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BOSI, Alfredo. Sobre alguns modos de ler poesia. In: BOSI, Alfredo (org.). Leitura de
poesia. São Paulo: Editora Ática, 2007. P.7-49
“Os new critics encareciam o valor das operações intelectuais imanentes nos poemas
fundadores. E afirmavam, sob a égide oracular de Pound e de Eliot, a existência de uma
aliança tensa de fantasia artística e rigor do pensamento” (p.10-11)
“Foi essa inteligência moderna da forma – rede de fios sensíveis e congnitivos – que
permitiu à crítica anglo-americana absorver elementos de análise simbólica e lógica da
linguagem. E, de fato, percorrendo a história literária, a presença crescente d euma
poesia auto-reflexiva e metalinguística ao longo do século XX parece ter dado razão aos
anticrocianos, aos quais porém o filósofo, imperturbável, sempre respondeu que o erro
destes não consistia em admirar as abstrações inseridas no poema, mas em admirá-las
chamando-as poesia” (p.11)
“ora, foi precisamente o vetor da análise psicologica ou ideológica que norteou parte
considerável da produção literária dos séculos XIX e XX, quando, para bem e para mal,
se deu o Ascenso universal do modo de pensar burguês cada vez mais distante da
“ingenuidade” exaltada por Schiller” (p.12)
“Os new critics, embora partilhassem o gosto poundiano pela poesia-imagem grega,
latina, chinesa e Provença, não podiam deixar de ser homens d eum tempo penetrado até
à medula pelo olhar introspectivo e pela consciência crítica: tempo em que a poesia
virou aquela “coisa anfíbia feita metade de imagem, metade de significado abstrato”
(p.12)
“Nos seus estudos já reponta, de modo virtual, a leitura pós-moderna do poema como
pluralidade de discursos em tensão” (p.12)
“Na Estilística, que se difundiu aqui nos anos de 1940 e 1950, ouviam-se profissões de
fé no intuicionismo crociano” (p.13)
“A diferença residia na maior atenção que a análise estilística dedicava aos fenômenos
linguísticos, correndo às vezes o risco de hipersimbolizar este ou aquele elemento
fonético ou gramatical” (p.13)
“A equação poesia = música + lógica, sugerida por Scheleiermacher, é acolhida por Leo
Spitzer que a julga uma descrição exata da dialética que o múltiplo das representações e
o uno do conceito travam na fatura dos discursos simbólicos” (p.15)
“O ensaísta parte de uma visão de conjunto, o que é uma das alternativas do método
hermenêutico” (p.15)
“Deixando de lado uma crítica de fundo que merece essa concepção de linguagem (que
é exatamente oposta à de Vico para quem a polissemia e as redes analógicas precedem e
preformam o conceito), é razoável reconhecer que os manuais franceses chamavam a
atenção do aluno para a unidade (ideal) do texto para, em seguida, treiná-lo na análise
mipuda das suas articulações. Para bem e para mal, a explication era uma exercício de
abstração” (p.20)
“Falamos em critérios de valor. Quais seriam estes para a tradição didático francesa¿ A
integridade necessária do texto dependia da escolha ou invenção (no sentido latino de
achamento) de um tema único. A disposição linear das partes garantia ao poema a
virtude indispensável da ordem. Enfim, a elocução exata de cada significado daria à
obra o mérito imprescindível da clareza” (p.21)
“Acontece, porém, que essas partes e artes não convèm à maioria dos poemas escritos a
partir da revolução romântica. Daí o dilema: ou o intérprete enfrentava o contraponto
tantas vezes assimétrico mas fecundo de tradição literária e criação pessoal que enforme
o melhor da arte contemporânea; ou, fixando-se no canos das virtudes neoclássicas,
torulava anacronicamente como “defeitos” de fundo e de forma a pluralidade de
motivos, as rupturas de composição ou a densidade imagística dos poemas que sumetia
ao seu esquadro. Porque unidade, ordem e clareza são apenas equilíbrios funcionais, que
obedecem às necessidades da representação e da expressão, e não atributos ontológicos
a que o poema deva a priori conformar-se” (p.22)
“Percebo agora, tarde mas em tempo, que onde nós, jovens, acusávamos drásticas
oposições, o amor à poesia trançava secretas afinidades” (p.23)
“O código poético levaria ao mais alto grau de utilização aquela marca inerente a todas
as línguas naturais ou artificais. É Essa a base linguística do conceito-chave,
generalíssimo, da leitura estruturalista, a função poética: a projeção do eixo das
similaridades no eixo das contiguidades” (p.25)
“Mas, como diz o povo, de onde menos se espera daí é que vem. Do mesmo
estruturalismo que supunha colher a essência do poético na ocorrência de paradigmas,
viria, paradoxal e funda, a pista para sair do impasse a que o constrangiam os seus
esquematismos de base” (p.26)
“A motivação é a janela pela qual a palavra respira fundo e se comunica com as
energias da imaginação e do sentimento, tornando-se expressiva, ou com as formas do
mundo, tornando-se representativa. A palavra motivada é pathos. A palavra motivada é
mimesis. (p.27)
“Se assim é, simbolismo e realismo voltam a ter voz no coro das teorias poéticas, e as
suas verdades, parciais mas seminais, já não serão mais recaldas em nome de uma visão
autotélica, pretensamente radical, da escrita artística” (p.27)
“Lembro-se do encantamento com que li, nas páginas da revista Diogène, um ensaio de
Jakobson intitulado “À La recherche de l’ essence Du langage”. Nele acha-se a
reconstituição das várias teorias do signo elaboradas desde os estoicos e Santo
Agostinho até Peirce. As visadas do criador da Semiótica – como a sua tripartição dos
signos em ícones, índices e símbolos – são retomadas por Jakobson à luz da Linguística
moderna. E as relações motivadas, logo não arbitrárias, entre significante, significado e
referente são ilustradas com um alto número de exemplos persuasivos que cobrem todos
os níveis da linguagem” (p.27)
“Fica evidente que a poesia atualiza e leva à máxima potência as virtualidades todas do
signo e sobretudo a sua faculdade de dar nome a aspectos singulares da experiência. A
palavra poética, assim pensada, deixa de ser letrume opaco e instansitivo para tornar-se
feixe de relações que prismatizam (valha a metáfora de Mallarmé) o som pelos sentidos
e o sentido pelos sons, a imagem pelas ideias e a ideia pelas imagens. E o símbolo
cumpre a sua vocação multimilenar de dar inteligibilidade à relação do homem com o
mundo. Essa vocação para o sentido ainda está longe de ter-se esgotado: não por acaso,
Roman Jakobson rematava o seu estudo com uma citação de Khliébnikov: “Eu
compreendi que a pátria da criação está situada no futuro; é de lá que sobra o vento que
nos enviam os deuses do verbo” (p.27)
“Os formalistas eram, acima de tudo, escavadores da palavra artística. As suas primeiras
e mais audazes intervenções foram ditadas pelo clima polêmico que se difundiu na
Rússia do primeiro quarto de século envolvendo simbolistas e anti-simbolistas entre os
quais se avultavam pela militância os futuristas. Era uma luta não só literária mas
também ideológica, pois alinhava, de uma parte, os defensores de um passado neo-
romântico e espiritualista e, de outra, os arautos de um futuro que apostava no fazer
técnico e nos moldes de um pensamento materialista. Este caráter futurista de ruptura
com as poéticas do século XIX seria responsável pelo tom radical e irreverente dos
manifestos do Círculo de Moscou e da OPOIAZ, Sociedade para o Estudo da
Linguagem Poética (1916), que foram as primeiras agremiações dos formalistas” (p.29)
“(...) o novo depende de uma ingenuidade radical do olhar e do sentir que atenta para a
coisa e a diz como se o fizesse pela primeira vez. Ingenuidade no sentido que lhe
atribuiu Schiller no extraordinário A poesia ingênua e sentimental. Só o poeta ingênuo é
gênio, afirmava Schiller, e, enquanto gêniio, capaz de criar novos procedimentos de
expressão” (p.30)
“Nessa ordem de ideias, o estrnahamento que a grande poesia em geral provoca, longe
de ser um artifício forjado para complicar a frio a relação do leitor com o texto, (...)
provém da ajudeza de intuição e da intensidade de sentimento do eu lírico em faze de
um mundo que ainda é novo e imprevista apenas de gasto por séculos e séculos e uso e
convenção. Futurismo e simbolismo – discordantes em quase tudo – convergem aqui
para renovar por dentro o ofício desautomatizador da palavra poética” (p.30)
“E entre estas questões, as mais candentes para nós, amantes da poesia em tempos
agônicos, eram as que aprofundavam as relações entre Palavra e História, Palavra e
Sujeito” (p.32)
P.L: História e sociedade parecem não integrar o mote poético de Leminski, nem o de
sua crítica. Ao contrário, retoma uma espécie de ‘olhar ingênuo’, olhar novo sobre tudo
o que é velho, o mito, posição hermenêutica
“Começou então a gestão dentro d emim um conceito para o qual tendia a minha
formação espiritual, mas que demorou alguns anos a vir à luz: o conceito de poesia
como resistência. Nele reconheço hoje presenças ora difusas, ora pontuais, do
existencialismo além de estímulos do pensamento dialético de linhagem hegeliana”
(p.37)
“A ideia de que a poesia (mítica, intimista, satírica ou utópica) não é liso espelho da
ideologia dominante, mas pode ser o seu avesso e contraponto, não me conduziu a
retornos irracionalistas. Tratava-se de entender a riqueza imanente do símbolo poético
em uma perspectiva realista pela qual a poesia faz parte do movimento histórico, é um
dos seus modo de manifestar-se e não em seu epifenômeno” (p.37)
“De fato, a memória letrada, avolumando-se fatalmente com o passar dos tempos,
parece dar boas razões e velhas armas à metáfora do tesouro. Tudo já foi dito, inclusive
esta mesma sentença” (p.41)
“Assim sendo, é tarefa do crítico descobrir de qual poema antigo ou moderno o poema
novo é refacção, glosa ou paráfrase” (p.41)
“As figuras retóricas e gramaticais, que tanto serviram nos anos de 1960 para calçar
leituras sistêmicas, passam agora a ser instrumentos cortantes na obra de desmontagem
textual e do correlativo fraccionamento do eu autoral. Tudo isso faz sentido na estranha
lógica do caos contemporâneo diante do qual deveríamos reagir como o estoico
Espinosa: não rir nem chorar mas compreender” (p.42)
“Entre os extremos do narcisismo sem raízes e da cultura sem sujeito, é grato saber que
ainda atrai mais de um leitor crítico um modo de perceber as imagens do poema capaz
de abraçar generosamente corpo e historicidade, matéria e significação. Falo da
experiência poético-filosófica de Gaston Bachelard que vem resistindo à atual erosão
das propostas modernas e se dá como alternativa a todo pensar destrutivo” (p.42)
“Essa dupla participação, que se reconhece na materia signata da palavra, abre ao nosso
olhar duas portas.” (p.44)
“A outra porta dá para os tesouros da memória formados por mais de três mil anos de
tradição letrada. Porta da cultura” (p.44)
“Se abro apenas a orta que dá para a gênese sensível das figuras do poema, arrisco-me a
perder tudo quanto neste se deve ao estilo de época, ao gosto literário, à poética em que
se formou o autor, Às convenções de gênero e de metro a que o texto obedece, à tópica
e ao vocabulário que tradicionalmente se associaram ao tema, à ideologia que ordenou o
sento ponto de vista; enfim deixarei de ver as dimensões sociais a que nenhum poema
jamais se subtraiu. Se, porem, eu abrir só essa outra porta, fechando a primeira, a minha
intepretação acabará desprovida de todo entendimento das operações que converteram o
pathos em imagem (...) e nada saberei das motivações existenciais que forjaram a sua
expressão neste ritmo, e não em qualquer dos metros que a história do verso oferece ao
poeta culto” (p.45)
“Bachelard ensina a ver no coração de um tema clássico, como, por exemplo, o carpe
diem recorrente dos gregos aos árcades, não tanto a retomada de um clichê ilustre
quanto a intuição sempre renovável de um momento de felicidade amorosa ensombrado
pela certeza da finitude e da morte que espreita toda carne” (p.45)
“A porta que abre para a tradição literária, por mais pistas de intertextos que faculte ao
crítico, não deverá fazê-lo esquecer que cada poema novo, forte e belo é um ato
diferenciado de elocução, ato de conhecimento, e não mero re-conhecimento do que já
foi sentido, imaginado e dito” (p.45)
“Bachelard acalenta a ideia de uma afinidade arcana entre a matéria, tal como a
concebiam os velhos alquimistas crentes na coincidentia oppositorum, a sensibilidade
humana, as fantasias oníricas e as imagems poéticas: o que é outra maneira de pensar as
relações de contiguidade e de semelhança que unem o natural e o cultural” (p.46)
“Bela é a filosofia que não teme a diferença nem a contradição; antes, as convoca e as
agasalha à sua combra. Mas, para tanto, deverá também acolher corajosamente o
momento não raro ingrato da identidade” (p.47)
“AO longo do século, a poesia mudou demais, foi baixando o tom, alterou seu registro
no sentido de cortar boa parte da eloquencia declamatória herdada do Romantismo e do
Parnasianismo. Caminhamos mesmo para a poesia de olhos mudos; o canto, o urro e o
choro foram substituídos por uma espécie de low profile do verso, que abandonou o
destaque hiperbólico em favor da discrição amena do coloquial” (p.53)
“(...) é inevitável que tenhamos a estranha sensação de deslocamento diante desse que
foi o primeiro esforço de se criar entre nós o verso moderno, capaz de representar a
agitação e o tumulto da vida nas grandes cidades – agitação e tumulto que de resto, hoje
em dia, também nos parecem tão relativos” (p.54)
“Essa distinção, feita assim em traços tão largos, serve apenas para nos mostrar como a
oscilação entre uma arte extremamente impregnada de subjetividade e outra marcada, ao
contrário, pela objetividade das formas acompanhou de modo profundo o
desenvolvimento das vanguardas históricas. No caso da Paulicéia desvairada, como em
tantos outros, a separação das linhas não se dá inteiramente: baseada no “Moto lírico”,
na libertação dos impulsoso do que Mário chamada de “subconsciente”, a linguagem
tende para a linha destrutiva, de forte influência expressionista; contrabalançando isso,
entretanto, é visível também todo um esforço (explicitado na teoria do verso harmônico)
de caráter construtivo, a tendência “pronunciadamente intelectualista” do livro, à qual o
poeta se refere no “Prefácio interessantíssimo” (p.60)
“No meu entendimento, este ponto de irresolução – que traz consequências graves para
o acabamento formal dos poemas – é de muita relevância para se discutrem os modos de
representação do sujeito lírico na poesia da modernidade” (P.61)