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ético-política do design
Resumo
1
Estudante de Desenho Industrial da Escola Superior de Desenho Industrial (ESDI) da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (UERJ). E-mail: anaclaranaciff@gmail.com
2
Estudante de Desenho Industrial da Escola Superior de Desenho Industrial (ESDI) da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (UERJ). E-mail: m.maiademello@gmail.com
Introdução
Somos, por natureza, animais que vivem em comunidade, e dessa forma, somos
necessariamente influenciados por questões relacionadas ao bem comum, à regras que
buscam reger um convívio em sociedade, onde existem normas e punições para aqueles
que, mesmo em sua liberdade e pensamento individuais ferem de alguma maneira o bem-
estar público e coletivo.
É em um contexto social que nos vemos incluídos desde os mais remotos
tempos e é nesse contexto em que a profissão do Design está inserida. E, como qualquer
outra profissão, também estamos sujeitos a questionamentos relacionados à questões
éticas que influenciam diretamente a sociedade, principalmente na condição de atores que
estão constante e diretamente oferecendo produtos, serviços, ideias etc, muitas vezes
sobre a premissa de melhoria de vida das pessoas, seja em âmbito pessoal ou global.
Desta forma, nesse texto buscamos observar e levantar questionamentos
de modo a refletir a importância do papel do designer, bem como a ética profissional
relacionada e como ela se apresenta, ou deveria se apresentar, de modo a enriquecer e
devolver bons resultados à população.
O Design e a ética
3
Ética a Nicômaco, escrito por volta de 350a.C. (em grego: Ἠθικὰ Νικομάχεια transl. Ēthicà
Nicomácheia; em latim: Ethica Nicomachea) é a principal obra de Aristóteles sobre Ética
4
Herbert Simon. The sciences of the artificial (3rd ed.).Cambridge, Mass.: MIT Press, 1996.
soluções em situações conflitantes e eticamente comprometidas? O sociólogo Zygmunt
Bauman (1993)5 articula a natureza do dilema muito bem quando diz: O uma vez unitário
e indivisível “imediatamente” começa a se dividir em “economicamente razoável”,
“esteticamente agradável”, “moralmente adequado”. Ações podem estar certas por um
lado, erradas por outro. Qual ação deve ser medida por qual critério? E se um número de
critérios se aplicam, a qual deve ser dado a prioridade? (Bauman, 1993. p.5)
Claro que esse questionamento não está relacionado apenas com a atividade do
design em si, mas estão presentes em considerações éticas de toda atividade humana.
Tentativas sérias para apoiar a cidadania socialmente responsável de designers devem
lutar com essas questões, tanto relacionadas a atividade geral quanto as que são mais
específicas para a natureza do design. Até que ponto podemos sacrificar um projeto
eticamente para adequá-lo às exigências mercadológicas e/ou capitalistas?
Começando de maneira geral, Bauman (1993) em seu trabalho sobre ética
traz nossa atenção sobre alguns conceitos que são relevantes. O primeiro é o da
“flutuação” da responsabilidade em uma sociedade que investiu muito esforço, ao longo
da história recente, na divisão radical do trabalho. Enquanto todas as tarefas dependem do
envolvimento de diversas pessoas comprometidas para serem concluídas, se torna
impossível para qualquer indivíduo reclamar ou ser acusado de propriedade exclusiva,
autoria ou responsabilidade por qualquer ação. Nesse âmbito, as ações individuais são
insignificantes, sejam elas boas ou ruins. Bauman explica como:
“a culpa se espalha de maneira tão fina que até o mais zeloso e sincero auto-
escrutínio ou arrependimento de qualquer um dos ‘atores parciais’ vai mudar
pouco, ou quase nada, no estado final dos problemas. Para muitos de nós,
muito naturalmente, essa futilidade gera crença na ‘vaidade dos esforços
humanos’ e parece ser uma razão boa o suficiente para não nos
comprometermos nesse auto-escrutínio e acerto de contas de nenhuma forma”
(BAUMAN,1999, p.19; tradução livre)
5
Zygmunt Bauman. Postmodern Ethics. Oxford: Blackwell Publishing, 1993
ainda mais sobre isso, Bauman introduz a existência de uma outra estratégia muito
conhecida que ele denomina como estratégia do “interpretador”. Ela sugere que na
coleção de fragmentos de situações sociais em que a vida de uma pessoa é divida, ela
assume vários “papéis”, e em nenhum deles identifica como sendo seu verdadeiro, único
e insubstituível “eu”. Esse mecanismo de defesa nos permite evitar essa falta de sentido
enquanto somos capazes de evitar a responsabilidade de nossas próprias ações rejeitando-
as por terem sido tomadas enquanto atuando como um personagem:
Para os cínicos, não são burros; e de vez em quando eles certamente vêem o
nada ao qual tudo isso leva. Seu aparelho psíquico tornou-se suficientemente
elástico para incorporar como um fator de sobrevivência a dúvida permanente
sobre suas próprias atividades. Eles sabem o que estão fazendo, mas eles fazem
isso porque, a curto prazo, a força das circunstâncias e do instinto de auto
preservação estão falando a mesma língua, e eles estão lhes dizendo que tem
que ser assim. Outros fariam de qualquer maneira, talvez pior (SLOTERDIJK.
2001, p.5; tradução livre).
6
Peter Sloterdijk. Critique of cynical reason. (5th printing).Minneapolis: University of Minnesota Press,
2001.
insuportável, e como parte do nosso dia a dia, existir dentro de um estado de conflito
ético.
Através dessa reflexão inicial é possível perceber que muitos são os fatores que
desvirtuam o profissional, de exercer suas atividades de maneira completamente ética;
seja por uma sociedade que dita a obsolescência do indivíduo dentro de um
corporativismo, no qual ele pode ser facilmente substituído, ou porque nossa sociedade
capitalista está acostumada com a ideia do lucro a qualquer custo, muitas vezes indo
contra direitos humanos, como no uso de trabalho escravo e infantil ou mesmo contra
direitos ambientais e etc.
O que não se pode negar é que o abstracionismo e não definição, de forma até
mesmo jurídica, do que seria considerado “ético” ou não, tende a deixar uma linha tênue
aberta à interpretações e ações eticamente duvidosas por parte dos profissionais. Portanto,
a definição de uma ética no trabalho é muito importante para a dinâmica do mesmo.
Devido a essa subjetividade as empresas cada dia mais tem investido em
elaboração de códigos de ética, baseados em assuntos recorrentes como a sustentabilidade
ambiental, governança corporativa e responsabilidade social corporativa. Ser ético passou
então a contar como valor adicional à própria expectativa natural do agir eticamente, ou
seja, agir de forma correta e reproduzir valores éticos tornou-se uma representação de
méritos adicionas à imagem de profissionais e de empresas, que agora se submetem a
essas ações não mais por ser moralmente correto, mas devido a obrigação de seguir um
código, normas, contratos de conduta escritos. Em outras palavras, a criação dos códigos
de conduta não visam a ética como virtude e sim como aspecto econômico e jurídico.
Eles possuem perspectiva econômica pois o compromisso ético e a
responsabilidade social corporativa associaram-se à ao marketing e se tornaram pontos
fortes como propaganda sobre marcas e serviços, tanto pelo mercado quanto por
consumidores.
Já sob o ângulo jurídico, criaram-se dois tipos de código de ética: a) códigos que
possuem regras jurídicas obrigatórias, ligando as empresas adeptas a um órgão externo
independente e que estão situados dentro do conceito de autorregulação; e, b) códigos de
ética internos das empresas, cuja elaboração se baseia em declarações de conteúdo
“moral” e, portanto, distanciando-se de ser uma obrigação jurídica para a empresa, ou
então afirmações que declaram compromissos que apenas traduzem obrigações que já são
previstas em lei, como “contra o trabalho infantil”, “respeito ao trabalhador” ou “contra a
discriminação racial”, além de dispositivos que traduzem condutas comerciais
consolidadas secularmente como “respeito e satisfação do cliente”.
Além das normas éticas previstas por códigos, que são comumente relacionadas
às profissões em geral, o designer como profissional projetual, de praticamente tudo o
que nos rodeia, tem o papel de agente transformador nas atitudes e comportamentos da
sociedade como um todo. Cabe a ele estabelecer um diálogo eficaz e claro entre o
consumidor e o produto ou serviço, na expectativa de prover informações e métodos que
estimulem o interesse e sensibilidade do usuário no que tange aos problemas globais ou
sociológicos, impactando-os positivamente.
Ele pode e deve usar sua profissão, de forma ética, como ferramenta na
transformação de pessoas, hábitos e consequentemente do futuro. Afinal é ele que tem a
capacidade de tornar material uma idéia ou conceito, ao organizar o pensamento e tornar
tangível aquela invenção, criando assim o artificial baseado em nossas necessidades, afim
de suprir uma deficiência ou ausência.
Para Manzini; Vezzoli (2002)7 o design, entendido em seu significado mais
amplo, compreende o conjunto de atividades projetuais, desde o projeto territorial até o
projeto gráfico, passando pelo projeto arquitetônico e bens de consumo, é o instrumento
fundamental para a integração do sistema-produto, isto é, o conjunto integrado de
7
Ezio Manzini; Carlo Vezzoli. O desenvolvimento de produtos sustentáveis: os requisitos ambientais
dos produtos industriais. São Paulo: EDUSP, 2002.
produto, serviço e comunicação com que as empresas se apresentam ao mercado; é o que
faz nascer novas propostas, social e culturalmente apreciáveis e assim mudar a visão do
consumidor.
8
István Mészáros. Produção destrutiva e o estado capitalista. São Paulo: Ensaio, 1989.
9
Zygmunt Bauman.Vida para consumo. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
10
Serge Latouche. Pequeno tratado do decrescimento sereno. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
avançado ou desenvolvido. Logo o crescimento do capital é proporcional ao aumento da
destruição da natureza pois na atual sociedade, da obsolescência programada, tudo acaba
em lixo. Quanto mais curta for a vida dos produtos maior e mais intenso será o descarte
do mesmo.
Como já citado anteriormente o design aliado à publicidade é que são os
propulsores responsáveis por fazer com que essa dinâmica funcione. Esse padrão de
mercado baseado na obsolescência está se tornando responsável pela escassez dos
recursos naturais, na etapa da produção, e na abundância de produção de resíduos,
ocorridos no consumo e descarte. Magera (2012)11 salienta que a humanidade, que existe
no planeta há milhares de anos, conseguiu alcançar a maioria de todos os avanços
tecnológicos e informacionais apenas nos últimos duzentos anos. Mas essa sociedade do
consumo, que, em nome do progresso, aumenta o volume e a velocidade das coisas
produzidas industrialmente, eleva também o volume de lixo. Simultaneamente, os
usuários não são incentivados a se conscientizar a respeito da produção de resíduos
produzidos e o impacto que isso proporciona.
Portanto faz-se cada vez mais necessário o designer como gestor preponderante
desse processo mudar sua postura mediante aos projetos e suas divulgações, procurando
agir de forma mais consciente e ética possível perante às consequências que suas escolhas
irão causar à sociedade, visando minimizar sempre que possível o impacto ambiental
negativo. Pois a elaboração e aumento de uma cultura projetual baseada na preocupação
das questões ambientas e no estímulo a comportamentos conscientes por meio dos
consumidores pode impulsionar a mudança dos fatores – desenvolvimento e conservação
– hoje em dia contraditórios, em elementos intrínsecos e complementares.
Para denominar essa espécie de cultura projetual utiliza-se o termo ecodesign ou
eco-concepção – cuja primeira definição foi dada por Victor Papanek em seu trabalho
intitulado Design for the Real World, publicado originalmente em 1971 – sugerindo um
processo que tem por finalidade tornar a economia mais “leve” e baseia-se em criar um
produto preocupado-se em reduzir seus impactos ambientais, porém conservando sua
qualidade de utilização e até remodelando o relacionamento produto – usuário. Esse
método tem como alvo otimizar a qualidade da vida humana e considera o ecossistema do
11
Márcio Magera. Os caminhos do lixo. Campinas (SP): Átomo, 2012.
qual estamos integrados tão indispensável quanto a execução técnica, o controle de custos
e a demanda do mercado, tornando o designer um agente socialmente responsável e
consciente.
Considerações Finais
SIMON, H. A. The sciences of the artificial (3rd ed.).Cambridge, Mass.: MIT Press,
1996.