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Comecei e terminei, quase que em uma sentada, o livro Caim, de José Saramago.

A
ideia do livro, no geral, é bastante interessante, afinal, um Caim imortal perambulando
por momentos cruciais do Primeiro/Antigo Testamento é, por si só, uma sacada genial.
No entanto, comparado ao Evangelho Segundo Jesus Cristo (ESJC), me pareceu um
pouco inferior.
Não digo que o romance não tenha sua beleza, pois há cenas belíssimas, tais como as
falas de Caim, quando, logo após o assassínio de seu irmão Abel, dialoga com Deus e
afirma ser culpa deste, pois, diz ele a Deus: "bastaria que por um momento
abandonasses a soberba da infalibilidade que partilhas com todos os outros deuses,
bastaria que por um momento fosses realmente misericordioso, que aceitasses a minha
oferta com humildade, só porque não deverias atrever-te a recusá-la, os deuses, e tu
como todos os outros, têm deveres para com aqueles a quem dizem ter criado,", e logo
em seguida, quando afirma: "eu fui o braço executor, mas a sentença foi ditada por ti,";
bem como o diálogo entre Lilith e Caim, quando este volta de sua viagem; e ainda
outras que não se faz necessário mencionar aqui, pois não convém dar spoiller; isto tudo
sem contar a forma como Saramago narra, que é assaz gostosa de se ler e que tem uma
força plástica impressionante.
O que me deixou essa impressão de falta, de certa inferioridade em relação ao ESJC, foi
o fato de que o romance, por mais interessante que seja, parece ter vindo a lume para
justificar uma tese: a de que o Deus do Primeiro Testamento é mau, que é um Deus
voluntarioso e completamente sádico, bem como contraditório, algo que "está dito e
redito pelos moralistas do mundo", para citar o Deus machadiano de "A Igreja do
Diabo". Além disso, ao contrário do ESJC, Caim parece mais uma (bri)colagem de
passagens bíblicas do que uma recriação narrativa. Claro que os saltos para trás e para
frente em pontos cruciais da história do Antigo Testamento a tornam diferente, que o
desfecho (paradoxal) do livro ganha por sua originalidade, mas, ainda assim, não chega
a ter uma força tão grande como sua recriação da história do nazareno. Além disso,
força é dizer, o romance parece ter algumas contradições internas, personagens que
poderiam ter sido melhor explorados, aprofundados ou explicados... Sem contar que
poderíamos ver Caim em outros momentos que são tão intrigantes como aqueles que
foram trabalhados, perambulando em momentos que Deus não está lá na narrativa, mas
que sua presença - a de Caim - poderia vir a calhar.
Em todo caso, mesmo não sendo tão bom quanto o ESJC, o livro é muito bom e eu
recomendo, pois vale a pena e tem-se a garantia de boas horas de leitura.

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