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REVISTA LITTERIS No 2 ISSN: 1982-7429 www.revistaliteris.com.

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Maio 2009

Apontamentos sobre a crítica de Nietzsche à historiografia oitocentista

Renato Nunes Bittencourt1

Resumo: O artigo analisa o posicionamento crítico de Nietzsche diante do historicismo


alemão, em especial no seu exponencial hegeliano, partidário de uma perspectiva
providencialista da História, na qual Deus estabeleceria o estado de progresso na Terra
mediante as inúmeras transformações sociais na civilização. Para Nietzsche, tal
perspectiva retira a importância da ação singular dos homens do presente, pois o
indivíduo, segundo a concepção historicista, seria um mero instrumento de um princípio
metafísico, que exerceria no mundo os seus objetivos ulteriores de aprimoramento
moral da humanidade no decorrer do tempo.
Palavras-Chave: Nietzsche; Historicismo; Progresso; Providência; Vitalidade.

Abstract: The paper ahead analyzes the critical positioning of Nietzsche of the German
historicism, in special in its exponential hegelian, partisan of a providencialist
perspective of the History, in which God would establish the state of progress in the
Earth by means of the innumerable social transformations in the civilization. For
Nietzsche, such perspective removes the importance of the singular action of the men of
the gift, therefore the individual, according to historicist conception, would be a mere
instrument of a metaphysical principle, that would exert in the world its later objectives
of moral improvement of the humanity in elapsing of the time.
Keywords: Nietzsche; Historicism; Progress; Providence; Vitality.

Introdução
Segundo a análise de Nietzsche, a corrente historicista, de forte herança idealista
e moral, seria uma das principais causas do declínio da cultura alemã oitocentista. O
historicismo se consolida principalmente a partir da filosofia da história elaborada por
Hegel, que preconiza a existência de uma racionalidade absoluta e providencial,
intrínseca ao mundo em que vivemos, conduzindo continuamente a humanidade ao
estado de progresso. Como contraponto aos princípios metafísicos e universalistas dessa
visão de mundo, Nietzsche redige a “Segunda Consideração Intempestiva”, ensaio que
versa acerca da importância e prejuízo do uso do conhecimento histórico para a vida, e
de que modo tal conhecimento, em decorrência da influência intelectual do idealismo
alemão, está recheado de conotações metafísicas que retiram da ação concreta humana o
seu ímpeto criativo. Vejamos então como se desenvolve esta questão polêmica.

1
Doutorando em Filosofia do PPGF-UFRJ/Bolsista do CNPq - Rio de Janeiro-RJ, Brasil.
E-mail: renunbitt@yahoo.com.br. http://lattes.cnpq.br/5173102478506111

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O problema do historicismo na cultura oitocentista


Nietzsche ressalta que a cultura oitocentista valorizava desmedidamente o
sentido histórico, sofrendo de uma espécie de hipertrofia dessa disposição
epistemológica (2003, p. 6). A intelectualidade moderna, sectária da visão de mundo
historicista, pretendia enquadrar qualquer tipo de empreendimento humano numa esfera
delimitadora, em que o conjunto das ações humanas decorreria de uma postulada rede
inextricável de eventos, cujas causas somente seriam passíveis de ser compreendidas
satisfatoriamente pelo historiador, considerado, nessa perspectiva, como o intérprete por
excelência da ação humana, um verdadeiro arúspice da sociedade civilizada. Nessas
condições, a consciência histórica de mundo, destituída de qualquer senso crítico,
poderia minar as forças produtivas e criativas do homem, uma vez que a disposição
historicista decorria do anseio moderno de se conquistar a permanência simbólica da
vida, mediante o ímpeto de se registrar o conjunto de informações referentes ao legado
cultural de um povo. Nietzsche salienta que

Certamente precisamos da história, mas não como o passeante mimado no


jardim do saber, por mais que este olhe certamente com desprezo para as
nossas carências e penúrias rudes e sem graça. Isto significa: precisamos dela
para a vida e para a ação, não para o abandono confortável da vida ou da ação
ou mesmo para o embelezamento da vida egoísta e da ação covarde e ruim.
Somente na medida em que a História serve à vida queremos servi-la
(NIETZSCHE, 2003, p. 5).

Para Nietzsche, a investigação histórica que se desenvolvia no Oitocentismo se


caracterizara por perder a sua função de estimular a ação humana, conforme era uso
comum nas portentosas narrativas da Antigüidade. Com efeito, enquanto um historiador
do quilate de Tucídides desenvolvera um estilo magistral na descrição dos
acontecimentos da Guerra do Peloponeso, privilegiando o caráter extraordinário das
ações heróicas como modelo de conduta dos atenienses (como atesta a compilação da
Oração Fúnebre enunciada por Péricles), a sociedade moderna, por sua vez, não
conseguia fazer uso saudável da disposição histórica, fragilizando-se pelo peso moral do
conhecimento do passado.
Nietzsche destaca três usos historiográficos, o “monumental”, o “antiquário” e o
“crítico”; com efeito, nessas três perspectivas historiográficas justamente a ação e a

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criação seriam o substrato do conhecimento histórico, quando realizadas de modo


conveniente ao ímpeto criativo de uma cultura. A história é pertinente ao homem em
três aspectos: ela é pertinente conforme ele age e aspira, preserva e venera, sofre e
carece de libertação (NIETZSCHE, 2003, p. 17-18). Todavia, o filósofo salienta que
essas perspectivas podem também ser prejudiciais para a vida, conforme citado abaixo:
O uso inadequado da historiografia monumental ocorre ao se privilegiar
demasiadamente os caracteres grandiosos e espetaculares de um dado evento ou da vida
de um grande homem, tendência que oprimiria moralmente o indivíduo comum que se
detivesse diante do estudo desse feito notável, pois ele se consideraria indigno de ter
herdado esse passado extraordinário (NIETZSCHE, 2003, p. 22-23). De fato, é
importante que o homem do presente se baseie em um modelo de nobreza humana do
passado, mas sem que ocorra o distanciamento humilhante perante os valorosos
precedentes.
Na concepção antiquária, por sua vez, o historiador inepto enalteceria
demasiadamente os valores tradicionais de sua cultura, em detrimento do
reconhecimento da importância das demais sociedades, instigando a formação do
provincianismo, sentimento que preconiza a conservação incondicional dos valores
pátrios em relação ao estrangeiro, mantendo-se numa visão valorativa tendenciosamente
estreita (NIETZSCHE, 2003, p.24). É importante salientar que, no uso adequado da
historiografia antiquária, proporcionar-se-ia àquele que investiga a importância dos
valores populares, das tradições, das festas, o sentimento de respeito e amor pela sua
terra, de modo que o indivíduo aprendesse a respeitar os elementos de sua cultura, sem
que, no entanto, se destilasse um odioso sentimento de xenofobia para com o “outro”.
No que refere ao uso inadequado da leitura crítica da historiografia, tendência
que se desenvolve especialmente na era moderna, motiva-se a perda de qualquer sentido
norteador da ação do presente, pois tudo aquilo que pertence ao âmbito do passado é
desprestigiado mediante a dissecação das lendas e tradições em torno de um grande
acontecimento ou grande personalidade. A historiografia crítica, exacerbada,
desequilibra o nível de mitificação existente em um grande nome, posto que, enquanto o
seu uso sóbrio humaniza o grande herói, demonstrando as suas limitações, a sua
radicalização, por outro lado, retira as nobres aspirações existentes na conduta desse
homem, considerando que este empreendeu suas ações através da conjunção de fatores

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externos que independiam da singularidade especial deste grande tipo humano; retira
assim, de qualquer grande evento ou personalidade a sua adequada aura de
grandiosidade, caracterizando tudo aquilo que é considerado extraordinário como mito
ou ilusões perpetuadas pela tradição ao longo dos séculos. A história crítica julga e
condena (NIETZSCHE, 2003, p. 25). Outro problema do uso inadequado da
historiografia crítica consiste na interpretação dos fatos do passado através do enfoque
valorativo do presente, pois o investigador, ao invés de buscar a compreensão daquilo
que aconteceu analisando e interpretando as peculiaridades desse evento de acordo com
a visão de mundo de sua época, privilegia uma leitura anacrônica de um dado objeto de
investigação.
Após as explanações precedentes, podemos dizer que, conforme a compreensão
nietzschiana, os três citados gêneros historiográficos existentes só encontram
plenamente o que lhes cabe em um único solo e sob um único clima: em qualquer outra
condição a história se transforma em uma excrescência desertificadora, gerando o
crítico sem necessidade, o antiquário sem piedade e o conhecedor do grande sem o
poder do grande, tal como salienta Nietzsche (2003, p. 24-25). Nessas condições, de
acordo com as metas, forças e necessidades, todo homem e todo povo precisa do
conhecimento do passado, não como um grupo de puros pensadores que apenas
contemplam a vida, não como indivíduos ávidos de saber, que só se satisfazem com o
saber e para os quais a ampliação do conhecimento é a própria meta, mas sempre apenas
para os fins da vida, e, portanto, sob o domínio e condição suprema desses fins (2003, p.
31-32).
Nietzsche considera que a cultura do Oitocentismo europeu sofria de uma
“ardente febre histórica” e ao menos deveria reconhecer sofrer dela (2003, p. 6). Essa
moléstia cultural se caracterizava por gerar uma crise de valores no âmago das forças
engendradoras da moderna sociedade européia, fazendo com que ela perdesse o seu
poder criador direcionado aos inúmeros meios de expressão da vida cultural. Essa
situação, segundo a concepção de Nietzsche, decorreria da estagnação e passividade da
própria sociedade européia oitocentista situação que, conforme citado, decorria da
legitimação de qualquer evento como resultado de um emaranhado processo histórico
empreendido pelas forças civilizatórias. Essa sociedade, incapaz de compreender o que

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efetivamente acontecia na dinâmica do seu presente, manifestava, segundo Nietzsche,


os sinais da exaustão de sua vitalidade:

Mas ela está doente, esta vida desagrilhoada, está doente e precisa ser curada.
Ela está enferma de muitos males e não sofre apenas da lembrança de seus
grilhões – ela sofre, o que nos diz respeito especialmente, da doença histórica.
O excesso de história afetou a sua força plástica, ela não sabe mais se servir do
passado como um alimento poderoso (NIETZSCHE, 2003, 94-95).

Podemos dizer que o problema do abuso do conhecimento histórico na sociedade


oitocentista decorria do desejo de conservação da vida, objetivo este que, de certa
maneira, era concretizado. Contudo, através dessa ação, o homem apenas cristalizava o
poder vital das forças produtivas da sua sociedade, bloqueando a expansão dessa
capacidade produtiva. Ao invés de engendrar vida e potência, o conhecimento histórico
apenas mitigava as forças humanas, em prol da aquisição de um tipo de conhecimento
estéril, incapaz de estimular a prática da ação genuína. O sentido histórico, quando vige
sem travas e retira todas as suas conseqüências, desenraíza o futuro, pois destrói as
ilusões e exclui a atmosfera das coisas existentes, a única na qual podiam viver
(NIETZSCHE, 2003, p. 58).
Prosseguindo nas suas objeções ao estatuto adquirido pela moderna
historiografia européia, Nietzsche, em virtude de seu projeto de desenvolver uma
reflexão vinculada ao processo de expansão da vitalidade criadora, critica severamente a
idéia de uma “História Universal”, considerada como resultado por excelência da ação
duma ordem teleológica. Essa perspectiva preconiza a instauração de um extraordinário
estado de perfeição absoluta, capitaneada pelo espírito do progresso, que aprimoraria as
sucessivas civilizações humanas no decorrer do tempo, em nome da instauração do
estatuto divino, situado, no entanto, numa esfera transcendente ao mundo em que
vivemos. O expoente intelectual por excelência de tal visão de mundo é Hegel, que
explica de que modo compreende a “História Universal” por um viés metafísico:

De modo geral, há muito que as mudanças que ocorrem na História são


caracterizadas igualmente como um progresso para o melhor, o mais perfeito
(...) A História Universal representa, pois, a marcha gradual do princípio cujo
conteúdo é a idéia de liberdade. (...) A História Universal representa a evolução
da consciência do espírito no tocante à sua liberdade e à realização efetiva de
tal consciência (HEGEL, 1999, p. 63; p. 70)

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Conforme a perspectiva de Nietzsche, podemos considerar que a legitimação


dessa idéia transformaria o movimento histórico na causa eficiente de um processo cego
que motivaria a estagnação das forças produtivas da cultura, em prol da fixação e
legitimação de um falso momento atual, o qual, na verdade, decorreria de uma
incontestável herança axiológica do passado. Esses homens históricos acreditam que o
sentido da existencia se iluminará no decorrer de um processo, e olham para trás a fim
de, em meio à consideração dessa marcha histórica, compreender o presente e aprender
a desejar o futuro impiedosamente (NIETZSCHE, 2003, p 15). Na acepção
nietzschiana, a noção de progresso é prejudicial para a pelo fato de retirar o centro de
gravidade da vida presente em favor da idealização de um porvir ilusório. Um dos
problemas marcantes desta tendência consistiria no ato do indivíduo desenvolver uma
compreensão da vida no seu presente como meio para a concretização altruísta de uma
finalidade ulterior, em nome da afirmação da noção de um futuro (devemos ressaltar,
idealizado) a ser alcançado pela linha contínua do progresso, que preconiza o constante
aperfeiçoamento da sociedade humana rumo ao infinito. Todavia, quando essa referida
sociedade vindoura se efetivasse, ela também deveria fazer parte desse processo de
contínua transição, por estar incluída nessa rotatividade contínua.
Essa situação ocasionaria, portanto, não a concretização do estado de progresso,
mas somente a anarquia e a derrocada das forças plásticas de criação, posto que
destinadas exclusivamente para a legitimação de uma ilusão metafísica depositada no
ideal do futuro. A concepção oitocentista de progresso expressa conotações morais, pois
preconiza o estado humano de constante aperfeiçoamento, a ser conquistado no
desenvolvimento histórico da sociedade. A partir desse posicionamento axiológico da
moderna perspectiva progressista, o cerne da grande indagação nietzschiana consiste no
seguinte: será que de fato a cultura moderna (a despeito de todo o seu evidente avanço
técnico e industrial), encontrou efetivamente um autentico estado de bem-estar social,
que favoreça de fato o desenvolvimento saudável das suas condições de vida? A
resposta de Nietzsche n’ O Anticristo é categoricamente negativa, pois, conforme a sua
argumentação,

Ao contrário do que se crê hoje, a humanidade não representa uma evolução


para algo de melhor, de mais forte ou mais elevado. O “progresso” é
simplesmente uma idéia moderna, isto é, uma idéia falsa. O europeu de hoje

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vale bem menos do que o europeu do Renascimento: desenvolvimento


contínuo não é forçosamente elevar-se, aperfeiçoar-se, fortalecer-se
(NIETZSCHE, 2001a, p. 17).

É importante destacarmos uma questão de grande relevância, mediante a


apresentação da citação anterior: apesar da distância cronológica entre a redação da
Segunda Consideração Intempestiva e O Anticristo, há um mesmo problema se
apresenta vigorosamente na filosofia nietzschiana, que é a necessidade de se colocar em
questão as bases valorativas da ideologia moderna do progresso, denunciando a sua
fragilidade conceitual e de que maneira ela se sustenta através de um viés metafísico
que não se associa afirmativamente a um modo imanente de compreensão da realidade.
Nietzsche, ao se contrapor ao historicismo idealista, pretende demolir os alicerces da
perspectiva metafísica presente na crença hegeliana de que o conteúdo da História do
mundo, manifestada pelo processo concreto da ação humana, seria constituído de um
caráter absolutamente racional. Contudo, a existencia dessa racionalidade no
movimento histórico seria garantida pela presença da inteligência divina como suprema
regente desse processo teleológico, manifestando dessa maneira a idéia de que própria
Providência Divina seria, por detrás de todos os fenômenos aparentes, a grande
governadora do mundo humano. O Plano Divino, manifestado na ordem civilizatória da
sociedade humana, garante a instituição da plena racionalidade da História e de seu
vigoroso processo de constituição e desenvolvimento. Conforme as elucidativas
palavras de Hegel,

A consciência chegou até aqui, e esse é o principal momento da forma na qual


o princípio da liberdade se concretizou, pois a História Universal nada mais é
que o desenvolvimento do conceito de liberdade (...). A Filosofia diz respeito
ao esplendor da idéia que se reflete na História Universal. Na realidade, ela tem
que se abster dos movimentos tediosos das paixões. Seu interesse é conhecer o
processo de desenvolvimento da verdadeira idéia, ou seja, a idéia da liberdade
que é somente a consciência da liberdade. A História Universal é o processo
desse desenvolvimento e do devenir real do espírito no palco mutável de seus
acontecimentos – eis aí a verdadeira teodicéia, a justificação de Deus na
História. Só a percepção disso pode reconciliar a História Universal com a
realidade: a certeza de que aquilo que aconteceu, e que acontece todos os dias,
não apenas não se faz sem Deus, mas é necessariamente a Sua obra. (HEGEL,
1999, p.373).

Podemos considerar que, nessa perspectiva, as determinações metafísicas do


plano divino dirigidas para o âmbito do mundo concreto concederiam a este a sua

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racionalidade, garantindo a consolidação dos desígnios divinos na Terra. Para Hegel, a


história é, de acordo com o conceito da sua liberdade, o desenvolvimento necessário dos
momentos da razão, da consciência de si e da liberdade do espírito, a introdução e a
realização do espírito universal (HEGEL, 2003, p. 307). Conforme a interpretação
hegeliana, a história nos mostra uma série de civilizações e de Estados que aparecem
sucessivamente no primeiro plano da cena histórica, atingindo o seu apogeu e
declinando para não mais reaparecerem. O sucesso de um Estado, a sua proeminência e
passagem é o sucesso de um principio espiritual que exprime o mais elevado grau
atingido nesse momento pelo espírito divino que penetra o mundo, pois a história
civilizacional é uma teodicéia que se realiza através do Estado. Conforme argumenta
Jean Hypollite, compreender o espírito de um povo, o seu destino, não consiste em
justapor singularidades históricas, mas em penetrar o seu sentido; o destino não é uma
força brutal, é interioridade que se manifesta na exterioridade, revelação da vocação do
indivíduo (HYPOLLITE, 1995, p. 48). Como elucidação dessa questão nevrálgica do
idealismo historicista, há que se lembrar a tese acerca da relação lógico-ontológica de
identidade que haveria na concepção hegeliana, entre o espírito da razão e a realidade,
conforme a célebre sentença: “o que é racional é real e o que é real é racional (HEGEL,
2003, p.XXXVI). Para Nietzsche, essa fabulosa proposta capitaneada pela filosofia
hegeliana seria certamente um dos mais graves disparates axiológicos elaborados pelo
pensamento metafísico que se vincula intrinsecamente ao idealismo do historicismo
alemão:

Acredito que não houve nenhuma oscilação perigosa ou mudança da cultura


alemã neste século que, por meio da monstruosa, e até o presente instante
ininterrupta, influência desta filosofia, a filosofia hegeliana, não tenha se
tornado bem mais perigosa. Na verdade, paralisante e desanimadora é a crença
em ser um filho tardio de sua época. Uma tal crença, porém, parece aterradora
e dizimadora, se um dia idolatra com uma franca exaltação este filho tardio
como a meta e o sentido verdadeiro de todos os acontecimentos anteriores,
quando a sua miséria sapiente é equiparada a um acabamento perfeito da
história do mundo. Uma tal forma de consideração acostumou os alemães a
falar em “processo do mundo” e a justificar a sua própria época como o
resultado necessário deste processo; uma tal forma de consideração colocou a
história – na medida em que ela é “o conceito que realiza a si mesmo”, “a
dialética do espírito dos povos” e o “tribunal do mundo” – no lugar dos outros
poderes espirituais, a arte e a religião, como a única força soberana. Chamou-
se, com escárnio, esta história compreendida hegelianamente o caminhar de
Deus sobre a terra; mas um Deus criado por sua vez através da história.
Todavia este Deus se tornou transparente e compreensível para si mesmo no
interior da caixa craniana de Hegel e galgou todos os degraus dialeticamente

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possíveis de seu vir a ser até a sua auto-revelação: de modo que, para Hegel, o
ponto culminante e o ponto final do processo do mundo se confundiriam com a
sua própria existência berlinense (NIETZSCHE, 2003, p. 72-73.)

A perspectiva hegeliana considera que, quando o homem alcançasse a plenitude


da consciência da abstração divina no processo histórico, ele tornar-se-ia plenamente
capaz de compreender a potência divina de forma imediata, pois a sua consciência
atingiria, após um longo e contínuo processo de superação e transformação de sua
compreensão vital, o estado de ser absoluto. A história da humanidade, portanto,
decorreria da manifestação do espírito de progresso na Terra. Essa interpretação
metafísica da História, na compreensão nietzschiana, era demasiadamente impertinente,
pois retirava da ação efetivada do mundo concreto o seu significado autêntico,
transferida para o mundo abstrato. Contestando essa visão de mundo, Nietzsche
pretende ressaltar a tese de que consciência histórica deveria estar comprometida
incondicionalmente com a vida e com a possibilidade de ampliação da mesma, de
maneira que uma concepção metafísica, sendo caracteristicamente dicotômica, tende a
excluir do plano concreto, da imanência, a sua genuína importância, transferida para a
pura idealidade. Há que se ressaltar que a associação do espírito providencial ao
processo histórico é tema recorrente na obra de Nietzsche, conforme podemos constatar
mediante leitura de A Gaia Ciência, § 357 (2001b, p. 256), e na Genealogia da Moral,
III, § 27 (1999, p. 147), aforismos nos quais Nietzsche faz uma grande crítica ao
discurso teleológico de interpretação da História para a glória de uma razão divina,
como permanente testemunho de uma conduta moral de mundo e de intenções morais
últimas, o que nada mais é do que a compreensão teológica do processo histórico.
Para Nietzsche, a supervalorização do sentido histórico na vida cotidiana da
sociedade oitocentista poderia prejudicar a desenvoltura e flexibilidade de ações
imprescindíveis para a ampliação da saúde das forças produtivas e criativas de uma
cultura. Nietzsche desperta a atenção para o perigo que decorreria dos efeitos da
possível legitimação da proposta, em voga entre os intelectuais da época, de se tornar o
campo epistêmico da História similar ao que era utilizado por outras ciências
específicas, como as empíricas, que tratam da análise rigorosa de objetos e fenômenos
da natureza, ou ainda as ditas ciências puras, que lidam com abstrações formais sem
qualquer vínculo efetivo com a dinâmica da vida imanente. Nietzsche considera que,

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Pensada como ciência pura e tornada soberana, a História seria uma espécie de
conclusão da vida e balanço final para a humanidade. A cultura histórica só é
efetivamente algo salutar e frutífero para o futuro em conseqüência de uma
nova e poderosa salutar corrente de vida, do vir a ser de uma nova cultura, por
exemplo; portanto, só se ela é dominada e conduzida por uma força mais
elevada e não quando ela domina e conduz. A História, uma vez que se
encontra a serviço da vida, se encontra a serviço de um poder a-histórico, e por
isto jamais, nesta hierarquia, poderá e deverá se tornar uma ciência pura, mais
ou menos como o é a Matemática (NIETZSCHE, 2003, p. 17).

Nietzsche, conforme se constata, coloca em xeque a pretensão existente entre os


eruditos da época moderna de transformarem a atividade historiográfica numa área de
conhecimento e de investigação destacada das demais ciências humanas e da própria
Filosofia, projeto epistemológico que se revelava como um grande absurdo intelectual,
pois ocasionaria o vertiginoso declínio vital da cultura européia da efusiva era
oitocentista. Nessas circunstâncias, os eruditos historiadores desse período de radicais
transformações axiológicas e sociais estariam transformando os seus objetos de pesquisa
– o processo de intervenção humana na natureza e a formação das estruturas sociais, que
se caracterizam pela contingência e pela contínua mobilidade dos seus caracteres – em
fatos rígidos, inquestionáveis, desconsiderando a possibilidade da obra do acaso na
constituição dos eventos humanos, assim como da afirmação da singularidade dos
grandes feitos individuais, que não pode ser mensurada ou prevista por aparatos
técnicos de investigação.
Após explanar sobre os malefícios ocasionados pelo excesso da visão historicista
de mundo no âmago da sociedade européia oitocentista, sobre essa corrosiva “doença
histórica” que prejudicava consideravelmente o desenvolvimento adequado da atividade
singular do homem, Nietzsche procura alcançar soluções para esse problema nevrálgico
da cultura moderna, soluços vigorosas que conciliem a erudição da pesquisa histórica
com o desenvolvimento das forças criativas e produtivas da sociedade oitocentista
(2003, p. 94). Nessas condições, sendo uma espécie de “filósofo-médico” avaliador dos
valores e dos sintomas da decadência vital da cultura européia, Nietzsche considera que

O antídoto contra o histórico chama-se o a-histórico e o supra-histórico (...).


Com a palavra “a-histórico” denomino a arte e a força de poder esquecer e o
em um horizonte limitado; com a palavra “supra-histórico”, denomino os
poderes que desviam o olhar do vir a ser e o dirigem ao que dá à existência o
caráter do eterno e do estável em sua significação, para a arte e a religião.
(NIETZSCHE, 2003, p. 95).

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Conforme se constata mediante a explanação acima, Nietzsche salienta que


somente podemos considerar o pensamento histórico como dotado de importância para
a vida quando dele utilizamos como estímulo para a ação humana, o movimento das
forças produtivas da sociedade. Podemos considerar que o vínculo entre o conhecimento
histórico e o estímulo para a atividade ocorreria de maneira explícita no caso da
memória popular, que perpetua os feitos das grandes personalidades do passado como
possibilidade de que outros homens venham a se basear no modelo destas grandes
figuras no empreendimento de novas ações. Contudo, o grande problema ocorre
justamente quando o conhecimento histórico é utilizado como um mero recurso que visa
o retorno radical ao passado, sem que exista, naquele que se apropria desse
conhecimento histórico, o anseio de se desenvolver novas obras, novos feitos. Isso torna
o homem uma figura nostálgica que abdica de viver plenamente o seu momento
presente em prol da contemplação do brilhante e longínquo passado. A atividade
principal do homem, nesse curioso caso, se resumiria apenas ao ato de lembrar o fato
passado que foi sucedido pelo tempo presente. Nessas condições, a cultura se torna um
depósito de vivências mórbidas que paralisam as forças produtivas, a ação e a
singularidade do indivíduo criativo. Portanto, o estatuto da História em Nietzsche
consiste no ato de servir como recurso estimulante para a ação, e não um mero estudo
erudito do passado que visa apenas adquirir um acúmulo de informações sobre o
processo de constituição da sociedade, sem que exista um sentimento de ampliação da
potência vital.
Inclusive, devemos ressaltar que o protótipo de um educador alemão da cultura
oitocentista, imbuído da “mórbida” tendência eruditista, era adepto também da
exacerbação do sentido histórico na sua compreensão de mundo, tendência que, de
acordo com Nietzsche, manifestava resultados prejudiciais ao desenvolvimento
educacional dos jovens, coagidos academicamente a elaborarem seus respectivos
modelos de pensamento imersos nesse sufocante processo que castrava a criatividade
individual mediante o acúmulo irrefletido de informações (HL/Co. Ext. II, § 10). Rosa
Maria Dias, ao analisar essa questão essencial para a compreensão das críticas de
Nietzsche ao modelo educacional em vigor na Alemanha, realiza um importante
comentário acerca do vínculo entre o historicismo e o eruditismo no cerne da ordem
cultural contemporânea ao pensador alemão, considerando que,

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Segundo Nietzsche, a educação que os jovens alemães recebem nas instituições


de ensino funda-se numa concepção de cultura histórica que, ao privilegiar os
acontecimentos e as personagens do passado, retira do presente sua efetividade
e desenraíza o futuro. Uma história, um pensamento que não servem para
engendrar vida e impor um novo sentido às coisas só podem ser úteis àqueles
que querem manter a ordem estabelecida e o marasmo da vida cotidiana.
(DIAS, 2003, p.60).

O eruditismo, por apenas valorizar a quantidade dos conteúdos textuais, não a


sua qualidade efetiva e o estímulo para a formação da criatividade e do senso crítico no
ato de estudo dos textos, serve de instrumento para as estruturas sociais interessadas na
legitimação da ordem instituída e no nivelamento medíocre dos homens. A educação
eruditista não se propunha a cultivar as aptidões singulares do indivíduo, mas tão
somente a amestrar nos seus parâmetros normativos as potencialidades e anseios
pessoais do estudante. O modelo pedagógico oitocentista não se preocupava em formar
indivíduos singulares e potenciais homens criativos, mas apenas transmitir informações
a um rebanho discente. Para Nietzsche, a meta desse sistema “educacional” não é de
maneira alguma cultivar o homem culto livre, mas o erudito, o homem de ciência, o
mais rapidamente útil, que se separa da vida a fim de reconhecê-la clara e distintamente
(2003, p. 91). O conhecimento desvinculado da vida é estéril, pois motiva apenas o
declínio existencial do homem e dos seus instintos criadores, originando a figura
denominada por Nietzsche de “homem teórico” aquele que dissocia a vida do
conhecimento, instâncias que se tornam, nessa perspectiva, plenamente antagônicos.
Conforme pondera Nietzsche,

Será então que a vida deve dominar o conhecimento, a ciência, ou será que o
conhecimento deve dominar a vida? Qual destes dois poderes é o mais elevado
e decisivo? Ninguém duvidará: a vida é a mais elevada, o poder dominante,
pois um conhecer que aniquila a vida aniquilaria ao mesmo tempo a si mesmo.
O conhecer pressupõe a vida: ele tem, portanto, o mesmo interesse na
conservação da vida que todo e qualquer ser tem na continuação de sua própria
existência. (2003, p. 96).

Todavia, mediante o projeto moralizante de racionalização exacerbada da vida, é


o conhecimento teórico que se sobrepõe ao fluxo da existência. O “homem teórico”
surge a partir da filosofia socrática, caracterizando-se como um pesquisador que separa
violentamente o conhecimento abstrato da vida concreta, postulando a aquisição de um

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grau de saber desinteressado e objetivo (NIETZSCHE, 1993, p. 92-93). Essa tipologia


axiológica se encaixa perfeitamente na disposição eruditista que se dedica ao estudo
indiscriminado da História, conforme expusemos ao longo deste texto. Afinal, de acordo
com a perspectiva nietzschiana, ambos teriam perdido o vínculo adequado com a ação e
a criatividade, em prol da mera contemplação fria do saber, desprovido de um propósito
imanente que favoreça o acréscimo de forças vitais. O historicismo oitocentista,
portanto, seria uma das mais recentes manifestações da civilização teórica severamente
contestada por Nietzsche no decorrer das suas obras, pois tal disposição axiológica se
demonstra incapaz de desenvolver um modo de viver pleno, que utilize o conhecimento
em prol do aumento das forças criativas e do acréscimo de vida, preferindo apenas a
obtenção do saber como possibilidade de fuga do mundo, e não como um meio de
afirmação do mesmo através da ação criativa dos indivíduos singulares e das sociedades
imbuídas de um projeto cultural efetivamente renovador dos valores tradicionais em
vigor.

Considerações Finais
Podemos dizer que as críticas de Nietzsche ao historicismo oitocentista fazem
parte de um longo processo de contestação empreendido pelo pensador contra toda uma
tradição filosófica pautada na supressão do sentido imanente da existência em prol da
legitimação de um parâmetro essencialmente transcendente. Na sua concepção, o
historicismo oitocentista, grande devedor da interpretação metafísica da História
desenvolvida por Hegel, manifesta uma desvalorização da importância efetiva da ação
humana desenvolvida no plano concreto, uma vez que o fundamento do real estaria
situado na esfera do Absoluto, o puro abstrato. A idéia de progresso, alardeada nessa
perspectiva como o motor da ação humana, também recolheria a sua importância
autêntica da dimensão abstrata, doadora do sentido do mundo histórico no qual se
encontra o homem, governado, na verdade, pelo estatuto divino. O estado de progresso,
sendo considerado como a marcha da humanidade rumo ao aprimoramento infinito, não
poderia ser alcançado pelo homem na própria imanência, de modo que o mundo
concreto seria apenas um passaporte para o estado de perfeição absoluta, alcançável
somente na esfera supra-sensível. Esta compreensão idealista, de acordo com a
perspectiva nietzschiana, retiraria a importância axiológica do mundo concreto,

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submetido aos critérios metafísicos de uma dimensão abstrata de cunho providencial.


Desse modo, a História serviria apenas como um recurso de desvalorização moral da
existência, pois o resultado de suas investigações epistemológicas conduziria
inevitavelmente a consciência humana para fora dos limites do mundo da vida,
marcado, efetivamente, pela ausência de qualquer determinação teleológica.
Entretanto, Nietzsche, ao pretender demolir os alicerces da visão metafísica de
mundo, demonstra a possibilidade de se desenvolver uma compreensão histórica de
mundo sem que porventura tenha que se apelar para a esfera da transcendência. Os
historiadores dotados de uma visão teleológica não se preocupavam efetivamente com
essa problemática, de modo que, nas suas obras, a metafísica e a interpretação histórica
caminham lado a lado. Contra esse tipo de perspectiva, Nietzsche afirma a potência
inefável da vida, a qual, muitas vezes, se manifesta de forma a-histórica, independente
do sentido normativo que o homem visa impor sobre as coisas, pois a compreensão
histórica de mundo da sociedade oitocentista pretendia submeter o movimento das
forças vitais da cultura tanto aos parâmetros metafísicos e morais de avaliação como
também ao projeto positivista de análise rígida dos fatos, negando-se assim a
singularidade da condição individual no ato de valorar. Para Nietzsche, o conhecimento
histórico, portanto, deve ser utilizado especialmente em favor da ampliação das forças
vitais dos homens criativos e da sociedade como um todo, pois, desse modo, a sua nobre
finalidade seria efetivamente conquistada. Nessas circunstâncias, torna-se nítido que
Nietzsche valoriza a importância do conhecimento histórico e do seu método de
investigação da realidade, desde que visões de mundo calcadas em conotações
metafísicas, sejam religiosas ou supostamente ateístas, não se infiltrem na dinâmica
desse processo axiológico e epistemológico.

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