tos federais no setor cresceu de uma vistas à produção de modelos básicos
média de US$ 126 milhões no primeiro que, pelo volume produzido, assumi-
trimestre de 1992 para US$ 306 milhões riam escalas econômicas viáveis.
no último trimestre de 1994 (uma ex-
pansão de 243%) 4. A integração com o Mercosul e a
abertura comercial da economia são
Porém, mesmo com resultado tão fatores importantes para explicar os mo-
favorável, os investimentos nas monta- vimentos da indústria automobilística em
doras permaneceram em um patamar meados da década, principalmente pela
de US$ 1,1 a 1,2 bilhão entre 91 e 94, imposição de uma maior penetração do
e os empregos foram reduzidos de 109 veículo importado e pela prática de regi-
mil em 91 para 107 mil em 94, e para mes automotivos.
menos de 100 mil em 1998. Na indústria
de autopeças os investimentos também No Mercosul, o regime automotivo
permaneceram estáveis no período, em da Argentina entrou em vigor já em
torno de US$ 800 milhões; todavia, a 1992, com prazo de validade até 1999.
queda do emprego foi ainda mais acen- O setor automobilístico é realçado por
tuada: de 255,6 mil empregos em 1991, sua participação no PIB, seus efeitos mul-
o setor passou a empregar 236,6 mil tiplicadores sobre outros setores, seus
em 1994, 192,7 mil em 1996 e cerca impactos nos níveis de renda e emprego
de 185 mil no final de 1998. e, principalmente, por sua influência no
equilíbrio da balança de pagamentos,
Ainda era cedo demais para a in- num momento de esforço para a estabi-
dústria apostar num crescimento sus- lização dos preços e do câmbio. 5
tentado, mesmo porque possuía uma
relativa margem de ociosidade acumu- De acordo com Vigevani e Veiga 6,
lada nos anos 80, podendo expandir a os principais efeitos desencadeados pelo
produção sem investir em novas plantas. regime automotivo argentino foram
Os investimentos no período foram des- uma maior flexibilidade para as monta-

4
Esses dados comprovam que, apesar da diminuição nas alíquotas, não ocorreu nenhuma
“renúncia fiscal” efetiva no setor; ao contrário, proporcionalmente a arrecadação subiu mais
do que as vendas e o faturamento do setor.
5
As principais medidas firmadas entre o governo argentino, empresas montadoras, autopeças
e trabalhadores foram a ampliação de 40% (automóveis) e de 42% (comerciais leves) no
conteúdo importado dos veículos (com a modernização das plataformas e dos modelos e
com o alto grau de global sourcing para as montadoras) e o regime de importação das
montadoras baseado no intercâmbio comercial compensado (para cada dólar exportado a
empresa pode importar igual valor), com a concessão de uma alíquota de 2% na importação
de veículos e partes.
6
Vigevani, T. e Veiga, J. P. C. (1997).
190 Novo Ciclo de Investimentos da Indústria Automobilística no Brasil

doras comporem e atualizarem seu mix essa redução, as importações de auto-


e definirem sua escala produtiva, a partir móveis variavam somente de 2,9% de
de uma estratégia de especialização/ participação nas vendas totais do merca-
complementação comercial e produtiva do interno em 1991 (23,2 mil unidades)
global/regional, da atração de investi- a 7,0% em 1993 (79,9 mil unidades).
mento de montadoras e autopeças, da As importações de autoveículos repre-
reestruturação e internacionalização do sentavam, de acordo com dados da
segmento de autopeças (fusões e aqui- SECEX, apenas US$ 5 milhões em
sições entre grupos locais e empresas 1989 (revelando o grau de fechamento
estrangeiras) e da percepção comparti- do setor), chegaram a US$ 196 milhões
lhada da necessidade da retomada do em 1991 e a US$ 879 milhões em
crescimento juntamente com a reestru- 1993. O setor de autopeças também
turação produtiva e tecnológica do observou uma “degravação” tarifária,
setor. chegando em julho de 1993 com uma
alíquota de 17,9%. Em 1989 a impor-
No Brasil, a modernização da indús- tação de autopeças era de US$ 783 mi-
tria automobilística foi cadenciada pelo lhões, passando para US$ 933 milhões
processo de abertura comercial, iniciado em 1991 e atingindo US$ 1,559 bilhão
de forma gradativa a partir do governo em 1993.
Collor, com reduções de alíquotas nego-
ciadas no âmbito do Mercosul. Como a É importante salientar que a tarifa
Argentina possuía um regime comercial nominal de 35% alcançada em julho de
mais aberto e o Brasil, mais fechado, a 1993 ainda era a alíquota de importa-
convergência para uma Tarifa Externa ção mais elevada em relação a todos os
Comum (20% para automóveis) impu- produtos importados pelo país (nessa
nha uma redução das alíquotas pratica- época a mediana das tarifas de impor-
das nas importações brasileiras. tação era 12,8%). E, ainda assim, ao se
considerar a alíquota efetiva7 , indicador
Em maio de 1990 o país mantinha mais apropriado para medir os incenti-
uma alíquota nominal de 85% para o vos de proteção à produção doméstica,
setor automotivo. Nesse período iniciou- ela atingia 129,8%.
se um programa de “degravação” tarifá-
ria que previa para o setor uma alíquota No período de março a dezembro
de 60% em fevereiro de 1991, de 50% de 1994, durante a fase de transição e
em fevereiro de 1992, de 40% em ou- nos primeiros meses de implantação do
tubro de 1992 e, na última etapa, em Plano Real, a tarifa aduaneira foi in-
julho de 1993, de 35%. Mesmo com tensamente utilizada como mecanismo

7
De acordo com Honório Kume, “Tarifa Efetiva: aumento percentual no valor adicionado
doméstico proporcionado pela estrutura de proteção (tarifária e não tarifária) relativamente
ao valor adicionado obtido em situação de livre-comércio. Considera tanto a tarifa aplicada
sobre o produto importado como as tarifas incidentes sobre seus insumos, quando o produto
é produzido domesticamente.” (Kume, H., 1996, p. 23).
Wilhelm E. Milward A. Meiners 191

para disciplinar os preços domésticos via de capital externo, tiveram que promo-
aumento da competição externa. Com ver um ajuste em suas importações.
esse propósito, a liberação das importa- Havia, seguindo a tendência do segun-
ções atingiu o ápice em setembro de do semestre de 1994, uma expectativa
1994 (durante a gestão do Ministro da de elevados déficits em conta corrente,
Fazenda Ciro Gomes), em decorrência que só poderiam ser financiados com a
da conjugação de três fatores: sobreva- entrada de capital de curto prazo. Com
lorização do real provocada pela entra- o objetivo de corrigir a grave distorção
da de capitais e permitida pelo Bacen; nas importações, bem como de atender
antecipação, a partir do Encontro de às demandas de maior proteção setorial,
Cúpula do Mercosul, em Ouro Preto, o Governo Federal editou uma série de
de três meses na data de entrada em medidas, entre elas elevação nos juros
vigor da Tarifa Externa Comum - TEC internos, a fim de atrair capitais externos
(medida que deveria ocorrer somente para recuperar o nível de reservas inter-
com a União Aduaneira, em janeiro de nacionais e cobrir o déficit em conta cor-
1995); e as reduções tarifárias provo- rente; adoção de bandas cambiais, com
cadas para pressionar os preços domés- o objetivo de flexibilizar o câmbio dentro
ticos. As importações, além de mais de limites aceitáveis para a estabilização;
acessíveis, também aumentaram em revisão de alguns subsídios fiscais seto-
decorrência da excepcional elevação da riais, entre eles a suspensão da alíquota
demanda agregada, comum às fases simbólica de 0,1% do IPI dos carros
iniciais dos planos de estabilização. As populares, que voltou ao patamar de
importações saíram de um patamar 8%; e promoção de uma série de restri-
mensal de US$ 2,6 bilhões em junho ções tarifárias, visando atingir os itens
de 1994 para US$ 4,2 bilhões em de- responsáveis pelas altas taxas de cresci-
zembro de 1994. No setor automotivo, mento das importações, particularmente
as importações de autoveículos mais com a ampliação das tarifas de veículos
que dobraram, saltando para US$ 1,84 e a alteração de sua convergência à TEC.
bilhão em 1994 – 193,3 mil veículos,
cerca de 13,8% do mercado interno 8. No final desse ano, foi estabelecido
Em 1995 as importações de autoveícu- o Regime Automotivo Brasileiro, a partir
los atingiram o recorde de US$ 3,863 das seguintes disposições legais: 1) Decre-
bilhões em 1995 – com 411,6 mil uni- to 1.761 (26/12/95), que determina o
dades e 23,2% do mercado interno. sistema de incentivos ao complexo
automotivo (com essa medida o Governo
No final de 1995, com a eclosão da institui o Regime Automotivo Brasileiro,
crise mexicana, as economias latino- estabelecendo algumas regras para a
americanas, que sustentavam crescentes importação de veículos pelas montadoras
déficits comerciais com o grande fluxo instaladas, bem como enquadrando as

8
Em face das exportações de autoveículos, de US$ 1,41 bilhão, foi gerado um déficit de US$ 430
milhões, inédito no item autoveículos desde a implantação do setor, no final dos anos 50.
192 Novo Ciclo de Investimentos da Indústria Automobilística no Brasil

newcomers e os investidores do setor em 4) Medida Provisória 1532/96, que esti-


um conjunto de regras comuns; tem pula Regime Especial para montadoras
como objetivos incentivar os investi- que se instalarem nas regiões Norte, Nor-
mentos, a produção e a exportação do deste e Centro-Oeste 10.
setor automotivo); 2) redução no Impos-
to de Importação (bens de capital, re- Tais medidas visam beneficiar, com a
dução de 90% na alíquota vigente entre redução substancial da alíquota dos bens
1996 e 1999 – exceto para alíquotas infe- de capital, as empresas que estão efe-
riores a 2% –; autopeças e matérias- tuando planos de investimento. Essas
primas, redução de 85% em 1996, 55% empresas também contam com um
em 1997, 40% em 1998 e 1999 na alí- desconto decrescente na alíquota de
quota vigente; autoveículos importados autopeças e matérias-primas para se
por montadoras locais, redução de 50% abastecerem em seus fornecedores tra-
na alíquota vigente entre 1996 e 1999. 9; dicionais até conformarem uma rede in-
3) Decreto 1.763 (26/12/95), que fixa a terna de fornecedores. Finalmente, as
alíquota de 70%, a partir de 01/01/96, newcomers também se beneficiam da
para automóveis, caminhões, motocicle- redução de importação de veículos im-
tas e bicicletas, com a seguinte estrutura portados como uma maneira de sustentar
de convergência à TEC: 70% em 1996, um mercado nascente para seus veículos
63% em 1997, 49% em 1998, 35% em e criar sua rede embrionária de conces-
1999 e 20% em 2000 (era a quarta estru- sionárias e serviços a custos competitivos.
tura de convergência à TEC em vigência No caso das empresas já existentes, elas
em um espaço menor do que 12 meses); poderão incrementar seu mix de produ-

9
O Regime Automotivo também prevê proporções mínimas a serem observadas para usufruir
do desconto nas importações, sob pena de multas: na importação de bens de capital as
compras no país devem ser no mínimo iguais às compras efetuadas no exterior – US$ 1 local
para US$ 1 importado – até 31/12/97, e no mínimo o dobro – US$ 2 local para US$ 1
importado – em 1998 e 1999; na importação de matéria-prima as compras efetuadas no país
devem ser no mínimo iguais às compras efetuadas no exterior – US$ 1 local para US$ 1
importado – entre 1996 e 1999. Devem ser observados os limites para as importações com
desconto na alíquota, sob pena de multas: importações totais não podem exceder as expor-
tações líquidas; importações de autopeças não podem exceder 2/3 das exportações líquidas.
O Índice de Nacionalização (relação compra de autopeças e matérias-primas no país/compras
totais de matérias-primas e autopeças) deve ser no mínimo de 50% por um período de 3
anos do início da produção e 31 de dezembro do ano seguinte; depois, mínimo de 60%.
O propósito dessas disposições é regular os descontos previstos nas alíquotas e incentivar a
entrada de novos fornecedores de autopeças, matérias-primas e bens de capital, além da não
desmobilizar as já existentes.
10
Essa MP, reeditada sob a inscrição 1740-32, prorrogando casuisticamente seu prazo para
atender à instalação da Ford, na Bahia, concede benefícios especiais, além dos já previstos a
indústrias que se instalarem no Norte e Nordeste – FINAM e FINOR –, com a intenção de
promover desconcentração regional da indústria automobilística, rompendo com o “polígono
industrial”. Essa medida vem sendo um dos principais entraves para o estabelecimento de
um Regime Automotivo do Mercosul, pois gera um favorecimento regional não aceito pela
Argentina.
Wilhelm E. Milward A. Meiners 193

tos introduzindo modelos importados e Outro aspecto relevante, como de-


avaliando sua receptividade e penetração corrência do conjunto desses incentivos,
no mercado interno. foi a alteração no mix dos automóveis
produzidos, conforme informações co-
Esse conjunto de regulamentos alte- lhidas na Gerência Setorial de Automo-
raram o quadro de desequilíbrio comer- tivos do BNDES 11. Se, em 1991, 40,9%
cial do setor (em 1996 as importações dos veículos produzidos no Brasil eram
de autoveículos foram reduzidas para pequenos; 41,8%, compactos; 15,3%,
US$ 1,965 bilhão em 1996 – com 199,5 médios e 1%, grande, em 1997 a pro-
mil unidades e 13,2% do mercado inter- dução assim se distribuía: 82,8% eram
no), mas também atenderam ao principal pequenos; 7,2%, compactos; 9,7%,
objetivo, criar um ambiente de regras “es- médios e 0,3%, grande. As montado-
tável” e competitivo para a entrada de ras vêm importando veículos compac-
novos investimentos no setor. Na década tos, médios e grandes para enfrentar a
de 80 os investimentos no setor automo- deseconomia de escala na produção
bilístico restringiram-se a uma média em desses modelos no país e exportando
torno de US$ 500 milhões anuais. No modelos pequenos. A aposta de mon-
período de 1991 a 1994, motivados pela tadoras como a VW (Golf, Bora e PQ-
atualização tecnológica e pela instalação 24), Audi (A3), GM (Astra), Mercedes
de algumas plataformas novas, o nível (Classe A), Renault (Scénic), Peugeot
de investimento esteve situado na média (206), Honda (Civic), Fiat (Brava) e
anual de US$ 1,1 bilhão. Em 1995, os Toyota (Corolla) é na retomada do con-
investimentos somaram US$ 1,7 bilhão, sumo de veículos compactos e médios
e estão sendo executados, no período e no redirecionamento do mercado
1996-2000, investimentos da ordem de para veículos com maior margem de
US$ 3,8 bilhões anuais. lucro para elas.

O novo ciclo de investimentos automotivos e a


disputa regional

A indústria automobilística inicia, a partir A retomada dos investimentos já


de 1994, uma nova onda de investimen- vinha sendo observada desde o pro-
tos externos no Brasil, com greenfields e cesso de abertura da economia, a partir
newcomers, que vem dominando as mu- de 1990:
danças estruturais do setor desde então.
Abriu-se uma janela de oportunidade de “O setor automobilístico – automoti-
investimentos automobilísticos, permitin- vo e de autopeças – vivencia nos
do o ingresso de novas regiões no setor. anos 90 um processo de integração

11
BNDES (1997 e 1998).
194 Novo Ciclo de Investimentos da Indústria Automobilística no Brasil

ao mercado mundial. A indústria vancaram o carro popular que configu-


montadora, forçada pela estratégia rou um mix adequado para a economia
mundial e pelo acirramento da con- brasileira, da ameaça real do automóvel
corrência, vem se reestruturando e importado, da consolidação do Mer-
adotando programas internos de cosul, da estabilidade política obtida
redução de custos e aumento de após o impeachment de Fernando
qualidade e produtividade com Collor e a eleição de Fernando Henrique
amplos reflexos sobre a indústria de Cardoso, e da estabilidade dos preços
autopeças. obtida com o Plano Real 13 (condição bá-
Sistemas de produção sincronizados sica para a retomada do crescimento)
com fornecedores, transferência de que o clima para a retomada dos inves-
atividades produtivas, de engenha- timentos tornou-se mais propenso. Des-
ria e recebimento de produtos mon- tacam-se também como prerrogativa as
tados sob a forma de subconjuntos reformas estruturais na regulação do ca-
e exigência de padrões crescentes de pital estrangeiro: redefinição de empresa
qualidade e de preços internacionais nacional, fim da restrição de atuação do
são os principais fatores que têm le- capital estrangeiro e dos limites de re-
vado a indústria de autopeças tam- messas de lucros e maior liberalidade ao
bém a se reestruturar e investir. movimento do capital financeiro.
No período 1989/1993, o investi-
mento nas montadoras totalizou É importante salientar que a in-
US$ 4,5 bilhões e US$ 4,2 bilhões dústria automobilística é mais um dos
nas empresas de autopeças.” 12 setores abertos à reentrada do capital
estrangeiro no país. Nos últimos anos
Porém, nessa primeira fase dos anos vem-se observando uma onda maciça
90, o mercado brasileiro seria facilmente de IDE, que partiu de níveis inexpres-
atendido pelas altas margens de ociosi- sivos em 1990 para atingir US$ 4,7 bi-
dade acumuladas nos anos 80, quando lhões em 1995, US$ 9,4 bilhões em
a produção esteve estagnada em torno 1996, cerca de US$ 17,9 bilhões em
de 1 milhão de unidades. Foi a partir 1997 e de US$ 22 bilhões a 24 bilhões
dos acordos firmados na Câmara Seto- em 1998. Estimativas para 1999 indi-
rial, do conjunto de benefícios que ala- cam de US$ 16 bilhões a 18 bilhões 14.

12
BNDES (1994, p. 1).
13
José Ricardo Tauile chama a atenção: “Além do mais, a estabilidade da moeda viabilizava a
reabertura de mecanismos eficazes de financiamento de vendas de veículos (crédito direto
ao consumidor, leasing, consórcios, etc.). Tais mecanismos são importantíssimos para alavancar
as vendas de veículos. Assim é que nos EUA, no início da década, 95% dos veículos eram
vendidos a prazo e apenas 5% à vista. No Brasil, era o contrário, somente 5% das compras
eram financiadas.” (Tauile, 1999, p. 14)
14
Acompanhamento do Centro de Informações Gazeta Mercantil indicam que 14% das inten-
ções e decisões de investimento na indústria estão situados no complexo automobilístico.
Wilhelm E. Milward A. Meiners 195

Laplane e Sarti 15 destacam que o IDE carros populares, e à necessidade de


contribuiu com cerca de 7,8% a 9,0% reestruturação produtiva das linhas ao
(dependendo da metodologia de câmbio novo paradigma da produção enxuta.
médio ou paridade utilizada para o cál-
culo do PIB) na taxa total de investi- “O atual dinamismo dos investimen-
mento do país, o que significa cerca de tos na indústria brasileira de auto-
1,2% a 1,4% do PIB. São marcas expres- veículos e as iniciativas de integração
sivas, pois nos anos 70 a contribuição do de suas filiais locais por parte das
IDE era de 6,5%. De acordo com levan- matrizes contrastam com a instabili-
tamento efetuado pelos autores, os fa- dade e crise desse setor nos anos 80.
tores determinantes para a retomada dos A mudança nas estratégias das mon-
Investimentos Diretos Estrangeiros a partir tadoras em relação ao Brasil nos
de 1994 foram o crescimento do merca- anos 90 resultou de fatores externos
do interno, a consolidação do Mercosul, e internos. Entre os fatores internos
a maior proximidade com o cliente (caso destacam-se o dinamismo do merca-
de empresas estrangeiras que estavam do no Mercosul e os incentivos pre-
exportando quantidades significativas de vistos nas políticas setoriais no Brasil
seu produto ao mercado brasileiro), a e na Argentina. O dinamismo do
abertura comercial e a entrada de novos mercado interno é um determi-
concorrentes, a legislação setorial especí- nante importante dos investimentos.
fica, a modernização do processo de A busca da eficiência também o é,
produção, o lançamento de novos pro- em função da concorrência acirrada
dutos e a reestruturação da estratégia entre as montadoras locais e da
global da matriz. No setor automotivo ameaça de entrada de novos rivais.
esses fatores podem ser relacionados a [...] A rivalidade entre as monta-
um mercado interno em forte expansão doras já instalada é fortíssima, dada
(e com maior integração regional), à po- a urgência que todas têm em me-
lítica de atração de novas montadoras lhorar suas posições nos mercados
(ampliando a concorrência no mercado doméstico e mundial. Isso explica a
interno e reduzindo desequilíbrios na ba- atualização rápida dos produtos e
lança comercial), a decisões que incre- dos processos e a busca de eficiência,
mentam a presença das montadoras nos assim como a maior especialização
principais mercados mundiais – seja com e integração das filiais locais na rede
investimentos diretos, seja via associação mundial.
entre empresas –, à reação das empresas A instabilidade do oligopólio mun-
à concorrência dos veículos importados, dial é um fator externo importante.
à necessidade de redefinir o mix de pro- As montadoras européias, menos
dutos mais adequados para atender ao internacionalizadas que as rivais nor-
mercado nacional, diante da abertura de te-americanas e japonesas, visuali-
mercado e da evolução das vendas de zam no mercado brasileiro uma base

15
Laplane e Sarti (1997b).
196 Novo Ciclo de Investimentos da Indústria Automobilística no Brasil

essencial para sua estratégia mun- mundiais, com presença forte nos prin-
dial. Para essas empresas, a expan- cipais segmentos e mercados mundiais.
são em mercados dinâmicos é tão Estima-se também que a montadora que
crucial hoje como nos anos 50, não estabelecer uma produção (e ven-
quando se deslocaram para a Amé- das) superior a 4 milhões de veículos até
rica Latina em resposta ao ‘desafio 2005 não conseguirá sobreviver às cres-
americano’.” 16 centes exigências financeiras dos vetores
de competição global, ou seja: renovação
A indústria automobilística mundial continuada de modelos, presença em di-
encontra-se em pleno processo de rees- ferentes mercados mundiais com pro-
truturação, envolvendo aspectos de dução local, mix variado de modelos,
transição para a produção enxuta e de capacidade de crédito para fornecedores
recuperação de rentabilidade dos proje- e clientes, capacidade de articulação em
tos industriais em face de outros negócios diferentes culturas gerenciais, empre-
do setor automotivo. Nesse processo, sariais, mercadológicas e institucionais.
decisões a respeito de novos produtos,
alianças estratégicas e mercado são Esse movimento de fusão das mon-
chaves para o sucesso e até para a sobre- tadoras é igualmente compartilhado
vivência empresarial. A montadora que pelos fornecedores de primeira cama-
não estender seu potencial produtivo aos da, que também estão no processo de
blocos regionais e mercados mais dinâ- globalização de suas estruturas produti-
micos perde escala, lucros e participação, vas, no de exigências tecnológicas cres-
correndo o risco de ser absorvida no centes e necessitam de grande suporte
próximo movimento de fusão e incor- financeiro. Nesse sentido, aprofunda-se
poração 17. Estima-se que, das atuais 18 a estrutura oligopolista, com destaque
montadoras, daqui a 15 anos sobrevi- ao grupo restrito de montadoras e sis-
vam apenas de 5 a 8 grandes grupos temistas 18. (Figura 1)

16
Laplane e Sarti (1997b, p. 169-70).
17
Movimentos significativos de fusões e incorporações foram apreciados ultimamente, como a
fusão da alemã Daimler Benz com a Chrysler, a venda da Rolls Royce para a Volkswagen, a
incorporação da Kia (também detentora da marca Asea Motors) pela Hyundai, as aquisições
da Volvo Car pela Ford e da Nissan, uma das grandes do mercado japonês, pela Renault.
18
A partir da lógica do global sourcing, os fornecedores e autopeças estão adquirindo tradicio-
nais fornecedores nacionais, cuja dificuldade de se projetarem ao mercado internacional não
oferece melhores perspectivas de sobrevivência. A lógica da produção enxuta impõe forne-
cedores globais que partilham desde o projeto do produto até a decisão de novos investi-
mentos, acompanhando a montadora nos investimentos em novas regiões. Nesse sentido, o
fornecedor que não possuir fôlego financeiro, gerencial e tecnológico ou associam-se a
global players ou contentam-se com níveis de suprimento de terceira camada para baixo.
Assim, o processo de participação de empresas locais no complexo automotivo é extrema-
mente seletivo e excludente, com redução significativa dos efeitos indutores de desenvolvi-
mento regional a partir da instalação de plantas automobilísticas.
Wilhelm E. Milward A. Meiners 197

Figura 1 - Aldeia automobilística global frota), como forma de reviver o pro-


cesso de modernização e crescimento
industrial dos anos 50 e 70. Como des-
250 mil 30 mil taca John Humphrey 19:
fornecedores fornecedores
“O Brasil não é o único país que tem
Degraus 3 e 4 Degrau 2
esse fascínio pelo automóvel. Ao
longo dos anos 90, os grandes fabri-
cantes locais e os governos dos países
em desenvolvimento se uniram para
2,5 mil 22
promover a indústria automobilística.
fornecedores montadoras Na índia, na China, na África do Sul
Degrau 1 e na região do Asean (Associação das
20 megafor- 8 megamon- Nações do Sudeste Asiático), os go-
necedores tadoras vernos implementaram medidas de-
cisivas para promover e reestruturar
a indústria automobilística. Nos últi-
mos anos, esses mercados “emergen-
tes” para automóveis vêm atraindo
enormes investimentos.[...] Para as
50 mil 50 milhões empresas os mercados emergentes
revendedores de usuários oferecem uma oportunidade de revi-
talizar as vendas e ajudar a suportar
os custos cada vez maiores dos novos
Fonte: elaborado a partir do ITT Automotive lançamentos. Enquanto os mercados
in Kissler (1999)
centrais – América do Norte, Japão
e Europa Ocidental – estão pratica-
Deve-se considerar que a Figura 1 mente saturados, os mercados emer-
ainda está em definição, pois ainda ocor- gentes parecem oferecer enorme
rem novas fusões e incorporações, propi- potencial.”
ciando maior oligopolização na área
cinza.
O mercado brasileiro de veículos,
Países como o Brasil se aproveitam que apresentou a maior taxa de cres-
dessa reestruturação e promovem polí- cimento mundial entre 1991 e 1997,
ticas de atração de investimento (Regi- passando, em 1997, a ocupar a sétima
me Automotivo) e de expansão do posição mundial (sexta se considerado
mercado doméstico (facilidades de co- o Mercosul), propicia perspectivas de
mercialização e financiamento, redução economias de escala na produção e
de impostos, proposta de renovação da possibilidades de entrada a novos

19
Humphrey (1998).
198 Novo Ciclo de Investimentos da Indústria Automobilística no Brasil

produtores 20, abrindo uma janela de para 2,1 milhões de veículos nesse pe-
oportunidade para o ingresso tanto de ríodo). Havia, também, boas pers-
newcomers como de novas regiões no pectivas de continuar evoluindo, pois a
complexo automotivo nacional. As tabe- região ainda apresentava um dos maio-
las 1 e 2 indicam que o Mercosul, for- res potenciais de crescimento, dada a
mado principalmente pelos mercados idade média da frota de veículos, cerca
brasileiro e argentino, representava, em de 10,5 anos no caso do Brasil, e baixa
1996, 4,1% do mercado mundial de taxa de motorização, 10,3 e 5,9 habi-
veículos, observando uma expansão de tantes por automóvel, no Brasil e na
109% entre 1990 e 1996 (de 1 milhão Argentina, respectivamente.

Tabel a 1 - Produção mundial de veículos, 1990, 1993 e 1996


Cresc i mento Parte de
Paí s/R egi ão 1990 1993 1996 1990-199 6 Mercado 1996
(%) (%)
Estados Unidos 9.783 10.898 11.799 20,6 22,9
Canadá e México 2.725 3.328 3.334 22,3 6,5
NAFTA 12.508 14.226 15.133 21,0 29,4
Brasil 914 1.391 1.804 97,4 3,5
Argentina 100 342 313 213,0 0,6
Bras il /Argentina 1.014 1.733 2.117 108,8 4,1
Alemanha 4.977 4.032 4.844 -2,7 9,4
França 3.769 3.156 3.591 -4,7 7,0
Espanha 2.053 1.768 2.413 17,5 4,7
Reino Unido 1.566 1.569 1.924 22,9 3,7
Itália 2.121 1.277 1.545 -27,2 3,0
Europa 18.431 14.960 17.701 -4,0 34,3
China 509 1.297 1.456 186,1 2,8
Japão 13.487 11.228 10.346 -23,3 20,1
Coréia do Sul 1.322 2.050 2.813 112,8 5,5
Taiwan 352 405 366 4,0 0,7
Extremo Oriente 15.670 14.980 14.981 -4,4 29,1
Índia 364 372 762 109,3 1,5
Austrália 384 311 322 -16,1 0,6
Mundo 48.454 46.785 51.542 6,4 100,0
Fonte : AAMA e ANFAVEA

20
Carvalho e Queiroz (1997, p. 7).
Wilhelm E. Milward A. Meiners 199

Tabela 2 - Licenciamento de veículos novos em países selecionados


Cres c . %
Paí s 1990 1993 1996 Hab/ auto
90-96 (%) Nac ional
EUA 14.146 14.199 15.456 9 85,1 1,2
Japão 7.777 6.467 7.078 -9 91,6 1,9
Alemanha 3.244 3.455 3.745 15 67,3 1,9
França 2.756 2.077 2.510 -9 56,0 1,9
Reino Unido 2.231 1.975 2.282 2 38,0 2,1
Bras il /Argent ina 805 1.552 2.107 162 82,3 10,3/5,9
Coréia do Sul 957 1.438 1.644 72 98,7 5,2
Itália 2.483 1.831 1.885 -24 43,8 1,7
Índia 357 381 751 110 98,5 278,8
Fonte : AAMA, Anfavea, Sindipeças

Além da integração econômica regio- regional do país, vem se destacando a


nal, do maior grau de abertura e globali- implementação central de grandes em-
zação comercial, financeira e produtiva, preendimentos de infra-estrutura, em
dos movimentos de privatização de im- um bloco de investimentos do “Plano
portantes setores produtivos e de serviços Brasil em Ação”, e a ênfase na “mobili-
estratégicos, Brasil e Argentina consti- zação do potencial de desenvolvimento
tuíam economias que dispunham de endógeno dos espaços regionais” 21, pelo
razoáveis esquemas de estabilização de menos no desenvolvimento regional in-
preços e ritmos de crescimento, apesar dustrial, sem a ocorrência, necessaria-
de crescente fragilidade fiscal e cambial, mente, de uma condução centralizada,
tornando suas economias atraentes a in- tradição no desenvolvimento regional
vestimentos em diferentes setores, entre brasileiro pelo menos desde 1930. Esse
eles o automobilístico. modelo de integração competitiva vem
diminuindo as barreiras à entrada de
O Novo Regime Automotivo reabriu produtos, de empresas e de capital fi-
o espaço da economia brasileira na dis- nanceiro transnacionais na economia
puta pelos novos investimentos, mo- brasileira, reduzindo o papel do Estado
vimentando estados e municípios na Nacional na promoção do desenvolvi-
partilha e guerra fiscal pela localização mento industrial e regional e deixando
dos novos empreendimentos. Na política a economia mais conectada e depen-

21
Brito e Bonelli (1996, p. 1).
200 Novo Ciclo de Investimentos da Indústria Automobilística no Brasil

dente do mercado global. Com menor benefício individual gera prejuízo ao


coordenação nacional, as regiões procu- conjunto.
ram por si inserir-se no mundo globali-
zado, seja buscando mercados para seus
principais produtos, seja buscando in- Os protocolos assinados com as
sumos produtivos e capital financeiro e montadoras são ricos em benefícios que
industrial, fora do mercado nacional. os investimentos externos, provenien-
Algumas regiões que, em função de tes de diferentes setores, recebem dos
investimentos passados, adquiriram ra- estados, desde participação financeira no
zoável infra-estrutura física, industrial e empreendimento e empréstimos em
tecnológica, dispõem de condições pri- condições especiais (para redução nos
vilegiadas de integração competitiva, custos de inversão do projeto), isenções
tornando-se ilhas de prosperidade nesse e/ou dilação no prazo de recolhimento
esquema de livre concorrência. Regiões dos impostos estaduais e atendimento
de fronteira agrícola em produtos ex- preferencial de infra-estrutura – portos,
portáveis também se beneficiam com aeroportos, comunicações, subestações
essa maior conexão internacional. Ou- elétricas, acessos rodoviários e ferroviá-
tras regiões, ou por possuírem um perfil rios etc. (para redução nos custos de
industrial tradicional, voltado à substi- produção), até casos extremos de pa-
tuição de importações, ou por não con- gamento de folha salarial no período de
seguirem dispor das condições mínimas qualificação da mão-de-obra.
de atratividade ao capital internacional,
sofrem as conseqüências da desintegra-
ção do mercado nacional. Contesta-se, porém, esse tratamento
preferencial, sobretudo em estados com
elevados ônus financeiros de seus endivi-
Críticas são dirigidas a esse modelo damentos (Rio de Janeiro, Minas Gerais,
de “cada um por si”, que insuflou a Goiás e Rio Grande do Sul); além do
guerra fiscal entre os estados para a mais, trata-se de benefícios que não são
atração de novos investimentos que de- estendidos a outros setores importantes
sembarcavam no Brasil, gerando mais na economia estadual, a empresas de
benefícios às empresas do que às re- capital local com dificuldades financeiras
giões. As montadoras automobilísticas ou a micro e pequenas empresas locais.
personificam o Canaã regional, uma es- Assim, não é de se estranhar a derrota
pécie de ingresso da região no mundo eleitoral de governadores, incentivada
industrializado, moderno e desenvolvi- por uma posição que denuncia esses
do. Ainda que se obtenha algum ganho acordos espúrios entre estados e mon-
social e econômico, como o estímulo a tadoras.
novos empregos, a geração de renda, a
inserção produtiva do estado em setores
de ponta, a guerra fiscal é um típico caso Já que não se observa nenhum mo-
em que a lógica de maximização do vimento do Governo Federal no sentido
Wilhelm E. Milward A. Meiners 201

de mediar os investimentos multina- operação que corrobora o modelo da


cionais, como nos anos 70, através do guerra fiscal.
Conselho de Desenvolvimento Indus-
trial, resta aos estados emparelharem
com seus parceiros e competirem aberta- Novas modalidades de Guerra Fiscal
mente pelos investimentos mais adequa- já estão ocorrendo. Com as novas plantas
dos a seus projetos de desenvolvimento instaladas, a capacidade produtiva chega
industrial. próximo a 3,5 milhões de veículos/ano,
para um mercado que não deve superar
2 milhões de veículos nos próximos anos,
Nesse sentido, a guerra fiscal pode e, convém ressaltar, a margem de ocio-
ser atribuída mais à falta de coordena- sidade com que as montadoras operam
ção do Governo Federal, que deveria desde 1998 é superior a 40%. Incentivos
se impor como mediador nas negocia- fiscais que podem ser concedidos para
ções entre montadoras e regiões, do que reduzir custos de produção e comercia-
ao afã de sucesso desenvolvimentista de lização (como a redução das alíquotas de
governadores e prefeitos. Tal coordena- ICMS) devem converter a concorrência
ção poderia basear-se em instrumentos entre as marcas em concorrência entre
como a inclusão da montadora no regi- as regiões produtoras, como já ocorreu
me automotivo, a concessão de financia- no acordo emergencial do início de
mentos para capital fixo e de giro – via 1999.
agências oficiais –, a inclusão em futu-
ros acordos setoriais e a renegociação
da dívida dos estados condicionada a A disputa recente entre a Ford e o
esforços fiscais, limitando a concessão de Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo
benefícios. Seriam instrumentos mais acerca da transferência de linhas de
eficazes na promoção da desconcentra- montagem e produtos para novas regiões
ção regional, menos custosos para os produtoras, temor que existe também
estados e municípios, não representa- entre os empregados da GM e da VW,
riam um sobrecusto para o Governo Fe- não é um capítulo isolado desse fenô-
deral (pois as regras já estavam dispostas meno. A montadora, além de dispor de
no regime automotivo) e não referen- plantas produtivas mais eficientes e
dariam abusos da guerra fiscal. ajustadas ao novo padrão produtivo nas
novas regiões, ainda conta com bene-
fícios fiscais para a produção. Assim, as
Ao contrário, nas duas mais notá- regiões antigas, que estão sofrendo com
veis intervenções do Governo Federal o desemprego promovido pelo ajuste
quanto à definição de localização de tecnológico de plantas defasadas, desde
montadoras, como a da fábrica de ca- o final dos anos 80, devem também ficar
minhões da VW, no Estado do Rio de com a maior parte do ônus da desati-
Janeiro, e a da instalação da nova uni- vação e reestruturação de linhas de pro-
dade da Ford, na Bahia, verifica-se uma dução em massa das brownfields em prol
202 Novo Ciclo de Investimentos da Indústria Automobilística no Brasil

das linhas das greenfields, implantadas mento regional ou à desconcentra-


no sistema de produção enxuta 22. Tal ção da produção. [...] após algum
movimento vem ocorrendo tanto na Eu- tempo, com a generalização dos be-
ropa como nos Estados Unidos. Por um nefícios fiscais – todos os estados con-
lado são favorecidas novas regiões pro- cedendo benefícios semelhantes –,
dutoras, com desconcentração espacial estes perdem seu poder de estímulo
da produção, mas, por outro, as antigas e transformam-se em meras renún-
regiões carregam o ônus da desindus- cias de arrecadação. De um lado, em
trialização e de sua conversão forçada em face da redução generalizada do
outras atividades, geralmente de menor peso da tributação, as empresas
valor adicionado ou com menor capa- passam a escolher sua localização
cidade de induzir novas atividades. somente em função das condições
de mercado e de produção, que in-
Ricardo Varsano, em estudo especí- cluem a qualidade da infra-estrutura
fico sobre quem ganha e quem perde e dos serviços públicos oferecidos.
com a guerra fiscal, conclui que: De outro, com o aumento das re-
núncias fiscais, os estados de menor
“Essa competição – a guerra fiscal – poder financeiro perdem a capa-
vem prejudicando as finanças es- cidade de prover os serviços e a in-
taduais – e, conseqüentemente, o fra-estrutura de que as empresas
ajuste fiscal – bem como a provisão necessitam para produzir e escoar a
pública de bens e serviços, muitos produção.” 23
deles importantes insumos do pro-
cesso de produção. Além disso, a
guerra fiscal cria conflitos entre as O que se verifica, a partir de diferen-
unidades da Federação e seus resul- tes estudos e levantamentos sobre a
tados tendem a contrariar objetivos distribuição geográfica desses novos
de política – necessariamente nacio- investimentos 24, é que o processo de
nais – que visem ao desenvolvi- desconcentração concentrada da indús-

22
As greenfields brasileiras significam para as montadoras a aplicação, em uma região nova e
com menores restrições institucionais, de grande parte dos avanços e adaptações ao sistema
de produção enxuta, que seriam testados no Mercosul e depois introduzidos em novas
plantas nos países centrais. Nesse sentido, as greenfields brasileiras são ricas em produtos de
montagem simplificada, em inovações de lay-out (VW/Audi), em automação dos sistemas de
montagem (Renault e Mercedes-Auto), em elevada interação com fornecedores (o consórcio
modular da VW-Caminhões, a co-localização de fornecedores sistemistas da VW/Audi, GM
Blue Macaw e Ford Amazon, e a modularização da Chrysler), em definição de grupos de
trabalho semi-autônomos em células de montagem com reduzida hierarquia funcional, em
sistemas logísticos e de suprimento just-in-time e just-in-sequence, com estoques mínimos
ou zerados (que ocorrem em todas as greenfields e em algumas brownfields reestruturadas,
como a Mercedes-Caminhões e Ônibus).
23
Varsano, R. (1997, p. 11-12).
24
Ver Rodrigues (1998), CNI/CEPAL (1997) e Gazeta Mercantil (1998).
Wilhelm E. Milward A. Meiners 203

tria é reafirmado, apesar dos incentivos fiscais. No estudo conjunto da CNI e


fiscais, sendo desviadas para outras re- CEPAL, os incentivos fiscais são citados
giões empresas que buscam proximi- como um dos mais importantes fatores
dade com mercados regionais, menores de relocalização espacial de investimen-
custos de mão-de-obra ou vantagens tos (Tabela 3).

Tabel a 3 - Razões para relocalização de investimentos

R es pos tas relevantes %


Benefícios fiscais 57,3
Proximidade do mercado 57,3
Custo de mão-de-obra 41,5
Vantagens locacionais específicas 39,0
Sindicalismo atuante na região 24,4
Saturação espacial 14,6
Fonte : CNI/CEPAL (1997, p. 6)

Nesse mesmo sentido, em recente acionados por instâncias subnacio-


pesquisa sobre os fatores locacionais de nais (partes da Federação) que dis-
atração de empreendimentos, Demian putam por mercados e indústrias.
de Castro mostra que: Constituir o segundo grande fator
locacional indica também que, de
“ Dessas observações, talvez seja pos- fato, esses instrumentos podem de-
sível levantar uma questão que já é finir o jogo a favor de alguns e em
conhecida no campo da economia: detrimento de outros estados.” 25
quando as empresas negociam com
o governo incentivos diversos, já
tomaram as decisões logísticas rela- O Quadro 1, a seguir, destaca os fa-
cionadas aos mercados a serem ex- tores-chave locacionais para a indústria
plorados. automobilística, dispostos em quatro
No entanto, não é conveniente deri- grupos, de acordo com sua incidência
var mecanicamente que os incenti- na cadeia de valor empresarial. Os três
vos, subsídios e benefícios fiscais são primeiros fatores afetam custos, e o
dispensáveis nas políticas industriali- quarto grupo afeta diretamente o de-
zantes, já que esses instrumentos são sempenho empresarial.

25
Castro (1999, p. 45).
204 Novo Ciclo de Investimentos da Indústria Automobilística no Brasil

Quadro 1 – Fatores-chave locacionais


a) Fatores que incidem sobre os custos do b) Fatores que incidem sobre os custos de
investimento: produção:
- custo e disponibilidade de terreno e - disponibilidade e custos de insumos
instalações; adequados;
- isenções fiscais para importação de bens - disponibilidade e custos de sistemas
de capital; energéticos adequados;
- adequação da infra-estrutura e terreno; - disponibilidade e custos de mão-de-obra
- financiamento subsidiado; adequada e relações trabalhistas pacíficas;
- participação acionária no - relações interindustriais articuladas;
empreendimento; - custos de serviços empresariais;
- simplificação dos processos de - custos de serviços urbanos, pessoais e
implantação; sociais;
- assistência aos investidores; - benefícios fiscais à produção e importação
- incentivos fiscais a investimentos e novos de insumos;
empreendimentos; - financiamento subsidiado ao capital de
- parceiros locais para o projeto empresarial; giro;
- existência de distritos e condomínios - disponibilidade, custo e qualidade dos
empresariais. serviços sociais disponíveis aos
empregados.
c) Fatores que incidem sobre os custos de d) Fatores que ampliam o desempenho
transação: empresarial:
- sistemas de comunicação: redes - mercado de trabalho profissional e mão-
telemáticas, anéis de fibra-ótica, de-obra qualificada;
disponibilidade de servidores de - centros de ensino e qualificação de mão-
informação; de-obra;
- sistemas multimodais de transporte; - qualidade da rede de fornecedores e
- logística regional; supridores locais;
- localização geográfica: proximidade, - centros de orientação empresarial:
acessibilidade e conectividade a centros tecnologias, fontes de financiamento,
produtores e tecnológicos e a mercados mercados externos, gestão e
consumidores. procedimentos;
- base educacional e cultural;
- qualidade do ambiente urbano,
empresarial e tecnológico;
- financiamento e parceria a projetos
tecnológicos;
- presença de centros de pesquisa de alta
tecnologia, parques e incubadoras
tecnológicas.
Elaboração própria, com base em solicitações de informações das montadoras de veículos e
autopeças.
Wilhelm E. Milward A. Meiners 205

No primeiro grupo desdobram-se No segundo grupo – fatores que


os fatores locacionais que incidem sobre incidem sobre os custos de produção –
os custos de investimento e instalação encontram-se elementos que bene-
do empreendimento. A empresa busca- ficiam regiões industrializadas, ainda não
rá vantagens que possam reduzir o de- saturadas, que possuem, quantitativa e
sembolso de capital fixo (com retorno qualitativamente, fatores produtivos
de longo prazo), de modo que consiga necessários e a custos competitivos. Não
elevar a taxa interna de retorno do são fatores que uma região obtém ad
empreendimento (o denominador é hoc, mas a partir de uma evolução in-
menor) e reduzir o prazo de reposição dustrial e urbana construída e conso-
do capital próprio investido (reduzindo lidada. A engenharia da guerra fiscal,
suas barreiras à saída da região). Nesse nesse grupo, pretende reduzir as des-
grupo estão alinhados diversos itens que vantagens de uma determinada região
significam um desembolso direto de em relação a outras regiões candidatas
recursos dos governos estaduais e mu- e deve ter para isso instrumentos capazes
nicipais, e de eventuais parceiros regio- de afetar a planilha de custos das em-
nais, sob a forma de capital de risco. A presas. São instrumentos usuais a isen-
guerra fiscal, nesse grupo, assume uma ção e a dilação de tributos no âmbito
interação de incentivos entre os diversos de municípios e estados, a partir de pro-
níveis de governo, combinando investi- gramas especiais de atração de novos
mentos do município (normalmente dis- investimentos. Também são fundamen-
pondo de terreno, terraplanagem e tais a interação e a negociação, com o
adaptação urbanística) com investimen- governo federal, de políticas de incen-
tos complementares em infra-estrutura tivo para a desconcentração espacial da
(no âmbito estadual e federal); e partici- indústria, que gerem disposições espe-
pação acionária no projeto (encampada ciais sobre a incidência de impostos
pelo governo estadual – desde que dis- federais em áreas incentivadas (como na
ponha de capacidade financeira e con- Zona Franca de Manaus e no Regime
duta política para constituição de fundos Automotivo Especial para as regiões
financeiros com esse propósito –, por Norte, Nordeste e Centro-Oeste).
grupos empresariais locais ou mesmo
pelo BNDESpar) com vantagens nego- No terceiro grupo destacam-se os
ciadas com o governo federal (como a fatores de proximidade e conectividade
isenção de impostos na importação de da região com outros centros produto-
equipamentos ou financiamentos subsi- res e mercados consumidores. Mais do
diados e com prazos alongados pelo que à própria localização geográfica (dis-
BNDES). Dessa forma, a articulação po- tância), dá-se mais ênfase aqui à conec-
lítica entre governos municipal, estadual tividade, diretamente ligada aos sistemas
e federal, e seus diferentes órgãos, é ele- de transporte (circulação de mercado-
mento-chave na conquista de um novo rias) e de comunicação (circulação de
empreendimento, como o foi na decisão informações). São vantagens que a re-
da Ford em instalar-se na Bahia. gião adquire a partir de investimentos
206 Novo Ciclo de Investimentos da Indústria Automobilística no Brasil

na ampliação e modernização de suas mento industrial no país, conformando


redes e nódulos infra-estruturais de um polígono que envolve as regiões
transporte e comunicações. A existên- Sudeste e Sul do país, por reunir as lo-
cia de modernos sistemas de circulação calidades mais privilegiadas para a pro-
na região é condição sine qua non da dução industrial em setores de alta
integração regional e empresarial. A tecnologia. Os novos investimentos da
guerra fiscal, nesse grupo, revela-se na indústria automobilística, destacados na
capacidade de a região empreender e Tabela 4, a seguir, ocorrem justamente
negociar com o governo federal a cria- nos principais pólos do polígono de con-
ção de concessionárias de serviços pú- centração industrial estudados por Cam-
blicos e agentes financeiros, a execução polina. A indústria automobilística possui
de investimentos para modernização e fortes pré-requisitos locacionais, em de-
ampliação daqueles sistemas, adequan- corrência dos fluxos de insumos e de
do-os ao volume e especificidades de mercadorias, tecnológicos e financeiros,
cargas e dados que deverão trafegar com e da co-localização com centros de ca-
velocidade e reduzido custo. Para regiões pacitação profissional, de pesquisa e de
mais distantes, os instrumentos fiscais serviços auxiliares. De acordo com Cam-
para redução de custos de produção e polina Diniz:
comercialização atuam como atenuan-
tes aos maiores custos de transporte de “ As mudanças tecnológicas em curso
insumos e produtos acabados. induzem exatamente à expansão de
setores que estão fortemente susten-
Finalmente, no quarto grupo, estão tados na ciência e na técnica, com
dispostos os fatores “stopperianos” de reduzida ou inexpressiva demanda
regiões que buscaram criar e acumular de recursos naturais. O requisito lo-
vantagens qualitativas e intangíveis cacional destes setores está articulado
(software e humanware) com impactos com a presença de centros de ensino
relevantes sobre a atividade produtiva. e pesquisa, mercado de trabalho
São vantagens competitivas ligadas ao profissional, relações industriais arti-
ambiente tecnológico e à qualidade de culadas geograficamente, facilidade
vida na região, cuja sinergia é funda- de acesso, base educacional e cul-
mental ao desenvolvimento empresarial, tural, clima de negócios, concentra-
principalmente em setores de alta tecno- ção dos recursos de pesquisa, entre
logia e demandantes de ambientes outros. Embora estes recursos pos-
favoráveis, com difícil intervenção de sam ser encontrados em localizações
uma política imediatista de guerra fiscal. dispersas, tendem a se restringir em
localizações com grandes aglomera-
No Brasil, a partir dos movimentos ções urbanas. As poucas localidades
de desconcentração regional da indús- com vantagens preexistentes ten-
tria, iniciados nos anos 70, Campolina dem a ampliá-las ainda mais, uma
Diniz (1993 e 1996) elaborou uma tese vez que o crescimento das atividades
de espaço privilegiado para o espraia- de alta tecnologia agem como pode-
Wilhelm E. Milward A. Meiners 207

rosa força aglomerativa. (...) No caso mente com o mesmo fenômeno


do Brasil, a concentração industrial que se observa a nível mundial.” 26
prévia e a desigualdade do potencial
de pesquisa e renda dificultam um
processo de desconcentração indus- Cabe destacar a importância do
trial para as regiões pobres e vazias. Mercosul como uma espécie de pólo
Assim considerando, não resta dúvi- magnético de atração que desviou
da de que as melhores condições grande parte dos novos investimentos
para a localização de atividades de automotivos para o Sul. A complemen-
alta tecnologia estão predominan- taridade com plantas argentinas, bem
temente no Estado de São Paulo e como uma série de vantagens locacio-
secundariamente no corredor que nais observadas no Sul, impulsionaram
vai de Belo Horizonte a Porto Alegre. a decisão de investimentos em uma re-
Este processo tenderia a reforçar a gião relativamente nova para plantas de
localização industrial na rede de automóveis no Brasil 27.
cidades médias desta região, as quais
gozam da vantagem da proximida- A grande exceção ao polígono, a
de com os grandes centros e da re- montadora da Ford na Bahia, deve-se
dução da fricção espacial decorrente às condições especiais da reeditada MP
do avanço dos transportes e, em es- 1.532 e à intransigência da Ford em re-
pecial, das telecomunicações. Estas negociar seu protocolo com o governo
cidades beneficiam-se da proximi- gaúcho. Renegociação necessária a
dade com os grandes centros sem partir da desvalorização cambial e dos
os custos decorrentes da concentra- ajustes fiscais dos governos estaduais,
ção urbana, inaugurando um pa- levada a termo entre Minas Gerais e a
drão locacional da indústria com Mercedes Benz, Paraná e a Renault e o
uma relativa dispersão, coerente- próprio Rio Grande do Sul com a GM.

26
Diniz, C. C. (1996, p. 87-88).
27
A produção automobilística na região concentrava-se em caminhões pesados, ônibus, má-
quinas agrícolas e encarroçadores, além do pólo de autopeças no Rio Grande do Sul.
208 Novo Ciclo de Investimentos da Indústria Automobilística no Brasil

Tabel a 4 - Investimentos das montadoras no Brasil, 1995-2000


Empresa US$ Produção Produto Localização
milhões anual (mil)
VW 250 60 Caminhões e ônibus Resende RJ
150 400 Motores São Carlos SP
1.600 Ampl./Atualiz. das Linhas, PQ-24 SP
VW/Audi 700 160 Audi A3, Golf e Bora S José Pinhais PR
Fiat 300 Palio Betim MG
300 Marea Betim MG
500 500 Motores Betim MG
240 45 Pick-up Strada e Furgões 178 Belo Horizonte MG
Fiat/Iveco 240 20 Linha Dayli e Ducatto Sete Lagoas MG
Ford 450 Fiesta, Ka e Courrier São Bernardo SP
350 Motores e Câmbio Taubaté SP
300 Caminhões São Paulo SP
1.400 Atualização das Linhas São Bernardo SP
1.000 250 Projeto Amazon Camaçari BA
GM 2.000 Corsa, S-10, Blazer, Astra S J Campos/S Caetano SP
600 150 Blue Macaw Gravataí RS
500 200 Motores Santa Catarina
150 Estamparia São Paulo
Mercedes 580 Atualização das Linhas São Bernardo SP
820 80 Classe A Juiz de Fora MG
Scania 370 Cabines e atualização das linhas São Bernardo SP
Volvo 395 Cabines e atualização das linhas Curitiba PR
Agrale/Navistar 200 5 Caminhões International Caxias do Sul RS
Renault 1.000 120 Megane Scénic, Clio 2 S José Pinhais PR
Renault 120 200 Motores S José Pinhais PR
Chrysler 315 40 Dodge Dakota Campo Largo PR
Tritec 500 400 Motores Campo Largo PR
BMW 150 15 Land Rover Defender São Bernardo SP
Honda 300 30 Civic Sumaré SP
Toyota 400 15 Corolla Indaiatuba SP
Kia 150 Bongo Itu SP
PSA 700 120 Citroen Xsara e Peugeot 205 Porto Real RJ
Mitsubishi 35 8 L 200 Catalão GO
Fonte : Anúncio das Montadoras, Gazeta Mercantil, Autodata, Folha de São Paulo,
Paraná Automotivo.
Wilhelm E. Milward A. Meiners 209

Conclusão

As expectativas em relação ao futuro da tomação flexível, não ocorrerá a manu-


indústria automobilística no país e no tenção de empregos nas montadoras e
mundo dependem grandemente das so- fornecedores; ao contrário, haverá um
luções para inverter a situação de crise esvaziamento de empregos nas regiões
por que o setor vem passando. Parte dela produtoras tradicionais (ABC) sem uma
decorre da crise do próprio automóvel: reposição completa nas novas regiões
um produto que evolui, agregando produtoras (Paraná, Rio Grande do Sul
novas tecnologias, mas que se defronta e Bahia), confirmando movimento equi-
cada vez mais com o desafio da mobili- valente da indústria automobilística na
dade, ou melhor, da falta de mobilidade. Europa e nos Estados Unidos.
A necessidade de flexibilidade em um
transporte individual confortável e seguro Os mercados automotivos encon-
é posta em cheque por vias congestio- tram-se estagnados ou em crise, como
nadas, trânsito violento, poluição e fluxo repercussão da crise mundial, levando
fora de controle. Infra-estruturas cada vez ao necessário rearranjo das empresas do
mais caras, como super-rodovias infor- setor, com a geração de megafusões,
matizadas e estacionamentos subterrâ- para fazer frente à redução da rentabi-
neos, desafiam o benefício e o conforto lidade em relação a outros setores da
do usuário de automóvel diante de custos economia. Os Estados nacionais, com
crescentes para a sociedade. Mesmo interesse em atrair novos investimentos,
assim, o automóvel continua sendo um estão subordinando suas políticas de
produto com elevadas elasticidade-renda integração econômica, desenvolvimen-
e elasticidade-preço, situado entre os mais to industrial e regional às estratégias e
desejados objetos de consumo. interesses dos oligopólios globais.

Tais elasticidades inclusive justificam Após continuado crescimento da


as políticas fiscais aceleracionistas, como produção e venda de automóveis no
as implementadas pelo governo brasilei- Brasil, entre 1990 e 1997, está ocorrendo
ro em toda a década de 90, com o obje- um período de forte contração, desde os
tivo de manter empregos e estimular a impactos da crise asiática e russa e dos
produção setorial, apesar das críticas de desajustes cambiais da economia brasilei-
privilegiar um setor dominado por em- ra. A política de juros altos, com o objetivo
presas multinacionais ou de privilegiar de manter capitais voláteis na economia
fiscalmente um produto consumido por brasileira, vem prejudicando diversos se-
reduzida fatia da população. tores da economia, sobretudo o automo-
tivo, que observou uma contração de
Ademais, em face das novas tecno- produção e vendas, em 1998, equivalen-
logias físicas e de gestão implantadas no te a toda a produção argentina de 1997
modelo de produção enxuta com au- (400 mil unidades).
210 Novo Ciclo de Investimentos da Indústria Automobilística no Brasil

Quem analisa o mercado brasileiro, quilíbrio na balança comercial do setor


sob uma perspectiva de longo prazo, no Mercosul, dado o melhor preço rela-
percebe que o stop-and-go – com ciclos tivo dos modelos brasileiros com relação
acentuados de crescimento e contração – aos importados argentinos.
é mais normal do que longos períodos de
crescimento suave e sustentado. Isso Recentemente, os desencontros em
revela não só a elevada sensibilidade do torno do acordo emergencial e do plano
setor à política e à conjuntura econômica nacional de renovação da frota, bem
do país, mas também a uma demanda como os impasses para o Novo Regime
de veículos contida pela forte concentra- Automotivo do Mercosul, que devem
ção de renda e por políticas deficientes acabar com a prorrogação das regras
de financiamento. atuais até 2003, revelam a necessidade
de uma nova concertação geral entre os
A maxidesvalorização da moeda diferentes personagens e interesses do
brasileira, efetuada em janeiro de 1999, setor (montadoras, trabalhadores, gover-
depois de um longo período de sobre- nos federal e estaduais, consumidores,
valorização, altera significativamente fornecedores, revendedores, financeiras
alguns parâmetros desse mercado. So- e parceiros comerciais). Interesses muitas
breveio maior incentivo à elevação do vezes divergentes, em um ambiente insti-
conteúdo nacional dos veículos – fa- tucional precário e conjuntura econômica
vorecendo a indústria nacional de auto- recessiva, dificultam a possibilidade de
peças – e à manutenção da produção acordos parciais e arranjos temporários.
de modelos com elevado conteúdo na- Somente uma tentativa de acordo geral,
cional, dando sobrevida a modelos mun- base para um novo regime automotivo
dialmente defasados. Paralelamente, no Mercosul, e com participação de
ocorre menor pressão competitiva dos todos os personagens, poderá definir um
importados, podendo favorecer a ace- novo marco para a sustentação do cresci-
leração de projetos industriais das new- mento da indústria automobilística nacio-
comers (mesmo em um mercado menor nal, evitando a reinauguração da guerra
para todos) ou uma tendência ao dese- fiscal.
Wilhelm E. Milward A. Meiners 211

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IPEA, 1997. (Texto de Discussão n. mista da Secretaria de Planejamento
500). do Paraná
R ese n h a s
Cidade-Empresa
Presença na paisagem urbana brasileira
Rosélia Piquet
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor
1998, 166 p.

Leila Christina Dias

Muitos autores se dedicaram ao estudo Nesse contexto, Rosélia Piquet apre-


das cidades brasileiras a fim de com- senta uma análise rica em ensinamentos
preender a constituição, a evolução e a sobre a complexidade do papel das cida-
natureza da rede urbana em diferentes des-empresa no processo da formação
fases históricas. Desde a época da “urba- urbana brasileira. Para a autora, “o obje-
nização interior” – expressão utilizada tivo é indicar que tais empreendimentos,
por Milton Santos para sintetizar o con- por serem veículos da expansão de
junto de processos que determinou a novas condições técnicas de produção
interiorização do nó urbano na Região em pontos selecionados do território
Sudeste, entre 1940 e 1960 1 – até os nacional, proporcionam o avanço da
dias atuais, novas dinâmicas sociais, fronteira econômica e espacial, influindo
econômicas e políticas redesenharam o no processo de integração nacional e
território brasileiro. As pesquisas se mul- sendo, portanto, um ângulo relevante
tiplicaram e mostraram que na história de nossa formação urbana” (p. 7).
da urbanização coexistem eventos de-
terminados por interações locais e pro- O livro é o resultado de longos anos
jetos definidos por concepções globais de pesquisa dedicados a atentas leituras
sobre o papel das cidades no processo e exaustivas entrevistas com funcionários
de divisão territorial do trabalho. de diversos níveis hierárquicos no inte-

1
Milton SANTOS, Crescimento nacional e nova rede urbana: o exemplo do Brasil. Revista
Brasileira de Geografia, v. 29, n. 4. p. 78-92, 1967.

Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XIII, No 1, 1999, p. 217-219


218 Resenha

rior das empresas, com políticos locais, compreende a construção de núcleos de


médicos, professores, lideranças sindicais moradia e de equipamentos urbanos es-
e religiosas, mas também com moradores senciais (nas áreas de saúde, educação
das vilas e “velhos portadores da história e lazer) junto aos espaços produtivos. A
oral do lugar”. A tarefa de dialogar com análise dessa prática empresarial revela
todos esses interlocutores não é simples, processos de uma urbanização multifa-
porque a compreensão do outro, como cetada. É possível reconhecer singula-
nos mostra T. Todorov, implica passar por ridades em cada empresa estudada,
fases sucessivas de um único e mesmo ligadas ao tempo de implantação, ao
ato, que é o ato de conhecer; entre a tipo de empreendimento e ao lugar
leitura do mundo a partir das nossas onde se instalam. Ao mesmo tempo, é
próprias lentes, passando pela crença na possível encontrar motivações econômi-
objetividade, até alcançar o diálogo com cas e políticas e lógicas sociais gerais que
o outro, há um longo e dificil trajeto a conduzem a localização dos empreendi-
percorrer 2. O interesse do texto de Rosélia mentos no território.
Piquet reside precisamente no fato de a
autora trazer conhecimento novo – no A decisão de implantação pode ser
sentido qualitativo –, só possível porque resultado de longas e conflituosas nego-
lentamente construído no decorrer do ciações, como as que marcaram os vinte
tempo. anos de disputas entre o capital nacio-
nal, o capital estrangeiro e o Estado
Na primeira parte do livro, a asso- sobre o desenvolvimento do setor si-
ciação entre a urbanização e o processo derúrgico no país e sobre a criação da
de integração do mercado nacional con- Companhia Siderúrgica Nacional em
textualiza o debate sobre o padrão loca- Volta Redonda. Ao contrário, pode dar
cional dos primeiros empreendimentos continuidade às estratégias empresariais
industriais da economia brasileira e sobre de atores particulares e dessa forma
as razões que levaram as empresas “a contar desde seu início com relativo
construir verdadeiras cidades nucleadas consenso, como foi o caso das Indústrias
por suas fábricas”. A segunda parte apre- Klabin de Papel e Celulose, cuja princi-
senta a trajetória de cinco empreen- pal unidade é a Divisão do Paraná, loca-
dimentos, tanto do setor estatal quanto lizada no Município de Telêmaco Borba.
do setor privado – Volta Redonda, Telê-
maco Borba, Ouro Branco, Aracruz e As expectativas de emprego, princi-
Carajás –, implantados em períodos his- palmente na fase das obras de cons-
tóricos diferentes, em áreas de ocupação trução civil, quase sempre combinadas
mais antigas e em regiões de fronteira. com o êxodo rural em outras regiões
do país, explicam os fluxos migratórios
O conceito de cidade-empresa e as espetaculares taxas de crescimento
(company town) que norteia a pesquisa demográfico. Uma vez implantadas, as
da autora é o de prática empresarial que cidades-empresa têm em comum o fato

2
Tzvetan Todorov, Les morales de l’histoire. Paris: Bernard Grasset, 1992.
Leila Christina Dias 219

de reproduzirem nas suas estruturas ur- mento urbano decorrente da instalação


banas a hierarquia funcional da usina, da Klabin no Estado do Paraná contri-
criando espaços estratificados por cate- buiu para a criação do Município de
goria funcional e padrão salarial. Há, em Telêmaco Borba, “e seu primeiro prefeito
geral, forte contraste entre os modernos é o gerente administrativo da fábrica”.
empreendimentos e seu entorno regio-
nal, impondo às empresas um desafio. Enfim, o livro contribui ao debate
Como expressa a autora, “em primeiro geral sobre as relações entre as escalas
lugar, porque a permanência desse con- na urbanização. Se o conceito aponta
traste, no decorrer do tempo, tende a para a inseparabilidade entre tamanho
ser desabonador à imagem das em- e fenômeno, a política revela que a capa-
presas; em segundo, porque acarreta cidade de articular escalas é exercício de
uma pressão social pelo acesso aos ser- poder. Da escala internacional à local,
viços monopolizados pelas empresas; e, os interesses dos diversos atores ganham
por fim, porque a persistência de um forma e conteúdo no primoroso capítu-
‘degrau’ entre as duas realidades difi- lo sobre Carajás. Problematizando a pre-
culta o processo de integração da cida- sença da cidade-empresa na paisagem
de-empresa na região.” (p. 124) urbana brasileira, o estudo de Rosélia
Piquet leva à reflexão mais ampla sobre
A relação entre empreendimento e as relações entre política e território e
política na escala do lugar é marcada pela ao mesmo tempo convida estudantes,
fragilidade do poder público frente à pesquisadores, políticos e planejadores
hegemonia da empresa. Primeiramente, ao diálogo em novo contexto, no qual
os processos são particulares, mas todos a mundialização da economia e as mu-
revelam o tênue limite entre o planeja- danças dos modos de organização da
mento privado e o planejamento público. produção neste fim de era fordista reno-
As estratégias de atuação da Açominas vam a discussão sobre o papel das ci-
em Ouro Branco – cessão de áreas e dades e das regiões na organização do
equipamentos urbanos para a prefeitura território.
e manutenção de pessoal qualificado nos
quadros administrativos da municipali-
dade – provocaram a transformação,
pela Câmara Municipal, do Plano de De-
senvolvimento Urbano em lei, o que
deixou a empresa de mãos livres para
disciplinar o uso do solo e a integração
da antiga cidade com os novos bairros
implantados. Em segundo lugar, a cida-
de-empresa comparece como um dos Leila Christina Dias é professora
elementos explicativos do processo de do Departamento de Geociências da
municipalização no Brasil: o rápido cresci- Universidade Federal de Santa Catarina
Desarrollo, Geografía y Teoría Económica
Paul Krugman
Barcelona: Antonio Bosh Ed.
1997, 113 p.
(Tradução espanhola de Development, Geography and Economic Theory.
Cambridge: Massachussetts Institute of Technology, 1995.)

Neio Campos

O professor Paul Krugman está entre os Economia de Estocolmo, em 1992, o


principais formuladores do atual debate livro apresenta uma interessante refle-
em teoria econômica, especialmente pelo xão epistemológica acerca da geografia
reexame das idéias tradicionais sobre co- econômica e da teoria do desenvolvi-
mércio internacional e pela ênfase na ca- mento.
tegoria espaço nos modelos explicativos
dessa teoria. O seu trabalho junta-se ao O seu ponto de partida é a consta-
de uma corrente de analistas do comércio tação da origem dessas disciplinas num
internacional que percebeu, no final dos mesmo momento histórico, ou seja,
anos 70 e início dos anos 80, que não quase no final dos anos quarenta. Pa-
era possível resumir toda a explicação das radoxalmente, após terem gozado de
trocas entre nações por meio da van- grande prestígio no meio acadêmico e
tagem comparativa. A disposição para de notável influência entre os políticos e
considerar a importância dos retornos planejadores nos anos cinqüenta, estão
crescentes, da presença das economias hoje quase totalmente esquecidas, sobre-
externas de escala e dos acidentes históri- tudo no que se refere à teoria econômica
cos (path-dependency) na determinação neoclássica.
de estruturas econômicas requeria uma
nova “engenhosidade” na construção Segundo Krugman, o que provocou
analítica do comércio internacional. essa marginalização foi a incapacidade
tanto da geografia econômica quanto da
Fruto de uma série de conferências teoria do desenvolvimento de tratarem
realizadas por Krugman na Escola de formalmente a estrutura do mercado: a

Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XIII, No 1, 1999, p. 221-223


222 Resenha

construção de modelos requereria, em rem seus modelos com base na noção


termos de localização da atividade econô- de rendimentos crescentes, a teoria do
mica no espaço, superar os pressupostos desenvolvimento fracassou porque não
da análise econômica ortodoxa relacio- procedeu da mesma maneira.
nada aos lucros constantes e à compe-
tição perfeita. No entanto, a partir dos O que teria provocado a decadên-
anos 70, os estudos da nova teoria da cia e o conseqüente abandono da teo-
organização industrial introduziram nos ria do desenvolvimento? Com ironia, o
modelos econômicos a idéia de compe- autor afirma acreditar não terem sido
tição imperfeita e de existência de lucros as políticas inspiradas na teoria do de-
crescentes, a noção de equilíbrio múltiplo senvolvimento, as quais impediram mais
por toda parte e um decisivo papel da do que favoreceram o crescimento eco-
história e das incertezas da tomada de nômico. A razão do desaparecimento da
decisão, proporcionando, especialmente especialidade teria sido a incapacidade
à geografia econômica, um novo aparato de os principais economistas do desen-
conceitual para tratar o espaço nos volvimento traduzirem suas intuições em
cânones do rigor formal, procedimento modelos precisos, capazes de servir
hoje hegemônico entre os teóricos da como fundamento para uma disciplina
Economia. perene.

Inicialmente, o autor procede a uma Com relação à história da geografia


rápida revisão das principais teorias em econômica, o autor se interroga sobre
economia do desenvolvimento. Para as razões que levaram os economistas a
motivar o leitor, apresenta uma moder- subestimar os temas espaciais, não obs-
na versão do modelo do “Grande Im- tante o reconhecido esforço, feito há
pulso”, segundo ele uma demonstração quase quarenta anos atrás por Walter
minimalista do papel potencial que as Isard, para incluir o espaço na teoria eco-
externalidades pecuniárias têm sobre o nômica. A resposta residiria na dificuldade
desenvolvimento. de se pensar o mercado diante da exis-
tência de rendimentos crescentes, proble-
O problema que aqui se evidencia, ma mais agudo na geografia econômica
recorrente em todas as outras formula- do que na economia do desenvolvi-
ções da teoria do desenvolvimento, re- mento.
laciona-se à impossibilidade de construir
modelos gerais sobre a estrutura do Assim, para justificar sua resposta,
mercado incorporando a noção de Krugman efetua uma revisão das princi-
competição imperfeita. Krugman acres- pais tradições em geografia econômica
centa que, enquanto os teóricos do co- em que utiliza, nas suas próprias pala-
mércio e do crescimento apreenderam vras, uma classificação um tanto impre-
a necessidade de deixar de lado toda a cisa e arbitrária. Identifica nesse campo
pretensão de generalidade ao construí- do conhecimento cinco tradições:
Neio Campos 223

Teoria de localização (Alfred Weber)


1. Geometria germânica
Teoria do lugar central (Walter Christaller)
Lei de Zipf
2. Física social Lei da gravidade (índice de potencial de
mercado)
Alan Pred (variante do conceito de
3. Causalidade cumulativa
causalidade circular e cumulativa)
Vernon Henderson (modelo de sistemas
4. Externalidades locais
urbanos)
5. Análise da renda do uso do solo Teoria da renda de Von Thunen

Entre essas tradições, Krugman con- Finalmente, não se pode deixar de


sidera o modelo de Von Thunen a prin- observar a competente argumentação
cipal, por sua capacidade de explicar as apresentada neste pequeno livro, em
forças que dispersam a atividade eco- relação ao papel dos modelos como lin-
nômica a partir de um mercado central guagem científica e ao seu uso cuidadoso
urbano. Contudo, nada diz e nem pode por todos aqueles que dele se utilizam,
dizer acerca das forças “centrípetas” que pois, conforme sublinha Krugman, é pre-
criam esse mercado central, reunindo a ciso estar consciente de que os modelos
atividade econômica num mesmo lugar. são mapas (representação) e não a pró-
pria realidade.
O autor expressa, porém, declarado
otimismo quanto às novas ferramentas Dado o peso particular atribuído
hoje acessíveis aos economistas: a mo- por Krugman aos modelos no discurso
derna teoria econômica dispõe de alguns científico, sua reflexão nos incita a res-
“truques” que possibilitam o enfrenta- saltar, por outro lado, a importância de
mento da questão da modelização em não deixar escapar formulações como
economias sujeitas a rendimentos cres- as que foram geradas no seio da teoria
centes ou à competição monopolista. do desenvolvimento e da geografia eco-
Segundo suas palavras, é chegado o nômica, tão só porque não tenham sido
momento da geografia econômica! expressas na linguagem dos modelos
formais.
Apresentando ao leitor uma mode-
lização recente, Krugman procura vali-
dar e integrar as tradições proscritas em
geografia econômica, ou seja, a teoria Neio Campos é doutorando do Ins-
do lugar central, o enfoque do potencial tituto de Pesquisa e Planejamento Urba-
de mercado e a idéia de causalidade cir- no e Regional da Universidade Federal
cular e cumulativa. do Rio de Janeiro - IPPUR/UFRJ
REVISTA LATINOAMERICA DE
ESTUDIOS URBANO REGIONALES
http://www.scielo.cl
Vol. XXV/ N°74/Abril 1999
Artículos
Territorio flexible en la semiperiferia. La frontera norte mexicana
Ovidio González
Dinámica productiva y desarrollo urbano. La respuesta de la ciudad de Vitoria (País Vasco) a
los desafios de la globalización.
Antonio Vázquez-Barquero
Transferencia de recursos económicos financieros e impactos territoriales en Venezuela. Caso
de estudio: región Zuliana v/s región Capital
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Henri Acselrad
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Bonos de infraestructura: ¿la solución al financiamiento de proyectos en Chile?
Javier Freire

Vol. XXV/ N°75/Septiembre 1999

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Teorías de desarrollo industrial regional y políticas de segunda y tercera generación
A.H.J. (Bert) Helmsing
Las desigualdades territoriales en el estado Español. 1955-1995.
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Latina: un análisis del complejo de exportación de fruta chilena
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Eure tribuna
¿Qué debe hacer el gobierno local ante los grandes emprendimientos en el comercio
minorista?
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justiça do lobo. Petrópolis: Vozes, 1986, p. 60.
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lico); volume (se houver) e número do pe- Endereço _______________________
riódico; data da publicação; número da
página. _______________________________
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27, julho de 1990, pp. 67-92.
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