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Musicoterapia Música para promover a qualidade de vida

VIOLAO

Quaternaglia
O quarteto fantástico fala sobre
a carreira e o novo álbum

E mais:
Viola Caipira: Escalas duetadas e a escuta
Flamenco: rasgueados de dedos
Cordas de aço: baixo alternado
Arranjo exclusivo: “Eu Sei Que Vou Te Amar”
Como estudar: posição da mão direita Ano 1 - Número 1 - Setembro 2015
“Tirar” de ouvido: arte ou técnica? www.violaomais.com.br

História Antecedentes históricos do repertório violonístico


editorial
A chegada da número 1
Há um bom tempo não temos uma publicação para esse instrumento tão querido, tão
próximo a nós, que é o violão - o mais tocado do Brasil, que está em boa parte das casas,
muitas vezes usado todos os dias, outras por anos em cima de um guarda-roupas... Mas é
ele, o violão, que povoa o sonho de muitas pessoas. E são tantos sonhos, desde ser músico
profissional até simplesmente dedilhar alguma música que emocione. E nada, ou quase
nada, está sendo organizado em uma publicação! Como assim? Nos dias de hoje, com
internet, todo mundo dizendo que é fácil, que está tudo lá... Mas, lá onde? As informações
são confiáveis? Há algum filtro? Quem se dispõe a organizar? Pois bem, Violão+ chega
para tentar cobrir parte dessa lacuna colossal. Busca atender aos já aficionados por esse
instrumento e seus parentes próximos, nos seus anseios por informações de qualidade
para a sua evolução. Tenta trazer para este universo quem está começando, apresentando
o básico de maneira agradável e organizada. Também oferece em seu conteúdo o que há
de melhor em equipamentos, shows, eventos, instrumentos musicais, cordas, CDs, DVDs,
websites, enfim, o que estiver relacionado ao violão e outros instrumentos que tenham raiz
semelhante, com destaque para as entrevistas com grandes expoentes do instrumento e
profissionais que o usam como ferramenta
de trabalho. Além disso, Violão+ tem outro
objetivo, bem ambicioso: aproximar dois
mundos que nunca deveriam estar tão
separados, o da música erudita e o da música
popular. Chegando agora, Violão+, novinha
em folha (virtual), cometerá seus erros e
terá correções em sua rota. Certamente,
cumprirá seu papel aglutinador. Para isso,
conta com grandes colaboradores, desde o
seu nascedouro. Tomara, novos cheguem.
E há muita, mas muita mesmo, vontade de
acertar deste editor. Seja bem-vindo!

Luis Stelzer
Editor-técnico

VIOLAO Ano 1 - N° 01 - Setembro 2015


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Os artigos e materiais assinados são de responsabilidade de seus
autores. É permitida a reprodução dos conteúdos publicados aqui
Editor-técnico
Luis Stelzer
editor@violaomais.com.br

Colaboraram nesta edição


Breno Chaves, Fabricio Rosil,
Fabio Miranda, Flavio Rodrigues,
Luisa Fernanda Hinojosa Streber,
desde que fonte e autores sejam citados e o material seja enviado Márcia Braga, Reinaldo Garrido Russo,
para nossos arquivos. A revista não se responsabiliza pelo conteúdo Renato Candro, Rosimary Parra e
dos anúncios publicados. Walter Nery
índice

16 40
História Como
estudar

22 43
Quaternaglia Violão
brasileiro
4
Em pauta 46
Siderurgia
8
Ponto de 49
Vista Em grupo
10 36 52
Onde toca Flamenco Violão
meu violão Popular
14 38 54
Vitrine De ouvido Coda
32
Mundo

34
Viola
caipira

Publisher e jornalista responsável Foto de capa


Nilton Corazza (MTb 43.958) Divulgação
publisher@violaomais.com.br
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EM PAUTA

Guinga e os clássicos da MPB


Porto da Madama é o mais novo CD do músico e
compositor Guinga, que traz 13 faixas compostas por
nomes como Tom Jobim, Vinícius de Moraes, Dorival
Caymmi e Luiz Gonzaga. O disco dá nova roupagem a
clássicos da MPB apostando no formato voz e violão,
com arranjos inéditos do artista, que ainda apresenta
composições com alguns de seus parceiros, entre
eles Aldir Blanc. Para acompanhá-lo no novo trabalho,
Guinga convidou quatro cantoras de diferentes países:
a brasileira Mônica Salmaso, a italiana Maria Pia de
Vito, a portuguesa Maria João e a norte-americana
Esperanza Spalding.
4 • VIOLÃO+
EM PAUTA

SETEMBRO
Aos 60 anos – três décadas
depois de ter trocado o Rio de
Janeiro por Nova York – Romero
Lubambo acaba de lançar seu
terceiro CD pelo prestigioso selo
jazzístico Sunnyside. O novo
álbum-solo (violão acústico e
guitarra elétrica) traz o título de
Setembro - A Brazilian Under The
Jazz Influence e é apresentado
pela gravadora como “um fabuloso
retrato auditivo de um músico
que faz a ponte entre o jazz e a
música popular brasileira, e entre
o violão acústico e a guitarra
elétrica jazzística”. Lubambo [e
considerado um dos maiores e
mais requisitados ou do planeta.

DISCO E TURNÊ
O bandolinista Hamilton de
Holanda propõe uma travessia
musical em seu novo álbum, Pelo
Brasil. O projeto exalta alguns
dos mais representativos ritmos
brasileiros, como o choro, o baião,
o maracatu, o samba, o bumba-
meu-boi, a moda de viola e o
chamamé. Pelo Brasil também é um
espetáculo interativo que mistura
música, textos e projeções, em
que o músico mostra um repertório
baseado em composições autorais
inéditas e possibilita ao espectador
uma experiência singular, como
no momento em que ele cria uma
música ao vivo.
VIOLÃO+ • 5
EM PAUTA

CONQUISTA
Há tempos os músicos de choro do Estado de São Paulo não se orgulhavam tanto. Na
reinauguração do antigo e (agora) reformado Teatro Arthur Azevedo, no bairro da Mooca,
no dia 21 de agosto, o público ouvia atentamente as interpretações de Izaías e Seus
Chorões no show Chorando São Paulo, momento histórico para celebrar a conquista de
um espaço destinado não apenas ao choro, mas a todas as artes, consagrando-se como
sede dos chorões. Por meio da Prefeitura Municipal e da Secretaria de Cultura de São
Paulo, os instrumentistas de choro tiveram a glória de inaugurar sua nova sede. O Clube
do Choro de São Paulo terá como sede o Teatro Arthur Azevedo e suas atividades se
espalharão por pontos da grande São Paulo. A ideia é descentralizar as ações, levando
a cultura do gênero choro à população. Haverá também, nesses pontos específicos,
aulas de música voltadas ao gênero, workshops e palestras. (Fabrício Rosil)
6 • VIOLÃO+
você na violão+

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VIOLÃO+ • 7
ponto de vista

Sobre o ensino
Fabrício Rosil
As iniciativas particulares e os patrocínios buscam preencher uma
lacuna existente no desenvolvimento de uma sociedade mais sensível
e reflexiva. Mas será que isso basta?

Em uma conversa informal, um grande autodidata. Depois, passei a habilidade de


compositor brasileiro me perguntou: aprendizagem autodidata para o violão, até
“Qual a diferença entre música erudita e decidir de vez por estudar música. Tomei
popular?”. Estava eu diante de uma questão gosto em aprender de forma natural e
frequente nas universidades, nos centros com facilidade, talvez por conviver quando
de estudos musicais, conservatórios, nas criança num ambiente onde sempre existia
rodas de músicos, nos papos de boteco música. A decisão de me profissionalizar
e que, normalmente, geram inúmeros tornou-se concreta e em pouco tempo
pontos de vista, reflexões e discussões. entrei no universo musical, estudando
Pois bem, com muito cuidado para não violão erudito e, mais tarde, canto popular.
dizer algo inapropriado diante de um Hoje, trabalhando como instrumentista,
literato musical, interrompido pelo silêncio, intérprete e principalmente educador
esperei atenciosamente por sua resposta: musical, percebo a falta que a música faz
“A diferença é o tratamento. Na maioria das no setor educacional de uma coletividade.
vezes, o compositor erudito se preocupa Com certeza teríamos uma sociedade
muito como iniciar, desenvolver e como mais sensível, menos individualista
encerrar melhor um motivo (linha melódica). e com senso voltado ao campo das
Na música popular, essa preocupação é reflexões. Hoje, por causa do abandono
menos frequente. Isso não significa que das atividades artísticas e dos campos
um estilo musical é superior a outro. Tudo de atividades voltadas às reflexões pelas
é música e, para compor, o indivíduo escolas de ensino municipais e estaduais
precisa de estímulo. Quando lecionava, - como foram as atividades até meados
meus alunos viviam me perguntando o que do final da década de 1980 -, as mesmas
me inspirava a compor. Costumo prestar instituições de ensino sentem dificuldades
atenção a tudo aquilo que as pessoas não em implementar a volta da matéria nas
percebem”. (Edmundo Villani Cortes). escolas. Não estou aqui para denunciar
as autoridades e representações públicas,
Pontos de vista mas para alertar que um dos principais
Desde criança ouvi música ao acompanhar fatores que atrasam o desenrolar dessa
auditivamente em minha casa os estudos questão é a falta de profissionais na área.
do meu pai. Ouvia, na maioria das vezes, Em conversas com alguns estudantes de
chorinho, seresta, samba canção, baião, educação musical e professores do núcleo
samba e bossa nova. Interessei-me em preparatório para o vestibular de música
tocar cavaquinho na adolescência, de forma da Universidade Estadual de São Paulo,
8 • VIOLÃO+
fui informado que a academia tem grande não governamentais que exercem - por
preocupação em formar profissionais da meio de patrocínio, editais ou até mesmo
área de educação musical para cobrir de forma voluntária - um grande papel
a demanda de professores qualificados voltado à cultura para a sociedade.
para lecionar a matéria. Só que, para isso,
não basta formar esses profissionais, Exemplo
pois a realidade das escolas municipais e Essa é a história da escola de música
estaduais é bem diferente do que se possa da cidade de Sambaíba, no Estado do
imaginar. Essa pode ser uma das razões Ceará. Trata-se de uma instituição com
para a demora em vermos a música de poucos patrocinadores que conta com
volta à grade curricular. Talvez fosse profissionais, voluntários em sua maioria,
interessante ter um perfil das escolas e dos que fazem um trabalho de educação
alunos para planejar e enviar profissionais musical voltado às crianças ribeirinhas. O
preparados a lidar com indivíduos de projeto já existe há mais de dois anos e leva
características complexas, como alunos aos estudantes uma perspectiva de vida e
com problemas familiares, excluídos, cultura muito séria. O produtor Capucho
com baixa auto-estima, entre outros. Se (Capucho Produções) enfatiza que, a cada
conseguissem fazer uma força tarefa para ano, há uma luta constante para conseguir
mapear escolas municipais em diferentes patrocínio para manter as aulas e a
pontos da capital e grande São Paulo manutenção dos instrumentos, tendo que,
e direcionar profissionais capacitados e às vezes, tirar do próprio bolso para não
cientes com essa realidade, talvez isso interromper o processo de acessibilidade
fosse um grande início para se desenvolver. dos alunos. Na escola, as crianças estudam
A pessoa pode até não se identificar com tudo sobre música, teoria e prática de
a música, mas é preciso oferecer essa instrumentos, além de assistirem filmes de
atividade, para que ela tenha opção e instrumentistas e de culturas e linguagens
direito de escolha, lembrando que existem de outros estados. Um belo exemplo de
muitas escolas, projetos e organizações resistência pela cultura.

Fabricio Rosil é violonista, cavaquinista, cantor, compositor,


arranjador, professor e educador musical. Formou-
se pela ULM ( Universidade Livre de Música) em violão
erudito e canto popular. Acompanhou artistas como
Altamiro Carrilho, Zé Barbeiro, Fabio Perón, Monarco, Jair
Rodrigues, Dona Inah, Fabiana Cozza, Ilana Volcov, Anai
Rosa, Verônica Ferriani, e Karina Nini, entre outros. Foi
indicado em duas edições do Prêmio da Música Popular
Brasileira na categoria “ Vale Cantar” interpretando Noel
Rosa e João Bosco.Atualmente se apresenta em casas de
Escola de Música de Sambaíba: missão espetáculo, teatro, casas de cultura, e bares de São Paulo.

VIOLÃO+ • 9
onde meu violão toca Por Luis Stelzer

Musicoterapia
A atividade que utiliza a música como forma de promover a
qualidade de vida das pessoas atua como auxiliar na terapêutica de
diversos distúrbios físicos ou psicológicos

Entre diversas atividades relacionadas Universidade Presbiteriana Mackenzie


ou não à música, a Musicoterapia é uma (UPM). Atualmente, é professora titular dos
das que mais são beneficiadas pelo uso Cursos de Graduação e Especialização em
do violão. Nesta entrevista, conversamos Musicoterapia do Complexo Educacional
com uma profissional da área, que nos das Faculdades Metropolitanas Unidas
esclarece sobre como o instrumento (FMU) e supervisora da Clínica-Escola
é utilizado, quais as vantagens de tê- de Musicoterapia da mesma instituição.
lo como ferramenta e o que se espera Coordena a equipe de Musicoterapia
alcançar por meio dele. do Espaço Voice, onde também realiza
Priscila Bernardo Mulin é graduada atendimentos em musicoterapia preventiva
em Musicoterapia pelas Faculdades com gestantes e adultos em geral.
Metropolitanas Unidas (FMU), especialista
na área de Saúde Mental/Dependência VIOLÃO+: A musicoterapia ainda
Química pela Universidade Federal de é um grande mistério para uma
São Paulo (UNIFESP) e mestre em considerável parcela da população
Educação, Arte e História da Cultura da brasileira, incluindo músicos. Do

Musicoterapia é a utilização da música e/ou seus


elementos (som, ritmo, melodia e harmonia) por
um musicoterapeuta qualificado, com um cliente
ou grupo, num processo para facilitar e promover
a comunicação, a relação,a aprendizagem, a
mobilização, a expressão, a organização e outros
objetivos terapêuticos relevantes, no sentido
de alcançar necessidades físicas, emocionais,
mentais, sociais e cognitivas. A terapia objetiva
desenvolver potenciais e restabelecer funções
do indivíduo para que ele possa alcançar
uma melhor integração intra e interpessoal e,
consequentemente, uma melhor qualidade de
vida, pela prevenção, reabilitação ou tratamento.
Fonte: União Brasileira de Associações de Musicoterapia
www.musicoterapia.mus.br

10 • VIOLÃO+
onde meu violão toca
que trata a área? Está mais ligada à
música ou à psicologia?
A Musicoterapia não está diretamente
vinculada nem somente a música
nem a psicologia. Pode-se dizer que
a Musicoterapia é uma profissão
transdisciplinar, pois emerge do
entrelaçamento de diferentes saberes,
especialmente daqueles que dialogam
com os campos das artes e da saúde,
mas transborda tais conhecimentos,
construindo um novo campo de saber,
que passa a apresentar características
próprias que a delimitam e a diferenciam
de outras áreas que têm a música ou Priscila Bernardo Mulin: musicoterapeuta
a saúde como objeto de investigação
e ofício. Então, podemos dizer, que a de forma multidisciplinar, ou seja, cada
Musicoterapia é uma profissão da área área isolada em que há uma somatória
da saúde que favorece a experiência de conhecimentos.
musical e sonora a fim de promover
a qualidade de vida das pessoas. Ela Violão+: Como são as principais
também pode ser utilizada em diversos formas de sessão?
tipos de tratamento de saúde e na Costuma-se dividir as práticas da
reabilitação de doenças. Parte-se da utilização desse tipo de terapia em
premissa de que os elementos sonoro- duas grandes vertentes: a receptiva
musicais são suscetíveis a promover e a interativa. No primeiro caso, o
mudanças no indivíduo, influenciando musicoterapeuta proporciona ao
todas as suas capacidades: sensorial, cliente/paciente experiências de
motora, mental, afetiva, criadora, audição musical. Já na musicoterapia
musical propriamente dita, estética, interativa, enfatiza-se o fazer musical,
cultural e social. O musicoterapeuta é assim o cliente/paciente se expressa
um profissional que se forma em um por meio de instrumentos musicais,
Curso de Graduação em Musicoterapia, atividades corporais, canto e de toda
obtendo a titulação de bacharel em gama de expressões não-verbais, por
Musicoterapia. A matriz curricular desse experiências de recriação, improvisação
curso é híbrida por natureza, por conta musical e de composição. A escolha
da própria característica do surgimento das experiências musicais a serem
interdisciplinar da profissão. Conta favorecidas varia de caso a caso e
com disciplinas que abrangem três do objetivo clínico específico, afinal
grandes áreas: Científica, Artística e cada pessoa se expressa e percebe
Sensibilizadora. Tais áreas, no entanto, a música de forma própria. É o que
não podem ser consideradas apenas chamamos de identidade sonora. Essas
VIOLÃO+ • 11
onde meu violão toca
processo terapêutico, que se constitui
ao longo de sessões periódicas com
objetivos pré-determinados.

VIOLÃO+: O violão está muito


presente em suas sessões. Como
isso acontece? Em que momentos o
violão é uma ferramenta importante
em seu trabalho?
O violão é uma ferramenta essencial.
Eu o utilizo em muitos atendimentos
que realizo, de diferentes formas e
funções. Algumas vezes, toco canções
Musicoterapia: violão como ferramenta já existentes para que o cliente possa
cantar ou tocar junto, ou simplesmente
formas de perceber as sonoridades ouvir. Também desenvolvo bases
não estão ligadas apenas ao gosto harmônicas para que o cliente
musical da pessoa, mas também à possa improvisar vocalmente ou em
sua própria condição de percepção outro instrumento, ou se expressar
do mundo. Uma criança com paralisia corporalmente. Da mesma forma, crio
cerebral apresentará uma vivência harmonias ou bases musicais para
da música completamente diferente favorecer um processo de composição
de um adulto com depressão, por do paciente. Essas são as maneiras
exemplo. Os objetivos clínicos e as que mais uso, mas o violão pode ser
experiências musicais favorecidas utilizado de formas não convencionais
serão qualitativamente diferentes ao também, servindo, por exemplo, como
se considerar as formas de lidar com o um objeto sonoro que gera vibração.
mundo dessas pessoas. A criança com Nesses casos, ele é utilizado para
paralisia cerebral talvez se beneficie estimulação sensorial ou tátil que
muito mais do aspecto motor e pode gerar relaxamento corporal.
organizador da experiência sonora, ao Na Musicoterapia, o violão pode ser
passo que o adulto depressivo talvez utilizado tanto pelo musicoterapeuta
se beneficie muito mais do caráter quanto pelo cliente. É interessante
expressivo e afetivo da vivência musical. que, muitas vezes, ele representa algo
A Musicoterapia tem uma abrangência a mais do que um simples instrumento
de aplicação muito grande. As principais musical, servindo como um símbolo ou
áreas de trabalho do musicoterapeuta uma representação de outras pessoas
incluem saúde, educação, profilaxia, ou situações. Uma vez, por exemplo,
social e investigativa. É importante trabalhei com um menininho autista
ressaltar que a musicoterapia não se cujo pai era representado pelo violão.
trata apenas de atividades musicais Ele sentia muita falta do pai, pois não
isoladas e aleatórias, mas sim de um moravam juntos. Nas visitas que o pai
12 • VIOLÃO+
onde meu violão toca
lhe fazia, ele usava o violão para cantar
de música. Naturalmente meu estudo
e se comunicar com o filho. Quando de violão teve que ser adaptado à
ele começou a vir para as sessões Musicoterapia. Digamos que a matéria
de musicoterapia, algumas vezes ele musical é a mesma, mas a forma de
trazia o pequeno violão que o pai lhe utilização do violão é mais livre e
deu de presente. E nas sessões em espontânea, especialmente em relação
que o violão estava presente, o clima às posturas na hora do executar o
era bastante tenso e o menino ficava instrumento. Na Musicoterapia, muitas
agitado. Eu não podia chegar perto do vezes, tocamos de pé, sentados no
violão. O menino, por sua vez, tirava chão, ou de qualquer outra forma que
o violão da capa e o agredia, batendo for necessária para acessar o paciente.
e chutando o instrumento. Quando o Na execução do violão nas sessões
violão dele não estava presente, ele de Musicoterapia, a música que mais
parecia menos agitado e eu podia utilizo é a popular, tanto pela demanda
utilizar o meu violão para tocar músicas
de meus pacientes quanto pela minha
que ele gostava. Ele se aproximava e formação, que é primordialmente essa.
colocava a mãozinha no violão emitindo Estudei pouquíssimo violão erudito,
algumas vocalizações e movimentos apesar de gostar muito. Mas utilizo
corporais. Com a continuidade do muitas gravações de quartetos e duos
processo musicoterapêutico, ele
ou de violão-solo quando trabalho com
deixou de utilizar o seu violão de forma
experiências receptivas. Também já
agressiva e passou também a utilizá-lo trabalhei tocando e compondo peças
como um meio de expressão, tocando simples em duo de violões com dois
suas cordas e vocalizando junto. pacientes, ambos esquizofrênicos: um
tinha sido músico profissional e outro
VIOLÃO+: Qual sua formação amador, antes de a doença desencadear.
musical? Você estudou muito violão Trabalhar duos de violão foi essencial
para poder usá-lo como ferramenta para organização psíquica de ambos.
de trabalho? Em que medida a
música clássica tem entrado nas
suas sessões? E a música popular,
também tem espaço?
Meu primeiro contato com o violão
foi aos nove anos de idade com uma
professora particular. A partir daí me
apaixonei e nunca mais larguei. O
contato com o violão me instigou a
querer conhecer e estudar mais música,
me levando a fazer aulas de canto,
teoria musical, percepção, história da
música, harmonia, estética musical,
tanto particulares quanto em escolas
VIOLÃO+ • 13
VITRINE

Rimpitch-C
O Rimpitch-C é um afinador
para ser usado no bocal do violão,
proporcionando ângulo de visão conveniente,
pois o músico pode vê-lo dentro de um ângulo natural
de sua visão, porém fora do alcance dos olhos do público.
O equipamento pode ser instalado em bocais com diâmetro
de 100 mm +/- 3 mm, permitindo que se encaixe em uma ampla
variedade de violões. Há um gancho que o impede de cair e, como
a parte que encosta no violão é feita de borracha, não há perigo de arranhar
o instrumento. O Rimpitch-C suporta afinação cromática, permitindo afinar em
qualquer escala e tom. O captador tipo piezo tem extensão de detecção de E2
(82.41 Hz) a E7 (2637.02 Hz). A função de calibragem permite ajustar a afinação
de referência em uma extensão de 238 - 445 Hz, suportando uma variedade de
afinações de concerto. Como adicional, o transporte e o armazenamento são
mais convenientes pois o músico pode deixar o afinador preso ao violão.

Pride Music – www.korg.com.br

O violão Yamaha SLG200N é ideal para momentos em


que um violão acústico não se encaixa perfeitamente

SLG200N ou para a amplificação. Sua performance quase


silenciosa permite praticar em silêncio. A tecnologia
de captação SRT Powered proporciona timbres
acústicos capturados em um ambiente de
estúdio de gravação profissional, além
de efeitos embutidos de alta
qualidade.

Yamaha do Brasil - www.yamaha.com.br

14 • VIOLÃO+
VITRINE

Wayne Kramer “Royal Tone”


Dreadnought CE
O violão Wayne Kramer “Royal Tone” Dreadnought CE é um
modelo personalizado em homenagem ao fundador da banda
MC5 e pai do punk rock. O instrumento traz acabamento Vintage
Sunburst em tampo em Spruce laminado com laterais e fundo
em Mahogany, com detalhes na escala e no headstock, trabalho
realizado pelo aclamado ilustrador e artista gráfico Shepard
Fairey (Obey Fame). Destaques para o braço “soft V” com
o headstock clássico década de 1970, escala (643mm) em
Rosewood Indiano, roseta com exclusivo trabalho gráfico e
tarraxas estilo vintage cromadas. O sistema de captação é
Fishman® Isys™ III com afinador.

Pride Music – www.fender.com.br

GS-55
A AlltechPro traz para
o Brasil o suporte para
violão GS-55, da Ultimate,
com sistema de trava patenteado.
O equipamento mede 31,10 cm
de altura aberto e 8,9 x 35,6 cm
fechado, em apenas 0,710 Kg, o que
garante facilidade no transporte.

AllTechPro – www.alltechpro.com.br
VIOLÃO+ • 15
história Por Rosimary Parra

Antecedentes históricos
do repertório violonístico
A música para violão é sempre muito atraente não apenas para
aqueles quesão apaixonados pela arte de tocar esse instrumento,
mas também para muitos apreciadores não violonistas que se
encantam com o refinamento dos repertórios renascentista e barroco

Para aqueles que têm alguma violonístico abrange obras que vão desde
familiaridade com o universo o século XV, com os compositores do
violonístico, é fato que, em alguma Renascimento, passando pela música
conversa sobre música para violão, Barroca e a música Clássico-Romântica,
surgirão referências brasileiras como até a produção contemporânea.
Dilermando Reis, Garoto, Américo Cabe lembrar que o violão com as
Jacomino e Baden Powell. Mas, logo características físicas com as quais é
virão outras lembranças, como um conhecido surgiu no fim do século XIX,
prelúdio de Bach, um estudo famoso de construído pelo luthier espanhol Antonio
Fernando Sor, uma peça do inglês John Torres Jurado (1817-1892). O violão de
Dowland ou, ainda, algum tema com Torres apresentou inovações em sua
variações de Narvaez. Dessa forma, construção que ainda hoje são seguidas
entendemos que o repertório tradicional pelos luthiers, como comprimento de
corda vibrante, dimensões do corpo do
instrumento, utilização de leques (tiras
de madeira) na parte interna do tampo
e o uso da cravelha mecânica.
Portanto, a música anterior a meados
do século XIX que se toca ao violão
foi, em grande parte, originalmente
criada para outros instrumentos de
cordas dedilhadas, alguns da família
das guitarras e alguns da família dos
alaúdes.
No período medieval, estiveram
presentes os alaúdes de menor
tamanho e uma variedade de outros
instrumentos de cordas dedilhadas dos
Iluminura: guitarra mourisca e guitarra latina quais não se tem muitas informações.
16 • VIOLÃO+
história

As referências que conhecemos dessa utilização de cordas duplas, à quantidade


época já apontam para uma diferença de cordas, ao uso de tastos (trastes)
de formato do corpo dos instrumentos. móveis, aos padrões de afinação e à
Pode-se observar esta disparidade em utilização de cravelhas, que diferem
uma iluminura do livro das Cantigas de das tarraxas mecânicas atuais.
Santa Maria de Alfonso X “O Sábio”,
que data do século XIII, na qual dois Guitarra romântica
músicos tocam instrumentos de cordas A utilização da corda simples se
dedilhadas, designados como guitarra estabelece com o modelo da guitarra
mourisca e guitarra latina. romântica. Esse instrumento com seis
A família das guitarras tem como cordas simples usa a mesma afinação
característica o corpo do instrumento em do violão moderno (Mi, La, Re, Sol, Si,
forma de oito. A família dos alaúdes tem Mi), mas o corpo é menor e sua estrutura
fundo abaulado e o corpo em formato de de construção interior é diferente.
pera. E há diversos tamanhos de alaúdes. Compositores relacionados: Mauro
As peculiaridades de cada um desses Giuliani, Matteo Carcassi, Fernando
instrumentos estão relacionadas ao Sor, Giulio Regondi, N. Coste e F.
formato e ao tamanho do corpo, à Carulli, dentre outros.

Guitarra romântica: França 1820

VIOLÃO+ • 17
história
Guitarra barroca
A guitarra barroca possui cinco ordens
sendo quatro pares de cordas e uma
corda simples. A afinação segue o
mesmo padrão do violão: La, Re, Sol,
Si, Mi. As cordas mais agudas, em
pares, são afinadas em uníssono. A
utilização de cordas agudas no lugar
dos bordões gera uma sonoridade muito
diferente do violão. Há também outras
possibilidades, para o uso de bordões
e afinação em oitava ou uníssono, de
acordo com o repertório a ser tocado.
Compositores relacionados: Gaspar
Sanz, F. Guerau, Robert de Visée e
Santiago de Murcia, entre outros.
Repertório: a guitarra barroca tem um
grande repertório solo, mas também é
utilizada na função de acompanhamento
para realização de baixo contínuo em
pequenas formações camerísticas
ou, ainda, trabalhando junto ao cravo
ou outros instrumentos de cordas
dedilhadas em orquestra barroca.

Vihuela de mano
A vihuela de mano possui seis ordens
sendo cinco pares de cordas e uma
corda simples. O padrão de afinação
é o mesmo utilizado para o alaúde
renascentista. O intervalo entre as
cordas segue o seguinte padrão, da
mais grave para a mais aguda: 4ª,
4ª, 3ª, 4ª, 4ª. Sabe-se que existiram
vihuelas de tamanhos variados e que,
portanto, podiam soar mais graves ou
mais agudas mantendo essa relação de
intervalos entre as cordas. A origem da
vihuela guarda também uma ligação com
a família das violas. Viola era o termo
italiano utilizado para instrumentos de
Vihuela de Mano: reprodução atual cordas. Para diferenciar a forma de
18 • VIOLÃO+
história
tocar foram usados os termos viola da No começo do Renascimento, por
braccio, viola da gamba e viola de mano exemplo, utilizavam-se alaúdes com
(na Espanha, “vihuela de mano”). seis ordens. Mais ao fim do século XVI,
Compositores relacionados: Luys o repertório já exigia instrumentos com
Milan, Luys de Narvaez, Diego Pisador, mais cordas graves. Em orquestras
E. de Valderrabano, Esteban Daza e barrocas, utilizava-se a tiorba ou
Alonso Mudarra, entre outros. o arquialaúde, instrumentos bem
Repertório: as publicações de música maiores com muitas cordas graves em
para vihuela contemplam o repertório um segundo cravelhame, com maior
solo e música para canto e vihuela. sonoridade e mais possibilidades
O repertório vihuelístico apresenta para realização do baixo contínuo. As
música contrapontística extremamente publicações para alaúde apresentam
refinada ligada à tradição franco- repertório solo, peças para canto e
flamenga dos compositores de polifonia alaúde e música para dois alaúdes.
vocal da época. O alaúde barroco é usado para o
repertório solo. Sua afinação é bem
Alaúdes diferenciada do alaúde renascentista.
Na família dos alaúdes vamos A tiorba tem repertório solo e também
encontrar algumas diferenças de é usada para realização do baixo
afinações entre os instrumentos de contínuo em formações camerísticas.
cada período. A diferença de tamanho Compositores relacionados: J.
entre os alaúdes está relacionada à Dowland, Francesco da Milano, V.
tessitura das vozes - soprano, alto, Capirola, J. A. Dalza, S. L Weiss, Charles
tenor e baixo – e, também, à quantidade Mouton, A. Piccinini, G. G. Kapsperger
de cordas graves acrescentadas. dentre outros.

Alaúde: variedade

VIOLÃO+ • 19
história
Repertório
Atualmente, no Brasil, existem alguns
luthiers que se dedicam à construção
de instrumentos antigos de cordas
dedilhadas. A possibilidade de adquirir
cópias de instrumentos de época e tocá-
los ampliou a abordagem musical do
repertório de música antiga também ao
violão. São muitos os tratados, métodos
e demais publicações em fac-símiles
disponíveis em sites especializados.
Alguns nomes das cordas dedilhadas, como
Hopkinson Smith, José Miguel Moreno,
Nigel North, Paul O’Dette, Jacob Lindberg
e David Starobin, fizeram gravações
relevantes no que diz respeito à uma
interpretação historicamente informada.
Deve-se ter em mente, também, a
importância do violonista espanhol Emilio
Pujol (1886-1980) - que resgatou a música
para vihuela incorporando-a ao repertório Emilio Pujol: o redescobridor da vihuela
violonístico - e também as gravações e históricos incentivaram outros intérpretes
atuações do violonista inglês Julian Bream violonistas a pesquisar, conhecer e tocar
ao alaúde em interpretações solo ou em a música para instrumentos antigos de
formações camerísticas. Tais registros cordas dedilhadas.

Tablatura Tablatura francesa: John Dowland – Mistris Winters Jumpe


As publicações para os instrumentos
de cordas dedilhadas até o período
barroco utilizavam o sistema de
notação em tablaturas. A tablatura
consta de linhas que representam as
cordas e a colocação dos dedos no
braço do instrumento é indicada por
meio de números ou letras. A indicação Tablatura italiana: Francesco da Milano - Intabulatura de Liuto
rítmica vem acima da tablatura, mas
não especifica a duração de cada nota
e sim o resultado rítmico de todas as
vozes. Os dois sistemas mais presentes
nas publicações são tablatura francesa
(letras) e a tablatura italiana (números).
20 • VIOLÃO+
CD-60 CE
CLASSIC DESIGN SERIES

Mahogany Black Natural Brown Sunburst

Os violões eletroacústicos CD-60 CE oferecem sonoridade e visual


sofisticados. A combinação do tampo em Spruce laminado, com laterais
e fundo em Nato, captação Fishman Isys III (ativa), Tarrachas Die-Cast
cromadas, braço em Nato com escala em Sonokeling (Black, Natural e
Sunburst) e Mahogany (Mahogany) de 20 trastes garantem sons ricos e
encorpados.

Importantes upgrades incluem um novo projeto de ponte, friso do bocal


em madre-pérola e novo escudo.

Os primorosos acabamentos Mahogany, Black, Natural e Sunburst


oferecem classe e estilo aos instrumentos, que vêm acompanhados por
um exclusivo case “Hardshell” original Fender.

Case “Hardshell“ Captação Novo Projeto Friso em Tarrachas


Original Fender Fishman Isys III de Ponte Madre-pérola Die-Cast

/FenderBrasil www.fender.com.br
matéria de capa Por Luis Stelzer

Quarteto
Fantástico
Alguns dias depois do concerto de
lançamento do novo CD, Xangô, no Sesc
Pinheiros, em São Paulo, o Quaternaglia
recebeu o editor da Violão+ para uma
entrevista, que se transformou em um
gostoso bate-papo sobre música, trabalho em
grupo, turnês, equipamentos e muito mais
quaternaglia
O Quaternaglia Guitar Quartet (QGQ), Abdalla e Sidney Molina, o quarteto tem
referência na música do Brasil, tem sido percorrido o mundo se apresentado em
aclamado como um dos mais importantes cidades como Nova York, Chicago, Los
quartetos de violões da atualidade, Angeles, Dallas, Lisboa, Porto, Buenos
não só em nosso País, mas também Aires e em mais de 15 estados brasileiros,
no exterior, tanto pelo alto nível de seu além de ministrar masterclasses e
trabalho camerístico quanto por sua palestras a convite de instituições como
importante contribuição para a ampliação Universidade de Yale, Jacobs School da
do repertório. Em mais de vinte anos Universidade de Indiana em Bloomington
de atuação, o grupo vem apresentando e Conservatório de Coimbra. Em 2013,
obras originais e arranjos audaciosos o Quaternaglia apresentou o Concerto
que inclui colaboração com compositores Itálico, de Leo Brouwer, sob a regência
como Leo Brouwer, Almeida Prado, do compositor, no Teatro Nacional de
Egberto Gismonti e Paulo Bellinati. Havana (Cuba) e, em 2014, estreou no
Essa produção está disponível em CDs Festival de Woodend, na Austrália.
- Quaternaglia, Antique, Forrobodó, Poucos dias depois do lançamento de
Presença, Estampas, Jequibau e o Xangô, o quarteto nos recebeu para
recém-lançado Xangô - além do DVD uma entrevista exclusiva, salpicada
Quaternaglia, gravado ao vivo. de histórias e lembranças, que contou
Formado pelos violonistas Chrystian com a participação da produtora
Dozza, Fabio Ramazzina, Thiago Miriam Bemelmans.

Quaternaglia:Chrystian Dozza, Fabio Ramazzina, Thiago Abdalla e Sidney Molina

24 • VIOLÃO+
quaternaglia

Quarteto de violões: formação incomum

Violão+: Ficamos supercontentes Violão+: Há algumas perguntas que


de termos essa oportunidade, vocês estão superacostumados a
justamente em um lançamento, o do responder, mesmo no site, lindamente.
CD Xangô. Mas separei algumas dos aprendizes
Molina: Este é o sétimo CD autoral, da Fábrica de Cultura. O Quaternaglia
sem contar as participações e o DVD. está há quanto tempo junto? Quais
Miriam: E vários compositores vivos de vocês são da formação original?
estão por aqui também... Molina: O primeiro concerto do
Molina: Exatamente! Entre a Sala São Quaternaglia foi em 1992, na PUC
Paulo, em junho, e a apresentação no (Pontifícia Universidade Católica de São
Sesc (Pinheiros), estiveram conosco Paulo), em uma série no pátio interno.
o João Luiz, o Ronaldo Miranda, o Éramos quatro amigos que, na época,
meu irmão (Sérgio Molina), o (Paulo) estudavam com o Edelton Gloeden e
Bellinati... queriam experimentar essa formação,
Ramazzina: Menos o Villa(-Lobos)... sem nenhuma pretensão. Era mais pelo
Molina: Só o Villa e o Almeida (Prado) prazer de tocarmos juntos. Então, acho
que não, mas o Almeida mandou a filha que isso é, ou foi, o começo correto,
e a esposa. Então, exatamente, só do porque não houve nenhum plano
Villa que a família não apareceu. O Villa, específico. Esse prazer de tocar com
para nós, é como se fosse o Homero, amigos continua. O Fabio (Ramazzina)
aqueles primórdios mitológicos... não estava no primeiríssimo dia, mas
Miriam: Shakespeare... veio logo depois. Ele chegou antes que
Molina: Exatamente. Villa-Lobos não é o quarteto gravasse o primeiro disco,
tão distante no tempo, mas é como se cerca de um ano depois. Então, eu e
fosse aquela entidade que existisse... o Fábio estamos desde o começo.
Eu acredito que o quarteto teve três
Violão+: Desde sempre... é o sol! formações com mais longevidade.
Molina: O som do Brasil, quem inventou Entre uma e outra, pessoas também
foi ele. muito importantes passaram pelo
VIOLÃO+ • 25
quaternaglia

“Demoramos para ter


repertório novo porque
estamos na linha de
frente da construção
desse repertório.”

grupo. A primeira formação, com Breno São Paulo – SP). Então, acompanhei
Chaves, Eduardo Fleury, Fábio e eu, o desenvolvimento deles desde o
fez o quarteto aparecer, gravar os dois começo. Isso consolidou (o trabalho).
primeiros discos, fazer as primeiras Nós gravamos, começamos a trabalhar
viagens pelo Brasil e ir até para o mais o repertório de música brasileira.
exterior, ganhar prêmio no Festival de Houve outro momento importante, em
Havana, em 1998, depois ir duas vezes 2000, quando o (Egberto) Gismonti
para os Estados Unidos. Aí, houve um produziu o álbum Forrobodó, lançado
interstício em que o Paulo Porto Alegre pela ECM, e começamos a ter contato
fez parte do grupo. Ele acrescentou com compositores brasileiros, como
muito nesse momento, quando o Breno Paulo Bellinati, o próprio Gismonti, o
não pode ficar e, também, com a Sergio Assad... Com essa formação,
mudança de rumos na vida do Eduardo. gravamos o DVD ao vivo do Itaú
Acabamos com uma segunda formação, Cultural, que foi lançado em 2006, com
muito sólida, com o Fernando Lima e o o selo Presença, e o CD Estampas,
João Luiz, que já estudavam violão com que foi gravado nos Estados Unidos,
o Henrique Pinto, mas tiveram aulas de lançado em 2010. Nesse meio tempo,
algumas disciplinas comigo na FAAM a passagem da Paola (Picherzky),
(Faculdade de Artes Alcântara Machado/ também foi bem legal. Chegamos
26 • VIOLÃO+
quaternaglia
nessa formação, vamos dizer, na Demoramos para ter repertório novo
segunda década do século XXI, com porque estamos na linha de frente da
o Chrystian Dozza e o Thiago Abdalla, construção desse repertório. Então,
que consideramos nossa formação de temos que experimentar. Nem tudo dá
maturidade. Costumamos dizer que certo. Ainda bem que temos contado
estávamos nos preparando para poder com muitos compositores - alguns até
tocar com o Christian e o Thiago, e bem famosos, outros muito talentosos
eles esperando, porque já podiam ir mas jovens - que tem escrito para nós,
direto ao assunto (risos). Já temos enviado peças, de maneira que nem
dois trabalhos com essa formação: temos dado conta de tocar e estrear
o CD Jequibau e, agora, o Xangô. O todas as coisas que chegaram para nós.
repertório foi todo desenvolvido por Ramazzina: O repertório demora a ser
essa formação. Com isso, retomamos constituído. Até este CD, sempre ex-
com mais intensidade nossa carreira perimentamos as peças em recitais.
nos Estados Unidos, e tocamos na Preparávamos, apresentávamos, e, de-
Austrália e em Portugal, além de viajar pois, íamos gravar. Neste CD, fizemos
mais pelo Brasil. Estamos nessa fase outra coisa. Estreamos aqui em São
com muita convicção e muita vontade Paulo, por exemplo, uma peça que já
de fazer as coisas. estava gravada, mas que nunca tín-
hamos tocado aqui. Fizemos a estreia
Violão+: Quais são os critérios para nos Estados Unidos, e também foi es-
a escolha dos repertórios? Vocês treia mundia. Mas a gravamos antes de
trabalham repertórios diferentes fazer a estreia para o público. É algo
simultaneamente? que nunca tínhamos feito.
Ramazzina: Acredito que temos
trabalhado repertórios sempre pensando Violão+: E como é essa experiência?
em gravações, e tomando forma de um Vocês sentiram alguma diferença
produto fonográfico, um CD, um DVD. em fazer esse caminho inverso?
E isso é um processo que leva algum Há algum tipo de insegurança por
tempo. causa disso?
Molina: Até porque o repertório de Ramazzina: Não. Experimentamos. É
quarteto não está pronto como o de claro que, com o passar do tempo, a
violão-solo, ou piano, ou orquestra. tendência é a peça sempre amadurecer.
Ramazzina: Ele tem que ser inventado. Para o CD Estampas, fizemos uma
Molina: E isso é um desafio constante. turnê de um mês, uma série de dez

Discografia: seis CDs autorais

VIOLÃO+ • 27
quaternaglia

Captação: equipamento próprio

concertos, antes de gravar nos Estados ia preparar o “Maracatu” junto com o


Unidos, ou seja, de um jeito bem diferente Chrystian, mas ela não existia ainda, foi
que deste, que gravamos em um ano. chegando com o processo de gravação
Gravamos o Estampas, em dois dias. e fomos estudando junto. Agora, quanto
Este (Xangô), gravamos em sessões ao a estudar mais de um repertório ao
longo de um ano, a primeira em março mesmo tempo: na nossa carreira mais
de 2014 e a última em março de 2015. recente, temos tocado muitas vezes -
Foi um jeito diferente que tivemos a mais do que imaginaríamos quando
oportunidade de experimentar. começamos - com orquestras. Isso
Molina: Quando gravamos o Villa- faz que tenhamos que trabalhar de
Lobos, ainda não tínhamos o “Maracatu” acordo com o agendamento desses
do Bellinati, nem o Sergio Molina. Essas concertos com orquestra junto com o
peças chegaram durante o processo de repertório normal de apresentações.
gravação. Normalmente, focamos durante uma
temporada naquele repertório definido,
Violão+: Quando vocês começaram a e que vamos adaptando à característica
gravar, elas talvez nem existissem... dos projetos e das pessoas que nos
Molina: Havia o plano, já a tínhamos na contratam para tocar. Isso implica em
cabeça: “olha, vai ter a peça do Sergio, retomar peças antigas - para termos
que a gente acha que vai ocupar um um tema mais afim com aquele projeto,
tempo”. Mas não sabíamos como ia ser. com aquele tipo de público - e peças
Mesmo o Bellinati. Sabíamos que ele novas vão surgindo, sendo estudadas
28 • VIOLÃO+
quaternaglia
com calma. Muitas vezes, estamos tão raro assim, mas, e de novo, concerto
estudando essa peça nova, mas não para quatro violões e orquestra, não são
tocando, mantendo aquele programa muitos: os dois concertos do Brouwer,
daquele semestre, daquele ano, com tocamos com ele regendo, inclusive em
algumas poucas mexidas. Os concertos Havana. Tocamos o Rodrigo, que é o
com orquestra são difíceis. Exigem que único concerto para quatro violões e
dividamos nosso tempo e tenhamos orquestra dele, várias vezes. E algumas
ensaios extras para eles. Esse ano, por peças que nós encomendamos para
exemplo, no dia do primeiro lançamento festivais. Com o passar do tempo,
do CD, na sala São Paulo, tocamos retomar um repertório vai ficando mais
o concerto de Leo Brouwer com a fácil do que aprender da primeira vez.
Orquestra Sinfônica de Heliópolis, com
o Isaac Karabtchevsky regendo e, uma Violão+: É necessário ter equipamento
semana depois, tínhamos o concerto de para tocar com orquestra, porque é
lançamento do CD nos Estados Unidos, muito complicado “brigar” com uma
com o repertório do álbum. orquestra com os violões. Quais são
Ramazzina: E com a estreia da peça esses equipamentos salvadores?
do Sergio... Abdalla: Confiar só no equipamento
Abdalla: E o concerto foi gravado ao não é garantia que vai dar certo
vivo pela TV Cultura... realmente, porque existem muitas
Molina: Aí há um certo estresse, porque variantes: a distância que os microfones
o concerto são mais de 30 minutos de vão ficar em relação aos instrumentos
música contemporânea e os ensaios de orquestra, por exemplo - tem que
com a orquestra só se dão na semana haver distância da orquestra -, o local
da apresentação. Então temos que
estar muito prontos para fazer tudo com
três ensaios. E uma semana depois...
(risos) Tocamos tudo sem partitura nos
concertos do quarteto, inclusive a estreia
da peça nova. Então acontecem essas
coisas. Mas, com mais experiência,
conseguimos lidar melhor com isso e
saber como tem que ser a organização
dos ensaios, administrar.

Violão+: Imagino que especialmente


o trabalho com as orquestras seja
para uma apresentação só...
Molina: Engraçado que, há um tempo,
achávamos que esse negócio de
orquestra de vez em quando aparecia,
todo ano, duas, três vezes por ano. Não é Xangô: o novo álbum

VIOLÃO+ • 29
quaternaglia

Repertório: peças sob encomenda

e a potência, e essa é a parte perigosa, tudo entra em um sistema que fica a


o local onde vão ser colocadas as cargo do teatro.
caixas de amplificação e a quantidade Molina: Oferecer isso diminui um pouco
de potência. Às vezes, você pensa que nosso risco, pois chegamos com os
está próximo da caixa e coloca um pouco nossos microfones, que são muito bons.
de ganho, acredita que está suficiente
para a plateia e não está. O som que Violão+: No Sesc Pinheiros, vocês
sai no PA é completamente separado estavam com esses microfones e
do som da orquestra, não se fundem. um condensador direcionado para
Temos um set de quatro microfones cada um...
hipercardióides condensadores, Não Abdalla: No Sesc, tivemos uma
plugamos os violões: o som é captado condição muito rara no meio da música
acusticamente a uns doze centímetros erudita, em que você tinha um quarteto
do tampo. Usamos quatro microfones (nós) e dois técnicos de som (nossos)
DPA, uma marca europeia, modelo conversando com os técnicos da casa.
4099, específicos para fazer PA. Isso Um privilégio gigantesco.
30 • VIOLÃO+
quaternaglia
Molina: Não tivemos que nos preocupar. cordas iguais?
Nosso engenheiro de som, que gravou Molina: Sim. Usamos Savarez.
o CD, estava disponível e passou a
tarde inteira lá, regulando. Ele gravou Violão+: Vocês são referência, e
dois discos nossos. sabem disso. Há gente compondo
Abdalla: Usamos oito microfones, quatro especialmente para o Quaternaglia.
mais quatro, e dois “over” no chão. E quando entregam uma coisa que
Molina: Nossa preferencia é pela vocês não gostam?
apresentação acústica, mas, para isso, é Ramazzina: A gente faz do mesmo jeito.
necessário que o teatro seja adequado.
Então, em turnês internacionais, às Violão+: Faz? Uma vez?
vezes, nos esquecemos disso: fazemos Molina: Não necessariamente.
uma turnê totalmente acústica, porque Abdalla: A gente faz quando a história
os lugares que foram programados são manda. Tem que estar dentro de uma
adequados, já foram testados. É só história, de um disco, de um concerto.
chegar e tocar. Molina: Se chega uma peça de que não
gostamos, que surgiu espontaneamente,
Violão+: Há aquela velha piada de que não faz parte de nenhum projeto,
o violonista passa metade da vida de nenhum contrato, não tocamos.
afinando o violão e a outra metade Simplesmente assim. Mas, às vezes,
tocando com ele desafinado. Como é uma peça que é parte de um projeto
se resolve isso? Quando vocês vão maior, que tem um compromisso do
tocar em um concerto, a corda tem grupo de tocar aquela peça, chega
que estar novinha, zerada? Quais as para aquele projeto específico... Aí, se
estratégias de vocês? não gostarmos tanto assim da peça,
Dozza: Acredito que cada um faz uma temos que tocar da melhor maneira
coisa. Eu penso as primas uma semana possível. Talvez não seja uma peça que
antes, e os baixos, dois dias antes. vá perdurar no repertório, que vamos
Como suo muito nas mãos, os baixos continuar tocando, mas vamos tocar,
“vão embora” muito rápido. até em retribuição a como ela foi feita,
e até à gentileza do compositor. São
Violão+: Vocês quatro usam violões várias possibilidades, mas o grupo tem
Sergio Abreu. Vocês também usam essa última palavra.

VIOLÃO+ • 31
mundo Por Luisa Fernanda Hinojosa Streber

Balalaica
(балалайка)

Esse precioso instrumento, nas mãos de um bom


intérprete, leva o ouvinte à nostalgia do rio Volga e
às estepes, atraindo as danças e cantos festivos

De origem Russa, cordófono (instrumento as classes baixas, porém há grandes


de cordas) de tipo laud (já que o fundo virtuoses desse instrumento como Vasiliy
não é plano), a balalaica tem a primeira Vasilievich Andreyev, nascido em 1861,
data de construção registrada em 1715, que se inspirou em músicas de pastores
mas sabe-se que o instrumento já para revitalizar o instrumento.
existia antes, tocado pelos ciganos que Diferentemente de outros instrumentos
faziam o tampo posterior com cascas de de cordas, a balalaica chegou até os dias
abóbora seca. Foi substituído na Rússia de hoje com a mesma construção das
emergente pela guitarra de sete cordas e primeiras de que se tem notícia: caixa
o acordeon. triangular, boca de ressonância pequena
No século 19, balalaicas eram dadas e braço delgado. Existem vários tipos,
como brinquedos para as crianças, entre como a segunda e a prima, que é a mais
32 • VIOLÃO+
mundo
popular por sua portabilidade. Como afinada com a prima e segunda em Mi
todos os instrumentos do leste europeu, (afinação típica) e a terceira corda em
apresenta diversidade de tamanhos. Lá. Na verdade, pode-se afirmar que
esse instrumento é afinado de acordo
Como afinar com a vontade do músico. Usualmente,
Primeiramente, deve-se pegar a balalaica as cordas são de aço.
de modo em que todas as tarraxas fiquem A forma de execução mais comum é
verticais ao teto. Se o músico é destro, o rasgueado, com unhas grandes no
as tarraxas devem ficar perto de seu polegar e primeiro e segundo dedos, ou
corpo (se é canhoto, do lado contrário). usa-se o polegar e uma palheta.
O instrumentista também pode afiná- Ao escutar esse instrumento, percebem-
la ao reverso, trocando as cordas, ou se várias semelhanças com músicas de
mesmo tocá-la ao contrário. Tchaikovsky e, também, de desenhos ou
Pela natureza da Balalaica, ela se filmes. Na realidade, foram os pastores
afina conforme a peça que será das estepes que determinaram a
interpretada. Mas, para começar, a sonoridade da música russa com suas
afinação regular é Sol, Mi e Lá. Nas balalaicas e que chegou até hoje como
músicas folclóricas, no entanto, ela é contos de fadas ou na forma sinfônica.

Vasiliy Vasilievich Andreyev: o revitalizador

VIOLÃO+ • 33
VIOLA caipira

Cebolão
Fábio Miranda
Desde que conheci e iniciei meus estudos na viola caipira, www.fabiomirandavioleiro.com
percebi o quanto de coisa eu teria que aprender se quisesse
tocar como os grandes violeiros que via e ouvia por aí. Mas,
desde o início, percebi que a viola era singular, pois o seu
conhecimento não estava escrito em lugar algum. Onde
estaria, então? Como fazer para aprender a tocar esse
instrumento? Diferentemente de instrumentos musicais
que possuem tradição escrita, as manhas da viola caipira
estão na vivência da rodas de viola, do conhecimento
transmitido por meio de fala, gestos, olhares e silêncios.
Viola é instrumento que, para se conhecer, deve-se ir até
os mestres violeiros, deve-se caminhar, encontrá-los! E,
quanto mais a gente procura, menos a gente acha sobre a
viola e cada vez mais achamos o violeiro: quem encanta o
instrumento com tanta musicalidade, devoção e histórias!
Escalas duetadas e a escuta
As modas caipiras gravadas em disco estão repletas de ponteios de viola memoráveis,
tão importantes quanto suas letras. Aqueles riscados sentidos e chorados que abrem
alas para as vozes dos cantadores... Alguns são de arrepiar! Para muitos aprendizes
de viola, são esses os primeiros sons que vão buscar na violinha.
E como saber executá-los? O violeiro aprende ouvindo, vendo e vivendo a música
que toca. Antes de existirem as gravações em disco, o querente aprendia quando
podia ver e ouvir ao vivo um violeiro mais experiente “debuiando” a viola!
Com o disco e o rádio,
os violeiros puderam
também aprender as
modas, colando o
ouvido no radinho e
escutando os grandes
intérpretes e violeiros
da música caipira.
Pode parecer uma
tarefa difícil de início,
já que não dá para ver
o violeiro tocando, mas
é muito bom para exercitar a escuta e a criatividade. Hoje, podemos ver um violeiro
tocar mesmo não estando presente, pela TV ou pela internet, mas é sempre bom
apurar a escuta e desenvolver autonomia para tirar músicas de ouvido.
34 • VIOLÃO+
VIOLA caipira
Portanto, para aprender os solos de viola que desejar, o
aprendiz deve:
1) ouvir bastante as modas de seu interesse e
2) conhecer muito bem as escalas duetadas no braço da viola.

Podemos começar com algo simples na afinação chamada


Cebolão: conhecer uma escala maior de oito posições.
O dedilhado será feito apenas com o polegar, ferindo
simultaneamente o 3º e 4º pares de cordas da viola (turinas e toeiras). Um jeito
funcional de pensarmos nas posições é usando números que exercem a função
de GRAU da escala (lembrando que a oitava posição é a
Tônica, portanto é igual à primeira posição):

A tonalidade dessa escala é a mesma da afinação aberta,


que pode ser E (mi maior) ou D (ré maior). Veja como
podemos pensar numa série de combinações:

Tocando um grau de cada vez

Ida: 1 2 3 4 5 6 7 1
Volta: 1 7 6 5 4 3 2 1

Repetições

1 1 1 1 2 2 2 2 3 3 3 3 4 4 4 4...

Podemos criar os exercícios que quisermos, e também


procurar trechos de músicas como a famosa introdução da
toada “Chico Mineiro” (Tonico/Francisco Ribeiro):

1234444555433336666555434321

Deu certo? Tente de novo, tocando exatamente a ordem


dos graus indicados. Se um grau repetir, significa que é pra
tocar novamente! O mais importante é brincar bastante com
essas escalas duetadas. É claro que você também pode criar
seus próprios ponteios. Não se esqueça de anotar o que for
criando ou descobrindo - basta escrever a sequência dos
graus. Com o ponteado das músicas na cabeça e os dedos
correndo bem pelo braço, a descoberta vai ficando mais fácil
pro tocador. Bons ponteios, violeirada!
VIOLÃO+ • 35
f lamenco

Modo Flamenco
Flavio Rodrigues
Antes de qualquer consideração, gostaria de dar as boas- www.flaviorodrigues-flamenco.eu
vindas aos leitores e dizer que será uma honra e um enorme
prazer colaborar na Violão+, que tem tudo para ser uma
das melhores revistas especializadas em violão no Brasil.
Em nossa sessão, dedicada exclusivamente ao violão
flamenco – ou à guitarra flamenca, como dizemos na
Espanha - trataremos de toda a temática que envolve o
instrumento – construção/luthieria, linguagem musical,
códigos, estrutura dos toques, técnica, repertório, diferentes
ofícios do guitarrista flamenco (solista/acompanhamento ao
baile e ao cante), e muito mais!
Igualmente, em cada número, incluiremos vídeo-aulas,
trazendo sempre alguma novidade técnica, assim como
pequenas variações (falsetas – são assim denominadas na
linguagem dos flamencos), para, pouco a pouco, fazermos
uma imersão nesse mundo tão rico, que tanto tem a somar
dentro da concepção de qualquer violonista, seja ele popular
ou clássico.
Como este é o primeiro número, gostaria de fazer uma breve
introdução para que possamos compreender e contextualizar
o Flamenco.

História
A origem da palavra Flamenco, assim como o início dessa
expressão artística, é totalmente incerta. Existem inúmeras
hipóteses levantadas por diversas correntes de estudiosos,
mas o que podemos afirmar com certeza é que o flamenco
nasceu no sul da Espanha, na região da Andaluzia, onde
conviveram em paz absoluta, durante séculos, povos como
os mouros (o domínio árabe que durou quase oitocentos
anos), os judeus (sefarditas), os cristãos, os ciganos, e,
finalmente, os americanos a partir do século XVI.
Digamos que entre os séculos XVIII e o XIX, em meio a toda
essa mistura de culturas, começou a tomar forma o que
conhecemos por Flamenco, uma cultura que não se resume
apenas a um estilo musical, mas a uma filosofia de vida,
uma arte que se expressa por meio da dança, da pintura,
da poesia, do cante hondo, de elementos percussivos

36 • VIOLÃO+
f lamenco
(sapateado, palmas, cajón e outros instrumentos), e,
definitivamente, de qualquer instrumento ou manifestação
que domine a sua linguagem.
Creio que a música flamenca é muito querida e respeitada
em nosso País, apesar de ainda não ter conquistado o
espaço que merece, diga-se de passagem, por mérito
próprio dentro do cenário violonístico nacional. Sei também
que os violonistas populares brasileiros, além de alguns
eruditos, estão desejando ansiosamente ter a oportunidade
de aprender a linguagem, a técnica, e a sonoridade
impregnada de personalidade e temperamento únicos que
existem nesse música.
Por isso tudo, é que estou aqui agora, compartilhando toda
a informação que me for possível, desejando que seja de
utilidade para todos aqueles que nos sigam, de agora em
adiante.

Modo Flamenco
A Cadência Árabe/Andaluza se tornou independente do
modo frígio para formar um modo próprio: o Modo Flamenco.

Cadência Andaluza
Am, G, F, E9b  Tônica = E9b (antes dominante de Am - frígio)

ou

Dm, C, Bb, A9b  Tônica A9b (antes dominante de Dm - frígio)

Técnicas
Rasgueados de dedos – quatro toques

VIOLÃO+ • 37
de ouvido

Arte ou técnica?
Reinaldo Garrido Russo
Na Grécia antiga, a palavra que descrevia a criação do belo, a www.musikosofia.com.br
duemaestri@uol.com.br
arte, tinha como sinônimo, técnica. As duas andavam juntas,
inseparáveis. Hoje, vemos e sentimos de forma diferente.
Parece que, para muitos estetas (sujeitos que estudam o belo
dentro da arte, na filosofia), a concepção de arte, na canção
popular e em parte da música erudita, está intimamente
ligada ao padrão e à fuga desse padrão, simultaneamente.
Podemos dizer que se trata de um paradoxo, mas não é.
Quando ouvimos um guitarrista improvisar utilizando padrões
(os famosos patterns – brincadeiras repetidas com as notas
da escala) sentimo-nos saturados com facilidade. É claro
que se o instrumentista for excelente, muito rápido e tiver
boa técnica, vai impressionar os novatos. Se o improviso
se der no âmbito da total criatividade onde as ideias forem
extremamente novas (informações jamais criadas e não
divulgadas anteriormente) teremos a sensação de estarmos
em contato imediato com a estranheza total, alienígena.
Refletindo um pouco no que foi dito acima, podemos nos
perguntar o que isso tem com “tirar a música”. Bem,
primeiramente o que significa a palavra “tirar”? O termo vem
de uma expressão falada há muito anos cuja conotação era
aproximadamente a de “tirar do mundo sonoro alheio e tocar
igualmente” - ou - “tirar do universo sonoro e colocar na
pauta”. “Tirar”, no jargão musical, tem o sentido de perceber
e depois reproduzir, seja no instrumento, em código no papel,
ou outro meio de comunicação.
Entende-se por pattern (padrão, pai, referência) algo
consagrado que aceitamos como referência para imitarmos.
Quando ouvimos um acorde maior, ele já nos soa como
referência e, portanto, o identificamos de imediato. Um
perfume, para alguém que apenas gosta de odores agradáveis
é, para a percepção, apenas algo conhecido, sem a menor
precisão. Mas, se nos for familiar, passa a ser reconhecido
com rapidez em nossa mente. Já um especialista sabe o
percentual de cada ingrediente que compõe o perfume.
Analogamente, o mesmo se dá com nossa memória auditiva.
Primeiramente, temos o contato com o fenômeno sonoro,
aprendemos a percebê-lo se o colocarmos em foco e
38 • VIOLÃO+
de ouvido
estabelecermos comparações. Em seguida, temos que nos
familiarizar com o objeto em questão. Finalmente, estudá-
lo, dissecá-lo, catalogar e compreender seus elementos é
imprescindível para chegarmos à última fase, a do especialista.
A boa percepção, na maior parte das vezes, é um processo
que fazemos quando somos orientados por alguém inteirado
com o objeto percebido. Raras são as vezes em que a boa
percepção simplesmente acontece pela simples capacidade
de nossa inteligência ou de nossa vontade. Alguém sempre
nos dirige ao foco e o foco nos chama a atenção se assim
o quisermos. Exemplo clássico é a dos xamãs, líderes
religiosos e curandeiros, que viam as naus espanholas se
aproximarem no horizonte como pontos pequenos, difusos,
que os indígenas comuns não viam porque jamais haviam
presenciado algo desta natureza, portanto não tinham
na memória as informações para perceber. O xamã foi
quem os orientou a “ver”. O mesmo aconteceu quando os
irmãos Lumière apresentaram o filme “O Trem”. As pessoas
conseguiam ver apenas borrões que a projeção formava na
tela. Quando foram orientados a ver todos se assustaram
pensando que o trem iria passar por cima de tudo.
Nos próximos números de Violão+ serão expostas dicas
de como ouvir e memorizar, acompanhadas de uma boa e
pequena pitada da teoria que agrega todo o sistema que
usamos com maior frequência, o chamado Sistema Tonal ao
qual estamos mais que familiarizados. As escalas, os acordes,
o campo harmônico, as funções que os acordes praticam
no fraseado, cadências, encadeamentos, todos tem de ser
reconhecidos muito bem por nossa percepção e treinados
para que o reconhecimento seja instantâneo. Ouça a gravação
e verifique o grau de dificuldade nos exercícios. No primeiro
exercício, basta reproduzir, em seu violão, aquilo que ouvir.
Pause a gravação, repita, confira se está absolutamente
igual, de altura e de ritmo. No segundo exercício, ouça, sem
o auxílio do seu violão. Se tiver registrado em sua memória
os sete acordes, que foram tocados de maneira diferente um
do outro, você saberá. Insista, concentre-se. É possível que
em alguns acordes a percepção seja imediata, mas em outros
você poderá sentir-se certo e, na conferência em seu violão,
vai verificar que estava errado. Não fique decepcionado.
O desenvolvimento desta habilidade precisa do erro. Bom
divertimento nos erros e nos acertos.
VIOLÃO+ • 39
como estudar

Postura
Breno Chaves
Por causa de diferenças anatômicas, habilidades inatas
e também da compreensão que cada músico tem de
determinada obra musical, é muito comum observar que,
numa mesma música, cada indivíduo pode encontrar
alguma dificuldade técnica para resolver determinado
trecho e sua resolução pode ser simples para alguns
e extremamente difícil para outros. Muitos métodos
tratam de algumas questões técnicas (mão direita,
por exemplo), oferecendo uma série de exercícios de
arpejos e suas diversas combinações que, na maioria
das vezes, não resolvem determinado problema, por falta
de uma compreensão dos diversos fatores (músculos,
tendões etc) que envolvem a movimentação dos dedos.
Em muitos métodos, é comum encontrar frases como:
“...para se obter uma boa sonoridade, os dedos devem
permanecer perpendiculares em relação as cordas”. Isso
é muito relativo, pois depende do timbre que o violonista
quer extrair e do estado das unhas, por exemplo.Muitas
vezes essa perpendicularidade pode causar tensão
no pulso, no antebraço etc. Também, em relação ao
polegar, existem diversas polêmicas quanto ao toque,
se deve ser executado com a polpa, com as unhas ou
numa combinação de ambos. O fato é que se o polegar
for utilizado com a unha de forma incorreta, fazendo o
uso de articulações impróprias do dedo e do pulso, a
tensão é quase certa, gerando uma sonoridade limitada
e habilidade reduzida. O objetivo desta publicação e das
que se seguirão será o de fornecer ideias e dicas aos
estudantes de violão para um melhor aproveitamento
dos estudos e da prática musical.

Postura (corpo x instrumento)


A adequação do corpo e instrumento deve acontecer de
forma que o instrumento se adapte ao corpo e não o
contrário. Ao sentar-se numa cadeira (sem braços, plana
e com aproximadamente 45 cm de altura), o corpo deve
estar apoiado sobre os ísquios, os dois pés apoiados no
chão (quando se utiliza um suporte, como na figura), ou
40 • VIOLÃO+
como estudar
o pé esquerdo sobre um banquinho de aproximadamente
15 a 20 cm, enquanto os ombros devem permanecer
relaxados, a cabeça ereta e alinhada. Mentalize e
interiorize essa posição. A colocação do instrumento
deve acontecer de forma que essa posição não sofra
alteração.

Mão direita
Num primeiro momento, o posicionamento da mão direita
deve ser “construído” de forma gradual e por partes,
para que se estabeleça uma compreensão correta da
sua relação com o instrumento e o ato de tocar.
Em primeiro lugar, deve-se sentar como no exposto
acima, depois posicionar a mão e, na sequência, o braço.
Coloque os dedos indicador, médio e anular na mesma
corda (de preferência a 3ª – Sol), como na Figura 1.
Depois, o polegar (de preferência na 5ª – Lá), como na
Figura 2, sem encostar o antebraço no instrumento.
Uma vez que os dedos estejam acomodados nessa
posição, o passo seguinte é relaxar o antebraço no aro
superior do violão.
Mantenha o indicador na corda Sol, coloque o dedo
médio na corda Si e o anular na corda Mi, como na
Figura 3. Nesse momento, você deve mentalizar essa
sensação. É importante destacar que essa posição não
é estática, pois o braço e, consequentemente, a mão
direita são elementos móveis e dinâmicos na execução
de uma obra, em função da mudança de timbres, toques
e intensidade sonora.

Figura 1 Figura 2 Figura 3

VIOLÃO+ • 41
como estudar
Critérios básicos para os toques dos dedos da mão direita
As figuras da próxima página apresentam dois exemplos
clássicos de toques da mão direita. Em seu método, Abel
Carlevaro faz uma série de considerações sobre a fixação
de determinadas falanges para obtenção de diversos
timbres e intensidades. São questões complexas que, na
maioria das vezes, são mal interpretadas e, na prática, sua
aplicação se torna um quebra-cabeças difícil de resolver.
Devemos considerar que, para a movimentação plena dos
dedos, o toque deve se originar na articulação que fica em
sua base (metacarpo-falangeal), tanto para o toque com
apoio quanto sem apoio. Concentre-se nessa articulação,
mentalize o movimento do dedo se iniciando nesse ponto
e toque uma corda (escolha entre as primas Mi, Si, Sol),
primeiro sem apoio e depois, com apoio. A tendência será
a obtenção de uma sonoridade limpa, brilhante, repleta de
harmônicos, sem chiados e esbarros na corda posterior,
independentemente da posição da mão, porque nesse tipo
de toque (com origem nessa articulação), o dedo realiza
o movimento correto e de forma natural.
Nesse processo, os tendões envolvidos são os flexores
(palma da mão). É muito importante, após o toque,
relaxar o dedo (extensores) para que ele volte à sua
posição naturalmente.
Sem apoio Com apoio

Metacarpo - falangeal (indicador) Metacarpo – falangeal (polegar)

Exercício para a mão direita - aplicação do exposto

42 • VIOLÃO+
VIOLAO BRASILEIRO

“Fui no Chororó”
Renato Candro
Escrevi este estudo levando em consideração os mesmos www.renatocandro.com
aspectos técnicos que existem no estudo nº1 (Opus 60) www.learningbrazilianguitar.com
de Matteo Carcassi. Apenas procurei escrevê-lo de modo
que ficasse próximo ao estilo do Choro porque trabalho
essencialmente com o ensino de violão popular.
Em relação a este assunto, vale lembrar que violão popular
não se restringe apenas a violão de acompanhamento.
Há uma tradição brasileira muito forte em relação ao
violão popular instrumental que começa com João
Pernambuco (1883–1947) e perdura até os dias de hoje
com Yamandú Costa, Alessandro Penezzi e muitos outros,
não menos importantes. Esse modo de compor e arranjar
temas populares para violão-solo é uma das mais ricas
manifestações desse instrumento em todo o mundo e,
como estilo popular, talvez apenas o flamenco tenha o
mesmo nível de comprometimento técnico e musical.

Objetivo
O foco principal nessa primeira lição é estudar a técnica de
abafar certas notas em determinados pontos da música. Os
propósitos são vários: aumentar o contraste entre duas ou
mais melodias diferentes (como se fossem dois instrumentos
diferentes) e evitar que notas de um acorde perdurem e
se tornem sons indesejáveis, quando a harmonia muda
ou por uma questão estilística. As mudanças de dinâmica
também são importantes nesta peça e contribuem pra que
não soe monótona (já que se trata apenas de um estudo).
Preste atenção às pausas e à separação das vozes
mostradas na escrita e, principalmente, não se apresse
a chegar ao fim da música rapidamente. A boa execução
é fruto de um bom estudo e a velocidade é apenas uma
conseqüencia disso tudo. Bons estudos.

VIOLÃO+ • 43
~ BRASILEIRO
VIOLAO

“Fui no Chororó”
Renato Candro

44 • VIOLÃO+
~ BRASILEIRO
VIOLAO

VIOLÃO+ • 45
siderurgia

Baixo alternado
Walter Nery
Nesta aula, quero falar um pouco sobre as possibilidades www.walternery.com
deste maravilhoso instrumento, que começou a ser
industrializado na década de 1920, nos Estados Unidos.
De características particulares, o violão cordas de aço é
muito diferente do violão de nylon e da guitarra elétrica, em
especial sob o ponto de vista das técnicas empregadas em
sua execução e do repertório que lhe é próprio.
Sua construção, bem como o material de que são feitas
as cordas (em geral de liga de fósforo e bronze), faz que
seu toque produza uma sonoridade brilhante e rica em
harmônicos, o que propicia arranjos que valorizam o uso de
cordas soltas. Nesse sentido, uma das técnicas comumente
empregadas em arranjos de peças mais simples é a que faz
uso do chamado “baixo alternado”, normalmente construído
com as notas do próprio acorde que está sendo executado
em uma determinada passagem. A execução do baixo
alternado fica, na maioria das vezes, por conta de movimento
repetido do dedo polegar.
Desse modo, tem-se uma simplificação na densidade das
vozes empregadas, o que beneficia o resultado sonoro tão
característico desse instrumento. Em boa parte dos casos,
apenas a melodia e o baixo alternado são suficientes
para o arranjo de uma determinada peça, que pode ser
incrementado com o uso de vozes intermediárias ou tipos
diversos de figuração.
Segue o exemplo do acorde G com três possibilidades:
a primeira com uma melodia formada por semibreves, a
segunda com mínimas e a terceira com semínimas.

46 • VIOLÃO+
siderurgia

O exemplo acima é oportuno para demonstrar que eventuais


ajustes muitas vezes se fazem necessários. A formação de
oitavas paralelas nos tempos 2, 3 e 4 de cada compasso
empobrece significativamente a trama harmônica. Uma
solução prática e simples seria a troca de posições entre o
Ré e o Si na linha do baixo. Vejamos:

Este tipo de problema, além de outros prescritos nas regras


do contraponto ortodoxo, pode se intensificar quando as
notas da melodia não são necessariamente parte integrante
do acorde vigente. Vejamos o caso:

Neste caso, temos a formação de intervalos justos


consecutivos (oitava composta, quinta composta e oitava)
nos três primeiros tempos de cada compasso, fato que
deixa em desvantagem a resultante sonora do arranjo.
Novamente, uma simples troca de posições das notas da
linha do baixo habilita uma sequência de intervalos mais
interessante.

VIOLÃO+ • 47
siderurgia
Como exemplo de aplicação destes conceitos, trouxemos
um arranjo bem simples da canção Mack the Knife de
Bertold Brecht e Kurt Weill, o qual será incrementado nas
aulas posteriores. Um abraço musical a todos.

“Mack The Knife”


Bertold Brecht/Kurt Weill
Arranjo: Walter Nery

48 • VIOLÃO+
em grupo

“May It Be”
Márcia Braga
Ao ouvir por alguns segundos o som de um violão, www.conservatoriodetatui.org.br
marciaboroto@hotmail.com
inevitavelmente uma reação acolhedora e de intimidade
penetra no fundo do coração da mais pura criança que
mora em cada um de nós, quando inocentes e ricos de
sensibilidade.
Lentamente, isso já vinha acontecendo desde o começo
do século XX, com o surgimento em especial de Canhoto,
o Américo Jacomino. Hoje, aceleradamente, com o
nascimento de centenas de bons violonistas. O que ainda
era incomum - e hoje parece ser um caminho mais seguro -
é essa diversificação de formações em grande quantidade:
do violão acompanhando a voz de um cantor, ou mesmo
compondo tantos duos e trios quanto quartetos, até a
criação de cameratas ou ainda de orquestras de violões.
O Brasil já tinha uma tradição camerística maravilhosa
em sua história, do Duo Abreu, formado por Sérgio e
Eduardo Abreu (necessário se faz a todo bom violonista
ou amante do violão ser conhecedor e profundo ouvinte
dos Irmãos Abreu). Logo depois, surgiu o Duo Assad, que
está agora comemorando 50 anos de trabalho magistral e
impecável pelo mundo afora. Há 18 anos, também temos
o formidável Brasil Guitar Duo e, não muito depois disso,
outro duo genial, o Duo Siqueira Lima, sem contar com
outros excelentes e com a nova geração.
Talvez pela própria necessidade física e emocional dos
violonistas, foram se criando novos agrupamentos. Não
resta dúvida alguma de que o violão em construção
tradicional de seis cordas, por si só, já é uma orquestra
completa. Vou então defender a principal razão pela qual
os violonistas também adoram tocar juntos com outros,
inclusive da mesma espécie: o ato de tocar em público é
especialmente prazeroso quando coletivamente.
A possibilidade de realizar novos casamentos musicais e
comunhões coletivas, é estimulante. Completa a satisfação
dividir um palco. Multiplicam-se as possibilidades de
aprender um com o outro, de emocionar e de se emocionar.
O aluno de violão que participa já nos primeiros anos de
estudo de uma orquestra de violões, aprende a se relacionar
VIOLÃO+ • 49
em grupo
não somente com a música mas com outros colegas que
estão se tornando, também, músicos, fazendo que esse
processo seja muito mais rápido e, principalmente, mais
amoroso e feliz.
Depois dessa experiência, a prática de música de câmara
dará segurança e acabamento a esse jovem violonista,
tanto musical como relacional para a vida. Além do prazer
de tocar com bons músicos, trará uma abreviação de
horas diárias da prática do instrumento e em especial a
real oportunidade de se tornar um bom intérprete.
Outra observação importante que faço é sobre o entusiasmo
que é gerado quando um colega vê outro tocar bem. É
como se alguma idéia viesse a eles da seguinte forma: “Se
ele pode tocar assim, eu também posso!”
Faça uma experiência, convide algum amigo ou colega que
tenha esse mesmo desejo de fazer música juntos. Se você
estuda com algum professor particular, converse com ele
sobre essa possibilidade ou vá a alguma escola de música
e procure por uma orquestra ou por essa pessoa. Você vai
se surpreender e, certamente, acelerar seu aprendizado
técnico e, principalmente, o musical.
A cada matéria apresentada aqui você terá oportunidade
de saber sobre os duos, trios, quartetos, quintetos, octetos,
cameratas e orquestras de violões que existem, não só
no Brasil mas pelo mundo afora. Terá oportunidade de
escutar e imprimir alguns belos arranjos para as mais
diversas formações junto ao violão, inclusive solos que se
transformaram, arranjados para quartetos, e vice-versa.

“O Senhor dos Anéis”


A música escolhida para este primeiro encontro é o tema
do filme “O Senhor dos Anéis”, com arranjo para trio
de violões, mas que pode ser tocada perfeitamente por
um quarteto ou mesmo uma orquestra. O Violão 3 faz a
melodia e pode usar somente o polegar ao tocar a música
toda (aliás, todos podem entrar tocando em uníssono a
primeira vez). Na repetição, entram o Violão 2 e o Violão
1, e cada um deve fazer sua respectiva parte, tocando
com delicadeza, deixando a melodia sempre em primeiro
plano. Está fácil e gostoso de tocar. Pratique um pouco
sua parte individualmente e depois junte a turma toda. E
não se esqueça de nos contar o resultado!
50 • VIOLÃO+
em grupo

“May It Be”
Theme Song, Lord of The Rings
Enya (Bearb. S. Kupsa)

VIOLÃO+ • 51
arranjo

Violão-solo
Luis Stelzer
Olá, violonista da Violão+! Tudo bem?
Preparei uma partitura de uma música lindíssima, das
mais conhecidas do nosso cancioneiro: “Eu Sei Que Vou
Te Amar”, dos mestres Tom Jobim e Vinícius de Moraes.
Não é um arranjo fácil, por isso tenha paciência para
estudá-lo, faça um pouco de cada vez. Procurei escrever
a partitura da melhor forma possível, para que ficasse
bem compreensível. A tablatura também está aí, para
auxiliar na execução da obra.
Este tipo de arranjo traz harmonia e melodia juntas. É o
que chamamos de arranjo de violão-solo. Tente perceber
que a música vai sendo “cantada” pelo violão. Ela é
apresentada desta forma em toda a sua primeira parte
(até o compasso 24). A repetição (a partir do compasso
25) deve apresentar alguma novidade, para o arranjo não
ficar monótono. Optei por colocar frases de baixo, como
se fosse um violão de 7 cordas, intermediando algumas
frases melódicas principais. Também em alguns trechos,
quando a melodia toca a mesma nota (esta melodia do
Tom usa muito notas repetidas), fiz algumas brincadeiras
com cromatismos descendentes nas vozes dos acordes.
Repare na repetição da melodia: em alguns acordes, há
uma voz “caindo”, buscando uma sensação de movimento.
Outra curiosidade a ser percebida: fiz esse arranjo há
muitos anos e o vídeo, que acompanha esta edição,
recentemente. Algumas passagens são tocadas de
outra forma, pois um arranjo de música popular muitas
vezes funciona assim: a gente muda alguma coisa com
o passar do tempo, toca sempre decor e vai, meio que
automaticamente, modificando algumas notas e acordes.
É bem legal descobrir o que tem de diferente. São
poucas coisas, mas dá para notar. Basta ler a partitura
atentamente. Ela também está cifrada, para o caso de
algum acompanhamento para canto ou outro instrumento
solista.Bons estudos!

Teve alguma dúvida na execução, alguma sugestão para


nos dar? Entre em contato: editor@violaomais.com.br
52 • VIOLÃO+
arranjo

“Eu Sei Que Vou Te Amar”


Arranjo: Luis Stelzer Tom Jobim/Vinícius de Moraes

VIOLÃO+ • 53
arranjo

54 • VIOLÃO+
arranjo

VIOLÃO+ • 55
coda

O violão,
a entrevista e
Luis Stelzer

o taxista
Um belo dia, fui chamado para uma entrevista de emprego. Empregos
na área de música, carteira assinada e tudo... Cara, vamos tentar!

Mandei meu curriculum. Gostaram. mim! Tantos anos de experiência em


Foi marcada a entrevista. Estava escolas de música, conservatórios e
esquentando! Tenho um bom emprego, faculdades, além dos projetos sociais,
não posso reclamar. Mas, conciliar dois, me dariam toda a cobertura. Estava
seria ótimo! “me achando”. Vai rolar, vai rolar... Dois
A data da tal entrevista foi marcada. O detalhes me escapavam: um plano de
cargo exigia conhecimentos outros, além aulas (muito comum em projetos sociais
do violão. Pedagogia musical? Está pra e escolas da rede privada) e o violão,

56 • VIOLÃO+
coda
para tocar algumas músicas. ouvirem a história, os professores me
Eis que chega o dia da tão esperada dispensaram da prova com o violão, pois
entrevista. Estava muito confiante, não eram instrumentistas também. Tentei
haveria quem me tirasse essa vaga. me concentrar e responder às questões
Nem reli nada sobre os pedagogos sobre pedagogia musical.
musicais. Isso, “tiro de letra”, pensei. Quando veio a pergunta, generosa por
Muito metido, mesmo! Dei uma aquecida tão fácil, percebi o quanto estava abalado
nos dedos, toquei um pouco no meu com a perda do instrumento. “O que você
violão de estudo, estava bem, músicas poderia nos dizer sobre a pedagogia
escolhidas. Mas, e o plano de aulas? musical no século XX?”. Na cabeça,
Corri e fiz. Horrivelmente, mas fiz. Com nada vinha. Dalcroze, dançou. Kodály,
isso, me atrasei. Talvez chegasse a não foi visto a tocar flauta por aí. Nem
tempo pelo transporte público, mas não Orff, brincando com xilofones. Suzuki,
quis arriscar. Ao sair à rua, vi um taxi não veio mostrar o seu afeto. Schaffer,
passando, chamei não surgiu de trás
e entrei. Confiante, de uma paisagem
mas um pouco “...Dalcroze, dançou. Kodály, não foi sonora. Um tímido
nervoso com o visto a tocar flauta por aí. Nem Orff, Piaget apareceu
horário. em meio à
Nesse dia, um brincando com xilofones. Suzuki, enrolação. Saí de
acidente parou a não veio mostrar o seu afeto. lá envergonhado.
via principal, que Mais que isso, triste
me levava até o
Schaffer, não surgiu de trás de uma duplamente, pois
local da prova. Já paisagem sonora. Um tímido Piaget não conseguiria
estava na hora, e aquele emprego e
o taxi parado no
apareceu em meio à enrolação...” estava sem meu
meio do trânsito. violão. Ainda fiz
Telefonei, consegui falar com a secretária uns bilhetinhos dizendo: “Perdi meu
dos coordenadores da seleção, que violão no seu taxi, meu telefone é tal”
disse que poderiam esperar um pouco. e distribuí nos pontos de taxi na região
Como já estava a menos de um de minha casa. Logo parei, me sentindo
quilômetro do local, paguei o motorista ridículo, pois peguei o taxi no meio da
e fui, desembestado, correndo pela rua, rua de uma cidade como São Paulo.
com meu plano de aulas, partituras, Como encontrar? Dei o instrumento
documentos e mais nada. Ao chegar, como perdido.
descobri o pior de todos os erros daquele Sobre o emprego, a resposta é óbvia,
dia: o violão dormia no banco de trás do não fui chamado. Mas, quatro dias
taxi... E lá ficou. depois, meu celular toca. Atendo. Uma
Inconformado, tentei ainda ver como voz diz do outro lado: “você esqueceu
estava o trânsito, para ver se o motorista o seu violão no meu carro, como faço
ainda estava ao alcance dos olhos. Nada! para devolver?”. Ainda tem gente boa
Entrei no prédio para fazer a prova. Ao nesse mundo.
VIOLÃO+ • 57

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