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3. “BORA PRO C4?

O LUGAR, O ESTACIONAMENTO E OS CONVÍVIOS

Adolescentes em contexto de descobertas, resistências e emancipação,


encontram nas ruas sua principal fonte de reconhecimento e, além de tudo,
novas possibilidades interacionais distintas das que mantêm em seus vínculos
familiares. É a partir da busca de si mesmos que eles acabam por integrar redes
de sociabilidades cada vez mais fortes e importantes.

As chamadas tribos urbanas, observadas por Michel Maffesoli1,


representam essa impulsividade característica das juventudes em procurar o
novo, a excitação, as novas experiências e novas significações de si e com o
mundo. Numa metáfora eficiente, o autor nos diz:

Continuando, gostaria de fazer notar que a constituição dos


microgrupos, das tribos que pontuam a espacialidade se faz a partir do
sentimento de pertença, em função de uma ética específica e no
quadro de uma rede de comunicação [...] Ainda que seja apenas uma
metáfora, podemos resumir essas três noções falando de uma
“multidão de aldeias” que se entrecruzam, se opõem, se entreajudam,
ao mesmo tempo que permanecem elas mesmas (MAFFESOLI, 2014,
p.250-251)

Numa assertiva, Maffesoli resume bem o contexto de união desses grupos


urbanos que, se por um lado reivindicam independência familiar, do outro se
reagrupam em novas configurações familiares, desta vez, em suas tribos
compostas por amigos e conhecidos que partilham das mesmas vontades. Ao
reconhecer essas novas uniões que quebram o dito individualismo, Maffesoli se
encaixa perfeitamente na discussão sobre a rede de sociabilidades surgidas no
C4. Esse modelo de cidade vivo e dinâmico, muito se difere do conceituado por
Zygmunt Bauman, por exemplo, que traz uma abordagem de cidade como
organismo deturpado e produtor de mal-estar. Não vejo reconhecimento, por
parte desse autor, das dinâmicas e resistências dos atores sociais nesse
contexto.

A saída da fase juvenil e entrada no chamado mundo adulto, representa


um salto que não se consegue fugir, por insistência de toda a vida social, e que

1
Ver “O tempo das Tribos – o declínio do individualismo nas sociedades de massa”
acarreta em barreiras, resistências e até certo mal-estar, mas que sempre tem o
que colher de bom.

Magnani (2007)2, mostra em diversos momentos do livro, exemplos de


como a vida na cidade é moldada pela ação dos indivíduos, seja sozinho ou em
grupos com demandas específicas. O olhar a cidade deve, antes de tudo,
reconhecer a potência produtiva dessas interações e salientar que delas advêm
os diversos rostos que uma cidade pode ter. Grupos e suas sociabilidades tem
muito mais a oferecer sobre o espaço onde militam do que propriamente o
espaço visto de maneira engessada numa cidade pronta e analisada em sua
vertente macrossocial. Inclusive sobre o termo “tribos urbanas”, o autor aponta
que, em relação aos estudos urbanos realizados por ele e seus alunos na cidade
de São Paulo, o termo apresenta lacunas que podem ser sanadas quando se
adota o conceito de “circuitos de jovens” nessa avaliação dos grupos urbanos.
Para tal, acrescenta tipos ideais capazes de dar certa base inicial nessas
pesquisas tais como: Mancha, Circuito, Pedaço, Trajeto, Pórtico. Cada conceito
deriva de uma interpretação diferente, mas por vezes, interligado na organização
e convivência dos mais diversos grupos presentes na ecologia paulista. De todo
modo, aqui não fazemos uso dessas categorias por acreditar que em Natal,
especificamente no estacionamento do C4, não há grupos tão bem delimitados
como os Punks, Straight Edges, Hare krishnas, Emmos, etc. O que há é um
grupo heterogêneo que não se identifica com uma única tribo ou grupo
específico. Essa posição política que os grupos paulistas apresentam tão
fortemente, não é demonstrado em Natal de maneira tão canalizada.

Os jovens do C4 frequentam o espaço para fugir dos problemas


cotidianos, encontrar seus amigos e paqueras e conversar sobre algo que os
aproxima em conteúdo. Não há, portanto, uma união com intuito político, exceto
pelo fato de que como posição política adotem o lazer como estratégia de ruptura
das tensões diárias.

Além dos jovens, encontramos também os “Naves” aqui chamados


assim por chamarem seus carros rebaixados e adaptados de “naves”, numa

2
Organizado em parceria com Bruna Mantese de Souza, o livro traz diversos trabalhos com temáticas
ligadas a pesquisas urbanas.
explicita diferenciação dos demais automóveis presentes no estacionamento. As
“Naves” não são carros comuns, representam a identidade de seus donos e são
repletos de adereços que visibilizam suas tendências, time de futebol que
torcem, grupo de carros que fazem parte, adereços extravagantes e mais ainda,
representam uma casa sob rodas.

A identidade dos “navers” é demonstrada com toda força na maneira


com que customizam suas naves e na forma com que as apresentam para os
amigos do grupo e/ou em torneios de carros tunados pelo Brasil. Quando mais
rebaixado, mais tunado e admirado pelos demais. Representam virilidade
também, pois ter uma nave, financeiramente, não é para todos. Fato a destacar
desse grupo é que, toda a família participa na construção dessa nave podendo
ser encontrados por exemplo, objetos de bebês para novos papais, chaveiros
femininos ou de casais representando o elo matrimonial do naver entre outras
definições. Os encontros são repletos de modelos e tipos de carro, regados a
comidas e bebidas e bem familiares, como veremos mais à frente.

Grupo menor, mas não menos atuante no C4 são os idosos que lá


realizam atividades físicas. Geralmente aposentados, esses idosos reencontram
uma rotina nos grupos de caminhada e ginástica que frequentam. Atentos às
novas tecnologias, eles têm grupos em redes sociais como o WhatsApp e
frequentam diariamente o espaço para se exercitar. “Virou rotina, esse pessoal
faz parte da minha família, no dia que eu não venho me sinto mal” diz um deles.
Magnani (1984;1992) diz, por exemplo, que os idosos fazem um uso muito
particular das agências bancárias, pois a ida ao banco para muitos deles, por
vezes aposentados, é vista como um programa de lazer, mais do que uma
obrigação. Pois bem, no C4, apesar do uso ser destinado a prática de atividades
físicas, se torna mais uma atividade de sociabilidade do que do próprio exercício
em si.

É desses microgrupos que esse trabalho relata. Da transformação de um


espaço privado, construído no intuito primário de estacionamento para clientes
em compras, em área espacial reconhecida como ambiente de sociabilidades e,
porque não dizer, tomado pela necessidade do encontro e da garantia de
segurança para tal. O espaço como parte integrante de uma esfera macrossocial,
visto que é propriedade de um estabelecimento com raízes no mundo todo, mas
também com importância regional e que desenvolve um serviço que a esfera
pública já não consegue garantir, o lazer.

Partindo de uma interpretação do espaço/lugar para descobrir as


qualidades que fazem do estacionamento um ponto de encontro viável, até as
interações que acontecem por lá, mostrando que a ação social, representada
aqui pela iniciativa dos frequentadores, podem criar novas formas de convivência
e interação, mesmo em locais não pensados inicialmente.

Pensamos, pois, nas situações que demandam essa necessidade do


encontro. Qual a necessidade de um espaço para o encontro? Por que essas
pessoas frequentam tanto o estacionamento? O que buscam ali? Por que ali?
Quais situações já passaram ou presenciaram no local? São algumas perguntas
iniciais que apareceram nas observações iniciais dessa pesquisa que, considero,
por hora, respondidas. Por hora, pois, a intensidade com que a vida se
transforma na cidade do Natal e, especificamente, no estacionamento em
questão impossibilitariam as conclusões fechadas. Ás vezes, um
estacionamento não é apenas um estacionamento.

As possibilidades de entendimento de um determinado objeto de estudo


são inúmeras. Não se conhece o objeto sem deixar primeiro que ele fale, ou seja,
o ponto de partida de toda pesquisa deve ser o mergulho ao campo. Muitas
vezes, somos condicionados a levar toda uma gama teórica a fim de que o
campo se adeque a tudo àquilo. Deixamos assim, de trazer o campo à luz,
porque ele já sufoca envolto a olhares enviesados.

O Carrefour, ou C4, como foi apelidado carinhosamente pelos


frequentadores, não tem simplesmente um estacionamento. Logo de cara é
possível notar uma movimentação de pessoas que torna o espaço um lugar de
reflexão. Entretanto, qualquer suposição que seja feita, à primeira vista, pode ser
minimalista e desacreditada.

Além disso, o C4 não era totalmente desconhecido quando resolvi


pesquisá-lo. Anos antes, eu frequentava quase que diariamente para desopilar
ou ter um momento mais introspectivo, longe dos embates cotidianos. Percebia
que outras pessoas faziam o mesmo. Entretanto, somente na produção do pré-
projeto dessa dissertação que me dei conta que aqueles encontros poderiam
significar muito mais do que simplesmente aproximações aleatórias de amigos
ou namorados. Por isso, partindo justamente desses encontros e das
demonstrações de afeto nele contidas comecei a observação.

Há uma excitação nessas práticas de lazer. Os encontros,


principalmente entre os jovens, são por demais comemorados. Abraços, beijos
e sorrisos podem ser vistos a cada amigo que chega ao lugar. É como se fosse
o encontro de familiares separados pela distância há anos. O que mais chama a
atenção é o fato de que todo encontro é comemorado, às vezes, até com gritos
altos, numa espécie de demonstração de importância para o amigo recém-
chegado.

1.1 - Juventude e identidade: a potência subterrânea.

Os jovens foram os primeiros a ocupar o C4 para uso como atividade de


lazer. Começaremos, pois, falando desse grupo que apesar de partilharem as
mesmas faixas etárias, apresentam diferenças substâncias no que diz respeito
ao uso do espaço e de como o C4 se insere em suas rotinas diárias.

Antes de mais nada, falar de juventude exige sua desmistificação


enquanto dado natural ou unicamente biológico. A juventude não pode ser
entendida em caráter unitário, sem distinção de classe social, capital cultural,
ideologias, etc. Trataremos aqui de juventudes, no plural, pois mesmo que os
frequentadores do C4 apresentem idades aproximadas, estilos de vida e hábitos
parecidos, suas subjetividades são bem diferentes. Podemos também falar de
dois tipos de juventude, a oriunda da classe trabalhadora e a juventude da classe
média/alta. Essa última, bem menos assídua do espaço, mas que sua frequência
e utilização servem para demonstrar disparidade comportamentais, estilos de
vida, planos para o futuro, formas de relacionamentos, entre outros.

“A juventude é apenas uma palavra”, salienta Pierre Bourdieu (1983), em


seu livro Questões de sociologia ele insere uma série de questões pertinentes
sobre a ótica das classes sociais que permeiam a formação dessas juventudes.
Basicamente analisando a juventude enquanto produção sócio histórica e
mecanismo de poder, Bourdieu salienta que a categoria serve muito mais como
estratégia política do que para nomear o corpo biologicamente jovem.

Esta estrutura, que encontramos também noutros lugares (por exemplo


nas relações entre os sexos) lembra que na divisão lógica entre jovens
e velhos, está em questão o poder, a divisão (no sentido de partilha)
dos poderes. As classificações por idade (mas também por sexo ou
evidentemente por classe) equivalem sempre a impor limites e a
produzir uma ordem à qual cada um se deve ater, na qual cada um
deve manter-se no seu lugar. (BOURDIEU, 1983, 152).

DESENVOLVER A QUESTÃO DA JUVENTUDE COMO RECORTE


NÃO UNITÁRIO (CLASSE SOCIAL, CAPITAL CULTURAL, ETC)

Identidade cultural juvenil

A potência subversiva na cidade e a ocupação de uma área privada

As juventudes do C4
- os gays ( primeiros a utilizar o espaço – medo da homofobia, liberdade
e discrição no espaço, segurança do local, segurança através dos grupos
maiores

AS AFRONTOSAS

AS DISCRETAS

OS “DE BOA” OU A QUEBRA DA OBRIGATORIEDADE DE DEFINIÇÃO

JOVENS EM CONTEXTO DE PAQUERA E DIVERSÃO

SKATES, BICICLETAS, PASSEIO A PÉ

O ALCOOL, O CIGARRO E OUTRAS DROGAS

AS FAMÍLIAS – SOCIABILIDADES FAMILIARES


(ESTRANHAMENTOS, APROXIMAÇÕES COM OS JOVENS)

OS “NAVES” – O CARRO TUNADO NO CONTEXTO DA


SOCIALIZAÇÃO FAMILIAR. O HOOBIE E A PAIXÃO

OS “VIDA FITNESS” – O ESPAÇO COMO ÁREA DE EXERCÍCIO E


CUIDADO COM O CORPO

OS IDOSOS E SUAS SOCIABILIDADES NA TERCEIRA IDADE – A


GERAÇÃO SAÚDE?

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