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feRRaMenTas paRa a MoBILIZaÇÃo

ESTUDOS BÍBLICOS
CONTEXTUALIZADOS

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Alberto R. Timm
Alberto R. Timm, Ph.D.

O
s adventistas do sétimo dia creem que sobre eles repousa a sagrada missão de pregar o
“evangelho eterno”, nestes últimos dias, “a cada nação, e tribo, e língua, e povo” (Apoc. 14:6).
Nas palavras de Cristo, quando “este evangelho do reino” for pregado “por todo o mundo,
para testemunho a todas as nações”, “então, virá o fim” (Mat. 24:14). Mas a comunicação glo-
bal do evangelho tem se defrontado com sérias barreiras culturais e ideológicas.
No mundo existem inúmeras culturas e pessoas as mais diversas que não podem ser
alcançadas da mesma forma e com a mesma abordagem evangelística. Nosso grande desafio é desco-
brirmos a melhor maneira de comunicar a mensagem bíblica a cada pessoa.
Uma das formas mais eficazes de evangelismo são os contatos pessoais que resultam na apresen-
tação de séries de estudos bíblicos. Essas séries, para serem eficazes, devem conter uma sequência

de pelo menos quatro blocos temáticos básicos: (1) os interesses e ocupações dos homens, a fim de
uma introdução contextualizada às necessidades obter-lhes acesso ao coração”.2 “O Salvador mis-
da pessoa, com o propósito de despertar o interes- turava-Se com os homens como uma pessoa que
se pelo estudo bíblico; (2) os temas de conversão, lhes desejava o bem. Manifestava simpatia por
destinados a gerar a verdadeira motivação espiri- eles, ministrava-lhes às necessidades e granjeava-
tual; (3) os temas de doutrinação, que fornecerão -lhes a confiança”.3
o conhecimento necessário à obediência à Pala- Em Seus ensinos, “o desconhecido era ilustrado
vra de Deus e (4) os temas de estilo de vida, que pelo conhecido; verdades divinas por coisas terre-
conduzirão à vivência prática da religião. Algumas nas, com as quais o povo estava mais familiarizado”.4
publicações tratam, de forma elucidativa, dos três Um dos exemplos mais interessantes de con-
últimos blocos,1 mas pouco tem sido dito a respeito textualização do evangelho é, sem dúvida, o diálo-
do primeiro deles. go de Cristo com a mulher samaritana (ver João
O presente artigo fornece subsídios que ajudam 4). A mulher estava buscando água natural no poço
o leitor a identificar e explorar os principais focos de Jacó, e Cristo lhe ofereceu a “água viva” (v. 10).
de contextualização da mensagem às pessoas a Nesse diálogo Cristo atraiu o interesse da mulher,
quem se deseja ministrar estudos bíblicos. As bre- referindo-se às circunstâncias em que ambos se
ves sugestões aqui apresentadas se limitam à par- encontravam e despertando a curiosidade dela por
te introdutória das séries de estudos bíblicos, que algo importante que ela ainda não possuía. De ma-
poderão ser aprofundadas e ampliadas em futuras neira maravilhosa, Cristo conduziu o interesse da
abordagens de forma a globalizar todo o conteúdo mulher do que lhe era conhecido para o desconhe-
das respectivas séries. cido. Assim as portas se abriram para a compreen-
são e aceitação do evangelho.
Modelos bíblicos de contextualização da mensagem O discurso de Paulo no Areópago de Atenas (ver
As Escrituras apresentam inúmeros exemplos Atos 17:16-34) é outro exemplo extraordinário de
de contextualização da mensagem divina às neces- contextualização do evangelho “em face da idola-
sidades humanas. Em relação a Cristo, é dito que tria dominante” naquela cidade (v. 16). Paulo intro-
Ele “foi ao encontro de todas as classes nos tópicos duziu sua mensagem com uma alusão explícita ao
e maneiras de Seu ensino. Ele comeu e hospedou- “altar” ateniense dedicado “AO DEUS DESCONHE-
-se com os ricos e os pobres, e Se familiarizou com CIDO”, para então falar do verdadeiro “Deus que fez

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o mundo e tudo o que nele existe”, (v. 34), que era o próprio “centro planejar, idear métodos, a fim de al-
o qual “não habita em santuários da cultura pagã”.5 cançar o povo onde está. Devemos
feitos por mãos humanas” (ver- Os exemplos de contextuali- fazer algo fora do curso comum das
sos 23 e 24), bem como do juízo zação do evangelho deixados por coisas. Temos que prender a aten-
final e da ressurreição dos mor- Cristo e Paulo deveriam ser imita- ção. Temos de ser intensamente
tos (v. 31). Desta forma o corajoso dos por todos aqueles que desejam fervorosos”.6 Mas, a fim de mani-
apóstolo conseguiu admoestar al- comunicar com êxito o evangelho festarmos simpatia pelas pessoas
guns filósofos atenienses contra eterno nos dias finais da história e transmitirmos o evangelho ade-
a própria idolatria ateniense. Em humana. Somos advertidos por quadamente a elas, é necessário
decorrência, algumas pessoas inspiração divina que “cada obreiro conhecermos detidamente suas
aceitaram o evangelho em Atenas na vinha do Senhor deve estudar, mais profundas necessidades.
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Identificando o foco principal de contextualização (4) Carreira profissional. Ou-
Um dos aspectos mais importantes de uma boa série de estudos tra área importante que poderá
bíblicos é identificar claramente o foco principal da contextualização. ser explorada para despertar o
Esse foco deve levar em consideração, dentro de uma escala de valo- interesse pela Bíblia é a carreira
res bem definida, os aspectos mais relevantes. Trataremos a seguir, profissional do candidato a re-
por ordem de importância, de algumas das principais áreas a serem ceber estudos bíblicos. Existem
levadas em consideração. experiências ou relatos bíblicos
(1) Estado emocional. De todas as áreas a serem consideradas, talvez que podem ser usados positi-
a mais importante seja o estado emocional em que se encontra a pes- vamente para levar a pessoa a
soa que receberá os estudos bíblicos. Se ela está feliz e realizada, essa identificar-se com as Escrituras
área poderá não interferir sobre os temas a serem estudados. Mas, se como um livro que fala às suas
a pessoa está enfrentando crises existenciais, é provável que ela esteja necessidades e interesses pes-
buscando, antes de tudo, um lenitivo psico-espiritual para os seus an- soais. Mas devemos ser cuida-
seios pessoais. Desconhecer tais anseios pode levar facilmente a pessoa dosos em salientarmos apenas
a perder o interesse pelos estudos bíblicos. É importante identificar pre- aspectos mais gerais, sem en-
cisamente, talvez com o auxílio de um familiar ou amigo da pessoa, os trarmos em detalhes desneces-
motivos dessa condição emocional. sários da profissão com a qual
Entre as causas mais comuns se encontram a morte de alguém o candidato poderá estar bem
próximo, uma doença pessoal ou de algum familiar ou amigo, o divór- mais familiarizado do que o pró-
cio ou o rompimento de outros tipos de relacionamento social, bem prio instrutor bíblico.
como frustrações profissionais, comerciais ou mesmo acadêmicas. Se Se usarmos a carreira profis-
soubermos sintonizar os estudos adequada e respeitosamente com as sional do candidato como ponto
necessidades emocionais dessas pessoas, elas se tornarão bem mais de partida, é importante que o
receptivas à mensagem. estimulemos a expressar a sua
(2) Conhecimento religioso. Outra área fundamental a ser identi- opinião a respeito de como o
ficada é, sem dúvida, o comprometimento religioso ou ideológico do relato bíblico em questão pode
candidato a receber estudos bíblicos. Por exemplo, pessoas sem re- falar a nós hoje, especialmente
ligião normalmente se interessam menos pelos argumentos lógicos às pessoas que exercem aquela
da religião e mais pela maneira como a religião consegue preencher o mesma carreira profissional re-
vazio existencial do ser humano. ferida no texto. Além de levar o
Por contraste, cristãos que pertencem a igrejas com ênfase exis- interessado a se identificar com o
tencialista e sem um corpo doutrinário definido, são mais atraídos pela texto bíblico, esse método pode-
lógica da verdade revelada nas Escrituras, ou seja, por aquilo que ain- rá motivá-lo a testemunhar mais
da não têm e que poderia enriquecer a sua experiência de vida. efetivamente aos seus próprios
Donald McGavran sugere que a abordagem adventista, sem muita colegas de profissão.
flexibilidade, parece mais voltada à evangelização de católicos nomi- Portanto, cabe ao instrutor
nais do que a outros grupos religiosos.7 Mas jamais deveríamos ima- bíblico a tarefa de identificar se
ginar que católicos, evangélicos e pentecostais são todos iguais pelo o foco principal de contextuali-
simples fato de serem todos cristãos. zação seria o estado emocional,
(3) Nível cultural. Devemos ser cuidadosos para não estereotipar as o conhecimento religioso, o ní-
pessoas. Mas a questão do nível cultural do interessado deve ser levada vel cultural ou a carreira pro-
em consideração ao se ministrar estudos bíblicos. Se a pessoa possui fissional da pessoa, ou ainda
algum título universitário ou é um autodidata, a abordagem poderá ser uma combinação dessas áreas.
mais conceitual do que com uma pessoa que não tenha tido a oportu- Contudo, ao identificarmos uma
nidade de receber uma instrução formal. Isso não significa, no entanto, dessas áreas como a mais con-
que pessoas cultas não tenham também carências afetivas, problemas veniente para introduzirmos a
de relacionamento social e anseios espirituais não preenchidos. série de estudos, não devería-
Muitas pessoas intelectuais estão cansadas dos valores relativos mos desconhecer a importância
da cultura pós-moderna na qual vivemos. Consciente ou mesmo in- das demais.
conscientemente elas se abririam aos valores absolutos da fé se tão Em outras palavras, seria
somente encontrassem cristãos capazes de demonstrar em sua pró- conveniente elaborarmos o es-
pria experiência de vida o poder transformador do evangelho. Em re- tudo com base na área em evi-
alidade, “se nos humilhássemos perante Deus, e fôssemos bondosos dência, levando em consideração
e corteses e compassivos e piedosos, haveria uma centena de conver- a maneira como a pessoa se re-
sões à verdade onde agora há apenas uma”.8 laciona com as outras três áreas.

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Explorando o foco principal da contextualização
Mencionaremos a seguir alguns exemplos de relatos bíblicos sugestivos para se introduzir estudos
bíblicos com ênfase nas diferentes áreas de contextualização.
(1) Foco nas crises existenciais. Para pessoas emocionalmente abaladas por crises existenciais,
uma boa maneira de se introduzir a série de estudos bíblicos é através de algum relato bíblico de
pessoas que superaram crises semelhantes. Por exemplo, pessoas enlutadas poderão se identificar
facilmente com o relato da ressurreição de Lázaro (ver João 11). Nesse caso, deveríamos dizer aos en-
lutados que, embora o ente querido certamente não venha a ressuscitar logo como ocorreu com Láza-
ro, o relato bíblico nos fala da esperança na ressurreição final, à qual Marta se referiu em João 11:24.
(2) Foco nas distorções religiosas. Um aspecto fundamental de uma série de estudos com indiví-
duos que acalentam distorções religiosas é salientar, já no início da série, a autoridade normativa das
Escrituras, com ênfase na sua exclusividade e totalidade. Pentecostais e carismáticos normalmente
colocam a experiência pessoal mística com o Espírito Santo acima da autoridade bíblica. A estes seria
interessante apresentar um estudo inicial com base em Mateus 7:15-23, em que o compromisso pesso-
al com “a vontade” revelada de Deus o Pai é tido como bem mais importante do que profetizar, expelir
demônios e operar milagres.
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Princípios universais

Contextualização

Aplicações temporais

(3) Foco nos níveis culturais. É importante que se adapte a lin-


guagem e o conteúdo do estudo introdutório ao nível cultural do
candidato. Como regra geral, pessoas mais simples costumam se
interessar mais por histórias bíblicas com ênfase nas atitudes dos
personagens envolvidos. Já indivíduos com maior formação acadê-
mica poderão interessar-se mais pelos conceitos bíblicos. Mas pre-
cisamos despertar o interesse da pessoa em buscar uma solução
satisfatória para as suas mais profundas necessidades espirituais.
Uma maneira interessante de se começar a estudar com pes-
soais racionalistas, que cultuam o intelecto, talvez seja o diálogo
de Cristo com Nicodemos (ver João 3). Nesse diálogo, Cristo ofere-
ce reavivamento espiritual a alguém que encobria, com discussões
teóricas, as suas mais profundas necessidades espirituais.
(4) Foco nas carreiras profissionais. Outra maneira interessante
de se começar uma série de estudos é com algum incidente bíblico
relacionado à carreira profissional da pessoa.9 Na Bíblia encontra-
mos vários episódios que podem ser utilizados nesse tipo de abor-
dagem. Por exemplo, agricultores certamente se interessarão por
um estudo inicial sobre a parábola do semeador (ver Mat. 13:1-23).
A ênfase dessa parábola está nos diferentes tipos de solo e na for-
ma distinta como cada um deles reage à semeadura da Palavra de
Deus (versos 19-23). Esse assunto pode estimular a receptividade
pessoal ao estudo da Bíblia.
Alguns astrônomos terão interesse em saber que a Bíblia men-
cionou, há mais de 3.500 anos, que as estrelas do céu podem ser
comparadas à areia do mar (ver Gên. 22:17) e que a Terra é redonda
(ver Jó 37:12). É interessante salientar que foi Deus quem criou e
quem mantém os astros que gravitam no vasto Universo (ver Sal.
19:1-6; Isa. 40:26).
Já um carpinteiro ou marceneiro poderá se interessar pela
construção da arca de Noé (ver Gên. 6-8). A ênfase deve estar na
proteção divina para aqueles que obedecem à Palavra de Deus,
mesmo que ela esteja em desacordo com a cultura predominante
(Heb. 11:7).

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Considerações finais
É importante que contextualizemos os estudos bíblicos aos interesses de cada pessoa, mas
devemos ser cuidadosos para não levantarmos preconceitos desnecessários nesse aspecto. Al-
guns profissionais liberais podem não estar ainda preparados para entender e aceitar alguns
ensinamentos bíblicos relacionados à sua respectiva carreira profissional. Por exemplo, certas
pessoas da área de saúde talvez ainda não estejam em condições de aceitar plenamente os prin-
cípios de saúde mencionados no Antigo Testamento. Alguns advogados poderão discordar das
leis civis israelitas, considerando-as obsoletas, o que poderá não despertar neles a confiança na
Bíblia como a Palavra de Deus. Mas essas exceções não deveriam nos inibir de contextualizar o
estudo aos interesses e necessidades do candidato.
Para pregarmos “o evangelho eterno [...] a cada nação, e tribo, e língua, e povo” (Apoc. 14:6)
é necessário que o adaptemos ao contexto em que cada pessoa se encontra, sem com isso ofus-
carmos seus valores absolutos.
Precisamos ir ao encontro das pessoas onde elas se encontram (ver I Cor. 9:16-23), sem com
isso suprimirmos o conteúdo da mensagem (ver Mat. 28:20). Introduzir uma série de estudos
bíblicos de forma contextualizada pode exigir do instrutor um pouco mais de preparo e de criati-
vidade, mas ela se tornará bem mais atrativa do que se for apresentada de uma mesma maneira
a todas as pessoas.

Este artigo foi publicado originalmente na Revista Adventista, Casa Publicadora Brasileira, com o título “Estudos Bíblicos Com
Criatividade”.

Alberto r. timm

Alberto R. Timm, Ph.D (Andrews University) é especialista nas doutrinas e na teologia


adventista. Foi pastor distrital; professor de Teologia Histórica e coordenador de
pós-graduação em Teologia no Unasp-EC; diretor do Centro de Pesquisas Ellen
G White do Brasil; reitor do Seminário Adventista Latino-Americano de Teologia
(SALT) e coordenador do Espírito de Profecia para a Divisão Sul-Americana. Exer-
ce hoje a função de diretor associado do Ellen G. White Estate e é membro da
Comissão de Pesquisas Bíblicas da Associação Geral. Casado com Marly L. Timm,
tem três filhos: Suellen, William e Shelley.

Notas de fim:
1 Ver Alberto R. Timm, “Preparo Para o Batismo: Assunto Sério”, Revista Adventista (Brasil), junho de 1997, págs. 8-10; Paulo
Cilas da Silva, Séries de Estudos Bíblicos da Igreja Adventista do Sétimo Dia no Brasil: Breve História e Análise Comparativa
do Seu Conteúdo, Série Teses Doutorais – Religião, vol. 3 (Engenheiro Coelho, SP: Imprensa Universitária Adventista, 2002).
2 E. G. White, Testemunhos Para a Igreja, vol. 3, p. 214.
3 E. G. White, A Ciência do Bom Viver, p. 143.
4 E. G. White, Parábolas de Jesus, p. 17.
5 E. G. White, Atos dos Apóstolos, p. 239.
6 E. G. White, Evangelismo, pp. 122 e 123.
7 Ver “McGavran fala sobre o crescimento da Igreja Adventista”, O Ministério Adventista (Brasil), julho-agosto de 1986, págs. 9 e 10.
8 E. G. White, Beneficência Social, p. 86. Ver também Alberto R. Timm, “O Poder da Bondade”, Revista Adventista (Brasil),
janeiro de 1981, pp. 15 e 16.
9 Subsídios adicionais sobre o exercício de algumas profissões nos tempos bíblicos podem ser encontrados em James I. Packer,
Merrill C. Tenney e William White, Vida Cotidiana nos Tempos Bíblicos (Miami, FL: Vida, 1982); Henri Daniel-Rops, A Vida Diária
nos Tempos de Jesus (São Paulo: Vida Nova, 1983); Joaquim Jeremias, Jerusalém no Tempo de Jesus (São Paulo: Paulinas,
1983); Ralph Gower, Usos e Costumes dos Tempos Bíblicos (Rio de Janeiro: CPAD, 2002).

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