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Resumo
A arquitetura religiosa, desde os seus primórdios até a época atual, sempre representou a
relação do homem com o sagrado, ou seja, a sua subordinação e respeito a um poder
superior. Nesse contexto, a luz natural aparece como elemento magistral da simbologia
arquitetônica. Na presente pesquisa, o tema é abordado visando desvendar até que ponto
essa característica é parte de uma necessidade lumínica ou se, ainda hoje, mesmo com os
recursos da iluminação artificial, a iluminação natural permanece sendo a essência do
partido arquitetônico dessas edificações. Ao elucidar esse panorama da arquitetura religiosa,
o objetivo é demonstrar como a luz natural segue imbuída de significados espirituais
relativos à fuga das trevas e ao conforto da alma. Para isso, é apresentado um levantamento
de obras icônicas ao longo da história e também de obras modernas e contemporâneas, que
serviu de repertório para uma análise da linguagem luminosa nesses ambientes. Concluiu-se
que a luz natural ainda é o alimento simbólico das almas que buscam nos templos religiosos
a proximidade do sagrado.
Palavras-chave: Arquitetura religiosa. Iluminação. Simbologia. Luz. Sagrado.
1. Introdução
A arquitetura, em sua associação entre arte e técnica, é capaz de suscitar boas ou más
sensações em seus usuários, de acordo com a intenção primordial do arquiteto e da relação do
indivíduo com o espaço proposto por ele.
A arquitetura religiosa, em particular, pela busca em materializar a cultura sacra de diversas
sociedades, destacou-se continuamente através da história pelos enormes empreendimentos
que sempre representou a subordinação e respeito humano a um poder superior. A
centralização de todos os esforços e recursos disponíveis para a construção dos templos,
igrejas e catedrais de todas as épocas e regiões do planeta reflete a importância da religião no
cenário sociocultural.
As imagens que nos cercam refletem aspectos da sociedade em que vivemos e, segundo o
crítico de arte, historiador e romancista, John Berger (1999:10), “a maneira como vemos as
coisas é afetada pelo que sabemos ou pelo que acreditamos”. Assim, carregada de intensa
simbologia, a arquitetura dos ambientes de culto e de oração vem traduzindo de forma
peculiar, ao longo de gerações, a relação do homem com o sagrado e, nesse interim, a luz –
opondo-se metaforicamente às trevas do mundo – sempre foi forte elemento explorado pelo
legado arquitetônico afim. Explícitas ou não, os signos à nossa volta nos transmitem
mensagens e a arquitetura sagrada está repleta deles.
Com o intuito de elucidar o desenvolvimento da arquitetura sagrada e sua relação com a luz
natural, o presente artigo pretende apresentar um apanhado geral de edifícios religiosos, ao
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longo da história até algumas de suas expressões mais contemporâneas, todos de extrema
relevância no cenário da humanidade. Antes, porém, necessário se faz entender a
religiosidade inerente ao ser humano de qualquer época e, como o estudo da simbologia sacra
revela que a luz simboliza a vida, a salvação e a felicidade, enquanto as trevas são, por
conseguinte, símbolo do mal, da infelicidade, do castigo, da perdição e da morte.
Assim, a iluminação de ambientes sagrados, não só cumpre uma função técnica, mas,
essencialmente, uma função espiritual.
2. Religião
2.1. Definição
Segundo o dicionário Aurélio da Língua Portuguesa (1986), a religião pode ser assim
apresentada:
1. Crença na existência de uma força ou forças sobrenaturais, considerada(s) como
criadora(s) do Universo, e que como tal deve(m) ser adorada(s) e obedecida(s). 2. A
manifestação de tal crença por meio de doutrina e ritual próprios, que envolvem, em
geral, preceitos éticos. 3. Restr. Virtude do homem que presta a Deus o culto que
lhe é devido. 4. Reverência às coisas sagradas. 5. Crença fervorosa; devoção,
piedade. 6. Crença numa religião determinada; fé, culto. 7. Vida religiosa. 8.
Qualquer filiação a um sistema específico de pensamento ou crença que envolve
uma posição filosófica, ética, metafísica, etc. 9. Modo de pensar ou de agir;
princípios.
Diante dessa definição, podemos colocar que a Religião é um dos campos da cultura humana
mais tradicional da humanidade. Presente nas diversas civilizações desde os primórdios da
história, ela pode ser definida como o conjunto de crenças relacionadas ao sobrenatural, ou
seja, aquilo que se encontra além do entendimento do que é humano.
De fato, tudo o que se apresenta como desconhecido e, até dado momento da história, como
não desvendado pela ciência, sempre é alvo de perguntas sequiosas por respostas. É inerente
ao homem a constante investigação a respeito de sua essência, seja ela material ou, no caso
em debate, espiritual. Constantemente requisitada, o papel da religião nesse contexto e em sua
essência, portanto, é explicar os questionamentos do ser humano sobre sua própria existência:
de onde viemos, por que estamos aqui e para onde vamos depois da morte. Por esse motivo, a
religião se desenrola num sentimento natural que busca, na reverência a um Ser Supremo, a
resposta a essas indagações.
O fato é que o ser humano sempre buscou acreditar em algo que lhe fosse superior,
expressando essa crença na relação de submissão para com o que se acha acima dele. Muito
por temer o que lhe espera depois da morte, o homem incessantemente procurou pertencer a
alguma religião e traçar sua conduta dentro dos padrões morais e éticos estabelecidos, seja ela
qual for.
Assim, o respeito pela Inteligência Divina, pelo “sagrado” e pelo “divino” se manifesta na
forma de rituais, seitas, cultos, códigos morais, fé e doutrina que, juntos, almejam dirigir o ser
humano a uma conduta melhor. O fim da religião é, por assim dizer, a salvação da alma. Os
homens a buscam tendo em vista a garantia da consciência tranquila, do dever cumprido, do
bem estar advindo da prática constante do amor ao próximo.
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2.2. Origem
Segundo afirma Ambrogio Donini, “a religião não nasceu com o homem” (DONINI, 1965,
p.19). Durante milhares de séculos, no primeiro período da Pré-História, o homem
experimentou uma vivência muito próxima da animalidade: não havia divisão do trabalho,
nem chefes, nem laços sociais; reinava a promiscuidade sexual; o instrumento de trabalho
eram as próprias mãos; alimentavam-se do que a natureza os oferecia; a comunicação era
realizada por sinais. Assim, pela inconsciência de sua relação com outros homens e com a
própria natureza, o homem primitivo se mostrou incapaz de fazer qualquer relação de sua
existência com qualquer tipo de crença religiosa.
Necessário se fazia que o homem tivesse uma base social mais sólida para que a religião
pudesse nascer. Na medida em que os grupos humanos passaram a se organizar em
comunidades numa forma de vida mais sedentária, possibilitada pelo domínio da caça e da
pesca e, posteriormente, do fogo, as primeiras manifestações religiosas surgiram, inicialmente
associadas à idéia de sonho, morte, ritual e magia.
Mircea Eliade, filósofo e historiador das religiões, em seu livro Tratado de História das
Religiões, afirma que “todas as definições do fenômeno religioso apresentadas até hoje
mostram uma característica comum: à sua maneira, cada uma delas opõe o sagrado e a vida
religiosa ao profano e à vida secular” (ELIADE, 1993: 7). Trata-se da crença e submissão do
homem a um Poder Supremo em contraposição a uma experiência de vida unicamente
material.
Maurilio Adriani, em História das Religiões, afirma acerca desse mesmo assunto que
ainda in illo tempore, delineou-se, pela primeira vez, a separação violenta e quase
incolmatável entre a estirpe dos Imortais, dos deuses – assim chamados porque
imunes ao pesado destino da morte – chefiados pelo Céu-pai e pela Terra-mãe, e a
linhagem dos mortais – não por acaso assim chamados devido ao seu inelutável
destino –, da decadência, da corrupção e da dissolução; daí, da consciência desta
separação imensa, o “temor de Deus”, a admiração, a reverência e o medo, a
submissão, a oração e todo o conjunto de gestos que tem como resultado as formas
ainda rudimentares do rito, isto é, o culto pelos homens das Potências divinas
superiores. E já temos, neste esboço, a fisionomia da religião “primitiva”.
(ADRIANI, 1988: 12).
2. Arquitetura religiosa
2.1. Arquitetura como fenômeno cultural
A cultura pode ser definida como a expressão do comportamento social de um povo. Ela
traduz e exprime o conjunto de hábitos e aptidões do homem enquanto membro de uma
sociedade, baseada num complexo de características que compreende a moral, as crenças, as
leis, os costumes e os conhecimentos que ditam, de certa forma, a conduta do indivíduo no
grupo ao qual pertence, segundo Tylor (apud LARAIA, 2002: 25).
O homem, em sua relação com o mundo, não responde unicamente a instintos, mas sim, e
essencialmente, a seu aprendizado como reflexo dos padrões culturais da sociedade em que
vive. E, na arquitetura, essa abordagem segue a mesma lógica. Um edifício nada mais é do
que uma realização humana que materializa o conceito de determinada cultura.
Diferentemente dos animais, que também ordenam o ambiente, criam lugares, e estabelecem
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limites, mesmo que abstratos, aos seus territórios, o homem, além disso, imprime em suas
construções atributos socioculturais próprios, inerentes ao seu modo de ver o mundo e, por
isso, passíveis de alterações conforme a evolução de cada grupo em seu meio cultural.
Assim, o fenômeno arquitetônico é genuinamente uma manifestação cultural, pois reflete em
sua concretização o modo de vida, as idéias e os sentimentos de um povo, mais do que
simplesmente circunstâncias de necessidades físicas e materiais. A arquitetura, por assim
dizer, no dizer de Rapoport (1984), torna tangível os significados ao concretizar os ideais e
crenças de um grupo.
E, nesse contexto, o significado espiritual, entre os aspectos culturais presentes nas
sociedades, sempre apresentou grande relevância e ênfase especial nas manifestações e
realizações de qualquer período histórico.
Para Amos Rapoport, também sobre as origens culturais da arquitetura, o ambiente construído
representa a expressão física dos sistemas e esquemas de ordenação de qualquer cultura
específica. E, nesse ponto, o sagrado teria papel central na articulação de suas prioridades.
Em todas as situações tradicionais e particularmente naquelas que estão nas origens
da arquitetura, os esquemas de ordenação são frequentemente baseados no sagrado,
uma vez que a religião e o rito são o centro (embora outros esquemas também
desempenhem seu papel). Se os meios ambientes construídos são humanizados,
locais onde se pode viver, então, para a maioria dos povos tradicionais, eles devem
ser, por definição, consagrados ou santificados. Uma vez que o mundo tem uma
visão religiosa das sociedades tradicionais, o meio ambiente construído – que
engloba as idéias – deve englobar o sagrado já que isso representa o significado mais
importante. (RAPOPORT, 1984: 33).
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Da mesma forma, as pirâmides egípcias (2.500 a.C) exigiram grande dedicação e habilidade
humana para transportar, arrastar e levantar grandes pedras de modo a compor estruturas
monumentais. Associadas à crença na vida após a morte, as pirâmides tinham a finalidade de
abrigar e proteger o corpo mumificado do faraó e todos os seus pertences, riquezas e objetos
de uso pessoal. Quanto às pirâmides, é o alinhamento das mesmas, fiel aos pontos cardeais,
que demonstra também uma relação com o Sol e com a trajetória da luz ao longo do dia.
Partindo para a Grécia Antiga, Bruno Zevi (1978), ao abordar a história das concepções
espaciais da arquitetura, ressalta a glória da escala e das proporções humanas dos edifícios
gregos, mas considera as construções religiosas gregas meramente escultóricas, ao passo que
não eram concebidas como espaço para os fiéis, mas sim como morada dos deuses, e os ritos
aconteciam do lado de fora, de forma a propiciar a contemplação da obra-prima plástica à
distância. O Parthenon, por exemplo, localizado na Acrópole (“cidade alta”), em Atenas,
Grécia, foi orientado de modo a receber a luz do Sol da manhã a iluminar as estátuas em seu
interior.
Já na análise da arquitetura romana, Zevi (1978) afirma que o espaço interior aparece de
maneira grandiosa e altamente cenográfica. A arquitetura resultante da composição de
elementos tornados tão característicos, como frontões, colunas e cúpulas, marcou a produção
edilícia desse período. Tido por ele como estático, o espaço das construções da Antiga Roma
são caracterizados pela simetria, escala monumental e grandiosidade.
A grande cúpula do Panteão (125 d.C.), na Itália, Roma, propõe uma iluminação zenital que
traz a luz para dentro da edificação. Essa proposta romana permitia a incidência direta da luz
do Sol em estátuas de divindades localizadas em seu interior, conferindo um misticismo ímpar
ao politeísmo da Roma Antiga. Sua arquitetura interior é ainda mais maravilhosa do que se
pode supor pelo lado externo e tem sua natureza técnica descrita pelas seguintes palavras do
historiador de arte, E. H. Gombrich:
Seu interior é uma gigantesca rotunda com teto em abóboda e uma abertura circular
no topo, através da qual se vê o céu aberto. Não tem janelas, mas do alto todo o
recinto recebe luz abundante e uniforme. Conheço poucos edifícios que transmitam
uma impressão de tão serena harmonia. Não existe a menor sensação de peso
opressivo. O enorme zimbório parece pairar livremente sobre nós como uma
segunda abóboda celeste. (GOMBRICH, 1999:121).
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com a realidade da crença à qual pertenciam. Rica e temida, a Igreja detinha também, grande
poder político, e usava essa faculdade para demonstrar, através da arquitetura de suas igrejas,
catedrais e basílicas, sua imponência e destaque na sociedade da época.
A Igreja de Santa Sofia (532-37), construída sob o domínio de Justiniano, é o mais grandioso
exemplo da arquitetura bizantina. De arquitetura espaçosa e monumental, Santa Sofia aborda
o uso característico da abóboda, e seu interior é cuidadosamente decorado com mosaicos cuja
qualidade cromática é o “objeto imediato das percepções sensíveis” (BENEVOLO, 1972, p.
78). Procópio assim descreve a manifestação da luz em seu interior:
Assim, a profusão da luz nas igrejas bizantinas garantiria que os mosaicos, as esculturas de
mármore em seu interior, as refulgentes paredes douradas, e todos os demais elementos
decorativos que visualmente narravam os ensinamentos da igreja e de sua verdade sagrada
fossem “divinamente” iluminados às mentes dos fiéis.
A arquitetura românica também veio a se estabelecer por meio de grandiosas construções
religiosas. A igreja românica passou a adotar, ainda que não em todos os casos, a forma de
uma cruz em planta pelo acréscimo de uma galeria transversal (transepto), marcando de
maneira acentuada a simbologia do Cristianismo. Tanto o interior quanto o exterior das
igrejas românicas transmitem ainda, de acordo com Gombrich (1999), a sensação de
“robustez compacta”. Com poucas janelas, mal iluminadas e obscuras, suas possantes e
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A arquitetura gótica, por sua vez, abandonou as estruturas pesadas e maciças, características
do período românico, e buscou sistemas estruturais mais leves e graciosos. A verdade é que,
segundo Gombrich (1999), se os pilares e os arcos eram suficientes para sustentar a
edificação, as imensas paredes de pedra do período românico foram tidas, como enchimento
supérfluo.
Zevi (1978) considera a abordagem gótica de negação das paredes como a realização de uma
continuidade espacial entre exterior e interior. Partindo para uma construção de pouco peso, o
ideal dos arquitetos góticos era inteiramente novo e propunha um tipo de igreja de pedra e
vidro, cujas grandes aberturas traziam luz e cor para o recinto interno, antes caracterizado
como sombrio e escuro nas antigas igrejas.
É difícil imaginar a impressão que esses edifícios devem ter causado àqueles que só
tinham conhecido as pesadas e sombrias estruturas do estilo românico. Aquelas
igrejas mais antigas, em sua força e poder, talvez transmitissem algo da “Igreja
Militante” que oferecia abrigo e proteção contra as investidas do mal. As novas
catedrais propiciavam aos fiéis o vislumbre de um mundo diferente. [...] As paredes
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das novas igrejas não eram frias nem assustavam. Eram formadas de vitrais
policromos que refulgiam como rubis e esmeraldas. Os pilares, nervuras e
rendilhados despediam cintilações douradas. Tudo o que era pesado, terreno ou
trivial fora eliminado. Os fiéis que se entregavam à contemplação de tanta beleza
podiam sentir que estavam mais próximos de entender os mistérios de um reino
afastado do alcance da matéria. (GOMBRICH,1999:188-189).
Ao lado dos vitrais e rosáceas, que transformaram radicalmente o interior das catedrais
conferindo iluminação e misticismo às mesmas, a verticalidade e majestade de suas estruturas
exibiam a tentativa de proximidade com Deus. Apoiada, assim, em forte simbolismo
teológico, as catedrais góticas se voltam para o alto, projetando-se na direção do céu. A luz
penetra o seu espaço interior, banhando os fiéis do efeito místico da mesma, como é nítido
observar nos vitrais de Sainte-Chapelle (1248), em Paris, França.
Enquanto na Idade Média a vida do homem era centrada em Deus, no período posterior, que
ficou conhecido como Renascença, o homem passa a ser a figura principal
(antropocentrismo). O expressivo desenvolvimento artístico, científico e intelectual do
período fez com que o movimento do humanismo se estabelecesse através da valorização das
ações e capacidades humanas ao passo que a religião perdeu a centralidade que outrora
detinha.
Nos séculos XII e XIII das grandes catedrais, a Europa era um continente de pequenos
povoados de arquitetura humilde que contrastava com as catedrais e castelos que
representavam o centro do poder e da religiosidade da época. Entretanto, a partir do século
XIV, os burgos e as cidades se desenvolveram e foram convertidos em grandes centros de
comércio.
E, conforme ocorriam mudanças na sociedade, elas também foram absorvidas pela arquitetura
das cidades em permanente expansão. “Conforme as cidades se tornavam mais prósperas e os
Estados diminuíam seus vínculos com a igreja estabelecida, edificações específicas foram
sendo criadas” (ADDIS, 2009: 158-159). As igrejas passaram a não mais ser as principais
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tarefas dos arquitetos, pois outros edifícios urgiam ser projetados e construídos nesse novo
contexto: palácios, universidades, teatros, portos, prefeituras, prédios públicos em geral.
Addis (1999) afirma que, durante o Renascimento (1400-1630), resultante da “prosperidade
econômica combinada com uma revolução cultural”, o crescimento do comércio gerou um
excedente de capital que financiou empreendimentos construtivos cada vez maiores. Para o
autor, cidades italianas, como Veneza, Milão, Gênova e Florença, competiam entre si usando
os edifícios como meio de exibir suas habilidades e de demonstrar seu orgulho cívico
(ADDIS, 2009: 117).
Apesar da nova postura mais racional e antropocêntrica da arte renascentista, influenciada
pelo humanismo, a arquitetura mais importante continuou cristã, porém assumiu um novo
estilo, distinto do gótico. Como o próprio significado da palavra “renascença” (nascer de novo
ou ressurgir), a idéia de um renascimento nas artes pretendia “ressuscitar” a grandeza da idade
clássica. Por esse motivo, Brunelleschi, arquiteto pioneiro do renascimento, buscou nas
formas da arquitetura clássica a referência para criar novos modos de harmonia e beleza. Seu
trabalho atingiu notabilidade e reconhecimento especialmente pelo projeto e execução da
cúpula da Catedral de Santa Maria Del Fiore (1420-36), em Florença.
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De um modo geral, a partir do século XVI, com o início do processo de reformas religiosas
que vieram questionar os abusos cometidos pela Igreja Católica, uma mudança na visão de
mundo foi proposta. Addis (2009) afirma que, desde então, com o surgimento do
Protestantismo após a Reforma da Igreja, a riqueza excedente deixou de ser destinada à
arquitetura religiosa e se direcionou para a construção de prédios públicos e mercados
públicos. Como coloca Addis (2009), era chegada a Era da Razão.
Embora a Igreja Católica nunca tenha interrompido a construção de igrejas como forma de
expansão de sua crença e preservação de seus fiéis, na medida em que ela deixava de ser a
força motriz da sociedade, outros edifícios também tiveram sua arquitetura ressaltada e
procuraram se destacar no cenário urbano, fazendo com que as construções religiosas cristãs
perdessem a supremacia que possuíam antes. A partir do século XVII, não mais somente os
espaços religiosos seriam edificados visando à grandiosidade e à expressão, mas também
aqueles de função política, administrativa, institucional e mesmo residencial.
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Nesses dois exemplos, a luz natural é filtrada por elementos construtivos ou é encaminhada
por eles. A antiga cúpula é reinterpretada de modo a permitir a participação da abóboda
celeste no espaço interno, banhando de luz e feixes luminosos a experiência sensorial de
quem por ali estiver, transmitindo um sentido de iluminação que afasta as trevas e nos
aproxima, assim, do poder divino.
No entender de Brandston (2010), “a luz é a mais veloz viajante no tempo”. E o autor
prossegue afirmando que:
A luz permite ver não somente através dos nossos sentidos, mas também através da
nossa alma. É uma palavra que evoca uma grande gama de sentimentos, que variam
de pessoa para pessoa. Para um filósofo, luz é uma metáfora para conhecimento;
para o cientista, um componente fundamental de seu trabalho; para um artista
cênico, uma ferramenta para manipular emoções. Ela foi definida por Maxwell e
pintada por Caravaggio. Para o resto de nós, que enxergamos, a luz é o principal
meio pelo qual adquirimos informação. Luz é energia – e é através dela que toda a
vida é medida. (BRANDSTON, 2010:23).
Assim, podemos compreender como a luz, no âmbito da arquitetura, define crenças e culturas,
tendo o poder de acalmar, inspirar, confortar e sensibilizar quando explorada para esse fim.
3. Conclusão
Como foi possível observar, a luz é elemento chave na produção arquitetônica de uso
religioso. Na célebre antítese entre o bem e o mal, a luz sempre triunfa como representante
das divindades benignas e do poder em geral se contrapondo às trevas que remetem ao seu
oposto. E, assim, diversos monumentos, templos, igrejas, capelas e santuários trazem na sua
essência o trabalho místico da luminosidade.
A luz é entendida como manifestação divina e é reconhecida ao longo do tempo como
símbolo religioso e assim permanece até os nossos dias. Corretamente explorada, ela é capaz
de dotar a arquitetura dos edifícios religiosos de significado, emoções e sensações, de modo a
traduzir na Terra a busca do ser humano por sua aproximação a um poder que lhe é superior.
Ainda que as possibilidades de iluminação com as diversas fontes de luz artificial disponíveis
atualmente sejam infindáveis, a luz natural ainda é vista como fenômeno natural purificador e
sublime: insubstituível portanto.
Referências
ADDIS, Bill. Edificação: 3000 anos de projeto, engenharia e construção. Porto Alegre:
Bookman, 2009.
BENEVOLO, Leonardo. Introdução à arquitetura. São Paulo: Editora Mestre Jou, 1972.
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BOTEY, Josep Ma. Oscar Niemeyer. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 1996.
DONINI, Ambrogio. Breve história das religiões. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1965.
ZEVI, Bruno. Saber ver a arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 1978.
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