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o 19 CIÊNCIA HOJE
, G. Wilson A. Femandes
julho/agosto de 1985 59
uma galha pela ação de um inseto é mos- Fig. 6. Galhas foliares e caulinares em Inga
trado na figura 5. ingoides (Leguminosae).
O desenvolvimento desse novo tecido
Fig. 7. Galhas foliares de Steph6myia euge-
compromete as células do hospedeiro, niae (Cecidomyiidae : Diptera) em Eugenia
provocando desvios de substâncias, blo- ovalifolia (Myrtaceae).
queios de vasos condutores ou mesmo
atrofia de determinados órgãos. Assim, Fig. 8. Galha caulinar de Tomoplagia rudol-
phi (Diptera: Tephritidae) em assa-peixe,
pode-se afirmar que, de modo g~ral, a Vernonia polyanthes (Compositae).
ação da galha no metabolismo geral da
planta hospedeira compromete a vitali-
dade desta, como mostram as figuras 6 e 7. ou diminuir-Ihes a produção de sementes
Este é um dos aspectos a investigar para e frutos, atuando como pressão seletiva in-
que se possa compreender a natureza da dutora de modificações adaptativas nas
interação inseto/planta. plantas hospedeiras. Esse tipo .de intera-
As galhas constituem fantásticas adap- ção pode conduzir à coevolução de insetos
tações de certos insetos que se alimentam e plantas, como é o caso das várias espécies
de plantas e evoluíram sob a influência de de pequenas vespas Agaonidae que poli-
pressões seletivas exercidas por diversos nizam as 900 espécies diferentes de figo.
fatores ambientais. Por exemplo: como a No complexo processo de polinização, es- estudo das galhas produzidas
umidade é fator restritivo, os ambientes tas vespas causam galhas em flores infér- I por insetos nos remete a com-
desérticos parecem ser mais propícios ao teis e polinizam as flores férteis do figo, de 1{- parações com aspectos das neo-
aparecimento de maior número de ga- modo que fica assegurada a reprodução plasias animais e vegetais, bem como com
lhas. Mas a interação entre insetos e plan- tanto da árvore como do inseto. Esse, aliás, a própria engenharia genética. Compara-
tas é, neste caso, muito complexa. Os inse- é um dos poucos casos sobre os quais pos- do ao crescimento patológico dos tu-
tos adaptados à formação de galhas en- sulmos registro fóssil da interação, data- mores, o das galhas revela:.se anormal ou
contram no interior dos tecidos vegetais, dos de cem milhões de anos atrás. A in- atípico, pois apresenta uma diferenciação
onde se desenvolvem, alimento abun- teração pode influenciar também a distri- celular complexa e de todo inexistente no
dante, abrigo contra inimigos naturais e buição espacial das plantas, pois a ação dos primeiro caso. Além disto, os tecidos da
local propício à reprodução. Em contra- insetos pode afetar o padrão de distribui- planta hospedeira alteram-se rapida-
partida, a intensidade dos seus ataques ção dos organismos vegetais com os quais mente, cessando o crescimento anôrmal,
pode causar a morte das plantas atinRÍdas interagem. se o agente causador (agente cecidógeno)
é retirado; nas neoplasias animais e vege-
tais, ao contrário, uma vez iniciado o pro-
cesso, o padrão de crescimento já não
pode ser modificado, observando-se uma
rápida e ininterrupta proliferação de célu-
Ias anormais.
Calhas entomógenas -causadas por
insetos -têm uma estrutura extrema-
mente harmônica. Suas camadas celulares
dispõem-se em arranjos que formam ver-
dadeiros tecidos, caracterizados por ex-
tensas alterações estruturais e fisiológicas,
além de um crescimento anormal. Essas
formas de crescimento dão origem a es-
truturas de tamanho e aspecto definidos,
mostradas na figura 8. Já em alguns tu-
mores vegetais bacterianos, como na
doença conhecida como crown-gall, apro-
liferação celular é ilimitada e persiste
mesmo depois de afastado seu agente cau-
sador -a bactéria Agrobacterium tumefa-
ciens -, o que resulta em estruturas de
formas e tamanhos indefinidos (ver "Ca-
lhas bacterianas e engenharia genética").
julho/agosto de 1985
galatotânico, além de teores significativos
dos ácidos gálico e elágico, substâncias
usadas no tratamento de diarréias, de in-
flamações bucais e de hemorróidas.
O aproveitamento comercial das galhas
remonta ao século XVII. Delas se ex-
traíam, por exemplo, substâncias usadas
para tingir de preto o cabelo. Além de sUas
já citadas propriedades terapêuticas, as
"galhas de Alepo" permitiam a fabricação
de tinta de excelente qualidade, utilizada
nos documentos do Tesouro dos Estados
Unidos, do Banco da Inglaterra, da chan-
celaria alemã e do governo dinamarquês.
Mas o principal produto comercial extraí-
do das galhas é o ácido tânico. Em virtude
de suas propriedades adstringentes, foi
muito utilizado nas pequenas indústrias
de couro,revelando-se excelente material
de cortume. Sua aplicação se estende tam-
bém à produção de tanato de nicotina, de galhasforam durante muito tempo consu- dem servir como agentesde controle bio-
grande serventia na indústria de insetici- midas como alimento. Outro tipo de ga- lógico. No Canadá, vem sendo ampla-
das, especialmente nos produtos que se lha, produzido por uma espéciede Cynipi- mente estudado o controle de ervas dani-
destinam a combater insetos picadores-su- dae do gênero Callirhytes,apresenta alto nhas (Sonchusarvensise Cirsium aroense:
gadores, o inseto brocador-de-tornateiro e valor nutritivo, com 63% de carboidratos Compositae) por meio de galhasformadas
a mariposa-da-maçã. e 9,3% de proteínas. por dois tipos de moscasde frutas, a Te-
Do ponto de vista agrícola, as galhasen- phritis dilaceratae a Urophoracardui(Dip-
tomógenas merecem ser estudadas por tera: Tephritidae). Essaservas são muito
sua ocorrência em plantas cultivadas, abundantes em diversas províncias-cana-
como a mandioca, o eucalipto, a manga e o denses e na metade norte dos Estados
algodão. Quando a infestação ultrapassa Unidos. A Sonchusaroensis,por exemplo,
determinados níveis, torna-se necessário chega a produzir três toneladas de brotos
adotar medidas de contenção, como, por secospor hectare e populaçõesde três a 15
exerpplo, o controle da população do plantas por metro quadrado. Sua ocor-
agente cecidógeno, para que ele perma- rência em trigais pode causar uma redu-
neça dentro de limites toleráveis do ponto ção da ordem de 4,5 a 27% na produção
de vista econômico. do cereal. O controle das populações des-
Paradoxalmente, as próprias galhaspo- saservasdaninhas por meio de técnicasde
cultivo e de herbicidas mostrou-se pouco
eficiente e de reduzida duração, visto que
a disseminação das sementesera rápida.
Soluçãoadicional e eficaz foi a importação
de moscasTePhritise Urophorada Europa.
A Tephritispõe seusovosdentro dos botões
florais. Ao sealimentarem, aslarvas trans-
formam essesórgãos em galhas e conso-
mem os ovários e receptáculos, des-
truindo assim as sementes.Já as moscas
Urophora produzem também galhas em
brotos de planta hospedeira, comprome-
tendo, indiretamente, a produção de se-
mentes.
O papel das galhas na produção de bio-
massa,atravésde nódulos fixadores de ni-
trogênio, é conhecido desde 1838. De
grande interesse para a agricultura é a
simbiose"entre leguminosas e Rhizobium,
um tiPo de bactéria de vida livre: ao oene-
, Vespidae
~~~ sp.
Fig. 17. Teia alimentar baseada em galhas foliares de Anadiplosis em Machaerium aculeatum Gacarandá-de-espinho), mostradas na figura 5. As
aranhas Salticidae alimentam-se do inseto cecidógeno adulto; larvas de uma mariposa Geometridae e duas espécies de percevejos -Parajalysus
paUidus eJ alysus sobrinus -alimentam-se dos tecidos das galhas, causando indiretamente a morte das larvas do cecidógeno. Insetos diminutos,
chamados parasitóides, colocam seus ovos nas larvas do cecidógeno, que servem de alimento para as larvas dos parasitóides. Além disso, a galh.a
apresenta pélos secretores de substâncias aderentes, c~pazesde grudar alguns parasitóides, impedindo-os de colocar seus ovos na larva do cecl-
dógeno. Trata-se de esboço preliminar de um quadro de in~erações ecológicas muito complexas.