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ISSN 1981-0431

Linhas Críticas
REVISTA DA FACULDADE DE EDUCAÇÃO - UnB
Linhas Críticas
Revista da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília

Critical Lines
Journal of the Faculty of Education, University of Brasília

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ISSN 1981-0431

Linhas Críticas
REVISTA DA FACULDADE DE EDUCAÇÃO - UnB

volume 23 – número 50 – fev./mai. 2017

50
Linhas Críticas é uma publicação da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília e de seu programa de pós-
graduação. Publica artigos inéditos de autores e autoras brasileiros e estrangeiros que apresentem consistência, rigor
e originalidade na abordagem do tema. Aceita trabalhos teóricos e empíricos de diferentes áreas e linhas de pesquisa
em educação, assim como artigos científicos sobre questões atuais em educação.

Universidade de Brasília
Faculdade de Educação
Sala FE3 / BT-06 / 17
Caixa Postal 04348
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Brasília - DF

Linhas Críticas
Revista da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília
Telefone/Fax: (61) 3307-2129
E-mail: rvlinhas@unb.br
URL: linhascriticas.fe.unb.br
Sumário
7 Editorial
Maria Clarisse Vieira
Ormezinda Maria Ribeiro

09 José Gomes; Ellen Ribeiro; Thiago Correio


A ambivalência da técnica e da tecnologia na profissionalização do ensino médio
28 Marta Garcia; Dirceu da Silva
Professor tutor: papéis, funções e desafios
51 William Ribeiro; Clarissa Craveiro
Precisamos de uma base nacional curricular comum?
70 Gregório Grisa; Jaime Zitkoski
Aportes para análise das políticas de ações afirmativas na UFRGS
88 Adriana Leon
O jornal Estrella do Sul como uma estratégia de intervenção
no debate educacional na primeira metade de 1930
111 Terezinha Oliveira; Ana Paula Viana
Espelho de Príncipe: Reflexões a partir do manual de Dhuoda
131 Edneia Pinheiro; Celso Conti
Participação e conflitos na gestão de escola transformada
em comunidades de aprendizagem
151 Márcia da Silva; Isabel Bilhão
Caminhos e descaminhos do retorno à escola: o Programa Ação Integrada Adultos
172 Sônia Bessa
Operação de divisão: possibilidades de intervenção com jogos
197 NguyenThuong Lang
Política de educação profissional no Vietnã: ofertas formativas
sob a vigência da integração internacional

218 Consultores ad hoc 2017

220 Instruções aos autores


Editorial

A Revista Linhas Críticas, atenta ao movimento atual de mudanças do modo


de conceber e de receber as propostas das políticas de educação, organiza,
em seu número 50, os artigos recebidos em fluxo contínuo que trazem, sobre
diferentes perspectivas, pesquisas que tematizam o emprego da tecnologia na
profissionalização do ensino médio; a busca da identidade do professor tutor; a
discussão sobre a necessidade de uma base nacional comum;as políticas de ações
afirmativas; as estratégias de intervenção social e de formação moral, política e
religiosa; as mudanças em processos de gestão; a Educação de Jovens e Adultos; e
a política de educação profissional na perspectiva da internacionalização.
No primeiro artigo “A ambivalência da técnica e da tecnologia na profissionalização do
ensino médio” José Deribaldo Gomes dos Santos, Ellen Cristine dos Santos Ribeiro e
Thiago Chaves Sabino Correio situam o papel da técnica e da tecnologia na chamada
“era tecnológica”, discutindo as facetas atribuídas a essas categorias, ao tempo em
que discutem a dualidade educativa que a profissionalização do ensino médio encobre
nas esferas profissional e propedêutica, pública e privada.
Em artigo intitulado “Professor tutor: papéis, funções e desafios”, seus autores Marta
Fernandes Garcia e Dirceu da Silva apresentam os resultados de uma investigação
sobre o papel e a prática de professores tutores de diferentes regiões do país
com vistas a avaliar os diferentes papéis que ocupam e a intensidade com que se
percebem neles, destacando que as funções desenvolvidas por esses sujeitos revelam
transitoriedade entre uma prática pedagógica e uma prática administrativa.
No artigo “Precisamos de uma Base Nacional Comum Curricular?”, William de Goes
Ribeiro e Clarissa Bastos Craveiro trazem uma reflexão sobre os sentidos que têm
se tornados hegemônicos no cenário político, como a exigência de competências e
habilidades a priori para a formação de professores e de alunos, enquanto tematizam
sobre os sentidos gerados pela circularidade dos contextos e a busca pela hegemonia
na discussão sobre o currículo.
Gregório Durlo Grisa e Jaime José Zitkoski, no artigo “Cultura do reconhecimento
e universidade: Aportes para analisar as políticas de ações afirmativas na UFRGS”
apoiados na noção de habitus de Pierre Bourdieu, na teoria do reconhecimento
de Axel Honneth e na produção de Nancy Fraser acerca da paridade participativa,
desenvolvem a categoria Cultura do Reconhecimento como aporte teórico para
analisar as transformações produzidas pelas ações afirmativas nas universidades
brasileiras, enquanto questionam se as ações afirmativas podem promover uma
cultura do reconhecimento nas instituições.
No artigo intitulado “O jornal Estrella do Sul como uma estratégia de intervenção no

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 7-8, fev. 2017 a mai. 2017. 7
debate educacional na primeira metade de 1930” Adriana Duarte Leon analisa como
essa publicação semanal católica atuou de forma prioritária na defesa do ensino religioso
facultativo nas escolas públicas do Rio Grande do Sul, efetivando-se como uma estratégia
de ação estabelecida pela Igreja com o objetivo de ampliar sua intervenção social.
Na sequência, o artigo “Espelho de príncipe: reflexões a partir do manual de Dhuoda”
de Terezinha Oliveira e Ana Paula dos Santos Viana tece reflexões ao sentido de
autoridade e liderança, circunscritas no contexto histórico em que ocorrem as
formulações contidas nessemanual (século IX), cuja finalidade era apresentar uma
proposta de formação moral, política e religiosa para os jovens desse período.
No artigo “Participação e conflitos na gestão de escola transformada em Comunidades
de Aprendizagem”, Edneia Virgínia Pinheiro e Celso Luiz Aparecido Contiapresentam
os resultados de pesquisa realizada em uma escola pública, com o objetivo de
compreender as mudanças no seu processo de gestão, no que se refere à participação
e aos conflitos, em função da sua transformação em Comunidades de Aprendizagem.
No artigo “Caminhos e descaminhos do retorno à escola: o Programa Ação Integrada
Adultos”, Márcia Regina da Silva e Isabel Bilhãotematizam a Educação de Jovens e
Adultos, com os objetivos de apresentar as peculiaridades de um programa municipal
desenvolvido na cidade de Esteio/RS, identificar as características da escola e da
turma e refletir sobre as histórias de vida e perspectivas dos sujeitos de pesquisa.
Comos objetivos de investigar o nível de compreensão da operação de divisão pelos
alunos do 4º ano do ensino fundamental e de realizar intervenção com jogos de regras
e desafios específicos para o desenvolvimento da operação de divisão, o artigo de
Sonia Bessa “Operação de divisão: possibilidades de intervenção com jogos” descreve
uma intervenção pedagógica,cujo método clínico utilizadocom 13 alunos demonstrou
eficácia na construção da operação de divisão aritmética pelos estudantes.
Por fim, o artigo “Política de educação profissional no Vietnã: ofertas formativas
sob a vigência da integração internacional”, de Nguyen Thuong Lang apresenta as
mudanças ocorridas no paradigma da política de educação profissional do Vietnã
durante o processo de mudança de uma economia altamente centralizada para uma
economia de mercado orientada para o socialismo em meio a uma proativa integração
internacional, demonstrando que as políticas de educação profissional do Vietnã
têm claro objetivo de atender ao plano do Estado e às necessidades do mercado de
trabalho daquele país.
Desejamos a todos uma boa e profícua leitura!

Maria Clarisse Vieira


Ormezinda Maria Ribeiro

8 Editorial
A ambivalência da técnica e da tecnologia na
profissionalização do ensino médio

José Deribaldo Gomes dos Santos


Ellen Cristine dos Santos Ribeiro
Thiago Chaves Sabino Correio

Universidade Estadual do Ceará

Resumo
A proposta do artigo consiste em situar o papel da técnica e da tecnologia dentro
da chamada “era tecnológica”, discutindo as facetas atribuídas a essas categorias.
A apropriação desses conceitos permite uma abordagem mais consistente da
profissionalização do ensino médio, que ocorre de forma cada vez mais precoce.
Encerramos esta comunicação com a discussão sobre a dualidade educativa que
a profissionalização do ensino médio encobre e que tem se consolidado nas
esferas profissional e propedêutica, pública e privada.

Palavras-chave: Técnica. Tecnologia. Educação Profissional. Ensino Médio.

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 9-27, fev. 2017 a mai. 2017. 9
La ambivalencia de la técnica y la tecnología en el
debate de la escuela secundaria

Resumen
El propósito de este artículo es definir el papel de la técnica y tecnología dentro de
la llamada "era tecnológica", discutiendo las facetas asignadas a estas categorías,
valorándolos para el logro de la emancipación humana. La apropiación de estos
conceptos permite un enfoque más coherente a la profesionalización de la escuela
secundaria, que se hace cada vez más temprano. Se examina cómo, a partir de
este punto de la revolución técnica-científica, la ciencia se ha transformado en
una mercancía, el que se ajusta mejor a las inmediatas necesidades del capital,
desarrollada por la demanda capitalista como cualquier otro elemento con fines
comerciales. Cerramos esta comunicación con la discusión de la dualidad educativa
que la profesionalización temprana de la escuela secundaria esconde y que se ha
consolidado en el ámbito profesional y propedéutico, público y privado.

Palabras clave: Técnica. Tecnología. Educación Laboral. Escuela Secundaria.

The ambivalence of technique and technology


within the high school professionalisation speech 

Abstract
The purpose of the article is to define the role of technique and technology within the
call "technological age", discussing the facets assigned to these categories, valuing
them for the achievement of human emancipation.  The appropriation of these
concepts allows for a more consistent approach to high school professionalisation,
which occurs increasingly early way. It examines how, from this landmark scientific-
technical revolution, science has been transformed into a commodity, making it less
possible and more adjusted to the immediate capital needs, driven by capitalist
demand as any other commercial purpose item. We conclude the communication with
the discussion of covert functions contention that high school professionalisation
covers, a fact that has consolidated the educational duality in professional spheres
and workup, public and private.

Keywords: Technique. Technology. Professional education. High school.

10 SANTOS, JOSE; RIBEIRO, ELLEN; CORREIO, THIAGO. A ambivalência da técnica...


Ambivalence de la technique et de la technologie
dans l'enseignement secondaire professionnel

Résumé
L'objectif de  l'article  est définir le  rôle des techniques  et de la technologie  au
sein de  l'appel "ère technologique",  en discutant  les  facettes  assignées à
ces catégories. L'appropriation de ces concepts permet une approche plus cohérente à
la professionnalisation  de l'école secondaire,  qui se produit à  une forme  de
temps auparavant.  Nous fermons  cette communication avec  la discussion  de la
dualité éducative que la professionnalisation des couvertures du secondaire et qui a
été consolidée dans les sphères professionnelles et propédeutique, publics et privés.

Mots-clés: Technique. Technologie. Formation professionnelle. École Secondaire.

Introdução
A presente comunicação pretende alargar a compreensão dos conceitos de
técnica e de tecnologia como fatores de propulsão para a emancipação humana.
Nesse debate, empreendemos a discussão das facetas redentora e malévola,
para, a partir desse ponto, entender que precisar essas categorias é indispensável
para a compreensão das determinações responsáveis pela subordinação cultural
e econômica dos países que estão situados na periferia do capital. Em particular,
procura-se, com este artigo, apresentar uma crítica ao conceito de “era tecnológica”
revestido do arcabouço ideológico burguês interessado em obscurecer a realidade.
Deste problema, discute-se como as definições equivocadas de técnica e tecnologia
influenciam o currículo da Educação Profissional (EP) que hoje recebe orientação
oficial de voltar-se à integração com o Ensino Médio (EM), acompanhada de um
apelo ideológico-econômico para a profissionalização do ensino.
Para dar conta desses objetivos, a comunicação priorizou um estudo de caráter
teórico, bibliográfico e documental. Partiu-se do contexto histórico que impõe
fortes transformações na base do capitalismo, ocorridas, principalmente, a partir da
década de 1970 que demanda, por seu turno, uma comemorada revolução técnico-
científica. A investigação se valeu do arcabouço teórico-metodológico proposto por
autores notadamente marxistas, optando pelo diálogo, em primeiro plano, com as
interpretações de Vieira Pinto (2008), Braverman (1980), entre outros autores.

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 9-27, fev. 2017 a mai. 2017. 11
A educação no contexto da chamada era tecnológica:
pontuando o debate

O primado da técnica não deve ser endeusado nem repudiado, mas analisado
criticamente sobre bases filosóficas consistentes, de modo a situar seu papel no
desenvolvimento histórico da humanidade. O filósofo Álvaro Vieira Pinto (2008)
enfatiza que a filosofia da técnica precisa estar baseada no entendimento da
relação homem e natureza, contextualizada no modo de produção da sociedade,
fundamentada na perspectiva do materialismo dialético.
A partir da categorização da técnica e da tecnologia, prossegue Vieira Pinto, produziu-
se intencionalmente e/ou ingenuamente uma conexão de fatores que servem de base
de sustentação a um apanhado de concepções teóricas ludibriantes que encobrem
o cenário de profunda barbárie social. Tais misticismos conceituais pretendem, ao
fim e ao cabo, encobrir as precípuas consequências da crise capitalista, além de
comporem e difundirem o arcabouço ideológico responsável por inserir o cotidiano
do trabalhador nesse emaranhado apologético de deturpação dessas duas categorias.
Braverman (1980) considera que gerenciar o processo produtivo proporciona
estrutura formal, mas tal processo jamais estaria completo sem seu conteúdo, que é
uma questão de técnica. Assinala que a técnica parte da especialidade, do ofício, para
depois assumir um caráter cada vez mais científico à medida que “o conhecimento
das leis naturais aumenta e destitui o conhecimento fragmentado e as tradições fixas
do ofício” (Braverman, 1980, p. 137).
Voltando a Vieira Pinto (2008), esclarecemos que o temor de submeter o homem
à técnica constitui verdadeiro engano, visto que ambos estão determinados por
uma relação recíproca. Conquanto, o receio de sujeitar a vida humana à técnica não
se determina nela em si, mas no regime social estabelecido, que revela uma visão
simplista e reduzida desta categoria. No entendimento de Sousa Júnior, é fundamental
compreender inicialmente que
[...] não parece razoável supervalorizar o potencial emancipador da tecnologia da indústria
moderna pelo simples fato de que representa nível de qualificação superior às formas
de trabalho pré-modernas. Esse entendimento mesmo, via de regra, tende a apagar a
contradição própria de todo avanço tecnológico e científico no mundo das mercadorias
que é justamente a dimensão imanente da desqualificação e da degradação do trabalho.
(Sousa Júnior, 2010, p. 93)

Em linhas gerais, a ambivalência da tecnologia “demonstra-se muito apropriada para


dar-lhe a aparência de divindade transcendente” (Vieira Pinto, 2008, p. 291). Já Santos
(2012), aponta que a história se encarregou de registrar a maneira como alguns

12 SANTOS, JOSE; RIBEIRO, ELLEN; CORREIO, THIAGO. A ambivalência da técnica...


povos se desenvolveram através da espoliação, pilhagem, genocídio, dentre outras
práticas brutais de acumulação. Nos marcos do capitalismo monopolista e da crise
crônica do capital contemporâneo, essa evolução deixou importante herança e ainda
contribui com o alarmante desnível de acúmulo de técnicas e tecnologias entre os
países situados no centro e na periferia do capitalismo, numa curva que ainda está
na crescente. Contrariamente, avistamos a tecnologia na perspectiva de Vieira Pinto
(2008, p. 269) como algo que deveria “ser, por necessidade, patrimônio da espécie”
humana.
A tecnologia em si não guarda o cerne do bem ou do mal, pois se trata de uma
condição para a evolução do homem, para a emancipação plena da humanidade.
As máquinas construídas pelo trabalho do ser social não têm o poder de, por si só,
promoverem a atual precarização social agudizada pela era do capital, não há carga
moral nela, boa ou má. A essência do problema reside no emprego que se faz da
tecnologia, sobretudo, na aplicação das possibilidades que o maquinário coloca a
serviço do capital: garantir o acúmulo do lucro para uma privilegiada parcela da
população mundial (Santos, 2012).
Sobre as facetas malévola e redentora assumidas pela tecnologia nos tempos atuais,
Vieira Pinto (2008) argumenta que alguns literatos e filósofos, debruçados sobre a
filosofia da técnica, se utilizam de sofisticados argumentos para fazer apologia ao que
acreditam ser a “sociedade do conhecimento” ou, sob outras alcunhas não menos
sedutoras, conforme relembra Santos (2012), como: era tecnológica, da informação,
dentre outras.
A expressão “era tecnológica”, em seu sentido ontológico, designa toda a época
da evolução humana em que o homem age sobre a natureza a partir das técnicas
disponíveis para satisfazer contradições existentes entre ele e o meio natural. Todas
as eras foram tecnológicas, pois, em seu próprio tempo, expressaram o apogeu da
evolução técnica humana. A tecnologia é um fator de propulsão do homem e “supor
o contrário, seria imaginar que a história se repita, estacione ou corra para trás; o
homem jamais seria humanizado se não fosse tecnológico” (Vieira Pinto, 2008, p.
47). O homem, distanciado do mundo devido à privação da prática de transformação
material da realidade e do estranhamento com o produto de seu trabalho, perdeu,
pouco a pouco, a noção de ser ele próprio o autor de suas obras, acreditando estar
situado numa era privilegiada em relação às demais. Santos, inspirado em Vieira Pinto,
desconstrói esta falácia. Para ele:
A expressão “era tecnológica”, em seu sentido onto-histórico, apenas serve para
evocar toda época da evolução humana onde o homem age sobre a natureza com
as técnicas que dispõe para solucionar as contradições existentes entre ele e o meio
natural. Isto é, quando o sujeito utiliza as propriedades dos corpos, as forças naturais
desantropomorfizadas que existem independente de sua vontade, como forma de
fortalecer o rendimento de seu trabalho sobre os objetos naturais que recebem sua
ação. (Santos, 2012, p. 51)

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 9-27, fev. 2017 a mai. 2017. 13
Se, em termos filosóficos, como entende Viera Pinto (2008, 175-8), “[...] o ato [técnica]
realiza, enquanto mediação, o fim intencional do agente, é a mediação na obtenção
de uma finalidade humana consciente”, a técnica só pode ser avaliada e classificada
em boa ou ruim quando correlacionada às suas finalidades. Para o autor, só é possível
estudar a técnica se posicioná-la em seu logos: a tecnologia. Portanto, o emprego
que se faz da tecnologia é onde se deve “procurar o cerne da questão, sobretudo, na
aplicação das possibilidades que o maquinário coloca a serviço do capital: garantir
o acúmulo do lucro para uma privilegiada parcela da população mundial” (Santos,
2013, p. 70).
Constitui-se grande equívoco justificar o problema da pobreza no desnivelamento
da tecnologia entre países, pois o conjunto de mazelas sociais experimentadas pela
humanidade é justificado, em essência, pela estrutura que a rege. O princípio da
desigualdade caminha lado a lado com os pressupostos do modelo opressor do capital,
não da tecnologia, elemento fundamental para a emancipação humana.
Com base nos estudos de Rüdiger (2005) sobre o legado de Vieira Pinto, pode-se ler
que, de um lado, os tecnocratas futuristas celebram a técnica e a tecnologia com o
intuito de impedir sua apropriação autônoma ou obstaculizar seu desenvolvimento por
parte dos países de capitalismo periférico. De outro lado, os humanistas retrógrados
reprovam essas duas categorias pelas mesmas razões, embora de modo inverso,
pois elogiam os estágios mais atrasados de vida social, o que certifica o caráter
apocalíptico do desenvolvimento tecnológico. A tecnologia, no cenário da chamada
“era tecnológica”, sofre dois ataques frontais: por um lado é percebida como demoníaca
e, por outro, como salvadora de todos os males da humanidade, principalmente para
os países que orbitam na periferia do capitalismo. Ambas as posições se equivocam
exatamente por não levarem em conta a relação produtiva que o ser social mantém
com a natureza e com a sociedade. Como delineia Romero:
No capitalismo, a técnica não é apenas um instrumento do processo de trabalho,
como ocorria nas formações sociais pré-capitalistas, mas um instrumento do processo
de valorização, implicando e determinando uma relação específica de domínio e de
exploração do trabalhador. (Romero, 2005, p. 124)

Mas por que então tanta fantasia nas análises da técnica e da tecnologia? Com base
nas investigações de Vieira Pinto (2008), ousamos indicar que o caráter mistificador
implantado em torno dessas duas categorias é de grande valia para justificar as
políticas educacionais que elegem o ensino profissionalizante como principal
alternativa aos filhos dos trabalhadores. Desconstruir a idolatria vinculada à suposta
“era tecnológica” permite desmontar o arcabouço ideológico que a reveste, de modo
a denunciar as refinadas táticas de controle daqueles que o filósofo brasileiro nomeou
de “grandes conglomerados capitalistas”.
Quartiero, Lunardi e Bianchetti (2010, p. 286) examinam como esses dois conceitos

14 SANTOS, JOSE; RIBEIRO, ELLEN; CORREIO, THIAGO. A ambivalência da técnica...


têm sido empregados nas instituições escolares por meio dos documentos oficiais
que propõem e definem as políticas curriculares para o sistema educacional brasileiro.
Para esses autores, as prescrições curriculares, em especial as que estão presentes
nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (1998) e nas Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de Nível Técnico (2000), “não
representam um texto homogêneo ou articulado aos interesses de um único grupo
de profissionais, pensadores e responsáveis pela implementação das políticas
educacionais”; na verdade, trata-se de documentos produzidos “no embate entre
diferentes perspectivas e, portanto, representa as tensões existentes no campo da
educação no momento de sua elaboração e processo de implementação” (Quartiero;
Lunardi; Bianchetti, 2010, p. 286).
A apropriação histórica dos conceitos de técnica e tecnologia parte, de maneira geral,
de dois pressupostos: 1) a ativa vinculação da escola, em sua forma institucional, aos
diferentes modos de produção numa relação histórica entre a instituição escolar e
os sistemas produtivos; 2) a utilização e preservação – na educação e, em especial,
na educação profissional – da norma que enaltece a contínua mudança tecnológica,
o que reitera os discursos de valorização da chamada “era tecnológica”, fortalecendo
uma suposta neutralidade da tecnologia, além de uma lógica pragmática e utilitarista
(Quartiero; Lunardi; BianchettiI, 2010).
A necessidade apontada por Quartiero, Lunardi e Bianchetti (2010, p. 286) de (re)
conceitualizar a tecnologia se alinha a um dos objetivos por nós delineados para
o presente estudo, na medida em que se constata existir, na educação escolar em
si, a expressão de algumas tecnologias, sejam elas simbólicas, organizacionais ou
instrumentais, o que, tomadas por inovações pedagógicas, impõem a revisão constante
das competências e concepções correntes na escola. Conforme a categorização dos
referidos autores, as tecnologias incorporadas à educação escolar são: simbólicas
inventadas (linguagem, representações icônicas, saberes escolares), tecnologias
organizacionais (gestão, arquitetura escolar, disciplina) e tecnologias instrumentais
(quadro-verde, giz, televisão, vídeo, computador).
Com a tematização da ambivalência assumida pela técnica/tecnologia e sua
aplicação no contexto escolar aclarada, agora torna-se necessário discutir a chamada
revolução técnico-científica e sua relação com a profissionalização do ensino médio,
problematização que será enfrentada a seguir.

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 9-27, fev. 2017 a mai. 2017. 15
Revolução técnico-científica e profissionalização do Ensino
Médio: aspectos críticos e relação com o contexto atual

Braverman (1980) aponta que a ciência – depois do trabalho – é a última e


mais importante propriedade social a converter-se num facilitador do capital.
A incorporação da ciência às organizações capitalistas justifica a conversão dos
pesquisadores quase amadores para o estado atual, altamente organizado e
perdulariamente financiado. A aplicação persistente da técnica e da ciência no
processo produtivo – a fim de renovar constantemente o estágio tecnológico da
sociedade – é requisito fundamental para a ordem do capitalismo. Se o princípio
regente deste modo de produção é a acumulação, a gerência científica exerce um
papel fundamental nas transformações funcionais e estruturais da produção e da
classe trabalhadora.
Reconhece o autor, entretanto, a existência de uma quantidade jamais vista de
conhecimentos científicos incorporados aos processos produtivos, o que gera
a necessidade de qualificar/requalificar o trabalhador a fim de que ele possa
“acompanhar” as evoluções tecnológicas associadas à produção. Perante o crescente
desenvolvimento das tecnologias e sua absorção no processo produtivo, o capitalismo
demanda que o trabalhador submeta-se, continuamente, à qualificação, requalificação
e atualização de suas habilidades para melhor operar a produção. Examinando
os rumos tomados por essa trajetória, verificamos que, caso essa formação não
ocorra, o processo de valorização do capital, em termos absolutos ou relativos, fica
comprometido.
Conforme debate Braverman (1980), a massa trabalhadora nada tem a ganhar com
o fato do declínio de seu comando sobre o processo de trabalho estar compensado
pelo comando crescente por parte dos gerentes e engenheiros. Ao contrário, sua
qualificação decai em sentido absoluto (com a perda do ofício e das capacitações
tradicionais jamais compensadas) e, em maior medida, em sentido relativo.
Vieira Pinto (2008, p. 170) confronta analiticamente a propagação da imagem da “era
tecnológica” ao afirmar que, ao contrário, trata-se de um mergulho no provincianismo
próprio da consciência ingênua: “o laboratório de pesquisas, anexo à gigantesca fábrica,
tem o mesmo significado ético da capelinha outrora obrigatoriamente exigida ao lado
dos nossos engenhos rurais”. O filósofo demonstra que o dano mais grave causado
pela desigualdade entre países desenvolvidos e os de desenvolvimento capitalista
precário é a propagação da crença de que grandes problemas são forçosamente
resultado da falta de eficiência na gestão e da escassez de instrumentos adequados
e assevera em tom austero: “contra esta errônea e insidiosa uniformização é que nos
pronunciamos” (Vieira Pinto, 2008, p. 170).

16 SANTOS, JOSE; RIBEIRO, ELLEN; CORREIO, THIAGO. A ambivalência da técnica...


Para fins de clareza, Braverman (1980) faz a devida distinção entre revolução
técnico-científica e Revolução Industrial. Nesta última, em contraste com a prática
moderna, a ciência não tomou rigorosamente a dianteira da indústria, formulando suas
generalizações na marcação do desenvolvimento tecnológico ou em consequência
dele. O avanço científico entre os séculos XVI e XVII viabilizou as condições para
a Revolução Industrial, mesmo de forma indireta e difusa, pois, se por um lado, a
ciência ainda não estava estruturada diretamente pelo capitalismo, por outro, “a
técnica desenvolveu-se antes e como um requisito prévio para a ciência” (Braverman,
1980, p. 138).
No período do capitalismo nascente, o andamento da tecnologia caracterizou-se de
modo intrínseco ao processo produtivo, extraindo maturação científica a partir da
evolução concreta da indústria. A revolução de que nos fala Braverman (1980) está
fundamentada na incorporação da ciência ao capital, transformando os fins científicos
nos próprios fins do capital. Esta análise é robustecida pelo autor, na medida em que
constata que a ciência tem sido empregada, através dos tempos, “como fio cortante
da transformação industrial” (Braverman, 1980, p. 140).
Diante da investigação do reabastecimento das possibilidades tecnológicas a partir
da chamada revolução técnico-científica, bem como da transformação da ciência em
mercadoria ajustada à lógica do mercado, precisamos agora adentrar, especificamente,
na apreciação crítica da educação profissional. Relembramos com Santos o complexo
de determinações que posicionam o Brasil no mapa do mundo batizado de globalizado,
que condiciona os países periféricos a comprar artefatos tecnológicos advindos dos
países centrais:
Desprovido dos elementos que favoreçam uma análise devidamente contextualizada
do real, capaz de radicar o desenvolvimento da ciência e da tecnologia no plano das
necessidades, vinculadas ao complexo do trabalho através de uma teia de infindas
mediações, resta ao MEC e a seus gentis intelectuais insistir na crença, praticamente
religiosa, do desenvolvimento tecnológico como determinação central da sociabilidade
atual, o que caracteriza um ufanismo tecnológico míope e apologético [...]. (Santos,
2012, p. 127)

O que esse autor aponta é que uma leitura mais atenta dos documentos oficiais – aqui,
em especial, o Conselho Nacional de Educação (CNE) de 2002 – põe à vista que, para
o MEC, conforme se indicou acima nas reflexões de Quartiero, Lunardi e Bianchetti
(2010), o desenvolvimento da ciência e da tecnologia protagoniza transformações
autônomas e, ao passo que supõe haver neutralidade nessa esfera, despreza as
experiências sociais ou, em relação à produção, para além das vontades e conflitos
humanos, novos problemas e desafios. Destarte, os cursos aligeirados, rasteiros e
conciliados à lógica mercadológica sequer mereciam levar o estandarte dos chamados
cursos técnicos, tamanha é a deturpação de tal categoria – já na nomenclatura.

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 9-27, fev. 2017 a mai. 2017. 17
O debate da educação profissional – travado por integrantes de várias linhas
de pensamento – sempre foi um ponto tenso de incongruência na educação,
representando, em última análise, as determinações da postura do Estado quanto
ao reforço do dualismo educacional, num caminho marcado por inúmeras tensões
e polarizações. Por meio da discussão da proposta direcionada aos jovens de
continuidade dos estudos e, ao mesmo tempo, de preparação para o chamado
mundo do trabalho, o ensino médio carrega essa oscilação histórica entre ser
profissionalizante, para uma classe, e preparatório para o ensino superior, para outra.
O EM público, sobretudo o noturno, ao longo da história, esteve voltado ao
mercado de trabalho capitalista. Este ideário, segundo aborda Ramos (2010), vigorou
plenamente durante o projeto nacional-desenvolvimentista, com a possibilidade ampla
de emprego, cuja finalidade mister da educação passou a ser a preparação para o
mercado de trabalho, tanto no ensino médio como no ensino superior. Tal projeto
exibiu sua fragilidade a partir da “crise dos empregos e mediante um novo padrão de
sociabilidade capitalista, caracterizado pela desregulamentação da economia e pela
flexibilização das relações e dos direitos sociais” (Ramos, 2010, p. 47).
Num cenário de instabilidade empregatícia, canalizar a tônica da educação à
preparação para o mercado de trabalho capitalista não fazia muito sentido, o que
justificou a mudança do discurso oficial, a partir da LDB nº 9.394/96, para a orientação
do desenvolvimento de competências “genéricas e flexíveis, de modo que as pessoas
pudessem se adaptar facilmente às incertezas do mundo contemporâneo” (Ramos,
2010, p. 47).
Ao se articular esse contexto com a problemática do Ensino Médio Integrado (EMI),
que se espalha atualmente por todo o Brasil – impulsionado especialmente devido
aos Decretos nº 5.154/04 e nº 6.302/07 – ressaltamos que a função propedêutica da
educação profissional não se efetivou ao longo dos anos e, na contramão, instaurou-
se uma espécie de apartheid educacional entre os filhos das classes intermediárias
e dominantes e os filhos dos trabalhadores, afastando ambas as classes – mas de
forma muito mais severa a menos favorecida – de uma formação ampla, baseada
na consciência político-social e na compreensão da estrutura do sistema produtivo.
Em 2004, foi aprovado o Decreto no. 5.154. Esse instrumento legal, apesar de manter
as ofertas dos chamados cursos técnicos nas formas concomitantes e subsequentes
trazidas pelo Decreto nº 2.208/97, retoma a possibilidade de integrar o nível médio
à modalidade profissionalizante. No entanto, vale a pena conferir a seguinte crítica:
[...] O Decreto n° 5.145/04 não revoga o também Decreto n° 2.208/97. Após este
dispositivo legal, fica aberta, decerto, a possibilidade da integração, no entanto o
aligeiramento, a fragmentação, entre outras questões severamente criticadas no primeiro
Decreto, permanecem no dispositivo que o sucede. Ademais, a nova legislação não
impediu a desintegração. O que temos na atualidade é uma espécie de pode tudo:

18 SANTOS, JOSE; RIBEIRO, ELLEN; CORREIO, THIAGO. A ambivalência da técnica...


integração, o que apenas, naturalmente, pode se dar em uma mesma instituição;
desintegração em dois momentos. Neste caso, o jovem precisa concluir o ensino médio
em uma escola e, depois de conclui-lo, cursar o profissionalizante na mesma instituição
ou em outra (também chamado de pós-médio, preferimos chamar de desintegração
total); o outro caso, por fim, que denominamos de desintegração concomitante, ou
seja, o estudante-trabalhador precisa fazer o ensino médio em uma escola e ao mesmo
tempo cursar o profissionalizante em outra, ou na mesma instituição. (Santos; Farias;
Freitas, 2013, p. 265)

Como se verifica nesta análise, a revogação da concepção enraizada no decreto de


1997 não acontece na prática, pois além da manutenção das antigas maneiras de
funcionamento dos cursos técnicos (fragmentadas e meramente profissionalizantes),
sua respectiva articulação/integração com o ensino médio regular não ocorre, na
prática. Apenas existe a possibilidade de o estudante pleitear uma matrícula única
em mesma instituição de ensino para dois cursos que ocorrem paralelamente e em
turnos distintos. Para reforçar nossos argumentos, leia-se:

Reiteramos que a sobreposição de disciplinas consideradas de formação geral


e de formação específica ao longo de um curso não é o mesmo que integração,
assim como não o é a adição de um ano de estudos profissionais a três de ensino
médio. (Frigotto; Ciavatta; Ramos, 2005, p. 1093)

Na década de 1990, Freitas (2011) utilizava o termo neotecnicismo para se referir


ao conjunto de medidas engendradas pelo governo Fernando Henrique Cardoso,
personificadas na figura do então ministro da educação Paulo Renato Costa Souza, e
reconhece que tal orientação educacional já vinha sendo gestada desde o governo de
Fernando Collor de Mello. Tal nomenclatura possui declarada referência à definição
de “tecnicismo” elaborada por Saviani (2003) que, por sua vez, demarcava a investida
liberal/conservadora das políticas voltadas à educação.
Compreende-se, então, que para a pedagogia tecnicista [...] marginalizado será o
incompetente (no sentido técnico da palavra), isto é, o ineficiente e improdutivo. A
educação estará contribuindo para superar o problema da marginalidade na medida em
que formar indivíduos eficientes, portanto, capazes de dar sua parcela de contribuição
para o aumento da produtividade da sociedade, Assim, ela estará cumprindo sua função
de equalização social. Neste contexto histórico, a equalização social é identificada com
equilíbrio do sistema. (Saviani, 2003, p. 13-14)

A análise conceitual de Saviani (2003) nos parece perfeitamente aplicável ao


contexto adjetivado por Freitas (2011) de neotecnicista. De lá para cá, a trama vem
se apresentando sob a forma de uma nova teoria da “responsabilização” e/ou da
“meritocracia” combinada às várias formas de privatizações em que prevalecem a
mesma racionalidade técnica de outrora.

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 9-27, fev. 2017 a mai. 2017. 19
A respeito da centralidade empresarial de tal proposta, Freitas (2011, p. 4) relembra
que a aprendizagem nesse enredo encontra-se mensurada por testes padronizados,
que reforçam os processos de gerenciamento da força de trabalho na escola, como
bônus, punições, perda de recursos e controle dos processos escolares, ancorados
“nas mesmas concepções oriundas da psicologia behaviorista, da econometria,
das ciências da informação e de sistemas, elevadas à condição de pilares da
educação contemporânea”. Essa cultura de auditoria está associada a uma gama
de nomenclaturas oriundas das grandes corporações, conforme exemplifica Freitas
(2011, p. 4): “qualidade assegurada”, “transparência”, “mérito”, “melhores práticas”,
entre outras.
A despeito de um conceito mais abrangente de educação, os reformadores
educacionais reduzem o entendimento de boa escola àquela em que os alunos
atingem boas notas em português e matemática, rebaixando as outras disciplinas
e ciências a um nível secundário enquanto elevam as habilidades cognitivas – um
dos muitos aspectos humanos – ao ápice do desenvolvimento. Ainda mais grave,
segundo o alerta de Freitas (2011, p. 5), é a admissão de boas notas ao conceito
de boa educação. Boa parte dos países desenvolvidos tem dedicado esforços para
competir qual é o melhor em português, matemática e ciências – comandada pela
Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento – The Organisation
for Economic Co-operation and Development (OCDE), e submetem este critério aos
menos desenvolvidos.
Freitas (2011) advoga não ser democrático colocar a educação unicamente a serviço
dos empresários, já que há mais agentes na sociedade. Nosso autor evoca o amplo
debate em torno do projeto educativo destinado à juventude, lembrando que este
não pode estar circunscrito à limitada objetividade dos testes:
A educação brasileira sofre e sofrerá nos próximos anos o assédio dos reformadores
empresariais. Para eles, a educação é um subsistema do aparato produtivo e nisso
se resume. Para os educadores profissionais, porém, formar para o trabalho é apenas
parte das tarefas educacionais. E aí está uma divergência central. Para os reformadores
empresariais, os objetivos da educação se resumem em uma “matriz de referência” para
se elaborar um teste que mede habilidades ou competências básicas. Um país que não
sabe o que pretende com sua juventude e que tudo que pode oferecer a ela como projeto
de vida é passar no ENEM, não pode ir muito longe. (Freitas, 2011, p. 6)

Registramos, com Santos, Jimenez e Mendes Segundo (2011) que o contexto acima
descrito vem, ao longo do tempo, mantendo sua vinculação ideológica com o projeto
da classe dominante. Tomando as palavras de Vieira Pinto (2008, p. 41), arriscamos
dizer “com valor de lei sociológica, que os serviçais em todos os tempos pensam
analogamente”. Aqui, é interessante refletir com Braverman (1980) que a educação
se deteriora enquanto sua duração aumenta. Esse cenário favorece a possibilidade
de que os empregadores utilizem o diploma como uma peneira para escolher os

20 SANTOS, JOSE; RIBEIRO, ELLEN; CORREIO, THIAGO. A ambivalência da técnica...


candidatos considerados mais aptos para profissões estratégicas na hierarquia
de acumulação capitalista. A intensa concentração desses conhecimentos, ainda
segundo esse autor, centralizada nas organizações de equipes associadas, impede o
desenvolvimento das potencialidades da classe trabalhadora cuja oferta educativa
a ela destinada tem por base a ‘ressignificação’ lancinante e inadequada do conceito
de qualificação: “uma habilidade específica, uma operação limitada e repetitiva, a
velocidade como qualificação” etc. (Braverman, 1980, p. 375).
Enfatizamos o arcabouço normativo posterior à promulgação da LDB n° 9. 394/96
que constitui um compêndio de estratégias para reduzir a oferta do ensino médio
profissionalizante a fim de privilegiar a educação modular e fragmentada (Santos,
2012). Entre outras consequências resultantes dessa leva de medidas, apontamos
a ampliação das instituições privadas, amparadas no apoio financeiro estatal, o que
estimulou a privatização endógena dos Centros Federais de Educação Tecnológica
(CEFETs) e Escolas Técnicas Federais (ETFs), visto que os aproxima radicalmente do
mercado, como afirma o Documento Políticas públicas para a educação profissional e
tecnológica (BRASIL; MEC; CNE, 2004). Este quadro transforma o ensino médio em
verdadeiro funil, posto que sua oferta é prioritariamente pública, enquanto que o
ensino superior tem a maioria de suas vagas na esfera privada.
Ademais, outro exemplo, fruto dessa mesma política, é confirmado pelo desmonte dos
CEFETs e escolas técnicas federais com relação ao sistema de ensino integrado, formação
geral/formação profissional, que se consolida através dos tempos, tornando-se uma
experiência valiosa. Foi uma política imposta autoritariamente, sem que as instituições
tivessem tempo para amadurecer os novos rumos possíveis, recursos e técnicas em
suas instituições [...]. Dessa forma, a reforma encolhe o espaço público democrático dos
direitos e amplia o espoco privado. (BRASIL; MEC; SEMTEC, 2004, p. 10-23)

Dessa referência, entretanto, é preciso extrair os limites de tais críticas, pois


enquanto este documento censura as políticas educacionais do governo anterior
de forma contundente, passa longe de indicar uma alternativa condizente com um
real desenvolvimento econômico para o país e, contraditoriamente, aponta para a
aproximação com as orientações dos organismos internacionais (Santos, 2012).
A conotação assumida pelo discurso oficial despreza a necessidade de apropriação
do real na elaboração de uma crítica consistente ao governo antecessor, conduta
emblemática para comprovar a superficialidade das políticas governistas neoliberais.
Com efeito, o documento utiliza-se de um termo bastante atual no discurso
acadêmico/oficial, a ressignificação, para ponderar sobre a importância da tecnologia
nos currículos da educação profissional. Isto é, como se guardassem uma grande
novidade teórica, propõem tratar a tecnologia “à luz de novos valores que vêm
marcando o ser humano na sociedade contemporânea” (BRASIL; MEC; CNE, 2004,
p. 12-3).

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 9-27, fev. 2017 a mai. 2017. 21
Na medida em que acenam para o trabalhador com o aumento de uma suposta
empregabilidade, as políticas governistas, independentemente de sua origem partidária
e mesmo das diferenças entre si, coadunam-se com os interesses neoliberais que, por
sua vez, resguardam as prerrogativas empresariais. Isso se evidencia nos artifícios
utilizados para camuflar o desejo empresarial de atar a educação às demandas do
capital.
O ajuste de um currículo ao gosto do mercado traz na ponta da língua um refinado
rol de expressões indicando que o ‘novo’ empregado, tendo o verniz de adaptar a
uma fantasiosa “era tecnológica”, terá know-how para enfrentar o corrente quadro
de crise-oportunidade gerado dentro do capitalismo. Especificamente no caso da
provinciana elite brasileira, pretende-se “impor uma visão ideológica do ideal de novo
empregado-cidadão em que o trabalhador é obrigado a se transmutar para sobreviver
– via de regra, de forma precária – no contexto da crise hodierna” (Santos; Jimenez;
Mendes Segundo, 2011, p. 33).

Considerações finais

A partir das mediações do legado marxista, o artigo procurou destacar as facetas


malévola e benévola da técnica e da tecnologia dentro da chamada “era tecnológica”,
enfatizando, outrossim, o real dessas categorias na sociedade. A pesquisa procurou
compatibilizar a necessária relação que técnica e tecnologia mantêm com o
desenvolvimento das forças produtivas, bem como com as alterações nas relações
sociais. Em tal contexto, a comunicação aponta que a chamada revolução técnico-
científica exige uma transformação da educação profissional (EP) e do ensino
médio (EM), demandando para aquela modalidade educacional e para este nível de
ensino novas orientações curriculares para uma adequação ao mercado de trabalho
capitalista.
Em diálogo com as indicações de Braverman (1980) sobre o relacionamento entre
escola, indústria capitalista e suas demandas, foi possível pontuar que apenas a partir
da crise do capitalismo contemporâneo houve a necessidade iminente de o capital
buscar novas apostas para gerenciar seus problemas, cenário fértil para que um novo
epicentro curricular de modelo de formação do trabalhador fosse demandado pelas
necessidades do capital.
A escola, como um espaço de construção de relações contraditórias, ocupada em
consolidar a hegemonia dominante, mas com potencial, ao mesmo tempo de se
tornar o locus capaz de fecundar uma possível superação, é fundamental na transição
de conhecimentos para a organização das novas gerações. Por isso, a educação

22 SANTOS, JOSE; RIBEIRO, ELLEN; CORREIO, THIAGO. A ambivalência da técnica...


sistemática constitui um passo fundamental para um projeto de sociedade que atenda
às classes subalternas.
Contudo, a “educação para o emprego/desemprego”, reforçada ideologicamente pelo
discurso da profissionalização em voga, produz verdadeiro vácuo na formação dos
trabalhadores, reforçando a divisão social do trabalho e atravancando a aquisição de
conhecimentos úteis e significativos às lutas dessa classe, cada vez mais distanciada
da formação omnilateral defendida pelos clássicos do marxismo. Em outras palavras,
a proposta educativa numa perspectiva ampliada que privilegia dimensões humanas
como desenvolvimento da intelectualidade, da criatividade, da formação física do
corpo, da afetividade, da compreensão estética sem fetiche etc., que precisam ser
consideradas na formação humana integral, são desprezadas em troca de uma suposta
formação para adequação à “era tecnológica”.
Portanto, o aprofundamento da chamada revolução técnico-científica e o
reabastecimento das possibilidades tecnológicas resultantes dela, constituem o
marco da transformação radical da ciência em mercadoria, cada vez mais ajustada
às necessidades imediatas do capital. A educação, nessa nova configuração, como
qualquer outro complexo social, passa a ser reorientada sob os impulsos das demandas
do mercado capitalista.
As prováveis contradições em relação à tecnologia já eram apontadas por Marx (1978,
p. 81): “sabemos que as novas forças da sociedade têm unicamente necessidade,
para adquirir um efeito benéfico, de homens novos, que a dominarão – refiro-me
aos operários”. Diante do avanço da indústria moderna, faz-se necessário indagar
criticamente se nessa contradição encontra-se o potencial emancipador dos avanços
tecnológicos. Seria ingenuidade acreditar que tal quadro contraditório, por si só,
geraria um movimento mecânico de superação. Isso seria como acreditar que a
tecnologia é emancipadora em si mesma.
Para refutar esse pensamento ingênuo que se espalha pelos documentos oficiais,
bem como entre alguns intelectuais, empresários, jornalistas, entre muitos outros
segmentos, foi fundamental refletir sobre o maniqueísmo encalçado no primado da
técnica e da tecnologia. A partir da aproximação com as pesquisas de Álvaro Vieira
Pinto, ficou notório que a tecnologia como filosofia da técnica precisa ser baseada no
entendimento das relações entre o homem e a natureza contextualizada, por sua vez,
no modo de produção da sociedade e fundamentada no horizonte do materialismo
dialético para uma análise de base sólida e responsável. Também foi possível, a partir
deste autor, compreender a forma como a categorização da técnica e da tecnologia
têm produzido uma amarração de fatores que servem de sustentação ao apanhado de
concepções teóricas ludibriantes que encobrem o cenário de profunda barbárie social.
Apoiamo-nos, mais uma vez, em Vieira Pinto (2008) para inferir que a técnica não
deve ser endeusada nem repudiada, pois tais misticismos conceituais pretendem,
no fim das contas, encobrir as consequências basilares dos problemas capitalistas,

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 9-27, fev. 2017 a mai. 2017. 23
além de estruturarem o arcabouço ideológico responsável por subsumir o cotidiano
do trabalhador frente ao emaranhado ideológico que exulta e justifica a deturpação
dessas duas categorias.
Desta forma, a tecnologia deveria ser considerada patrimônio da humanidade. Tal
categoria sozinha não guarda o cerne da transformação da sociedade, embora seja uma
das condições para a evolução humana, para a emancipação plena da humanidade.
Logo, as máquinas construídas pelo trabalho humano não têm o poder de promover a
atual precarização social agudizada pela era do capital. As máquinas não guardam uma
carga moral. Não são boas ou más por si sós. A natureza do problema encontra-se no
emprego que se faz da tecnologia e, principalmente, na aplicação das possibilidades
que o maquinário coloca a serviço do capital: garantir o acúmulo do lucro para uma
privilegiada parcela da população mundial.
Observa-se uma ampla utilização das categorias técnica e tecnologia nos documentos
oficiais, sobretudo aqueles voltados à EP e ao EM, que, por seu turno, definem e
estabelecem as políticas curriculares para o sistema educacional brasileiro. O discurso
das políticas públicas estatais entende o desenvolvimento dessas duas categorias de
maneira autônoma. Esse equívoco, como demostrado na exposição, é operado pelo
fato de que os elaboradores de tais documentos acabam por desprezar as experiências
sociais e, sobretudo, relegam a segundo plano a centralidade do trabalho para o
desenvolvimento da vida humana, o que os leva a supor a existência de neutralidade
na técnica e na tecnologia em relação às contradições sociais.
Para essa ‘ o caráter mistificador implantado em torno desses conceitos torna-se,
desse modo, uma peça fundamental para justificar as políticas educacionais que
estimam a EP como a principal alternativa aos filhos dos trabalhadores. O caminho
percorrido procurou desconstruir a idolatria vinculada à suposta “era tecnológica”, bem
como o arcabouço ideológico que a reveste, evidenciando, outrossim, as refinadas
táticas de controle dos grandes conglomerados capitalistas.
A mistificação da técnica e, em especial, da tecnologia, bastante difundida
na consciência das pessoas, permeia o debate na sociedade a respeito da
profissionalização da educação como proposta viável para o emblemático contexto
educacional brasileiro. Discursos empresariais, governamentais e até de determinados
intelectuais prometem a chamada empregabilidade a partir da formação técnica.
Entretanto, não é dito que dedicar determinada condição de escolaridade profissional
não é garantia de condições de disputar um emprego, minimamente estável, num
mercado de trabalho cada vez mais volátil em vista dos avanços tecnológicos e
condições econômico-estruturais da atualidade.
Essas palavras finais não esgotam a discussão, mas, em larga medida, procuram
desmistificar o discurso operado pelas classes dirigentes, bem como desvelar os
intentos dos reformadores empresariais e o discurso da profissionalização, sinalizando
que o destino reservado aos jovens trabalhadores-estudantes não é outro, senão o

24 SANTOS, JOSE; RIBEIRO, ELLEN; CORREIO, THIAGO. A ambivalência da técnica...


de ser “elevado” à condição de mão-de-obra dócil, barata e acessível, presa fácil à
avidez do capital. Eis o legado da supressão da criticidade.

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26 SANTOS, JOSE; RIBEIRO, ELLEN; CORREIO, THIAGO. A ambivalência da técnica...


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Letras, 2010.
VIEIRA PINTO, Álvaro. O conceito de tecnologia. Rio de Janeiro: Contraponto,
2008. Vol.1.

Recebido em março de 2017


Aceito em setembro de 2017

José Deribaldo Gomes dos Santos é Doutor em Educação Brasileira pela Universidade
Federal do Ceará (UFC). Concluiu, em 2015, estágio pós-doutoral em Estética na
Universidad Complutense de Madrid (UCM). É Professor Adjunto da Faculdade de
Educação, Ciências e Letras do Sertão Central (FECLESC-UECE), atuando no Programa
de Pós-Graduação em Educação (PPGE/UECE) e no Mestrado Acadêmico Intercampi
em Educação e Ensino (MAIE/UECE). É pesquisador do Instituto de Estudos e Pesquisas
do Movimento Operário (IMO-UECE) e do Laboratório de Pesquisas sobre Políticas
Sociais do Sertão Central (Lapps-UECE). Desenvolve pesquisas nas áreas de Trabalho e
Educação e Estética Marxista. Atua, principalmente, no exame da Educação Profissional
e na Formação de Professores. Lidera o Grupo de Pesquisa Trabalho, Educação, Estética
e Sociedade (GPTREES). Email:deribaldo.santos@uece.br

Ellen Cristine dos Santos Ribeiro é Mestra em Educação pelo Programa de Pós-
Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Estadual do Ceará (UECE).
Especialista em Coordenação Pedagógica e Gestão Escolar (FA7). Pedagoga (UFC).
Professora efetiva da Prefeitura Municipal de Fortaleza. Pesquisadora-colaboradora
do Instituto de Estudos e Pesquisas do Movimento Operário (IMO) da Universidade
Estadual do Ceará. Membro do grupo de pesquisa Trabalho, educação, estética e
sociedade (GPTREES). Email:ellencristineribeiro@hotmail.com

Thiago Chaves Sabino é Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em


Educação (PPGE) da Universidade Estadual do Ceará (UECE). Graduado em Física pela
Universidade Estadual do Ceará (UECE). Email:tcs54@hotmail.com

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 9-27, fev. 2017 a mai. 2017. 27
Professor tutor: papéis, funções e desafios

Marta Fernandes Garcia


Instituto Federal de São Paulo
Universidade Estadual de Campinas

Dirceu da Silva
Universidade Estadual de Campinas

Resumo
O texto apresenta os resultados de uma investigação sobre o papel e a prática de
professores tutores de diferentes regiões do país que trabalham com a formação
de professores a distância. Um questionário foi aplicado a 386 professores
tutores para avaliar os diferentes papéis que ocupam e a intensidade com que
se percebem neles, bem como as funções desenvolvidas por esses sujeitos. Os
dados foram submetidos a análises descritivas e cruzamentos. Os resultados
evidenciam que o tutor carece de identidade profissional e que, apesar da
variedade de papéis ocupados simultaneamente, exerce com maior intensidade
o papel de motivador. Suas funções revelam transitoriedade entre uma prática
pedagógica e uma prática administrativa.

Palavras-chave: Professor tutor. Formação de professores. Educação a distância

28 GARCIA, MARTA; DA SILVA, DIRCEU. Professor tutor: papéis...


Teacher tutor: roles, functions and challenges

Abstract
This paper shows the results of an investigation about the role and practice of
tutoring teachers from different regions of Brazil that work with distance teachers
training. A questionnaire was administered to 386 tutors to assess the different
roles they play and the intensity with which they notice them as well as the functions
developed by these subjects. The data were subjected to descriptive analysis and
intersections. The results show that the tutor needs professional identity and, despite
the variety of roles simultaneously played by tutors, the one they play more intensely
is the motivating one. Their functions show transience from pedagogical practices
concerning collaboration in the teaching and learning process and administrative
practices of support.

Keywords: Teacher tutor .Teachers education. Distance Education.

Profesor tutor: roles, funciones y retos

Resumen
El artículo presenta los resultados de una investigación sobre el papel y la práctica
de tutores de diferentes regiones de Brasil que trabajan con la formación del
profesorado en la educación a distancia. Se aplicó un cuestionario a 386 profesores
tutores con el objetivo de evaluar los diferentes roles que ocupan y la intensidad
con la que se perciben en ellos, además de buscar observar las funciones realizadas
por estos profesionales. Se realizó el cruce de todos los datos que fueron sometidos
a análisis descriptivos. Los resultados muestran que el profesor tutor carece de
identidad profesional y que, a pesar de la variedad de papeles que ocupan a la vez,
lo que ejecuta con mayor intensidad es el papel de motivador. Sus funciones revelan
una transitoriedad entre una práctica pedagógica, de colaboración con el proceso
de enseñanza y aprendizaje, y una práctica administrativa, de apoyo.

Palabras clave: Profesor tutor. Formación de profesores. Educación a distancia.

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 28-50, fev. 2017 a mai. 2017. 29
Enseignant tuteur: rôles, fonctions et défis

Résumé
Cet article montre les résultats d'une enquête sur le rôle et la fonction des enseignants
tuteurs dans différentes régions du Brésil qui travaillent pourla formation des
enseignants a distance . Un questionnaire a été administré à 386 tuteurs pour
évaluer les différents rôles qu'ils jouent et l'intensité avec laquelle ils les notent
ainsi que les fonctions développées par leur sujets. Les données ont été soumises
à une analyse descriptive et comparative. Les résultats montrent que le tuteur a
besoin d’un titre & cadre  professionnel et, malgré les differents rôles qu’ils jouent
déja , car celui du tutorat  est plus motivant. Leurs fonctions montrent une grande
différence avec les pratiques pédagogiques usitées concernant  l'enseignement et
d'apprentissage  de soutien.

Mots-clés: Enseignant tuteur. L'enseignement à distance

Introdução

As propostas de formação a distância proliferam-se de forma rápida no cenário


educacional brasileiro, sobretudo no campo da educação. Dados do INEP (2016)
evidenciam que é na área de formação de professores, em especial, na pedagogia,
que está o maior número de matrículas nos cursos a distância. Sabemos que os
avanços da tecnologia da informação e comunicação (TIC) têm possibilitado o
oferecimento de diferentes programas para a formação de professores a partir do
uso de tecnologias no processo de ensino-aprendizagem. Desta forma, instaura-se
um amplo campo de desenvolvimento de estratégias e políticas dirigidas à educação
a distância.
No Brasil, país com grandes dimensões, profundas desigualdades sociais e econômicas
e uma história da educação marcada pela exclusão, a educação, em seus aspectos de
acesso, permanência e qualidade, sempre se constituiu em grande desafio em todos os
níveis de ensino. Com os avanços tecnológicos ao longo dos anos, em especial, após
o surgimento da internet, esse desafio, ainda que aparente o contrário, tomou uma
dimensão ainda maior, uma vez que formar sujeitos com uso de tecnologias digitais
é tarefa complexa, que exige conhecimentos específicos, além dos tradicionalmente
necessários para exercer a docência. As tecnologias tornam a prática pedagógica mais
complexa, pois “as TIC na educação são elementos dificultadores que exigem pensar
a educação muito além de um campo fechado em si mesmo” (Lapa; Pretto, 2010, p.

30 GARCIA, MARTA; DA SILVA, DIRCEU. Professor tutor: papéis...


94). Esse desafio é ampliado quando constatamos que estas mesmas tecnologias não
estão ao alcance de todos e nem são apropriadas por docentes e alunos da mesma
forma e com a mesma intensidade. Assim, temos em nosso cenário um expressivo e
desigual avanço tecnológico (Tezanos, 2011; Dourado, 2008).
Com a inauguração de ambientes virtuais de aprendizagem, a EaD tem sido
considerada, muitas vezes, a solução para os problemas de formação inicial e
continuada, assim como para promover justiça social e democratização do acesso à
educação (Ferreira; Garrido, 2005; Pradro; Almeida. 2003). Desta forma, tem sido a
modalidade estrategicamente utilizada pelo Estado para atender a demanda reprimida
por formação em nível superior (Freitas, 2007), objetivo que tem lugar de destaque na
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96). Inclusive, o Plano
Nacional de Educação (PNE) 2014-2024 apresenta em suas estratégias o uso da EaD
para atingir metas de ampliação da oferta de vagas no ensino superior e também
de cursos de pós-graduação stricto sensu, especialmente por meio da Universidade
Aberta do Brasil. No entanto, Dourado (2008) esclarece que a EaD é considerada
por alguns como a resolução dos problemas de formação e para outros um modo
aligeirado de formar professores. Entretanto, considera fundamental romper com
posições extremistas e atentar para questões centrais: projeto pedagógico, condições
objetivas, concepção de aprendizagem, dentre outros.
É necessário atentar, ainda, para as fortes críticas dirigidas a esta modalidade. Freitas
(2007), Dourado (2008) e Garcia (2009) argumentam que o crescimento notável de
cursos a distância se dá, principalmente, na área da educação e na esfera privada e
não conta com a devida infraestrutura, planejamento e pessoal qualificado, o que põe
em risco investimentos e a possibilidade de boa formação. É com esta preocupação
que Freitas (2007) afirma que a maioria dos cursos de formação pela EaD tem se
apresentado como uma forma de aligeirar e baratear o processo formativo, mas a
oferta de cursos por instituições públicas de ensino superior representa uma ruptura
com programas de formação com viés mercadológico.
Posto isto, um dos principais desafios a ser enfrentado na educação a distância se
refere à precarização do trabalho docente presente, muitas vezes, nesse modelo. Com
uma carga horária de trabalho exaustiva, baixa remuneração e pouco reconhecimento
profissional, o professor tutor é contratado em regime precário para desempenhar,
muitas vezes, o papel de professor (Lapa; Pretto, 2010). A atuação e formação deste
profissional requer atenção e investimentos, uma vez que este emergente ator tem
exercido papel fundamental na formação de professores a distância (Garcia; Silva,
2013). Neste sentido, o presente artigo tem por objetivo discutir o complexo papel
e funções delegadas ao professor tutor e, ao mesmo tempo, refletir sobre suas
representações e práticas.

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 28-50, fev. 2017 a mai. 2017. 31
Sobre a complexidade do papel e função do professor tutor:
em busca de identidade

A educação a distância cresce consideravelmente desde 2001 (INEP 2016), e,


com ela, uma recente figura ganha relevo neste cenário: o professor tutor. Assim,
perguntas fundamentais surgem: o que significa ser um professor tutor1? De onde
e quando surgiu esse termo? Dentro de uma acepção semântica, tutor significa
“indivíduo que exerce uma tutela, aquele que ampara, protege, defende, guardião”
(Houaiss Dicionário Eletrônico, 2007). “Indivíduo legalmente encarregado de tutelar
alguém, protetor” (Ferreira, 2010). Historicamente, a figura do tutor nasce no século
XV, nas universidades inglesas de Oxford e Cambridge, com a função de assessorar
grupos de alunos em seus estudos. No século XIX, a função de tutor passa a ser
institucionalizada nas universidades e a fazer parte da composição do quadro docente
(Preti, 2003). Ainda para o autor, esse modelo tutorial presencial influenciou muito
a configuração da tutoria implementada pela primeira universidade a distância, a
Open University, em 1969, e outras que surgiram na sequência.
Nas perspectivas tradicionais de EaD, o tutor era considerado um guia, “que dirigia,
orientava, apoiava a aprendizagem dos alunos, mas não ensinava” (Maggio, 2001,
p.95). A crença era de que o material realizava a tarefa de ensinar e que ao tutor estava
reservada apenas a função de acompanhar o processo e assegurar o cumprimento
dos objetivos. Na década de 80, inicia-se, no campo educacional, um processo
de mudança de concepção pedagógica e a ênfase deixa de ser a transmissão de
informação e passa a ser a construção de conhecimentos, o que trouxe à escola e ao
professor novos desafios no desenvolvimento de planejamentos que desencadeassem
processos de reflexão e questionamento, ao invés de memorização de conteúdos. Já
nas perspectivas pedagógicas atuais, o trabalho do tutor ganha uma nova dimensão
devido à compreensão e ao aprofundamento das formas como se aprende e se
ensina. Assim, um bom tutor, dentro dessa perspectiva, é aquele que promove tarefas
desafiadoras e acompanha sua resolução, fornece fontes de informação, favorece a
compreensão e oferece explicações substantivas (Maggio, 2001).
Importante observar que há maior consenso na literatura sobre as funções do
professor tutor do que em relação ao seu papel, ainda que as funções variem de
acordo com as concepções presentes em cada instituição ou programa de formação.
Belloni (2009) afirma que uma das questões centrais na análise da EaD e, talvez, a
mais polêmica, refere-se ao papel do tutor nesta modalidade. Para a autora, ele é
convocado a assumir múltiplas funções, para muitas das quais não se sente e, de
fato, não foi preparado para assumir. Para Leal (2004, p. 4) ser tutor significa ser
1 Diferentes nomenclaturas são utilizadas para fazer referência ao tutor. Preferimos o termo professor tutor por
acreditarmos que este profissional também desenvolve uma função pedagógica que colabora para a aprendizagem
do aluno. Esclarecemos que, por vezes, será utilizado o termo tutor para se reportar ao modo como entidades e/
ou autores utilizam.

32 GARCIA, MARTA; DA SILVA, DIRCEU. Professor tutor: papéis...


um “professor/andragogo com competência para organizar pesquisas criativas e
situações provocativas”. Para a autora, o tutor é um profissional que deve possuir
sólida formação acadêmica, com conhecimentos didático-pedagógicos para relatar
experiências, orientar leituras e pesquisas, compartilhar estratégias de aprendizagem
e orientar debates em fóruns de discussão.
A complexidade do papel do professor tutor (ser ou não professor) e o fato de
encontrarmos diferentes nomenclaturas para esta função na literatura, exige
pensarmos quem é este sujeito e a prática que ele desenvolve. A identidade construída
por este profissional é aspecto relevante, pois repercute nas ações que por ele
serão desenvolvidas em seu trabalho com os alunos. Se por um lado, o professor
tutor entende que seu ofício está voltado para questões administrativas e técnicas,
pouca preocupação terá com as questões pedagógicas. Mas, se por outro lado ele
compreende que sua tarefa é uma atividade educativa, com dimensão social, suas
ações contribuirão significativamente para a formação do futuro professor e estarão
voltadas para o pedagógico:
Uma identidade profissional se constrói, pois, com base na significação social da profissão;
na revisão constante dos significados sociais da profissão; na revisão das tradições. [...]
Constrói-se, também, pelo significado que cada professor, enquanto ator e autor, confere
à atividade docente no seu cotidiano, com base em seus valores, em seu modo de situar-
se no mundo, em sua história de vida, em suas representações, em seus saberes, em suas
angústias e anseios, no sentido que tem em sua vida o ser professor. [...] Nos processos
de construção da identidade docente, tem papel fundamental o significado pessoal
que os professores atribuem a si mesmos e à educação escolar. (Pimenta; Anastasiou,
2010, p. 77)

Encontramos, na literatura da área, diferentes denominações atribuídas ao profissional


genericamente intitulado tutor: instrutor, facilitador, guia, monitor, orientador,
motivador, formador, moderador, conselheiro, entre outras. Cada termo explicita uma
concepção sobre o significado de ser tutor e, consequentemente, sobre o trabalho que
se espera por ele ser desenvolvido. Esse grande número de terminologias desencadeia
confusas concepções e representações por parte do profissional tutor que não
consegue, muitas vezes, definir claramente o seu papel. Isso se deve, em grande parte,
aos diferentes programas e instituições que apresentam, cada qual, a sua concepção
particular de tutoria. A complexidade reside no fato de que identidades múltiplas
atribuídas a um mesmo indivíduo pode significar “fonte de tensão e contradição tanto
na auto-representação quanto na ação social” (Castells, 2002, p. 22).
Diante de confusas representações, o grande risco ao trabalho do professor tutor
é a perda da essência do ser docente, em outras palavras, a perda do lugar de
profissional da educação para estar voltado a ações pouco ou nada pedagógicas
(Maggio, 2001). Se o controle por parte do sistema for excessivo, com atividades
totalmente estruturadas preconcebidas , com alta valorização do material didático,

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 28-50, fev. 2017 a mai. 2017. 33
corre-se o risco do professor tutor perder flexibilidade e autonomia para realizar
intervenções qualitativas, o que significaria um retrocesso epistemológico na forma
de conduzir um processo formativo a distância.
Muitos são os autores que discutem o papel do tutor, assim como a melhor
nomenclatura. Lapa e Pretto (2010) argumentam que o tutor é um professor na medida
em que desempenha esse papel no ambiente virtual. Moore e Kearsley (2008) afirmam
que se trata de um instrutor que está ligado a funções de ensino, acompanhamento e
apoio ao aluno. Palloff e Pratt (2002) apontam que o seu papel é o de um facilitador.
Alonso e Alegretti (2003) sinalizam que se trata de um professor que assume a posição
de formador, orientador e provocador para potencializar a aprendizagem dos alunos.
Emerenciano et al. (2001) também evidenciam que trabalhar como tutor significa ser
professor e educador. Por sua vez, Silva et al. (2009) defendem que o papel do tutor
é mais importante do que o papel de facilitador ou de transmissor, pois seu trabalho
se dá em um contexto dinâmico e complexo, que exige criatividade.
Almeida (2003) e Maggio (2001) aproximam-se em suas definições. A primeira
denomina o tutor como docente formador, que tem ao mesmo tempo os papéis de
mediador, moderador, observador e articulador, cuja principal função é orientar a
aprendizagem do aluno. Na mesma direção, a segunda autora afirma ser professor
tutor a melhor nomenclatura, devido à função de docente que exerce esse sujeito
em ambiente virtual, uma vez que o que se espera é que ele acompanhe o processo
de aprendizagem e oriente os alunos. Acreditamos ser esta a melhor nomenclatura,
pois esse profissional assume uma tarefa educativa e pode colaborar decisivamente
para a formação professores. Esta posição também é defendida por Belloni (2009),
para quem o tutor possui, inegavelmente, uma função pedagógica na medida em que
tem que dar conta da difícil tarefa de levar o aluno a aprender. Ainda que não seja
dele a responsabilidade de produzir materiais didáticos, é do professor tutor que se
espera, na maioria das vezes, a realização da tarefa de mediação.
É recorrente na literatura e em documentos oficias que uma das principais funções do
tutor é realizar a mediação. Pimenta e Anastasiou (2010) discutem a mediação reflexiva
e defendem que se trata de uma tarefa complexa, de um trabalho de investigação que
consiste em levar o aluno à atividade ativa de construir conhecimentos significativos.
Neste mesmo sentido, Mauri e Onrubia (2010) esclarecem que a atividade tutorial é
concebida como mediação da atividade do aluno. Masetto (2009) aponta importantes
características da mediação pedagógica, dentre elas: o diálogo permanente; a troca
de experiências; a cooperação para que o aluno domine as novas tecnologias em
suas aprendizagens; a proposição de situações-problema, perguntas orientadoras
e desafios. O autor descreve a mediação como o comportamento do professor de
incentivador e motivador da aprendizagem, com a disposição de ser ponte entre
o aluno e o conhecimento (Masetto, 2009). Importante ressaltar que a mediação
pedagógica não se dá somente entre professor e aluno. Trata-se também de criar

34 GARCIA, MARTA; DA SILVA, DIRCEU. Professor tutor: papéis...


situações que aproximem os alunos entre si, fazendo com que assumam o papel de
mediadores dos colegas e desenvolvam compromisso e autonomia (Prado; Almeida,
2003).
O Quadro 1 apresenta os diferentes papéis do professor tutor encontrados na
literatura. A lista poderia ainda ser maior. Contudo, os papéis elencados abaixo
se tornaram recorrentes e a intenção é mostrar os principais papéis que estes
profissionais geralmente assumem na EaD.

Quadro 1- Papéis do tutor identificados na literatura


Papel do tutor Referências
Professor Lapa e Pretto (2010)
Parceiro do estudante no processo de
Belloni (2009)
conhecer
Professor Silva et al. (2009)
Instrutor Moore e Kearsley (2008)
Orientador/ Guia/ Formador/ Dinamizador Berrocoso e Garrido Arroyo (2005)
Facilitador Palloff e Pratt (2004)
Educador/ Professor/ Andragogo Leal (2004)
Formado/ Orientador/ Provocador Alonso e Alegretti (2003)
Motivador/ Orientador/ Animador García Aretio (2003)
Docente-formador Almeida (2003)
Professor e educador Emerenciano et al. (2001)
Professor-tutor Maggio (2001)
Administrador/ Facilitador/ Bombeiro/
Suporte/ Negociante/ Filtro/ Líder da Berge e Collins (2000)
discussão/ Especialista/ Editor
Fonte: elaborado pelos autores.

Em que pese a discussão sobre o seu papel, é consenso na literatura que a atuação
do professor tutor é relevante para o sucesso da formação de professores e para a
baixa taxa de evasão. Encontramos esta argumentação em Gatii (2003), Preti (2003),
Palloff e Pratt (2004), Berrocoso e Garrido Arroyo (2005), Chaney et al. (2007), Moore
e Kearsley (2008), Prado e Almeida (2003) e Garcia e Silva (2013). É o professor

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tutor que, na maioria das vezes, dialoga com os alunos, orienta leituras e auxilia na
superação de dúvidas. Ele é a figura-chave no processo motivacional e afetivo (Gatti,
2003).
Para Moulin et al. (2004), o tutor deve orientar a elaboração do plano de estudos,
acompanhar a aprendizagem, e, à luz dos resultados da avaliação, intervir. Para
as autoras, a função do tutor está dividida em três vertentes: (1) Função de
Aconselhamento: preocupação com a motivação e incentivo constante ao aluno
durante todo o curso; formação de valores, hábitos e atitudes, em especial, voltadas
à autoafirmação e à valorização do bem estar da humanidade. (2) Função de Orientação
da Aprendizagem - voltada para a formação do saber (conhecimentos) e do “saber-
fazer” (habilidades e capacidades específicas). Inclui indicar fontes de informação e
propor atividades criativas e desafiadoras. (3) Função de Avaliação - relevante para o
sucesso da aprendizagem, pois pode interferir positiva ou negativamente na formação
do aluno. Para Gaytan e McEwen (2007), os professores tutores precisam avaliar as
tarefas dos alunos não como uma prestação de contas, mas como uma forma de
contribuir para a sua aprendizagem.
Para Silva et al. (2009), o professor tutor deve conhecer o projeto político pedagógico
do curso e o conteúdo das disciplinas. Argumentam que o trabalho deste profissional
envolve quatro dimensões: conhecimento, aprendizagem, motivação/presença e
disponibilidade. Estimular as relações humanas, construir um ambiente favorável
para a aprendizagem, orientar o aluno e oferecer feedback são tarefas importantes do
professor tutor. A motivação e o feedback exigem ser analisados com maior cuidado.
Gaytan e McEwen (2007) apontam que o feedback é fundamental e deve ser
apropriado e significativo. Para os autores, o professor tutor precisa interagir com
os alunos e utilizar diferentes estratégias e ferramentas, fornecendo um feedback
detalhado e imediato. Na mesma direção, Chaney et al. (2007) sinalizam que um dos
indicadores de qualidade da EaD é o rápido feedback fornecido pelo tutor. Palloff
e Pratt (2004) consideram que o feedback deve conter uma mensagem substancial,
clara, precisa, que responda às questões levantadas pelos alunos, que apresente
reflexões e que contribua para o aprofundamento do tema. Para Maggio (2001), o
feedback significa fazer intervenções coerentes e aproveitar as oportunidades para
aprofundar o debate, evitando uma construção errônea por parte do aluno. Moore
e Kearsley (2008) também apontam a relevância dos alunos receberem feedback
sobre as tarefas com informações a respeito dos seus progressos, pontes fortes e
fracos e ressaltam a importância da percepção que deve possuir o professor tutor
em relação ao envio de feedback individual ou para toda a turma. No entanto, Palloff
e Pratt (2004) pondera que intervir em demasia nos fóruns pode ser prejudicial ao
bom andamento das discussões e que é preciso saber equilibrar a quantidade e a
frequência de feedbacks.
A motivação está intrinsecamente relacionada com o feedback. Os alunos, ao
receberem mensagens do professor tutor, sentem sua presença e afastam o
sentimento de abandono e o desejo de desistir do curso. Por esta razão, Palloff

36 GARCIA, MARTA; DA SILVA, DIRCEU. Professor tutor: papéis...


e Pratt (2002) entendem que uma das funções do professor tutor é atuar como
um motivador de seus alunos, incentivando-os a se conhecerem, a construírem um
ambiente agradável, uma comunidade virtual2 e a explorarem o material didático
profundamente. Na mesma direção, Moulin et al. (2004) defendem a necessidade
de motivar o aluno ao longo de sua trajetória. Para tanto, é preciso conhecer o perfil
do aluno, seus interesses e dificuldades. E, para superar o mito do isolamento nos
cursos online, é importante o professor tutor incentivar o diálogo entre os alunos,
estimular a autoconfiança, a iniciativa e a tomada de decisões. Sobre este aspecto, é
pertinente observar o que aponta Gatti (2003), quando da importância de se construir
uma relação afetiva com os alunos:
Os conhecimentos adquirem sentido ou não, são aceitos ou não, incorporados ou não,
em função de complexos processos não apenas cognitivos, mas, socioafetivo e culturais.
Essa é uma das razões pelas quais tantos programas que visam a mudanças cognitivas,
de práticas, de posturas, mostram-se ineficazes. Sua centralização apenas nos aspectos
cognitivos individuais esbarra nas representações sociais e na cultura de grupos (Gatti,
2003, p.2).

Muitas são as tarefas postas ao professor tutor. O Quadro 2, criado a partir da revisão
da literatura da área, reúne as diferentes categorias que envolve o seu trabalho.

Quadro 2- Funções do professor tutor


1- Colaboração no processo de ensino e aprendizagem – funções que têm
natureza pedagógica, relacionadas diretamente com a prática educativa.
2- Motivação e humanização – funções relacionadas com a motivação e
a disponibilidade ao aluno, com o estado de ânimo durante o processo de
aprendizagem e com a humanização no ambiente virtual de aprendizagem.
3- Avaliação – funções relacionadas com o processo avaliativo, tanto da
aprendizagem dos alunos quanto do curso e das ações desenvolvidas.
4- Gestão/Administração – funções relacionadas com questões de
gerenciamento do ambiente virtual e de conhecimento/ envolvimento com
conteúdos.
5- Crescimento Profissional – ações que demonstram preocupação do
professor tutor com o seu cresciWmento profissional.
6- Técnica – Funções relacionadas com o uso de ferramentas tecnológicas e
com a busca de soluções para problemas técnicos.
Fonte: elaborado pelos autores.

2 Lévy (2005, p. 27) define comunidade virtual como “um grupo de pessoas se correspondendo mutuamente por
meio de computadores interconectados”.

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 28-50, fev. 2017 a mai. 2017. 37
O que consideramos essencial ao se pensar a tarefa do professor tutor é a sua
íntima relação com a aprendizagem do aluno. Para tanto, é preciso compreender o
contradiscurso técnico, que insere o trabalho deste profissional não apenas no âmbito
tecnológico, mas, decididamente, no campo educacional (Leal, 2004). A mudança de
modalidade e, portanto, de ambiente, não altera a finalidade do ato educativo que é
gerar aprendizagens. Deste modo, é evidente que profissionais voltados à formação de
professores na EaD precisam ter conhecimentos sólidos sobre o trabalho de mediação
pedagógica, o processo de construção de conhecimento em ambiente virtual, sobre as
TIC, bem como as dimensões que envolvem a relação pedagógica, tanto do ponto de
vista dos alunos quanto do professor e do trabalho pedagógico. Este último aspecto
implica, de acordo com Cordeiro (2011), atentar para cinco dimensões dessa relação
que podem interferir na aprendizagem dos alunos: cognitiva, espacial, temporal,
linguística e pessoal. Certamente, a relação pedagógica ocupa espaço importante
no processo de formação de professores e precisa ser examinada por aqueles que
se dedicam a exercer a docência, seja ela em ambiente presencial ou virtual.

Caracterização da pesquisa e perfil dos participantes

Um questionário estruturado sobre as funções e papéis do professor tutor foi


aplicado em 386 tutores que atuam em cursos superiores de formação de professores
a distância em diferentes regiões do país. Os dados obtidos foram submetidos a
cruzamentos e à análise descritiva, utilizando-se para esta finalidade o software
Statistical Package for Social Sciences (SPSS) versão 15.0.
A análise do perfil dos sujeitos mostra que a maior parte é do sexo feminino (67,6%),
casado (58%), formado em instituição pública superior (52,3%) e possui outro emprego
(87%) e, destes, apenas 19,2% consideram o emprego de tutor o principal. Ainda,
56,7% trabalha em instituições públicas de ensino superior. A faixa etária pode ser
observada a seguir:

38 GARCIA, MARTA; DA SILVA, DIRCEU. Professor tutor: papéis...


Tabela 1- Faixa etária dos professores tutores
Faixa etária Valor absoluto
20 a 30 anos 55
31 a 40 anos 123
41 a 50 anos 118
51 a 60 anos 68
Maior que 60 anos 22
Total 386

Fonte: Dados da pesquisa. Elaboração dos autores.

A maioria dos sujeitos é formada em pedagogia (39,1%), seguido de letras (20,1%),


biologia (4,7%) e sociologia (3,4%). Trabalha em instituições localizadas no Estado de
São Paulo (51,8%), Rio de Janeiro (15%) e Distrito Federal (6,5%). Os cursos em que
atuam estão descritos na tabela 2 e o grau de escolaridade na tabela 3.

Tabela 2 – Cursos em que atuam como professor tutor


Curso Valor absoluto
pedagogia 171
letras 37
artes visuais 6
história 3
biologia 11
geografia 2
física 3
outros 153
Total 386
Fonte: Dados da pesquisa. Elaboração dos autores.

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 28-50, fev. 2017 a mai. 2017. 39
Tabela 3 – Nível de escolaridade
Nível Valor absoluto

*graduação 23
especialização 196
mestrado 141
doutorado 26
Total 386
Fonte: Dados da pesquisa. Elaboração dos autores.

O nível de escolaridade se torna preocupante quando levamos em consideração o


disposto no art. 66 da LDB que garante: “a preparação para o exercício do magistério
superior far-se-á em nível de pós-graduação, prioritariamente em programas de
mestrado e doutorado”. (Brasil, 1996, p. 23). Verificamos desconsideração à LDB, já
que existem professores tutores atuando em curso superior tendo apenas a graduação
e 56,73% não possuem mestrado ou doutorado.

Os diferentes papéis do professor tutor

Esta parte discute os dados referentes aos papéis ocupados por professores
tutores no processo formativo de professores a distância. Aos respondentes, foi
oferecido um quadro (figura 1) que apresentava diferentes papéis com uma breve
descrição sobre cada um deles e solicitado que manifestassem a intensidade com
que se viam neles.

40 GARCIA, MARTA; DA SILVA, DIRCEU. Professor tutor: papéis...


Figura 1 - Papéis do professor tutor – quadro disponibilizado aos respondentes

Fonte: Elaborado pelos autores.

A análise das respostas dos sujeitos revelou que a maioria se percebe, principalmente,
no papel de motivador, pois 62,17% afirmaram que sempre se vê neste papel, cuidando
da motivação dos estudantes ao longo de todo o curso e da humanização do ambiente
virtual. Em segundo lugar, surge como mais frequente o papel de facilitador, uma
vez que 55,95% apontaram que sempre desenvolvem funções relacionadas com
orientações precisas, com o auxílio, acompanhamento do aluno e direcionamentos
para ajudá-lo a se localizar no ambiente e a resolver tarefas.
O papel de professor surge apenas em terceiro lugar. Do total de participantes (386),
38,86% afirmaram sempre se perceber neste papel, o qual está relacionado com a
prática docente, com criação de atividades desafiadoras e materiais didáticos, com
a problematização de conteúdos e com a avaliação do processo de aprendizagem.
Em quarto lugar, aparece o papel de administrador, em que 28,23% relataram sempre
ocupar este papel, cuidando de questões administrativas, da produção de relatórios,
de recebimento de tarefas, da frequência dos alunos e do gerenciamento do ambiente
virtual.

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 28-50, fev. 2017 a mai. 2017. 41
Em quinto lugar, está o papel em que menos os sujeitos se percebem: suporte técnico.
Apenas 15,80% afirmam sempre ocupar este papel, colaborando com o uso de
ferramentas tecnológicas e com a busca de soluções para problemas técnicos.
Essa variedade de papéis ocupados pelos sujeitos corrobora o que aponta Belloni
(2009), quando afirma que uma das questões centrais e, talvez, a mais polêmica na
EaD seja o papel assumido pelo professor na EaD. Os professores tutores participantes
desta pesquisa, de fato ocupam, ao mesmo tempo, diferentes papéis. Mas, ser o
motivador o papel que eles se vêem com maior intensidade indica que a grande
preocupação desses sujeitos está em estimular as relações humanas e o bom estado
de ânimo dos alunos ao longo do curso. Isto pode ocorrer pela pressão das instituições
para conseguir manter um grande número de alunos e também pela compreensão dos
próprios sujeitos de que é necessário criar um ambiente agradável e acolhedor para
que os alunos sintam-se entusiasmados em aprender. Sabemos que na modalidade
a distância o número de desistentes é grande (INEP, 2016) e motivar o aluno ao
longo de todo o curso é altamente necessário para a permanência, engajamento e
desenvolvimento do estudante.
O cruzamento entre escolaridade e papel nos permitiu perceber que os sujeitos que
se percebem com maior intensidade no papel de motivador são aqueles que possuem,
como grau máximo, a graduação e a especialização. No entanto, é interessante
observar que os sujeitos que possuem doutorado também evidenciaram o papel
de motivador como o mais frequente e, em seguida, o de professor ao lado do de
facilitador. Somente os que possuem como grau máximo o mestrado escolheram o
papel de facilitador em primeiro lugar ficando, com pouca diferença estatística, o de
motivador em segundo. Estas constatações evidenciam que, de maneira geral, para os
professores tutores participantes desta pesquisa, o papel de motivador surge como
mais forte que o de professor no desenvolvimento de suas práticas.
Para Gatti (2003), o tutor possui a importante tarefa de motivar os alunos e de
colaborar na construção de laços de afetividade. Um ambiente acolhedor e uma equipe
atenciosa e disponível, certamente, colaboram para o entusiasmo dos alunos. Contudo,
não podemos nos esquecer de que o rápido e significativo feedback é essencial para
manter o aluno no curso e colaborar qualitativamente com sua formação. Quando
suas dúvidas e anseios não são satisfatoriamente esclarecidos e quando a resposta
é morosa, cresce largamente a possibilidade de desânimo e/ou abandono do curso.
Decorremos disso que o papel de motivação sozinho não consegue dar conta da difícil
tarefa de motivar o aluno e de mantê-lo comprometido com o curso e com a sua
aprendizagem. É preciso que o imprescindível papel de professor, que esta pesquisa
revela aparecer apenas em terceiro lugar, esteja fortemente presente, como condição
para garantir a aprendizagem significativa dos alunos, sua motivação e envolvimento
com o curso. Para tanto, as instituições possuem papel fundamental na organização
do projeto do curso, na gestão e no processo de recrutamento e formação contínua

42 GARCIA, MARTA; DA SILVA, DIRCEU. Professor tutor: papéis...


dos professores tutores (Garcia; Silva, 2013).

As múltiplas funções do professor tutor

Discutiremos as respostas dos sujeitos em relação às funções que realizam como


professores tutores organizando-as a partir das categorias apresentadas no Quadro
2 (pg.10). Os dados foram obtidos a partir da aplicação de uma escala do tipo
Likert com 5 níveis (discordo totalmente, discordo, indiferente, concordo, concordo
totalmente). Iniciamos com as funções relacionadas à Colaboração no Processo de
Ensino-Aprendizagem. De maneira geral, os sujeitos demonstraram preocupação
e empenho com o processo de aprendizagem dos alunos, afirmando desenvolver
ações que visam promover reflexões para além dos materiais obrigatórios de leitura
disponibilizados aos cursistas.
Grande parte (87%) afirmou que participa ativamente das discussões nos fóruns e que
propõe materiais adicionais para complementar a formação dos alunos. Interessante
observar que 18,39% declararam não usar a sala de bate papo para retirar dúvidas e
24,61% são indiferentes a essa questão. Isso pode ser um indicativo de que há uma
parcela que acredita não ser necessário utilizar ferramentas síncronas para discutir
dúvidas com os alunos. Outro aspecto importante diz respeito a que 14,24% dos
sujeitos afirmaram não promover conversas em particular com o aluno quando este
manifesta interesse sobre um determinado conteúdo e 15,02% são indiferentes a
essa questão. Com esses dados, constatamos que, por um lado, há grande esforço
da maioria dos professores tutores (70,74%) na realização da mediação pedagógica,
assumindo práticas comprometidas com o desenvolvimento cognitivo e profissional
dos alunos, promovendo outros momentos e espaços capazes de colaborar ricamente
com a aprendizagem. Por outro lado, verificamos que algumas ações relevantes
não são, por vezes, realizadas, o que pode comprometer a qualidade da formação
acadêmica.
Os sujeitos demonstraram grande preocupação com a dimensão da Motivação e
Humanização. Suas respostas caminham com o disposto na literatura, que aponta ser
necessário motivar o aluno ao longo do curso e que é preciso garantir que o ambiente
virtual seja um espaço acolhedor, onde as relações são pautadas pelo respeito e
colaboração. Afirmaram, em sua grande maioria (92%), realizar intervenções quando
um comportamento ruim de um aluno acontece para que logo seja retomado o clima
agradável. Também relataram enviar e-mails ou realizar ligações para aqueles alunos
que apresentam vontade de desistir do curso (82,3%).
No entanto, quando indagados sobre a disponibilidade ao aluno, suas respostas
revelam contradições. Embora um número considerável de sujeitos (38, 86%) afirma

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 28-50, fev. 2017 a mai. 2017. 43
ser muito difícil responder os e-mails aos alunos de forma rápida e estar sempre
disponível para se comunicar com eles, grande parte (83,93%) tem certeza que os
alunos sempre sentem sua presença no ambiente virtual. Estar disponível para os
alunos é relevante para o bom andamento de um curso online. Os alunos precisam
sentir que seu professor tutor está “por perto”, disponível para orientar, auxiliar nas
dúvidas e discutir conteúdos. Acreditamos que o fato de 87% da amostra informar
ter outro emprego, além do de professor tutor, colabora para a dificuldade desses
sujeitos em criar “a sensação da presença síncrona” (Kenski, 2008, p.67) no ambiente
virtual de aprendizagem.
A análise das respostas pertencentes à função de Avaliação confirmou o disposto na
literatura. Gaytan e McEwen (2007) ressaltam a grande importância da avaliação para
a garantia e sucesso da aprendizagem e sua complexidade de realização no campo
relativamente novo da EaD. Boa parte dos sujeitos participantes da pesquisa informou
que verifica constantemente o acesso dos alunos no ambiente virtual (89,11%) e que
sempre solicita aos estudantes avaliação sobre o andamento do curso e sugestões
para melhorá-lo (77,20%). Estes dados demonstram preocupação com a frequência
do aluno e também com o andamento do curso, de maneira geral. No entanto, aos
serem indagados sobre a avaliação das tarefas dos alunos, 31,34% afirmaram não
permitir que o aluno refaça uma atividade, oferecendo uma nova nota e 14,76%
foram indiferentes a essa questão.
Sobre essa constatação, dois aspectos devem ser considerados. O primeiro, diz
respeito à instituição que pode organizar o curso e a gestão de forma tradicional,
despreocupada com o tempo de aprendizagem do aluno e com uma concepção de
avaliação reduzida e centrada na classificação, o que dificulta ou mesmo impede
que o professor tutor desenvolva uma avaliação formativa, contínua, centrada no
aluno, com provocações e considerações que, devolvidas em forma de feedback,
permitiria aos alunos reelaborar seus conhecimentos e refletir sobre suas concepções,
crenças e práticas. O segundo aspecto se refere à própria concepção de avaliação
pelo professor tutor. Se ele acredita ser tratar de um ato de verificar o que está certo
e errado e atribuir uma nota final à tarefa do aluno, não terá a preocupação de realizar
intervenções significativas, de ajudar a superar dificuldades, contribuindo, desta
forma, para a manutenção de uma cultura avaliativa classificatória. Ainda, sua prática
poderá servir como (mau) modelo para as ações avaliativas dos futuros professores
(Gaytan; McEwen, 2007).
Contudo, ainda que existam concepções equivocadas, parte significativa dos
participantes evidencia compreender o sentido da avaliação formativa. Sabemos
que concepções e práticas possuem relação direta e, por esta razão, ressaltamos a
importância da formação continuada desses profissionais, como possibilidade para
ampliar e aprofundar seus saberes, com vistas a promover práticas emancipatórias
de avaliação, comprometidas com o sucesso da aprendizagem dos alunos.

44 GARCIA, MARTA; DA SILVA, DIRCEU. Professor tutor: papéis...


A análise das respostas sobre as tarefas de Gestão/Administração revela que 68,3% dos
sujeitos concordam que a maioria das atividades elaboradas pelos professores autores
das disciplinas é muito boa e aplicável com os alunos. Há, portanto, uma parcela
considerável (31,7%) que demonstra estar insatisfeita com as tarefas elaboradas
pelos professores responsáveis pelas disciplinas, o que indica que esses professores
tutores não concordam com a proposta de formação que recebem e a partir da qual
precisam desenvolver suas práticas.
Quando questionados sobre a função de envolver os alunos no início do curso com
o plano de ensino, diretrizes do curso e objetivos de aprendizagem, 86% afirmaram
que sempre desenvolvem essa ação por ser relevante para o bom andamento do
curso. Entretanto, 48% afirmaram não conhecer o projeto político pedagógico do
curso em que atuam. Esse dado é preocupante, pois aponta o pouco conhecimento
e envolvimento dos professores tutores com os objetivos de aprendizagem e de
formação dos estudantes.
É interessante observar que, ao serem indagados sobre a autossuficiência dos
materiais instrucionais, 40,41% acreditam que esses materiais são suficientes para
promover uma excelente aprendizagem e 8,03% foram indiferentes a esta questão.
Isso indica que estão presentes diferentes concepções sobre educação. Acreditar
que os materiais instrucionais conseguem, sozinhos, dar conta de uma excelente
aprendizagem significa retirar a grande importância do trabalho de mediação
pedagógica que se espera e deseja ser realizado pelo próprio professor tutor no
processo de colaboração de construção de aprendizagens dos alunos.
Sobre as funções referentes ao Crescimento Profissional, constatamos que, apesar
da sobrecarga de trabalho, os sujeitos se esforçam para participar de atividades
de formação oferecidas pelas instituições em que exercem suas funções (90%) e
também afirmam, largamente, buscar se atualizar sobre metodologias de ensino e
aprendizagem online (93%). Assim, é possível perceber a busca pela autoformação
e o desejo de desenvolvimento profissional.
Os resultados sobre tarefas relacionadas à dimensão Técnica indicam que a grande
maioria dos sujeitos (84,72%) conhece as possibilidades e características de cada
ferramenta do ambiente virtual. Assim, apenas 15,28% declararam não ter esse
conhecimento. Apesar de não se tratar de uma porcentagem alta, é preocupante,
pois se trata do ambiente em que atuam e no qual necessitam conduzir o processo
de ensino e aprendizagem. Desta forma, entendemos que o seu domínio é condição
para o bom desenvolvimento desse processo.
Por último, os professores tutores também afirmaram que sempre oferecem feedback
rápido aos alunos sobre dúvidas e problemas técnicos (92,48%). Isso nos permite
dizer que há a preocupação em garantir o bom funcionamento do ambiente e do
uso de suas ferramentas para que os alunos possam desenvolver suas atividades.
Interessante perceber que 54,92% declararam usar outros programas de edição de

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 28-50, fev. 2017 a mai. 2017. 45
texto e criação de planilhas, além do ambiente virtual, para realizar seu trabalho.
Assim, podemos deduzir que algumas funções e usos de tecnologias podem variar
de instituição para instituição, demandando um número maior ou menor de tarefas
e conhecimentos.

Considerações finais

Em um país continental como o Brasil, a educação a distância pode colaborar na


tarefa de formar e emancipar sua população, historicamente excluída e marcada
por profundas desigualdades sociais e pelo domínio de interesses privados
(Costa e Pimentel, 2009). No entanto, para que esta formação seja de qualidade,
comprometida com a ideia de educação como bem público, é preciso pensar
formas de melhorar esse processo formativo e, sem dúvida, a melhoria da atuação
e formação dos professores tutores significará uma grande contribuição para a
melhoria da qualidade da formação de professores na modalidade a distância, pois
a função tutorial se configura como um dos pilares sobre o qual se consolida a
EaD (Padula, 2002). Para tanto, como enfatiza Garcia e Silva (2013), é necessário
também cuidar do processo de recrutamento desses profissionais.
Os diferentes papéis e funções do professor tutor apresentados e discutidos neste
trabalho revelam a complexidade da prática de formação de professores a distância. É
preciso criar condições concretas para se efetivar mudanças no processo de formação
na EaD e isto implica cuidar, sobretudo, dos formadores, pois de nada adiantará boa
infraestrutura tecnológica se aqueles que desenvolvem a prática pedagógica não
estão preparados para usá-la em prol da aprendizagem dos alunos.
A inquietação que ainda permanece e que é objeto de nossa preocupação é o papel
de professor tutor na EaD, o lugar a ele reservado para a intervenção pedagógica.
Geralmente, não são os professores tutores que criam os materiais didáticos, mas
são eles que discutem os conteúdos com os alunos, realizam a mediação e avaliam
as tarefas. Assim, acreditamos que muito ainda precisa ser feito para que esses
tutores se tornem, de fato, professores tutores, com papel e funções voltados para
questões, decididamente, pedagógicas. Acreditamos que quando se perceberem,
primeiramente, no papel de professor e quando forem formados para esta função, a
educação a distância terá dado um salto qualitativo. E, não podemos nos esquecer
de que as instituições de ensino superior têm papel fundamental nesse processo de
qualificação do professor tutor.

46 GARCIA, MARTA; DA SILVA, DIRCEU. Professor tutor: papéis...


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Recebido em agosto de 2016

Aprovado em junho de 2017

Marta Fernandes Garcia é Professora do Instituto Federal de São Paulo, campus


Cubatão. Doutoranda em Educação pela Universidade Estadual de Campinas/
UNICAMP. Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Superior -
GEPES/UNICAMP. Email: marta_fgarcia@yahoo.com.br

Dirceu da Silva é Doutor em Educação pela USP. Professor da Faculdade de Educação


da UNICAMP. Email: dirceu@unicamp.br

50 GARCIA, MARTA; DA SILVA, DIRCEU. Professor tutor: papéis...


Precisamos de uma Base Nacional Comum
Curricular?
William de Goes Ribeiro
Clarissa Bastos Craveiro
Universidade Federal Fluminense

Resumo
Tensões sobre currículo são constantemente reiteradas, não havendo um
deslocamento do passado que ressurge anacronicamente nas políticas. Os
sentidos são gerados através da circularidade dos contextos e da busca pela
hegemonia. A condição de abertura da significação é o que constitui o social e
nos permite pensar na hibridização de políticas curriculares recentes, as quais
têm mobilizado um status de autoridade inexorável com relação à padronização.
Nesse contexto, trouxemos à baila sentidos que têm se tornados hegemônicos
no cenário político, como a exigência de competências e habilidades a priori para
a formação de professores e de alunos.

Palavras-chave: Base Nacional Curricular Comum. Currículo. Formação de


Professores.

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 51-69, fev. 2017 a mai. 2017. 51
Necesitamos de una Base Nacional Común
Curricular?

Resumen
El estrés en los planes de currículo se repite constantemente, si no hay un cambio
en el pasado que resurge de manera anacrónica en las políticas. Los significados son
generados a través de la circularidad de los contextos y la búsqueda de la hegemonía.
La condición de apertura del significado es lo que constituye lo social y nos permite
pensar acerca de la hibridación de las políticas curriculares recientes, las cuales han
movilizado un estatus de autoridad inexorable con relación a la estandarización. En
este contexto, hemos traído a discusión significados que se han vuelto hegemónico
en la arena política, como la exigencia de habilidades y capacidades a priori para la
formación de profesores y estudiantes.

Palabras clave: Base Nacional Curricular Común. Currículo. Formación de


profesores.

Do we need a Common National Curriculum Base?

Abastract
Tensions about curriculum are constantly reiterated, with no displacement of the
past resurfacing anachronistically in politics. The meanings are generated through
the circularity of contexts and the search for hegemony. The condition of openness of
meaning is what constitutes the social and allows us to think of the hybridization of
recent curricular policies, which have mobilized a status of inexorable authority with
regard to standardization. In this context, we have brought to the table meanings
that have become hegemonic on the political scene, such as the requirement of a
priori competences and skills for the training of both teachers and students.

Keywords: Common National Curriculum Base. Curriculum. Teacher training.

52 RIBEIRO, WILLIAM; CRAVEIRO, CLARISSA. Precisamos de uma Base Nacional...


Avons-nous besoin d’une Base Curriculaire
Nationale Commune?

Resumé
Les tensions sur les programmes d'enseignement se répètent constamment, n'ayant
pas une rupture du passé qui resurgisse anachroniquement. Les sens sont générés
par conventions à travers la circularité des contextes et la recherche de l’hégémonie.
La condition d'ouverture du sens est ce qui constitue le social et nous permet de
penser à l'hybridation récente des politiques curriculaires lesquelles ont généré un
statut d'autorité incontestable en matière de standardisation. Nous avons abordé
des sens qui sont devenus hégémoniques l'arène politique, comme la demande
de compétences et de capacités a priori pour la formation des enseignants et des
étudiants.

Mots-Clés: Base commune de programmes d’enseignement. Curriculum. Formation


de Professeurs.

Introdução

No Brasil, muito se tem debatido, em diferentes momentos históricos, a respeito


de políticas de centralização do currículo, entre as quais se insere a produção de
uma Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Trata-se de definir “o essencial” para
toda a educação básica, o que significa construir de maneira supostamente objetiva
“a melhor formação para as nossas crianças e jovens”1, compreendendo que é
uma condição necessária para garantir os direitos de aprendizagem dos alunos e a
qualidade da educação. Para o Ministério da Educação (MEC)2:
A Base Nacional Comum Curricular (BNC) vai deixar claro os conhecimentos essenciais
aos quais todos os estudantes brasileiros têm o direito de ter acesso e se apropriar
durante sua trajetória na Educação Básica, ano a ano, desde o ingresso na Creche até
o final do Ensino Médio. Com ela os sistemas educacionais, as escolas e os professores
terão um importante instrumento de gestão pedagógica e as famílias poderão participar
e acompanhar mais de perto a vida escolar de seus filhos. A Base será mais uma
1 Cf. texto introdutório das duas primeiras versões da BNCC de autoria de Renato Janine Ribeiro, ex-ministro da
Educação.
2 Cf. http://basenacionalcomum.mec.gov.br/#/site/base/o-que

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 51-69, fev. 2017 a mai. 2017. 53
ferramenta que vai ajudar a orientar a construção do currículo das mais de 190 mil escolas
de Educação Básica do país, espalhadas de Norte a Sul, públicas ou particulares. Com
a BNC, ficará claro para todo mundo quais são os elementos fundamentais que preci
sam ser ensinados nas Áreas de Conhecimento: na Matemática, nas Linguagens e nas
Ciências da Natureza e Humanas.

No entanto, a ideia de se padronizar o ensino e a educação tem sido problematizada


no campo curricular, o qual vem destacando: a impossibilidade de uma unidade
essencial para o currículo, considerando os complexos jogos de poder que buscam
ocultar a abertura da significação (Cunha, 2015), bem como a complexidade do
contexto da prática (Cunha; Da Silva, 2016); as articulações público-privadas,
bem como novas formas de sociabilidade que projetam o imponderável para fora,
configurando uma intensificação regulatória baseada na avaliação centralizadora,
como propõem os modelos privados de gestão (Macedo, 2014); o controle social que
se dá por intermédio de políticas que ressignificam o eficientismo em uma separação
questionável entre a produção e a implementação. (Lopes; Macedo, 2011)
Assim, os referidos pesquisadores põem em destaque as exclusões de sentidos
mobilizadas pela exigência de uma BNCC, entendida como uma crença na superação
do que seria supostamente uma anomia curricular no Brasil. Tal discurso mobiliza uma
garantia de ordem, isto é, de se ensinar tudo aquilo que se considera necessário que
os alunos aprendam, atualizando a significação do currículo, do trabalho docente e da
escola na linha accountability (Pereira; Costa; Cunha, 2015). Conforme ressaltam os
citados autores, os resultados de testes padronizados dizem respeito à (in) capacidade
da escola, contexto este em que os professores deverão ser (mais) avaliados em função
de expectativas de resultados e de metas que se tornam cada vez mais inexoráveis.
Para o MEC uma Base é imprescindível3:
A necessidade de criação de uma Base Nacional Comum aparece na nossa Constituição
Federal, de 1988, no Art. 210. Anos depois, ela também é prescrita na Lei de Diretrizes
e Bases da Educa ção Nacional (LDBEN), em seu artigo 26. Nas Diretrizes Curriculares
Nacionais (DCNs) é que a Base é efetivamente detalhada. E é a partir das DCNs que todo
o processo atual de construção da BNC se inspira e se organiza. Mais recentemente a
necessidade da BNC foi evidenciada ainda em outros documentos significativos para a
Educação, frutos de discussões de todos os setores da sociedade. Ela está indicada nas
Conferências Nacionais de Educação e também no Plano Nacio nal de Educação (PNE). O
PNE estabelece, em diversas estratégias, a construção de uma proposta de Direitos e
Objetivos de Aprendizagem e Desenvolvimento, coordenada pelo MEC, e que deve
ser encaminhada, até junho de 2016, para o Conselho Nacional de Educação (CNE). O
atendimento a essas determinações legais – Constituição, LDBEN, DCNs, CONAE e PNE
- terá como efeito a produção de uma referência de currículo que articule os esforços
existentes nos estados, no Distrito Federal e em muitos municípios na produção de seus
documentos curriculares.

3 Ibidem.

54 RIBEIRO, WILLIAM; CRAVEIRO, CLARISSA. Precisamos de uma Base Nacional...


No entanto, o que permanece oculto nesta linha do tempo são as vozes dissonantes
e as contradições da política, conforme destaca Macedo (2015). A mencionada
autora lembra que, no contexto de produção dos PCNs, Fernando Henrique Cardoso
(FHC) tinha a intenção de tornar os parâmetros a Base, o que não teve a aprovação
do Conselho Nacional da Educação. Apesar de uma regulação indireta, eles foram
produzidos como não obrigatórios. Ou seja, alternativas às interpretações da legislação
são possíveis.
Por sua vez, algumas articulações políticas ligadas à educação, como o Movimento
pela Base Nacional Comum4, têm atribuído ênfase na legitimação de um “currículo
nacional”, um documento de qualidade, baseadas em estudos de casos “bem
sucedidos”:
O Movimento pela Base Nacional Comum é um grupo não governamental de profissionais
da educação que desde 2013 atua para facilitar a construção de uma Base de qualidade.
O grupo promove debates, produz estudos e pesquisas com gestores, professores e
alunos e investiga casos de sucesso em vários países.

Pesquisadores como Alves (2014), Lopes (2015), Macedo (2014, 2015), Marchelli
(2014), Süssekind (2014), dentre outros, salientam que não se trata de uma discussão
nova no país, mas tem sido impulsionada a partir da publicação do PNE (2014-
2024), o qual estabelece como Plano Nacional as metas e as estratégias para a
educação (Brasil, 2014). Nesse contexto, há uma ênfase na interpretação de que
a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é um instrumento indispensável para a
qualidade e para o cumprimento do referido plano. Nessa discussão, Craveiro (2014a,
2014b) problematiza a referida e a reiterada tentativa de padronização curricular,
argumentando que alguns discursos hegemônicos têm sido defendidos desde os
anos 1990 e mantidos nas proposições da BNCC.
Tendo como referência estudos do currículo no Brasil (Lopes; Macedo, 2011),
salientamos que os sentidos produzidos nos contextos dos governos de Fernando
Henrique Cardoso, Luis Inácio Lula da Silva e da presidenta Dilma Rousseff convivem
com diferentes discursos que são reinterpretados ao mesmo tempo em que recriam
novas remobilizações culturais. No entanto, os aspectos relacionados à BNCC
recontextualizam esses três contextos, sendo necessariamente reiterados em um
novo contexto (Michel Temer) no qual a Base se encontra “sob nova direção” (Freitas,
2016), tendo como uma das principais mudanças, já anunciadas pela terceira versão,
um documento estruturado por competências5.
Em tal configuração, enfatizamos que determinados sentidos de formação docente e
de currículo que vinham sendo naturalizados, tendem a manter as projeções, porém
alicerçadas agora em uma perspectiva de competências a priori para adequação dos
4 Cf. http://movimentopelabase.org.br/
5 Cf. http://movimentopelabase.org.br/

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 51-69, fev. 2017 a mai. 2017. 55
alunos, a qual possivelmente intensifica a “cultura da testagem” que ignora o campo
do currículo como produção acadêmica (Miller, 2014). Pesquisadores do campo
do currículo como Lopes (2015) e Macedo (2014) mencionam que nesse cenário
político determinados sentidos hegemônicos de formação de professores atravessam
a discussão em defesa de uma base curricular no Brasil, hoje, com um avanço mais
notado do conservadorismo nas políticas curriculares6.
No que se refere à produção de um documento curricular centralizador, levantamos
as seguintes questões: ele é necessário? Precisamos de uma BNCC? Trata-se de algo
indispensável para se atingir a qualidade educacional? Estamos realmente discutindo
uma demanda educacional indispensável? Com tais questões destacadas, organizamos
este texto: em um primeiro momento, destacando o quadro teórico que tem nos
permitido analisar as tensões e as questões elaboradas. A seguir, nos detemos em
alguns dos sentidos a respeito da Base. Posteriormente, excessiva ênfase no contexto
de influência, não se distanciando em alguns aspectos da abordagem estadocêntrica
que desejava superar. Desta forma, apesar de valorizar uma maior complexidade do
jogo político, Ball não supera a separação entre proposta e implementação, tendendo
a atribuir ênfases ao contexto de influência como “início” da política (Oliveira;
Lopes, 2011), o que acaba recaindo sobre o contexto da prática a possibilidade
de mudança (Craveiro, 2014b). Ora, isso contradiz a perspectiva de ciclo, já que o
mesmo não poderia apresentar nem início e nem fim. As autoras anteriormente citadas
também salientam a ausência de explicação nos ciclos de política de como ocorrem
predominâncias de interpretação nos documentos curriculares, deixando lacunas
no que tange ao processo em que as lutas se dão. Embasado por Michel Foucault,
Ball entende que os discursos são construídos continuamente, são incontroláveis e
não se limitam a materialidade do texto. Porém, o sociólogo mantém uma separação
questionável, hierarquizando termos e contextos; não compreendendo que não há
nada fora do jogo discursivo, algo relevante no trabalho de Ernesto Laclau. A Teoria
do Discurso pode então aprofundar a interpretação do ciclo de políticas, uma vez
que faltam em Ball categorias que possam dar conta dos processos articulatórios
que se inserem na definição das políticas em ciclos contínuos (Lopes; Macedo, 2011;
Oliveira; Lopes, 2011).
A Teoria do Discurso tem sido apropriada no campo do currículo como uma ferramenta
relevante de análise na medida em que permite novas formas de investigação frente
à complexidade dos contextos multiculturais, abrindo o enfoque para o entendimento
das articulações que garantem a constituição de um discurso (Laclau; Mouffe, 2015;
Laclau, 2013), como visto, aspecto este não explorado por Ball. Segundo Mendonça
e Rodrigues (2008), a teoria do discurso é inaugurada por Laclau e Mouffe na obra
Hegemony and socialist strategy: towards a radical democratic politics, publicada em
1985. Enfatizam os autores citados tratar-se de uma ferramenta de compreensão do

6 Cf. dossiê temático: http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistateias/issue/view/1347

56 RIBEIRO, WILLIAM; CRAVEIRO, CLARISSA. Precisamos de uma Base Nacional...


social, cuja centralidade é o discurso e o poder, os quais se desdobram em noções
relevantes como articulação, hegemonia, antagonismo, lógicas da diferença e da
equivalência, dentre outras. Nessa perspectiva, não há práticas que não sejam
discursivas e vice-versa, entendendo que
discurso não é apenas linguagem, envolve ações e instituições, sendo o funcionamento
do social compreendido como uma linguagem. Dessa forma, a teoria do discurso visa
não separar a linguagem (retórica), o indivíduo (sua psique) e o político (a sociedade e o
social). (Lopes e Macedo, 2011, p. 10)

Conforme salienta Lopes (2015), não se trata de negar a materialidade, mas que tudo
é envolvido em uma dimensão do discurso, como dito não é apenas linguagem, mas
uma prática social. Nesse entendimento, o contexto não é um dado a priori, mas ele
mesmo produzido discursivamente. Assim, não há entendimento da realidade que
não demande uma passagem pelo discurso, pelo sentido, pela inserção de fatos
físicos, sejam eles humanos ou naturais, em sistemas de significação que situem e
hierarquizam esses fatos no mundo e participem da disputa pela significação (Burity,
2008; Giacaglia, 2006).
Portanto, com base nos autores que compõem o quadro teórico-metodológico, cultura
não é um “repertório de significados já dados por grupos distintos” (Lopes; Macedo,
2011), mas complexos “fluxos culturais” (Appadurai, 2004), ou seja, são práticas de
significação (Ribeiro, 2016), por meio das quais ocorre a hibridização, intensificadas
no contexto atual7, o que nos conduz ao currículo como espaço-tempo de fronteiras
(Macedo, 2006a, 2006b, 2009). Currículo é também uma política cultural, uma vez
que a política, com base nesta abordagem, é entendida como disputas entre discursos
em busca do poder de fixar um sentido. Assim, cultura e política estão imbricadas,
uma vez que a política ocorre neste entre-lugar ambivalente da negociação que é a
remobilização de sentidos (Bhabha, 1998). Trata-se sempre de uma negociação com
a alteridade de si, o que jamais estará dado (Derrida, 2011). Para o filósofo, não há
relação necessária entre significante e significado, este último é sempre postergado
para a relação circunstancial.
Nessa perspectiva de diálogo com leituras pós-estruturalistas, hegemonia foi
ressignificada por Laclau. Não se trata de um sentido no qual determinada ideologia
se torna comum a um coletivo (Laclau; Mouffe, 2015; Lopes; Macedo, 2011). Um
discurso particular se torna hegemônico no momento em que ocupa o lugar do
universal (Laclau; Mouffe, 2015; Laclau, 2013; Mendonça; Rodrigues, 2008). Para
que isso ocorra são necessárias “articulações”, entendidas “como uma prática que
estabelece um tipo de relações entre elementos que faz com que a identidade dos
mesmos se modifique como resultado da prática articulatória” (Giacaglia, 2006, p.
7 Estamos nos referindo a questões ligadas a intensificação dos fluxos culturais através de novos arranjos na
comunicação, gerados pelas novas tecnologias e por movimentos de imigração no processo atual da globalização.
Mais detalhes são discutidos por Appadurai (2004).

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 51-69, fev. 2017 a mai. 2017. 57
106). Nesse sentido, frente ao discurso que se torna hegemônico, haverá outros
discursos que podem, a despeito das diferenças entre si, configurarem uma cadeia
de equivalências, unidos pelo antagonismo.

Com relação à necessidade...

Na atual seção do trabalho, reunimos argumentos que julgamos pertinentes em


relação à problemática de uma referência curricular nacional. Com isso, pretendemos
destacar uma questão que não tem sido posta com frequência: a necessidade da
BNCC. No que tange à perspectiva centralizadora, formação docente, currículo e
avaliação se articulam ao discurso de uma unidade nacional imaginada (Appadurai,
2004), o que configura necessariamente um processo de exclusão. Nesse sentido,
temos interesse em compreender os possíveis efeitos que tais políticas curriculares
produzem como centralização curricular neste jogo político.
Levado em considerando o exposto, um dos problemas diz respeito ao que se entende
por uma BNCC. Alves (2014) ressalta que seria preciso muita discussão para que
se tenha um mínimo acordo. Com relação aos sentidos, Macedo (2014) destaca os
que têm circulado nas redes políticas: “conteúdos” (poderosos e/ ou socialmente
elaborados); “direitos de aprendizagem”; “expectativas de aprendizagem”; “padrões
de avaliação”. E infere a autora que tais sentidos se articulam discursivamente,
transformando objetivos em padrões e padrões em objetivos, produzindo uma nova
forma de sociabilidade na qual está em jogo uma maneira de regulação que se dá por
intermédio da avaliação, buscando expulsar o imponderável que constitui o processo
educativo. Em 2015, a referida pesquisadora publica um artigo em que salienta, neste
jogo, sentidos de educação que articulam direito público subjetivo e bem privado
(performance medida pelo Estado), o que produz uma compreensão normativa de
currículo, a partir da qual procura-se ignorar a imprevisibilidade do “chão da escola”
(Macedo, 2015). Miller (2014), no contexto estadunidense, denomina a política
em questão de “cultura da testagem”, isto é, conforme realçado em seção anterior,
trata-se de uma retomada do tecnicismo, a partir de novas bases ou articulações
contemporâneas. Conforme anuncia o Movimento pela Base, a BNCC terá como
principal mudança na terceira versão a organização por competências.
Com efeito, empenhar-se no desenvolvimento de uma referência curricular é também
construir uma perspectiva tendo como eixo organizador a ideia de “nação” (todos
no um da nação), seja ela física (territorial) e/ ou simbólica. Bhabha (1998) oferece
possibilidades de desconstrução deste discurso, ajudando-nos a compreender que
não há tentativa de fixação que não passe pela hibridização. Trata-se de um processo
ambivalente que se dá sempre nos interstícios da enunciação, mediante negociação

58 RIBEIRO, WILLIAM; CRAVEIRO, CLARISSA. Precisamos de uma Base Nacional...


constante de sentidos com a alteridade. Ou seja, tais processos de construção do
nacional não estão dados ou elaborados a priori, são também efeitos de relações de
poder. Deste modo, Bhabha se opõe a quaisquer inversões simples de polaridades
identitárias, ou seja, binarismos essencialistas, a partir dos quais centralizaríamos
uma agenda. Os sentidos de nação são sempre articulados reiteradamente mediante
o processo discursivo, apesar de eles costumarem ser ansiosamente sustentados
na “lápide fixa das tradições”. De outro modo, ao invés de reproduzirmos a lógica
enclausurada e binarista que perfaz comumente a economia política, o pesquisador
propõe atentarmos para um tempo revisionário, isto é, para o entre-lugar da
negociação discursiva que constitui a subjetividade, o que torna problemática a
referência a um sentido único e autossuficiente de nação. Em termos laclaunianos,
diferentes sentidos do nacional são objetos de luta pela hegemonia. Na Teoria do
Discurso, como vimos, o que se configura hegemônico ocorre quando um sentido
particular (no caso, do nacional) ocupa o lugar impossível da totalidade, gerando
antagonismos, os quais seriam outros discursos particulares prejudicados de alguma
forma nesta configuração.
Deste modo, ao considerar tais embasamentos teóricos, uma base curricular nacional
como objeto pronto é, portanto, impossível. Um currículo nacional será sempre
resultado de uma operação de poder em que outros sentidos “do nacional” imaginados,
e com isso outras demandas em nome deste significante se fragilizam; mas também
podem, apesar das diferenças, gerar equivalências frente ao discurso hegemônico.
Entendendo o currículo como uma prática de significação, como cultura, reafirmamos
que uma base nacional subestima a interação social e a diferença, inclusive ignorando
a multiplicidade de demandas.
Sendo assim, afirmar que “a parte diferenciada” do currículo dará conta das questões
locais é uma grande falácia, já que todo o currículo se localiza pela enunciação.
Portanto, trata-se de uma estratégia de deslocar a diferença para a margem, como
bem destacou Macedo (2009) em outro momento a respeito dos temas transversais.
Além disso, consideremos as regulações por meio das avaliações em larga escala, a
partir das quais “o mínimo se torna o máximo” (Pereira e Oliveira, 2014). No contexto
da prática, os sentidos são remobilizados, hibridizados, não havendo possibilidade
de previsão e/ ou cálculo a não ser por um processo ilusório e um ato de poder que
culpabiliza, em uma abordagem dual, a implementação. A consulta pública é deste
modo uma estratégia de legitimação. A partir dela, se ganha adesão, configurando
um discurso de respeito à participação e à diversidade.
Lopes (2015) argumenta que não há fundamento absoluto, científico ou não, para a de
centralização é arbitrariamente definida, dependente de uma série múltipla de leituras,
pois os contextos também não são espaços dados com fronteiras definidas, existentes
no mundo, mas construções discursivas no/ do mundo. As perguntas “comum e
essencial, para quem?” e “direitos de ensino e aprendizagem, para quem?” (Macedo,

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 51-69, fev. 2017 a mai. 2017. 59
2015) se fazem, portanto, pertinentes. O que é visto supostamente como “comum”
e/ ou “essencial” é sempre uma produção-exclusão no campo da discursividade.
Há sempre algo que ficará “de fora”, um exterior constitutivo (como as questões
relativas à valorização do magistério). Conforme Lopes (op. cit.): “a produção de
centros e contextos da política (de currículo) depende de atos de poder, constitui –
e é constituída por – certos discursos (pedagógicos)” (p. 447). Em suma, definir um
“comum nacional” é uma forma de regulação e de controle da diferença.
Identificamos no atual governo um cenário de reformas autoritárias e de investimentos
midiáticos que têm buscado ocultar o binarismo nas políticas (formação para pobres
e para ricos). O que se busca é convencer de que a reforma que estão fazendo é
necessária e de que se está favorecendo a liberdade de escolha. Destacamos ainda
investidas de setores conservadores reacionários na política curricular (Paraíso,
2016), tais como o movimento Escola sem Partido (ESP), os quais vêm produzindo
inúmeras medidas para regulação da liberdade de ensino, articulando o silenciamento
do debate de gênero por meio da ideia de que se estaria promovendo ideologias.
Nesse contexto, o argumento que procuramos defender em bases epistemológicas
de matriz pós-estrutural, de que a BNCC é uma investida desnecessária e temerosa,
se renova politicamente, apontando os riscos de uma centralização nacional e o
quanto o discurso “de que padronizar é democratizar o ensino” pode ser favorável
a determinados grupos.
Portanto, questionamos a respeito da necessidade da base, isto é, não apenas de um
ou outro aspecto do referido documento que poderia, ou não, ser melhorado. Nossa
questão antecede a esta, a saber: por que motivo investir recursos financeiros tão
volumosos para produção de mais uma proposta curricular? Qual é a necessidade
de uma base? Garantia de qualidade para educação? Como?
Segundo Alves (2014), na opinião da maioria dos que estudam currículo no Brasil
é de que não precisamos de base curricular nacional. Ela realça e retoma alguns
dos motivos já informados anteriormente: trata-se de uma importação de modelos
que desconsidera os contextos e singularidades; tem como enfoque um referencial
questionável de escola igual para todos; não atende aos questionamentos dos
antagonismos que vem sendo gerados ao longo do tempo em termos de políticas
setoriais, tais como as referentes à educação infantil, educação quilombola, educação
indígena e outras. A autora problematiza ainda a ilusória interpretação de que tudo
será resolvido a partir de uma BNCC e reforça a necessidade de atribuirmos ênfase
a outras metas e estratégias do novo PNE, tal como a meta 18, a qual se refere aos
planos de carreira e salarial do magistério, afinal de contas, provoca a pesquisadora,
serão os docentes os culpabilizados pelos supostos fracassos.
Com relação à subjetividade docente, Süssekind (2014) enfatiza, com base em William
Pinar, que um dos principais efeitos desta centralização curricular é a demonização
do professor, uma vez que as expectativas traçadas em torno deste documento

60 RIBEIRO, WILLIAM; CRAVEIRO, CLARISSA. Precisamos de uma Base Nacional...


são impossíveis de se concretizar de maneira homogeneizada. Em perspectiva esta
questionável, o currículo é compreendido como um objeto, uma arma, para mudar
as mazelas da sociedade, criando uma expectativa-projeção salvacionista. Processos
são tratados assim como objeto, servindo aos anseios da mercantilização em um
cenário de reformas neoliberais.
Sobre anseios de mercado, há outras considerações a serem feitas. Através de uma
análise das redes, Macedo (2014) identifica uma interferência privada nos setores
educacionais públicos. Nesse sentido, as parcerias entre público e o privado diluem
fronteiras, antes, talvez, mais perceptíveis. Novas formas de governamentalidade são
enfatizadas e criadas, enfatiza a autora, sobretudo com a tentativa de se retirar da
educação o imponderável que lhe constitui. A ênfase recai sobre uma perspectiva de
ensino na qual o currículo é apenas um objeto, excluindo as mediações dos atores que
o produz. No referido estudo, a pesquisadora ressalta ainda que uma base curricular
serve aos propósitos de controle que no limite reduz as possibilidades da educação
acontecer, já que tal processo depende de um trabalho com a singularidade, com o
incontrolável, com as incertezas, com as subjetividades.
Apesar das considerações dos pesquisadores em currículo e dos debates elaborados
anteriormente, por intermédio de sentidos de formação hegemônicos no Brasil,
podemos inferir que a defesa da BNCC vem sendo gestada há décadas por meio de
estratégias e naturalização de discursos que defendem que é imprescindível para
o professor uma seleção de saberes e conhecimentos significativos, a utilização de
metodologias inovadoras e um desempenho competente (Brasil, 2013). Nesse sentido,
perpetua-se uma abordagem cindida entre quem pensa, quem administra e quem
executa o currículo, estes últimos sendo os culpabilizados no percurso, quando é a
própria “lógica” o problema.

Sentidos de Formação de Professores

Nesta seção, partindo das discussões sobre a formação de professores em


Craveiro (2014a, 2014b), destacamos alguns comentários a respeito da meta e
estratégia 15 do Plano Nacional de Educação (PNE) finalizado em 2014, que articula
a necessidade da base comum nacional como forma de garantir a qualidade da
educação.
A modulação e flutuação dos discursos defendidos por meio dos documentos
produzidos nos contextos políticos dos governos Fernando Henrique Cardoso (FHC),
Lula da Silva (Lula) e Dilma Rousseff (Dilma) buscaram fixar alguns paradigmas que
associavam a “qualidade” e/ ou mudança na educação oportunizada pela competência

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 51-69, fev. 2017 a mai. 2017. 61
eficiente dos professores na sala de aula e assegurada também por uma formação
“competente”. Dessa maneira, foram sendo hegemonizados determinados discursos
que padronizavam o “professor competente”. Nesse sentido, o discurso na BNCC
pautado pela meta e estratégia 15 do PNE traz aspectos já defendidos nos contextos
FHC, Lula e Dilma. Tais demandas, de certa forma, hegemonizadas no contexto
pedagógico como o das competências, atribuem importância à aquisição e ao
domínio de determinados conteúdos por parte de professores o que “garantirá” um
aprendizado competente por parte dos alunos, a necessidade de avaliações e índices
para aferir a proficiência. Todavia, essa aproximação de sentidos apenas aborda as
cadeias articulatórias dos três contextos, aproximando as fronteiras dos seus projetos
políticos.
No extenso período dos contextos FHC, Lula e Dilma, o discurso hegemônico da
aquisição de conteúdos, significado por diversas maneiras, não tem sido capaz de
trazer a tão almejada qualidade da educação. Craveiro (2014a, 2014b) defende que
os discursos dos contextos FHC e Lula aproximam-se por meio das demandas das
avaliações, dos padrões internacionais e dos índices de qualidade para a formação
docente. O discurso que legitima as avaliações institucionais externas para sinalizar
para a sociedade como a escola, ou melhor, como a Educação Básica está e também
para certificar a formação profissional dos professores apresenta o respaldo de
organismos como Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE), Fundo Monetário Internacional (FMI) e UNESCO. No contexto Dilma, esse
respaldo quanto à certificação também é legitimado por parceiros privados como
Instituto Natura, Fundação Lemann, parceiros herdeiros do banco Itaú, conforme
Macedo (2014) destaca nos discursos em defesa da base comum nacional.
O discurso da meta 15 do PNE busca garantir “que todos os professores e as
professoras da educação básica possuam formação específica de nível superior, obtida
em curso de licenciatura na área de conhecimento em que atuam”. Até aqui, corrobora
com a formação de nível superior proposta na LDBEN 9394/96, todavia, em suas
estratégias 15.6 e 15.7 o foco do discurso destaca que os currículos da educação
básica “configurarão a base nacional comum curricular do ensino fundamental”
(cf. estratégia 2) e também “objetivos de aprendizagem e desenvolvimento que
configurarão a base nacional comum curricular do ensino médio” (cf. estratégia 3).
Compreendemos que tais discursos podem ser significados como um fechamento
provisório8, hegemônico, em defesa dos conteúdos já mencionados desde os
diferentes contextos políticos. Tais articulações fazem com que esses contextos (FHC,
Lula e Dilma) se aproximem e até diminuam a fronteira antagônica entre os mesmos
(Craveiro, 2014a). Todavia, buscamos entender as modificações e articulações de
sentidos do projeto social Dilma, pois, aparentemente, aproxima-se mais do contexto
FHC do que do contexto Lula uma vez que explicita a necessidade de conteúdos e

8 Cf. Laclau (2013).

62 RIBEIRO, WILLIAM; CRAVEIRO, CLARISSA. Precisamos de uma Base Nacional...


avaliações em alguns de seus discursos e propõe uma “nova arquitetura de regulação”
(p.1549).
Destacamos que o PNE (2014) no que diz respeito “a área do saber e didática
específica” aproxima-se mais do discurso defendido no contexto FHC que do discurso
do contexto Lula9 como “um dos grandes desafios da formação de professores é a
constituição de competências comuns aos professores da Educação Básica e ao
mesmo tempo o atendimento às especificidades do trabalho educativo” (Brasil, CNE/
CP 3/2006, p.8).
O discurso do contexto Lula busca potencializar a atuação do professor da Educação
Básica, apresentando outros campos de desenvolvimento como a gestão, os
movimentos culturais da comunidade, o desenvolvimento com estudos e pesquisas
de natureza teórico-investigativa da educação e da docência (Brasil, CNE/CP 3/2006,
p.2) e, dessa maneira, conforme defende, “resgatar a identidade profissional do
Magistério” (Brasil, CNE/CP 3/2006, p.3).
A meta 15.7 do PNE (2014), que traz à discussão questões atreladas à avaliação, dá
margem a aproximações dos discursos do contexto FHC. Nesse sentido, a avaliação
é significada como garantidora de um diagnóstico importante para a enunciação das
mudanças necessárias à formação e profissionalização docente. É também considerada
como um momento privilegiado para rever a teoria e a estrutura curricular e tem como
finalidade última a redução da repetência e evasão dos alunos. A avaliação é,
portanto, associada a um componente que auxiliará o desenvolvimento
cultural, uma adequação às novas necessidades do mundo globalizado,
o canal que faz um diagnóstico da formação dos professores, significando uma
possibilidade de formação ‘mais qualificada’ que poderá potencializar um maior
aprendizado dos alunos. A avaliação periódica ganha força e compreende uma das
frentes capaz de garantir a defesa da possibilidade de melhorar as informações acerca
do conhecimento apreendido pelos futuros professores e pelos alunos da Educação
Básica, o meio de garantir a aquisição de conteúdos, sob o discurso de ‘investimento’
(cf. Brasil, DCN 009, 2001).
É considerado que deve haver um ‘investimento’ proporcionado pelas instâncias
responsáveis pela formação nacional dos professores, um investimento para a
sociedade que busca a melhoria de conhecimento dos alunos que estão nas escolas,
um investimento por parte dos professores que proporcionará uma melhor aferição
do seu conhecimento profissional e possibilidades de suprir as deficiências nesse
campo, quando necessárias, por meio de programas de formação continuada. Esses
sentidos da formação como investimento flutuam ao longo do discurso em defesa
da avaliação.
O movimento de pensar a avaliação como possibilidade de aferição de conhecimentos

9 Retomamos que essas considerações tem por base a análise de Craveiro (2014a).

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 51-69, fev. 2017 a mai. 2017. 63
adquiridos por parte dos professores e/ ou por parte dos alunos repercute na forma
com que os professores lidam com os conteúdos, bem como na sua aquisição e
desenho da matriz curricular. É recorrente a defesa do princípio metodológico de
ação-reflexão-ação e resolução de situações-problema, pois o “desenvolvimento de
competências pede uma outra organização do percurso de aprendizagem, no qual
o exercício das práticas profissionais e da reflexão sistemática sobre elas ocupa um
lugar central” (Brasil, DCN 009, 2001, p.19).
No que diz respeito às funções de “avaliação, regulação e supervisão da educação
superior”, o PNE (2014) aproxima-se dos discursos defendidos nos contextos FHC e
Lula em aspectos que as cadeias discursivas mais se aproximam do que se afastam
nos seguintes sentidos: quanto à necessidade de avaliações institucionais; quanto ao
entendimento do processo avaliativo como experiência vivenciada e da autoavaliação
profissional como parte do processo de aprendizagem e quanto aos padrões e índices
internacionais para as avaliações nacionais.
O discurso analisado do contexto Lula apresenta textos em que se justifica o
investimento na educação através de programas voltados para maior qualificação nas
licenciaturas a partir de índices nacionais e internacionais. A aprendizagem dos alunos
é comparada aos índices dos países da Organização para a (OCDE) e os relatórios
apresentados têm por base dados do (FMI), Base de dados mundial de economia
(2008), Relatório de Desenvolvimento Humano 2008/2009 do Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento, compilado com base em dados de 2006, Relatório
de Monitoramento Global do EPT, UNESCO. Desse estudo, conforme as análises
de Craveiro, partem as avaliações como SAEB (Sistema de Avaliação da Educação
Básica), Prova Brasil (Avaliação Nacional do Rendimento Escolar) e ENEM (Exame
Nacional do Ensino Médio), bem como a formação de professores por meio dos IFET
(Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia), Universidade Aberta do Brasil
(ou UAB – é um articulador entre governo federal e entes federativos que apoia
universidades públicas a oferecere cursos de nível superior e pós-graduação por meio
da modalidade da Educação à Distância) e Programa REUNI (Programa de Apoio a
Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais).
Os sentidos de avaliação dos contextos FHC e Lula são incorporados e
recontextualizados aos discursos do contexto Dilma retomando a necessidade de
garantir a eficácia das propostas por meio da aferição de conteúdos. Esse discurso
subsidiará a defesa pela necessidade da BNCC, ganhando possivelmente a ênfase
em Temer.

64 RIBEIRO, WILLIAM; CRAVEIRO, CLARISSA. Precisamos de uma Base Nacional...


Uma pausa no caminho...

Ao longo deste trabalho, procuramos discutir a respeito dos sentidos de


centralização hegemônica que se articulam na defesa de uma construção de uma base
nacional comum curricular, cujos efeitos incidem sobre o currículo, sobre a avaliação
e sobre a identificação docente. Procuramos fazê-lo através da desestabilização de
alguns de seus alicerces, destacando o viés da regulação e do controle. O que está
em jogo quando centralizamos sentidos como nacional? Como definir o comum, o
essencial e o que isto significa? Direitos de aprendizagem, para quem? A qualidade
será garantida por intermédio de mais uma padronização? Questões como estas
perfazem nossas inquietações. Mas, cairíamos em contradição caso afirmássemos
que há respostas definitivas, pois em nosso entendimento, apesar dos fechamentos
provisórios, é a condição de abertura que permite o jogo político. O que não impede
o destaque para alguns aspectos que podem ser considerados na análise.
Deste modo, consideramos relevante trazer à baila os sentidos que têm se tornado
hegemônicos no cenário nacional em diversos contextos políticos, aos quais tem
conferido ao docente a exigência de competências e habilidades – e agora também
possivelmente aos alunos - em uma perspectiva salvacionista da escola em relação
às mazelas sociais. Diante de tal configuração, a avaliação centralizadora torna-se um
instrumento imprescindível para a regulação da operação curricular vigente. Currículo
se articula aqui como uma arma transformadora e salvacionista, currículo como um
documento, como um objeto, uma mercadoria. Destacamos, em contrapartida,
que currículo, em nosso entendimento, é uma prática de enunciação que se dá na
interação entre os sujeitos, entre professores, alunos e saberes. A ação educativa não
está exime da multiplicidade por mais que se tente ocultá-las pela Torre de Babel.
Considerando o exposto, a pretensão de objetividade é ilusória, se faz por internédio
de uma tentativa (impossível) de impedir novas leituras. Tal impossibilidade recai sobre
docentes e alunos, uma vez que eles serão os cobrados por não corresponderem às
expectativas propostas. A respeito da qualidade, pensamos que outros debates podem
explicitar melhor a questão. Por exemplo, reafirmamos também antigas discussões
promovidas pelos movimentos dos profissionais da educação que tomavam como
Base não uma BNCC, mas a relevância dos planos de carreira do professor, a questão
salarial, as condições de trabalho na escola, dentre outros elementos que não vem
tendo o mesmo destaque que “o currículo messiânico” investido de necessidade
e de respeito a direitos. Já há diretrizes curriculares e as tradições disciplinares de
cada área, o que é suficiente para a negociação de saberes nas redes, tornando
qualquer base curricular uma medida desnecessária, mas nem por isso menos isenta
de discussão. No âmbito pós-estrutural de pensar o currículo talvez seja pertinente
debater a questão do conhecimento e/ ou como nos inserimos em projetos sem
silenciar e oprimir, sem tentar impedir o novo, sem desejar conter a criação.

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 51-69, fev. 2017 a mai. 2017. 65
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68 RIBEIRO, WILLIAM; CRAVEIRO, CLARISSA. Precisamos de uma Base Nacional...


Recebido em fevereiro de 2016
Aprovado em junho de 2017

William de Goes Ribeiro é bolsista PDJ com apoio do CNPq, doutor em educação pelo
PPGE – UFRJ e participa do grupo de pesquisa Currículo, Subjetividade e Diferença
(Proped- Uerj), coordenado por Elizabeth Macedo. Professor Adjunto da Universidade
Federal Fluminense (UFF) onde é integrante do Grupo de Pesquisas Curriculares (GPeC)
do Instituto de Educação de Angra dos Reis (IEAR), coordenado por Clarissa Craveiro.
E-mail: wgribeiro@id.uff.br.

Clarissa Bastos Craveiro é bolsista PDJ com apoio do CNPq, doutora pelo Proped-
Uerj e participa do grupo de pesquisa Políticas de Currículo e cultura (Proped-Uerj),
coordenado por Alice Casimiro Lopes. Professora adjunta da Universidade Federal
Fluminense (UFF) onde coordena o projeto Identificação docente nas políticas
curriculares para formação de professores. E-mail: clarissacraveiro@id.uff.br

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 51-69, fev. 2017 a mai. 2017. 69
Aportes para análise das políticas de ações
afirmativas na UFRGS

Gregório Durlo Grisa


Jaime José Zitkoski
Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Resumo
O artigo desenvolve a categoria Cultura do Reconhecimento como aporte
teórico para analisar as transformações produzidas pelas ações afirmativas nas
universidades brasileiras. Realizaram-se revisão bibliográfica e observações
participantes na UFRGS. O trabalho se apoia na noção de habitus de Pierre
Bourdieu, na teoria do reconhecimento de Axel Honneth e na produção de Nancy
Fraser acerca da paridade participativa. As ações afirmativas podem promover
uma cultura do reconhecimento nas instituições? Conclui-se que foram dados
os primeiros passos para a materialização da cultura do reconhecimento e, por
outro lado, propõe-se um conjunto de ações para desenvolvê-la de forma mais
plena.

Palavras chaves: ações afirmativas. Cultura do reconhecimento. Democratização.


Paridade participativa.

70 GRISA, GREGÓRIO; ZITKOSKI, JAIME.. Aportes para análise das políticas...


Contributions to examine the policies of affirmative
action in UFRGS

Abstract
The article develops the Recognition of Culture category as theoretical framework to
analyze the changes produced by affirmative action in Brazilian universities. There
were literature review and participant observations UFRGS. The work is based on
the notion of habitus of Pierre Bourdieu, in theory recognition of Axel Honneth
and Nancy Fraser over production of participatory parity. Can affirmative action
promote a culture of recognition at institutions? The conclusions point out that the
first steps towards materializing a culture of recognition were taken and, at the
same time, proposes a set of actions to develop it in a more comprehensive manner.

Keywords: affirmative action. Recognition of the culture. Democratization.


Participatory parity.

Aportes para analizar las políticas de acción


afirmativa UFRGS

Resumen
Este artículo desarrolla la categoría Cultura del Reconocimiento como aporte
teórico para analizar las transformaciones producidas por las acciones afirmativas
en las universidades brasileñas. Se realizaron actividades como revisión bibliográfica
y observaciones participantes en la UFRGS. El trabajo se apoya en la noción de
habitus de Pierre Bourdieu, en la teoría del reconocimiento de Axel Honneth y en
la producción de Nancy Fraser acerca de la paridad participativa. ¿Las acciones
afirmativas pueden promover una cultura del reconocimiento en las instituciones?
Concluimos que los primeros pasos ya fueron dados para materializar la cultura del
reconocimiento y que, por otra parte, también ha sido planteado un conjunto de
acciones para desarrollarla plenamente.

Palabras clave: Acciones afirmativas. Cultura del reconocimiento. Democratización.


Paridad participativa.

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 70-87, fev. 2017 a mai. 2017. 71
Apports pour analyser les politiques de
discrimination positive à IUFRGS

Resumé
Cet article présente une analyse des changements produits par les actions de
discrimination positive dans les universités brésiliennes, en ayant comme apport
théorique la catégorie de la Culture de la Reconnaissance. On a réalisé des révisions
bibliographiques, ainsi que des observations participantes à l’UFRGS. Le travail se
base sur la notion d'habitus de Pierre Bourdieu, sur la théorie de la reconnaissance
d'Axel Honneth et sur les écrits de Nancy Fraser à propos de la "parité de
participation". Les actions de discrimination positive peuvent-elles promouvoir une
reconnaissance de la culture dans les institutions? On conclut que les premiers pas
ont déjà été faits vers la matérialisation de la culture de la reconnaissance, et on
propose, par ailleurs, un ensemble d'actions pour la développer pleinement.

Mots-clés: Discrimination positive. Culture de la reconnaissance. Démocratisation.


Parité de participation.

Introdução

Cultura e reconhecimento, o que querem dizer esses termos enquanto


possibilidades teóricas? E o que pode ser criado e desenvolvido na conjugação
desses conceitos? A relação aqui proposta tem potencial para nos oferecer um tipo
ideal (Weber, 2006) para um modus operandi institucional?
Apresente reflexão tem o intuito de conceber a categoria Cultura do Reconhecimento
como um corpo de sentido único e relacional, todavia, iremos pensar primeiramente
sobre cada um dos pólos da categoria a fim demostrar maior precisão teórica sobre
o que concebemos por cultura e por reconhecimento.
Em um segundo momento, buscamos articular esses conceitos com as políticas de
ações afirmativas nas universidades,mais especificamente na UFRGS, para dar corpo a
uma categoria analítica. Em síntese, esse é percurso da discussão que desenvolvemos.

72 GRISA, GREGÓRIO; ZITKOSKI, JAIME.. Aportes para análise das políticas...


Qual a concepção de cultura?

A noção de cultura, nas ciências sociais, é bastante polissêmica. Os usos e


conceituações historicamente desenvolvidos na antropologia, na sociologia e na
filosofia têm suas especificidades e trajetórias, histórico esse que muitos autores,
como Eagleton (2003) e Bauman (2000), traçaram com propriedade. O conteúdo
das representações sociais de cultura e sua identificação com grupos sociais em
determinados períodos da história está trabalhado de forma didática também no
livro “A noção de cultura nas ciências sociais”, de Denys Cuche (1999).
Grandes intelectuais se debruçaram sobre o conceito de cultura e o colocaram no
rol das noções chaves para se entender as sociedades humanas. Franz Boas, Émile
Durkhein, Max Weber, Ruth Benedict, Maragaret Mead, Bronislaw Malinowski e
Claude Lévi-Strauss são clássicos da antropologia e da sociologia que influenciam
todo corpo teórico sobre cultura.
Podemos falar em cultura moderna, cultura de massas, culturas populares, cultura
religiosa, cultura política e outras. Interessa-nos aqui tratar da noção de cultura como
um conjunto de práticas sociais, conscientes ou não, pautadas em crenças, valores,
costumes e esquemas interpretativos que se institucionalizam nas sociedades. Mais
precisamente, falamos de uma cultura institucional, que envolve a cultura profissional
(Caria, 2008), pois nosso fenômeno de estudo é a universidade.
A noção de cultura aqui se filia, em aproximação, à tradição sociológica legada por
Pierre Bourdieu em seu conceito de habitus. Segundo o autor, o habitus é um sistema
de disposições, modos de perceber, de sentir, de fazer, de refletir, que nos leva a agir
de determinada forma em uma dada circunstância. Na clássica conceituação:
Os habitus são sistemas de disposições duráveis e transponíveis, estruturas predispostas
a funcionar como estruturas estruturantes, isto é, funcionam como princípios geradores e
organizadores de práticas e de representações que podem ser objetivamente adaptadas
a seu objetivo sem supor que se tenham em mira conscientemente estes fins e o controle
das operações necessárias para obtê-los. (Bourdieu, 1980, p. 88)

O autor entende que o habitus gera uma lógica, uma racionalidade prática, é adquirido
mediante a interação social e, ao mesmo tempo, é o classificador e o organizador desta
interação. É condicionante das nossas ações, mas também condicionado por elas.
Apesar do esforço dialético empreendido por Bourdieu ao desenvolver um conceito
de habitus que designe algo estruturado pelo campo, mas também estruturante do
mesmo, críticas como a de Bernard Lahire (1998) (in: Caria, 2008) apontam que,
no conceito de habitus, pressupõe-se sempre uma prevalência do passado sobre o
presente: a estrutura estruturada prevalece sobre a estruturante, porque o improviso
tende a ser sempre a reprodução de uma relação de forças herdada e atualizada no

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 70-87, fev. 2017 a mai. 2017. 73
presente. Entendemos que o peso conferido à estrutura e aos códigos consolidados
já existentes, dado por Bourdieu, ainda se justifica quando nos deparamos com a
realidade de instituições com sólida tradição como a universidade.
Importante salientar que o conceito de habitus, aqui reivindicado para dar suporte à
noção de cultura, tem suas dimensões individuais e coletivas. Habitus também pode
ser lido como o resultado da experiência biográfica individual, da experiência histórica
coletiva e da interação entre essas experiências. Os agentes sociais, indivíduos ou
grupos, incorporam um habitus gerador (disposições adquiridas pela experiência) que
varia no tempo e no espaço (Cherques, 2006).
Bourdieu aponta que habitus é uma capacidade infinita de gerar produtos-
pensamentos, percepções, expressões e ações cujos limites são definidos pelas
condições históricas e sociais situadas na sua produção. A liberdade condicional
que o habitus fornece é tão distante da criação de novidade imprevisível como é de
simples reprodução mecânica do condicionamento inicial. Ou seja, estamos falando
tanto de uma construção social herdada como de uma autoconstrução constante,
mas que sua regularidade exige tempo para ser tocada, pois pensar em inserir um
elemento no habitus de modo instantâneo é tão ingênuo como crer que os seres
humanos o reproduzem mecanicamente no seu cotidiano.
A cultura de uma instituição tem como base o habitus, esse tem existência em um
campo, que não é um recorte espacial fixo, mas o cenário físico e simbólico em
que o habitus é vivido e as relações de poder ocorrem. Por definição, o campo
tem propriedades universais, isto é, presentes em todos os campos e, também,
características próprias. As propriedades de um campo, além do habitus específico,
são a estrutura, a opinião consensual, as representações aceitas, as leis que o regem
e que regulam a luta pela dominação do campo (Cherques, 2006).
A vida acadêmica tem seu habitus, o meio acadêmico pode ser concebido como um
campo, os pesquisadores (docentes) possuem uma cultura profissional específica.
É nesse ambiente que nosso desafio teórico tem morada. Estamos cientes de que
desenvolver ou não uma cultura do reconhecimento em uma instituição do ponto de
vista objetivo, isto é, transformar em realidade um conjunto de práticas, esperanças
e juízos é bem mais difícil do que engendrar um conceito, mas a reflexão pode ser
semente nesse intento.
Quando estamos inseridos em um campo experimentando seu habitus, temos
grandes dificuldades de compreendê-lo, pois cristalizamos seus valores a ponto de
vislumbrarmos possibilidades restritas de mudanças ou rupturas. Assim como temos
de ter vigilância epistemológica ao fazer uma pesquisa, é importante ficar atento a
esses limites.
O meio acadêmico, como campo particular, tem um conjunto de códigos específicos,
que demandam daqueles que desejam participar do seu meio, uma imersão nesse

74 GRISA, GREGÓRIO; ZITKOSKI, JAIME.. Aportes para análise das políticas...


universo. Como nos ensina Cherques (2006, p. 40) com base em Bourdieu.
O direito de entrada no campo é dado pelo reconhecimento dos seus valores
fundamentais, pelo conhecimento das regras do jogo, isto é, da história do campo e
pela posse do capital específico. Os agentes aceitam os pressupostos cognitivos e
valorativos do campo ao qual pertencem. Cada campo tem um sistema de filtragem
diferente: um agente dominante em um campo pode não o ser em outro. A admissão
no campo requer: a posse de diferentes formas de capital, o cacife (enjeux) na
quantidade e qualidade do que conta na disputa interna e que constitui a finalidade,
o propósito, do jogo específico; e as disposições, inclinações e aprendizados, que
conformam o habitus do campo.
Os agentes no campo, diante da implantação de novas políticas públicas, passam a
conviver com novos elementos nos seu habitus e, no caso das ações afirmativas na
universidade, com novos atores no campo. Ocorre aí uma lenta adaptação que se
vislumbra na relação dialética entre aquilo que o campo e o habitus imputam ao novo
e aquilo que esse traz de diferente.
O campo acadêmico brasileiro criou um habitus com dinâmicas sofisticadas de
inibição, por exemplo,ao discurso sobre o conflito racial. Portanto, o simples convívio
com pessoas negras que, na última década, passou a ser a realidade dos acadêmicos
com as ações afirmativas, já é um fator relevante, visto que as relações pessoais dos
agentes é bastante circundada por relações profissionais.
Essa noção de cultura institucional pautada no habitus e no campo é que embasa a
primeira parte da categoria Cultura do Reconhecimento.

Reconhecimento: as bases do conceito

Reconhecimento é um conceito que ganhou relevo a partir do surgimento de


diferentes formas de conflitos sociais experimentadas na segunda metade do
século XX. Esse tema entrou na agenda do debate público e ganhou atenção de
inúmeros teóricos das ciências humanas, como Charles Taylor, Alain Touraine,
Junger Habermas, Zygmunt Bauman. Relacionam-se com esses debates as clássicas
reflexões de John Rawls sobre justiça e as contribuições dos autores identificados
como pós-colonialistas, como Stuart Hall, Frantz Fanon, Albert Memmi e Edward
Said. Todavia, para desenvolver nosso entendimento sobre reconhecimento, nos
delimitamos a obra Nancy Fraser e de Axel Honnett.
Os conflitos sociais se dão em ambientes socialmente injustos, mas não se originam,
necessariamente, de questões materiais. Ou seja, apesar de patologias sociais surgirem
em contextos de pobreza material, elas nem sempre são desencadeadas por essa
escassez, mas sim, pelo não reconhecimento de determinada característica dos grupos

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 70-87, fev. 2017 a mai. 2017. 75
sociais ou de suas demandas.
Estudos recentes, como o de Fuhrmann (2013), que analisou as origens do fenômeno
de rualização (ir morar na rua) infanto-juvenil no meio urbano, em Porto Alegre, e de
Gratius e Valença (2011) sobre as explicações da violência em Caracas, na Venezuela,
mostram a procedência da tese acima. Isto é, de que a deflagração de conflitos sociais
se dá, em grande escala, pelas experiências de menosprezo, desrespeito, humilhação
e não puramente por questões econômicas.
“A qualidade moral das relações sociais não pode ser mensurada exclusivamente em
termos de uma distribuição justa ou equitativa de bens materiais” (Honnett,2007, p.
81). Com base nessa reflexão, tendo como pano de fundo empírico a luta secular do
movimento negro no Brasil e o surgimento dos novos movimentos sociais identitários
é que julgamos fecunda a interpretação de que modalidades distintas de negação
de direitos e de desrespeitos produzem lutas organizadas que redesenham a noção
de conflito social.
Experiências individuais de desrespeitos vividas por sujeitos em suas relações com o
Estado ou com instâncias da sociedade civil, se compartilhadas em espaços solidários
de debate político, podem se transformar em experiências coletivamente percebidas.
Quando um círculo de indivíduos forma um grupo que tem em comum o problema
de negação de reconhecimento, mesmo que essa negação se dê de maneira distinta,
já se configura um novo modo de organização política.
Na medida em que os grupos se organizam e suas ideias passam a se inserir na
sociedade, como pauta de reivindicação, ou na forma de conflito, elas constituem
subculturas que apresentam outras maneiras de interpretar a realidade. Experiências
de desrespeito que antes eram tomados como privadas passam a ter uma dimensão
socializada e ser motivo mobilizador de luta por reconhecimento.
É na relação entre a experiência pessoal de negação de direitos e o vislumbrar em
um grupo social a mudança dessa experiência que se organizam os coletivos e, por
consequência, os conflitos que irão enfrentar.Essa é a direção conceitual que Honneth
segue para compreender o conflito, ele afirma ao conceituar luta social:
Trata-se de um processo prático no qual experiências individuais de desrespeito são
interpretadas como experiências cruciais típicas de um grupo inteiro, de forma que
elas podem influir, como motivos diretores da ação, na exigência coletiva por relações
ampliadas de reconhecimento. (Honneth, 2003, p. 257)

Porém, compreendemos que a luta por reconhecimento como um movimento contra


desrespeitos, sejam eles de direitos ou de estima, deve abarcar a luta por redistribuição
dos bens materiais da sociedade. A realidade que vivemos abriga tanto injustiças
culturais, quanto injustiças econômicas. No cenário brasileiro, há uma íntima fusão
entre os dois tipos de injustiça.

76 GRISA, GREGÓRIO; ZITKOSKI, JAIME.. Aportes para análise das políticas...


A noção de reconhecimento, em sua apreciação inicial e incompleta em relação a
como queremos concebê-la aqui, refere-se apenas a lutas sociais contra injustiças de
carácter cultural ou identitário. Injustiças desse tipo se caracterizam por ações sociais
de representação, interpretação e comunicação, seus exemplos incluem a dominação
cultural, a invisibilização de determinados grupos sociais e o desrespeito (Fraser, 2006).
Ser submetido a padrões de interpretação e valorativos de outras culturas, alheios
aos seus, sofrer com o ocultamento de sua cultura nas práticas comunicativas e nas
representações autorizadas e aceitas, bem como, ser desrespeitado rotineiramente
por atitudes que desqualificam sua identidade e viver interações que produzem
estereótipos são experiências individuas e coletivas que constituem as injustiças
culturais.
Por outro lado, a redistribuição tem foco na luta contra as injustiças econômicas, essas
são marcadas por questões estruturantes da sociedade capitalista, materializam-se
através da exploração, da marginalização e da privação. As relações entre capital e
trabalho são expostas como injustas à medida que a distribuição dos bens produzidos
pelo ser humano é desigual e arbitrária.Ser explorado, vender sua força de trabalho,
produzir algo de que não pode usufruir, ser obrigado a um trabalho que não deseja,
em condições degradantes, ou não ter trabalho, bem como ser privado do acesso
a condições materiais mínimas, são exemplos objetivos de injustiças econômicas
(Fraser, 2006).
Com base no binômio reconhecimento-redistribuição,podemos pensar em tentativas
de corrigir desequilíbrios sociais tanto sem abalar os alicerces da organização
socioeconômica, como os modificando significativamente. Fraser (2006, p. 237)
sugere a ideia de remédios:
Por remédios afirmativos para a injustiça, entendo os remédios voltados para corrigir
efeitos desiguais de arranjos sociais sem abalar a estrutura subjacente que os engendra.
Por remédios transformativos, em contraste, entendo os remédios voltados para corrigir
efeitos desiguais precisamente por meio da remodelação da estrutura gerativa subjacente.

Portanto, podemos ter remédios afirmativos e remédios transformativos tanto para


combater injustiças culturais como para combater injustiças econômicas. Diferente
da linearidade com que a dicotomia reforma-revolução foi tratada em outros tempos
históricos, aqui se pretende substituir maniqueísmo entre mudança gradual ou
mudança total, por uma combinação de “remédios” que contemple a heterogeneidade
do movimento do real.
Portanto, a ideia é ter, no conceito de reconhecimento, um conjunto combinado que
responda à necessidade histórica dos grupos sociais que hoje lutam contra injustiças
de variados tipos, que se expressam em múltiplas dimensões. Essa compreensão de
reconhecimento nos permite compreender as ações afirmativas como políticas tanto
redistributivas como de reconhecimento.

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 70-87, fev. 2017 a mai. 2017. 77
Reconhecimento como paridade participativa

Podemos afirmar que reconhecimento e redistribuição são conceitos que


possibilitam um conjunto de avanços do ponto de vista teórico, auxiliam-nos a
fugir tanto do determinismo econômico, bem como, de certo modismo culturalista.
Amalgamados, esses conceitos dão à luz ao conceito de reconhecimento no qual
queremos nos apoiar ao desenvolver a categoria cultura do reconhecimento.
Temos pela frente uma nova tarefa intelectual e prática: desenvolver uma teoria crítica
do reconhecimento, que identifique e assuma a defesa somente daquelas versões da
política cultural da diferença que possam ser combinadas coerentemente com a política
social da igualdade. Ao formular esse projeto, assumo que a justiça hoje exige tanto
redistribuição como reconhecimento. E proponho examinar a relação entre eles. Isso
significa, em parte, pensar em como conceituar reconhecimento cultural e igualdade
social de forma a que sustentem um ao outro, ao invés de se aniquilarem. (Fraser, 2006,
p. 231)

Essa passagem marca um desafio que a autora se fez e que encontra o encaminhamento
mais definitivo no artigo Reconhecimento sem ética? em que Fraser amadurece sua
crítica a Honneth e desenvolve sua proposta mais didaticamente. Basicamente, a
autora, no caminho do que já vem sendo refletido, propõe a construção de um modelo
teórico abrangente que tenha a redistribuição e o reconhecimento como dimensões
irredutíveis conforme a realidade exige.
Para tal, Fraser defende que o reconhecimento tem de ser vinculado à noção de
justiça e analisado como uma questão de status social ao invés do modelo de
identidade cultural que prioriza reivindicações de exclusivismo em detrimento de
reivindicações de superação de subordinações injustas (Fraser, 2007). Assim, questões
subjetivas e individuais dariam espaço para demandas coletivas de transformações
das culturas institucionais, ou seja, ao romper com o modelo de reconhecimento
ligado à identidade, Fraser prioriza não mais elementos da estrutura psíquica dos
indivíduos, mas sim, a interação social e as instituições.
O avanço de Fraser toma contorno quando ela desenvolve, dentro da concepção de
justiça, a norma comum da paridade participativa.
As reivindicações por reconhecimento, bem como por redistribuição, devem atender
anseios de colocar os grupos sociais em paridade para participar da vida social, seja em
aspectos culturais ou econômicos. Tanto as condições objetivas, quanto as subjetivas
são necessárias para a paridade participativa.
Uma inovação dessa proposta é notada quando Fraser se questiona se todas as
reivindicações por reconhecimento e redistribuição são justas. Todas devem ser
atendidas pelas comunidades e sociedades? Segundo a autora, a noção de paridade

78 GRISA, GREGÓRIO; ZITKOSKI, JAIME.. Aportes para análise das políticas...


participativa deve servir de critério de avaliação para essas questões.
Os titulares das reivindicações por reconhecimento, por exemplo, precisam justificar
suas demandas, provar que elas são necessárias e que, sem elas, estão impedidos
de participar em condições de igualdade em relação aos demais. “Apenas aquelas
reivindicações que promovem a paridade de participação são moralmente justificadas”
(Fraser, 2007, p. 122).
A crítica a Honneth é feita quando Fraser desloca o reconhecimento da questão da
autorrealização ou autoestima e o trata como uma demanda por justiça. Isso atribui
ao reconhecimento um caráter moral de construção de códigos políticos coletivos
e não mais o deixa vinculado a uma noção ética individual de realização de anseios
de personalidade.
Nem toda demanda por promoção de autoestima representa promoção de justiça,
esse raciocínio é ilustrado no seguinte exemplo: um grupo social racista reivindica ser
reconhecido diante de todos por esse seu pensamento intolerante, isso iria promover
a autoestima desse grupo, mas não se configura em uma promoção de justiça, pelo
contrário, fere a lógica da paridade participativa descrita acima.
Nessa esteira, podemos dizer que nem toda autoestima promovida oferece um
padrão de justificação para demandas de reconhecimento, ou seja, nem sempre
quando se fortalece determinada identidade ou se promove a autoestima de alguns
grupos, promove-se justiça social. Portanto, conceber o reconhecimento no modelo
status1, relacioná-lo com aspectos morais e ter como critério avaliativo, dentro de
uma concepção ampliada de justiça, a paridade participativa é “desinstitucionalizar
padrões de valoração cultural que impedem a paridade de participação e substituí-
los por padrões que a promovam” (Fraser, 2007, p. 109,).
Conceber a dimensão do reconhecimento, nessa perspectiva, coaduna-se com as
políticas de ação afirmativa por meio de cotas nas universidades. Quando se amplia
a noção de justiça para que reconhecimento e redistribuição coexistam, assume-se
que os eixos da injustiça social são simultaneamente culturais e socioeconômicos.
Fraser (2007) aponta que é necessário criarmos remédios que “desinstitucionalizem”
o padrão de valores culturais que provocam o não reconhecimento, má distribuição
ou empecilho para atingir maior paridade participativa na política, por exemplo.
Essa é uma perspectiva interessante quando pensamos em instituições como
as universidades tradicionais. Importante frisar que essa desinstitucionalização
não significa somente a aceitação dos diferentes grupos sociais, o que seria uma
vanglorização aparente da diferença.
Honneth (2003) trabalha com a ideia de que o reconhecimento seria uma forma
de luta contra injustiças e por distribuição que se diferencia da luta de classes

1 Modelo minuciosamente explicado em Fraser, p. 108, 2007.

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 70-87, fev. 2017 a mai. 2017. 79
homogeneamente concebida, mas que contempla aspectos de distribuição de renda,
oportunidades e tensionamento de hierarquias sociais. A utilização de ambos os
elementos semânticos, reconhecimento e redistribuição, trazidos pelos autores, tem
o objetivo de aproveitar o que de relevante cada teoria tem para estudar o fenômeno
pesquisado.
As ações afirmativas, nas universidades, foram políticas que requisitaram o
autorreconhecimento dos sujeitos negros, sua identificação para superar injustiças
sociais. Neste caso, trata-se de um reconhecimento positivo, de valorização da
estética, da cultura e da história da população negra. Somando a histórica luta do
movimento negro e a politização da pauta, esses elementos foram dando base
reivindicatória e criando demanda para a implantação de políticas afirmativas.
A valorização cultural de identidades que, no passado, foram desprestigiadas
e degradadas é um fenômeno repleto de vicissitudes, ao mesmo tempo em que
faz da diferença, antes estigmatizada, agora um motivo de orgulho e de evolução
de autoestima, mas pode se constituir, se mal conduzido, em certo exclusivismo
culturalista. Esse pode reproduzir internamente, nos grupos demandantes, lógicas
hierarquizantes de grupos dominantes da sociedade em que a luta está inserida,
correndo o risco de não tocar no cerne do problema da exclusão e das desigualdades
materiais.
Em outras palavras, nenhuma valorização de identidade está alheia aos padrões
valorativos da sociedade como um todo, isto é, a lógica e os critérios para se conceber
uma identidade positiva em determinada sociedade tende a obedecer a padrões
hierarquizados pelos “bem-sucedidos”, pela elite dessa sociedade, mesmo que a
identidade em tela seja a de grupos sociais excluídos. O reconhecimento, enquanto
conceito, não pode se reduzir a uma pretensa aceitação de culturas discriminadas
historicamente e nem servir de álibi para que algumas lutas se transformem em meros
embates sobre identidade e pela marcação da diferença.
Por isso, as ações afirmativas devem ser geridas com os olhos direcionados ao
reconhecimento e à redistribuição, tendo claro que, nesse caso, houve a premência do
autorreconhecimento. Os sujeitos históricos, imbuídos de consciência de sua condição
específica e organizados, foram fundamentais para a confecção e implantação de
políticas de intervenção que mudam suas possibilidades de acesso ao mais alto grau
de escolaridade. Tendo a auto declaração como critério exigido para o acesso às
ações afirmativas, o autorreconhecimento simbólico e político é condição para o
estabelecimento e o êxito dessas políticas.
Concordamos com Féres Jr. (2002, p.571) que “o reconhecimento, como forma
positiva, deve ser o produto do engajamento concreto das pessoas na política e não
um valor a ser fixado através da especulação teórica”. Com isso, não estamos dizendo
que, para promover processos de mudanças sociais ou desenvolver políticas públicas
de intervenção que preveem reconhecimento e/ou redistribuição, seja imperativo o

80 GRISA, GREGÓRIO; ZITKOSKI, JAIME.. Aportes para análise das políticas...


autorreconhecimento de sujeitos e grupos sociais envolvidos.
Todavia, parece claro que, quando os sujeitos possuem autoconsciência, há uma
substância mais densa na luta dos movimentos sociais, que mais se fortalecem
quanto mais se autorreconhecem e partilham de diagnósticos da realidade mais
refinados. Um dos grandes papéis das lutas por reconhecimento é o de mudar as
representações sociais vigentes na sociedade, trazer à tona um debate que, ou se
apresenta indigesto, ou está em estágio germinal de amadurecimento no imaginário
coletivo. Podemos usar, como exemplo, pautas como: aborto, descriminalização
das drogas, democratização da mídia, luta por moradia e pela terra, direitos dos
homossexuais e outros.
A exigência de autorreconhecimento, no caso das políticas afirmativas, recheia o
fenômeno, deixa-o mais completo, pois ambas as partes, sujeito e coletivos negros e o
Estado promotor estão se desafiando e conduzindo o processo conscientemente. Os
gestores públicos se depararam com a necessidade de desenvolver mecanismo para
combater desigualdades e, com isso, a classe política e acadêmica teve de revisitar
sua noção de justiça, perceber as falhas e limites dessa visão.
A disputa teórica que se trava na ciência política entre os defensores do
reconhecimento e os adeptos da redistribuição tem sido fonte de energia para
a lapidação de um conceito complementar que dê cobertura à multiplicidade de
dimensões do movimento real. Essa disputa tem resultado em aproximações calcadas
nos contextos políticos de diferentes regiões do mundo.
Entretanto, como já dito, não pensamos que se deve permanecer no estágio de defesa
de um ou outro conceito, à luz dos avanços existentes e com a intenção de aproveitar
o melhor de cada lado, pensamos ser viável identificar, nas políticas afirmativas, no
que elas colocam em jogo, um fenômeno rico para consubstanciar as duas dimensões
sociológicas, reconhecimento e redistribuição.
Nesse caso, tendo em conta esses aspectos bidimensionais é que incluímos, na ceara
do conceito reconhecimento, os elementos e conteúdos da dimensão redistributiva.
Caldear as duas essências abstratas em um ato de alargamento e oxigenação do
conceito teórico crítico de reconhecimento é o que estamos propondo. Nosso desafio
é revestir o conceito reconhecimento ao lhe acrescentar a dimensão redistributiva
e a norma da paridade participativa.

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 70-87, fev. 2017 a mai. 2017. 81
Cultura do reconhecimento: um olhar sobre a realidade da
UFRGS

Conceber cultura do reconhecimento como categoria tem, em seu estágio de


produção e justificação teórica, o momento mais inventivo e até certo ponto,
artesanal. Porém, é ao adentrar no universo analítico que se poderá perceber sua
capacidade. Para a categoria se candidatar a ser suporte hermenêutico tem de ser
caracterizada e objetivada, isto é, tem de instaurar seus vínculos com a realidade
empírica. O desafio do cientista social é objetivar a subjetividade, encontrar os laços
entre a reflexão profunda e a materialidade dinâmica. Algumas das principais críticas
que a Teoria do Reconhecimento de Honneth sofre se centra nas dificuldades de
operacionalização teórico-metodológica do seu sistema conceitual em estudos
empíricos.
Esse é um desafio infinito, tentativas de trazer dados da vida cotidiana que
corroborem ou distorçam a perspectiva teórica é o movimento de aperfeiçoamento
que o pesquisador social executa como ofício. Portanto, cabe passarmos a pensar a
categoria cultura do reconhecimento em (de) uma instituição de modo mais prático.
Do ponto de vista da gestão da universidade, a aplicação da lei de ações afirmativas
exigiu uma mudança institucional grande, a logística burocrática não se move
para além da questão de sistemas de processamento de dados e fiscalização da
documentação dos ingressantes. Parte do quadro pessoal técnico é mobilizada, no
período das seleções, para executar tarefas de recepção, registro e organização.
Com o passar dos anos, ações de gestão de formação dos funcionários passam a ser
pensadas e a temática envolvendo as ações afirmativas, aos poucos, começa a fazer
parte da vida da universidade e do radar da gestão.
Agentes centrais como os diretores de unidades acadêmicas, começam a ter que
dar atenção não só ao novo perfil de estudante que passam a receber nos cursos,
mas às novas exigências de integração e debates sobre diversidade com que são
confrontados. A formação docente passa a ser cada vez mais reivindicada diante de
novos desafios pedagógicos, e a gestão se defronta com a necessidade de aumentar
a elasticidade de políticas de assistência estudantil.
Isso somado às reivindicações dos movimentos sociais negros, dos estudantes e
de grupos políticos internos passa a formar um corpo de tensionamentos positivos
para a vida da universidade. A democratização das instâncias burocráticas e
dos órgãos deliberativos, por exemplo, passa a ser uma bandeira que ganha eco
dentro de parcela do quadro docente e técnico da universidade. Todas essas ações
concretas representam passos embrionários para materialização de uma cultura do
reconhecimento.

82 GRISA, GREGÓRIO; ZITKOSKI, JAIME.. Aportes para análise das políticas...


Uma cultura institucional, apesar de se constituir cotidianamente, no seu habitus,
é uma engrenagem de lenta mobilidade. A redemocratização formal do Brasil, as
disputas políticas e sociais contínuas da sociedade que adentram o século XXI com
força são ingredientes que possibilitaram alguns avanços no seio acadêmico, entre
eles, a adoção de ações afirmativas.
Carvalho (2006, p. 88), professor e antropólogo, leciona sobre tal política:
A implementação recente de um sistema de cotas para estudantes negros no ensino
superior é um fenômeno que rompe radicalmente com a lógica de funcionamento do
mundo acadêmico brasileiro desde a sua origem no início do século passado. Por um
lado, as cotas estão provocando um reposicionamento concreto das relações raciais no
nosso meio acadêmico, começando pelo universo discente da graduação, porém com
potencial para estender-se à pós-graduação, ao corpo docente e aos pesquisadores.

Nesse mesmo artigo, o autor argumenta que, no Brasil, a história do ensino superior
é marcada por um confinamento racial do mundo acadêmico. Em um levantamento
apresentado nesse trabalho, feito em grandes universidades do país, constatou-se
que, em nenhuma delas, que são vistas como referências nacionais na pesquisa,
havia 1% ou mais de professores negros no seu quadro docente. A UFRGS, segundo
o autor, tinha 0,2% de negros entre os docentes no início dos anos 2000.
Carvalho (2006) coloca em xeque as interpretações sobre as relações raciais no Brasil
quando feitas por um meio acadêmico segregado, justifica esse questionamento
ao lembrar que a noção de democracia racial, denunciada como mito por Florestan
Fernandes (1965), e todas as teorias que negam o racismo estrutural brasileiro
nasceram nesse contexto. Essa segregação racial do meio acadêmico nunca foi
imposta por lei ou regra, no entanto, ocorre na materialidade, constituindo um campo
e um habitus determinado.
Ao revés desse cenário, podemos pensar a categoria cultura do reconhecimento em
uma universidade como uma metáfora que pode tencionar a capacidade da instituição
de constantemente se democratizar em todos os seus aspectos. Ela está plenamente
ligada à função social da universidade perante a multiplicidade de desafios que a
sociedade a apresenta.
Cultura do reconhecimento também é um cobertor semântico com o qual podemos
identificar o grau de qualidade das respostas que a universidade vem dando, do ponto
de vista técnico, estrutural, político e científico, para essas demandas contemporâneas
apresentadas. Identificar essa qualidade vai de encontro com os métodos mensuráveis
que sustentam o conceito de excelência com base na meritocracia, isto é, a cultura
do reconhecimento pode oferecer outros critérios para se atribuir a qualidade de
uma instituição.
Avaliar, planejar e gerir são ações que podem ganhar outro horizonte, outra lógica

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 70-87, fev. 2017 a mai. 2017. 83
para funcionar, não é ingenuamente assumido aqui, que o novo advêm de vontades
individuais ou de grupos que desconsideram o instituído. Podemos dizer que a cultura
do reconhecimento é uma substância a ser inserida no habitus para vislumbrar outro
projeto ético de universidade, que traga outros princípios para execução do fazer
acadêmico e problematize os instituídos que não correspondam com os preceitos
que incluímos aqui no bojo do conceito de reconhecimento.
Uma universidade que tem no seio dos seus processos de funcionamento, um conjunto
complexo de dinâmicas, não terá homogeneidade nem nas práticas instrumentais
burocráticas, nem nas científicas pedagógicas. De alguma forma, uma cultura do
reconhecimento, à medida que já ingressou na esteira do habitus, no exemplo da
UFRGS, da instituição, ao mesmo tempo, ainda precisa reforçar esse ingresso. Isto
é, é na constância e na insegurança das formatações específicas que, através das
brechas das microrrelações, incluem-se novos elementos de reconhecimento.
Não há linearidade, nem coerência espaço-temporal nesse processo, enquanto, em
alguns ambientes da instituição existem avanços pontuais, em outros, eles ainda estão
para nascer e de um jeito distinto dos outros. As ações e atividades que atendam a
uma cultura do reconhecimento são átomos em meios a um corpo maior. A massa
total das instituições tem características imprecisas, mas que respondem, como vimos
quando conceituamos cultura, a aspectos hegemônicos, frutos das relações de poder.
A inclusão de pautas progressistas nas mais variadas instâncias administrativas da
universidade, os debates e as mudanças legislativas promovidos por essas pautas
formam o corpo empírico da cultura do reconhecimento. A criação de novos
cursos ligados às camadas populares (Educação do campo, Políticas públicas) e o
fortalecimento de esferas administrativas que sejam representativas dos movimentos
sociais, também caminham nessa direção.
A mudança dos critérios de correção das redações do vestibular na UFRGS, em 20112,
a criação da Coordenadoria de Ações Afirmativas, em 2012, a criação da Escola de
Desenvolvimento da UFRGS3, a criação de eventos anuais como os vários Salões de
Extensão, Ações Afirmativas, de Ensino, de Pós-graduação, de Relações Internacionais,
com temas inclusivos, são exemplos de mudanças institucionais orientadas para o
desenvolvimento da cultura do reconhecimento.
Há outros exemplos, como a ampliação do número de pesquisas e de grupos de
estudos ligados às pautas da população negra, dos indígenas, dos quilombolas, das
mulheres, da população LGBT. Esses são movimentos concretos que se estabelecem

2 A referida mudança fez com que se passasse a corrigir redações de 4x o número de vagas em cada modalidade
de ingresso. Isso fez com que mais candidatos às cotas fossem aprovados, em especial os negros.

3 Que tem como objetivo geral promover a qualificação dos servidores através de um conjunto de atividades
de aprendizagem e formação interdependentes, que permitam o desenvolvimento pessoal e profissional,
principalmente, dos funcionários de perfil de baixa escolaridade ligados a trabalhos operacionais.

84 GRISA, GREGÓRIO; ZITKOSKI, JAIME.. Aportes para análise das políticas...


e que preparam um ambiente mais aprazível de acolhimento e convivência para os
alunos cotistas, quando comparado com o existente há cinco ou dez anos.

Considerações finais

Diante dos elementos expostos até aqui, entendemos que as ações afirmativas
dirigidas à população negra nas universidades, ao provocarem desconfortos concretos
em subjetividades até então anestesiadas pelos privilégios, ou pela alienação acerca
do tema, constituem-se em ferramenta essencial para o desenvolvimento de uma
cultura do reconhecimento, ainda em germinais patamares no meio acadêmico
nacional.
A cultura do reconhecimento tem como motor fundamental, não o único, a implantação
das ações afirmativas e só poderá lograr êxito, tornando-se um novo habitus da
academia, à medida que essas políticas continuarem existindo e se aperfeiçoando.
Nossas observações indicam que as contradições e disputas pelo habitus ganharam
outro estágio de qualidade com um mínimo equilíbrio nas forças dentro da gestão da
universidade. Com a ascensão a cargos estratégicos de profissionais que compartilham
da necessidade de desenvolver uma cultura do reconhecimento na universidade,
tem-se uma mexida progressista na distribuição das peças no campo. Isso aconteceu
na UFRGS, ainda que de forma modesta.
Por outro lado, as resistências a mudanças representadas por importantes setores da
universidade, fazem com que a gestão lide de modo ponderado e, em alguns casos,
receoso, deixando de encaminhar e propor modificações legais e estruturais. Os
movimentos de estudantes, os sindicatos dos funcionários técnicos e um segmento
sindical dos docentes com inspiração mais crítica encontram dificuldades de pontuar
questões para o grande grupo da instituição. O debate da paridade, de concurso
público para segurança universitária, o questionamento de alguns convênios da
universidade não considerados estratégicos e adequados por esses grupos, não
entram na pauta global da universidade com a intensidade que merecem.
Cabe dizer que a real vivência de uma cultura do reconhecimento pressupõe que
a instituição cumpra com seu histórico papel de oferecer formação profissional,
promover pesquisa e extensão e, no caso das cotas, conseguir diplomar os sujeitos
dessa política em número, no mínimo, igual ao daqueles que ingressam pelo sistema
universal.
Por estarmos compreendendo as ações afirmativas comopolíticas redistributivas
de oportunidades, elas devem garantir o desenvolvimento formal de uma boa
trajetória acadêmica para seus usuários, isso não será exequível sem: a qualificação da

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 70-87, fev. 2017 a mai. 2017. 85
permanência, o combate à retenção, a contínua formação dos professores e técnicos
em temática específica, um maior investimento em avaliação interna dos órgãos
institucionais, a oferta de disciplinas obrigatórias nas licenciaturas e bacharelados
que tratam das relações étnico-raciais, a ampliação dos espaços e mecanismos de
integração dos alunos cotistas, enfim, sem um conjunto amplo de ações institucionais.
O conjunto de ações listado acima é, ao ser colocado em prática dentro das suas
complexidades e possibilidades, ampla promoção da cultura do reconhecimento
dentro da instituição. Portanto, esse guarda-chuva semântico e teórico que é a
categoria de cultura do reconhecimento só poderá existir quando houver, em forma
de processo, o transplante do que foi aqui conceituado para a realidade concreta,
vivida e construída por sujeitos históricos determinados.

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Recebido em setembro de 2016.


Aceito em junho de 2017.

Gregório Durlo Grisa é Doutor em Educação (UFRGS) e Pós-Doutorando em Sociologia


(UFRGS). Bolsista do CNPq de Pós-Doutorado Júnior. Membro do Grupo de Estudos
sobre a Universidade (GEU). Email: grisagregorio@yahoo.com.br

Jaime José Zitkosk é Doutor em Educação, Professor da Faculdade de Educação da


UFRGS e do Porgrama de Pós-Graduação em Educação da UFRGS. Membro do Grupo
de Pesquisa Inovação e Avaliação na Universidade (INOVAVAL). Email: 00086365@
ufrgs.br

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 70-87, fev. 2017 a mai. 2017. 87
O jornal Estrella do Sul como uma estratégia de
intervenção no debate educacional na primeira
metade de 1930
Adriana Duarte Leon
Instituto Federal Sul-rio-grandense

Resumo
Este trabalho visa analisar como o jornal católico Estrella do Sul participou do
debate educacional na primeira metade de 1930, no Rio Grande do Sul; o impresso
era uma publicação semanal, vinculada ao centro da Boa Imprensa; circulava de
forma ampla no centro do estado, era composto por quatro páginas, poucas
imagens, textos curtos e anúncios. Analisamos o conteúdo do impresso como
indicador das ações estabelecidas junto ao espaço educacional e percebemos
que o impresso se efetivou como uma estratégia de ação estabelecida pela Igreja
Católica com o objetivo de ampliar sua intervenção social, atuando de forma
prioritária na defesa do ensino religioso facultativo nas escolas públicas.

Palavras-chave: Impressos católicos; estratégias; debate educacional; ensino


religioso.

88 LEON, ADRIANA. O jornal Estrella do Sul como...


Journal Estrella do Sul as an intervention strategy
in the educational debate in the first part of the
decade of 1930
Abstract

This paper aims to analyze how the catholic journal Estrella do Sul participated
in the educational debate in the first half of the decade of 1930, in the state of
Rio Grande do Sul; this printed was a weekly publication, linked to the center Boa
Imprensa literally "good press"; it circulated broadly in the central region of the
state, four pages format, few images, short texts and ads. We have analyzed the
contents of the printed as an indicator of the actions established in the educational
space and we have realized that the printed was accomplished as a strategy of
action stablished by the Catholic Church in order to expand its social intervention,
acting as priority in defense of religious education as option in public schools.

Keywords: Catholic printed; strategy; educational debate; religious education.

El diario Estrella del Sur como una estrategia de


intervención en el debate educativo en la primeira
mitad de 1930
Resumen
Este trabajo busca analizar cómo el periódico católico Estrella do Sul participó del
debate educativo en la primera mitad de 1930, en Rio Grande do Sul; el impreso
era una publicación semanal, vinculada al centro de la Buena Prensa; circulaba de
forma amplia en el centro del estado, estaba compuesto por cuatro páginas, pocas
imágenes, textos cortos y anuncios. Analizamos el contenido del impreso como
indicador de las acciones establecidas junto al espacio educativo y percibimos que
el impreso se efectivizó como una estrategia de acción establecida por la Iglesia
Católica con el objetivo de ampliar su intervención social, actuando de forma
prioritaria en la defensa de la enseñanza religiosa facultativa en las escuelas
públicas.

Palabras clave: Impresos católicos; las estrategias; debate educativo; educación


religiosa.

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 88-110, fev. 2017 a mai. 2017. 89
Le journal Estrella do Sul comme stratégie
d’intervention dans le débat éducatif de la première
moitié de 1930
Résumé
Ce travail vise d’analyser comment le journal catholique Estrella do Sul a participé
du débat éducatif dans la première moitié de 1930 au Rio Grande do Sul. L’imprimé
était une publication hebdomadaire lié à l’éditeur Centro da Boa Imprensa; il
diffusait largement au centre de l’état, il était composé de quatre pages, de quelques
images, de textes courts et d’annonces. On analyse le contenu de l’imprimé comme
indicateur des actions prises dans l’espace éducatif et on comprend qu’il a été une
stratégie d’action de l’Église Catholique dans le but d’élargir son intervention sociale
en agissant avec priorité en défense de l’éducation religieuse facultative aux écoles
publiques.

Mots clés: Imprimés catholiques; stratégies; débat éducatif; éducation religieuse.

Introdução

O presente trabalho visa analisar como o jornal católico Estrella do Sul participou
do debate educacional na primeira metade de 1930. O impresso em questão é uma
publicação vinculada ao Centro da Boa Imprensa do Rio Grande do Sul, sob influência
da arquidiocese de Porto Alegre. A primeira constituição republicana, ao anunciar
um Estado laico, estimula a Igreja Católica a estabelecer novas estratégias de ação
que a mantenha como espaço de referência religiosa e cultural no país. Dentre
estas estratégias, a produção de impressos foi uma ação recorrente e mesmo que
os impressos já fizessem parte da história do Brasil desde o século XIX é indiscutível
a ampliação desse meio de comunicação no século posterior.
Os impressos religiosos apresentam bom potencial como fonte e objeto de pesquisa,
ao contrário dos jornais diários, que no início do século XX promovem-se anunciando
certa neutralidade, os jornais religiosos assumem um caráter doutrinário e explicitam
muito das tensões presentes no cotidiano. Até meados de 1930, a Igreja Católica
mantinha alguns impressos de circulação nacional, como é o caso da Revista A Ordem;
o Boletim da Associação dos Professores Católicos e a Revista Brasileira de Pedagogia.
Além dessas, estimulava a publicação de impressos regionais com o objetivo de
ampliar o diálogo da instituição com a sociedade. A vantagem da publicação regional

90 LEON, ADRIANA. O jornal Estrella do Sul como...


é que divulgava e defendia os interesses da Igreja Católica pautados em âmbito
nacional e paralelamente promovia a organização local das dioceses. Em alguns casos,
o impresso católico era visualmente muito parecido com os jornais diários, o que
pode indicar uma disputa pelo mesmo público leitor. Umberto Eco (1986) ajuda a
que se perceba o leitor por meio do texto, quando destaca que o autor, ao escrever
um texto, prevê um leitor modelo e organiza sua estratégia textual de acordo com o
respectivo leitor. A ideia de leitor modelo está alicerçada na ressignificação e o autor,
ciente dessa condição, mobiliza o seu texto de forma a construir para o leitor um
espaço de ressignificação.
A estratégia textual é aqui entendida como algo além dos códigos linguísticos que
possibilitam a escrita do texto. Engloba a possibilidade de ampliação e direcionamento
das interpretações de um produto escrito. Eco (1986, p. 39) observa que “gerar
um texto significa executar uma estratégia de que fazem parte as previsões dos
movimentos de outros”. Sob essa inspiração, busca-se aqui identificar a estratégia
textual presente no impresso, sua significação na prática social e como esta significação
está relacionada com uma estratégia mais ampla implementada pela Igreja Católica.
Para fins dessa análise, percorremos os exemplares do Estrella do Sul publicados
na primeira metade de 1930, buscando perceber as estratégias estabelecidas pela
Igreja e explicitadas na imprensa católica a fim de intervir no debate educacional.
Definimos a primeira metade de 1930 como periodização básica, considerando o
movimento constituinte de 1933 e a consequente emergência da disputa acerca da
educação na imprensa católica. O processo constituinte apresentou diversos embates
no campo social e a reflexão acerca desses embates nos permite identificar variáveis
que se explicitam em âmbito regional e se conectam com o movimento nacional do
catolicismo brasileiro.
Entendem-se aqui estratégias de acordo com Certeau (2011), ou seja, são organizadas
pelo postulado de poder, estabelecem ações de um lugar de poder, elaboram um
lugar teórico e constituem uma articulação com o espaço físico. A partir dessa visão,
pode-se entender que a Igreja cria uma série de estratégias com o objetivo de retomar
espaço social, e, por meio de tais estratégias, manter um diálogo com os interesses
do Estado e com a romanização da Igreja Católica no Brasil.
A tópica educacional anunciada no Estrella do Sul está atrelada à disputa presente
no processo constituinte e afirma a relevância do espaço escolar como espaço de
intervenção e organização da Igreja Católica.

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Sobre o impresso, sua produção e circulação

O Estrella do Sul é uma publicação vinculada ao Centro da Boa Imprensa do Rio


Grande do Sul, sob influência da arquidiocese de Porto Alegre. O Jornal Estrella
do Sul circulou de 1923 a 1939 de forma ininterrupta, apresenta edição semanal
e distribuição privilegiada no centro do estado. O conteúdo era vinculado à Igreja
Católica e às questões centrais disputadas no período. O impresso é apresentado
em tamanho A3, papel jornal e composto geralmente de quatro páginas. A primeira
página é composta por artigos com temas polêmicos relacionados à pauta local ou
nacional, a segunda e a terceira páginas são compostas de propagandas, artigos,
notas, agendas, eventos e notícias internacionais; por fim, a quarta página é
constituída por avisos e notícias curtas.
Micelli (1977), ao tratar desse período histórico, afirma que os impressos se
constituíram na principal instância de produção cultural da época e forneciam a
maior das gratificações no que se refere à posição intelectual. Neste sentido, é
fundamental observar que alguns intelectuais e algumas lideranças católicas estavam
presentes no impresso Estrella do Sul, dentre estes destacamos, por exemplo, a figura
de Dom Leme, referência nacional da Igreja Católica e Dom João Becker, arcebispo
de Porto Alegre.
Dom Sebastião Leme foi bispo de Olinda, posteriormente arcebispo do Rio de Janeiro,
eminente líder da Igreja Católica brasileira do início da década de 10 do século XX até
sua morte em 1942. Dom Sebastião argumentava que o Brasil era uma nação católica
e a Igreja deveria aproveitar esse fato e marcar presença na sociedade; ele foi uma
das lideranças importantes do movimento católico e reivindicava a recatolicização
do Brasil, em acordo com os princípios da romanização do catolicismo, que pretendia
restabelecer no cotidiano dos sujeitos a prática dos sacramentos e a hierarquia da
Igreja Católica.
Segundo Mainwaring (2004), o Vaticano encorajou os esforços da Igreja brasileira
para fortalecer sua presença na sociedade, especialmente durante o papado de Pio
XI (1922-1939), cuja visão da igreja e da política era comum à visão de Dom Leme.
Pio XI julgava os partidos políticos como extremamente divisionistas, mas buscava
alianças com o Estado para defender os interesses católicos. Dom Leme compartilhava
dessa ideia e buscou efetivá-la no Brasil.
Dom João Becker, arcebispo de Porto Alegre, consolida-se como um forte soldado da
romanização do catolicismo no estado do Rio Grande do Sul, comanda a arquidiocese
de Porto Alegre e mantém uma relação próxima a Dom Leme. É reconhecido pela
Igreja Católica Brasileira, sendo citado em diversos impressos católicos e requisitado
para vários eventos e atividades fora do estado.
Becker publica frequentemente no jornal Estrella do Sul, pois é uma produção
do Centro da Boa Imprensa, localizada na capital e sob influência direta do seu
92 LEON, ADRIANA. O jornal Estrella do Sul como...
bispado. O reconhecimento público de Dom João Becker é resultado da posição
que ocupa na hierarquia da Igreja Católica e das suas aparições no espaço público,
dentre os quais se destaca a imprensa. É interessante ponderar que a imprensa está
atrelada à constituição de um novo espaço público que possibilita a visualização
ampla de diversos sujeitos e o surgimento de lideranças políticas. Morel e Barros
(2003, p. 7) afirmam que o “surgimento da imprensa no Brasil acompanha e vincula-
se a transformações nos espaços públicos, à modernização política e cultural de
instituições, ao processo de independência e de construção do Estado nacional”.
Os jornais diários ou semanais se consolidam como um eficiente espaço de construção
da imagem pública, pois possibilitam o acesso ao cotidiano de um desconhecido e
cria-se uma relação de intimidade política, social e estética.
Dentro dessa tradição eles guardariam, de maneira muito particular, a confiança no poder
e na instrumentalidade do livro, da escrita e, por que não dizer, da leitura. Desse lugar
é que se caracterizariam, portanto, como um tipo de impresso colocado a serviço da
utilidade, da formação, do entretenimento, aliado moral e ensinamento prático, saber e
diversão. Por isso, e também pela sua ampla circulação, os almanaques acabaram por se
transformar em um instrumento pedagógico útil e eficaz na educação do povo.

(DUTRA, 2005, p. 16)

Dom João Becker é uma liderança da Igreja Católica no Rio Grande do Sul e aparece
constantemente na imprensa; utiliza-se estrategicamente desse meio de comunicação
para ratificar a posição que ocupa na hierarquia da instituição e promover a
publicização de suas orientações. Nota-se sua aparição regular na revista Unitas,
publicada mensalmente pela arquidiocese de Porto Alegre e sua aparição frequente
no jornal Estrella do Sul. Destaca-se no jornal a transcrição de trechos de suas cartas
pastorais, o júbilo manifestado nas suas aparições públicas e a publicação de seus
textos e comentários que orientam os leitores às questões práticas do dia a dia.

[...]

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 88-110, fev. 2017 a mai. 2017. 93
A 'Estrella do Sul' não representa apenas um criterioso repertório de abundantes informações,
mas é, sobretudo, uma defensoria temida e acérrima dos ensinamentos e preceitos da Igreja.
O vigário que lhe nega amparo priva-se de um poderoso auxílio no desempenho de
seus trabalhos apostólicos.
As revistas populares que se publicam dentro e fora do estado, ainda que mereçam nossa
inteira aprovação, não podem, de forma alguma, em face de sua finalidade especial,
substituir a 'Estrella do Sul', redigida com muito carinho e indiscutível competência.
Para despertar maior interesse local, é mister que os srs. vigários mandem regularmente
notícias e informações com referência ao movimento social e religioso de suas paróquias.

Porto Alegre, 1° de janeiro de 1931.


João Becker Arcebispo de PoA.
(ESTRELLA DO SUL, 04/01/1930, p. 1)

Dom João Becker esteve à frente da arquidiocese de Porto Alegre de 1912 a 1946,
vivenciou um período de intensificação da presença católica na vida Rio-grandense
e atuou ativamente no fomento da prática religiosa no estado. Becker preocupava-
se em formar um clero disciplinado e um laicato praticante dos sacramentos.
Comprometido com a ideia de romanização da Igreja Católica, afirmou a autoridade
episcopal como estratégia de controle sobre a postura do clero e do laicato. No
trecho publicado no Estrella do Sul e transcrito acima, Dom João Becker explicita
a função do jornal como defensor dos ensinamentos e preceitos da Igreja Católica,
paralelamente, responsabiliza o clero católico pelo êxito e divulgação das ideias
presentes na publicação.
Azzi (2008), ao tratar da história da Igreja no Brasil, no início do século XX, afirma
que a característica principal desse período é o esforço da Igreja pelo fortalecimento
de suas bases institucionais, por meio da organização das paróquias, dos colégios e
das dioceses. “A Igreja deseja consolidar o seu enraizamento no solo brasileiro, a fim
de manter e de preservar os valores tradicionais” (AZZI, 2008, p. 485). Na realização
dessa tarefa, a imprensa católica contribui de forma positiva, pois funcionava como
uma 'via de entrada' para o catolicismo em espaços distanciados da instituição e
assim ampliava sua base.
No início de 1930, o estado do Rio Grande do Sul estava dividido em quatro grandes
regiões eclesiásticas: a arquidiocese de Porto Alegre, diocese de Santa Maria, diocese
de Uruguaiana e diocese de Pelotas. Nota-se que a circulação do Estrella do Sul
ocorre de forma sistemática na arquidiocese de Porto Alegre, região onde o impresso
era publicado. É relevante destacar que, nas outras três regiões, também ocorre a
publicação de impressos católicos que não serão analisados neste texto, mas que
dialogavam entre si e mantinham unidade sobre a defesa de um ideário católico para
o país.

94 LEON, ADRIANA. O jornal Estrella do Sul como...


De acordo com Chartier (1998, p. 14), “no objeto impresso, o fato nada é para além
da apresentação do texto e da imagem, que dão a ler ou a ver a sua representação”.
As informações que circulam nos impressos constroem e expressam representações
sobre fatos, contextos e conflitos e, finalmente, disputam a adesão do leitor a essas
representações. O jornal Estrella do Sul disputa o leitor em prol de um ideário católico,
em um período que o movimento católico disputava ferrenhamente a opinião pública.
“Para dar combate ao erro, à heresia, à mentira, à calúnia contra a nossa religião, a
arma indicada é a IMPRENSA CATÓLICA” (ESTRELLA DO SUL, 20/04/1930, p. 2).
A imprensa católica almejava ser um canal de comunicação entre a Igreja e o cidadão.
Para estabelecer tal meta, imprimia atrativos em suas publicações, como a divulgação
de receitas, curiosidades, relatos cotidianos e até piadas. Contudo, a publicação de
tais atrativos não perdia de vista os objetivos que norteavam a existência da imprensa
católica e, em alguns casos, funcionavam como uma alternativa discursiva lúdica que
construía um padrão de conduta desejado.
Resguardada a característica didático-pedagógica, os jornais católicos, no início
do século XX, se pareciam pelo estilo e conteúdo. Tal identidade era possível pela
existência do Centro da Boa Imprensa e da Liga da Boa Imprensa; o Centro tinha como
função auxiliar na criação de jornais ou revistas e na manutenção de seu conteúdo; a
Liga auxiliava no suporte administrativo e financeiro. Ainda movendo seus esforços
sobre a imprensa católica, estava a Associação da Boa Imprensa, que reunia jornalistas
católicos com o objetivo de pensar estratégias para ampliar a intervenção no setor.
Joaquim José de Carvalho, escritor católico, integrante da Boa Imprensa, orientava
sobre as características necessárias a um jornal católico, distinguindo o jornal de
outros materiais impressos, como revistas e folhetins. Em sua opinião, a imprensa
católica precisa aderir à vida moderna e estabelecer outras formas de diálogo com
a sociedade.

Jornal é jornal; não é missa rezada, nem sermão de quaresma. Clero e católicos precisamos
de um jornal, de um órgão diário, sim, aparelhado para a vida moderna, para defesas e
ataques em dados momentos que, por inevitáveis, apareçam, mas sem solidéu e sem
escapulário, à secular, nunca como arremedo e arremesso do missal diário.

(JOAQUIM JOSÉ DE CARVALHO, APUD LUSTOSA, 1983, p. 19)

No Estrella do Sul destaca-se a orientação sobre como realizar a sua leitura e


mesmo como utilizá-lo para reflexão coletiva, também nota-se a sugestão sobre
como armazenar o impresso, pois além de apresentar caráter informativo, poderia
ser utilizado posteriormente para orientar um amigo ou ajudar na reflexão sobre

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alguma questão importante. “Quem assina o Estrella do Sul, faz o bem; quem o
propaga, procede melhor. O primeiro cumpre o seu dever de católico; o segundo
torna-se apóstolo da mais santa das causas: a imprensa católica.” (ESTRELLA DO
SUL, 19/01/1930, p. 3).
Chartier (1996) utiliza a expressão cultura popular do impresso na tentativa de
identificar no impresso as características que dialogam de forma direta com a
população. No caso do jornal analisado, a cultura popular do impresso se apresenta
por meio das imagens, dos cartazes, dos anúncios diferenciados, das frases de efeito
apresentadas em negrito e por meio do humor.
A apresentação do jornal anuncia as entradas pretendidas com a publicação; nota-
se que elas vão além das questões relacionadas ao cotidiano funcional da Igreja, o
que corrobora com a ideia da imprensa católica como uma importante estratégia de
disputa social no período.

Figura 1 – Ilustração capa Estrella do Sul Figura 2 – Ilustração interna Estrella do Sul

(ESTRELLA DO SUL, 16/02/1933, p. 1) (ESTRELLA DO SUL, 16/02/1933, p. 2)

96 LEON, ADRIANA. O jornal Estrella do Sul como...


Acima estão apresentadas duas páginas do jornal Estrella do Sul, nota-se os textos
curtos e as propagandas ilustradas. “Os Filhos de Ário”, na figura 2, é parte da tradução
de um livro. Na mesma página, figura 2, lê-se o título de uma seção “O que houve de
novo” e nela são relatadas notícias rápidas sobre acontecimentos locais, nacionais ou
internacionais. Já na figura 1 está apresentada a capa do jornal que mantém um estilo
padrão; nota-se diversos textos curtos que tratam de assuntos diversos, a maioria
sem autor identificado; o jornal assume a autoria da maioria dos textos publicados.
A falta de autoria ou a omissão das autorias está relacionada à Boa Imprensa, pois,
como já dito, ela indicava artigos para publicações em jornais e revistas, o que ajuda
a entender a publicação do mesmo texto em distintos jornais católicos que circulam
em regiões diferentes do país. Mons. Marx é editor do jornal Estrella do Sul, membro
da Boa Imprensa do Rio Grande do Sul e cargo de confiança de Dom Becker. É uma
figura presente no Estrella do Sul, já que, de forma geral, assina os textos que publica,
o que é incomum no impresso.

Uma estratégia de intervenção junto ao debate educacional


O Estrella do Sul consolidou-se no período em questão como uma estratégia
de intervenção da Igreja Católica que disputava a adesão do leitor a um ideário
de educação vinculado ao catolicismo. Dentre os diversos temas abordados pelo
jornal, focam-se aqui as questões relacionadas ao debate educacional e percebe-se
a valorização do espaço escolar como eixo das disputas.
Na concepção disputada pela imprensa católica, a função da escola é educar de acordo
com os princípios do catolicismo; qualquer alteração nessa lógica é negativa. Valoriza
a família como primeira instância educativa e a escola como segunda; critica a ação
do mundo e sugere que este é responsável por todos os males.
A educação dos antigos tinha grande vantagem sobre a nossa, porque nunca era
desmentida. No último ano de sua vida, Epaminondas dizia, ouvia, via e fazia exatamente
o mesmo que na época em que principiou a ser instruído. Hoje recebemos três educações
diversas ou contrárias: a dos nossos pais, a dos nossos mestres e a do mundo: e o que
nos ensinam na última, destrói tudo quanto aprendemos nas duas primeiras.

(ESTRELLA DO SUL, 07/12/1930, p. 3)

O movimento católico coloca-se contra a ideia de uma escola laica e não contra
a instituição escolar; bem pelo contrário, a escola é valorizada como espaço de
formação do sujeito que deve, na lógica católica, propiciar uma formação integral,
incluindo a formação religiosa.

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 88-110, fev. 2017 a mai. 2017. 97
Nessa lógica, é comum encontrar no impresso alguns trechos que sugerem a
obrigatoriedade do encaminhamento das crianças para as instituições educativas.
Nota-se que o jornal Estrella do Sul apresenta em destaque, impresso na primeira
página, em várias edições, a seguinte chamada: “O pai que não manda seu filho à
escola é um criminoso” (ESTRELLA DO SUL, 07/12/30, p. 1). A reprodução da mesma
nota várias vezes indica a valorização do espaço escolar e reafirma a responsabilidade
da família, representada na figura paterna, pela educação das crianças.
A investida presente na imprensa é a responsabilização da família pela educação da
prole. A escolha por uma educação de qualidade ou sem qualidade é responsabilidade
da família, que deve buscar o melhor para seus filhos. A família também é
responsabilizada pela atuação do Estado, ou seja, cabe à ela escolher e pressionar
os seus governantes para receber uma educação de qualidade e de acordo com seus
princípios.
A Igreja Católica utilizava o argumento da liberdade de ensino como elemento a favor
do ensino religioso nas escolas; defendia a possibilidade de cada um escolher o que
é necessário para a sua formação; no caso dos infantes, impossibilitados de escolher
pela sua imaturidade, cabia à família fazer a escolha.
O debate sobre a presença do ensino religioso no espaço escolar era uma tópica no
período e ocupa parte considerável das páginas do Estrella do Sul. Era um dos pontos
em disputa na reforma constitucional, embora a primeira constituição republicana
tenha estabelecido a laicidade nos estabelecimentos de ensino mantidos pelos
poderes públicos, a revisão constitucional de 1926 já anunciava a disputa acerca
desse tema. Na ocasião, o ensino religioso não voltou às escolas pela diferença de
onze votos. Francisco Campos foi um dos defensores da ementa constitucional que
propunha o retorno do ensino religioso às escolas e perdeu na votação. Entretanto,
em 1931, já como Ministro da Educação e Saúde do Governo Provisório, Francisco
Campos estimulará Vargas a assinar o decreto n. 19.941, de 30 de abril de 1931, que
reintroduz de forma facultativa o ensino religioso nas escolas.
Por sua vez, a Igreja Católica não estava satisfeita com o decreto de 1931 e Alceu
Amoroso Lima, importante intelectual católico, figura representativa do movimento
de renovação do catolicismo no Brasil, diretor da revista A Ordem e presidente do
Centro Dom Vital, afirmava que era necessário lutar para que os princípios básicos
da ordem cristã orientassem a constituição do país. O decreto de 1931 representou
uma vitória para o movimento católico, mas não era suficiente. A mobilização em
torno da constituição seguiu em todo país.

98 LEON, ADRIANA. O jornal Estrella do Sul como...


O que está em Jogo
Entre as aspirações dos católicos brasileiros quanto à futura constituição, lugar principal
ocupa, sem dúvida, a admissão do ensino religioso, dentro do horário oficial, nas escolas
públicas.
E se nisto não pleiteamos um privilégio exclusivo para nós, mas acordamos em que tal
autorização venha em favor de todas as religiões constituídas, é porque, com espírito de
tolerância, queremos expandir qualquer contenda confessional neste assunto, e porque
estamos convencidos da capital importância da causa.
E desta capital importância é que os católicos brasileiros devem convencer-se e ter nítido
conceito do que está em jogo neste momento histórico do nosso país.
[...]
Ora, na democracia, no regime republicano, o governo e as leis devem ser o resultante
da vontade popular, que se manifesta pela eleição dos seus representantes, incumbidos
de plasmarem a nova constituição.
Daí decorre, em rigorosa lógica, a responsabilidade dos cidadãos católicos: a eles cabe
dizer se ratificam ou não o ato ímpio da expulsão de Deus da escola.
Esta responsabilidade será tanto daqueles que votarem em candidatos partidários do
ateísmo oficial na instrução pública, como daqueles que se conservarem indiferentes e
alheios ao pleito: uns e outros ratificam a expulsão de Deus; os primeiros explicitamente;
os segundos tacitamente, mantendo-se calados, quando não lhes é permitido silenciar.
Portanto, brasileiros católicos, é disso que se trata, quanto à escola e quanto à aspiração
do ensino religioso: todos em geral, e cada um individualmente, na futura eleição para a
constituinte, hão de dizer se querem Deus na escola, ou se dela querem expulso.
(ESTRELLA DO SUL, 26/04/1931, p. 1)

No intuito de garantir suas reivindicações, a Igreja estabelece diversas estratégias


de mobilização popular, dentre elas a criação da LEC (Liga Eleitoral Católica), em
1932. A Liga tinha como objetivo, em 1933, eleger constituintes comprometidos com
os princípios defendidos pela Igreja Católica. Não estava ligada a nenhum partido
político, mas era explicitamente anticomunista. De acordo com Almeida (2007), a
LEC estimulava os católicos a votar e promovia candidatos comprometidos com os
seus pressupostos. Nas eleições para constituinte de 1933, a LEC organizou uma
grande campanha nacional e elaborou um programa mínimo contendo três pontos:
defesa da indissolubilidade do laço matrimonial e reconhecimento dos efeitos civis ao
casamento religioso, incorporação legal do ensino religioso facultativo nos programas
de escolas públicas e regulamentação da assistência religiosa facultativa nas Forças
Armadas (HORTA, 1994, p. 112). A incorporação legal do ensino religioso facultativo
nos programas de escolas públicas é o eixo pautado pela imprensa católica, no que
se refere ao debate educacional.

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 88-110, fev. 2017 a mai. 2017. 99
A mulher que, até então, não era estimulada a participar da vida pública, ganha status
neste espaço, ocorre uma grande campanha estimulando a sua participação social nas
eleições de 1933, momento de escolha dos deputados à constituinte, que pautaria,
dentre outras questões, o ensino religioso facultativo nas escolas.

A Mulher e a Política
Como deve a mulher receber o direito do voto em relação à sua autonomia na sociedade?
Com a mais legítima satisfação. Se ela é parte integrante da sociedade, concorrendo com
os seus esforços para o progresso do país, justo é que interfira nos negócios públicos.
Existe já um grande número de brasileiras capazes, pela sua cultura, de dar
convenientemente o voto para a escolha dos que devem governar a nação.
(ESTRELLA DO SUL, 26/06/1932, p. 1)

A Igreja realizou um investimento considerável na atuação das mulheres como


estratégia para ampliar a intervenção católica. A defesa do voto feminino é um
exemplo dessa prática. Ao advogar a favor do voto feminino, a Igreja Católica
pretendeu o apoio das mulheres nas urnas e a consolidação de um laicato feminino
que ampliasse a ação da Igreja. Zanlochi (2001) observa que a mulher leiga está na
base das operações evangelizadoras; no entanto, a estrutura representativa da Igreja
é masculina, estabelecendo assim uma distinção de gênero explícita que propicia o
anonimato sobre a ação das mulheres.
Chamadas como: “Alerta! Brasileiras Católicas” (ESTRELLA DO SUL, 17/05/1931, p.
1), “Unidas às Urnas” (ESTRELLA DO SUL, 1º/05/1932, p. 3), “A Mulher e a Política”
(ESTRELLA DO SUL, 26/06/1932, p. 1) fizeram parte do cotidiano da imprensa católica
e a valorização da mulher ocorre pela valorização do gênero feminino, em alguns
momentos em depreciação ao gênero masculino.

E a todos os fatores da vitória, que nos sorri, junta-se o voto


feminino.

A mulher, com sua fina sensibilidade, que se apresenta, pela


primeira vez nos embates eleitorais, pressentirá melhor, por
certo, do que o homem, já embrutecido pelas paixões políticas,
as necessidades nacionais.

(ESTRELLA DO SUL, 01/05/1932, p. 3)

100 LEON, ADRIANA. O jornal Estrella do Sul como...


A valorização de características impressas ao gênero feminino, como a sensibilidade,
se tornam argumentos discursivos que têm como objetivo estimular o exercício do
voto das mulheres; é agregada a esse argumento a valorização do potencial reflexivo
desse grupo que, pela sua inatividade no universo da política, não apresentaria os
vícios dessas disputas e teria assim melhores condições de refletir sobre o futuro
da nação.
A mulher apresenta papel coadjuvante na cena pública e sua ação sempre foi
resguardada ao espaço doméstico em consonância com a educação da prole. A
alteração desse cenário, na virada do século XX, se deve às mudanças políticas e
culturais que perpassavam o país. Havia a necessidade da Igreja de ampliar o espaço
de intervenção social; neste contexto, as mulheres eram em um número considerável
no laicato católico e foram estrategicamente jogadas à cena pública, como tática de
ampliação social.
Sobre o cenário cultural e político é fundamental evidenciar que o movimento
feminista reivindicava estender o direito do voto às mulheres. A luta acerca do voto
ficou conhecida como 'sufragismo' e se alastrou por vários países no início do século
XX. No Brasil, esse movimento foi reconhecido como “primeira onda do feminismo” e
suas reivindicações estavam ligadas ao voto, à organização familiar, à oportunidade de
estudo e à ampliação profissional. Louro (1998, p. 15) observa que as reivindicações
das sufragistas brasileiras “estavam ligadas aos interesses das mulheres brancas, de
classe média, que poderiam alcançar essas metas”.
Embora o movimento sufragista não tenha apresentado, no Brasil, as características
de um movimento de massas, como ocorreu nos Estados Unidos e na Inglaterra,
sua atuação foi significativa para ampliar os direitos políticos das mulheres. Dentre
as táticas utilizadas pelo movimento, é notória a veiculação de suas atividades pela
imprensa, com o objetivo de mobilizar a opinião pública. Em 1919, Bertha Lutz,
bióloga engajada nas causas do feminismo, funda a Liga pela Emancipação Intelectual
da Mulher; posteriormente denominada de Federação Brasileira pelo Progresso
Feminino. Em 1927, devido à influência do Presidente do Rio Grande do Norte,
Juvenal Lamartine, foi incluído na Constituição do estado um artigo permitindo o
exercício do voto às mulheres. Tal iniciativa estimula a mobilização das mulheres, que
começam a requerer, em vários estados do país, seu alistamento eleitoral, provocando
acirrados debates jurídicos.
O direito ao voto foi sendo alcançado paulatinamente nos estados brasileiros. Dessa
forma, quando Getúlio Vargas promulga a lei que permitia o direito de sufrágio
às mulheres, este já era exercido em dez estados do país. Algumas constituições
estaduais já permitiam o exercício do voto às mulheres, com restrições específicas. Tal
deformidade causava equívocos que foram resolvidos com a padronização propiciada
pelo Código Eleitoral Provisório. O debate sobre o voto feminino estava presente
na sociedade, sendo a legalização dessa prática algo necessário para a estabilização

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do governo.
A lei eleitoral, decretada por Getúlio Vargas, em 1932, estabelecia o voto feminino
desde que atendidas algumas restrições que foram eliminadas no Código Eleitoral de
1934, ainda que o voto feminino se mantivesse como facultativo e o voto masculino
como obrigatório até 1946, quando o voto feminino passou também a ser obrigatório.
Independente das restrições impostas à participação da mulher no pleito eleitoral,
é indiscutível que a possibilidade da mulher votar e ser votada inaugura um novo
espaço para ela na vida pública do país.
Ao estudar a participação das mulheres no processo constituinte de 1933, é comum
encontrarmos afirmativas sobre a baixa participação feminina no pleito. No entanto,
é relevante considerar que o exercício do voto pelas mulheres estava primeiramente
tutelado pelo marido e provavelmente sob sua influência política. Também cabe
destacar que um contingente considerável de mulheres não se enquadrava nos
critérios estabelecidos pelo código para credenciar-se como eleitora e ficou à margem
do processo eleitoral.
Após a realização das eleições, para a assembleia nacional constituinte, foram eleitos
254 deputados e, dentre eles, uma mulher. Carlota Pereira de Queirós foi eleita por
São Paulo. No dia 13 de março de 1934, proferiu seu primeiro discurso: preocupava-
se com a criança abandonada, com a situação da mulher, com a educação e com a
assistência social.
Fora os limites práticos, ou seja, nem todas as mulheres poderiam se alistar para
votar, recorre aqui outro aspecto que trataremos de forma pontual: as mulheres
não estavam habituadas a participar do debate político e exercer o voto exigia uma
mudança de comportamento neste sentido. Se o voto feminino estava atrelado a
algumas ressalvas e sob tais condições, as mulheres poderiam participar ativamente
do processo constituinte de 1933; restava ainda consolidar na sociedade brasileira
o lugar para a mulher eleitora. Nessa construção, a Igreja Católica atuou de forma
eficiente.

O voto feminino
Como é de domínio público, o novo Código Eleitoral da República instituiu, entre nós,
o voto feminino.
Novidade, que é, na nossa legislação eleitoral, tem dado lugar a desencontradas opiniões,
cada qual a mais absurda, no tocante ao assunto, quando, no entanto, o código é de
grande clareza.
Basta tão somente que, para se qualificarem, juntem, as senhoras e senhoritas, ao
requerimento em que pedem sua qualificação, a prova de idade.
Sejam casadas, solteiras ou viúvas; tenham ou não tenham rendimentos, uma vez que
sejam maiores de 21 anos, podem ser qualificadas e inscritas como eleitoras.
[...]
(ESTRELLA DO SUL, 20/11/1932, p. 1)

102 LEON, ADRIANA. O jornal Estrella do Sul como...


Pode-se afirmar que a Igreja buscou construir nesse período um novo lugar
para a mulher e na constituição desse lugar ocorre uma redefinição dos papéis
desempenhados até então. Os impressos católicos anunciam esses novos espaços
e se constituem como uma estratégia de consolidação desse lugar para a mulher.
O lugar anunciado para a mulher se apresenta em diálogo com a modernização do país
e incorpora o léxico da modernidade para construir o discurso que estimula o exercício
do voto feminino; a mulher é repetidamente responsabilizada pelo desenvolvimento
da nação.
O voto é tratado como um dever a ser cumprido pela mulher católica e o
descumprimento dessa tarefa contribui de forma negativa para a construção do reino
de Deus na terra. As excitações acerca do cumprimento dessa tarefa são duramente
criticadas nos impressos católicos.

Incompreensão de um dever
“Pois eu não voto - sou contrária à intervenção de mulher na política”.
Essas palavras, caro leitor, são de uma zeladora do Coração de Jesus. Quero crer, porém,
que esta senhora peque por ignorância, por incompreensão.
Do contrário, que juízo se dê de sua religiosidade, de seu zelo.
Zelar significa dedicar-se ardentemente, desvelar-se.
Assim sendo, uma zeladora do Coração de Jesus deve zelar por tudo é que é d’Ele e
para Ele.
Pois bem.
Na política atual há duas correntes.
Uma quer, sob falsos escrúpulos de consciência, afastar o Brasil de Jesus e outra quer
mostrar ao mundo que o Brasil é uma nação católica.
A Sra. Zeladora não deseja, por certo, formar entre os que negam a Jesus o lugar a que
têm direito. Mas, formando entre os indiferentes, pouca distância a separa dos inimigos,
cuja vitória representa a derrocada dos ideais dos brasileiros católicos.
Senhora Zeladora! Lembre-se que não votar é desprezar as aspirações católicas.
Portanto, para que conserve dignamente o belo título de zeladora deve não só cumprir
pessoalmente o dever eleitoral, mas ainda zelar para que suas associadas cumpram.
Isto está nas atribuições de zeladora do Coração de Jesus, pois é por ele que a mulher
católica vai às urnas.
É para que seu nome abençoe nossa constituição!
É para que seja adorado por todos os brasileiros de boa vontade!
Anônima
(ESTRELLA DO SUL, 19/01/1933, p. 1)

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 88-110, fev. 2017 a mai. 2017. 103
Embora a possibilidade de participar do pleito eleitoral na condição de eleitora ou
candidata anuncie um espaço novo para a mulher, esse lugar não precisa estar atrelado
à ideia de emancipação feminina, pois se analisado pelo viés do catolicismo, o voto
feminino dialogou, neste período, com a ideia de conservadorismo e, corroborando
com Perrot (2005), manteve um modelo existente.
O voto feminino, tratado insistentemente no impresso, indica o processo de
reorganização política do país, o que implica em uma reorganização cultural. Se para
algumas mulheres votar era algo fundamental, para outras não! A ideia do voto estava
em fase de consolidação, e parte considerável das mulheres brasileiras não se sentiam
em condições de opinar sobre política.
O magistério era composto majoritariamente pelo sexo feminino e, por esse motivo,
a convocatória para as eleições assume tom dúbio, junto a este grupo, e convoca
os professores a participarem ativamente da modernização do Brasil. “Professores
católicos, chegou o tempo de agir e do professorado católico entrar em fase de
atividade para modernizar o Brasil. A pátria e a igreja esperam por vós!” (ESTRELLA
DO SUL, 20/11/1932, p. 4).
Convencer as mulheres a explicitar uma posição política era algo novo e exigiu o
envolvimento de vários setores, dentre eles a Igreja, que disputava questões relevantes
no período. Diversas atividades eram divulgadas pelo impresso Estrella do Sul, dentre
elas observa-se uma palestra proferida pelo presidente da Associação Católica de
Professores do Rio de Janeiro, que tratou de diversas questões relacionadas ao
cotidiano do magistério no Brasil e, por fim, faz um apelo ao voto feminino.

VOTO FEMININO
Senhoras e senhores,
[…]
Destinam-se estas lições a convencer as senhoras Brasileiras, de todas as idades e
condições, de que chegou também para elas uma época de envolvimentos e arrancadas,
em que toda mulher, como Joana D'Arc, na Guerra dos cem anos, terá de decidir, não com
metralhadoras ou granadas de mão, mas mercê do voto político e de sua colaboração
na vida pública, da sorte e destino do Brasil.
[…]

104 LEON, ADRIANA. O jornal Estrella do Sul como...


(ESTRELLA DO SUL, 30/10/1932, p. 3)

As professoras são alvo de dupla pressão, delas é exigido o entusiasmo didático e o


comprometimento com o desenvolvimento do país. Promover o desenvolvimento
significa participar do pleito eleitoral e estimular a participação de outros grupos em
prol dos interesses do catolicismo

O professor primário
Sinceramente, do fundo da alma, confesso que não reconheço quem mais trabalhe pela
honra e gloria da pátria e da humanidade, nem quem possa espalhar mais benefícios
no mundo. É por pensar assim é que me sinto revoltada contra quem desconhece a
influência da escola primária e muito mais ainda contra o próprio professor primário,
que não avalia no devido grão, a grandeza de sua missão.
Porque o dever do professor não se limita, não deve limitar-se a transmitir conhecimentos
ao espírito do aluno unicamente, e sim procurar, por todos os meios, incutir-lhe os sãos
princípios da moral, de par com os cuidados tendentes a assegurar-lhe robustez do
corpo, pois a educação é uma tríplice em seus fins’.
[…]
(ESTRELLA DO SUL, 17/07/1932, p. 1)

Em 1934, o tom do debate educacional, na imprensa católica, estava dado pela


comemoração. Os católicos tiveram suas reivindicações atendidas na constituinte,
o ensino religioso ganhou espaço nas escolas. Em Porto Alegre/RS, a arquidiocese
cria um departamento para auxiliar o funcionamento da disciplina de ensino religioso
nas escolas públicas.

Ensino religioso nas escolas públicas: sua solene instalação na arquidiocese de PoA.
Foi anunciada a criação do Departamento de Catecismo da Arquidiocese que terá como
uma de suas funções subsidiar as professoras da rede pública para ministrarem as aulas
de ensino religioso, bem como supervisionar a implementação dessas aulas.
(ESTRELLA DO SUL, 22/11/1934, p. 1)

Sob a mesma inspiração e buscando possibilitar formação aos educadores, foram


anunciados diversos espaços de formação para os professores, denominados como
“Retiro Espiritual”. Na prática, tais eventos consolidavam-se como espaços de

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 88-110, fev. 2017 a mai. 2017. 105
formação pedagógica, teológica e espiritual.

Retiro Espiritual
No dia 20 do corrente, às 18h, começará o retiro espiritual fechado para professoras
e catequistas, no Ginásio Nossa Senhora do Bom Conselho, terminando na manhã do
dia 24, véspera de Natal.
[...]
(ESTRELLA DO SUL, 13/12/1934, p. 4)

A formação pedagógica propiciada pela Igreja Católica e divulgada na imprensa está


atrelada à concepção de educação disputada pela instituição. Cabe explicitar que
esta posição não é antagônica à concepção de educação do Estado, pois em alguns
momentos ocorrem aproximações e em outros, afastamentos. Sobre o impresso
como uma possibilidade de formação junto ao professorado, observa-se a realização
de diversas atividades. Destaca-se, a seguir, o relato da visita do presidente da
Confederação Católica de Professores de Educação à cidade de Porto Alegre. Na
ocasião de sua fala, o presidente trata do ensino religioso e da renovação educacional
no Brasil.

Dr. Everardo Beckheuser


Acompanhando de sua consorte, chegou a esta capital, a 17 do mês corrente, o Sr.
Everardo Beckheuser, presidente da Confederação Católica de Professores de Educação
e da Associação Católica de Professores Católicos. No cais, foi aguardado por destacados
elementos católicos e saudado em nome do Exmo. Sr. Padre Luiz Gonzaga.
A noite de 18, no salão da Biblioteca Pública, iniciou uma série de conferências
pedagógicas, perante seleto e numeroso auditório.
O Exmo. Sr. Arcebispo metropolitano presidiu a mesa, fazendo a apresentação do orador,
que, em nome do professorado católico, foi saudado pelo Dr. Eloy José da Rocha.
A seguir, o Dr. Beckheuser iniciou a sua conferência sobre o tema: 'o ensino religioso
e a renovação educacional'. No decurso de sua oração, pôs em destaque a ação do
episcopado brasileiro, em fazer sair o Brasil do indiferentismo com que havia suportado
por mais de 40 anos o laicismo governamental.
Fartos aplausos saudaram suas palavras finais.
Por último, ergueu-se D. João Becker, que, após agradecer ao Sr. Everardo pela
conferência proferida, que qualificou de magnífica e emocionante, a presença, da
assistência, deu por encerrada a sessão.

106 LEON, ADRIANA. O jornal Estrella do Sul como...


No dia 19, fez a sua segunda conferência, que teve como objeto 'A escola nova no Brasil',
que não menos que a anterior foi apreciada e aplaudida.
[...]
(ESTRELLA DO SUL, 27/12/1934, p. 3)

Pode-se afirmar que a Igreja buscou construir, nesse período, um novo lugar
para a mulher e na constituição deste lugar ocorre uma redefinição dos papéis
desempenhados até então. O impresso católico anuncia esse novo espaço e se constitui
como uma estratégia de implementação desse lugar para a mulher. Considerando
que a educação escolar era o foco do debate, nota-se que os professores ganham
destaque nos impressos, pois eram convocados a participar ativamente do processo
de modernização do país.

Considerações finais

A igreja investiu estrategicamente na produção de impressos, visando aumentar


sua intervenção no espaço social. Dentre os temas tratados, a educação ocupa lugar
privilegiado, pois a escola, na concepção católica, é fonte de instrução religiosa.
A disputa acerca do ensino religioso facultativo constrói uma estrutura discursiva
que valoriza e estimula a participação da família nas decisões sociais, seja por meio
do voto, seja por meio da reivindicação perante o Estado.
A mulher é entendida como um importante segmento do laicato católico; é valorizada
socialmente pela possibilidade do voto e estimulada ao exercício do magistério. A
Igreja estabelece ações e espaços de formação para os professores como parte de
uma estratégia mais ampla que visava recatolizar o Brasil.
Por fim, o Estrella do Sul foi um mecanismo eficaz de comunicação que possibilitou
a articulação da Igreja Católica no centro do estado do Rio Grande do Sul,
concomitantemente orientou diversas mulheres ao exercício do voto e ao desempenho
de sua prática docente.

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Acervo Consultado
AHCMPA. - Arquivo Histórico da Cúria Metropolitana de Porto Alegre.

Recebido em novembro de 2016


Aceito em Setembro de 2017

Adriana Duarte Leon é doutora em Educação pela Universidade Federal de Minas


Gerais.

É professora efetiva do Instituto Federal Sul Rio-Grandense

110 LEON, ADRIANA. O jornal Estrella do Sul como...


Espelho de príncipe: reflexões a partir do Manual
de Dhuoda
Terezinha Oliveira
Ana Paula dos Santos Viana
Universidade Estadual de Maringá

Resumo
Apresentamos um estudo acerca do Manual de Dhuoda (século IX), visto por
estudiosos da obra como Espelho de príncipe, um gênero literário, cuja finalidade
era apresentar uma proposta de formação moral, política e religiosa para os
jovens desse período. Com essa perspectiva, este estudo situa-se no campo da
História da Educação Medieval, tendo como objetivo refletir acerca deste gênero
literário como elemento pertinente à formação do nobre cristão. A partir desta
perspectiva, tecemos reflexões ao sentido de autoridade e liderança; situaremos o
contexto histórico e as formulações contidas no Manual de Dhuoda, explicitando
em que medida sua proposta segue as premissas deste gênero literário.

Palavras-chave: História da Educação medieval. Dhuoda. Espelho de Príncipe.


Autoridade. Líder.

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 111-130, fev. 2017 a mai. 2017. 111
Prince mirror: reflections from the Manual of
Dhuoda

Abstract
We present a study of the Dhuoda Manual (nineteenth century), seen by scholars
as the work prince mirror, a literary genre whose aim was to present a proposal
for a moral, political and religious to the young people of that period. With this
perspective, this study lies in the field of Medieval History of Education, aiming to
reflect on this literary genre as a relevant element in the formation of the Christian
nobleman. From this perspective, we reflect the sense of authority and leadership;
We will place the historical context and the formulations contained in Dhuoda
Manual, explaining to what extent its proposal follows the premises of this literary
genre.

Keywords: History of medieval education. Dhuoda. Prince mirror. Authority. Leader.

Príncipe espejo: reflexiones desde Manual Dhuoda

Resumen:
Se presenta un estudio del Manual Dhuoda (siglo IX), visto por los estudiosos
como el espejo príncipe trabajo, un género literario cuyo objetivo era presentar
una propuesta de moral, política y religiosa a los jóvenes de la época. Con esta
perspectiva, este estudio radica en el ámbito de la Historia Medieval de Educación,
con el objetivo de reflexionar sobre este género literario como un elemento relevante
en la formación del noble cristiana. Desde esta perspectiva, se reflexiona el sentido
de la autoridad y el liderazgo; colocaremos el contexto histórico y las formulaciones
contenidas en el Manual Dhuoda, explicando en qué medida su propuesta sigue las
premisas de este género literario.

Palabras clave: Historia de la educación medieval. Dhuoda. Prince espejo.


Autoridad. Líder.

112 OLIVEIRA, TEREZINHA; VIANA, ANA PAULA. Espelho de príncipe: reflexões...


Miroir prince: réflexions de Dhuoda Manuel

Résumé:
Nous présentons une étude du Dhuoda Manuel (IXe siècle), vu par les chercheurs
comme le miroir des travaux de prince, un genre littéraire dont le but était de
présenter une proposition pour une morale, politique et religieux pour les jeunes
de cette période. Dans cette perspective, cette étude se situe dans le domaine de
l'histoire médiévale de l'éducation, dans le but de réfléchir sur ce genre littéraire
comme un élément pertinent dans la formation du noble chrétien. Dans cette
perspective, nous réfléchissons au sens de l'autorité et de leadership; nous allons
placer le contexte historique et les formulations contenues dans le manuel Dhuoda,
expliquant dans quelle mesure sa proposition suit les locaux de ce genre littéraire.

Mots-clés: Histoire de l'éducation médiévale. Dhuoda. Miroir Prince. Autorité.


Leader.

Introdução

A obra de Dhuoda (século IX), intitulada La Educación Cristiana de mi hijo, insere-


se sob o formato Espelho de Príncipe, um gênero literário que, no período medieval,
era composto por reflexões de orientação moral e política. Estas reflexões, em sua
maioria, estavam ligadas ao modelo cristão de virtudes. Com essa perspectiva,
observamos que este estudo situa-se no campo da História da Educação Medieval,
tendo como objetivo refletir acerca deste gênero literário como elemento pertinente
à formação do nobre cristão, ou de um príncipe, ou seja, daquele que cuja função
dirige-se à boa conduta e, por conseguinte, à governança.
A proposta deste estudo foi elaborada a partir de alguns fatores. Primeiramente,
explicitamos que são reflexões realizadas no contexto de um grupo de estudos,
certificado pelo CNPq e que suscitaram (e suscitam), em nós, questões e
inquietações, as quais culminaram em uma pesquisa de Mestrado. A partir dos
resultados das reflexões depreendidas naquele momento e em consonância
com situações vivenciadas cotidianamente constituíram-se alguns motivos que
ampliaram as reflexões acerca deste estudo, principiado outrora.
Vale destacar que as discussões desenvolvidas nos encontros daquele grupo
de estudos são motivadas por questões contemporâneas, cujo propósito é

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 111-130, fev. 2017 a mai. 2017. 113
pensar reflexivamente sobre a educação, ou seja, é em decorrência de nossas
preocupações com o pensar e o agir, segundo nossos conhecimentos para o ato de
educar as pessoas no tempo presente, que nos debruçamos sobre obras clássicas
e, por conseguinte, voltamos nosso olhar ao passado.
Compreendendo que há diversas perspectivas de análise no campo da História e
da História da Educação para olhar o passado, explicitamos que o campo teórico-
metodológico adotado é o da História Social, seguindo as premissas de longa
duração. Desse modo, o objeto de estudo faz parte da totalidade representada
pelos diversos aspectos que envolvem os homens. A História da Educação, por
seu turno, nos permite compreender a educação como fenômeno social, fruto das
relações humanas, necessárias à formação dos sujeitos para viverem em sociedade.
Esses aspectos que envolvem os homens são os que permeiam as relações sociais:
educacional, econômico, político, etc.
Assim, ao mencionarmos a pouco que são as questões, situações, embates
observados e debatidos nos dias atuais que impulsionam nossas inquietações e, por
conseguinte, resultam em nossa escrita, observamos que esses questionamentos
giram em torno da responsabilidade que uma pessoa (cidadã, mãe, professora)
tempara com seu próximo e, por conseguinte, sua sociedade. Como cidadãs,
compreendemos que as ações convergem ou não para o bem comum, para a
vida em comum de uma sociedade que vive, como outrora disse Hannah Arendt,
‘em tempos sombrios1 ’. Como mães, concentramos nossa atenção na e para a
educação de nossos filhos e entes, como estes pensam e agem em seu cotidiano
segundo sua educação. Como professoras, a apreensão reside em saber como está
a qualidade da educação brasileira2, da qual fazemos parte seja como estudante
de um Programa de Pós-Graduação, seja como professora, cuja função compete
formação humana e intelectual, tanto dos alunos quanto de outros professores, seus
pares. Desse modo, surgem alguns questionamentos: o que baliza a educação?
Qual a responsabilidade que cada pessoa tem perante essa sociedade a qual
pertencemos? Somos ‘espelho’ aos alunos, entes e pares?
As inquietações são diversas e temos consciência de que elas não estão dispostas
em um plano simples de serem respondidas. Contudo, acreditamos que o leitor

1 Utilizamos a expressão ‘tempos sombrios’ para nos referirmos ao conturbado cenário político atual em que se
encontra a sociedade brasileira . A referida expressão é oriunda de um dos títulos dos diversos livros escritos
por Hannah Arendt (1906-1975), filósofa política alemã de origem judaica. A referida obra é Homens em tempos
sombrios, publicado, pela primeira vez, em 1968, reúne ensaios biográficos de homens e mulheres que viveram
os “tempos sombrios” da primeira metade do século XX marcados pelo afloramento de regimes totalitários
como nazismo e stalinismo. Nesse sentido, ainda que aquele assunto influencie nossa busca por conhecer os
“Espelhos de Príncipe”, afinal, nos permite refletir sobre as orientações, princípios, formação para o ideal de um
bom governante, destacamos que não adentraremos nos pormenores da atual conjuntura política no Brasil, uma
vez que nos distanciaria do objetivo deste estudo.
2 O que chamamos de qualidade é a educação que propicia a pessoa uma formação ampla e capaz de tornar o
sujeito uma pessoa atuante e consciente de seus papéis sociais.

114 OLIVEIRA, TEREZINHA; VIANA, ANA PAULA. Espelho de príncipe: reflexões...


deva estar se perguntando: o que as situações, indagações aparentemente tão
corriqueiras de uma pessoa (cidadã, mãe e professora) têm relação com as reflexões
sobre o Espelho de príncipe enunciado no título deste estudo? Destacamos
que para compreensão das circunstâncias sociais, econômicas, políticas que
vivenciamos, foram e são imprescindíveis uma formação intelectual, humana, social
completa , e esta formação faz parte, a nosso ver, da caminhada acadêmica
pelos clássicos3. Com base nesses estudos, podemos compreender, por exemplo,
que o Espelho de Príncipe, que será analisado nas páginas seguintes, só pode
causar ansiedade por apreendê-lo se ele nos é ‘útil’, ou dito de outro modo, se o
conhecimento deste conteúdo histórico nos toca como vida, do contrário ele seria
apenas mais uma informação4.
Nesse sentido, do ponto de vista de estudiosos da obra de Dhuoda, seu manual
insere-se sob o formato Espelhos de Príncipegênero cuja finalidade era de apresentar
uma proposta de formação e de educação moral, política e religiosa para formar
os jovens desse período. Contudo, a obra de Dhuoda possui uma particularidade:
a autora não escreve para clérigos, laicos ou príncipes, e sim para o próprio filho,
Guilherme. Nas virtudes sociais necessárias à formação de seu filho, a fidelidade
ocupa espaço central. Ainda que dirija seu Manual no âmbito do sujeito singular
(Guilherme), porque é um homem que deve devotar fidelidade ao rei, essas relações
feudo-vassálicas só existem se pensadas coletivamente. Ou seja, os homens agem
individualmente e são responsáveis por suas ações, mas este singular faz parte do
todo, que é a sociedade do século IX.
Indubitavelmente, Dhuoda e seu filho viveram em uma sociedade hierarquizada,
em que reconhecem na autoridade do governante (Carlos, o Calvo), de seu pai
(Bernardo) e de Deus, personagens a quem eles deviam fidelidade. Assim, é legítimo
que os súditos sejam fieis ao rei, que os cristãos sejam fieis a Deus e os filhos, aos
pais. Do ponto de vista de Dhuoda, esta fidelidade é condição para a existência de
Guilherme e para o estabelecimento da ordem na corte, no convívio em comum, ou
seja, para a permanência de sua vida e para que exista o bem comum é preciso que
haja fidelidade à hierarquia, respeito à autoridade5. Para explicitarmos essa ideia,
teceremos algumas reflexões e aproximações acerca do sentido de autoridade e
liderança antes de adentrarmos na temática do Espelho de príncipe, uma vez que no
processo formativo de um príncipe, o qual tem a função de líder, de governança, ou
do nobre do século IX preconizado por Dhuoda nos moldes desse gênero literário,
é preciso ter autoridade.

3 Os clássicos, segundo Calvino (1993), se constituem como os notáveis escritos de formação, que transmitem
ensinamentos relevantes para qualquer momento da existência humana.
4 Compreendemos que a informação passa a ser conhecimento quando nos apropriamos dela.
5 Cumpre observar que o que entendemos por autoridade refere-se à responsabilidade do Ser mais experiente,
que detém conhecimento que o permita ser consciente de seus atos e de sua função social, capaz assim de
adquirir o respeito aos demais.

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 111-130, fev. 2017 a mai. 2017. 115
Com essa perspectiva, ao lermos alguns estudos que tratam sobre a educação,
especialmente, sobre o papel do mestre/docente, dois nos chamaram a atenção
no que tange a forma como evidenciam a temática: A violência escolar e a crise
da autoridade docente, de Júlio Groppa Aquino (1998) e A crise na Educação de
Hannah Arendt (1961). Além destes, outro escrito que baliza nosso estudo é do
mestre medieval Boaventura de Bagnoregio , intitulado As seis asas do serafim.
Os três escritos não se reportam ao gênero literário Espelho de Príncipe, como
fez Dhuoda ao redigir um manual a seu primogênito, almejando uma formação do
perfeito nobre cristão, mas os textos suscitam-nos a reflexão sobre a autoridade e
a responsabilidade que as pessoas e, sobretudo, o professor/mestre desempenham
em seu lócus de atuação e, por conseguinte, na sociedade. Afinal, a nosso ver,
na ambiência educacional, são os professores que atuam como líderes, como
autoridades para o bem educar de seus alunos. Contudo, os referidos textos são
escritos por estudiosos de diferentes épocas, de áreas distintas do conhecimento,
com fundamentações teóricas diferentes, mas que nos apontam para percepções
que evidenciam a ausência do sentido de autoridade, de responsabilidade, o
‘espelho’ outrora visto como pertinente à formação prezada por Dhuoda.
Desse modo, procuraremos demonstrar, com este estudo, que olhar o passado
nos toca enquanto vida na medida em que nos permite pensar a educação. Nesse
sentido, se em Dhuoda vemos a preocupação em redigir um livro que sirva de
espelho para as ações de seu filho, de sua formação, para se torne um ‘perfeito
nobre’; observaremos em Boaventura de Bagnoregio o destaque à formação do
líder, da boa governança, dos ‘degraus’ necessários a serem trilhados pelo mestre
para que se torne, de fato, mestre, o exemplo, o espelho aos seus estudantes.
Esclarecemos, portanto, a organização deste estudo. Após as aproximações
com os textos e as questões elencadas, entrelaçaremos o contexto histórico e as
formulações contidas no Manual de Dhuoda, explicitando sua proposta pedagógica,
ou seja, ao ler o texto daquela que ensina, analisamos a relação educativa que
ela estabelece com o filho e entendemos isso como um projeto de educação,
procurando compreender em que medida sua proposta segue as premissas do
gênero literário Espelho de Príncipe.

116 OLIVEIRA, TEREZINHA; VIANA, ANA PAULA. Espelho de príncipe: reflexões...


O sentido de autoridade e líder: reflexões e aproximações

O primeiro texto, A violência escolar e a crise da autoridade docente de Aquino


(1998), trata da violência e da autoridade no contexto escolar, destacando como
um dos motivos para essa problemática o fato de que tanto a escola quanto seus
sujeitos não se identificam como seres diretamente envolvidos no processo. Uma
das razões a essa ausência de pertencimento ou reconhecimento seria a forma
como eles os compreendem na escola e esta, por sua vez, como é vista por eles na
sociedade:
Em termos especificamente institucionais, a ação escolar seria marcada por uma espécie
de "reprodução" difusa de efeitos oriundos de outros contextos institucionais molares (a
política, a economia, a família, a mídia etc.), que se fariam refletir no interior das relações
escolares. [...] a escola e seus atores constitutivos, principalmente o professor, parecem
tornar-se reféns de sobredeterminações que em muito lhes ultrapassam, restando-lhes
apenas um misto de resignação, desconforto e, inevitavelmente, desincumbência perante
os efeitos de violência no cotidiano prático, posto que a gênese do fenômeno e, por
extensão, seu manejo teórico-metodológico residiriam fora, ou para além, dos muros
escolares. Nessa perspectiva, a palavra de ordem passa a ser o "encaminhamento".
Encaminha-se para o coordenador, para o diretor, para os pais ou responsáveis,
para o psicólogo, para o policial. Numa situação-limite, isto é, na impossibilidade do
encaminhamento, a decisão, não raras vezes, é o expurgo ou a exclusão velada sob
a forma das "transferências" ou mesmo do "convite" à auto-retirada. Como se pode
notar, os educadores quase sempre acabam padecendo de uma espécie de sentimento
de "mãos atadas" quando confrontados com situações atípicas em relação ao plácido
ideário pedagógico. Entretanto, o cotidiano escolar é pródigo em eventos alheios a esse
ideário-padrão. (Aquino, 1998, online)

O autor destaca que a problemática que ocorre no interior da escola não é


compreendida como de responsabilidade de seus ‘atores constitutivos’, mas sim é
delegada ao sistema econômico, político, à família, aos meios de comunicações, ou
seja, todos os setores sociais interferem no ambiente escolar e tem sua culpabilidade
, já os professores, diretores, coordenadores, enfim, os atores da escola não sentem
essa responsabilidade, afinal, a instituição escolar é fruto ou, simplesmente, o ‘espelho’
da crise que acomete as relações sociais. Assim, diante da omissão das pessoas
envolvidas na escola, o autor assinala uma nova postura, a do ‘encaminhamento’,
isto é, encaminha-se de uma esfera a outra na instituição, mas não há quem se
responsabilize, que se comprometa com a problemática em evidência.
Nesse sentido, ao conformar-se com a situação, já que do ponto de vista desses
sujeitos, a sociedade, o contexto em que estão inseridos são assim e não há o que
se fazer, justificam sua inoperância e se eximem da responsabilidade concernente a
cada pessoa, e, sem perceberem ou reconhecerem, perdem a autoridade, a referência,

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 111-130, fev. 2017 a mai. 2017. 117
a direção.
No segundo texto, escrito por Hannah Arendt (1961), intitulado A crise na Educação,
a autora o inicia tratando do processo de crise em que a questão da educação se
deparou, no século XX, na América. A autora ressalta esta ideia evidenciando que
essa crise tornou-se um problema político. Contudo, Arendt (1961, p. 2) destaca que
em face das adversidades que assolam a política, a mesma não se atentou àquela não
só porque “[...] é tentador considerá-la como mero fenômeno local, desligadas dos
problemas mais importantes do século [...]”, como também, em seu ponto de vista, é
difícil pensar, de forma política, a educação.
Em virtude dessa crise, a autora considera imprescindível ‘retirar’ desse campo do
saber preconcepções que a cerceiam e produzem preconceitos, pois do ponto de
vista da autora “Uma crise só se torna desastrosa quando lhe pretendemos responder
com ideias feitas, quer dizer, com preconceitos” (Arendt, 1961, p. 2). Essa ‘retirada’
possível passa pela conscientização dos sujeitos da educação ao fazer com que não
se destituam de sua autoridade em função de uma educação democrática:
Deste modo, o que faz com que a crise da educação seja tão especialmente aguda entre
nós é o temperamento político do país, o qual luta, por si próprio, por igualar ou apagar
tanto quanto possível a diferença entre novos e velhos, entre dotados não dotados,
enfim, entre crianças e adultos, em particular, entre alunos e professores. É óbvio que
este nivelamento só pode ser efetivamente alcançado à custa da autoridade do professor
e em detrimento dos estudantes mais dotados. (Arendt, 1961, p. 5)

Com o intuito de apagar o passado, erradicar a diferença entre os desiguais, os


países lutam para cessarem as desigualdades sociais e hierárquicas, enfim, fazerem
todos iguais. Contudo, essa postura acentua uma crise na sociedade, pois as pessoas
não são, naturalmente, iguais. Do ponto de vista da autora, essa política acomete
a educação, pois tende a situar professores e alunos em um mesmo patamar: o da
igualdade, ainda que não o sejam; e, por conseguinte, ocasiona a quebra de autoridade
do professor, dificultando ou mesmo tolhendo a aprendizagem do aluno, uma vez
que ao ser igual ao professor o aluno nada tem a aprender, logo, o professor nada
tem a ensinar. Assim, a autoridade, para Arendt (1961), é uma responsabilidade dos
pares para com o próximo, em suma, para com a sociedade:
O professor [...] é aquele que é capaz de ensinar qualquer coisa. A formação que recebe
é em ensino e não no domínio de um assunto particular. [...] Porque o professor não tem
necessidade de conhecer a sua própria disciplina, acontece frequentemente que ele sabe
pouco mais do que os seus alunos. O que daqui decorre é que, não somente os alunos
são abandonados aos seus próprios meios, como ao professor é retirada a fonte mais
legítima da sua autoridade enquanto professor. Pense-se o que se pensar, o professor
é ainda aquele que sabe mais e que é mais competente. Em consequência, o professor
não autoritário, aquele que, contando com a autoridade que a sua competência lhe
poderia conferir, quereria abster-se de todo o autoritarismo, deixa de poder existir. Foi

118 OLIVEIRA, TEREZINHA; VIANA, ANA PAULA. Espelho de príncipe: reflexões...


uma moderna teoria da aprendizagem que permitiu à pedagogia e às escolas normais
desempenhar este pernicioso papel na atual crise da educação. Essa teoria é, muito
simplesmente, a aplicação lógica da nossa terceira ideia-base, ideia que foi durante
séculos sustentada no mundo moderno e que encontrou a sua expressão conceptual
sistemática no pragmatismo. Essa ideia-base é a de que se não pode saber e compreender
senão aquilo que se faz por si próprio. A aplicação à educação desta ideia é tão primitiva
quanto evidente: substituir, tanto quanto possível, o aprender pelo fazer. (Arendt, 1961,
p. 6-7)

A partir do momento em que o professor tem de ensinar ao aluno ‘saber-fazer’, ou seja,


entendendo o ensino somente como aquele que pode ser materializado, seu saber
abstém-se de profundidade, de propriedade em um determinado tema, conteúdo
. Assim, estabelece-se um ‘conhecimento’ pautado em informações aligeiradas,
superficiais. No afã de conhecer de tudo um pouco, o professor, efetivamente,
conhece muito pouco e, com isso, o conhecimento/a, ciência elaborada, consolidada
no curso da história, cede lugar a um ensino, um saber transformado em pragmatismo,
como bem demonstra a autora na passagem. Desse modo, o professor deixa de
ser autoridade em seu lócus de atuação, afinal, ele se iguala ao seu aluno no que
tange ao conhecimento. Isso, portanto, dificulta o aprendizado do aluno, posto que
não lhe seja requisitado ou propiciado o uso da memória, da reflexão, aspectos
imprescindíveis para a formação dos estudantes, condição elementar para o uso
do intelecto, do discernimento em suas ações. Ao conhecer somente o presente,
restringir-se a ele em nome do cotidiano, é como se estivesse delimitando a existência
da humanidade à existência do próprio sujeito, não lhes pertencendo o passado. A
sensível compreensão de tempo histórico fora, outrora, observada por Bloch (2001, p.
65) ao assinalar que “[...] A incompreensão do presente nasce fatalmente da ignorância
do passado. Mas talvez não seja menos vão esgotar-se em compreender o passado
se nada se sabe do presente”.
Nesse sentido, a pertinência do professor em se fazer instrumento de mediação
entre passado e o presente está em fomentar o sentido de responsabilidade inerente
e necessário à condição humana. Portanto, ensino e educação são faces de uma
mesma moeda.
Os dois autores, contemporâneos, que trouxemos à baila para fundamentar
nosso debate explicitaram que o conhecimento pressupõe apropriar-se de saberes
elaborados cientificamente pela humanidade, no curso da história. O ensino, por sua
vez, tem sua legitimidade conservada se preservar a tradição do conhecimento. E,
nesse aspecto, bem demonstraram a pertinência em se preservar a autoridade do
professor.
Recuando na história, e guardadas as devidas proporções, o terceiro escrito, intitulado
As seis asas do Serafim, do mestre medieval do século XIII, Boaventura de Bagnoregio
, também nos ensina sobre a pertinência da autoridade daquele que ensina, o mestre,

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 111-130, fev. 2017 a mai. 2017. 119
ou aquele cuja função assenta-se na arte da governança, da perspectiva de liderança
com vistas ao bem comum. A partir da leitura desta obra, observamos o quão imbuído
de autoridade e sabedoria deve se apropriar um líder:
Dá ao sábio ocasião de aprender, e se lhe acrescentará sabedoria. Sendo que muitas
vezes o sábio, por uma simples ocasião, consegue adquirir sabedoria mais alta, como
também, não raro, se aprende pela estultícia de outrem, o presente opúsculo poderá
incitar à reflexão, sobretudo os novatos e os que ainda não possuem muita prática no
ofício de governo e no perfeito discernimento do bem e do mal [...] Dentre muitos devem
ser escolhidos superiores os mais idôneos. Os principiantes precisam de um mestre
(Boaventura, As seis asas de Serafim, Prólogo, § 1).

Tendo em vista a formação humana e intelectual de uma pessoa, sobre a qual


discorremos anteriormente, destacando a importância da figura do professor enquanto
autoridade, observamos, com essa passagem, que esse processo formativo também
foi objeto de reflexão, sob outro contexto, de Boaventura de Bagnoregio. Do ponto
de vista deste pensador medieval, é preciso que os principiantes sejam orientados por
uma pessoa experiente e com sabedoria, já que se assim não o fosse, os ensinamentos
não possibilitariam a capacidade em discernir entre o bem e o mal. Do mesmo modo
que, se este alguém não trilhasse o conhecimento reflexivo dos princípios sagrados,
seus atos não convergiriam ao bem comum, à humanidade. Sendo assim, não se
constituiria em líder ou mestre, posto que para o autor seja inerente ao líder, àquele
que ensinava, pensar primeiro em seu semelhante para depois em si mesmo, em sua
singularidade.
Nesse sentido, o autor compreende que Jesus foi o exemplo de líder deixado pelo
Criador, e por meio de seus ensinamentos sagrados evidenciou a possibilidade que
Deus concedeu aos homens de tornarem-se mestres. Contudo, para alcançar tal
intento, somente àqueles que desenvolvessem a inteligência recebida e, ao refletir,
agissem de acordo com os mandamentos de Deus poderiam, assim, se destacar.
Desse modo, adquirir o discernimento para trilhar o caminho entre o bem e o mal e,
por conseguinte, chegar à salvação eterna seria conquistado apenas por meio dos
ensinamentos dos mestres, os quais, por não somente ensinar, mas praticar o que
se ensinava é que se consistiria em um bom líder:
Por conseguinte, é mister que aqueles que deverão governar a outros utilmente,
possuam várias virtudes, das quais algumas se refiram a si mesmos, a fim de viverem
irrepreensivelmente; outras se refiram aos seus superiores, para obedecerem
humildemente e devidamente; e mais outras, enfim, se refiram aos súditos, de acordo
com as quais deverão regê-los meritoriamente e os promoverão a aspirações mais altas.
(Boaventura, As seis Asas do Serafim, cap. I, § 4)

A boa governança, tendo em vista o poder de liderança, pressupunha, também, virtudes,


as quais são apontadas pelo autor em três perspectivas: as virtudes concernentes

120 OLIVEIRA, TEREZINHA; VIANA, ANA PAULA. Espelho de príncipe: reflexões...


ao próprio homem ou o próprio líder; aquelas que se reportavam a necessidade de
os discípulos compreenderem o respeito pertinente aos seus superiores ; e, por fim,
as que implicariam na importância de saber ordenar, e esta ordem deveria balizar os
atos humanos pelos princípios da Sagrada Escritura. Desse modo, liderar significava
obedecer às ordens dos líderes superiores, em que a humildade deveria fazer-se
presente nesse agir humano e, por conseguinte, ensinar ou ordenar seus súditos a
fundamentar suas ações nos princípios sagrados. Esses ensinamentos de liderança e
humildade, também são, anteriormente, considerados por Dhuoda como pertinentes
à formação de Guilherme, afinal, deve obediência e fidelidade à autoridade do rei
(Carlo, o Calvo), à seu pai e à Deus, devendo diante deles agir com humildade.
Com base nessas premissas, Boaventura parte seu discurso, e refere-se aos
homens da Igreja, que se destacavam como líderes. Em consonância às formulações
apresentadas pelo autor, o bom governante seria aquele que sabia dirigir sua família,
direcionar os filhos, ensinando-os a discernir entre o bem e o mal. A Igreja e seus
representantes, por seu turno, teriam a incumbência de ensinar os mandamentos
divinos e, com isso, suas ações deveriam, conscientemente, ser comedidas e suas
palavras sabiamente proferidas, pois suas atitudes e condutas seriam exemplo para os
pares, servindo de modelo. É, pois, sob este aspecto, o de modelo a ser seguido que
observamos que Dhuoda redige o Manual dedicado ao seu primogênito Guilherme
prezando, com ele, à formação do nobre perfeito cristão do século IX, ou nas palavras
da autora “[...] para que sea leído como modelo de tu formación” (Dhuoda, 1995, p.
51).

O Manual de Dhuoda: um Espelho de Príncipe

Dhuoda foi uma mãe aristocrata de origem germânica e aliada à dinastia


carolíngia, que escreveu o Manual, intitulado, La educación Cristiana de mi hijo, para
seu filho, Guilherme. Esta é a única obra que os estudiosos de Dhuoda reconhecem
como de sua autoria, e, a nosso ver, este escrito oferece-nos um duplo aprendizado:
o conhecimento histórico, pois elucida o conturbado contexto do qual a autora foi
partícipe, e o educativo, por se encaixar nos padrões formativos do gênero literário
Espelho de Príncipe. Essa obra expressa a crise vivida pelo Império Carolíngio e o
início das relações feudovassálicas. Ao redigi-lo Dhuoda procura ensinar a seu filho
os valores morais, os comportamentos e as virtudes necessárias à sua educação
(Nunes, 1995).
Dhuoda faz duas observações que nos remete ao gênero Espelho. Primeiramente,
a menção ao jogo de dados/tabuleiro, que era indicado para que os jovens se
distraíssem e, em concomitância, fossem iniciados na aprendizagem da estratégia

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 111-130, fev. 2017 a mai. 2017. 121
e da tática militar. Segundo, a menção ao costume das mulheres de se olhar em um
espelho no intuito de averiguar a limpeza de seu rosto e, também, deixá-lo bonito
para seu respectivo esposo. Dhuoda deseja que Guilherme se entretenha com o
Manual como fosse um espelho e um jogo de tabuleiro:
Como el juego de las tablas entre los otros juegos mundanos aparece ahora como el
más conviniente y adaptado a los jóvenes, o como algunas mujeres tienen la costumbre
de mirar su cara en los espejos, para limpiar los defectos y mostrar su belleza com la
intención de agradar a sus maridos en esta vida, así espero que tu, atareado por las
muchas ocupaciones mundanas y seculares, leas frecuentemente este pequeño libro
que te he dedicado a ti, como si se tratara de un mirarse em los espejos y un juego de
tablas, em recuerdo mio, y no lo desprecies. [...] Encontrarás en él todo lo que deseas
aprender; también hallarás um espejo en el que podrás contemplar sin duda la salud de
tu alma, de forma que puedas agradar en todo, no sólo al mundo, sino también al que
te ha formado del polvo de la tierra. (Dhuoda, 1995, p. 55-56, grifos da autora)

Atenta à formação do filho, tendo em vista as condições sociais de sua época, a


autora insiste para que ele leia o Manual para salvação de sua alma e de seu corpo.
Este objetivo poderia ser atingido por meio da sabedoria, obtida pela apropriação
dos ensinamentos contidos no Manual, e do laço jurídico, estabelecido por meio do
juramento de fidelidade ao suserano.
Costa (2001) nos auxilia no entendimento do que seria o gênero literário dos
Espelhos, embora trate de um período posterior ao de Dhuoda. Por meio de seu
artigo, intitulado O Espelho de Reis de Frei Álvaro Pais (c. 1275-1349), e de seu conceito
de tirania, podemos compreender o conceito de espelho para os medievais:
Espelho do latim speculu: reprodução fiel da imagem, representação, reflexo. Em seu
sentido figurado, um modelo, exemplo a ser seguido, imitado. Deriva do verbo depoente
latino speculor, cuja primeira acepção é observar. Essas palavras, por sua vez, derivam da
raiz indo-europeia scop. [...] Mas como os pensadores da Idade Média entendiam esta
alegoria? A tradição veterotestamentária traz a idéia do Espelho como um lugar que o
homem, ou melhor, os reis, podem vislumbrar a ação de Deus. No Livro da Sabedoria,
obra que se insere na tradição literária parenética [...] encontra-se uma passagem em que
o autor se vale desta metáfora reino-terrestre celeste: “A Sabedoria é mais móvel que
qualquer movimento [...] Ela é um aflúvio do poder de Deus, uma emanação puríssima
da gloria do Onipotente, pelo que nada de impuro nela se introduz. Pois ela é um reflexo
da luz eterna, um espelho nítido da atividade de Deus e uma imagem de sua bondade”
(Sb, 7, 24-26). (Costa, 2001, p. 339)

O autor parte do vocábulo em latim para nos informar da acepção literal e figurada
de espelho e, então, apresentar a acepção medieval. Explicando que o termo refere-
se, primeiramente, à representação fiel de uma imagem, afirma que, no medievo,
relaciona-se à Sapiência: esse objeto (espelho) é um meio/possibilidade de os homens
medievais observarem a ação divina e a imagem de sua benevolência:

122 OLIVEIRA, TEREZINHA; VIANA, ANA PAULA. Espelho de príncipe: reflexões...


Assim, desde a tradição deuterocanônica, o Espelho é o lugar da contemplação, a porta
por onde os soberanos podem receber a iluminação que reflete a luz divina da Sabedoria.
Com ela, através do Espelho, os reis podem exercer sabiamente o ofício da Justiça à
maneira de Salomão. O Espelho representa a Sabedoria e faz parte da simbologia do
poder monárquico e da educação do príncipe.

Por sua vez, na tradição filosófica ocidental, o Espelho também representa, desde Platão
(c. 429-347 a.C.) até Plotino (204/205 – 270 d.C.), a alma. Segundo este último, a imagem
de uma pessoa está sujeita a receber a influência de seu modelo, como um Espelho
(PLOTINO, Ennéades, Paris, IV, 3); a alma possui duas faces: um lado inferior, voltado
para o corpo, e um lado superior, voltado para a inteligência (PLOTINO, Ennéades, III,
43; IV, 88). [...] Platonista da escola de Orígenes, Gregório acreditava que para qualquer
método ser eficaz deveria se como um Espelho. Assim como uma virgem, espécie de
corpo-espelho onde as pessoas poderiam ter um vislumbre da pureza da alma, da imagem
de Deus. [...] (Costa, 2001, p. 340).

Costa aborda, detalhadamente. o significado de espelho na cultura medieval. Iniciando


pela tradição bíblica, passa para a tradição filosófica (mencionando Platão, Plotino
e Gregório de Nissa) e esclarece que o sentido medieval dessa alegoria é o de lugar
de contemplação das virtudes.
Lauand esclarece que:
O Espelho é um gênero literário que traça o retrato de um ideal, especialmente o ideal
moral. Na Gália franca, os espelhos eram sobretudo obras de espiritualidade escritas por
clérigos para leigos. Daí a extrema originalidade de Dhuoda, uma mulher, leiga, e mais:
uma mãe escrevendo para seu filho. Original também é o caráter pessoal e autobiográfico
que Dhuoda imprime ao livro, que não se reduz a um tratado de moral ou espiritualidade,
mas visa a formação geral do perfeito gentlemam. (LAUAND, 1986, p. 122)

No Manual de Dhuoda, o ideal preconizado é o do perfeito nobre cristão. Sua obra


não pode ser considerada apenas como de espiritualidade, justamente porque visa a
formação integral de seu filho, ou seja, sua formação corpórea e espiritual, que seria
pautada em diversos conhecimentos.
Merino , fundamentando-se em Hadot, afirma que obras permeadas por regras de
comportamento já eram encontradas desde o inicio da Idade Média. Exemplifica com
Santo Agostinho, que, no século IV, um tempo de guerras, invasões e hostilidades,
redigiu dois escritos bíblicos na forma desse gênero literário: um foi direcionado aos
clérigos e aos laicos e o outro, de caráter semelhante, foi destinado aos príncipes
cristãos, com o intuito de formar uma cultura religiosa que conduzisse seus
comportamentos.
Outro autor no qual Merino se apoia para abordar esse gênero literário é P. Toubert.
Reproduzimos uma das passagens citadas por Merino, porque, nela, são descritas as

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 111-130, fev. 2017 a mai. 2017. 123
peculiaridades desse estilo literário:
En primer lugar, la composición de la obra es relativamente libre y sólo limitada em su
organización por una comparación obligatoria entre las virtudes y los vicios. En la misma
obra - y constituye la segunda característica –, se preconiza un ideal social basado en una
combinación de la moral cristiana y la moral establecida por los caballeros de la época.
En tecer lugar, la argumentación esta toda ella imbuída del pensamiento agustiniano.
Finalmente, respecto al contenido, la obra depende totalmente del público al que esta
destinada. (TOUBERT apud MERINO, 1995, p. 21)

O Manual de Dhuoda contém as características mencionadas por Toubert. Durante sua


leitura, podemos detectar o cotejamento entre os vícios e as virtudes, a presença de
um ideal social unindo a moral cristã e a moral cavalheiresca (demonstrada pela polidez
e pela gentileza, conforme ela as descreve, instando-o a praticá-las) e, sobretudo, a
relação entre seus argumentos e o pensamento agostiniano.
Assim, a premissa veiculada nos Espelhos de Príncipes de que ao seguir as instruções
contidas nos manuais de governança o príncipe se tornaria perfeito e, assim como
ele, todo o seu reino, reflete em Santo Agostinho. Isto porque a concepção ideal
de homem como base para a formação humana (enquanto realidade pertencente
ao mundo terreno) segue a premissa agostiniana de que a perfeição (que remete
a ação divina) deve ser fundamento da formação do homem (um ser terrestre), à
medida que observamos em seu pensamento que a realidade terrestre pode ser
compreendida como a réplica, relativamente, bem sucedida de um ideal, ou seja,
para Santo Agostinho “[...] a imagem vista no espelho é que é de fato a imagem ideal
da realidade terrestre”. (Le Goff, 1999, p. 360)
Em razão do desdobramento educativo e histórico, respectivamente, contido no
Manual de Dhuoda, vamos nos deter em dois aspectos que evidenciam a influência do
pensamento agostiniano. O primeiro é que, em todas as partes da obra, percebemos
que a autora se fundamenta na Sagrada Escritura. Suas referências mais constantes
são os Salmos, livro bíblico estudado por Santo Agostinho em uma de suas obras.
Por exemplo, o Salmo 41, citado por Dhuoda:
[...] Así, dice en el Salmo 41: Como el ciervo... . Los ciervos tienen esta frecuente costumbre:
cuando tratan de atravesar en grupo los mares o anchos ríos de aguas com remolinos de
mar, uno tras outro, apoyan la cabeza y la cornamenta sobre la espalda del anterior para
sostener sus cuellos unos a otros, y así, descansando poco a poco, pueden atravesar más
fácil y velozmente el rio. Tal es su inteligencia y tal es también su discreción que, cuando
perciben la fadiga del primero, cambian al primero al último y eligen como primero al más
cercano, para que este sostenga o reconforte a los demás. Así, reemplazándose unos a
otros, se transmite por cada uno de ellos el afecto del amor [...]. (Dhuoda, 1995, p. 99)

124 OLIVEIRA, TEREZINHA; VIANA, ANA PAULA. Espelho de príncipe: reflexões...


Esse salmo também é mencionado pelo antigo pensador.
[...] Corre a la fuente, desea a la fuente de agua. Em Dios está La fuente de vida, fuente
perenne; em su luz encontraréis La luz que no se oscurece. Desea esta luz, esta fuente,
esta luz que no conocen tus ojos. El ojo interior se apresta para ver esta luz, la sed
interior se inflama para beber de esta fuente. Corre a la fuente, desea la fuente. Pero no
corras de cualquier modo, como cualquier animal; corre como el ciervo. ¿Qué significa
“corre como el ciervo”? Que no sea lento el correr; corre veloz, desea pronto la fuente.
El ciervo posee uma vertiginosa velocidade. (San Agustín, 1964, p. 6)

As passagens elucidam a erudição demonstrada pela mãe ao orientar o filho a trilhar


o caminho cristão. O que observamos é que a autora oferece um desdobramento
educativo dos fundamentos de Santo Agostinho. Ela procura mostrar a Guilherme
que ele deve ser astuto (inteligente), tal como a corça (cervo), e que deve procurar
a fonte de água viva (leia-se Deus como sabedoria). Por isso, instiga-o a manter o
desejo, a avidez, a sede, a estima, a honra, para que, assim, saiba amar e reconhecer
a quem e por quem deseja ser reconhecido e, desse modo, possa ser recompensado
com tais sentimentos.
O segundo aspecto relaciona-se ao primeiro subtítulo do capítulo II do Manual de
Dhuoda:
La Trinidad santa foi um tema que santo Agostinho, teólogo e doutor da Igreja, tentou
exaustivamente compreender. É com esse tema que Dhuoda inicia o capítulo. La Trinidad
Santo, hijo, como leemos, se refiere al Padre, al Hijo y al Espíritu Santo. No me atrevo
ni puedo decirte lo que tendría que consignarte al respecto em este capítulo de mi
pequeño libro. Lee los escritos de lós Padres ortodoxos y hallarás lo que es Trinidade.
(Dhuoda, 1995, p. 73)

Assim, percebemos que, como cristã, Dhuoda compreendeu a complexidade a ser


enfrentada para tratar do mistério da Santíssima Trindade e aconselha Guilherme a
ler os Padres da Igreja.
Ao convidar Guilherme a ler os Padres da Igreja, ela demonstra conhecer o que eles
escreveram: “[...] los santos Padres tuvieron esa solícita preocupación, de forma
que indagaron sobre el misterio de la Trinidad Santa, creen ló que encontraron, y lo
matienen com toda seguridade” (Dhuoda, 1995, p. 73).
Dhuoda destaca-se, portanto, pelo cunho pedagógico com que estrutura sua obra
e pelos princípios cristãos e morais com os quais modela seus conselhos. Em outros
termos, seu Manual contém ensinamentos religiosos, mas também é revestido de um
cunho educativo, destinado ao comportamento do filho e à sua convivência entre os
pares. Assim, Pernoud (1984), Riché (1975) e Merino (1995) consideram esta obra o
mais antigo tratado francês de Educação e o único no gênero, do período, com nítida
distinção entre os demais Espelhos carolíngios:

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 111-130, fev. 2017 a mai. 2017. 125
Dhuoda era sin duda uma de las mujeres más destacadas de su tiempo. Efectivamente,
el Manual posee um enorme cúmulo de citas bíblicas, em mayor abundancia las Del
Antiguo Testamento que lãs Del Nuevo, y da testimonio igualmente de lós conocimientos
más extendidos em la cultura de aquella época. Contiene, por ejemplo, um pasaje de la
Historia de la Natureza de Plinio el Joven, lugares de la obra de Prudencio, de Donato,
etc. Es verdad que lós gramáticos de aquel entonces gustaban aducir um gran número
de obras de lós autores clássicos, y por lo que el Manual nos transmite, Dhuoda debió
ser uma de lãs alumnas más aplicadas em este sentido. (Merino, 1995, p. 28)

Observa-se, assim, que sua cultura estava respaldada no saber medieval que é a
Sagrada Escritura e os escritos poéticos e gramáticos da antiguidade. O conhecimento
de Dhuoda leva alguns estudiosos como Riché (1975) e Nunes (1995), a considerá-
lo um saber especial e substancialmente original já que não era comum às mulheres
escreverem obras dessa natureza, pois:
O Manual de Dhuoda, diz Riché, destaca-se pela originalidade, já que o seu autor não foi
um clérigo mas uma mulher leiga, nobre e casada, “o que lhe confere um lugar único na
literatura latina da [...] Idade Média”. O Manual é um livro de educação que uma zelosa
e erudita mãe escreve para seu filho, e nesse gênero é uma obra literária única, que
Dhuoda redigiu como o seu testamento espiritual, sobre possuir caráter autobiográfico
que os outros espelhos não apresentam [...]. (Nunes, 1995, p. 140)

Ao dialogarmos com Dhuoda, isto é, ao estudarmos seus ensinamentos, percebemos


que seu conhecimento estava respaldado no pensamento cristão escolástico e que, de
posse dele, ela conduziu a educação de seu filho e, por extensão, do nobre do século
IX. Este anseio faz com que ela apresente uma cultura e erudição fundamentada em
alguns pensadores da Antiguidade e na principal fonte moral para a época, a Bíblia.
Nesse sentido, a preocupação dessa mãe cristã expressa uma questão, a nosso ver,
importante: a formação humana está condicionada às ações praticadas pelos homens
na terra, às suas ações cotidianas. O bem deve ser praticado em vida, em palavras,
em pensamentos e, sobremaneira, em atitudes.
Guilherme não foi um príncipe, mas sua mãe procurou formá-lo nos moldes dos
ensinamentos dos Espelhos, pois, assim, respeito, honra/honestidade, caridade e
outras virtudes que Dhuoda aconselha seu filho a praticar seriam hábitos a serem
desenvolvidos. É preciso agir de forma honesta, respeitosa e caridosa para que sejam
criados nos homens os hábitos dessas virtudes.
É, pois, nessa perspectiva que compreendemos a fidelidade apresentada por Dhuoda
como virtude, ou seja, Guilherme não nasceu de posse dela. Com base no Manual,
consideramos que, para o período em tela, é preciso ensinar a fidelidade para que
o outro aprenda a ser fiel. Desse modo, ela pode ser compreendida como virtude e,
ao mesmo tempo, como um preceito educativo, pois implica um processo de ensino
e de aprendizagem que a transforme em hábito e, por conseguinte, requer que a

126 OLIVEIRA, TEREZINHA; VIANA, ANA PAULA. Espelho de príncipe: reflexões...


pessoa aja de forma intencional para que ela delineie seu comportamento. Ao se
apoiar na permanência desses conhecimentos, Dhuoda procura, por um lado, educar
Guilherme e, por outro, mostrar a realidade posta pela crise do Império Carolíngio e
os princípios do sistema feudal.
Nesse sentido, explicitamos que a época e o texto da autora exprimem um valoroso
movimento histórico. Estamos nos referindo à realidade política do Império Carolíngio.
De acordo com Magne (1991), na sucessão de Carlos Magno (742-814) ascende ao
trono seu único filho sobrevivente, Luís, o Piedoso (778-840). Ele foi coroado pelo
próprio pai, em 813.
Luís, o Piedoso, teve três filhos do primeiro casamento: Lotário, Pepino I e Luís, o
Germânico. E Carlos, o Calvo, filho da segunda união (com Judite) ocorrida após
enviuvar-se. Com o nascimento deste e com a morte de Pepino I, o Imperador
considera justo doar o reino a Carlos, o Calvo. Esta decisão causa revolta entre os
irmãos, pois este último, por ser do segundo casamento era considerado bastardo
pela tradição carolíngia. Essa situação desencadeou, em 25 de junho de 841, a trágica
batalha de Fontanet (Magne, 1991). Posteriormente a esta, Luís, o Germânico e Carlos,
o Calvo proclamam a junção de seus interesses. Essa aliança ficou conhecida como
Juramento de Estrasburgo. Contudo, além da situação fratricida, parte do território
enfrentou migrações nômades, apressando assim, o fim deste Império. É, então, nesse
cenário conflituoso que Dhuoda escreve ao seu primogênito, recomendando-lhe,
como nobre, ser fiel a Deus, a seu pai e ao seu rei Carlos, o Calvo:
Tienes a Carlos como señor, porque Dios, como creo, y tu padre Bernardo lo han elegido,
para que tu le sirvas ya desde los primeiros años de tu juventud com todas tus fuerzas;
ten en cuenta que has salido de una família elevada y noble por ambos padres; no le
sirvas sólo por ser agradable a tus ojos, sino también conforme a tu inteligência, tanto
mediante el cuerpo como mediante el alma; guárdale em todo acontecimiento una
fidelidad provechosa, leal y segura. (Dhuoda, 1995, p. 86)

A virtude da fidelidade é apresentada por Dhuoda, de forma enfática, na terceira


parte do Manual. O conteúdo desta parte revela o quanto esta mãe estava imbuída
dos valores que deveriam permear a vida dos homens nobres que estavam à serviço
do rei. Encontramos aqui a essência educacional de seu manuscrito, a fidelidade,
evidenciada, a nosso ver, em três momentos principais, que, de fato, formam um
todo: primeiramente, a fidelidade a Deus, para, no segundo momento, alcançar a
fidelidade ao pai e, no terceiro, ao seu rei e senhor Carlos, o Calvo:
Te invito, pues, queridíssimo hijo Guillermo, que em primer lugar ames a Dios, como
ya tienes escrito arriba; a continuación, ama, teme y honra a tu padre; recuerda que de
él te viene tu condición en el mundo. Has de saber que desde os tiempos antiguos, los
que amaron a los padres y les fueron sinceramente obedientes merecieron recibir por
éstos la bendición divina. (Dhuoda, 1995, p. 84)

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 111-130, fev. 2017 a mai. 2017. 127
Por prezar a formação de seu filho, a autora ensina o respeito, a honra, a leitura e a
oração como quatro aprendizados indissociáveis da formação que lhe está oferecendo
e que convergem para a sua integridade física e espiritual. Ela compreende que,
praticando essas quatro instâncias de seu projeto de educação, o ser divino poderia
conceder-lhe, além dos bens espirituais, o bem na terra. Portanto, a autoridade de
Carlos, o Calvo, como líder e governante, precisa ser respeitada, honrada pelos seus
pares, pelos seus súditos, dentre eles, Guilherme. É, pois sob estes aspectos, que
compreendemos a pertinência de primeiramente termos refletido sobre o sentido de
autoridade, liderança e governança, afinal, apesar de vários séculos nos distanciarem
de Dhuoda, e esta, dos autores anteriormente analisados, os três sentidos, ainda
que de forma peculiar, balizam o pensamento e ensinamentos contidos no Manual
de Dhuoda.
Observamos que a preocupação da autora com a integridade física e espiritual do
filho é encontrada desde o início do Manual, quando ela lhe pede que o tenha como
um espelho em que possa se mirar diariamente. Assim como o espelho permite ao
homem conhecer a si mesmo pelo reflexo da realidade externa, a obra dessa mãe
cumpre o papel de refletir o interior dos homens e, de modo especial, de seu filho.

Considerações finais
Dhuoda destaca a importância do conhecimento para praticar a fidelidade: o ato
de ler é um aspecto pedagógico importante em sua obra, pois seria o primeiro passo
para chegar à apropriação dos ensinamentos nela contemplados. A leitura deveria
fazer parte do cotidiano de Guilherme, porque lhe daria condições de aprender todo
conhecimento já propagado pelos doutores da Igreja, da Bíblia e dos demais autores
que balizam a erudição de sua educadora e mãe. O caminho da leitura e da ação o
auxiliaria a compreender a seriedade em cumprir com suas obrigações perante seu
senhor, Carlos, o Calvo. Reitera que somente a fidelidade nas ações juntamente
com a constante oração poderiam ajudá-lo a passar pelas adversidades que poderia
encontrar em tempos conturbados como aqueles.
Além disso, os preceitos pela autora apresentados poderiam servir de orientação
para os demais homens do período. Preceitos estes essenciais para a constituição
do sujeito pensante, ou seja, daqueles cujo papel na sociedade abarca direitos e
deveres, para que tenham consciência de que as ações humanas interferem no bem
comum. Em suma, observamos que o Manual de Dhuoda contém o estilo do Espelho
de Príncipe, mas com uma peculiaridade: ela não escreve para clérigos, laicos ou
príncipes, e sim para o próprio filho.
Portanto, no decorrer de todo o Manual observamos que Dhuoda segue as premissas

128 OLIVEIRA, TEREZINHA; VIANA, ANA PAULA. Espelho de príncipe: reflexões...


do gênero literário Espelho de Príncipe, evidenciando as virtudes necessárias para
a formação humana de Guilherme. A pertinência do estudo dessa obra para a
pesquisa em História da Educação remete a alguns fatores, dentre eles podemos
pontuar que se constitui como recuperação de uma obra que contém um valoroso
movimento histórico (o contexto político-social do Império Carolíngio), apresenta
alguns fundamentos educativos do século IX e proporciona a reflexão deste fenômeno
atemporal que é a Educação. Compreender como esta se constituiu ao longo da
história revela a importância de experiências que estão distantes de nós, que já
ocorrerem e ficaram registradas historicamente, mas que podem contribuir para
a compreensão dos homens, das relações sociais e da forma como educam e são
educados.

Referências

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los-salmos-2>. Acesso em: 19 abr. 2016.

Recebido em maio de 2016


Aprovado em fevereiro de 2017

Terezinha Oliveira É Professora doutora do Departamento de Fundamentos da


Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de
Maringá. É bolsista de produtividade junto ao CNPq – PQII. Coordenadora do Grupo de
Estudos Transformações Sociais e Educação nas Épocas Antiga e Medieval (GETSEAM).
Email: teleoliv@gmail.com

Ana Paula dos Santos Viana é Doutoranda em Educação pelo Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá (UEM-PR). Bolsista
pela Capes. Membro do Grupo de Estudos, certificado pe lo CNPq, Transformações
Sociais e Educação nas Épocas Antiga e Medieval (GETSEAM). Email: ana_psviana@
hotmail.com

130 OLIVEIRA, TEREZINHA; VIANA, ANA PAULA. Espelho de príncipe: reflexões...


Participação e conflitos na gestão de escola
transformada em Comunidades de Aprendizagem

Edneia Virgínia Pinheiro


Celso Luiz Aparecido Conti
Universidade Federal de São Carlos

Resumo
Este texto apresenta os resultados de pesquisa realizada em uma escola pública,
com o objetivo de compreender as mudanças no seu processo de gestão, no
que se refere à participação e aos conflitos, em função da sua transformação
em Comunidades de Aprendizagem. Tem-se como referencial básico a teoria
da ação comunicativa e a metodologia comunicativa crítica. A investigação
indicou mudanças na unidade escolar, desde a implementação da proposta de
Comunidades de Aprendizagem, sendo as mais significativas a incorporação do
diálogo igualitário nos colegiados da instituição e a compreensão do conflito
como ponto de partida para a busca do entendimento, que se estabelece na
ação comunicativa.

Palavras-chave: Comunidades de aprendizagem. Gestão democrática da escola.


Gestão escolar e participação. Conflito na gestão escolar.

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 131-150, fev. 2017 a mai. 2017. 131
Participación y conflictos en la gestión de escuela
convertida en Comunidades de Aprendizaje

Resumen
Este trabajo presenta los resultados de una investigación llevada a cabo en una
escuela pública, con el fin de comprender los cambios en su proceso de gestión, por
lo que respecta a la participación y a los conflictos, en función de su transformación
en Comunidades de Aprendizaje. Se tiene como referencia básica la teoría de la
acción comunicativa y la metodología comunicativa crítica. La investigación ha
indicado cambios en la unidad escolar, desde la implementación de la propuesta
de comunidades de aprendizaje, siendo los más significativos la incorporación del
diálogo igualitario en los colegiados de la institución y la comprensión del conflicto
como punto de partida para la búsqueda del entendimiento, que se establece en la
acción comunicativa.

Palabras clave: Comunidades de aprendizaje. Gestión democrática de la escuela.


Gestión escolar y participación. Conflicto en la gestión escolar.

Participation and conflict in management of school


transformed in Learning Communities

Abstract
This paper presents the results of research conducted in a public school, in order to
understand the changes in their management process, with regard to participation
and conflicts, due to its transformation into Learning Communities. It has been
as a basic reference the theory of communicative action and communicative
critical methodology. Research has indicated changes in the school unit, since the
implementation of the proposed Learning Communities, the most significant being
the incorporation of equal dialogue in the institution's collegiate and understanding
of the conflict as a starting point for the search for understanding, which is
established in communicative action.

Keywords: Learning Communities. Democratic management of school. School


management and participation. Conflict in school management.

132 PINHEIRO, EDNEIA; CONTI, CELSO. Participação e conflitos na gestão...


Participation et conflits dans la gestion de l’école
transformée en Communauté d’Apprentissage

Resumé
Ce texte présente les résultats de la recherche menée dans une école publique, afin
de comprendre les changements dans son processus de gestion, en ce qui concerne
la participation et les conflits, en raison de sa transformation en Communauté
d'Apprentissage. Notre référence de base est la théorie de l'action communicative et
la méthodologie communicative critique. La recherche a indiqué des changements
dans l'unité scolaire depuis la mise en œuvre de la proposition des Communautés
d'Apprentissage, dont les plus importants sont l’incorporation du dialogue égalitaire
entre les membres de l'institution et la compréhension du conflit comme un point de
départ pour la recherche d’une entente, qui s’établit dans l’action communicative.

Mots-clés : Communautés d’apprentissage. Gestion démocratique de l’école.


Gestion scolaire et participation. Conflit dans la gestion scolaire.

Introdução

Comunidades de Aprendizagem (CA) consistem em uma proposta desenvolvida


pelo Centro Especial de Investigação em Teorias e Práticas Superadoras de
Desigualdades (CREA), da Universidade de Barcelona/Espanha, e busca minimizar
a distância existente entre escola e família, trazendo como fundamento a teoria
da ação comunicativa, postulada por Habermas, e a dialogicidade de Paulo Freire.
Almejando alcançar a transformação social e cultural da escola, uma CA visa à
construção da aprendizagem máxima para todos e todas, a boa convivência na
diversidade e a democratização da escola.
A transformação da escola em CA requer o envolvimento da família e da comunidade
de entorno, potencializando a participação na gestão e nos processos pedagógicos,
de modo que a instituição possa responder satisfatoriamente a suas demandas
educativas. Ao escolher se tornar uma CA, a escola opta por convidar a todos/as para
integrar seus espaços, trocar conhecimentos, aprender e ensinar simultaneamente.
Acredita-se, assim, na construção de um projeto conjunto, sempre visando à
potencialização da aprendizagem dos/as alunos/as. A proposta de Comunidades de
Aprendizagem, portanto, preconiza que a escola conheça os familiares de seus alunos

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 131-150, fev. 2017 a mai. 2017. 133
e a comunidade em que está inserida, reconheça seus saberes e com eles dialogue
em igualdade.
Ao se tornar uma CA, a escola passa também a ser um espaço no qual se busca a
superação dos obstáculos postos ao diálogo, fazendo uso desse para o alcance de
soluções que encaminhem para a aprendizagem máxima de todos/as os/as alunos/
as. Nesta proposta, indivíduos com diferentes culturas passam a dialogar entre si em
relação de igualdade, prevalecendo as ideias e não as pessoas, em função de suas
posições sociais. A proposta de Comunidades de Aprendizagem, assim, supõe que a
escola se torne parte da comunidade em que se encontra inserida, democratizando-a,
e por ela sendo democratizada.
A mudança ambicionada em Comunidades de Aprendizagem envolve a busca por
oferecer uma resposta às demandas da sociedade atual, partindo do compromisso
com o processo de transformação social, rumo a uma sociedade mais igualitária e
democrática. Buscando o êxito educativo, as CAs apostam em uma sociedade da
informação para todos/as, propiciando ao alunado a superação da barreira da exclusão
social e educativa.
Tendo em vista estas características de uma unidade escolar transformada em CA,
buscamos entender de que forma a participação de toda a comunidade escolar
efetivamente ocorria em uma escola municipal de educação básica – EMEB, e de que
maneira se manifestavam os conflitos nas relações entre os sujeitos e nos processos
de tomada de decisão. Isso porque os processos decisórios devem ocorrer com
base no diálogo, que adquire grande importância para que a comunidade chegue
ao consenso almejado e, em conjunto, possa agir em busca da transformação da
situação de exclusão social e educativa vivida pela população de periferia urbana
em uma cidade de médio porte, como é o caso da cidade de São Carlos/SP, onde
realizamos este estudo.
Como participação entendemos o modo pelo qual a gestão democrática é garantida,
proporcionando maior aproximação entre escola e comunidade, desencadeando um
processo coletivo de tomada de decisão e construção de objetivos compartilhados,
sobretudo, por meio do diálogo e busca do consenso. O tempo utilizado com o
diálogo nunca é perdido, já que por meio da problematização e da crítica ocorre a
inserção dos indivíduos na realidade, como sujeitos da transformação. “Toda demora
no início significa um tempo ganho em solidez, em segurança, em auto-confiança e
interconfiança”. (Quaglio, 2009, p. 149)
Em gestão da educação, aqueles que não fazem um esforço no sentido da ampliação
do diálogo rejeitam a organização e funcionamento do trabalho nas escolas como
situação dialógica de produção do conhecimento. Ao não aceitarem o diálogo
comunicativo, não geram “o processo de decisão cooperativa, que assegura o
desencadeamento das forças necessárias para promover o desenvolvimento almejado
em educação”. (ibid., 2009, p.150)

134 PINHEIRO, EDNEIA; CONTI, CELSO. Participação e conflitos na gestão...


Visando à superação dos obstáculos postos à participação na vida e na gestão da escola,
uma Comunidade de Aprendizagem convida familiares, alunos/as e representantes do
entorno para participarem de forma ampla dos colegiados e dos processos de tomada
de decisão. Por esta razão, optamos neste estudo por acompanhar o Conselho de
Escola e a Comissão Gestora da unidade, por se constituírem em espaços voltados
à gestão democrática e, também, por envolverem processos de tomada de decisão.
A Comissão Gestora, presente nas CA, é composta por familiares, professores/as,
gestores/as, voluntariado e demais interessados, e consiste na instância responsável
pela coordenação das atividades, o que envolve a discussão das formas de dinamização
do trabalho na escola. Cabe destacar que tal comissão não requer paridade numérica
entre representantes da escola e da comunidade usuária em sua formação.
Por meio do acompanhamento desses colegiados, procuramos identificar e analisar as
formas de conflito existentes, assim como os fatores que inibem ou que potencializam
sua ocorrência na CA. Buscamos também analisar os processos de tomada de decisão,
identificando de que maneira a participação de todos/as e o diálogo igualitário
interferem na geração ou inibição dos conflitos.

Pressupostos teóricos de Comunidades de Aprendizagem

A ação dialógica posta em prática nos processos de tomada de decisão, assim


como nas relações cotidianas em Comunidades de Aprendizagem, tem sua base na
teoria da ação comunicativa, de Jürgen Habermas.
Habermas (2001) entende que a racionalidade presente nas emissões ou manifestações
é medida pelas relações internas entre o conteúdo semântico, as condições de validade
e as razões que, se necessárias, podem ser alegadas em favor da validade das emissões
ou manifestações, em favor da verdade do enunciado ou da eficácia da regra da ação.
Uma manifestação cumpre os pressupostos da racionalidade somente se encarna um
saber confiável, mantendo uma relação com o mundo objetivo e resultando acessível
a um julgamento objetivo. A racionalidade existente na prática comunicativa remete
a diversas formas de argumentação e introduz uma longa excursão sobre a teoria da
argumentação, já que a ideia de desempenho discursivo das pretensões de validade
ocupa um posto central.
O conceito de ação comunicativa, elaborado por Habermas, refere-se à interação
de ao menos dois sujeitos capazes de linguagem e ação que iniciam uma relação
interpessoal na qual buscam se entender de forma a poderem coordenar em comum
acordo seus planos de ação. O conceito de interpretação se torna central, já que se
refere à negociação e definição das situações suscetíveis de consenso. A linguagem,

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 131-150, fev. 2017 a mai. 2017. 135
neste modelo de ação, é fundamental.
Em última instância, o conceito de racionalidade comunicativa, apresentado pelo
autor, possui conotações que remontam à capacidade que uma fala argumentativa
detém de reunir e de gerar consenso sem coações. Assim, os diversos participantes
superam a subjetividade inicial de seus respectivos pontos de vista e asseguram,
graças a convicções racionalmente motivadas, a unidade do mundo objetivo e a
intersubjetividade do contexto em que desenvolvem suas vidas, coordenando seus
planos de ação.
Supor que o entendimento funcione como mecanismo coordenador da ação significa
que os participantes em interação se colocam de acordo acerca da validade de suas
emissões ou manifestações, reconhecendo intersubjetivamente as pretensões de
validade com que se apresentam uns frente a outros. “Entender-se é um processo
de obtenção de um acordo entre sujeitos linguística e interativamente competentes”
(Habermas, 2001, p.368). Graças à sua estrutura linguística, um acordo alcançado
comunicativamente tem que ser aceito como válido pelos participantes, e não
apenas induzido por qualquer motivação externa, sendo assim proposicionalmente
diferenciado. A estrutura da argumentação deve excluir toda a forma de coação, se
utilizando tão somente do melhor argumento.
Os participantes no processo cooperativo de comunicação estão a serviço da
consecução de um consenso sob o qual possam coordenar os planos de ação e realizar
suas próprias intenções de ação. O consenso buscado deve se realizar mediante a
um acordo racionalmente motivado, ficando a ação comunicativa entre a expectativa
do consenso e o risco do dissentimento.
Habermas denuncia que o consenso nem sempre é alcançado na sociedade atual.
Há uma crise de consensos oriunda das patologias da comunicação inerentes à
estrutura da sociedade capitalista (Gomes, 2007). Segundo Habermas, à medida que
as distintas esferas de valor traduzem sua lógica própria em estruturas sociais das
correspondentes esferas da vida diferenciadas, o que corresponde a uma diferença
entre pretensões de validade no plano da cultura, a sociedade pode ser tomada por
tensões entre orientações de ações institucionalizadas, ou seja, por conflitos de ação.
(Habermas, 2001)
Quanto maior o grau de racionalidade comunicativa presente em uma comunidade em
comunicação, mais amplas se tornam as possibilidades de coordenação das ações sem
que se recorra à coerção, de modo a resolver consensualmente os conflitos de ação.
A busca permanente do consenso, pressuposta por Habermas, também pode ser
direcionada ao enfrentamento dos desafios educacionais atuais. A consolidação de
um projeto educativo voltado ao entendimento racional é a saída encontrada para o
alcance de um consenso que visa à superação das divergências e dos conflitos que
surgem nas relações sociais. Para isso, a ideia de consenso como fator de coordenação

136 PINHEIRO, EDNEIA; CONTI, CELSO. Participação e conflitos na gestão...


da ação dos sujeitos que participam do entendimento deve estar no núcleo desse
processo educativo. O entendimento deve buscar um consenso reconhecido sob
pretensões de validade e sustentado em dois planos fundamentais: no âmbito
das próprias expressões linguísticas e no contexto do mundo da vida. “O termo
‘entendimento’ tem o significado mínimo de que (ao menos) dois sujeitos linguística
e interativamente competentes entendem identicamente uma expressão lingüística”.
(Habermas, 2001, p.393)
Dessa maneira, a educação pensada enquanto ação orientada para o entendimento
passa a focar o estabelecimento da competência comunicativa dos educandos,
fortalecendo a crítica sobre as formas de utilização da linguagem. Ao rearticular
seu vínculo com a racionalidade comunicativa e com o mundo da vida, a educação
restabelece o potencial de racionalidade ofuscado pelo domínio de uma cultura
estrategicamente racionalizada. (Gomes, 2007)
Ao entender a sociedade como sistema e como mundo da vida, Habermas (2001)
reformula este último conceito para descrever a totalidade de vivências e experiências
das pessoas. A tradição cultural partilhada por uma comunidade é constitutiva de
um mundo da vida que os membros individuais encontram já interpretado, no que
se refere a seu conteúdo. Este mundo da vida intersubjetivamente compartilhado
constitui o fundo da ação comunicativa, o horizonte dentro do qual se movem os
participantes na interação, quando se referem tematicamente a algo no mundo.
O autor ressalta, porém, a existência de uma crescente sobreposição da racionalidade
cognitivo-instrumental sobre o mundo da vida, o que tem culminado em uma
colonização desse pelo mundo sistêmico. Com a presença da racionalidade cognitivo-
instrumental estruturada de forma hegemônica no mundo, é dirimida a possibilidade
de formação de consensos fundados em uma racionalidade comunicativa, que
contemplem as dimensões do mundo da vida.
De acordo com Pinto (1996), a colonização do mundo da vida se evidencia na
educação sob a forma da excessiva burocratização e do formalismo exacerbado.
Embora tanto escola quanto família se encontrem inseridas na esfera do mundo da
vida, esta burocratização, que se enquadra em um processo mais amplo, que ocorre
em toda a sociedade, leva à sua colonização pela racionalidade sistêmica.
Como resultado desse processo de colonização do mundo da vida no cotidiano
escolar encontra-se a passividade que é observada em professores, pais e alunos.
A reconquista dos espaços que foram tomados pelo sistema é apontada pelo autor
(Ibidem) como única saída para que as patologias oriundas de sua colonização sejam
sanadas.
Segundo Gomes (2007), a tarefa da educação deve ser orientada pela reversão
da colonização do mundo da vida por meio da ampliação do uso comunicativo
da linguagem, fundamentado na possibilidade do consenso a ser alcançado

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comunicativamente. Órgãos como os conselhos de escola, de acordo com Pinto
(1996), podem ser entendidos como uma tentativa do mundo da vida de resgatar
seus domínios, tomados pela burocratização da escola.
Dessa forma, sobressai a necessidade de importantes mudanças no que concerne
à gestão da educação, que deve envolver processos comunicativos de busca de
consensos, alcançados por meio do entendimento. Como na ação comunicativa as
decisões são tomadas de acordo com o melhor argumento (democracia deliberativa),
e não por maioria de votos (democracia representativa), é dirimida a possibilidade
de que o segmento escolar mantenha o controle do colegiado, com independência
da posição de pais e alunos.

Método e procedimentos de pesquisa


O estudo foi desenvolvido tendo como referência a metodologia comunicativa
crítica, fundamentada na teoria da ação comunicativade Habermas, que concebe a
análise da realidade sob um duplo prisma: o dos sistemas e suas estruturas, e o do
mundo da vida e a agência humana. A ênfase é posta nas interações ocorridas na
vida social, uma vez que aí se encontram as dimensões que levam à exclusão e à
inclusão, preconizando a transformação da realidade social.
Comunicação intersubjetiva e reflexão crítica constituem as bases da metodologia
comunicativa crítica, que é comunicativa porque supera a dicotomia objeto/sujeito
mediante à categoria intersubjetividade, e é crítica porque parte da capacidade de
reflexão e de autorreflexão das pessoas, almejando a geração de conhecimentos que
contribuam para a superação de desigualdades sociais. (Gómez et al., 2006)
Nesta perspectiva, entende-se que a realidade natural existe no mundo externo de
forma objetiva, independente da mente dos sujeitos; a realidade social, no entanto,
é construída por meio das definições dadas pelos atores mediante as interações,
partindo da capacidade de interpretação e da autocompreensão que têm indivíduos
e sociedades.
A perspectiva comunicativa crítica baseia sua validade no consenso permanente,
nunca fruto de coação ou imposição, mas sim comunicativamente alcançado, tendo
como eixo central o diálogo. Os significados emergem do consenso obtido pela
interação humana com base nas pretensões de validade.
Em uma pesquisa baseada na metodologia comunicativa crítica, os pressupostos
ontológicos dos investigadores não são mais complexos que os que devem ser
atribuídos aos atores sociais que participam do estudo, pois, segundo o modelo
comunicativo de ação, o agente dispõe de uma competência de interpretação

138 PINHEIRO, EDNEIA; CONTI, CELSO. Participação e conflitos na gestão...


igualmente complexa à do observador. O investigador, assim, tem a responsabilidade
de incorporar ao diálogo os conhecimentos disponíveis na sociedade científica,
conhecimentos estes que podem ser refutados, transformados, ampliados ou
complementados pelos argumentos empregados pelas pessoas investigadas ao
serem confrontados com os conhecimentos e a prática do mundo da vida dessas
pessoas (Gómez et al., 2006). A metodologia comunicativa crítica defende, portanto,
a interpretação conjunta da realidade social, feita tanto pelos investigadores quanto
pelas pessoas investigadas, em base de igualdade. (Elboj et al., 2002)
Por esta razão, esta investigação contou, em todas as suas etapas, com a participação
ativa da comunidade escolar. Permanecemos em constante diálogo com gestores/as,
professores/as, alunado, comunidade de entorno e familiares na busca de respostas
às questões inicialmente levantadas, processo este estabelecido, sobretudo, nas
reuniões dos colegiados da escola.
Os dados, eminentemente qualitativos, foram coletados por meio de técnicas
voltadas a um maior aprofundamento na relação pesquisadores/sujeitos pesquisados,
característica que as diferencia de outras técnicas semelhantes e mais tradicionais no
campo da investigação social. Para tanto, os procedimentos abarcaram entrevistas
em profundidade e observações comunicativas, estas últimas realizadas durante as
reuniões dos colegiados da escola.
As entrevistas em profundidade consistem em encontros com o/a participante, em
lugares de seu cotidiano, para falar sobre aspectos desse cotidiano. As análises e
compreensões vão sendo construídas em conjunto pelo/a pesquisador/a e pelo/a
participante, que conhece o tema e as intenções da investigação desde seu início. A
entrevista, transcrita, é revisada pelo/a entrevistado/a e a análise dos dados é com
ele/a discutida, o que permite que pesquisador/a e participante se comprometam
com a compreensão do tema investigado.
Ao longo do desenvolvimento deste estudo, buscamos analisar as informações
obtidas a partir da leitura exaustiva das entrevistas. Estas foram analisadas em
vários momentos e em diferentes âmbitos: inicialmente pelos pesquisadores de
forma individual, e posteriormente, em interação com os participantes da pesquisa,
para a averiguação do entendimento efetuado pelos pesquisadores nos diversos
momentos da entrevista em profundidade, dialogando sobre seu conteúdo, com
vistas a uma interpretação comum. Estes procedimentos metodológicos tiveram
como participantes: a diretora da unidade, a assistente de direção, uma professora
(que atuava como coordenadora pedagógica nos últimos dois anos) e um familiar.
Com o objetivo de preservar a identidade das pessoas entrevistadas, utilizamos siglas
para identificar cada uma das falas expostas na apresentação dos dados. No quadro a
seguir apresentamos as siglas utilizadas, que trazem a identificação do entrevistado,
precedida da modalidade de coleta de dados (entrevista) e do número da entrevista
em que a fala destacada se localiza (Ex: E1P = Entrevista 1, Professor).

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 131-150, fev. 2017 a mai. 2017. 139
Quadro 1: Siglas de identificação dos entrevistados
Entrevistado/a Sigla de identificação
Assistente de Direção E1AD
Coordenadora Pedagógica E1CP
Diretora E1D
Familiar E1F
Fonte: Dados da pesquisa.

Já as observações comunicativas, também utilizadas para coleta de dados nesta


pesquisa, devem ocorrer no ambiente da investigação, o que permite ao pesquisador
presenciar o fenômeno em estudo de forma direta. O que diferencia a observação
comunicativa das demais observações, no entanto, é sua natureza participativa,
que permite ao investigador aproximar-se de forma mais intensa das pessoas e
grupos estudados, possibilitando também que conheça a realidade social em que
está implicado. Esta técnica tem por objetivo dispor de registros narrativos da forma
mais exata e completa possível. Outro fator que a torna específica perante os demais
tipos de observação é o fato de que sua interpretação também se dá de maneira
intersubjetiva. Há um diálogo antes da observação, em que são decididos os seus
objetivos, e outro após a observação, em que se valida os resultados obtidos em
um diálogo intersubjetivo (Gómez et al., 2006). Especificamente neste estudo, as
observações comunicativas ocorreram ao longo de 14 meses, totalizando 20 (vinte)
observações realizadas predominantemente nos ambientes voltados à participação
na gestão da escola e processos de tomada de decisão.
Após a realização dos procedimentos qualitativos de coleta de dados, o processo de
análise englobou a busca por dois tipos de dimensões, sempre presentes na realidade:
dimensões que produzem exclusões ou obstáculos, ou seja, que se configuram
enquanto barreiras que impedem a efetivação de maior igualdade social, e dimensões
transformadoras, que mostram formas de superar estas barreiras. A distribuição dos
dados se deu conforme o quadro a seguir:

Quadro 2: exemplo de nível básico de análise - categorias e dimensões


Sistema Mundo da vida
Dimensões exclusoras/obstáculos 1 2
Dimensões transformadoras 3 4

Fonte: Gómez et al., 2006, p.103.

140 PINHEIRO, EDNEIA; CONTI, CELSO. Participação e conflitos na gestão...


Neste estudo, no entanto, optamos por substituir as categorias sistema e mundo
da vida pelas temáticas de interesse desta pesquisa, que foram identificadas nas
entrevistas em profundidade e observações comunicativas. Estas temáticas foram
cruzadas com as dimensões transformadora e exclusora, dando origem aos quadros
de análise que integram a investigação. Em uma investigação comunicativa crítica,
a presença dessas dimensões configura um primeiro passo para a concretização de
ações com vistas à superação dos obstáculos existentes na realidade estudada.

A pesquisa na unidade escolar transformada em Comunidades


de Aprendizagem e o resultado da análise da participação e
dos conflitos na gestão
No ambiente escolar, a problematização das relações com o mundo e sua
consequente transformação devem ocorrer por meio da participação de forma
igualitária em todos os seus ambientes, incluindo os âmbitos de tomada de
decisão relacionados à gestão, como Conselho de Escola e, em Comunidades de
Aprendizagem, também a Comissão Gestora.
É por meio da efetiva participação que a ação transformadora ocorre:
Participação implica que todos os membros da comunidade tenham acesso à tomada de
decisões, a como se estrutura administrativa e curricularmente a educação. Baseando-se
em que as proposições que realizem cada um deles devem estar sempre submetidas à
crítica por parte dos outros membros que também participam da tomada de decisões.
(Ferrada, 2001, p.103)

A incorporação da racionalidade comunicativa na educação, segundo Ferrada (2001),


implica na aceitação dos conflitos mediante pretensões de validade.
A superação desses conflitos deve ocorrer por meio de acordos racionalmente
alcançados, que dão origem ao consenso como fator de coordenação da ação
dos sujeitos que participam do entendimento comunicativo. Por esta razão, em
Comunidades de Aprendizagem, o dissenso deixa de representar falta de controle
sobre o mundo objetivo, já que por meio da linguagem e da ação busca-se a solução
para ele. O dissenso, segundo Ferrada (2001), adquire uma qualidade positiva, “como
ponto de início da busca do entendimento" (p.23). Isso porque as interferências e o
dissenso favorecem o enriquecimento da ação, em função das diversas opiniões e
interesses dos diferentes componentes da comunidade envolvida, que são suscetíveis
de crítica e modificáveis durante a ação. O dissenso (ou conflito), assim, não é temido,
mas entendido como próprio de uma comunidade submetida a um amplo e profundo
processo de comunicação.

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 131-150, fev. 2017 a mai. 2017. 141
Durante o período em que foram realizadas observações comunicativas nos colegiados
da escola transformada em CA, foram acompanhados os encontros mensais do
Conselho de Escola da unidade, que contava com a participação da diretora, de
professoras PIII (Educação de Jovens e Adultos/EJA), de funcionários/as, pais e/ou
responsáveis e, como presidente do Conselho, uma professora PII (séries iniciais do
ensino fundamental).
Foram acompanhadas também as reuniões da Comissão Gestora, que ocorreram
quinzenalmente, contando com a participação de todos aqueles que manifestaram
interesse em acompanhar e compartilhar o processo de gestão. Durante o período
de observação, a comissão contava com a participação de gestoras da unidade, de
professores/as e pais, representantes da associação de moradores, assistente social de
uma empresa multinacional presente no bairro e representantes da Unidade de Saúde
da Família (USF), além da gestora comunitária, responsável pelo desenvolvimento do
projeto municipal “Escola Nossa”, aos finais de semana, na unidade.
As observações comunicativas permitiram a constatação de que a dinâmica já
adotada pelas pessoas que participavam da Comissão Gestora tinha a busca pelo
consenso como fator de coordenação da ação. Foi observada também a presença da
racionalidade comunicativa, manifesta por meio dos procedimentos estabelecidos
pelo uso da argumentação. O consenso, nestas reuniões, se mostrou fundamental
para o desenvolvimento da competência comunicativa entre os sujeitos, atuando
como critério de validação do pensar e do agir. Propiciava-se, assim, não somente
que familiares e profissionais da escola pudessem problematizar suas relações com
o mundo, mas também voluntários/as, moradores/as do bairro, representantes de
indústrias locais, comerciantes e demais representantes da comunidade pudessem
somar forças e juntos refletirem, reivindicarem, exigirem, posicionarem-se, agirem e
transformarem. Garantia-se, dessa forma, que a Comissão Gestora não consistisse
em mais um órgão burocrático vinculado ao sistema, mas em manifestação do mundo
da vida na busca por reconquistar seu espaço.
No entanto, convém dizer que foi comum identificar na fala dos entrevistados uma
baixa participação de pais e familiares nos colegiados, conforme pode ser observado
no quadro a seguir, que apresenta as dimensões transformadora e exclusora vinculadas
à participação:

142 PINHEIRO, EDNEIA; CONTI, CELSO. Participação e conflitos na gestão...


Quadro 3: Participação nos colegiados e processos de tomada de decisão

Dimensão transformadora Dimensão exclusora


E1D- Fortalecimento da Comissão Gestora no E1D- Receio de que os participantes do
ano de 2008, com relação a 2007. Conselho de Escola concordassem com seus
argumentos por sua posição (diretora) e de
E1D- Ampliação do grupo da Comissão
que ocorresse manipulação.
Gestora a partir do ano de 2008, envolvendo
a participação da gestão e de coordenadores/ E1CP- Poucos representantes de pais na
as pedagógicos/as. Comissão Gestora.
E1D- Conselho de Escola teve grande E1F- Falta de interesse dos pais pelos
atuação no ano anterior, envolvendo a colegiados da escola.
participação de docentes, pressionando e
E1F- Necessidade de que mais pessoas do
reivindicando melhorias físicas para a escola.
bairro, interessadas em que este melhore,
E1D- Conselho de Escola atuou também participassem da comissão gestora.
com cobranças junto a políticos e Secretaria Necessidade de maior união.
Municipal de Educação.
E1D- Articulação entre o Conselho de
Escola e representantes da comunidade que
participavam do Orçamento Participativo da
prefeitura municipal, reivindicando melhorias
físicas para a escola.
E1D- Início, a partir de 2008, de articulação
entre Conselho de Escola e Comissão
Gestora, com representantes participando
dos dois colegiados.
E1D- A abertura para a participação
trazida pela proposta de Comunidades de
Aprendizagem tornava mais fácil a conquista
da autonomia da escola.
E1AD- Familiar percebeu a importância do
trabalho coletivo ao participar da Comissão
Gestora.
E1AD- Pai integrante da Comissão Gestora
começou a fazer uso da palavra nas reuniões.
E1CP- Importância das parcerias
estabelecidas na Comissão Gestora,
envolvendo representantes da USF, da T
(indústria multinacional), da associação
de moradores do bairro, do Núcleo de
Investigação e Ação Social e Educativa
(Niase/UFSCar), professores/as e
coordenadores.
E1CP- Iniciativa para o estabelecimento das
parcerias partiu da escola, dos integrantes da
Comissão Gestora.

Fonte: Dados da pesquisa.

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 131-150, fev. 2017 a mai. 2017. 143
Apesar do reconhecimento de todos/as os/as entrevistados quanto ao fortalecimento
dos colegiados nos últimos anos, a coordenadora (E1CP) e o familiar (E1F) apontaram
a necessidade de uma participação mais intensa de representantes da comunidade de
entorno para o alcance definitivo da articulação e colaboração entre esta e a escola.
A participação da comunidade nos processos de tomada de decisão era entendida pela
coordenação da escola como importante forma de trazer os familiares para sua práxis,
para que refletissem e agissem juntos, em colaboração. No decorrer da pesquisa fez-
se notório que, aos poucos, familiares e comunidade iam deixando de fazer parte
apenas das reflexões ocorridas nos colegiados, passando também a agir de forma
conjunta. Os entrevistados destacaram a nova significação que a participação adquire
quando a comunidade se percebe como capaz de refletir, agir, e assim transformar.
Diante da importância da participação de todos, alguns entrevistados argumentavam
que a escola deveria ainda tomar novas medidas, buscando maior aproximação com
a comunidade, cientes da força que o entendimento entre escola e entorno poderia
representar na coordenação dos planos de ação e busca da transformação almejada
por todos/as.
Como nos mostra Pinto (1996), ao focar a participação de familiares nos conselhos
escolares tendo como referência a teoria da ação comunicativa, a omissão dos pais
e sua não participação pode ser entendida como consequência da colonização do
mundo da vida pela racionalidade sistêmica e seus meios diretores dinheiro e poder:
À luz da teoria da ação comunicativa, esta omissão de assumir o papel de cidadão,
este medo de participar, de se expor, não pode ser entendido como fruto de um mero
ato de vontade do indivíduo, mas como consequência de um processo mais amplo de
colonização do mundo da vida pelos meios diretores dinheiro e poder, que atuam tanto
a nível da reprodução material do mundo da vida como no âmbito da reprodução de
suas estruturas simbólicas (cultura, sociedade e pessoa). (Pinto, 1996, p.151)

Esse contexto, todavia, não deve ser dado como definitivo. A descolonização do
mundo da vida, por meio da racionalidade comunicativa, a ser viabilizada também
pela participação nos colegiados e processos de tomada de decisão, deve continuar
a ser buscada pela escola. Tentativas podem ser empreendidas por meio de uma
maior adequação dos horários das reuniões aos horários disponíveis pelos familiares,
ouvindo suas sugestões, assim como procurando conhecer as razões pelas quais
têm participado pouco ou não têm participado. Buscar compreender os interesses
dos familiares e da comunidade, assim como aquilo que gostariam de ajudar a
viabilizar, pode consistir em mais uma maneira de trazer a comunidade para a escola,
fomentando a participação nos processos de reflexão, entendimento e tomada de
decisão.
Além da articulação entre escola e comunidade, vinha-se buscando a articulação
entre os dois colegiados da unidade. Dessa forma, discussões, reflexões e argumentos

144 PINHEIRO, EDNEIA; CONTI, CELSO. Participação e conflitos na gestão...


poderiam ser compartilhados entre todos/as. As análises realizadas pelos/as
integrantes dos colegiados apontaram um crescente fortalecimento tanto do Conselho
de Escola quanto da Comissão Gestora, ao longo dos últimos anos. A viabilização
de melhoras na aprendizagem, no funcionamento da escola e em sua abertura
para a comunidade eram os grandes objetivos da unidade, consistindo em alvos de
constantes reflexões nestes âmbitos voltados à tomada de decisão.
O diálogo mostrava-se elemento fundamental neste processo, já que por meio dele
se estabelecem os processos de colaboração, visando à construção de um mundo
comum. Com todas as falas confrontadas na interlocução, cria-se a possibilidade
de estabelecimento de novas compreensões e alcance do consenso, em busca da
superação dos obstáculos encontrados, possibilitando a implementação de ações
conjuntas.
Outro fator mencionado pelos entrevistados refere-se ao reconhecimento da
existência de conflitos nas relações entre as pessoas presentes na escola, conforme
dados identificados nas análises:

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 131-150, fev. 2017 a mai. 2017. 145
Quadro 4: Conflitos e processos de tomada de decisão
Dimensão transformadora Dimensão exclusora
E1AD- Conflitos na unidade diminuíram E1F- Existiam conflitos entre os/as alunos/
sensivelmente a partir do segundo semestre do ano as.
de 2007.
E1AD - Em 2007 as relações na unidade
E1AD – Relações conflituosas entre os profissionais eram bastante conflituosas, envolvendo
da EMEB diminuíram após a intensificação do alunos/as e também profissionais da EMEB.
diálogo.
E1AD - Algumas pessoas ainda não sabiam
E1AD - Diálogo entre os professores propiciou lidar com possíveis críticas.
o desenvolvimento de trabalhos em grupo
envolvendo professora que inicialmente se isolava
dos demais.

E1CP- Princípios apreendidos nas atividades


de Comunidades de Aprendizagem, como
solidariedade, por exemplo, eram estendidos às
relações estabelecidas na escola.

E1CP- Entendimento de que diálogo e


argumentação propiciam a mudança, partindo da
reflexão.

E1CP- Argumentação passava a fazer parte do dia-


a-dia da unidade escolar: aprender a argumentar, a
ouvir o outro e a refletir sobre a prática.

E1CP- Os conflitos ocorriam o tempo todo e eram


tidos como necessários para que existisse reflexão.

E1CP- Entendimento de que os conflitos não


levam à desestruturação, mas a um crescimento.
Assim, era importante que os alunos também
se posicionassem, colocassem opiniões e
argumentassem quando não estivessem de acordo.

E1CP- Entendimento de que os conflitos são


necessários, assim como deixar que o outro fale
e considerar seus argumentos, pois ninguém está
correto o tempo todo.

E1CP- Familiares procuravam a escola para reclamar


e dizer do que não estavam gostando, processo que
a escola via como necessário.

E1CP- Escola buscava transformar o conflito em


reflexão com os familiares e possível consenso, por
meio da argumentação.

E1CP- Solução dos conflitos na unidade tinham a


busca do consenso voltada para um ponto comum:
a qualidade da aprendizagem.
Fonte: Dados da pesquisa.

146 PINHEIRO, EDNEIA; CONTI, CELSO. Participação e conflitos na gestão...


Na análise realizada pela coordenadora pedagógica, os conflitos já não eram mais
dotados de caráter negativo ou entendidos como processo a ser evitado. Isto porque
as soluções para estes conflitos eram buscadas por intermédio do entendimento
comunicativo e de acordos realizados no coletivo.
Dessa maneira, entendeu-se que o conflito consiste em elemento propulsor da reflexão
sobre ações e entendimentos individuais e/ou concernentes à comunidade. Partindo
do conflito, chega-se ao enriquecimento das ações, ao se levar em consideração
opiniões e argumentos das diversas pessoas envolvidas no diálogo, suscetíveis de
crítica e modificáveis durante a ação.
Como destacado por Flecha (1997), “A ação dialógica necessita tanto do consenso
quanto do dissenso. Todas as experiências e teorias afins valorizam a necessidade
do primeiro. Porém, muitas insistem na importância do segundo” (p.79). Quando o
diálogo igualitário se faz ausente, a inexistência de conflitos nem sempre é sinônimo
da existência de consenso. Ao contrário, este aparente consenso pode ser fruto
de imposição, resultante das relações de poder: “Muitas vezes o diálogo aberto é
substituído por um consenso imposto pela posição hierárquica ou pelo status superior
do falante. Esse muro pode ser derrubado por meio do dissenso apoiado em seus
melhores argumentos” (Flecha, 1997, p.79). O conflito, assim, adquire a característica
de superação das relações de poder, que são substituídas pelo entendimento nos
processos decisórios, tendo como meio o diálogo igualitário e a argumentação. Dessa
forma, o conflito torna-se elemento necessário. Desconsiderar ou reprimir a existência
do conflito adquire características antidialógicas, de imposição e uso do poder.

Considerações finais
Comunidades de Aprendizagem acredita na ideia de que todas e todos têm
a capacidade de transformar seus contextos por meio do diálogo intersubjetivo,
superando situações de desigualdade e exclusão. Não ignora, destarte, as diferenças
existentes entre as pessoas, mas acredita que estas não consistem em barreiras para
que elas alcancem o entendimento e lutem por objetivos que são comuns (Elboj et
al., 2002). Refletindo juntos, em comunicação, e questionando o mundo, homens e
mulheres deixam de se adequar a ele, tornando-se mais atuantes, humanizando-se
e vendo-se como capazes de criar e agir. (Freire, 1980)
A construção comunicativa de significados, mediante interação, consiste em meio
para que as pessoas conheçam a realidade, a compreendam e a transformem, fazendo
uso da intersubjetividade, da reflexão e das teorias das pessoas que integram a
realidade social que almejam transformar. O entendimento, alcançado pelas pessoas
em um processo de recíproco convencimento, com base em pretensões de validade
suscetíveis de crítica, leva os diversos participantes à coordenação das ações,

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 131-150, fev. 2017 a mai. 2017. 147
motivados por razões. Dessa forma, as pessoas enfrentam as situações que tem se
tornado problemáticas por meio da ação comunicativa, com a tomada de postura de
afirmação ou negação frente a pretensões de validade dos sujeitos, chegando a um
acordo. Este acordo deve, necessariamente, ser aceito como válido pelos participantes
e nunca imposto por motivação externa. (Habermas, 2001)
Buscando este entendimento, a superação das relações de poder e a democratização
dos processos decisórios, a CA tem se dedicado à ampliação da participação de
representantes de professores/as, familiares e comunidade de entorno nos colegiados,
propiciando a todos/as o direito à palavra, pela qual o homem pronuncia o mundo e
também o transforma (Freire, 1980). Assim, almeja que todos os sujeitos sejam capazes
de problematizar suas relações com o mundo e lutar pelas mudanças necessárias.
A participação, essencial para a efetivação da gestão democrática nas escolas, não
é algo que possa ser imposto, mas sim alcançado de maneira gradual, por meio do
convencimento das pessoas, ao se verem articuladas com uma proposta entendida
como viável e que produza resultados. A participação de todos/os na solução dos
problemas da unidade de ensino impulsiona e encoraja a equipe escolar, familiares
e alunos/as, integrando-os à escola e fazendo com que se sintam parte do processo,
conferindo mais significado a suas ações e levando-os a assumirem responsabilidades
nos procedimentos de tomada de decisão, aferindo maior importância à escola e
ao que nela é desenvolvido. Logo, escola e comunidade se aproximam, dando
origem a um processo coletivo de tomada de decisão que envolve a determinação
de objetivos construídos e compartilhados por meio do diálogo e do consenso. Por
meio da participação é que são formados cidadãos conscientes, política e socialmente
participativos e voltados à transformação social.
Sabemos, entretanto, que o entendimento comunicativo nem sempre se faz
presente nas relações entre os sujeitos. A coordenação das ações, dada por meio de
reivindicação de validade às pretensões apresentadas, passa pelo reconhecimento
dessas no espaço público das razões. Quando o consenso não é alcançado nos três
planos compreendidos na intenção comunicativa do falante - verdade, correção
normativa e veracidade - surge o que Habermas (2001) identifica como distorção na
comunicação, ocasionando os conflitos.
Os conflitos que se estabelecem nas sociedades modernas colocam em questão a
capacidade de integração que compõe a unidade do mundo da vida. Compreendemos,
porém, que a presença de um maior grau de racionalidade comunicativa em uma
comunidade em comunicação amplia a possibilidade de coordenação dos planos de
ação, sem que ocorra coerção, resolvendo os conflitos por meio do consenso.
Isso posto, o consenso deve estar presente no núcleo do processo educativo, nas
relações cotidianas e na sala de aula, assim como nos processos de tomada de
decisão da CA. Reconhecido sob pretensões de validade suscetíveis de crítica, deve
se sustentar no âmbito das próprias expressões linguísticas e no contexto do mundo

148 PINHEIRO, EDNEIA; CONTI, CELSO. Participação e conflitos na gestão...


da vida. Por meio do consenso, a escola visa à recuperação de seu vínculo com a
racionalidade comunicativa, progressivamente tomada pela racionalidade cognitivo-
instrumental, própria do sistema, que leva à colonização do mundo da vida.
A saída apontada para a superação das patologias oriundas dessa colonização
consiste na reconquista, por parte do mundo da vida, dos espaços que lhe foram
tomados pelo sistema. Para que isso se dê, torna-se necessária a consolidação de
mudanças profundas na gestão da educação, voltadas para processos comunicativos
de busca do entendimento. Como âmbito onde ocorrem os processos de produção e
transmissão cultural, próprios do mundo da vida, a escola deve promover mudanças
nos mecanismos de decisão, levando em conta a participação de todos aqueles que
sofrerão os efeitos de sua ação (familiares, professores/as, alunos/as, gestores/as,
comunidade de entorno).
Diante da presença de diferentes pessoas, com diferentes culturas e diferentes
conhecimentos na escola, torna-se essencial que a comunidade em comunicação
alcance acordos, estabelecidos por meio da racionalidade comunicativa, para que
possam atingir seus objetivos. O diálogo cumpre a função de coordenar os planos
de ação entre os agentes formativos, permitindo que passem a planejar e executar
juntos o processo de educação escolar.
No caso da escola pesquisada, transformada em Comunidades de Aprendizagem,
houve avanços no que condiz à gestão, conforme já mencionado. Ainda que
houvesse dificuldade de participação, em termos numéricos, ela se dava de maneira
intensa. Em conjunto, professores/as, familiares, gestores/as, coordenadores/as
pedagógicos/as, representantes de órgãos públicos (Unidade de Saúde da Família/
USF e também da Secretaria Municipal de Educação) e empresas particulares,
representantes da associação de moradores do bairro, voluntários/as, representantes
do legislativo municipal, etc. possibilitaram que fossem colocadas em prática ações
com vistas à ampliação das parcerias estabelecidas pela unidade escolar, visando ao
desenvolvimento das atividades de CA e outras tantas, de interesse da escola.
Assim, em parte pela integração da Comissão Gestora e do Conselho Escolar,
houve uma boa articulação da comunidade escolar com a comunidade de entorno,
o que fortaleceu a ação da escola e favoreceu a expansão da pauta de debates,
nos colegiados, de modo que os assuntos circunscritos apenas ao âmbito interno
vinham, cada vez mais, acompanhados por outros, externos, mas relacionados à vida
da unidade escolar. Em certa medida, é como se escola se tornasse bairro, e o bairro
se tornasse escola. Tudo isso foi se dando porque todos os sujeitos envolvidos iam
conquistando o direito legítimo de fala, o que por vezes produzia conflitos, a partir dos
quais o movimento se dava na direção da ação transformadora, ou seja, estabeleceu-
se, pouco a pouco, uma dinâmica de maior participação, de maior legitimação das
falas e, por conseguinte, de busca de ações transformadoras da realidade concreta,
com base em consensos produzidos, ainda que provisórios.

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 131-150, fev. 2017 a mai. 2017. 149
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Recebido em maio de 2016


Aceito em julho de 2017

Edneia Virgínia Pinheiro é Doutoranda e mestre em Educação pela Universidade


Federal de São Carlos, Linha Educação Escolar: Teorias e Práticas. Pedagoga no
Instituto Federal de São Paulo. Email: edneiavpinheiro@hotmail.com

Celso Luiz Aparecido Conti é Professor Doutor Associado do Departamento de


Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de
São Carlos. Email: celsocon@ufscar.br

150 PINHEIRO, EDNEIA; CONTI, CELSO. Participação e conflitos na gestão...


Caminhos e descaminhos do retorno à escola: o
Programa Ação Integrada Adultos
Márcia Regina da Silva
Isabel Bilhão

Resumo
O artigo se insere no campo temático da Educação de Jovens e Adultos,
seus objetivos são: apresentar as peculiaridades de um programa municipal
desenvolvido na cidade de Esteio/RS, o Programa Ação Integrada Adultos;
identificar as características da escola e da turma que embasaram a investigação
e refletir sobre as histórias de vida e perspectivas dos sujeitos de pesquisa. A
metodologia constituiu-se da análise dos documentos referentes ao Programa,
observações das práticas pedagógicas e atividades escolares e realização de
entrevistas semi-estruturadas. Pretende-se contribuir para o aprofundamento
das discussões sobre diferentes modalidades de EJA refletindo, a partir desse
estudo de caso, sobre suas possibilidades, limites e contradições.

Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos. Histórias de vida. Programa Ação


Integrada Adultos.

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 151-171, fev. 2017 a mai. 2017. 151
Ways and waywardness of the return to school:
Integrated Action Adults Program

Abstract

The article is included in the field of Youth and Adult Education. The objectives
of the analysis are: to present the peculiarities of the of a municipal program
developed in the city of Esteio/RS, the Integrated Adults Action Program; identify
the characteristics of the school and the class that underpin the research and
reflect about the stories of life and future prospects of research subjects. The
methodological approach is from the analysis of the documents relating to the
Program, observations of teaching practices and school activities and carrying out
semi-structured interviews. We intend to contribute to the deepening of discussions
about different types of Youth and Adult Education reflecting, from this case study,
on its possibilities, limits and contradictions.

Keywords: Youth and Adult Education. Life stories. Adults Integrated Action
Program.

Caminos y descaminos del retorno a la escuela: el


Programa Acción Integrada Adultos

Resumen
El artículo se inscribe en el campo temático de la Educación de Jóvenes y Adultos,
sus objetivos son: presentar las peculiaridades de uno programa desarrollado
en la ciudad de Estaio/RS, el Programa Acción Integrada Adultos; identificar las
características de la escuela y de la clase que basaran la investigación y reflejar sobre
las historias de vida y perspectivas de los sujetos de investigación. La metodología
consiste del análisis de los documentos referentes al Programa, observaciones
de las prácticas pedagógicas y actividades escolares y realización de entrevistas
semiestructuradas. Se pretende contribuir a la profundización de las discusiones
sobre diferentes modalidades de EJA reflejando, a partir de ese estudio de caso,
sobre sus posibilidades, límites y contradicciones.

Palabras-clave: Educación de Jóvenes y Adultos. Historias de vida. Programa


Acción Integrada Adultos.

152 SILVA, MÁRCIA; BILHÃO, ISABEL. Caminhos e descaminhos do retorno...


Chemins et détours de retour à l'école: le
Programme Action Intégré Adultes

Résumè
L'article est compris dans le domaine de l'éducation pour jeunes et adultes, les
objectifs sont: présenter les particularités d'un programme municipal développés
dans la ville de Esteio/RS, le Programme Action Intégrée Adultes; identifier les
caractéristiques de l'école et la classe qui a soutenu la recherche et réfléchir sur
les histoires de vie et les perspectives des sujets de recherche. La méthodologie
est à l'analyse des documents liés au Programme, observations des pratiques
d'enseignement et des activités scolaires et réalisation d'entretiens semi-structurés.
Il est destiné à contribuer à l'approfondissement des discussions sur les différents
modalités de l'éducation pour jeunes et adultes reflétant, à partir de cette étude de
cas, sur ses possibilités, limites et contradictions.

Mots-clés : Éducation pour jeunes et adultes. Histoires de vie. Programme Action


Intégrée Adultes.

Introdução

A presente reflexão se insere em um campo de estudos bastante vasto. Em


uma pesquisa realizada na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações,
utilizando-se o descritor Educação de Jovens e Adultos/EJA, foram encontradas 227
dissertações e 842 teses, perfazendo o total de 1.069 títulos1. Na impossibilidade
de mapear tamanha discussão, pretende-se apenas indicar duas das tendências
analíticas observadas em estudos realizados na última década2. A primeira se
refere aos motivos de frequência à EJA, apontando que, entre os adultos, essa
decisão ainda está muito ligada ao trabalho – seja para ingressar ou permanecer
no emprego, deixar a informalidade, ou na expectativa de melhoria salarial – e
que, para um crescente número de jovens, a EJA se tornou a forma de abreviar o

1 Disponível em: <http://bdtd.ibict.br/>. Acessado no período de maio a julho de 2015.


2 Por exemplo: Caldeira (2011), Vale (2012) e Ferrari (2014).

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 151-171, fev. 2017 a mai. 2017. 153
tempo de permanência na escola ou a possibilidade de conclusão dos estudos após
repetidas reprovações. A segunda tendência relaciona-se ao reconhecimento da
necessidade de se aprofundar a reflexão sobre as especificidades dessa modalidade
de ensino. Nesse sentido, muitas investigações tratam da legislação e das diretrizes
curriculares específicas, da formação continuada de professores e profissionais
atuantes na área, da produção de materiais didáticos ou da observação dos distintos
contextos de vida dos estudantes.
Neste artigo pretende-se participar desse amplo diálogo a partir da abordagem de um
programa específico de EJA, o Programa Ação Integrada Adultos/PAIA, que tem como
característica o fato de ser ofertado a estudantes com 23 anos ou mais e que tenham
concluído a 5a série ou o 6o ano do Ensino Fundamental. A análise aqui apresentada
é parte de uma Dissertação de Mestrado3 realizada a partir do acompanhamento
de uma turma desse Programa. Os objetivos são: apresentar o Programa, com base
em sua trajetória e características de funcionamento; identificar as peculiaridades
da turma estudada e analisar as histórias de vida e os projetos de futuro relatados
pelos sujeitos de pesquisa a partir de seu retorno à escolarização4.
Optou-se por uma abordagem qualitativa com base nos seguintes procedimentos
metodológicos: análise dos documentos referentes ao Programa e à organização
da Escola, coleta de dados objetivos referentes à turma, relato das observações do
cotidiano das aulas e atividades realizadas ao longo do ano de 2014, e análise das
entrevistas com a supervisora escolar, com a professora titular, com a coordenadora
Municipal do Programa e com uma amostra dos estudantes sujeitos da pesquisa.
O artigo está assim organizado: na primeira seção, contextualiza-se brevemente o
campo empírico e apresentam-se as características do PAIA. Na segunda, analisam-
se as trajetórias e perspectivas observadas nas narrativas dos alunos entrevistados
e, na terceira, reflete-se sobre os impasses, contradições e alcances do Programa
com base na comparação entre as concepções apresentadas na documentação e as
observações realizadas ao longo da investigação.

3 Intitulada XXXXX, defendida junto ao Programa de Pós-Graduação XXXXX. Agradecemos aos professores XXXX
e XXXX pelas preciosas colaborações ao longo do processo.
4 A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da XXXX, conforme a Resolução 466/12 do Conselho
Nacional de Saúde.

154 SILVA, MÁRCIA; BILHÃO, ISABEL. Caminhos e descaminhos do retorno...


Aproximação ao campo empírico

As formulações apresentadas embasam-se no estudo de uma turma do Programa


Ação Integrada Adultos/PAIA, sediado em um Centro Municipal de Educação Básica/
CMEB, situado no Município de Esteio, na Região Metropolitana de Porto Alegre,
RS. Essa escola atualmente conta com 1.150 alunos, atendidos desde a Educação
Infantil até a EJA, nos turnos manhã, tarde e noite.
A instituição, fundada no final dos anos 1970, está situada em um bairro considerado
de grande vulnerabilidade social. O aumento significativo da população vem alterando
tanto a organização escolar quanto o perfil do público frequentador. Segundo dados
fornecidos pela equipe diretiva da escola, grande parte dos alunos da EJA trabalham
na informalidade, principalmente na construção civil, na reciclagem de resíduos e no
comércio local. No bairro existem poucos espaços destinados ao lazer. As praças, a
quadra de esportes e o comércio estão concentrados na avenida central, na qual a
escola também está localizada.
De acordo com o Projeto Político Pedagógico/PPP da escola, a metodologia da EJA
deve pautar-se por um currículo interdisciplinar baseado em projetos de trabalho. As
estratégias para a efetivação de tal proposta são discutidas nas reuniões pedagógicas
que ocorrem semanalmente com a participação de todos os professores. Os projetos
interdisciplinares devem se basear nas falas significativas e nas necessidades dos
alunos. A avaliação é semestral, apresentada por meio de pareceres descritivos.
A partir de 2010 a escola, que já ofertava EJA há uma década, passou a trabalhar
também com o PAIA. No Regimento Padrão do Programa (Esteio, Smee, 2009-2012)
consta que este tem por finalidade oportunizar a adultos trabalhadores, a partir
dos 23 anos, a conclusão do Ensino Fundamental baseando-se em “uma proposta
pedagógica diferenciada e interdisciplinar que articule os saberes construídos em suas
trajetórias pessoais e profissionais com o conhecimento cientificamente construído
pela humanidade”, visando à formação de “sujeitos conscientes de seu papel na
sociedade, considerando as necessidades dos educandos”. (Esteio, Smee, 2009-2012,
p. 4).
A Coordenadora Municipal do Programa explicou que inicialmente houve um
convênio, de 2010 a 2012, entre a Prefeitura Municipal de Esteio e o Instituto
Integrar5, vinculado ao Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, que deu início ao
Projeto Integrar. A partir de 2013 a Secretaria Municipal de Educação e Esporte –
Smee passou a coordenar o Programa, que então foi denominado Ação Integrada,

5 O Instituto Integrar foi fundado pela Confederação Nacional dos Metalúrgicos da Central Única dos Trabalhadores
– CNM/CUT, em 1996 e desenvolve projetos de formação e qualificação profissional. No Rio Grande do Sul atua
desde 1997. Disponível em: <http://www.integrar.org.br/>.

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 151-171, fev. 2017 a mai. 2017. 155
dividido em Adolescentes (entre 15 e 18 anos) e Adultos (23 anos em diante). Ao longo
do período de convênio, o Município de Esteio chegou a adotar os livros didáticos
elaborados pelo Instituto Integrar.
Decorridos dois anos, a Smee criou seu próprio Regimento de trabalho, pois algumas
dificuldades geradas pelo convênio precisavam ser superadas, entre elas, o fato de que
quem certificava os alunos não era a escola onde eles estudavam, e sim o Instituto
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-Rio-Grandense – IFSUL, de Pelotas.
Com o apoio dos professores ligados à EJA e da assessoria pedagógica da Smee foi
construído o Programa Ação Integrada, aprovado pelo CME – Conselho Municipal
de Educação, no final do ano de 2010, para que em 2011 os alunos pudessem ser
matriculados e certificados diretamente nas escolas da Rede Municipal. Ou seja, a
Prefeitura de Esteio, com base no estabelecido nas Diretrizes Curriculares Nacionais
para a EJA6, transformou o antigo convênio em uma política municipal diferenciada e
específica para a conclusão do Ensino Fundamental, ofertada ao público com idade
superior aos 23 anos. O Programa não se estende para o Ensino Médio e não possui
correspondente nos âmbitos estadual e federal de ensino.
Ainda segundo a Coordenadora, o principal objetivo do Programa é reconciliar o aluno
com a educação escolar, motivando-o a retornar e concluir os estudos. A escolha
dos professores baseia-se na indicação da direção da escola, em concordância com
a Smee, sendo requisito que estes possuam formação compatível e experiência na
EJA. A Coordenadora observou também que, a cada ano letivo as escolas optam pelo
funcionamento ou não do Programa, que pode ocorrer nos turnos diurno e noturno,
destinando-se a adolescentes e/ou adultos.
Entre os objetivos do PAIA estão o desenvolvimento de metodologias interdisciplinares
e interativas, a valorização dos saberes prévios dos educandos, a promoção de sua
realização no mundo do trabalho, a construção de conceitos necessários ao pleno
exercício da cidadania por meio das diferentes leituras do mundo, o desenvolvimento
da autonomia e da criticidade, a qualificação das diversas formas de expressão,
aprimoramento da leitura e interpretação a partir de diversas situações do cotidiano,
o trabalho a partir das dificuldades e das necessidades específicas de cada turma e o
estimulo à criatividade e à curiosidade (Esteio, Smee, 2009-2012, p. 7).
A inserção no campo empírico iniciou-se no mês de abril de 2014. A turma, que
havia recebido 37 matrículas, era então composta por 19 alunos, 11 mulheres e 8
homens, cuja faixa etária variava de 24 a 61 anos. Deste grupo, apenas um indivíduo
não possuía escolaridade prévia na EJA e 16 já haviam estudado naquela escola em
distintos períodos, entre 1978 e 2013. Em relação ao trabalho, 17 alunos exerciam

6 Conforme o Art. 6º da Resolução CNE/CEB Nº 1, de 5 de Julho de 2000, “Cabe a cada sistema de ensino
definir a estrutura e a duração dos cursos da Educação de Jovens e Adultos, respeitadas as diretrizes curriculares
nacionais, a identidade desta modalidade de educação e o regime de colaboração entre os entes federativos”.
(BRASIL, 2000a).

156 SILVA, MÁRCIA; BILHÃO, ISABEL. Caminhos e descaminhos do retorno...


atividade remunerada (a maioria na informalidade), e 2 encontravam-se sem ocupação
remunerada. A professora titular cursou Magistério, no ensino secundário, e duas
Licenciaturas, Estudos Sociais e Geografia. Além disso, tem ampla experiência docente:
trabalhou 25 anos nas séries iniciais do Ensino Fundamental da Rede Municipal e atua
na EJA desde 2005, participando de três edições do PAIA. Além da professora titular,
a turma também tinha aulas com os professores de Educação Física e Língua Inglesa.
A escola é responsável pela divulgação local do Programa. Uma estratégia tem sido
o anúncio da oferta nos estabelecimentos comerciais da comunidade e também
por meio dos alunos que já o conhecem. A direção realiza as entrevistas iniciais
com os interessados. Geralmente o número de ingressantes é maior do que o de
concluintes. No caso da turma pesquisada, dos 19 alunos frequentes quando do
início da observação, 14 permaneceram até o final.
Ao longo das entrevistas iniciais, a professora também salientou sua preocupação em
incentivar os alunos a continuarem estudando e informou que alguns dos concluintes
de edições anteriores do Programa encontravam-se em escolas da Rede Estadual
cursando o Ensino Médio. No entanto, como não há um acompanhamento mais
sistemático do percurso dos egressos, não foi possível apurar números precisos sobre
essa continuidade.
Outra questão relevante, apontada pela professora, foi a de que ao longo do ano de
permanência no Programa os estudantes realizam saídas culturais. A turma observada
já havia inclusive visitado a Usina do Gasômetro e a Fundação Iberê Camargo7, em
Porto Alegre. Como se verá adiante, a questão das saídas foi retomada por alguns
dos alunos entrevistados que mencionaram o fato de que, se não fosse pela escola,
provavelmente nunca teriam acesso a esses espaços. No tópico a seguir, apresentam-
se as entrevistas dos sujeitos de pesquisa e retoma-se esta questão.

Relatos de vida e reflexões sobre a experiência escolar

Como mencionado, nesse tópico analisam-se alguns aspectos apresentados nas


entrevistas realizadas com cinco integrantes da turma pesquisada. O principal critério
dessa seleção foi a intenção de obter uma amostra que refletisse minimamente a
diversidade do grupo. Durante a realização das observações, consolidou-se a opção
de escolher entrevistados de diferentes faixas etárias, dos gêneros masculino e
feminino. Também foram levadas em consideração algumas indicações feitas pela

7 A Usina do Gasômetro forneceu energia elétrica à base de carvão de 1928 a 1974. Em 1991 tornou-se um
centro cultural do trabalho. A Fundação Iberê Camargo preserva e divulga a obra do artista e incentiva e expõe
produções de arte contemporânea.

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 151-171, fev. 2017 a mai. 2017. 157
professora titular. As entrevistas foram realizadas ao longo dos meses de outubro
e novembro de 2014, portanto, em um momento em que os participantes estavam
próximos à conclusão do Programa8.
No primeiro contato estabeleceu-se que as identidades dos participantes seriam
mantidas em sigilo e que estes seriam apresentados com nomes fictícios, escolhidos por
eles. Essa medida reflete um duplo cuidado: não expô-los a situações constrangedoras
em função de suas falas e opiniões e procurar, com base no anonimato, garantir relatos
mais fluídos e espontâneos. Além disso, a aproximação ao grupo de entrevistados
levou em consideração a advertência, feita pelo sociólogo Michael Pollak, de que
[...] contar a própria vida nada tem de natural. Uma pessoa a quem nunca ninguém
perguntou quem ela é, de repente ser solicitada a relatar como foi a sua vida, tem muita
dificuldade para entender este súbito interesse. Já é difícil fazê-la falar, quanto mais falar
de si (Pollak, 1992, p. 13).

Portanto, os primeiros contatos com o grupo de entrevistados visaram esclarecer


dúvidas e construir laços de confiança e empatia, sem os quais não ocorreria a adesão
ao projeto. Uma vez engajado, o grupo foi composto da seguinte forma: dois homens,
um com 49 e outro com 61 anos e três mulheres, com idades que variavam dos 32
aos 55 anos. Os homens escolheram identificar-se como JC e Adriano, e as mulheres
como Flor do Campo, Betão, e Pink.
As entrevistas foram do tipo semiestruturadas, baseadas em um roteiro com as
seguintes perguntas:

• Como foi tua vida escolar antes de ingressares no Programa Ação Integrada
Adultos?
• Conta sobre essa volta aos estudos. O que te motivou?
• Como foi tua experiência no Programa Ação Integrada Adultos?
• Pretendes continuar estudando?

Tais questões tinham a pretensão de estimular relatos sobre as histórias de vida,


especialmente em relação às trajetórias escolares, bem como sobre as vivências atuais
e expectativas de futuro, constituídas a partir das novas experiências e conhecimentos
adquiridos no Programa. Essa proposta foi construída com base em algumas reflexões
de Marie-Christine Josso, para quem,

8 O Programa tem duração de um ano letivo e a turma em questão concluiu as atividades no mês de dezembro de
2014.

158 SILVA, MÁRCIA; BILHÃO, ISABEL. Caminhos e descaminhos do retorno...


Os relatos de histórias de vida permitem confirmar uma constatação importante para
legitimar a importância das práticas de explicitação e de desenvolvimento de projetos de
formação: o caráter extremamente heterogêneo das motivações, necessidades e desejos
que dinamizam o investimento de estudantes adultos (Josso, 2006, p.27).

A seguir apresenta-se a síntese das respostas e reflexões realizadas9. Em relação


à primeira questão – Como foi tua vida escolar antes de ingressares no programa
Ação Integrada Adultos? – predominaram narrativas marcadas pela noção de
“infância sofrida”, através da qual foram apontadas dificuldades ligadas à pobreza,
precariedade da organização familiar, doença e ingresso prematuro ao mundo do
trabalho. Destacam-se a seguir alguns exemplos.
O entrevistado JC salientou que na localidade onde vivia, no interior do Rio Grande
do Sul, não havia prédio escolar10: “No começo, de menino ainda, a gente era muito
difícil de estudar, não existia colégio, então eu ia numa igreja, Igreja São Pedro, e
nessa igreja eu me batizei, fiz a primeira comunhão e fui aluno também dentro dessa
igreja”(JC, 06/10/2014).
O entrevistado Adriano mencionou outra situação extrema:
Na época, a situação dos meus pais não era boa, então eu lembro que quando eu cheguei
a estudar, sinceramente, tinha dias e não foi poucos, não tinha nem o que comer em
casa [...] um dia eu cheguei na escola tão encarangado que a professora me levou lá para
a sala da diretora e me deram, não lembro o que, um chá, um café. E me deram uma
blusinha de presente, que eu não conseguia pegar nem o lápis para escrever de tanto
frio (Adriano, 15/10/2014).

A entrevistada Betão ao ser perguntada a respeito da sua vida escolar, respondeu:


“Foi horrível! Perdi minha mãe com cinco anos, aí fiquei morando com a minha vó e
ela tinha um filho adotivo. Que a gente não podia passar de ano dele na escola, se a
gente avançasse ela tirava nós do colégio” (Betão, 05/11/2014).
Para Flor do Campo a frequência à escola foi acompanhada de grande sofrimento
físico, causado pela doença que a acomete ao longo da vida e que a tornou cadeirante
aos quatro anos de idade. Segundo ela: “Comecei a estudar com 12 anos, né? Primeira,
segunda e terceira. Aí parei com 15. Eu, sempre muito doente. Aí eu parei de estudar.
Aí comecei com 22 de novo. Aí fiz a terceira, a quarta e a quinta. Vivia doente, vivia
no hospital, né?” (Flor do Campo, 28/10/2014).
Esses excertos foram escolhidos porque apontam para situações de extrema
dificuldade, exemplificando alguns dos muitos casos de superação e resiliência que

9 Na transcrição das respostas foi mantido o tom coloquial, próprio da narrativa oral.
10 Tal situação remete à falta de prédios escolares em várias regiões do Brasil, pelo menos até o início dos anos
1960. Para o caso do RS a expansão do ensino elementar deu-se no governo Leonel Brizola (1959 a 1963). Sobre
o assunto ver: Quadros (2005).

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 151-171, fev. 2017 a mai. 2017. 159
marcam a vida de adultos que retornam à escola. Cada um dos entrevistados salientou
diferentes obstáculos: miséria, doença, inexistência de escola, desestruturação
familiar. O ponto em comum é o fato de terem interrompido antes de completarem
o Ensino Fundamental. Não se aprofundará a análise da evasão escolar no âmbito
deste artigo. Mas é interessante notar que duas de suas causas mais comuns também
aparecem nos relatos desse grupo. A primeira, o ingresso precoce no mercado de
trabalho, mencionada da seguinte forma por Adriano: “Já com uns oito, dez anos eu
comecei a trabalhar. Eu trabalhava numa olaria com meu avô. Ele era daquele tipo
antigo sabe? Era analfabeto também, não sabia nem assinar o nome dele” (Adriano,
15/10/2014). E, a segunda, a gravidez na adolescência. Assim relatada por Pink:
“Bom, eu estudei até a oitava. Na verdade, tinha tipo 16, estudei, não parei de estudar,
reprovei uns ano, mas continuei. [...] Aí, desisti porque engravidei, então parei de
estudar” (Pink, 20/11/2014).
No primeiro caso pode-se constatar que a noção de infância, como construção
histórica11, está diretamente ligada ao contexto de vida dos sujeitos. Nesse sentido,
note-se que geralmente a abreviatura da infância relaciona-se à supressão da vida
escolar. Muitos adultos, ao retornarem à escola buscam um direito de cidadania que
lhes foi negado na infância. No segundo caso, presente no relato de Pink, observa-se
a precipitada transição para a vida adulta e suas responsabilidades. Neste sentido,
a gestação na adolescência é, de modo geral, enfrentada com dificuldade porque:
Nessa transição abrupta do seu papel de mulher, ainda em formação, para o de mulher-
mãe, a adolescente vive uma situação conflituosa e, em muitos casos, penosa. A grande
maioria é despreparada física, psicológica, social e economicamente para exercer o novo
papel materno, o que [...] associado à repressão familiar, contribui para que muitas fujam
de casa e abandonem os estudos. (Moreira, Viana, Queiroz e Jorge, 2008, p. 315-316).

Pink reforçou que quando seu filho tinha dois anos, retornou à escola, frequentou-a
por um período de três meses e desistiu novamente devido às dificuldades de conciliar
a vida escolar e os encargos da maternidade. Seu relato exemplifica muito do que foi
apontado pelos autores acima. Ela não mencionou conflitos com os familiares, nem
mesmo com o pai do seu filho, porém deixou clara a preocupação com o olhar da
sociedade diante de sua situação, que foi decisiva para que abandonasse os estudos
no último ano do Ensino Fundamental. Em uma frase inconclusa refletiu: “Só desisti
porque adolescente, barriguda...” (Pink, 20/11/2014).
A segunda questão – Conta sobre essa volta aos estudos. O que te motivou? –
provocou relatos acerca dos diferentes caminhos percorridos pelos entrevistados,
desde a intenção até a decisão de retomar os estudos. Cada um deles rememorou
uma trajetória marcada por rupturas, dificuldades, mudanças de rumo que interferiram

11 Para uma leitura mais aprofundada sobre a noção de infância como construção histórica, ver: Kuhlmann (2000)
e Ariès (1981).

160 SILVA, MÁRCIA; BILHÃO, ISABEL. Caminhos e descaminhos do retorno...


diretamente em suas escolhas. Entretanto, mesmo com todas as suas peculiaridades,
ao se matricularem no Programa, todos foram classificados como “adultos”, pois esta
definição baseou-se no fator etário, estabelecido com a idade mínima de ingresso,
aos 23 anos. Todavia, deve-se observar que o fator maioridade, não é o único e talvez
não seja nem mesmo o mais esclarecedor na definição do “ser adulto”.
Em uma leitura sociológica dessa noção, Oliveira, Rios-Neto e Oliveira, apontam
para a expectativa social da efetivação de quatro eventos, não necessariamente
simultâneos. São eles:
[...] sair de forma definitiva da escola; encontrar um trabalho temporário ou permanente
por meio do qual o indivíduo possa suprir a si ou a uma possível família dos recursos
materiais necessários à sobrevivência; formar a primeira união relativamente estável,
ou seja, viver com o companheiro em uma mesma residência; e, por fim, ter o primeiro
filho (Oliveira, Rios-Neto e Oliveira, 2006, p. 1).

Ao longo de suas narrativas, alguns dos entrevistados apontaram para aspectos que
marcaram a passagem da adolescência para a vida adulta que se encontram em
consonância com os fatores acima. Para JC, Adriano e Betão, o “ser adulto” ocorreu
pela via do ingresso precoce no mercado de trabalho. Para Pink, a maternidade exigiu
responsabilidades de pessoa adulta, afastando-a dos estudos. Todavia, esses eventos
não abarcam a totalidade do complexo processo de tornar-se adulto. Flor do Campo,
por exemplo, devido a suas condições de saúde, transitou para a maioridade em um
contexto no qual não estão presentes o trabalho remunerado, a maternidade ou a
independência domiciliar.
Essas diferenças apontam para outra constatação, observada pelos mesmos autores,
a de que “[...] nas diversas sociedades, há pessoas que jamais completarão todo o
processo” (Oliveira, Rios-Neto e Oliveira, 2006, p. 1). Entretanto, independente de
suas peculiares, os estudantes observados foram considerados aptos a ingressarem
em uma turma de adultos. Nas narrativas a seguir podem-se perceber algumas das
variáveis apresentadas pelos entrevistados para justificar seu retorno à vida escolar.
JC havia frequentado até a quinta série do ensino fundamental e estava há mais
de quarenta anos afastado da escola. Contou que, depois de ingressar no mercado
de trabalho, havia realizado diversos cursos técnicos pelo Serviço Nacional de
Aprendizagem Industrial/Senai e que essa formação lhe garantiu um bom emprego.
Essa situação mudou quando, em 1993, “a empresa entrou em crise e como eu
tinha um salário muito alto, fui o primeiro a ser demitido” (JC, 06/10/2014). A partir
desta nova realidade, JC tornou-se autônomo, trabalhando em sociedade com um
amigo: “Compramo um caminhão pequeno, é semi-novo, prá transportá GLP [gás de
cozinha]” (JC, 06/10/2014). Essa situação de vida individual remete a um contexto
mais amplo, de reestruturação produtiva ocorrida no país ao longo dos anos 1990,
que acarretou “a diminuição crescente do emprego industrial e a expansão do setor

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 151-171, fev. 2017 a mai. 2017. 161
de serviços” (Druck, 1999, p. 43).
No relato de JC, o fator trabalho não é mencionado como algo preponderante em seu
retorno à escola, para ele a ampliação da escolarização não representaria nenhum
benefício imediato nesse aspecto. Mais importante em sua decisão foi a percepção
da desorganização de seu tempo, primeiro como desempregado e depois como
autônomo. O excesso de tempo livre, de não trabalho, tornou-se um pesado fardo e
passou a afetar sua estabilidade emocional. Em suas palavras: “E como antes eu tinha
um horário muito puxado, e depois eu fiquei em casa eu me senti muito mal. E aí
eu fiquei assim até meio fora da casinha. Até que eu cheguei aqui, bem complicado”
(JC, 06/10/2014).
A essa percepção da necessidade de ocupar seu tempo “com algo produtivo”, JC
acrescentou a pretensão de “buscar o que perdi e me atualizar no ensino”. Entretanto,
a questão decisiva parece ter sido a iniciativa de sua esposa – estudante do Curso de
Pedagogia – que realizou sua matrícula e incentivou-o a frequentar as aulas.
Para Flor do Campo, o fator trabalho também não pesou no retorno à escola. Em sua
narrativa a questão mais difícil a ser vencida, ao contrário do que ocorreu com JC,
foi justamente a oposição familiar. Sua mãe, temerosa por sua saúde e pelos perigos
de sair à noite, preferia que ela não voltasse a estudar. Sua estratégia foi narrada da
seguinte maneira: “Esse ano peguei e vim sozinha, me matriculei e depois cheguei em
casa, contei pra ela, comprei material também já, né?” (Flor do Campo, 28/10/2014).
A estratégia parece ter obtido sucesso uma vez que, a despeito de suas dificuldades,
ela conseguiu permanecer no Programa e concluir o Ensino Fundamental.
Já para Adriano, Pink e Betão a decisão de matricular-se no Programa justificou-se
pelas demandas do mercado de trabalho. No caso de Adriano e de Pink, a expectativa
era de ampliarem suas chances de conseguir melhores colocações. Nas palavras dele:
“Na prática eu sei tudo, faço tudo. Só que eu já perdi muita oportunidade em empresa
grande por não ter estudo. A gente chega lá com a prática, e pra eles não interessa.
Não tenho o canudo” (Adriano, 15/10/2014). E, nas palavras dela:
Até pra servente de limpeza precisa ter e eu não tinha [Ensino Fundamental completo].
Ai eu não conseguia nada, eu fiquei uns quatro meses desempregada, não conseguia
porque não tinha estudo. Agora tenho certeza que final do ano eu pego ali o diploma,
daí já consigo outra coisa melhor (Pink, 20/11/2014).

Para Betão, o fator preponderante de ingresso no Programa foi a pressão da empresa


em que trabalha para que ela conclua o Ensino Fundamental: “Eu voltei, mas agora
porque a firma tá exigindo, senão, não taria aí” (Betão, 05/11/2014). Ressalte-se
que mais ou menos três anos antes ela tentou concluir o Ensino Fundamental e
novamente se frustrou. Portanto, não chega a ser estranho que sua fala demonstre
uma atitude bastante defensiva. Todavia, deve-se levar em consideração o fato de
que, mesmo tendo participado do Programa e estando prestes a concluir o Ensino

162 SILVA, MÁRCIA; BILHÃO, ISABEL. Caminhos e descaminhos do retorno...


Fundamental, sua confiança em relação à capacidade de aprender ainda continuava
bastante abalada. Essa é uma interpretação possível para a seguinte frase: “Vou ser
bem sincera, não tenho cabeça pra tá dentro de uma sala de aula, não gosto!” (Betão,
05/11/2014).
Estes fragmentos dos relatos foram selecionados porque permitem pensar a respeito
das singularidades das histórias de vida, os diversos caminhos, pessoas, situações que
levaram os entrevistados a retornarem ao ambiente escolar, conciliando-o com os
mais variados aspectos e demandas de suas vidas. Com base nas reflexões propostas
por Gilberto Velho, pode-se, por um lado, refletir sobre os fatores implicados na
construção de seus “campos de possibilidades”:
[...] Família, trabalho, religião, lazer, opções políticas, entre outros, configuram um campo
de possibilidades em que os atores individuais se movem, mais ou menos impelidos e
pressionados, mas com uma gama básica de alternativas e opções (Velho, 1994, p. 79).

Por outro lado, deve-se observar, em concordância com as ponderações de Miguel


Arroyo, que uma expectativa ingênua, por parte de instituições e de educadores, de
vincular o retorno à escola ao mercado formal de trabalho – num contexto de grande
instabilidade econômica e de crise de empregos – pode levar tanto a frustrações dos
indivíduos quanto à restrição do papel desempenhado pela escola. Nas palavras do
autor: “Qualquer tentativa de fazer da EJA um centro de formação de competências
para um trabalho que não existe já é um fracasso”. Para ele, não deveria se tratar “de
um currículo para mantê-los na sobrevivência, mas para serem mais livres no presente,
terem mais opções de superá-la, sem promessas ingênuas de futuro” (Arroyo, 2007,
p. 11-12).
As duas últimas questões – Como foi tua experiência no Programa Ação Integrada
Adultos? Pretendes continuar estudando? – foram realizadas de forma complementar
e procuraram refletir sobre como eram percebidos os saberes e aprendizagens
construídos pelos entrevistados, no âmbito escolar ou fora dele, como estes
dialogavam com a experiência de ser estudante do Programa, e em que medida
podiam relacionar-se com a intenção ou não de continuarem os estudos.
As respostas, bastante variadas, oscilaram da total falta de reconhecimento aos
saberes construídos fora do âmbito escolar ao elogio do conhecimento constituído
no contexto profissional. Exemplificando o primeiro caso, Adriano ponderou: “Quando
eu comecei aqui não sabia praticamente nada. Esse ano aprendi muita coisa” (Adriano,
15/10/2014). E, no segundo caso, Betão respondeu:
Eu prefiro tá trabalhando do que tá na escola. A máquina que eu opero, chegou nova,
como ninguém sabia como usar. Daí foi eu, o encarregado e mais um colega meu pra
fazê o curso em Caxias12. Eu trabalhei em várias firma, e essa é a única que gostei de
trabalhar (Betão, 05/11/2014).
12 Caxias do Sul, cidade da Serra Gaúcha, é o mais importante pólo metal-mecânico do RS. Betão se refere
ao fato de ter recebido treinamento na indústria que forneceu a nova máquina a sua empresa.

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 151-171, fev. 2017 a mai. 2017. 163
Para outros o fator preponderante da experiência no Programa não passou
especificamente pela constituição ou relação entre saberes formais, mas sim pela
constituição de sociabilidades e por relações de afeto. Pink, por exemplo, destacou
a convivência e as amizades. Segundo ela, lembrará sempre
Das professoras e dos colegas [...] que são muito queridos, principalmente a professora
que, nossa, ela tá sempre assim, a gente falta dois dias e ela tá mandando mensagem.
Ela se preocupa, então não é aquela coisa aluno aqui só no colégio, não. Fora do colégio
também ela se preocupa (Pink, 20/11/2014).

A narrativa de Flor do Campo, por seu turno, enfatizou dificuldades e temores


superados ao longo do Programa: “Eu tava com medo de chegar, de dar empecilho,
fiquei com medo de conhecer os professores e tudo, né? A turma ficou amiga. Aí me
senti bem, tô em casa” (Flor do Campo, 28/10/2014). A entrevistada manifestou o
receio “de dar empecilho”, significando dar trabalho aos outros, devido à sua condição
física, situação que precisou ser superada tanto em seu imaginário quanto na prática
da organização escolar, visto que a escola, de fato, não contava com uma rampa de
acesso à sala de aula. Flor do Campo precisou solicitar à direção da escola que a
rampa fosse construída. Em suas palavras: “A professora me ajudava, os outros colegas
me ajudavam a entrar e sair, né? Eles fizeram na mesma semana, não levou 15 dias,
fizeram a rampa pra mim já [...] eu pedi, fui atrás” (Flor do Campo, 28/10/2014).
Além da conquista da rampa, Flor do Campo salientou as situações vivenciadas em
ambientes externos à escola, especialmente relacionadas às atividades culturais:
“[...] Me ajudam também no ônibus. Até fomos no cinema em Porto Alegre e São
Leopoldo. JC me ajudou o tempo todo lá, me levou na cadeira empurrando” (Flor do
Campo, 28/10/2014).
A partir de outro aspecto, as atividades culturais também marcaram a narrativa de
Pink. Ela destacou o fato de terem assistido a apresentação de um coral no centro
da cidade e a ida ao cinema, enfatizando a medição da escola: “Só com o colégio,
quando o colégio vai” (Pink, 20/11/2014).
A análise desses fragmentos permite apontar para alguns aspectos relevantes. Entre
eles, o fato de que, ao concluir o Ensino Fundamental, persiste nas narrativas de
Adriano e Betão a dissociação entre os conhecimentos práticos, ligados à profissão,
e os conhecimentos escolares. Assim, observa-se que pelo menos nesses exemplos
o objetivo regimental do Programa de constituir-se em “uma proposta pedagógica
diferenciada e interdisciplinar que articula os saberes construídos em suas trajetórias
pessoais e profissionais com o conhecimento cientificamente construído pela
humanidade” (Esteio, Smee, 2009-2012, p. 4), ainda não se efetivou.
Na narrativa de Flor do Campo percebe-se uma situação ainda muito presente na
vida de pessoas com deficiência, o fato de desconhecerem o direito de acessibilidade,

164 SILVA, MÁRCIA; BILHÃO, ISABEL. Caminhos e descaminhos do retorno...


estabelecido em lei13. Ela referiu-se à construção da rampa como um favor por parte da
equipe diretiva. Entretanto, sua mobilização pessoal e o fato de ter sido rapidamente
atendida, indicam um aprendizado tanto para ela quanto para a escola – que também
lhe providenciou uma mesa adaptada, a fim de facilitar o manuseio do material escolar.
Tais medidas, provavelmente, contribuirão para que esse ambiente escolar se adéque
melhor às necessidades dos próximos alunos.
A ênfase nas saídas para atividades culturais, observadas nas falas de Flor do Campo
e Pink, podem indicar não apenas a superação das barreiras físicas, muito presentes
no caso da primeira, mas especialmente das barreiras sócio-culturais, presentes na
vida de todo o grupo. Não se pretende aprofundar a análise das inúmeras interdições
tácitas ou explícitas que impedem o acesso a bens culturais à grande parte da
população. Entretanto, é importante salientar que essas experiências mediadas pela
escola podem representar uma oportunidade de acesso ao “capital simbólico” – na
acepção de Pierre Bourdieu (2005, p. 57) – que até então havia sido negado à maioria
deles. O quanto dessa vivência será incorporada às práticas futuras é impossível
dizer. Mas, a julgar pela ênfase das afirmativas, parece ter se constituído em algo de
fato marcante no presente.
Em relação à continuidade nos estudos, as respostas variaram da certeza absoluta em
não continuar, expressa na seguinte fala de Betão: “Ah não, na escola não!”, que afirmou
em seguida a intenção de realizar cursos técnicos, voltados ao aperfeiçoamento no
trabalho: “Eles dão né? Eu já fiz alguns lá, e agora ele [empregador] tá pra me dar um
de solda, que eu andei conversando com ele” (Betão, 05/11/2014).
Até narrativas que permitem perceber uma grande tensão entre a vontade e as
dificuldades. JC e Adriano apontaram especialmente para os problemas em conciliar
horários de trabalho, demandas familiares e a manutenção da rotina escolar. Para Flor
do Campo os problemas de deslocamento, acesso e segurança tornam-se ainda mais
evidentes: “Não pretendo, não dá, é muito frio, muito longe os colégios. Não tem
uma condução própria para cadeirantes”. E acrescenta, “Se puder fazer uns cursos
de computação pra aprender a mexer no computador, fazer pesquisas, abrir pastas.
Quanto mais aprender melhor” (Flor do Campo, 28/10/2014).
Esse aspecto da resposta de Flor do Campo faz pensar que o acesso às tecnologias
digitais permitiria a eliminação das barreiras físicas entre ela e o conhecimento,
possibilitando-lhe inclusive a realização do Ensino Médio à Distância. No entanto,
segundo os comentários dos entrevistados, eles tiveram acesso restrito ao laboratório
de Informática e a alfabetização digital ainda não lhes foi suficientemente oportunizada.
Do grupo de entrevistados, Pink foi a única que apontou para a perspectiva de
continuar estudando. Essa foi sua resposta: “Sim, eu quero continuar. Ah! Eu quero
terminar, daí eu não digo fazê faculdade, mas terminar o segundo grau [sic]” (Pink,

13 Lei no 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da
acessibilidade das pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida (BRASIL, 2000b).

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 151-171, fev. 2017 a mai. 2017. 165
20/11/2014). A seguir, relatou uma conversa que a professora titular realizou com
a turma: “A professora falou pra nós estudar pra fazer o ENEM, que daí passa. Eu
queria tentá fazê, sabe?” (Pink, 20/11/2014).
Esse conjunto de respostas permite refletir sobre os inúmeros fatores presentes na
definição e na complexidade de se estabelecer projetos de futuro. Para Gilberto Velho,
“as trajetórias dos indivíduos ganham consistência a partir de delineamento mais
ou menos elaborado de projetos com objetivos específicos”. Entretanto, segundo o
mesmo autor, “a viabilidade de suas realizações vai depender do jogo e da interação
com outros projetos individuais ou coletivos, da natureza e da dinâmica do campo
de possibilidades” (Velho, 1994, p. 47). Resta então a questão de quanto e como
a conclusão do Programa pode ter influído na reconstituição, reformulação ou
ampliação do “campo de possibilidades” dos sujeitos dessa pesquisa. Esse é o mote
de análise do próximo tópico, no qual se tratará das atividades desenvolvidas no
Programa, com base na observação realizada ao longo do ano letivo.

Reflexões com base nas observações do cotidiano escolar

Como mencionado, a inserção na escola ocorreu no período de abril a dezembro


de 2014. As observações pautaram-se por uma visão de pesquisa na qual o
conhecimento é produzido pela capacidade do investigador de atribuir significados
aos fenômenos analisados, ou seja, por uma epistemologia interpretativa. Nesta
concepção, o investigador não é considerado um instrumento capaz de “aferir”, mas
sim como produtor da realidade, pois, na interação com os sujeitos investigados, ele
produz o fenômeno ao produzir o significado dele. (Soares, 2006, p. 403). A seguir
apontam-se três aspectos privilegiados no espaço desse artigo. O primeiro, a rotina
das atividades escolares, o segundo, a dinâmica de reunião das escolas – quando do
encerramento das atividades trimestrais – e, finalmente, a situação da turma após
conclusão do Programa, considerando-se especialmente a continuidade ou não dos
estudos.
Em relação ao primeiro aspecto, notou-se que a organização espacial predominante na
sala de aula manteve-se nos moldes tradicionais. Os alunos permaneceram dispostos
individualmente e enfileirados. Os exercícios e atividades realizados individualmente e,
em caso de dúvidas, com o auxílio da professora. Não foram presenciadas atividades
que demandassem interação, colaboração ou debate entre os alunos. Saliente-se
que estas podem ter ocorrido em momentos distintos dos observados. Notou-se
que os momentos de maior interação davam-se no refeitório14 e no pátio da escola.

14 Antes do intervalo era servida uma refeição aos alunos.

166 SILVA, MÁRCIA; BILHÃO, ISABEL. Caminhos e descaminhos do retorno...


Nestes espaços, os alunos conversaram especialmente sobre suas rotinas diárias e
ambiente trabalho.
O contraste entre o dinamismo das relações observado no pátio e o silêncio manifesto
na rotina das aulas apontou para uma contradição entre a metodologia proposta
no Regimento Programa – que define a construção do conhecimento com base
na autonomia, cooperação, iniciativa, solidariedade, leitura crítica da realidade e
aprendizagem contínua – e as práticas conteudistas que, a despeito de todas as
críticas, ainda se encontram muito presentes no ambiente escolar.
O segundo aspecto observado foi o encontro trimestral das escolas que ofereciam
o Programa, totalizando três turmas da modalidade Adulto e duas turmas da
modalidade Adolescente. A reunião aqui analisada ocorreu no mês de agosto de
2014, no encerramento do segundo trimestre. Naquele momento, os alunos da
escola investigada participaram encenando um telejornal intitulado “TV Integrada
Adolescente/Adulto”.
A coordenação da dinâmica esteve a cargo de três alunos. Inicialmente apresentaram
reportagens e entrevistas filmadas na escola sobre o funcionamento do Programa
e depoimentos da supervisora escolar e da orientadora educacional. Na sequência,
entrevistaram, ao vivo, um aluno convidado, que encerrou a apresentação cantando
um funk para todos. Segundo a professora titular, as entrevistas foram sugeridas por
ela, pelos demais professores e pela vice-diretora. Naquele momento, reafirmou-
se a impressão de que o protagonismo e a autonomia dos alunos foram restritos
e a percepção de que os momentos de maior interação ocorreram no intervalo
das apresentações, quando os alunos da escola anfitriã serviram um lanche
para os alunos das escolas convidadas e os diálogos ocorreram de forma mais
espontânea. Tais ponderações, no entanto, não invalidam o esforço pedagógico
realizado para o engajamento dos alunos, tampouco menosprezam os aprendizados
e o desenvolvimento das habilidades mobilizadas para que pudessem preparar e
apresentar a atividade.
O terceiro aspecto a ser examinado diz respeito à retomada do contato
com os concluintes do Programa, durante os meses de maio e junho de 2015, com
o objetivo de verificar se eles haviam dado continuidade ou não aos estudos. A
primeira constatação foi a de que já não seria possível localizar todos. As mudanças
de endereços, números de telefone e outras contingências apontaram para a
instabilidade muitas vezes presente no cotidiano das pessoas que enfrentam situações
de precariedade na luta pela sobrevivência.
Contando com a ajuda de alguns dos entrevistados, conseguiu-se conversar
com dez dos quatorze concluintes. Destes, metade não se matriculou no Ensino
Médio e a outra metade afirmou ter ingressado em escolas estaduais da cidade, mas
naquele momento já havia desistido. Uma alegação coincidente dos dois grupos foi a
dificuldade de conciliar a rotina de estudo com as demandas familiares e de trabalho.

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 151-171, fev. 2017 a mai. 2017. 167
Entretanto, preponderam nas respostas dos que tentaram e interromperam, queixas
relativas ao desapontamento com a dinâmica dos novos ambientes escolares.
Especialmente a divisão disciplinar do conhecimento, que resultava no contato
fragmentado e, não raro superficial, com um número maior de docentes e pela difícil
convivência com colegas adolescentes em sala de aula,ou seja, ressentiam-se da
descontinuidade metodológica em relação à experiência no PAIA.

Considerações finais
Quando se iniciou a pesquisa aqui apresentada, havia certa tendência, um
tanto ingênua, de considerar que o acesso e a finalização do Ensino Fundamental
garantiriam aos alunos investigados a possibilidade e a intencionalidade de
planejarem seu futuro. Esse planejamento, na hipótese original, deveria contemplar
a continuidade dos estudos e, com isso, a garantia de maior estabilidade pessoal e
profissional. A retomada do contato com os sujeitos da pesquisa mostrou o quão
distante da realidade essa formulação estava.
A desestabilização causada por tal constatação demandou um novo esforço
interpretativo. Este foi realizado com base na leitura das proposições do historiador
François Hartog (2013), especialmente suas reflexões sobre o “regime de historicidade”
dominante na sociedade contemporânea: o “presentismo”. Resumidamente, pode-se
dizer que essa noção elege o momento presente como definitivo, não conferindo
relevância ao passado e não atribuindo esperanças ao futuro que passa a ser visto
mais como ameaça do que como promessa. As demandas da manutenção da vida,
da sobrevivência num “presente eterno”, vivido na velocidade do instante, sem
esperanças e sem planos de continuidade caracterizam a “ascensão do presentismo”
(Hartog, 2013, p. 140).
Ao longo da investigação refletiu-se sobre o quanto as vivências escolares, em
geral, e a experiência aqui analisada, em particular, estão imersas nessa lógica. As
observações acima apresentadas identificaram rotinas que tanto desconsideram a
riqueza da experiência de vida, do passado, dos alunos – que foram em alguma medida
conhecidas nas entrevistas realizadas – quanto abrem mão de pensar possibilidades
de futuro em conjunto com eles. Tal situação pode ser percebida, por exemplo, na
descontinuidade metodológica observada na transição do Ensino Fundamental para o
Médio e na inexistência de diálogo entre as esferas municipal e estadual que poderiam,
trabalhando em conjunto, oferecer uma modalidade de ensino mais compatível com
o público da EJA. Conclui-se que o Programa Ação Integrada Adultos tem méritos
inegáveis, reconhece-se o engajamento dos profissionais envolvidos, mas nota-se
ainda a necessidade de interação entre as formulações presentes nos documentos

168 SILVA, MÁRCIA; BILHÃO, ISABEL. Caminhos e descaminhos do retorno...


oficiais e a prática pedagógica cotidiana para que a passagem pelo PAIA possa mais
efetivamente colaborar para a ampliação do campo de possibilidades presentes e
futuras de seus egressos.

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170 SILVA, MÁRCIA; BILHÃO, ISABEL. Caminhos e descaminhos do retorno...


Recebido em junho de 2016
Aceito em junho de 2017

Márcia Regina da Silva é Mestra em Educação pela Universidade do Vale do Rio dos
Sinos/Unisinos. Professora da Rede Municipal de Ensino de Esteio/RS. Integrante do
grupo de pesquisa Mediações Pedagógicas e Cidadania (CNPq). Email: maresiasol@
outlook.com

Isabel Bilhão é Doutora em História Social pela Universidade Federal do Rio Grande do
Sul/UFRGS. Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Vale do Rio dos Sinos/Unisinos. Pesquisadora dos grupos de pesquisa Mediações
Pedagógicas e Cidadania e Educação no Brasil: memória, instituições e cultura escolar
(CNPq). Email: iabilhao@gmail.com

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 151-171, fev. 2017 a mai. 2017. 171
Operação de divisão: possibilidades de intervenção
com jogos

Sonia Bessa
Universidade Estadual de Goiás

Resumo
A pesquisa teve como objetivos investigar o nível de compreensão da operação
de divisão pelos alunos do 4º ano do ensino fundamental; realizar intervenção
com jogos de regras e desafios específicos para o desenvolvimento da operação
de divisão. Fizemos uma intervenção pedagógica com 13 alunos que utilizou o
método clínico e foi eficaz na construção da operação de divisão aritmética pelos
estudantes que não a possuíam, pois os estudantes apresentaram expressivos
progressos nas noções aritméticas. A utilização de jogos e desafios mostrou que
podem atender necessidades cognitivas e afetivas dos estudantes.

Palavras-chave: Intervenção pedagógica. Divisão. Jogos.

172 BESSA, SONIA. Operação de divisão: possibilidades de intervenção...


Operación de división: posibilidades de
intervención con juegos

Resumen
La pesquisa objetivó investigar el nivel de comprensión de la división por parte de
los alumnos del 4º grado de la Enseñanza Primaria; y realizar una intervención con
juegos de reglas y desafíos específicos para desarrollar la operación de división.
La intervención pedagógica realizada con 13 alumnos, utilizó el método clínico
y se mostró eficaz en la construcción de la operación de división aritmética que
los estudiantes no poseían y cuyos progresos en las nociones aritméticas fueron
expresivos. La utilización de juegos y desafíos mostró que pueden atender las
necesidades cognitivas y afectivas de los estudiantes.

Palabras clave: Intervención pedagógica. División. Juegos.

Division operation: intervention possibilities with


games

Abstract
The research aimed to investigate the level of understanding of division by the
students of 4th year of elementary school; performing intervention with sets of
game rules and specific challenges for the development of the division operation.
We have made a pedagogical intervention with 13 students which used the clinical
method and was effective in building the arithmetic division operation by students
who did not have it, because the students showed significant progress in arithmetic
notions. The use of games and challenges showed that they can meet cognitive and
affective needs of the students.

Keywords: Educational intervention. Division. Games.

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 172-196, fev. 2017 a mai. 2017. 173
Opération de division: possibilités d'intervention
avec des jeux

Resumé
La recherche visait à étudier le niveau de compréhension de la division par les élèves
de la 4e année de l'école élémentaire; effectuer une intervention avec les règles et
les défis spécifiques des jeux pour le développement de l'opération de division. Nous
avons fait une intervention pédagogique avec 13 étudiants. La méthode clinique
utilisée a été efficace dans la construction de l'opération de division arithmétique
par les étudiants qui ne l'avaient pas, parce que les étudiants ont montré des
progrès significatifs dans les notions arithmétiques. L'utilisation des jeux et des défis
a montré qu'ils peuvent répondre aux besoins cognitifs et affectifs des élèves.

Mots-clés: intervention pédagogique. Division. Jeux.

Introdução

Ao realizar a operação aritmética de divisão, a criança pode valer-se da


correspondência para estabelecer a equivalência entre as partes, o esquema de
distribuição ou de partir. O aspecto partitivo da divisão é muito presente na vida das
pessoas desde cedo, em situações cotidianas e nas brincadeiras das crianças. Esse é
um tipo de conhecimento intuitivo, espontâneo, necessário, mas não suficiente para
que as crianças compreendam as relações e os termos envolvidos em situações de
divisão. Para Correa e Meireles (2000), o aspecto partitivo da operação de divisão
e as experiências quotidianas de repartir não podem ser tomadas como sinônimos.
Ao repartir, a criança se vale principalmente dos esquemas de correspondência
com o objetivo de estabelecer a equivalência entre as partes. Para tal, a criança
pode lançar mão apenas de procedimentos de caráter aditivo onde tudo o que
necessita fazer, por exemplo, é repetir o mesmo conjunto de ações até que não
haja mais elementos disponíveis para uma segunda distribuição. Neste processo,
a equivalência é conseguida através da adição ou subtração por tateios de alguns
elementos a serem distribuídos.
Ao verificar a criança utilizar os procedimentos aditivos, para estabelecer as
equivalências, alguns professores podem tratar a multiplicação como uma simples
operação inversa da adição, enquanto o que a criança está fazendo é um procedimento

174 BESSA, SONIA. Operação de divisão: possibilidades de intervenção...


intuitivo como já mencionado. Para Nunes e Bryant (1997, p.143) há muito mais na
compreensão da multiplicação e divisão do que calcular quantidades: “a criança deve
aprender e entender um conjunto inteiramente novo de sentidos do número e um
novo conjunto de invariáveis, todas as quais estão relacionadas à multiplicação e à
divisão, mas não à adição e à subtração".
Esses mesmos autores falam em raciocínio aditivo e multiplicativo e diferenciam os dois.
O raciocínio aditivo se refere a situações nas quais os objetos são reunidos ou separados.
Já o raciocínio multiplicativo não envolve essas ações, mas situações de correspondência
um-para-muitos, situações que envolvem relações entre variáveis que podem tornar-se
mais complexas à medida que o número de variáveis nas situações aumenta e situações
que envolvem distribuição, divisão e divisões ao meio.

A distribuição envolve uma nova visão das relações parte todo, que difere de tais relações
em situações aditivas. Na distribuição há três valores a serem considerados: o total, o
número de receptores e a quota (ou o tamanho da distribuição). A quota e o número
de receptores estão em relação inversa um com o outro: enquanto um cresce o outro
diminui. A distribuição também envolve um outro tipo de número, as frações. (NUNES;
BRYANT, 1997, p.151)

Para Vergnaud (2011), na aprendizagem da multiplicação os alunos são levados a


operações de pensamento que não se deixam reduzir a operações numéricas, mas
implicam também raciocínios sobre quantidades e grandezas.
Kamii (2002) afirma que colocar objetos em sequência é simples na adição e subtração,
porque as crianças podem somar objetos, ou subtrair, repetindo a operação de + 1. Na
multiplicação e na divisão, devem ser contados fatores qualitativos e quantitativos.
Para essa autora problemas de divisão requerem um esforço extra na realidade lógico-
matemática. “É melhor introduzir problemas de divisão após os alunos terem-se habituado
com problemas de multiplicação” (KAMII 2002, p. 123).

Correa e Meireles (2000) investigaram o entendimento intuitivo que crianças de 5 a 7


anos têm da divisão partitiva envolvendo quantidades contínuas em tarefas que tinham
que estimar o valor relativo dos quocientes em vez de calcular o seu valor absoluto.
Esses autores observaram um progressivo desenvolvimento das habilidades de lidar
com a relação de ordem inversa entre divisor e quociente. Os resultados indicaram que
a experiência em estabelecer comparações entre partilhas idênticas precede e parece
constituir experiência fundamental à criança para a compreensão das relações entre os
termos envolvidos na operação de divisão.

A inserção de situações que exigem a divisão equitativa, por exemplo, deve acontecer
desde os primeiros anos do ensino fundamental. Kamii (2015, p. 91) defende a inserção
de problemas de divisão equitativa em classes de primeiro ao 5o ano do ensino
fundamental: "[...] problemas de divisão equitativa podem ajudar as crianças a aprender
e compreender as frações."

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 172-196, fev. 2017 a mai. 2017. 175
Para Morgado, na operação de divisão, encontram-se envolvidas duas estratégias, a
de subtração repetida e a de repartição de quantidades; a autora defende que, para
solucionar problemas dessa natureza, as crianças utilizam diversos procedimentos:
Exemplo: “25 ÷ 5, são 25 – 5 = 20 – 5 = 15 – 5 = 10 – 5 = 5, logo são 5. Repartição
de quantidades consiste em averiguar qual o número de vezes que o divisor é contido
pelo dividendo. Exemplo: 30 ÷ 5, são 5 + 5 + 5 + 5 + 5 + 5, logo são 6” (MORGADO,
1993, p.69-70).
Para Nunes et al. (2001), o conceito de divisão envolve a compreensão das
relações entre os três valores, representados pelo dividendo, pelo divisor e pelo
quociente. As crianças precisam compreender que, quanto maior for o número a
dividir (divisor), mantendo-se o dividendo constante, menor será o número final
(quociente); quanto maior o dividendo, mantendo-se o divisor constante, maior será
o quociente.
A compreensão inicial e intuitiva que a criança tem da divisão como o ato de repartir
deve progredir; uma vez que a divisão implica em subtração, multiplicação, divisões
sucessivas, busca de um quociente, pode ocorrer de não ter um resultado exato ou
ainda resultar em frações. Requer considerar simultaneamente o todo e as partes, bem
como a relação inversa entre o tamanho e o número das partes.

Para Inhelder e Piaget (1976), os agrupamentos aditivos ou multiplicativos de classes


e de relações com suas inferências simples e concretas fundadas sobre a transitividade
das inclusões de classes ou de encadeamentos de relações devem progredir para uma
combinatória completa que caracteriza o pensamento formal. Essa combinatória cria e
estrutura uma lógica de proposições.

Até chegar à lógica das proposições existe um longo caminho a ser percorrido. Duro
e Becker (2015) fizeram uma pesquisa com 18 estudantes do ensino médio regular
com o intuito de compreender o pensamento combinatório na resolução de situações
experimentais. Os autores concluíram que a construção da combinatória passa por
patamares de equilíbrio que independem da idade ou série do estudante. O ensino
escolar não garante a construção da combinatória, sobretudo se a aprendizagem,
dele decorrente, consistiu em uma experiência de memorização mecânica, sem
maior significado cognitivo. Esses resultados vêm corroborar o que disseram
Inhelder e Piaget (1976, p.39): “[...] combinatória completa é precisamente o que
caracteriza o pensamento formal, cuja estrutura ultrapassa os agrupamentos aditivos
ou multiplicativos de classes e de relações e cria a estruturação de uma lógica de
proposições”.
Piaget (1976) já havia previsto quanto à síntese das estruturas anteriores de
agrupamento e que ao se tornarem combinatórias, as operações comportam todas
as combinações, ou seja, as inversões e as reciprocidades. Comuns ao fechamento
do pensamento operatório concreto.

176 BESSA, SONIA. Operação de divisão: possibilidades de intervenção...


A operação de divisão aritmética implica no raciocínio multiplicativo (relação divisor-
quociente) e utiliza o mesmo tipo de estratégia de solução usada na operação de
multiplicação — o esquema de correspondência ou o esquema de distribuição. Na
perspectiva da psicologia genética, não basta ao estudante estabelecer equivalência
entre subconjuntos, é necessária a coordenação mental das relações envolvidas, o que
supõe um processo chamado por Piaget de abstração reflexionante. Piaget (1995, p.
221) afirma que: "a construção da matemática procede por abstrações reflexivas (no
duplo sentido de uma projeção sobre novos planos e de uma reconstrução contínua
precedendo a novas construções). Toda abstração procede a partir de estruturas mais
concretas". Macedo (2014) afirma que se trata de um processo reflexionante, que
reflete, que toma consciência das ações realizadas, que reconhece características ou
propriedades dos objetos, que faz recortes, cálculos, que cria modelos ou fórmulas,
que demonstra. Ao tratar a questão do processo de ensino-aprendizagem, esse
autor acrescentou que certos jogos de regras, sob mediação do professor, podem
mobilizar aspectos importantes desses processos de abstração reflexionante, que
tornam possível a aprendizagem da matemática.
A matemática é um sistema de construções que, apoiado de início nas coordenações das
ações e operações do sujeito, faz-se em uma sequência de abstrações reflexionantes
de níveis sempre progressivos. A compreensão lógica dos conhecimentos incluindo
a operação de multiplicação e divisão é função direta da construção de estruturas
mentais. Essa construção obedece a uma sequência invariável, mas pode ocorrer em
velocidades diferentes, as quais resultam da qualidade ou frequência das solicitações
provenientes dos adultos e das atividades espontâneas das próprias crianças.
Trata-se de um processo inalienável e intransferível. Isso significa que cada pessoa por
si própria constrói o conhecimento. Vale dizer que o conhecimento é fruto de uma
construção pessoal. [...] resulta de um processo interno de pensamento no decorrer
do qual o sujeito coordena diferentes noções entre si, atribuindo-lhes um significado,
organizando-as e relacionando-as com outras anteriores (MANTOVANI DE ASSIS et al.
2011, p. 41).

A fim de compreender a complexidade da operação de divisão no contexto da


abstração reflexionante, tomar-se-á um exemplo dado por Dayan (2015) considerando
a metade de 6 maçãs.
Podería-se pensar que se trata de um problema simples, elementar. Muitas vezes
o é, quando a criança o trata, não como um problema de fração, mas sim como
um problema de divisão. Muitas vezes é a situação experimental que incita a um
tratamento do problema. Por exemplo, quando se trata de dar a metade de seis
maçãs a duas bonecas. Aqui, em vez de pensar as seis maçãs como uma totalidade
tal que as partes reconstituam o todo e que as partes sejam iguais, a criança pode
utilizar um esquema prático, o esquema de repartir e fazer corresponder uma maçã

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 172-196, fev. 2017 a mai. 2017. 177
a uma boneca, e outra boneca, assim até repartir as seis. Aparentemente a criança
resolveu o problema, porém resolveu outro problema: a correspondência termo a
termo. Outra maneira de tratar esse problema é considerar as seis maçãs como um
todo contínuo, como se as seis maçãs formassem um retângulo. A criança visualiza
o meio do retângulo, coloca seu braço sobre ele e separa, de um lado e de outro, de
três em três maçãs. Desta maneira, a criança chega também a uma solução correta.
Porém é a noção de “meio” que lhe permite encontrar a metade. Muitas outras vezes,
pedir a metade de seis maçãs ativa outros esquemas, por exemplo, o esquema de
cortar cada maçã. Uma criança pequena pode fazê-lo, podendo também repartir as
metades que obteve e chegar a um resultado correto. Pode também, sem chegar à
solução correta, mostrar que a metade é a metade de uma só maçã ou ainda pode
mostrar todas as metades de todas as maçãs, ou ainda pode indicar que a metade
de todas as maçãs são algumas metades.
Uma criança maior de 9 ou 10 anos que proceda da mesma maneira (cortar as maçãs)
ver-se-á diante de problemas novos que não esperava e que podem perturbá-
la. Se a criança se coloca problemas novos, e se o resultado de sua própria ação
(ter cortado todas as maçãs) a perturba é porque está tratando de resolver outro
problema diferente do repartir coisas. A criança coloca o problema de coordenar
a participação de cada elemento (maçã) com a participação do conjunto. Assim,
esperando encontrar menos quando quer dar a metade, encontra mais, porque ao
dividir cada maçã multiplica o número de elementos. Confunde a coisa e o número,
a metade e o dobro. Esta confusão faz com que a criança não saiba qual é o valor
da unidade: a metade por referência à coisa, ou a metade por referência ao número.
Estes diferentes problemas provêm do fato de que a criança considera um referente
duplo, porém não é ainda capaz de coordená-los: a metade em relação a cada
elemento e a metade em relação ao conjunto.
Crianças pequenas são capazes de dividir o lanche, ou as figurinhas e até os pontos de
um jogo recém-concluído, mas segundo Kamii (2008), Macedo, Petty e Passos (2005)
Mantovani de Assis (2013) e Piaget (2013b) esses são conhecimentos espontâneos que
fazem parte da vida das crianças. O exemplo citado permite perceber a complexidade
da operação de divisão que requer um processo de sucessivas abstrações.
Essa construção não ocorre de modo abrupto, mas implica numa estrutura de grupo
que implica na reversibilidade. Essas duas reversibilidades vão implicar na construção
das operações lógico-matemáticas. As duas formas de reversibilidade mencionadas
por Piaget (2013a) são a reversibilidade por inversão ou negação cuja característica
reside em uma operação inversa, composta com a operação direta correspondente,
resultado numa anulação: + A - A = 0 e a reversibilidade por reciprocidade das relações,
cuja característica reside em que a operação inicial, composta com a sua recíproca,
renda numa equivalência. A reciprocidade é a forma de reversibilidade que caracteriza
os agrupamentos de relação. Essas duas formas de reversibilidade atuam isoladamente

178 BESSA, SONIA. Operação de divisão: possibilidades de intervenção...


sem a construção de um sistema de conjuntos que permita passar de um conjunto
de agrupamentos a outro e compor entre si as transformações inversas e recíprocas.
É a invenção da combinatória que permite preencher essa lacuna.
Para realizar a compensação exata entre o número de conjuntos e o de elementos
de cada conjunto é necessária uma compensação exata. Os estudantes desenvolvem
a capacidade de operar com conjuntos equivalentes, realizando uma compensação
exata entre o número de conjuntos e o de elementos de cada conjunto dentro de
um mesmo todo. Eles realizam todas as composições possíveis, conservando o
todo. É uma coordenação entre o multiplicando, o multiplicador e o resultado final
e o dividendo, divisor e quociente. Graças ao pensamento reversível o estudante
consegue refazer o caminho inverso das operações e começa a construir conceitos,
subordinando o pensamento imagístico, estático ao pensamento operativo que agora
opera sobre a realidade, transformando-a. Sem a reversibilidade de pensamento o
estudante não compreenderia os processos cognitivos presentes na construção da
noção de multiplicação e de divisão aritméticas.
Essas formas de reversibilidade redundam na constituição de uma combinatória
que é uma estrutura fundamental, que marca a síntese das estruturas anteriores
de "agrupamentos" e o ponto de partida de uma série de novos progressos. Ao se
tornarem combinatórias "[...] as novas operações comportam todas as combinações,
inclusive, precisamente as inversões e reciprocidades. [...]" (PIAGET; INHELDER, 2011,
p. 124). A novidade desse novo sistema demonstra um caráter de síntese ou remate
e não há simplesmente justaposição das inversões e reciprocidades, mas uma fusão
operatória num todo único, ou seja, cada operação será ao mesmo tempo, a inversa
de outra e a recíproca de uma terceira, o que dá quatro transformações: direta,
inversa, recíproca e inversa da recíproca, sendo a última ao mesmo tempo, correlativa
da primeira. O que verificamos é a interdependência das operações. Cada operação
direta de um grupo comporta uma operação inversa (subtração para a adição, divisão
para a multiplicação). Sem o elemento agregador da abstração reflexionante essa
compreensão por parte do aluno pode não acontecer.
Considerando os pressupostos discutidos, essa investigação teve como objetivos:
investigar o nível de compreensão e de condutas de divisão de alunos de 4º ano do
ensino fundamental, numa situação de pré e pós-teste; realizar intervenção com jogos
de regras e desafios, específicos para o desenvolvimento da operação de divisão;
verificar o nível de evolução na compreensão e nas condutas da operação de divisão.

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 172-196, fev. 2017 a mai. 2017. 179
Metodologia

Esse é um estudo de natureza empírica descrito por Campell e Stanley (1979)


como um delineamento quase experimental porque não dispõe de um controle. É
recomendado para verificar os efeitos de uma determinada intervenção no início e
no fim do estudo, e permite trabalhar simultaneamente muitas variáveis.
A descrição desse delineamento é: 01 X 02 - aplica-se um pré-teste 01, a um grupo;
submete-se esse grupo a uma intervenção pedagógica X; e aplica-se, então, um
pós-teste 02. 01 e 02 significam que o mesmo grupo é avaliado antes e depois
do tratamento; diferenças entre 02 e 01 evidenciariam a eficácia (ou ineficácia) do
tratamento X.
Nessa investigação para o pré e o pós-teste foi utilizada a prova da operação de
multiplicação e divisão de Granell (1983) e o tratamento consiste numa intervenção
pedagógica com jogos de regras, desafios e situações problema específicos para o
desenvolvimento da operação de divisão.
A amostra intencional foi de 13 estudantes de escola municipal. Participaram
crianças de ambos os sexos indicadas pelos professores como apresentando
alguma dificuldade de aprendizagem em matemática. Foram 13 estudantes do 4o
ano, sendo 10 do sexo masculino e 4 do sexo feminino, todos com 9 anos.
Para o pré e o pós-teste, foi utilizada a "prova da operação de multiplicação e
divisão" de Granell (1983) que permite verificar o nível de operação de multiplicação
e divisão. Nesse estudo foram considerados apenas os resultados da operação
de divisão. Essa atividade é realizada da seguinte maneira: sobre uma mesa,
o professor dispõe objetos, simulando uma loja. Cada objeto tem, à sua frente,
um cartão com preço que varia de 1 a 9. Numa caixa, ficam várias fichas, que
correspondem ao dinheiro (cada ficha corresponde a R$1,00). O professor combina
com o estudante que cada ficha vale R$ 1,00 e que o preço marcado no cartão
corresponde ao preço de cada objeto. Em seguida, pede-se ao estudante que
constate o preço dos objetos e se lhe propõe brincar de comprar e vender, sendo
ele o comprador e o professor, o vendedor. São propostas duas situações para
os estudantes. O professor entrega para a criança uma determinada quantidade
de moedas (18) e pergunta-lhe quantos objetos de um determinado tipo podem
ser comprados com aquele dinheiro (não menciona a quantidade de fichas). Se o
estudante chegar a uma conclusão correta, ser-lhe-á proposto que pense se, com
as mesmas moedas, poderá comprar algum outro objeto, dentre os existentes na
loja, de maneira que não lhe sobrem ou faltem moedas. O estudante será avisado
de que todos os objetos que poderá comprar deverão ser do mesmo tipo.

180 BESSA, SONIA. Operação de divisão: possibilidades de intervenção...


Para avaliar os níveis de construção da operação de divisão, Granell (1983) adotou
quatro condutas:
Conduta I – crianças que afirmam não poder comprar nenhuma outra coisa, ou
somente objetos que custam R$ l,00 não admitindo a possibilidade de fazer
diferentes composições, nem mesmo com conjuntos equivalentes;
Conduta II – crianças que tentam operar com conjuntos equivalentes, mas
ainda não existe uma compensação exata entre o número de conjuntos e o de
elementos de cada conjunto, dentro do mesmo todo. Parece haver um início
de tomada de consciência de que, se comprar mais objetos, terão de ser mais
baratos e vice-versa, sem que se chegue a uma quantificação exata. Não percebe
a coordenação entre as variáveis: multiplicando, multiplicador e resultado final;
Conduta III – Crianças que não são capazes de fazer antecipações corretas,
mas chegam a uma solução, por meio de tentativas que vão desde um tateio
assistemático, compreendendo algumas propriedades, até um tateio sistemático,
com todas as possibilidades de distribuição do todo;
Conduta IV – Crianças que antecipam as possíveis composições do todo, com
os respectivos conjuntos equivalentes, por meio de operações mentais, sem
necessariamente se basear em comprovações empíricas.
Todos os 13 estudantes fizeram o pré e o pós-teste. Após o pré-teste, foi realizada
intervenção pedagógica. O pré e pós-teste e a intervenção valeram-se do método
clínico, também conhecido como método crítico. O método clínico consiste em
uma intervenção sistemática do pesquisador em função do que o estudante vai
dizendo ou fazendo. Em alguns casos, ele tem de cumprir uma tarefa; em outros,
explica um fenômeno. O pesquisador, mediante suas ações ou suas perguntas,
procura compreender melhor a maneira como o estudante representa a situação
e organiza sua ação. Constitui-se em estabelecer um diálogo utilizando situações
experimentais propostas pelo pesquisador, visando explorar os raciocínios das
crianças. Consiste em conversar livremente com elas, não se limitando a perguntas
fixas e utilizando uma linguagem mais próxima possível da linguagem infantil. Piaget
e Szeminska (1981, p. 176) disseram que se trata de um método misto, porque
faz uso da observação, da experimentação e de teste ou questionários abertos,
consiste em conversar livremente com a pessoa, "[...] ele conserva assim, todas as
vantagens de uma conversação adaptada a cada estudante e destinada a permitir-
lhe o máximo possível de tomada de consciência e de formulação de suas próprias
atitudes mentais [...]".
Para o programa de intervenção foram selecionados jogos, desafios e situações
problemas adaptados de Kamii (2002 e 2008) e outros autores conforme descrito no
quadro 1. Todos os jogos e desafios enfatizaram operações de adição, subtração,
multiplicação e divisão, valor posicional, base 10, antecipação e cálculo mental.

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 172-196, fev. 2017 a mai. 2017. 181
A intervenção consistiu em 13 encontros semanais com duas horas de duração.
O trabalho aconteceu em pequenos grupos de dois a três alunos, e no pré e pós-
testes individualmente com a pesquisadora. Ao final da intervenção foi realizado o
pós-teste, com o mesmo instrumento do pré-teste. Os jogos de regras e desafios
escolhidos permitiram aos estudantes estabelecer relações e coordenações entre
as ações e chegar à dedução lógica e à inferência.

Quadro 1: Jogos e desafios propostos no programa de intervenção


Jogo dos palitos 1 e 2
Formar figuras com uma quantidade X de palitos, multiplicando ou dividindo
(MANTOVANI DE ASSIS, 2013).
Jogo - memória de 10, pegue 10, zigue zague, esconderijo, marcando pontos,
prova da corrida, tigous
Ser capaz de realizar somas que totalizem 10 através de diferentes quantidades
de cartas (KAMII, 2008).
Pega varetas: situação problema
Comparar quantidades, estabelecer relações de diferença, relacionar a parte e o
todo (MACEDO, PETTY; PASSOS, 2000).
Jogo do buraco e marcando pontos. Partir dos procedimentos de contagem até
a multiplicação e divisão (MANTOVANI DE ASSIS, 2013).
Jogo salve
Realizar as operações aritméticas de adição, subtração, multiplicação e divisão
através de cálculo mental (KAMII, 2008).
Jogo de quatro em linha - multiplicação e divisão
Somar, subtrair, multiplicar, dividir e criar estratégia para cobrir quatro números
em sequência (KAMII, 2008).
Fonte: organização das pesquisadoras.

182 BESSA, SONIA. Operação de divisão: possibilidades de intervenção...


Resultados e discussão

As situações experimentais propostas na intervenção permitiram aos alunos


testarem suas hipóteses, refletirem sobre suas ideias e modificá-las, em especial
quando lhes foi proposto um contra argumento. A contra-argumentação consistiu
em apresentar determinada resposta de modo contrário à resposta dada pelo
aluno. Os questionamentos e contra-argumentações exigiam dos estudantes
organizar suas ações mentalmente, recriando-as e modificando-as, uma vez que
privilegiavam as ações dos alunos sobre o objeto do conhecimento. A situação
experimental do jogo de regras favoreceu a passagem da ação prática ou física
para a ação mental, a passagem do plano concreto para o mundo das hipóteses.
O fato de agirem sobre os objetos ajudou-os na criação de novas perspectivas
que serviram de base para novos saberes.
Na tabela 1 estão relacionadas as condutas do pré e pós-teste dos estudantes.
Para não incorrer na identificação dos estudantes, optou-se por utilizar somente a
letra inicial do nome.

Tabela 1: Condutas de multiplicação em pré e pós-teste


Pré-teste Pós-teste
Alunos Ano escolar Idade Conduta divisão Conduta divisão

1. A 4º ano 9 I II
2. B 4º ano 9 - III
3. C 4º ano 9 - III
4. D 4º ano 9 II III
5. FM 4º ano 9 - II
6. GM 4º ano 9 I II
7. GC 4º ano 9 I II
8. I 4º ano 9 II III
9. JV 4º ano 9 I II
10. J 4º ano 9 I II
11. K 4º ano 9 II III
12. L 4º ano 9 II III
13. R 4º ano 9 - II

Fonte: dados das pesquisadoras.

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Esses resultados permitem afirmar que no pré-teste nenhum dos estudantes foi capaz
de fazer compensação e antecipação, os que apresentaram a conduta II conseguiram
realizar correspondências biunívocas, isto é, termo a termo entre o objeto desejado
e o valor correspondente do dinheiro, mas, de forma intuitiva, não perceberam a
operação "n vezes", e não coordenaram as variáveis implícitas na divisão.
Após a intervenção pedagógica, no pós-teste, verifica-se um quadro bem mais
animador. Os estudantes apresentaram expressivos progressos, quanto à operação
de divisão. Houve uma significativa evolução das condutas do pré ao pós-teste.
No pré-teste, 5 estudantes estavam na conduta mais elementar, ou seja, a conduta I
e quatro estudantes não conseguiram concluir a atividade. A conduta I corresponde às
crianças que afirmam não poder comprar nenhuma outra coisa, ou somente objetos
que custam R$ l,00 não admitindo a possibilidade de fazer diferentes composições,
nem mesmo com conjuntos equivalentes. Somando-se o número dos estudantes da
conduta I com o número daqueles que não conseguiram concluir a atividade, verificou-
se que 9 estudantes do universo de 13 tiveram muita dificuldade na operação de
divisão.
Somente 4 estudantes alcançaram a conduta II que ainda é muito elementar. São
aquelas crianças que tentaram operar com conjuntos equivalentes, mas ainda
não existia uma compensação exata entre o número de conjuntos e o número de
elementos de cada conjunto dentro do mesmo todo. Parece haver um início de
tomada de consciência de que se comprarem mais objetos, têm de ser mais baratos
e vice-versa, sem que se chegue a uma quantificação exata. Os estudantes não
percebiam a necessidade de coordenação entre as três variáveis: multiplicando,
multiplicador e resultado final. Utilizavam procedimentos empíricos para alcançar
os resultados, tinham dificuldade em perceber as possibilidades de distribuição do
todo, característico da operação de divisão, não faziam antecipações com ou sem
suporte empírico.
No pós-teste após a intervenção pedagógica a evolução foi visível. Dos 5 estudantes
que estavam na conduta I, e dos 4 que não conseguiram concluir a atividade, todos
evoluíram para melhores condutas. Os outros 4 que estavam na conduta II evoluíram
para a conduta III. No pós-teste 6 conseguiram chegar à conduta III. Nessa conduta
a criança ainda não é capaz de fazer antecipações corretas, mas chega a uma
solução por meio de tentativas que podem começar desde um tateio assistemático,
compreendendo algumas propriedades, até um tateio sistemático, com todas as
possibilidades de distribuição do todo.
No pré-teste nenhum dos estudantes encontrava-se nesse nível, portanto houve uma
significativa evolução nas condutas da divisão para os alunos que participaram da
intervenção pedagógica. Ou seja, quase a metade da amostra chegou a essa conduta.
Nenhum dos estudantes chegou à conduta IV da divisão, que corresponde às crianças
que antecipam as possíveis composições do todo com os respectivos conjuntos

184 BESSA, SONIA. Operação de divisão: possibilidades de intervenção...


equivalentes por meio de operações mentais, sem necessariamente se basear em
comprovações empíricas. É possível que o número de intervenções não tenha
sido suficiente. Os resultados permitem verificar que todos os estudantes (100%)
evoluíram para melhores condutas de divisão. Houve uma melhor compreensão da
operação de divisão. A intervenção mostrou-se eficaz quanto a melhores condutas de
divisão. É possível que outros fatores como atendimento individual e personalizado
da pesquisadora e a interação social entre os demais estudantes tenha contribuído
para essa significativa evolução.

Tabela 2 - resultados do pré e pós-teste da divisão


Condutas da divisão Pré teste Pós teste

Conduta 1 5 -
Conduta 2 4 7
Conduta 3 - 6
Conduta 4 - -
Não concluiu a prova 4
Fonte: dados elaborados pelas pesquisadoras.

A seguir descrever-se-á a intervenção com alguns dos estudantes. Foram quatro


condutas propostas por Granel (1983). Essas condutas estão relacionadas à operação
de divisão. Pode ocorrer de o aluno estar em diferentes condutas quando averiguadas
outras operações, não avaliadas aqui. Os resultados encontrados permitem verificar
as condutas da operação de divisão. É possível que essas condutas possam ser
encontradas em outras áreas do conhecimento, contudo somente a operação de
divisão foi analisada.
Os trechos destacados em negrito ao longo do texto representam parte das falas
dos estudantes que participaram da intervenção.
Iniciada a intervenção com os estudantes do 4º ano verificou-se que esses tinham
muita dificuldade até mesmo com a quantificação e a relação termo a termo dos
elementos.
Como o nível de dificuldade inicial dos estudantes era muito acentuado, decidiu-se
retomar alguns conceitos básicos como a construção do número, cálculo mental,
contagem e numeração, valor posicional e operações de adição e subtração com
números de 1 a 10. Foram selecionados alguns jogos de regras que favorecessem
essas construções, como o jogo "marcando pontos" que explora as relações numéricas

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 172-196, fev. 2017 a mai. 2017. 185
de 1 a 5, os jogos de tabuleiro como o "esconderijo", "prova da corrida", "zigue zague"
e "paraquedas". Os jogos "pegue 10", "encontre 10", "memória de 10" e "desça 10"
apelam para a construção das dezenas, relações numéricas e valor posicional. Esses
jogos, com ênfase na unidade e dezena simultaneamente, auxiliaram na retomada
dos conceitos básicos de adição, subtração e cálculo mental com números de 1 a
10. Todos os jogos mencionados são de autoria de Kamii (2002 e 2008), e foram
adaptados para essa ocasião pelas pesquisadoras.
Inicialmente, todos os estudantes apresentaram muita dificuldade em realizar
operações bem elementares como 2 + 2 ou 5 + 5 ou até mesmo 5 + 1 nas situações
de jogos. Eles foram alertados que eram livres para usar materiais de contagem como
fichas, palitos ou qualquer outra coisa que quisessem. Quase todos os estudantes
preferiram usar os dedos, quando o número ficava maior recorriam às marcas de
contagem. Um dos estudantes desenhou 12 "tracinhos" (marcas de contagem) em
seguida escreveu 12 + 12 + 12 + 12. Quando perguntado por que fez as marcas de
contagem, respondeu que era para não esquecer quantos 12 ele precisava somar.
Alguns estudantes recorriam aos dedos e marcas de contagem ao mesmo tempo.
Uns poucos recorreram aos palitos e faziam a correspondência do número de palitos
com o número de pontos que deveriam somar, para continuar o jogo.
Kamii (2008), afirma que esse é um procedimento normal quando os estudantes
ainda não conseguem perceber a inclusão hierárquica que é a capacidade mental
de incluir "um" em "dois", "dois" em "três", e assim sucessivamente. É como se o
todo não existisse, elas conseguem até pensar no todo, mas não quando estão
pensando nas partes. "[...] Para comparar o todo com a parte, o estudante tem que
executar duas ações mentais ao mesmo tempo - dividir o todo em duas partes e
fazer com que essas duas partes voltem a formar o todo [...]" (KAMII, 2008, p.16).
Faltou aos estudantes a reversibilidade do pensamento, conforme descrita por
Piaget (2013a).
As crianças do quarto ano utilizavam com destreza os algoritmos das quatro
operações, contudo pelos resultados verificados no pré-teste, é possível que o
conhecimento e uso dos algoritmos não garantiram a compreensão das operações.
Os estudantes não percebiam a conservação lógica, nem a coordenação entre o todo
e as partes. O longo tempo utilizando o algoritmo de forma mecânica e destituída
de compreensão pode ter contribuído para a não compreensão das operações.
"A conservação do número não é abstraída dos objetos, pois para chegar a essa
operação o estudante precisa basear o seu julgamento num raciocínio dedutivo
que supõe a coordenação de suas próprias ações" (MANTOVANI DE ASSIS, 2013,
p. 79). Ao trabalhar com os jogos de regras e desafios, saindo do plano concreto
para chegar ao abstrato, os estudantes foram paulatinamente compreendendo os
processos implícitos nas operações.

186 BESSA, SONIA. Operação de divisão: possibilidades de intervenção...


Até a sexta intervenção foram priorizados jogos com ênfase em adição, subtração,
cálculo mental e relações numéricas com os números de 1 a 10. A partir da sétima
intervenção foram introduzidos jogos envolvendo os conceitos de multiplicação e
divisão.
Compreender a multiplicação é condição necessária, porém não suficiente,
para compreender a divisão; essas operações relacionam-se na reversibilidade
do pensamento, que permite, ao aluno, coordenar as variáveis: multiplicando,
multiplicador e resultado final. Para Piaget (2013a, p. 76) essa reversibilidade é “[...]
sem dúvida, o caráter mais específico da inteligência”; de posse da reversibilidade
de pensamento, o aluno pode “[...] construir hipóteses e, em seguida descartá-las
para retornar ao ponto de partida, percorrer um caminho e refazer o caminho inverso
sem modificar as noções utilizadas” (idem, p. 77). A reversibilidade caracteriza,
não só os estados de equilíbrio finais, mas ainda os próprios processos evolutivos.
A reversibilidade é a capacidade do estudante de raciocinar retrospectivamente e
prospectivamente no tempo. Segundo Lacombe, (2002) esse é um dos primeiros
indicadores do pensamento operatório concreto. O estudante torna-se capaz de
estabelecer relações objetivas de semelhança e diferença, que possibilitam a
classificação e a ordenação de objetos, isso marca a construção da reversibilidade.·.
Observe-se o caso de "B" que no pré-teste estava na conduta I da divisão, e no
pós-teste foi para a conduta III.

- "B" - Vou lhe vender este carrinho. Coloque aqui o dinheiro suficiente para
comprá-lo.
- R$ 3.
- Quanto você pagou por ele?
- R$ 3. (Recolho este objeto e coloco 4 carrinhos).
- Coloque o dinheiro necessário para comprar todos esses carrinhos.
- R$ 12.
- Quanto dinheiro tem aí?
- R$ 12.
- Como é que você sabe que precisa de todo esse dinheiro para comprar esses
objetos?
- Fiz 4 x 3 = 12.
- E agora o que você gostaria de comprar?
- Peão.

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 172-196, fev. 2017 a mai. 2017. 187
- Quanto custa?
- R$ 9.
- E para comprar todos esses (3)?
- R$ 27.
- Como você descobriu quanto dinheiro você precisava?
- 9 x 3 = 27.
- O que você gostaria de comprar?
- Mãozinha.
- Quanto custa?
- R$ 1.
- E para comprar todos estes (5)?
- R$ 5.
- Como você fez para descobrir quanto dinheiro você precisava?
- 5 x 1.

Nas primeiras intervenções e no pré-teste os estudantes utilizaram com dificuldades


somente a adição para chegar ao resultado, no pós-teste verifica-se que já utilizam
procedimentos mais elaborados de multiplicação. Para Macedo (2009, p.62), ao se
deparar com as muitas possibilidades de desafio o estudante vai "[...] retirar e organizar
esse conhecimento em sucessivos patamares, com base em uma experiência vivida,
são ações ou operações necessárias. Sem elas, pode-se ter experiência, mas não se
terá aprendizagem".
Na segunda situação da prova de divisão de granel, também verifica-se uma evolução
nesse estudante.

- Quais dos objetos sobre a mesa daria pra você comprar com estas fichas
(18) de tal maneira que não sobre e nem falte nenhuma ficha, mas que todos
os objetos sejam iguais?
- 6 carrinhos (R$ 3). (contou as fichas separando em agrupamentos de dois
em dois, depois de três em três até descobrir qual objeto poderia comprar).
- Como é que você sabe que dá para comprar 6 carrinhos?
- Contando o dinheiro de 3 em 3 aí descobri.

188 BESSA, SONIA. Operação de divisão: possibilidades de intervenção...


- Pode escolher outro objeto, mas lembre-se não pode sobrar e nem faltar
moedas e só pode comprar objetos iguais. Qual você vai comprar?
- 3 Chocalhos (R$ 6).
- Como é que você descobriu que dá para comprar 3 chocalhos?
- Contando o dinheiro: 6 + 6 + 6.
- Pode escolher outros objetos. Qual você vai comprar?
- 2 peões (R$ 9).
- Como é que você descobriu que dá pra comprar 2 peões?
- 9 x 2 = 18 (contou com a ajuda dos dedos).

"B" não conseguiu chegar à conduta IV da divisão que corresponde às crianças
que antecipam as possíveis composições do todo com os respectivos conjuntos
equivalentes por meio de operações mentais, sem se basear em comprovações
empíricas, mas evoluiu para a conduta III, que pressupõe os processos multiplicativos.
No pré-teste ela não conseguiu concluir a atividade, dizia que não podia comprar
nada que custasse mais de um real, não admitia a possibilidade de fazer diferentes
composições, nem mesmo com conjuntos equivalentes.
Para chegar ao resultado, ainda utilizava procedimentos empíricos como somar
nos dedos, utilizava rascunhos, mas já conseguia correlacionar o todo e as partes
simultaneamente. Quando dividia, já conseguia fazer um tateio sistemático,
compreendendo algumas propriedades, com possibilidades de distribuição do todo.
Ela ia separando os objetos intuitivamente até acabar o número total de fichas:
distribuiu 18 fichas, por 2, 3, 6 e 9 objetos. Considerando a situação inicial ela evoluiu
significativamente.
No jogo dos palitos, foram dados 21 deles e pedido para que formasse a quantidade
máxima de figuras utilizando três palitos para cada figura. "B" formou sete figuras.
Foram dados mais nove palitos, totalizando 30 palitos, foi pedido para que formasse
a quantidade máxima de figuras com quatro palitos, rapidamente ela percebeu que
sobrariam 2 palitos e daria 4 X 7 e se fizesse 4 X 8 ela precisaria de mais dois
palitos. Conseguiu chegar ao processo multiplicativo por cálculo mental sem nenhum
procedimento empírico.
No início da intervenção, "B" demonstrava introversão, medo, timidez e retraimento,
ao longo da intervenção ela foi visivelmente melhorando, relacionando-se melhor com
o grupo de colegas. É possível que dois fatores tenham influenciado essa estudante: a
participação ativa nos jogos e atividades e a interação social. Esses dois fatores foram
importantes na evolução de "B" da conduta I de divisão, no início da intervenção,
para a conduta III.

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 172-196, fev. 2017 a mai. 2017. 189
Outro jogo utilizado na intervenção foi o chamado “atividades com dados”. Esse jogo
explora os conceitos de adição, multiplicação e divisão. Permite ao aluno realizar
diferentes procedimentos: cálculo mental, conservação numérica, construção da
multiplicação aritmética passando pelos procedimentos aditivos e multiplicativos
até a reversibilidade completa necessária à divisão.
Participaram dessas atividades os alunos “D”, “K” e “L”. Iniciou-se com duas fichas. Os
alunos deveriam colocar duas fichas para cada ponto que caiu do dado. Inicialmente
os alunos tiveram dificuldades de entender o princípio multiplicativo, mas quando
entenderam, gostaram muito do jogo. Passou-se então para 3 pontos. Eles deveriam
colocar 3 fichas para cada ponto que tirou no dado. Inicialmente eles utilizaram 1 dado
e depois 2 dados. Cada estudante trabalhava com um valor que tirava no seu dado.
Um dos alunos tirou 7 pontos nos dados,então ele iria trabalhar com 7 x 3 enquanto
o colega (K) tirou 9 pontos nos dois dados. Perguntei a “K”:

- Quantas fichas você tem no total?


- 27.
- Como você descobriu?
- Eu contei assim. (Fez agrupamentos de 3 fichas e foi contando 3 + 3 + 3 + 3
+ 3 + 3 + 3 + 3 + 3 nos dedos).
- E quantas vezes você contou o 3? Contou os agrupamentos e respondeu?
- 9 vezes.

Apesar do procedimento aditivo inicialmente utilizado por “K”, ele começou a


compreender que podia contar nas fichas quantas vezes ele colocou os agrupamentos
de 3. Nas jogadas subsequentes esse aluno foi se desvencilhando do procedimento
aditivo e utilizando cada vez mais o procedimento multiplicativo e com muita rapidez.
De uma ação observável ele chegou a uma ação mental não observável. Quando é
priorizada a ação do aluno sobre o objeto, ele consegue fazer inferências sobre os
observáveis e relacionar as ações com os objetos. Esse grupo foi aos poucos fazendo
cálculos, considerando o número de vezes que contavam os agrupamentos de fichas.
No segundo momento, fez-se a operação inversa. Foram colocadas 12 fichas, e eles
deveriam descobrir os pontos do dado: que número deve ser tirado no dado para dar
esse total. Inicialmente eles tiveram um pouco de dificuldade, mas logo perceberam
a lógica e foram respondendo com rapidez, mesmo para os números maiores como
27, 21, 24, 18 divididos por 3.

190 BESSA, SONIA. Operação de divisão: possibilidades de intervenção...


- Foram selecionadas 9 fichas? Que número eu tirei no dado?
- 3.
- Por quê?
- É 3 x 3.
- Tenho 18 fichas quantos pontos no dado eu tirei?
- 6.
- Por quê?
- É 6 x 3.
- Tenho 21 fichas que número tirei no dado?
- 7, mas precisa de dois dados pra tirar 7.

Foram acrescentadas as fichas em grupos de 3 até chegar ao 9 X 3. Mesmo


procedimento com 4, 6, e 7 fichas.
Esses estudantes faziam o cálculo da divisão 21/3, 18/6, 9/3 e 24/4, mas, utilizando
como referência a multiplicação. Os três alunos que participaram dessa intervenção
saíram da conduta I de divisão para a conduta III. Em todas as situações foi lançado o
seguinte contra argumento: um menino de outra sala disse que poderia dividir 21/3
ou 18/6 o que você acha disso? Todos foram unânimes em dizer que estava certo,
mas que era mais fácil fazer com a "conta de vezes". A influência da memorização da
tabuada está bem presente nesse tipo de resposta.
O jogo chamado “Tigous” permite trabalhar simultaneamente as quatro operações.
Participaram dessa intervenção os alunos “I”, “K”, “L”. Eles jogaram com 2 dados
inicialmente e quando os números ficaram maiores, aumentaram para 3 dados. Em
determinada jogada, “I” fez 17 pontos somando os pontos dos três dados, mas não
tinha 17 no tabuleiro, então ele começou a subtrair até chegar a um resultado que
fosse compatível com o tabuleiro. Utilizaram a adição inicialmente, a subtração e
somente no final começaram a utilizar a multiplicação. Não conseguiram realizar a
operação de divisão para chegar ao resultado, somente a partir da segunda jogada.
Uma das últimas casas a ser preenchida era o número 36, logo um dos alunos (L)
lembrou-se do cálculo que fizera em outro jogo e disse: pode ser 6 X 6 ou 36 dividido
por 6.
Todos os estudantes que participaram da intervenção evoluíram nas condutas de
divisão. A evolução verificada não ocorreu somente quanto à divisão, verificou-se
melhor compreensão da adição e multiplicação. Mesmo sendo alunos de uma mesma
classe e idade, verificaram-se diferentes níveis iniciais de compreensão das noções
de adição, multiplicação e divisão.

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 172-196, fev. 2017 a mai. 2017. 191
Nos jogos de estratégia, os alunos foram aos poucos percebendo que poderiam
impedir que o colega ganhasse se jogassem no local correto, com esse exercício
eles se obrigavam a descobrir a jogada mais conveniente para impedir que o outro
grupo ganhasse. Os jogos também requeriam dos alunos cálculos mais sofisticados
e complexos, eles inicialmente utilizaram os dedos, mas à medida que jogavam se
desvencilharam do suporte material e recorriam ao cálculo mental. É possível que
a intervenção pedagógica foi capaz de provocar melhores condutas nas operações
de divisão.

Considerações finais

Os métodos de ensino baseados na memorização e na reprodução


mecânica não permitem o processo de aprendizagem considerando a construção
do conhecimento e nem a coordenação das ações mentais por meio da abstração
reflexionante. Os jogos, desafios, e situações problemas são fonte de desequilíbrios,
para Piaget (1977, p. 23) "deve-se procurar nos desequilíbrios uma das fontes de
progresso no desenvolvimento dos conhecimentos". Para Macedo (2009, p. 57):
Os desequilíbrios (insuficiências, contradições, conflitos marcados pela primazia das
afirmações sobre as negações) são fontes de progresso. Isto é, as perturbações que
produzem desencadeiam no sujeito a busca ativa, cuja orientação, para melhores formas
(coordenações) ou conteúdos (observáveis) resultará como tendência, um melhoramento
do nível atual de interação. Esta é uma das condições e, por extensão, um dos aspectos
fortes de um jogo ou desafio.

Quando submetidos a situações com jogos e desafios, os alunos que


participaram da educacional tiveram melhores condutas quanto à multiplicação e
divisão, mesmo transcorridos menos de três meses de intervenção pedagógica. A
construção da operação de divisão passa por patamares de equilíbrio. O ensino
formal não garantiu a esses estudantes a construção dessa operação, é possível
que a aprendizagem a que eles foram submetidos consistiu em experiências de
memorização mecânica sem maior proveito cognitivo.
Muitos estudos como de Kamii (2015), Macedo, Petty e Passos (2005), Mantovani
de Assis (2013) e Zaia, (2010) foram unânimes em afirmar que os jogos de regras
favorecem o desenvolvimento dos aspectos físicos, as percepções, a inteligência,
a criatividade, a espontaneidade, as relações sociais, entre outros. Crianças com
dificuldades de aprendizagem vão, gradativamente, modificando a imagem negativa do
ato de conhecer, tendo uma experiência em que aprender é uma atividade interessante
e desafiadora. Os resultados dessa investigação nos permitem comprovar a eficácia

192 BESSA, SONIA. Operação de divisão: possibilidades de intervenção...


dos jogos de regras, desafios e situações-problema nos processos de aprendizagem.
Os resultados abrem uma discussão para o papel dos jogos usados no processo
interventivo para a aprendizagem matemática nas escolas de ensino fundamental.
Os jogos, desafios e situações-problema contribuem para o aprendizado dos alunos,
porém é fundamental salientar que o desenvolvimento e aprendizagem não estão
no jogo em si, mas no que é desencadeado a partir das intervenções e dos desafios
propostos aos alunos e da mediação do professor.
Na aprendizagem de qualquer conteúdo escolar e não escolar é importante
considerar o papel de quem aprende e de quem ensina. O aluno precisa formar uma
compreensão do conceito, e por melhor que o professor ou o adulto explique um
conteúdo, não é possível garantir a compreensão do aluno, porque a compreensão
é um ato do aluno e a explicação é um ato do professor. Não é a aprendizagem de
novos fatos ou elementos, mas é a construção única e individual daquele estudante
de novos conceitos e novas compreensões.
As intervenções podem ser orais, questionamentos, solicitação de justificativas
de jogadas, remontagem de um momento do jogo etc. É necessário que o educador
sempre apresente novos obstáculos a serem superados a partir do que o estudante já
sabe sem abandonar o aluno à sua própria sorte e à sua aprendizagem espontânea. Para
Fioroti e Ortega (2009), quem ensina precisa saber como se processa a compreensão,
que é o trabalho do aluno, para então organizar sua explicação, trabalho do professor.
A compreensão envolve a interiorização, movimento em direção ao estudante, ao
passo que a explicação se refere à exteriorização, movimento em direção ao objeto.
No caso do professor, há uma interdependência entre essas duas ações, compreender
e explicar, posto que a segunda demanda a primeira.
O fato de todos os estudantes que foram submetidos à intervenção obterem
êxito em condutas mais evoluídas de divisão, quando submetidos a um processo
de intervenção pedagógica ativa, evidencia que é possível remediar a situação de
tantos estudantes que não aprendem. Ainda cabe aos educadores criar formas de
intervenções através de situações prazerosas, nas quais o estudante possa se sentir
motivado e confiante, em vez de simplesmente tentar substituir uma resposta tida
como “errada”, por outra também não compreendida pela criança, e os jogos de regras
num contexto de interação social parecem ser ainda uma boa saída para os estudantes
com ou sem dificuldades de aprendizagem e uma forma eficaz de diminuir o fracasso
e o abandono escolar.

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 172-196, fev. 2017 a mai. 2017. 193
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Recebido em dezembro de 2016


Aceito em setembro de 2017

SONIA BESSA é doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas


– UNICAMP, pós-doutora pela Universidade Federal do Triangulo Mineiro UFTM.
Professora titular do Departamento de Educação da Universidade Estadual de Goiás.
UEG. Membro do Laboratório de Psicologia Genética da Unicamp. Email: soniabessa@
gmail.com

196 BESSA, SONIA. Operação de divisão: possibilidades de intervenção...


Política de educação profissional no Vietnã:
ofertas formativas sob a vigência da integração
internacional

NguyenThuong Lang
Universidade Nacional de Economia - Vietnã

Resumo

O artigo apresenta as mudanças ocorridas no paradigma da política de educação


profissional do Vietnã durante o processo de mudança de uma economia altamente
centralizada para uma economia de mercado orientada para o socialismo em
meio a uma proativa integração internacional. Ao usar a metodologia baseada em
evidências e a abordagem histórica do processo, demonstra-se como ocorreram
as fases de estruturação da política: 1981-1999, 2000-2015 e a partir de 2016.
As políticas de educação profissional do Vietnã têm claro objetivo de atender ao
plano do Estado e às necessidades do mercado de trabalho.

Palavras-chave: Educação. Educação profissional. Mercado de trabalho.


Planejamento. Integração internacional

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 197-217, fev. 2017 a mai. 2017. 197
Política de educação profissional no Vietnã:
ofertas formativas sob a vigência da integração
internacional

Abstract
The article presents the changes that have taken place in the paradigm of
professional education policy in Vietnam during the process of shifting from a highly
centralized economy to a market economy oriented towards socialism in the midst
of proactive international integration. Using the evidence-based method and the
historical approach to the process demonstrates how the policy structuring phases
occurred: 1981-1999, 2000-2015 and beyond 2016. The professional education
policies of Vietnam have a clear objective to meet the state's plan and the needs of
the labor market.

Key words: Education. Vocational education. Labor market. Planning. International


integration.

Política de educação profissional no Vietnã:


ofertas formativas sob a vigência da integração
internacional

Resumen
El artículo presenta los cambios en el paradigma de la política educativa en Vietnam
durante el proceso de pasar de una economía planificada altamente centralizada a
una economía de mercado al socialismo en medio de una integración internacional
proactiva. Al utilizar el metodologia basado en la evidencia y el enfoque histórico del
proceso, se muestra como ocurrió fases de estructuración de la política: 1981-1999,
2000-2015 y desde 2016. Las políticas de educación profesional de Vietnam, tiene
claro objetivo para cumplir con el plan del estado y las necesidades del mercado
laboral.

Palabras clave: La educación. La formación profesional. Mercado de trabajo. La


planificación. La integración internacional.

198 LANG, NGUYENTHUONG. Política de educação profissional no Vietnã...


Política de educação profissional no Vietnã:
ofertas formativas sob a vigência da integração
internacional
Résumé
L'article présente les changements dans le paradigme de la politique de l'éducation
au Vietnam au cours du processus de passage d'une économie planifiée hautement
centralisée à une économie orientée vers le marché vers le socialisme au milieu d'une
intégration internationale proactive. En utilisant la méthode basée sur des preuves
et l'approche historique du processus, il est affiché comme produit phases de la
politique de structuration: 1981-1999, 2000-2015 et aprés 2016. Les politiques
de formation professionnelle du Vietnam, a pour objectif clair pour répondre au plan
de l'état et les besoins du marché du travail.

Mots-clés: L'éducation. La formation professionnelle. Le marché du travail. La


planification. L'intégration internationale.

Introdução

O Vietnã tem sido modelo de uma dinâmica integração internacional com o resto
do mundo desde 2001. A troca bidirecional do comércio, investimentos e outros
entre o Vietnã e o resto do mundo tem sido crescente. Este processo traz para o
Vietnã uma série de oportunidades e desafios para a educação profissional. A fim
de aproveitar todas as oportunidades e superar os desafios, é necessário construir e
implementar políticas eficazes de educação profissional.
Durante o período da economia centralizada, antes de 1986, o Vietnã tinha adotado
o mesmo modelo de educação profissional da antiga União Soviética. A partir de
1986, período de economia de mercado socialista, que é a combinação de produção
industrial com forte expansão do ensino, e é percebida como essencial para que
a educação técnica e profissional possa adaptar-se às mudanças na estrutura da
economia, a educação profissional assume um novo formato combinando as demandas
do mercado de trabalho interno e as pressões internacionais. Em ambos os períodos,
a política de educação profissional do Vietnã obteve resultados notáveis, mas também
apresentou algumas limitações. Além disso, há fatores decorrentes da integração
internacional, como a presença de um grande número de estrangeiros no Vietnã à
procura de empregos e a forte concorrência dos bens importados que impulsionam

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 197-217, fev. 2017 a mai. 2017. 199
a massa de desempregados, que não dispunham de meios adequados para acessar a
educação profissional. No período 2002-2015, anualmente, o número de estudantes
do ensino médio no Vietnã aumentou de 2,4 a 3 milhões, representando 2,6 a 3%
da população (Figura 1), o que coloca forte pressão sobre a demanda por emprego
no mercado de trabalho. Dentro da composição educacional do Vietnã tem ocorrido
uma notável desproporção entre a oferta de cursos de graduação e a pós-graduação,
a faculdade e a formação técnico-profissional, em comparação com o mundo. No
Vietnã, a proporção é de 10:1, 3:0,92 enquanto no mundo a proporção é de 1:4:10
(Tuan, 2016).1

Figura 1: Número de estudantes do ensino secundário e médio do Vietnã no período


2002-2015

Fonte: Gabinete Geral de Estatística do Vietnã (2016)

A educação profissional é uma etapa da educação que possibilita ao estudante o


desenvolvimento de habilidades profissionais específicas após a educação básica,
denominada de ensino secundário, e o ensino médio, etapa esta imediatamente
anterior à educação superior. A idade para que os estudantes alcancem uma grande
mudança em termos físicos e psicológicos varia entre 11 e 18 anos. A política de
expansão da educação profissional, por um lado, reduz a pesada pressão para que
os estudantes mobilizem seus esforços para fazerem o ensino superior. Por outro
lado, contribui na procura por postos de trabalho de modo mais acessivel no atual
contexto de alto desemprego no Vietnã, não excluindo estudantes de nível técnico
e graduados. Além de ser, uma das iniciativas mais eficazes para reequilibrar a oferta
e a demanda no mercado de trabalho, que é o foco das preocupações dos grupos de
interesse, como o governo, as escolas, as famílias e os estudantes. No caso do Vietnã,
além dos bons resultados de tal política implementada há algumas dezenas de anos,
houve alguns obstáculos e limitações que devem ser resolvidos de maneira apropriada.

1 No Vietnã há 10 cursos de graduacões para cada 1,3 cursos de pós-graduacões e 0,92 cursos técnicos. Enquanto
que no resto do mundo, há 1 curso de graduacão para cada 4 cursos de pós-graduacões e 10 cursos técnicos.

200 LANG, NGUYENTHUONG. Política de educação profissional no Vietnã...


Diante do conjunto de compromissos e acordos internacionais de que o Vietnã faz
parte, o país abrirá sua economia para os parceiros estrangeiros com o objetivo de
inserir no mercado interno novos elementos em termos de comércio, investimento
e outros campos relacionados, assim consequentemente, a demanda do mercado
de trabalho se modificará. Dessa maneira, a política de educação profissional tem
importante papel, que complementa a política nacional de educação e a experiência
do Vietnã pode ser referência útil para países que tem similaridades.
Até o momento, ocorreram poucas pesquisas sobre esta questão no Vietnã. Exemplo
dessas é a pesquisa sobre educação profissional com enfoque na orientação
profissional na região de Hanói (Hoa, 2014) que tem como objetivo observar os
impactos do aconselhamento sobre a percepção e aspiração dos alunos sobre a
formação profissional. A consulta prévia, eficaz sobre a vocação da região é a forma
de promover o papel da política de formação profissional para os estudantes de
Hanói, em paralelo com outros canais de informação sobre a educação profissional.
Um outro exemplo de pesquisa com esse enfoque enfatiza a escassez de estratégias
para a educação profissional no Vietnã (Thuy, 2010), embora haja uma vasta legislação
sobre esse tema, a Lei de Educação (1998), Lei de Ensino de Educação Profissional
(2006), Lei de Ensino Superior (2012), Lei de Educação Profissional (2014) e outros
importantes instrumentos legais relacionados com o ensino profissional. Assim, a
estratégia do país para o desenvolvimento da educação, durante o período 2011-2020
estabelece a meta de que, até o ano de 2020, as instituições de educação profissional
terão capacidade para atender cerca de 30% dos estudantes que concluírem o ensino
médio.

Metodologia e dados de pesquisa


O artigo fornece a avaliação geral sobre a política de educação profissional
do Vietnã para deixar claro seus pontos positivos e negativos, especialmente
no contexto da dinâmica da integração internacional. As principais dimensões
consideradas são o contexto da política de oferta da educação, seu objetivo,
conteúdo e desempenho. A partir dessa avaliação, o artigo propõe as soluções para
promover os pontos positivos e minimizar os pontos negativos para aperfeiçoar
a política no próximo período. A metodologia de análise da pesquisa é baseada
nas evidências e na abordagem histórica do processo de mudanças da política de
educação profissional, logo, há o relato da educação profissional no Vietnã com um
recorte de 40 anos. Os dados explorados para produção do artigo foram coletados a
partir de fontes oficiais do governo do Vietnã, tais como, o Escritório de Estatísticas
Gerais, Ministério do Trabalho, Previdência e Assuntos Sociais, Ministério da Justiça
e Ministério da Educação e Formação.

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 197-217, fev. 2017 a mai. 2017. 201
A revisão da literatura sobre a política de educação profissional

A educação profissional é um conceito muito abrangente que pode ser explicado


de diferentes maneiras. De acordo com Dictionary.com, a educação profissional
é o "treinamento educacional que fornece experiência prática em um campo
ocupacional em particular, como agricultura, economia doméstica ou indústria"2.
A definição enfatiza a experiência prática em um campo ocupacional particular, de
acordo com EQUAVET (2014), o ensino e a formação profissionais referem-se à
educação e formação que visa dotar as pessoas de conhecimentos, habilidade e
competências exigidos em determinadas profissões ou, de uma forma mais geral, no
mercado de trabalho. De acordo com o artigo 3 da Lei Vietnamita sobre Educação
Profissional de 2014, a educação profissional tem um significado amplo em duas
dimensões, como a educação e a formação. O primeiro considera-o como um nível de
educação dentro do sistema educacional que habilita estudantes ao nível primário,
secundário, superior e outras formas de educação profissional para os empregados
com o objetivo de atender a necessidade direta de recursos humanos na produção,
que são realizados em duas etapas, em tempo integral ou em formação continuada.
A segunda dimensão é o tipo de ensino para prover conhecimento, competências
e atitude profissional necessária para que os estudantes sejam capazes de avaliar a
sua empregabilidade após a conclusão dos cursos ou para melhorar suas habilidades
profissionais. De acordo com as orientações, a educação profissional é o processo de
formação dos conhecimentos profissionais, competências e atitudes para o trabalho
com foco nos estudantes com idade entre 11 a 18 anos e difere do ensino superior,
que se concentra principalmente em preparar os estudantes para a profissão apenas
com o conhecimento profissional específico da área sem temas transversais para
aprimorar competências, por exemplo, de convívio social e a educação primária, que
tem como objetivo, apenas, eliminar o analfabetismo.
A formação profissional é o que orienta, de fato, em um sentido mais amplo, a
política de ensino. A formação profissional, contém os principais elementos como
as competências e habilidades oferecidas ao mercado de trabalho, a orientação
profissional, a disposição de implementar a política, o uso da aprendizagem no local
de trabalho e da participação das partes interessadas, bem como da promoção
transparente (OCDE, 2011). Para implementar a política de educação profissional,
o sistema de assistência é promovido pelo orientador profissional, conselheiro
escolar, professor orientador e conselheiro de estágio (MCAST, 2015). Na abordagem
sistemática, a educação profissional consiste na análise do contexto político,
estabelecendo a missão e o objetivo, construindo os princípios e efetivando as
políticas (SMET, 2011).

2 (http://www.dictionary.com/browse/vocational-education)

202 LANG, NGUYENTHUONG. Política de educação profissional no Vietnã...


Com base na análise acima, o foco do artigo é o contexto da oferta da política
de educação, seu objetivo, conteúdo e o desempenho em cada período de
desenvolvimento da política de educação profissional. Estas constroem o quadro
analítico para identificar o problema de investigação, compreender a implementação
da política e propor as soluções adequadas para a sua melhoria. Além disso, a
integração internacional, sendo um fator importante tem muita influência sobre a
política do sistema educacional vietnamita como um todo. Segundo este ponto de
vista, a política de educação profissional é o sistema de metas, princípios, instrumentos
e medidas aplicadas pelo governo para mobilizar os recursos internos e externos para
atingir os objetivos em determinado período de tempo.
A política de educação profissional no Vietnã tem sido desenvolvida a partir de
diferentes períodos, marcados por momentos decisivos da história do país, que foi
sendo aperfeiçoada de forma a articular a educação profissional e o mercado de
trabalho.

Período 1: O primeiro período sobre a política de educação


profissional: Lei de Educação (1981-1999)

Esse é o período de lançamento do projeto da política de educação profissional


refletida nos regulamentos dos municípios. As principais diretrizes da política
de educação profissional do Vietnã, no primeiro momento, foram oficialmente
estipuladas pelo Decreto 126 / CP do Governo, emitida em 19 de Março de 1981
sobre o título: "A tarefa orientada para a profissão na escola e o emprego razoável
dos estudantes secundário e do ensino médio". Este momento foi aquele em que
o país operou dentro do mecanismo centralmente planejado em que o mercado de
trabalho não existia; com isso, os empregos para os estudantes foram organizados
pelo Comitê de Planejamento do Estado. Durante este período, a cada ano, havia em
torno de metade dos estudantes secundaristas, que eram milhões de estudantes, e
destes, somente 200 mil alunos completaram seus programas escolares. No entanto,
devido à problemas de falta de espaço no ensino superior, nem todos esses alunos
foram capazes de continuar a estudar. Consequentemente, algumas centenas de
milhares de estudantes tiveram de abandonar as suas escolas para ingressarem no
mercado de trabalho não oficial sem as competências profissionais. Na verdade,
houve um grande desperdício da força de trabalho na sociedade como um todo,
pois o sistema de educação profissional se estabeleceu para fazer frente à escassez
do trabalho organizado pelo Governo, melhorando a disponibilidade de aderir à
força de trabalho logo após a sua saída do ensino secundário ou médio. Claramente,
o caminho correto no contexto de uma reforma abrangente e básica da educação
do Vietnã, após a reunião bem sucedida do Norte e do Sul no ano de 1975.

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 197-217, fev. 2017 a mai. 2017. 203
Para a implementação do Decreto 126 / CP do Governo, o Ministério da Educação
era responsável pela educação geral, excluindo o ensino superior naquela época. A
carta Circular 33, de 17 de novembro de 1981, detalhou melhor qual seria o foco da
educação profissional:
- Estabelecer as necessidades para a formação profissional na escola para educar
a atitude do estudante em relação ao emprego e sua percepção correta sobre a
profissão; para organizá-los para a prática e para ser absolvido em algumas ocupações
principais e específicas dos locais; para compreender sobre a aptidão, tendências
da profissão de cada aluno, para incentivar, orientar e atualizar suas capacidades
profissionais da forma mais adequada; para mobilizá-los na abordagem para atuarem
nas indústrias e nas regiões que precisam de jovens qualificados.
- Fornecer as orientações para a implementação das tarefas da educação profissional,
uma vez que deve basear-se na educação abrangente e multifacetada; a tendência
para o desenvolvimento cultural, econômico das localidades, a demanda por emprego
da força de trabalho na reserva das localidades e do país; e seu conteúdo, forma e
metodologia devem ser adequados às características dos alunos em termos de saúde,
idade, nível educacional, etc.
- Regulamentar quatro tipos de atividades do ensino profissional como a educação
dos sujeitos (cultivo, alimentação animal, mecânica, técnica elétrica e eletrônica),
por meio da participação direta nas atividades de produção (bordado, artesanato),
introduzindo sobre as profissões novas ocupações nas localidades ou no país) e
realizando as atividades extras (fórum, exposição ou intercâmbio entre associações
profissionais, pais com alunos).
- Estabelecer o mecanismo de implementação do ensino profissional dentro do
sistema educativo nacional desde a atribuição das funções dos diretores das escolas,
as responsabilidades dos professores, as funções de gestão do Departamento de
Educação das localidades em nível provincial e municipal aos ministérios e outras
agências relacionadas. O Ministério da Educação foi responsável por acumular a
experiência, elaborar o currículo e fornecer os materiais de aprendizagem das tarefas
de implementação.
A Lei da Educação em 1998 é o primeiro marco legal da educação no Vietnã a qual
estipula que a educação geral contém 2 níveis de ensino tal como a escola secundária
que, variando do 6º ao a 9º ano, ou da idade de 11 a 15 anos e o ensino médio,
que varia entre 10º ao 12º anos ou desde os 16 aos 18 anos (artigo 22º). Após a
conclusão de cada nível de ensino, é concedido aos alunos os diplomas de ensino
secundário ou de ensino médio. O ensino secundário profissional é realizado em um
período de 3 a 4 anos de estudos para os alunos com diploma de ensino secundário
e de 1 a 2 anos de estudos para aqueles com diploma de ensino médio. A formação
profissional é conduzida em menos de 1 ano para o programa profissional de curta
duração ou programa pré-profissional, ou de 1 a 3 anos de longa duração para o

204 LANG, NGUYENTHUONG. Política de educação profissional no Vietnã...


ensino secundário e médio (artigo 28). A Lei também possibilitou a criação de uma
instituição independente relacionada com a educação profissional que é o Centro
de Técnicas Gerais e Orientação de Carreira (Artigo 26). Segundo a Lei, existem
diversas instituições de educação profissional (artigo 32). São escolas profissionais
do ensino secundário e instituições de educação profissional, incluindo as escolas
de formação profissional, os estabelecimentos de ensino secundário profissional,
os centros de formação profissional e as classes de formação profissional. As
instituições de formação profissional podem ser organizadas de forma independente
ou ligadas a unidades de produção, empresas e outras instituições de ensino. Além
disso, mostra os objetivos do ensino profissional não apenas no conhecimento, da
formação prática, na capacidade de participar da produção e no serviço, mas também
na ética profissional, na consciência disciplinar, nos hábitos industriais, na saúde
física, na auto-empregabilidade e na capacidade de um estudo mais aprofundado
para melhorar as qualificações profissionais (artigo 29). Além disso, o conteúdo
e metodologia de educação profissional, o programa de educação e o diploma e
concessão de certificados são levados em consideração na lei. A Lei habilitava os
gestores das instituições de educação profissional a estabelecer os currículos e tomar
decisões sobre a produção de livros didáticos e conceder os diplomas ou certificados
para os alunos que concluíssem o ensino profissional, após a aprovação nos exames
específicos.
Os resultados da educação profissional neste período resultaram na mudança no
currículo das escolas, acrescentando o tema "orientação profissional" à lista das
disciplinas obrigatórias. Alguns centros de educação profissional foram criados para
apoiar a implementação da política em 8.734 escolas secundárias e 1.687 escolas de
ensino médio em nível nacional. Muitos alunos foram capacitados com o entendimento
sobre as ocupações nas localidades e tiveram oportunidades de procurar prováveis
postos de trabalho. Como resultado, a pressão sobre a matrícula de estudantes do
ensino médio nas escolas de ensino superior e o desemprego foram parcialmente
minimizados. No entanto, a melhoria da política de educação profissional, para ser
compatível com os requisitos relativos aos recursos humanos qualificados na nova
fase do desenvolvimento do Vietnã, tem sido a principal preocupação para todos
os grupos de interesse. O número de professores de educação profissional, para
atender aos objetivos da política na educação geral estava estimado em cerca de
10.000 (Nhung, 2005). De fato, a força dos quadros responsáveis por
​​ essa tarefa não
atingiu de maneira suficiente em termos quantitativos e não cumpriu a exigência em
termos qualitativos (Thuy, 2010).
Período 2: Período entre a Lei de Educação Nacional até a
aprovação da Lei de Educação Profissional (2000-2015)

Nesse período a política de educação profissional gradualmente ganha destaque,


sendo indispensável para o país, pois na legislação começam a surgir artigos que

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 197-217, fev. 2017 a mai. 2017. 205
tratam essa educação de forma independente (dos artigos 28 a 33) da Lei da Educação
(versão 1998) e concomitante; há a ampliação de conteúdos na Lei Revisada de
Educação em 2005, 2009, 2013 e 2015, dessa maneira, a formação profissional
torna-se disciplina obrigatória no currículo do ensino secundário e médio no Vietnã.
A Lei da Educação elaborada em detalhes no Decreto de regulamentação 33 / CT-
BGDĐT e promulgada pelo Ministério da Educação e Formação, em 23 de Julho de
2003, teve como objetivo melhorar a formação profissional dos alunos do ensino
secundário e médio em 5 pontos principais expostos a seguir:
1) melhoria da percepção dos gestores e professores sobre o significado, o
propósito, o conteúdo e as medidas para implementar a educação profissional
para os alunos do ensino médio e secundário;
2) classificação dos objetivos da construção do currículo, do seu melhoramento,
das escolhas dos livros didáticos para alunos e professores, do processo de
ensino de todas as disciplinas e da organização das atividades extras em todos
os níveis de ensino, do primário ao ensino médio;
3) execução, com seriedade, das atividades da educação profissional em todas
as escolas secundárias, de ensino médio e nos centros de educação técnica para
compreender a educação técnica baseado nos materiais didáticos publicados
pela Editora da Educação, gerida pelo Ministério da Educação e Formação,
em paralelo com um grupo alocado em cada escola para conduzir esse tipo de
educação;
4) melhoramento da qualidade do ensino profissional e expansão em escala
para assistir os estudantes no entendimento e aquisição de competências
profissionais . O Departamento de Educação e Treinamento das províncias
alocaram em todas as escolas e nos centros de educação técnica, de forma
obrigatória, um grupo de planejamento de ensino profissional, para verificação
do processo de aprendizado e da evolução dos resultados dos estudantes para
assim, serem capazes de conceder o certificado;
5) aquiescer o papel do departamento estadual ou municipal de Educação
e Formação e de outras agências estatais relacionadas com a educação
profissional, como companhias, indivíduos e organizações da sociedade civil e
as suas respectivas unidades do Partido Comunista para construir uma sinergia
a fim de atingir os objetivos desta educação.
Nesse período, a Lei da Educação revisada em 2005, 2009, a Lei da Educação de
2013, a Lei do Ensino da Educação Profissional de 2006, a Constituição revisada
de 2013, a Resolução 29/NQ-TW 2013 e a Lei da Educação Profissional de 2014,
institucionalizaram e melhoraram a regulamentação sobre a educação profissional.
Além disso, difere basicamente da Diretiva 33 na qual há mais responsabilidade do

206 LANG, NGUYENTHUONG. Política de educação profissional no Vietnã...


diretor das instituições. Assim, a autonomia das instituições de educação profissional
tem colaborado com o aprimoramento destas Leis.
Até 2010, no Vietnã, foram construídos 300 centros de formação e orientação
profissional e ainda centros para a orientação profissional e educação continuada
(Thuy, 2010), que proveram formação e orientação profissional para estudantes da
educação básica. Durante o período 2011-2014, sob a pressão da crise financeira e
da crise econômica global ocorrida a partir de 2008, o desemprego no Vietnã cresceu,
dessa maneira, a cada ano surgiram cerca de duas centenas de milhares de formados
no ensino médio e graduados sem capacidade de encontrar emprego (Duy, 2015).
Alguns destes apresentam apenas seus diplomas secundários ou de nível médio a
fim de acessar os centros de educação profissional para obter certificação em alguma
área técnica e assim poderem obter um emprego. Esse fato demonstra o grande
desperdício para a sociedade, vietnamita, pois o Artigo 13 da Lei da Educação (2005)
afirma que o investimento na educação é o investimento para o desenvolvimento,
portanto, é necessário muito investimento na educação profissional, a fim de dirimir
a grande discrepância existente entre o ensino superior devido à forma inapropriada
da condução do ensino profissional ao longo da vida.
Para superar de forma gradual essa discrepância, a Lei de Educação Profissional
promulgada em 27 de novembro de 2014 e o Decreto 48/2015 /ND-CP, datado
de 15 de maio de 2015, regulou uma nova forma de captar investimento para
aprimorar a educação profissional, inclusive com financiamento de países estrangeiros,
todavia, paralelamente a esse processo, a visão do estudante da educação básica
em relação a profissional deve mudar, pois ao invés de buscar o ensino superior
devem se apropriar das oportunidades que a educação profissional pode proporcionar.
Consequentemente, a Lei de Educação Profissional introduziu algumas novas formas
jurídicas de organização do ensino profissional, excluindo a educação a cargo das
localidades (estadual e municipal), possibilitando a educação privada e a educação
financiada com capital estrangeiro.
De acordo com o relatório do Departamento Geral de Educação Profissional enviado
ao Ministério do Trabalho, Previdência e Assuntos Sociais, no período 2011-2015,
apenas 10% dos alunos do ensino médio buscaram o ensino profissional (Cao, 2016),
o restante escolheu o ensino superior ou os cursos para formação de tecnólogos.
Dessa maneira, todos os anos, no Vietnã, há cerca de quatrocentos mil estudantes
que não conseguem acessar o ensino superior, consequentemente, necessitam da
formação profissional (Son, 2014) para terem oportunidades no mercado de trabalho.
Ao final do ano de 2015, havia 1.467 instituições de ensino profissional, e ainda mais
190 escolas profissionais, 290 estabelecimentos de ensino secundário profissional,
997 centros de ensino profissional e outras 1.000 instituições de ensino e formação
e de ensino corporativo, que compõem o ensino profissional. Todas as províncias
e cidades em todo o país têm suas instituições de ensino profissional e em muitas

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 197-217, fev. 2017 a mai. 2017. 207
escolas de ensino secundário e superior, foram criadas várias instituições de ensino
profissional com instalações modernas (eletrônica, mecânica, dispositivos elétricos,
redes de negócios, informática, etc.) para satisfazer a procura crescente de formação
profissional (Cao, 2016). No entanto, o ensino profissional nas escolas secundárias e
de ensino médio não tem sido eficaz com os projetos de financiamento com capital
estrangeiro como da Samsung (Coreia do Sul), Cannon (Japão) e Intel (EUA), devido à
suas elevadas exigências de conhecimento técnico em mecânica, eletrônica e produtos
de alta tecnologia, o que demonstra que o investimento na melhoria da qualidade da
educação profissional deve ser uma prioridade.
Outro fato interessante é que desde o ano de 2014 muitos estudantes do ensino
médio não participaram da matrícula universitária, por exemplo, na província de Nghe
An, localizada no centro do país e famosa pela tradição de buscar certificação de
cursos em todo o Vietnã. Naquele ano, houve a diminuição de 21.159 (cerca de 27%)
pedidos de matrícula universitária em comparação com 2013 (Duc, 2014). Assim,
é possível perceber uma mudança da percepção da sociedade em relação à busca
por uma forma de educação que aprimore as suas competências profissionais e que
não apenas certifique, assim, talvez, este seja um sinal para o desenvolvimento da
educação profissional nos próximos anos.
A política de educação profissional para estudantes do ensino médio e secundário no
Vietnã entre 1981 e 2015 revelou algumas limitações. Em primeiro lugar, ocorreram
algumas mudanças no processo de transição de um mecanismo de planejamento
centralizado para uma economia de mercado orientada para o socialismo, logo,
a instabilidade política provocou as respostas passivas das escolas secundárias e
do ensino médio às mudanças do mercado de trabalho. Em segundo lugar, houve
imperfeições na percepção dos legisladores sobre o papel e o efeito de transformação
da política de educação profissional no sistema nacional de educação do país como
um todo, de modo que os investimentos para a melhoria da política não se mostraram
eficientes. A identidade cultural do povo vietnamita que priorizava o ensino superior
não tinha sido levada em consideração ao construir e implementar a política de
educação profissional. Em terceiro lugar, a relação entre as instituições formadoras
e as empregadoras não foram aprimoradas de forma adequada. Em quarto lugar,
a relação federativa dos agentes estatais para alcançar os objetivos das políticas
em educação profissional, também, não se mostrou eficiente, assim, ocorreu um
desperdício de esforços descoordenados na implementação da política.

Período 3: Período posterior a Lei de Educação Profissional


de 2016.

Nesse período há a expectativa de muitos fatores que influenciaram a política

208 LANG, NGUYENTHUONG. Política de educação profissional no Vietnã...


de educação profissional, pois há na legislação a aproximação das necessidades da
educação profissional com os componentes vitais do sistema educacional do Vietnã
como um todo. A instituição de ensino profissional se tornará mais eficaz, pois mais
de 500 colégios e faculdades tecnológicas foram transferidos do Ministério da
Educação e Formação para o Ministério do Trabalho, Previdência e Assuntos Sociais,
a partir de 1º de janeiro de 2017 (Tam, 2016). A qualidade do ensino profissional,
talvez, será aperfeiçoada, pois exige a adaptação da política de educação profissional
em sintonia com o mercado de trabalho, logo, espera-se um aprimoramento da
relação das instituições formadoras com as empresas. A partir de 2016, muitos
compromissos internacionais entre o Vietnã e os parceiros comerciais estarão em
vigor, de imediato, acordo de livre comércio UE-Vietnã (EVFTA), Associação de
Nações do Sudeste Asiático (ASEAN).
Como resultado dessa abertura, a economia do Vietnã está cada vez mais integrada
com o resto do mundo e a concorrência para atrair recursos qualificados entre
os países membros do ASEAN se fortifica. A partir do acordo de reconhecimento
mútuo (MRAs) dentro do ASEAN, o trabalho qualificado de 8 profissões está sendo
permitindo que se movimentem livremente nesse bloco econômico, sendo elas:
auditor, contador, arquiteto, engenheiro, doutor em medicina, enfermeira, dentista
e topógrafo (Secretaria ASEAN, 2015). Todas as barreiras comerciais no Vietnã têm
sido eliminadas para melhorar o ambiente de negócios para o empreendedorismo,
inclusive no investimento em formação profissional. Obviamente, há grandes
oportunidades de aprimoramento para a formação destes profissionais no Vietnã
e nos outros países membros da ASEAN. Além disso, em 2016, o governo escolheu
como o ano das empresas startup nacionais, logo, com essa ação, espera-se alcançar
1 milhão de empresas com esse modelo de negócio até 2020, 3 milhões até 2025
e até 5 milhões em um próximo período (Lang, 2016). O Vietnã construiu a Lei
de Promoção da Pequena e Média Empresa, em 2016, que é um dos aceleradores
para o desenvolvimento da educação profissional e o modelo de negócio startup
com princípio no e-commerce recebe muito apoio do governo em termos de crédito
preferencial, incentivos fiscais e procedimentos administrativos simplificados a partir
do Decreto 844, de 2016.
Percebe-se assim, que a sociedade, no Vietnã, tem alterado sua visão na direção
de focalizar mais as habilidades profissionais do que apenas a certificação, além
disso, o país está em um período com expressiva população de jovens, e necessita
de uma política de educação profissional eficaz para mobilizar a força de trabalho
para atender o objetivo estratégico, que é basicamente ser um país industrializado
orientado para a modernização até o ano 2020. O alvo é de que 30% de estudantes
estejam efetivamente na educação profissional até 2020, o que deverá ser alcançado,
de tal modo, que esses fatores externos e internos possam convergir em para alcançar,
a partir da política de educação profissional, as novas bases do desenvolvimento

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 197-217, fev. 2017 a mai. 2017. 209
econômico.

Discussão e implicações para melhoria da política de educação


profissional no Vietnã sob a vigência da integração internacional

Com base na situação e na avaliação da política de educação profissional no


Vietnã desde a primeira vez que se lançou a política em 1981 até ao ano 2016, é
possível perceber que a política de educação profissional no país atingiu os objetivos
propostos, embora alguns obstáculos e limitações aconteceram como barreiras a
serem superadas. Isso significa que todos os recursos em campos específicos, como
a educação profissional, devem ser internalizados para que os efeitos dessa política
se concretizem e assim superem as barreiras enfrentadas anteriormente. Depreende-
se das iniciativas relatadas que as recomendações caminham na seguinte direção:

Inserir a educação profissional em uma posição de igualdade de importância em


comparação ao ensino básico e superior. Na verdade, é a condição necessária
para que os estudantes obtenham o conhecimento pleno das habilidades
produtivas e assim, demonstrem conhecimento, capacidades e atitudes atuando
no mercado de trabalho. A propaganda para a educação profissional nas escolas
secundárias e de ensino médio deve acontecer para chamar a atenção das
famílias, escolas e agências estatais, pois por muito tempo, as habilidades
profissionais são os critérios mais importantes para se obter empregos com
alta compensação.
Melhorar a qualidade da educação profissional por meio do desenvolvimento
de centros, programas ou projetos de formação profissional que respondam à
elevada procura de competências profissionais que exige o mercado de trabalho,
de acordo com os princípios da economia de mercado, os serviços de educação
devem ser tratados como um tipo de serviço que apresenta natureza comercial
ou de maximização do lucro, portanto, a procura de serviços de formação
profissional em termos de conhecimentos, competências e atitudes para o
emprego e ambiente de trabalho deve ser um ponto de partida para a concepção
do currículo das instituições de educação profissional. A conectividade e a
cooperação entre as instituições ou centros de educação profissional e as
instituições empregadoras devem ser reforçadas no desenvolvimento do
currículo, na metodologia de ensino, na preparação do livro didático e dos
materiais de aprendizagem, dessa maneira, no processo de construção dos
programas de educação profissional e currículo para cada profissão, mesmo as
habilidades específicas, os especialistas, empregadores e práticos devem ser

210 LANG, NGUYENTHUONG. Política de educação profissional no Vietnã...


aconselhados da forma mais eficaz. Além disso, é importante aplicá-los de forma
piloto em pequenos grupos para torná-los perfeitos como política de Estado.
Para emitir a política de educação profissional é necessário estreitar a
coordenação entre as agências estatais, as instituições, os centros, os educadores
e os práticos para evitar a assimetria da natureza unificada que pode causar
problemas durante a sua implementação. Além disso, o mecanismo de coletar
todas as opiniões públicas sobre a política para obter uma visão mais ampla de
como deve ser implementada essa política, do ponto de vista científico, deve-
se, antes de iniciar a política, fazer a avaliação do impacto do desempenho e
do grau de atendimento, assim, é possível compreender claramente a situação
dos estudantes e das instituições para conduzir a pesquisa sob as respostas dos
alunos e das instituições à política para implementá-la e aprimorá-la.
Os impactos dos compromissos internacionais provenientes dos acordos de livre
comércio ou das negociações acordadas internacionalmente constituem o forte
impulso para inovar a política de educação profissional do Vietnã. As experiências
internacionais do êxito e fracasso da política de educação profissional de outros
países devem ser analisadas para servirem de exemplo para os vietnamitas. As
técnicas de avaliação comparada da política de educação profissional podem
ser utilizadas para fornecer evidências confiáveis para a formulação de políticas,
pois quando há a combinação do fator externo e interno na reestruturação da
educação profissional para que haja coerência com o mercado pode ser a opção
de política estratégica para o caso do Vietnã.

Logo, os acordos Internacionais de livre comércio, também colaboram com o


desenvolvimento da educação profissional do Vietnã, pois devido a forte integração
que esse ensino tem com a indústria, proveniente da economia de mercado socialista,
toda colaboração do mercado vietnamita, em nível de troca de tecnologias ou
melhorias de serviços, com os de outros países estará automaticamente aderente a
educação profissional.

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 197-217, fev. 2017 a mai. 2017. 211
Considerações finais

A política de educação profissional para os estudantes do ensino médio antes


de acessarem o ensino superior é uma questão ainda desafiadora para as agências
estatais responsáveis pela educação, as localidades, as instituições, as famílias, os
estudantes e a opinião pública do Vietnã. Sob forte pressão de integração, que é
retratada pelos compromissos internacionais, do acordo de livre comércio e de
outras negociações acordadas internacionalmente, a política deverá ser melhorada
para atingir o objetivo de formação profissional de 30% dos estudantes do ensino
secundário e médio até 2020, atualmente o Vietnã tem a modesta participação de
10% de estudantes.
A política de educação profissional refere-se a várias dimensões relativas à
Constituição, à Lei da Educação, ao Direito do Ensino Superior, ao Direito do Ensino
Profissional e a outros documentos jurídicos. Durante o processo de transformação
de uma economia planificada para um mecanismo de economia de mercado, orientado
para o socialismo, os princípios do mercado impactaram na política e obviamente,
essa orientação contribuiu para as melhorias necessárias.
A partir do ano de 2016, a política de educação profissional enfrenta vários fatores
que podem influenciar o princípio, o conteúdo e a metodologia de implementação,
logo, a autonomia das instituições e centros de formação profissional serão o ponto
central dessa política. Os compromissos internacionais proporcionam um quadro
amplo e certo para melhorar a formação profissional em paralelo com a influência
dos fatores internos como a melhoria básica do sistema nacional de educação e
formação. Em grande medida, a reestruturação da educação profissional torna-se a
opção de política estratégica para o Vietnã sob uma integração internacional pró-
ativa, buscando minimizar a distância entre a procura do mercado de trabalho e as
capacidades de fornecimento das instituições de educação profissional.

212 LANG, NGUYENTHUONG. Política de educação profissional no Vietnã...


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th%E1%BB%83/V%C4%83n%20b%E1%BA%A3n%20c%E1%BB%A7a%20%-
C4%90%E1%BA%A3ng/BCHTW-NQ-29-04_11_2013-DoiMoiCanBanToanDien
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Attachments/34fb42317ebb48378800e5a0c3aa703f-Quyet%20dinh%20844_
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216 LANG, NGUYENTHUONG. Política de educação profissional no Vietnã...


Recebido em fevereiro de 2017

Aceito em setembro de 2017

NguyenThuong Lang é doutor. Professor da Universidade Nacional de Economia –


Vietnã, E-mail: langnguyen2200@gmail.com

Linhas Críticas, Brasília, DF, v.23, n.50, p. 197-217, fev. 2017 a mai. 2017. 217
Consultores ad hoc 2017
Adriana Lia Friszman de Laplane Daniela Finco
(Universidade Estadual de Campinas - SP) (Universidade Federal de São Paulo)

Álamo Pimentel Danielle Xabregas Pamplona Nogueira


(Universidade Federal do Sul da Bahia - BA) (Universidade de Brasília – DF)

Amaralina Miranda de Souza Edeilce Aparecida Santos Buzar


(Universidade de Brasília – DF) (Universidade de Brasília - DF)

Ana Cláudia Rodrigues Elimar Pinheiro do Nascimento


(Universidade Federal da Paraíba – PB) (Universidade de Brasília - DF)

Ana Tereza Reis da Silva Erlando Silva Rêses


(Universidade de Brasília – DF) (Universidade de Brasília – DF)

Antônio Villar Marques de Sá Fátima Lucília Vidal Rodrigues


(Universidade de Brasília - DF) (Universidade de Brasília – DF)

Bráulio Tarcísio Porto de Matos Fernanda Müller


(Universidade de Brasília – DF) (Universidade de Brasília – DF)

Carmenísia Jacobina Ivanda Maria Martins Silva


(Universidade de Brasília – DF) (Universidade Federal Rural de Pernambuco - PE)

Carlos Ângelo de Meneses Sousa Jair Reck


(Universidade Católica de Brasília – DF) (Universidade de Brasília - DF)

Carlos Riádigos Mosquera José Luiz Villar Mella


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Catia Piccolo Viero Devechi Kátia Augusta Curado Cordeiro da Silva


(Universidade de Brasília – DF) (Universidade de Brasília – DF)

Celecina Sales Lêda Gonçalves de Freitas


(Universidade Federal do Ceará - CE) (Universidade Católica de Brasília – DF)

Claudia Marcia Lyra Pato Lívia Freita Fonseca Borges


(Universidade de Brasília - DF) (Universidade de Brasília – DF)

Claudio Tarouco de Azevedo Lúcia Henriques Sallorenzo


(Universidade do Rio Grande do Sul – RS) (Universidade Católica de Brasília - DF)

Cleide Maria Viana Lucia de Mello e Souza Lehmann


(Universidade de Brasília – DF) (Universidade Federal Fluminense - RJ)

Cristiano Alberto Muniz Lucia Maria de Assis


(Universidade de Brasília - DF) (Universidade Federal de Goiás – GO)

218
Luciane Maria Schlindwein Ricardo Neder
(Universidade Federal de Santa Catarina – SC) (Universidade de Brasília - DF)

Lúcio França Teles Ricardo Spindola Mariz


(Universidade de Brasília - DF) (Universidade Católica de Brasília – DF)

Luiz Araújo Rogério Drago


(Universidade de Brasília - DF) (Universidade Federal do Espírito Santo – ES)

Luiz Gomes Sandra Ferraz de Cas illo Dourado Freire


(Universidade Federal de São Carlos – SP) (Universidade de Brasília – DF)

Marcia da Silva Aguiar Shirleide Silva Cruz


(Universidade Federal de Pernambuco – PE) (Universidade de Brasília – DF)

Marcia Reis Sinara Zardo


(Universidade Estadual Paulista – SP) (Universidade de Brasília – DF)

Maria Alexandra Militão Rodrigues Vera Aparecida de Lucas Freitas


(Universidade de Brasília – DF) (Universidade de Brasília - DF)

Maria Conceição Silva Freitas Vera Lúcia Jacob


(Universidade de Brasília - DF) (Universidade Federal do Pará - PA)

Maria Letícia Barros Pedroso Nascimento Viviane Neves Legnani


(Universidade de São Paulo - SP) (Universidade de Brasília - DF)

Maria Zélia Borba Rocha Wellington Ferreira de Jesus


(Universidade de Brasília - DF) (Universidade Católica de Brasília - DF)

Maria Clarisse Vieira


(Universidade de Brasília – DF)

Mônica Castagna Molina


(Universidade de Brasília - DF)

Nara Maria Pimentel


(Universidade de Brasília - DF)

Otília Dantas
(Universidade de Brasília – DF)

Patrícia Lima Martins Pederiva


(Universidade de Brasília – DF)

Ranilce Iosif
(Universidade Católica de Brasília – DF)

Raquel de Almeida Moraes


(Universidade de Brasília – DF)

219
Instruções aos autores
Linhas Críticas aceita para análise artigos inéditos de autores e autoras brasileiros
e estrangeiros, com no máximo três autores, que apresentem consistência, rigor e
originalidade na abordagem do tema. Publica dossiê temático, artigos oriundos
do fluxo contínuo, resenhas, homenagens e entrevistas. A revista não aceita para
publicação artigos que sejam resultados de revisões bibliográficas. Não serão aceitos
trabalhos encaminhados concomitantemente para mais de uma revista.
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francês. O artigo não pode apresentar identificação de autoria e da instituição em
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um máximo de cinco linhas contendo as seguintes informações: última titulação,
instituição, área ou grupo de pesquisa em que atua e endereço eletrônico para
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artigos de um mesmo autor e se reserva o direito de não publicar trabalhos de um
mesmo autor ou coautor em intervalos menores de três edições.
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já revisados em seu idioma de origem. Após aprovação, os artigos em inglês e francês
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serão publicados nos dois idiomas. Os artigos em espanhol serão publicados somente
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têm efetiva contribuição intelectual e científica na realização do trabalho. O autor
principal é o responsável pela submissão e integridade ética do artigo como um todo,
assumindo a responsabilidade pela participação efetiva de cada autor e que todos os
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bibliografias, notas de rodapé e em referências.

Orientações de formatação do texto:


1. Incluindo tabelas, gráficos e referências, deverá conter entre 30.000 a 50.000
caracteres (com os espaços), formatados para folha A4, texto justificado, digitados
em espaço 1.5, fonte Arial, corpo 11.

220
2. A resenha de livro publicado nos últimos dois anos não pode ultrapassar os 10 mil
caracteres (com os espaços) e deve observar as mesmas regras para a formatação dos
artigos. No texto da resenha deve conter a indicação completa da obra resenhada.
3. Título do artigo: máximo de 12 palavras, negrito, corpo 16. Título das seções:
negrito, corpo 13, sem numeração. Título das subseções: negrito, corpo 11, sem
numeração. Deve haver um espaço de parágrafo 1.5 antes e um depois dos títulos.
Apenas a inicial da primeira palavra é grafada em maiúscula em todos os títulos.
4. Resumo em português, espanhol, inglês e francês (entre 550 e 700 caracteres,
incluindo os espaços). O resumo deve ser seguido por três a cinco palavras-chave,
separadas por ponto
5. Tabelas, gráficos, quadros e figuras devem vir numerados em algarismos arábicos,
na sequência em que aparecem no texto. Deverão estar acompanhados de um título
acima (Tabela 1: título) e da fonte logo abaixo (Fonte: Sobrenome, ano, página).
Margem direita e esquerda justificada.
6. As imagens deverão ser digitadas eletronicamente em JPG com resolução de
300 dpi, com dimensões que permitam sua ampliação ou redução sem perder a
legibilidade.
7. Deve-se evitar a utilização de notas de rodapé de caráter explicativo. Em caso de
necessidade, a nota de rodapé deverá aparecer numa numeração consecutiva em
algarismos arábicos e com, no máximo, três linhas de extensão, espaço simples, corpo
10.
8. A utilização de itálico no corpo do texto se restringe a palavras estrangeiras.
Recomenda-se evitar termos e citações em língua estrangeira, adotando traduções
ou correspondentes em língua portuguesa sempre que possível.
9. Grafa-se em maiúsculo: Nomes de entidades e organizações; títulos de
documentos; fatos históricos, eventos, datas e eras; inicial da primeira palavra dos
títulos de obras e partes de obras; citações diretas precedidas de dois-pontos.
10. Grafa-se em minúsculo: Títulos e profissões (mestre, professor, pedagogo); áreas
do conhecimento, cursos e disciplinas (ciências humanas, pedagogia, pesquisa em
educação); níveis e modalidades de educação (educação básica, educação superior,
ensino fundamental, educação infantil, educação de jovens e adultos, etc). O uso da
letra minúscula nesses casos está amparado pelo Acordo Ortográfico de 1990, em
vigor no Brasil desde janeiro de 2009.
11. Uso de siglas: maiúsculas quando composta por até três letras (MEC,
PUC); somente inicial maiúscula com mais de três letras, se a leitura como
palavra for possível (Capes, Inep); letras maiúsculas, caso em sua leitura seja
necessário soletrá-la (IBGE, INSS). Devem ser citadas primeiro por extenso, e
em seguida indicadas entre parênteses: Ministério da Educação (MEC). Siglas que

221
tradicionalmente misturem iniciais maiúsculas e minúsculas são mantidas em sua
forma original (CNPq).
As citações ao longo do artigo devem seguir o seguinte formato:
a) Citações com mais de três linhas devem aparecer em parágrafo isolado,
espaço simples, utilizando-se recuo de 1.25 cm na margem esquerda, corpo 11,
sem aspas, seguidas da referência (Sobrenome, ano, p. 12). O ponto final da citação
deve vir após o final da frase, antes, portanto do parêntese, a não ser no caso de
citações de até 3 linhas, inseridas no texto, quando não terminam o parágrafo.
Deve haver um espaço de parágrafo 1.0 antes e um depois da citação.
b) As citações com menos de três linhas devem seguir o formato normal do texto.
Em caso de citação direta, deve estar entre aspas, seguida do sobrenome da
autoria, ano de publicação da obra e página. Exemplos: Segundo Gatti (2002, p.
82), observa-se a falta “[...] de capacidade de teorização, de crítica e de geração
de uma problemática própria” em muitas pesquisas. Ou: ...falta “de capacidade de
teorização, de crítica e de geração de uma problemática própria” (Gatti, 2002, p.
82) em muitas pesquisas...
c) Citação indireta deve estar sem aspas, seguida apenas do sobrenome do autor
e ano de publicação da obra. Havendo mais de um trabalho do mesmo autor, no
mesmo ano, usar a, b, c, imediatamente após a data (Sobrenome, 2010a).
d) Para obras com mais de um autor, usar ponto e vírgula para separar os autores
(Sobrenome; Sobrenome, ano, p. 119). Para quatro ou mais autores, indicar o
primeiro seguido de et al. (Sobrenome do primeiro et al., ano, p. 59)
12. As referências devem seguir a regulamentação da ABNT/NBR 6023:2002.
Devem estar em ordem alfabética, sem abreviatura de prenomes depois do
sobrenome. Para os grifos dos títulos das obras e periódicos deve-se utilizar o itálico,
conforme exemplos abaixo (os subtítulos não são grifados). Devem constar nas
referências somente as obras citadas no corpo do texto (citação direta e indireta,
conforme NBR 10520:2002). Os artigos submetidos com as referências incompletas
ou incorretas não serão encaminhados para a avaliação. Para maiores informações
consulte: < http://www.more.ufsc.br/>

Exemplos:
Livros
SOBRENOME DO AUTOR, Prenomes sem abreviatura. Título do livro: subtítulo.
Local de publicação: Editora, ano de publicação.

222
Capítulos de livros
SOBRENOME DO AUTOR, Prenomes sem abreviatura. Título do capítulo: subtítulo.
In: SOBRENOME DO AUTOR, Prenomes sem Abreviatura. Título do livro. Local de
publicação: Editora, ano de publicação. Páginas inicial e final.
Periódicos
SOBRENOME DO AUTOR, Prenomes sem abreviatura. Título do artigo: subtítulo.
Título do Periódico, Local de publicação, Instituição, número do volume (v.), número
do fascículo (n.), páginas inicial e final do artigo, mês (Exemplos: mar.-maio. set-dez.).
Ano de publicação.
Teses e dissertações
SOBRENOME DO AUTOR, Prenomes sem abreviatura. Título. Ano. N. de páginas
(169 f.). Dissertação (Mestrado em Educação) ou Tese (Doutorado em Educação) –
Programa de Pós-Graduação, Universidade, ano de publicação.
Anais de eventos
SOBRENOME, Prenomes sem abreviatura. Título: subtítulo. In: Nome do evento,
numeração do evento (se houver), ano e local (cidade) de realização, Anais..., local,
editora, data de publicação e página inicial e final. Disponível em: < url, se houver >.
Acesso em: dia mês (abreviado, com exceção de maio). Ano.
Documento eletrônico
SOBRENOME DO AUTOR, Prenomes sem abreviaturas. Título. Edição. Local:
ano. N° de pág. ou vol. (série) (se houver). Disponível em: < >. Acesso em: dia mês
(abreviado, com exceção de maio). Ano.

223
Instructions to authors
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and foreign authors that are consistent, rigorous and original in the approach to
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1. Including tables, graphs and references, it must contain from 30,000 to 50,000
characters (with spaces), formatted for A4 paper, justified text, typed in 1.5 space,
font Arial, size 11.
2. A review of a book published in the last two years must not contain more that

224
10 thousand characters (with spaces) and must follow the same formatting rules
as articles. The review must contain, in the text, a complete identification of the
reviewed work.
3. Title of article: 12 words maximum, bold, size 16. Titles of sections: bold, size 13,
no numbers. Titles of subsections: bold, size 11, no numbers. There must be a 1.5
paragraph size before and after the titles. Only the initial of the first word should be
in upper case in all titles.
4. Abstract in Portuguese, Spanish and English (between 550 and 700 characters,
including spaces). The abstract must be followed by three to five key words,
separated by periods.
5. Tables, graphs, charts and illustrations should be numbered with Arabic numerals,
in the sequence in which they appear in the text. They must come with a title
immediately above (Table 1: title) and the source immediately bellow (Source: Last
name, year, page). The right and left margins should be justified.
6. Illustrations should electronically entered in JPG, with a 300 dpi resolution, with
dimensions which allow for increasing or reducing them without losing legibility.
7. Explanatory footnotes must be avoided. If necessary, footnotes must be numbered
consecutively, with Arabic numerals, and must be, at the most, three lines long, single
spaced, size 10.
8. Italics should be used, in the body of the text, for foreign words only. We
recommend avoiding terms and quotes in foreign languages, but rather adopting
translations or correspondents in Portuguese, whenever possible.
9. The following should be written in upper case letters: Names of entities and
organizations; titles of documents, historical facts, events, dates and eras; the initial
of the first word of the titles of works and parts of works; and direct quotations
preceded by colons.
10. The following should be written in lower case letters: Titles and professions
(master, professor, teacher); fields of knowledge, courses and disciplines (humanities,
education, research in education); levels and modalities of education (elementary
education, higher education, early childhood education, education for youth and
adults, etc.). The use of lower case letters in these cases is covered by the 1990
Orthographic Agreement, in place in Brazil since January 2009.
11. Use of acronyms: in capital letters when comprised by up to three letters (MEC,
PUC); only the initial letter should be in upper case when comprised of more than
three letters, if it is possible to read it as a word (Capes, Inep); upper case letters if
it is necessary for readability to spell out the letters (IBGE,INSS). They should first
be cited in full and then written between brackets: Ministério da Educação (MEC).
Acronyms that traditionally combine upper and lower case initials are kept in their

225
original form (CNPq).
Quotations throughout the body of the text should follow the following format:
a) Quotations more than three lines long must be in exclusive paragraphs; single
spaced, with a drop of 1.25 centimeters on the left margin, in size 11, without
quotation marks, and followed by a reference (Last name, year, p. 12). The final
period of the quote should come after the end of the sentence, that is, before the
bracket, except in cases of quotes with up to three lines, inserted in the text, that
do not end the paragraph. There must be a 1.0 paragraph space before and after
the quote.
b) Quotations under three lines long should follow the normal format of the text.
Direct quotes should be in quotation marks, followed by the last name of the
authors, year of publication of the work and page. Examples: According to Gatti
(2002, p. 82) a lack of.... “capacity to theorize, criticize or generate one’s own
problems” is observed in much research”. Or: ... a lack of “capacity to theorize,
criticize, and generate one’s own problems” is observed in much research… (Gatti,
2002, p. 82)
c) Indirect quotes should not be in quotation marks, and should be followed only
by the Author’s last name and year of publication of the work. If there is more than
one publication by the same author in the same year, a, b, c, should be included
immediately after the date (Last name, 2010a).
d) For works with more than one author, use a semicolon to separate the authors
(Last name; Last name, year, p. 119). If there are four or more authors, name the
first followed by et al. (Last name of the first et al., year, p. 59).
12. References should follow the ABNT regulation NBR 6023/2002. They must be
in alphabetical order, without abbreviations of first names after the last name. For
emphasis of titles of works and periodicals, italics must be used, as in the examples
below (subtitles should not be in italics). Only the works quoted in the body of the
text should be included in the references (direct and indirect quotes, in accordance
with NBR 10520:2002). Articles submitted with incomplete or incorrect references
will not be forwarded for analysis. For more information consult: < http://www.
more.ufsc.br/>

Examples:
Books
LAST NAME OF AUTHOR, First names without abbreviations. Title of book: subtitle.
Place of publication: Publishing Trust, year of publication

226
Book chapters
AUTHOR’S LAST NAME, First names without abbreviations. Title of Chapter:
subtitle. In: AUTHOR’S LAST NAME, First names without abbreviations. Title of
book. Place of publication: Publishing trust, year of publication. First and last pages.
Periodicals
AUTHOR’S LAST NAME, First names without abbreviations. Title of article: subtitle.
Title of Periodical. Place of publication, Institution, volume number (v.), fascicle
number (n.), first and last page of article, month( example: mar.may. sept.-dec.). Year
of publication.
Theses and dissertations
AUTHOR’S LAST NAME, First names without abbreviations. Title. Year. Number of
pages (169s.). Dissertation (Masters in Education) or Thesis (Doctorate in Education)
– Graduate Program, University, year of publication.
Annals of events
LAST NAME, First names without abbreviations. Title: subtitle. In: Name of
event, number of event (if any), year and location (city) of event, Annals…, locality,
publishing trust, date of publication, and first and last pages. Available at: < url, if
any >. Accessed: date and month (abbreviated, with the exeption of May). Year. day,
month (abbreviated with the exception of May). Year.
Electronic documents
AUTHOR’S LAST NAME, First names without abbreviations. Title. Edition. Location:
year. Number of page or vol. (series) (if any) Available at <>, Accessed: day, month
(abbreviated except for May), year.

227
Instrucciones a los autores
Linhas Críticas acepta para análisis artículos inéditos de autores y autoras brasileños
y extranjeros, que presenten consistencia, rigor y originalidad en el abordaje del
tema. Publica artículos y reseñas científicos sobre cuestiones actuales en educación,
en sus diferentes áreas y líneas de investigación.
Los originales, conteniendo resumen y palabras clave en portugués, español e inglés,
no pueden presentar la identificación de autoría y de la institución, deben ser
encaminados por el sistema de sumisión online <http://seer.bce.unb.br/index.php/
linhascriticas> (ver también: www.linhascriticas. fe.unb.br).
Los datos de identificación deberán ser digitados en los campos apropiados de la
página de registro, incluyendo nombre completo, dirección postal, minicurrículum,
teléfonos y correo electrónico para contacto con lectores. El minicurrículum
debe tener como máximo cinco líneas poseyendo las siguientes informaciones:
última titulación, institución, área y grupo de investigación en que actúa, dirección
electrónica para correspondencia (Email:..). La comisión editorial no evalúa,
simultáneamente, dos artículos de un mismo autor y se reserva el derecho de
no publicar trabajos de un mismo autor o coautor en intervalos menores de tres
ediciones.

Orientaciones para formato de texto:


1. Incluyendo tablas, gráficos y referencias, deberá contener entre 30.000 a 50.000
caracteres (con los espacios), formateados para hoja A4, texto justificado, digitados
en espacio 1.5, fuente Arial, cuerpo 11.
2. Título del artículo: máximo de 12 palabras, negrita, cuerpo 16. Título de las
secciones: negrita, cuerpo 13, sin numeración. Título de las subsecciones: negrita,
cuerpo 11, sin numeración. Debe haber un espacio de párrafo 1.5 antes y uno
después de los títulos. Apenas la inicial de la primera palabra es escrita en mayúscula
en todos los títulos.
3. Resumen en portugués, español e inglés (entre 550 y 700 caracteres, incluyendo
los espacios). El resumen debe ser seguido de tres a cinco palabras-clave, separadas
por punto.
4. Tablas, gráficos, cuadros y figuras deben venir numerados en número arábigo,
en la secuencia en que aparecen en el texto. Deberán estar acompañados de un
título encima (Tabla 1: título en mayúscula) y de la fuente enseguida abajo (Fuente:
Apellido, año, página). Margen derecho e izquierdo justificado.
5. Las imágenes deberán aparecer en negro y blanco, digitadas electrónicamente

228
en JPG con resolución de 300 dpi, con dimensiones que permitan su ampliación o
reducción sin perder la legibilidad.
6. Se debe evitar la utilización de notas de pie de página de carácter explicativo. En
caso de necesidad, la nota de pie de página deberá aparecer en una numeración
consecutiva en números arábigos y con un máximo de tres líneas de extensión,
espacio simple, cuerpo 10.
7. A utilização de itálico no corpo do texto se restringe a palavras estrangeiras.
Se recomienda evitar terminos y citaciones en lengua extrangera, adoptando
traducciones o correspondientes en lengua portuguesa siempre que sea posible.
8. Se escribe en mayúscula: Nombres de entidades y organizaciones; títulos de
documentos; hechos históricos, eventos, fechas y eras; inicial de la primera palabra
de los títulos de obras y partes de obras; citaciones directas precedidas de dos
puntos.
9. Se escribe en minúscula: Títulos y profesiones (maestro, profesor, pedagogo);
áreas de conocimiento, cursos y disciplinas (ciencias humanas, pedagogía,
investigación en educación); niveles y modalidades de educación (educación básica,
educación superior, enseñanza primaria, educación infantil, educación de jóvenes
y adultos, etc). El uso de la letra minúscula em esos casos está amparado por el
Acuerdo Ortográfico de 1990, en vigor en Brasil desde enero de 2009.
10. Uso de siglas: mayúsculas cuando son compuestas por hasta tres letras (MEC,
PUC); solamente la inicial mayúscula con más de tres letras, si la lectura como
palabra es posible (Capes, Inep); letras mayúsculas, en caso de que su lectura sea
necesario deletrearla (IBGE, INSS). Deben ser citadas primeiro integralmente, y
en seguida indicadas entre paréntesis: Ministerio de Educação (MEC). Siglas que
tradicionalmente intercambian iniciales mayúsculas y minúsculas son mantenidas
en su forma original (CNPq).
11. Las citaciones a lo largo del artículo deben seguir el siguiente formato:
a) Citaciones con más de tres líneas deben aparecer en párrafo aislado, espacio
simple, utilizando retracción de 1.25 cm en el margen izquierdo, cuerpo 11,
sin comillas, seguidas de la referencia (Apellido, año, p. 12). El punto final de la
citación debe ir después del final de la frase, antes, por lo tanto del parêntesis , a
no ser en el caso de citaciones de hasta 3 líneas, inseridas en el texto, cuando no
terminan el párrafo. Debe haber un espacio de párrafo 1.0 antes y uno después
de la citación.
b) Las citaciones con menos de tres líneas deben seguir el formato normal del
texto. En caso de citación directa, debe estar entre comillas, seguida del apellido
del autor, año de publicación de la obra y página. Ejemplos: Según Gatti (2002, p.
82), se observa la falta “... de capacidad de teorización, de crítica y de generación de

229
una problemática propia” en muchas investigaciones. O: ... falta “de capacidad de
teorización, de crítica y de generación de una problemática propia” (Gatti, 2002, p.
82) en muchas investigaciones...
c) Citación indirecta debe estar sin comillas, seguida apenas del apellido del autor
y año de publicación de la obra. Habiendo más de un trabajo del mismo autor, en
el mismo año, usar a, b, c inmediatamente después de la fecha (Apellido, 2010a)
d) Para obras con más de un autor, usar punto y coma para separar los autores
(Apellido; Apellido, año, p. 119). Para cuatro o más autores, indicar el primero
seguido de et al (Apellido del primero et al., año, p. 59)
12. Las referencias deben seguir la norma NBR 6023:2002 de la ABNT. Deben estar
en orden alfabético, sin abreviatura de nombres después del apellido. Para los
subrayados de los títulos de las obras y periódicos se debe utilizar el itálico, según
ejemplos expuestos a continuación (los subtítulos no son subrayados). Deben constar
en las referencias solamente las obras citadas en el cuerpo del texto (citación directa
e indirecta, según NBR 10520:2002). Los artículos sometidos con las referencias
incompletas o incorrectas no serán encaminados para la evaluación. Para obtener
más información ver: <http://www.rexlab.ufsc.br:8080/more/index.jsp>

Ejemplos:
Libros
APELLIDO DEL AUTOR, Nombres sin abreviatura. Título del libro: subtítulo. Local
de publicación: Editora, año de publicación.
Capítulos de libros
APELLIDO DEL AUTOR, Nombres sin abreviatura. Título del capítulo: subtítulo.
In: APELLIDO DEL AUTOR, Nombres sin Abreviatura. Título del libro. Local de
publicación: Editora, año de publicación. Páginas inicial y final.
Periódicos
APELLIDO DEL AUTOR, Nombres sin abreviatura. Título del artículo: subtítulo.
Título del Periódico, Local de publicación, Institución, número del volumen (v.),
número del fascículo (n.), páginas inicial y final del artículo, mes (Ejemplos: mar.-mayo.
sep.-dic.). Año de publicación.
Tesis y disertaciones
APELLIDO DEL AUTOR, Nombres sin abreviatura. Título. Año. Número de páginas
(169 f.). Disertación (Maestría en Educación) o Tesis (Doctorado en Educación) –
Programa de Pos-Graduación, Universidad, año de publicación.

230
Anales de eventos
APELLIDO DEL AUTOR, Nombres sin abreviatura. In: Nombre del evento,
numeración del evento (si hubiere), año y local (ciudad) de realización, Anales..., local,
editora, fecha de publicación y página inicial y final. Disponible en: < url, si hubiese >.
Acceso el: día mes (abreviado, a excepción de mayo). Año.
Documento electrónico
APELLIDO DEL AUTOR, Nombres sin abreviatura. Título. Edición. Local: año. N° de
pág. o vol. (serie) (si hubiese). Disponible en: < >. Acceso el: día mes a excepción de
mayo). Año.

231
Instructions aux auteurs
Linhas Críticas accepte d’analyser les articles inédits d’auteurs brésiliens et étrangers
ayant au maximum trois auteurs, et présentant un contenu consistant, rigoureux et
original selon les thèmes abordés. La revue publiera dossiers thématiques, articles
, compte-rendus, hommages et entretiens. Les articles résultants de révisions
bibliographiques ne seront pas acceptés ainsi que les articles envoyés en même
temps à une autre revue.
Le résumé et les mots-clés de l’article doivent être en portugais, espagnol,
anglais et français. L’article ne doit porter aucune identification de son auteur
ni de son institution et doit être acheminé via le système de soumission
online à l’adresse http://periodicos.unb.br/index.php/linhascriticas/about/
submissions#onlineSubmissions .
Les données identifiant l’auteur et l’institution doivent être remplis à l’endroit
prévu dans le formulaire online dont le nom complet, adresse postale, CV résumé,
téléphones et e-mail de contact pour les lecteurs. Le CV resumé (maximum 5 lignes)
doit contenir les renseignements suivants: dernier diplôme, université, domaine
ou groupe de recherche et adresse mail. La comission éditoriale n’évalue pas deux
articles d’un même auteur et ne publiera les articles d’un même auteur ou co-auteur
que après un intervalle de trois éditions.
La revue recevra des articles en portugais, espagnol, français et anglais déjà revisés
dans la langue originale. Suite à leur acceptation, les articles en anglais et français
seront traduits vers le portugais et revus par les auteurs. Dans ce cas, les articles
seront publiés dans les deux langues. Les articles en espagnol seront publiés
seulement dans la langue originale.
Les co-auteurs : Linhas Críticas considère comme auteurs, ceux qui ont apporté
une contribution intelectuelle et scientifique dans le travail. L’auteur principal est
responsable pour la proposition et l’intégrité éthique de l’article. Il aura aussi la
responsabilité envers les autres auteurs et leur accord avec le contenu publié.
Règle de citation: Linhas Críticas est l’abbréviation de la revue Linhas Críticas à être
utilisée dans les bibliographies, notes de bas de page et références.

Recommandations sur le format des textes:


1. Le format de page ou de tabulation doit être le même pour l’ensemble du texte :
tableaux, graphiques et références qui contiendra entre 30.000 et 50.000 caracteres
(espaces inclus). Les textes paginés doivent être présentés sur papier A4, interligne
1.5, du caractère type Arial de 11 points.

232
2. Le compte-rendu des livres publiés dans les 2 dernières années ne peut pas
dépasser 10.000 caractères (espaces inclus) et doit suivre les mêmes règles que
pour le format d’articles. Le texte doit contenir les références complètes de l’oeuvre
évalué.
3. Les titres et intertitres ne sont jamais numérotés : Titre d’article: 12 mots
maximum, en gras,16 points. Titre des sections: en gras, 13 points. Titre des sous-
sections: en gras, 11 points. Les différents niveaux de titre auront un espace de 1.5
avant et après. La seule majuscule des titres sera la première lettre du premier mot.
4. Résumé en portugais, espagnol, anglais et français (ayant entre 550 et 700
caractères, espaces inclus). Le résumé sera suivi de 3 a 5 mots clefs , identifiant le
contenu de l’article et séparés par un point.
5. Les tableaux, graphiques et figures sont numérotés en chiffres arabes en accord
avec la séquence du texte. Toutes les illustrations doivent être accompagnés d’un
titre au-dessus (Tableau 1 : Titre) et de la source en-dessous (Source : Nom, année,
page) en utilisant des marges de 2,5 cm à droite et à gauche.
6. Les illustrations seront transmises par fichier au format JPG, avec une résolution
minimale de 300 dpi afin de permettre leur réduction ou agrandissement en bonne
légibilité.
7. Eviter les notes de bas de page explicatives qui ne doivent être utilisées que
comme compléments d’informations et figurant dans le texte en numérotation
continue en chiffres arabes et en 3 lignes au maximum en type de 10 points.
8. L’italique ne doit être utilisé dans le texte que pour identifier les mots en langue
étrangère. Il est recommandé d’éviter les citations en langue étrangère, le traduisant
en portugais.
9. Les majuscules doivent être utilisées : Pour les sigles de noms des institutions et
organisations ; titres de documents ; faits historiques, évènements, dates et âges ; on
met une capitale uniquement à la première lettre de titres d’ouvrages et leur parties
; et citations précédées de deux-points. Et au cas où il est nécessaire de l’épeler pour
sa compréhension (IBGE, INSS)
10. Les minuscules doivent être utilisées : Pour les titres et professions (professeur,
maître), domaines des sciences, cours et disciplines (sciences humaines, recherche
en éducation) ; niveaux et modalités de l’éducation (éducation primaire, éducation
superieure, éducation de la jeunesse ou des adultes, etc.) dans ce cas l’utilisation des
minuscules se reporte à l’Accord Ortographique de 1990, en vigueur au Brésil depuis
janvier 2009.
11. Les sigles doivent être utilisées : en capitales sans point entre chaque lettre
jusqu’à 3 lettres (MEC, PUC); toutefois, lorsqu’un sigle forme un acronyme (lisible
phonétiquement) et qu’il est de notoriété publique, on met une capitale uniquement

233
à la première lettre (Capes, Inep). Tous les sigles doivent être développés dès la
première occurrence et indiqués entre paranthèses par la suite : Ministério da
Educação (MEC).
12. Les sigles qui traditionnellement mélangent majuscules et minuscules resteront
dans leur forme originale.
13. Les citations suivront les consignes de mise en forme suivantes :
a) Les citations de plus de 3 lignes seront détachées dans un paragraphe à part,
avec retrait à gauche de 1.25 cm, et type de 10 points, sans guillemets et suivies
de la référence (Nom, année, page). Le point final de la citation se trouvera à la fin
de la phrase, donc, avant les paranthèses, à l’exception de celles jusqu’à 3 lignes, à
l’intérieur du texte, si elles ne finissent pas le paragraphe. Il doit y avoir un espace de
paragraphe de 1.0 avant et après la citation.
b) Les citations de moins de 3 lignes doivent suivre le format du texte. Dans le cas
de citation directe , elle doit être entre guillemets, et suivie du nom de l’auteur,
année d’édition de l’ouvrage et page exacte de la citation. Exemple : Selon Gatti
(2002, p. 82), on observe le manque “[...] de capacité de theorisation, de critique
et de génération d’une problématique particulière” dans plusieurs recherches.
Ou : … manque “de capacité de théorisation, de critique et de génération d’une
problématique particulière” Gatti (2002, p. 82), dans plusieurs recherches…
c) Les citations indirectes doivent être sans guillemets, et suivies seulement du nom
de l’auteur et année d’édition de l’ouvrage. S’il y plus d’un ouvrage du même auteur
publié dans la même année, il faut utiliser a, b, c, juste après la date (nom, 2010a).
d) Les ouvrages signés par plusieurs auteurs, doivent comporter le point-virgule pour
séparer les auteurs (nom ; nom, année, page). Dans le cas d’ouvrages collectifs de
plus de 4 auteurs noter le nom du premier auteur et la mention et al. (nom et al.,
année, page).
Les références doivent suivre la réglementation de l’ABN/NBR 6023:2002. Celles-
ci doivent être mises en ordre alphabétique sans abréviations de prénoms après
le nom. Pour souligner les différents niveaux de titres des ouvrages et articles
l’utilisation de l’italique est conseillée, comme dans les exemples ci-dessous (les
intertitres n’ont pas besoin d’italique) . Les références des titres cités doivent se
trouver dans le texte (citation directe et indirecte en accord avec NBR 10520:2002).
Les articles dont les références seraient incomplètes ou incorrectes ne seront pas
évalués. Pour plus de détails veuillez consulter : http://www.more.ufsc.br/

234
Exemples:
Ouvrages
Nom de l’auteur, prénom sans abréviations. Nom de l’ouvrage: sous-titre . Lieu
d’édition : maison d’édition, année d’édition.
Chapitres d’ouvrages
Nom de l’auteur, prénom sans abréviations. Nom de l’ouvrage: sous-titre. Lieu
d’édition : maison d’édition, année d’édition. In : Nom de l’auteur, prénom sans
abréviations. Nom de l’ouvrage. Lieu d’édition: maison d’édition, année d’édition.
Pages initiales et finales.
Revues Periodiques
Nom de l’auteur, prénom sans abréviations. Nom de l’article: sous-titre . Titre du
périodique, Lieu d’édition, Institution, numéro de la publication, numero du fascicule,
pages contenant l’article, mois (exemple : mars-mai ou sep-déc) année d’édition.
Thèses et dissertations
Nom de l’auteur, prénom sans abréviations. Titre. Année. N° de pages ( 169p. )
Dissertation (Master en éducation) ou Thèse (Doctorat en éducation) – Programme
de post-graduation, Université, année de la publication.
Annales
Nom de l’auteur, prénom sans abréviations. Titre : sous-titre . In : Nom de
lévenement, numero (si pertinent) année et lieu de l’évenement, Annales …., Lieu,
date et maison d’édition, pages de début et fin. Disponibilité en URL (si pertinent),
mois et année de la consultation.
Documents électroniques:
Nom de l’auteur, prénom sans abréviations. Titre. , Lieu et année d’édition, numéro
de page. Disponibilité en URL : date de la consultation de l‘article : jour, mois, année
. nes.

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