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AS RELAGOES ENTRE RETORNO. E GLORIA NA ODISSEIA ADRIANE DA SILVA DUARTE* Faculdade de Filosofia, Letras e Cigncias Humanas Universidade de Séo Paulo RESUMO: Discute-se nesse artigo « nova configuragdo que o conceito de kléos, gloria, assume na Odisséia, tendo em visa a trajeéria de seu heréi. Lire da morte no campo troiano, Odlsseu tem no n6stos, retomo 2 casa, a confirmacdo de seu valor herbico. Ao faaé-lo, pde em xeque alguns paradigmas bem estabelecidos na Tada. PALAVRAS-CHAVE: poesia épica grep Ifada, Oust; kos, néstos. “Pensava que fosse imortal quem néo teme a morte”. © primeizo canto da Odistia introdus a figura do aedo, Femi, que entre- tém os pretendentes no palicio de Odisseu com uma canglo sobre 0 regress {ndstos) dos Aqueus que lutaram em Tia (I, 326-327). Esa pastagem é instigan- tenfis6 porrevelara consciéncia do papel crucial ds cantores como preservadores dos grandes fitos herdicos nesse poema como por remeter a0 plano da narrativa exposto no proémio, ou seja, narrar a volta de Odisseu a ftaca, tornando-o tema digno de uma epopéia (1, 01-05, tradugéo de Carlos Alberto Nunes): Musa, reconta-me os feitos do heréi astucioso que muito // peregri- nou, dés que esfez as muralhas sagradas de Tria / [..] // para que a vida salvasse e de seus companheiros a volta (V60tOV), Que a narrativa do néstos seja tema natural da epopéia, néo esté livre de discusséo, como mostra a reagio de Penélope ao canta de Fémio. Ao escuté-lo, ela desce de seus aposentos ¢ solicita que interrompa seu canto substituindo-o por SILVA DUARTE, Adriane da As relages entre etomno glia na Ost, “cangbes diferentes, que os homens encantamy gestas de hersis ¢ de deuses, que vates gloriosos propagam” (I, 337-338). E preciso entSo que Telémaco intervenha para assegurar ao aedo o direito de cantar segundo the inspiram os deuses, obser- vando gue parte do prazer do canto advém da sua novidade (I, 350-352, veut). © reperssrio que Penélope juga adequado aos “vatesgloriosos” eoincide com o de Deméddoco, o aedo da corte feécia. Durante o banquete em honra de Odisseu, cuja identidade estava ainda encoberta, Demdaco fiz t8s apresenta- Bes em que canta a disputa entre Aquiles e Odisseu (VIII, 72-82), os amores de Aes ¢ Afrodite (VIll, 266s.) 0 episédio do cavalo de pau associado ao saque de Tesia (VIN, 499-520) Na sua primeira atuacio, € dito que a Musa o incita “a cantar as agbes sloriosas de her6is"(VIIL, 73, be1Beyon KAEa. ewbpGv), cuja gloria (74, xALOC) alcangou até o céu. E esse o tema da Iliada que, curiosamente, também comega com a narrativa de uma disputa, 36 que entre Aquiles © Agamenio (Il 1, 5-7) Na Iliada, a0 contrério do que acorre na Odiséia, onde « nogio de Kgs se ‘ornou banalizada’, esta € estreita, estando ligada fundamentalmente aos feitos guerreitos, No seu grau mésimo, eté assoviada 8 moute no campo de batalla, & flor da juventude, como bem formulou Jean-Pierre Vernant (1978: 40) no seu cléssico artigo sobre a bela morte: (O feito heréico enraiza-se na vontade de escupar ao envelhecimen- toe A motte, por inevitiveis que sejam, de a ambos ultrapassar. Ul- trapassa-se a morte acolhendo-a em ver de a softes, tornando-a posta constante de uma vida que toma assim valor exemplar e que (os homens celebrario como modelo de gléria imorredoura. Dessa perspectiva iliddica, ndstos ¢ kléos so excludentes, 0 que fica claro na escolha que Aquiles tem diante de si (IL, IX, 410-416, tradugio de Carlos Allberto Nunes): tis, a deusa dos pés argentinos, de quem fui nascido,//j me falou sobre o diplice Fado que a Morte ha de dar-me: se continuar a lutar a0 redor da cidade de Troi, // nfo mais voltarei a patria (ndsts), mas aléria (déos) hei de ter sempitern; // se para casa volta, para o grato torrdo de nascenga // da fama excelsa hei de ver-me privado, mas vida mui longa /conseguite, sem que 0 termo da Morte mui cedo me aleance. -90- LETRAS CLASSICAS,n. 5, p. 89-97, 2001 Embora concorde com a ressalva de Assungio (1994/1995: 55) de que a loria incide fundamentalmente sobre o que mata e nao sobre o que é morto e que, portanto, nfo € a “pronta morte” que conferiré renome perene a0 guerteiro, mas 0s feitos herSicos levados a cabo por ele em vida, gostaria de destacar a configuragéo particular que essa equagdo assume no caso de Aquiles, que de antemio sabe o que Ihe aguarda, Nesse sentido, o her6i abraga a morte e essa ope néo traz conseqiién- cias unicamente para ele. Como Aquiles é designado pelo poeta como o melhor dos aqueus na Iliada (Hl, 761-762), € natural que todos os demais se megam pot ele adotando seus valores. Mas 0 fato € que, por mais que Oulsseu tenha se destacado no cerca Tréia e nele arriscado sua vida', o her6i sobrevive & guerra e empreende a viagem de volta para casa para tornar-se o melhor dos aqueus na Oulsséia. A ques- ‘io, formulada por Gregory Nagy (1979: 36), passa aser nto a seguinte: se Aquiles no tem néstos na Mada, deve-se concluir que Odisseu néo tem kléos na Odistia? Sea Ilada nega a gloria a0 guerrero que volta para casa ileso, cabe a Odisséia contestar esse principio, mostrando que seu heréi é digno de ser imortalizado pelo ‘canto do aedo apesar de ter escapado & morte, Nese sentido, duas passagens do poema sio cruciais: a estadia de Odisseu na itha de Calipso, no canto V, ¢ sua visita ‘a0 Hades, no canto X. Ao oferecer ao her6i a imortalidade se ele consentisse em ficar a0 seu lado (Od, V, 206-210), Calipso dé-the a chance de se equiparar a Aquiles e de assumir conscientemente a sua mortalidade. Se aquele renuncia & vida longa em troca de fama imorredoura, Odisseu abre mio da vida eterna que, da mesma forma que @ velhice a0 primeito, Ihe custaria seu estatuto heréico®. Afinal como Sarpedon diz ‘ Glauco na Tada (XII, 322-28), se a imortalidade estivesse ao alcance dos ho- mens nio haveria porque tomar a dianteira na frente de batalha. Cabe & morte selar 0 destino do her6i, pois, sem ela, sua vida permanece inconclusa como um livro em aberto, o que impede qualquer avaliacfo de seu percurso. “A auséncia de honras e de monumentos fiinebres, marcas de passagem pela terra, condena o homem a0 anonimato, impossbilitando sua incluso na meméria coletiva, preser- vada no canto do aedo. Por isso, a morte & mais desejével do que o esquecimento, ‘como observa Telémaco a Atenas/Mentes no canto I da Odisséia (236-240): “Menos penoso seria saber que, de fato, mortera, Se sucumbisse entre seus companheiros no campo de Tisia, ‘Qu entre os bragos de amigos, depois de acabada a campanha. ‘Tiimulo os povos aqueus com certeza haveriam fazer-lhe, E, a0 porvir, a seu filho deixaria renome perene (wyo. KAEOC). ae SILVA DUARTE, Adriane de Asrelagbes entre etome egléla na Odea (O episédio de Calipso mostra que o fato de Odisseu ter sobrevivido a Tréia no implica uma disposigfo a fugir do colapso fisico. Ao optar por seu néstos (V, 20; voormpov Fiap 1SEoBa), sabe que iré ao encontro de sua morte, seia imediata no mar, seja mais tarde no lar, envelhecido. O néstos, na medida em que ‘implica mortalidade, se constitui, portanto,a‘inica forma de atingir o kléos e qual- quer obstéculo a sua realizagto implica uma ameaca direta aquele, como acontece ‘nos encontros fantésticos que permeiam @ sua viagem em que o her6i se defronta com o Ciclope, as Sereias, Circe e outros seres congeneres. Mas, a0 mesmo tempo, cesses enfrentamentos sucessivos so outra forma de se expor a morte. E 0 que Pucci (1995: 150) vai chamar de provocagio 8 morte, que tem dupla fungi: por tum lado, mostra a determinagéo do her6i de encontrar o destino humano, por outro, resulta sempre na sua preservagio para o retorno. Essa decisio € ainda mais valorizada pela nekuia do canto XI, em que 0 hheréi tem a oportunidade de se encontrar no Hades com antigos companheiros de armas como Agamento e Aquiles. Ambos revelam a sua insatsfagio com a vida és-morte. O primeiro tem um néstos infeliz, pois pereceu vitima de uma morte ‘anti-her6ica, abatido corso um boi no matadouro por sua mulher ¢ o amante dela (XI, 405-434). Ou seje, tem ndstos mas ndo tem kléos, als, € justamente o regres- s0 que o priva das gl6rias antes conguistadas como fica implicito na segunda nekuia (Od., XXIV, 28-34 € 93-97). © siltimo tem kigos, mas parece disposto a trocé-lo sendio pelo ndstos a0 menos por uma sobrevida ainda que em condigdes humildes (XI, 482-491) e, portanto, ingléria Desse encontro, deduz-se que o ideal ilidico da bela morte faliu, sendo suplantado na Odisséa pela combinagio de kléos e néstos, ou melhor, de um kléos que se afitma no néstos plenamente realizado ~ que somente Odisseu, dentre os standes her6is de Tisia,alcanca. De certo outros guerreitos gregos chegaram sos e salvos as sas casas, dentre os quais se destacam Nestor e Diomedes. Mas estes, a0 contrério de Odisseu, nfo encontraram obstéculos significatives em seu traje- to, Do relato de Nestor sobre regresso dos Aqueus depreende-se que, para eles, superadas as discérdias iniciais € 0 mau-tempo, a viagem foi rdpida e sem inciden- tes (Od. IIL, 132-183). © sucesso da empreitada, no entanto, nfo encontra boa acolhida entre os aedos. Femio, vale lembrar, cantava para Telémaco 0 “retorno funesto” dos herdis que foram combater em Tdia (1, 326-327). E como se a tranqii- lidade que os caracteriza nfo acrescesse valor herdico aos seus protagonistas, que voltam da guerra com o coeficiente de kis inalterado, O percurso de Odisseu, por contrast, dduo eeivade de rscos, produs urna “mais-valiaherSiea. A gléra troiana soma-se a advinda de suas viagens e do seu enfrentamento com os pretendentes, -92- LETRAS CLASSICAS,n. 5, p, 89.97, 2001 Cabe aqui comentar 0 caso de Menelau, cujo retorno mais se aproxima do de Odisseu tanto pelo tempo despendido na volta (segundo os eéleulos de Nestor, © heréi chega a Argos sete anos apés a morte de Agameniio~ II, 304-309) quanto pela aventura que vive com Proteu na ilha egipcia de Pharos (IV, 341-586). Mas Menelau, a despeito de ter aleangado o retorno, est& desprovido de gléria a priori, uma vez que carrega a marca do adultério de Helena. A expedigéo contra Ti6ia ‘visa recuperar nfo 6 a imagem dos helenos, mas @ sua pr6pria, o que no fim néo ‘corre. No campo de batalha, embora se mostre superior a Pérs e tena tido sua aristéia (XVII), seu desempenho deixa n desejar,estando sempre sob a supervisio do irmao Agamendo, que parece temer por sua vidst. Além disso, ofato de trazer a esposa de volta ao lar esmacce diante de sua incapacidade de castigé-la. Por fim, ‘nem mesmo a morte Ihe toca, destinado que esté pelos deuses aos Campos Blisios, mas, note-se, na condigao de marido de Helena e genro de Zeus (Od. IV, 563)! essa forma, 0 seu néstos empalidece diante do de Odisseu, repetindo assim o que jf se verificara na Hiada, em que o her6i estava sempre & sombra de um compa- nhetro. Como nota Pires (1999: 122), 0 destino de Menelau parece ser o de “se- ccundar fetos por que os outros hersis primam’. Também o Menelau da Odisséia, ‘como 0s coadjuvantes sofocleanos, serve de contraste para realgar a superioridade do Laertiada, O ndstos de Odisseu € composto de duas etapas: as aventuras vividas du- rante a viagem propriamente dita e o enfrentamento com os pretendentes & mio de Penélope, jé em ftaca. A primeira seré objeto de narrativa diante dos feécios, quando o heréi se torna 0 cantor de sua prépria gléria (IX, 37-38), remetendo mais uma vez 80 pro&mio do poema: Seja, se 0 queres! Dir-te-ei do regresso (YOCTOV) que fiz, trabalho: 50, / dado por Zeus, quando a costa de Tesi deixei, de retorno. Contrapondo-se ao aedo Demédoco, que cantara 0s seus sucessos marci- ais, Odisseu, ao assumir a narrativa de seu retorno, tenta estabelecer um novo pardmetro para o que é digno de ser preservado pela épica, assim como Fémio 0 fizera no primeiro canto. Cria-se entio uma situagio inusitada em que 0 her6i reivindica, em 1® pessoa, agl6ria para si, uma gloria advinda de feitos que extrapolam © campo de combate. Como observa Segal (1996: 204, traducdo da autora): Ele nio esté criando esse kigos lutando, mas antes recriando-o atra- vvés do Ich-Eradhlung {relato em primeira pessoa] de uma longa nar- rativa, A maneira da de um aedo, que ocupa os préximos quatro livros. eae SILVAQUARTE, Adriane da ‘As rlagdes ene etme gléra na Odi, Odisseu, que jf era reconhecido pela audigncia como heréi da Iltada, gra- asa Demddoco, quer agora provar seu valor como herd da Oaisséia. E, no mundo limitrofe e nao-civilzado pelo qual é condenado a errar, a forca (bd), caracteristi- «ca maior do guerreito ilidico, € superada pela asticia (métis, délas), nica garan- tia de sucesso. E essa qualidade que o her6i reclama para si no comeco de sua narrativa a0 associéla a0 sew kléos (IX, 19-20): Sou de Laertes o filo, Odisseu, conhecido entre os homens //por toda sorte de asticias (dloisn); bater foi no céu a minha glia (kléos) ‘Se em Tréia Odisseu tinha que combinar métise bié para se destacar entre seus pares, durante o seu retorno ele deve por de lado as demonstragées de forca e confiar na asticia, que assegura a sua sobrevivéncia num mundo em que 0 cédigo herdico nfo tem validade. Um exemplo claro disso é 0 episédio do encontro com Polifemo, em que o her6i deve abdicar da conduta herbica, desstindo de matar 0 Ciclope adormecido para vingar a morte dos companheiros, atitude que acarreta- ria o seu fim, incapaz que era de rolar a rocha que fechava a gruta do monstro. Sua salvacto esti no estratagema astucioso de apresentar-se sob um nome falso (Métis, i. & Ninguém), o que lhe permitiu enganar os demais ciclopes evitando que socor- ressem Polifemo quando do cegamento de seu tinico olho, ¢ da fuga sob o ventre dos carneiros. Como nota Nagy, apoiado na réplica de Aquiles a Odisseu durante a em- baixada (IL, IX, 344-353), 0 Peleida desqualifica a métis em detrimento da bid como qualidade heréica. Ao narrar suas aventuras, Odisseu quer restabelecer seu valor ao lado do ndstos. B a posse dessa qualidade que faz com que 0 destino do Laertida seja diferente do de Agamento, cuja bié néo basta para evitar sua morte no diado retomo. Assim, na equacio retorno e gléria, a més se prova um elemen- to fundamental, Para citar Pucei (1998: 229, tradugo da autora): {1 a poética da Oulssta, 20 prvilegiar a més associads & sobrevi- vvéncia, encantamento ¢ prazer, minimiza a importineia de um can to que realga a glia (Kléos), se essa gléria, a0 coincidie com a mor- te, se torna em ltima inst2ncia uma insuportével cangéo finebre. Ao chegar em ftaca, entretanto, embora continue a se valer da sua métis a0 usar disfarces e contar falsas histSrias para testar a lealdade dos que o cercam, (Odisseu deve incorporar novamente as caracterfsticas do herdiilidico, bié sobre -94 LETRAS CLASSICAS, n 89.97, 2001 tudo, para afirmar a sua gloria. Neste sentido, o massacre dos pretendentes ser o equivalente & matanga de Aquiles pela planicie troiana para vingar a morte de Pétroclo (U,, XX1), Em ambos os casos, os hers, pratieamente sozinhos, ditimam seus adversérios. Pucci (1995: 129 e ss.) mostra como, além dos paralelos verbais, a recusa em ceder a sGplica de inimigos capturados, Leades na Odisséia e Licaion na Iltada, aproxima as duas passagens, igualando também seus protagonistas. A intervengio de Atena promachos, que das vigas do teto infunde pnico aos pre- tendentes (Od., XXII, 297-299), sela a retomada do universo da Iiada ~ note-se que a deusa néo assumira ainda esse aspecto na Odisséia. (© massacte dos pretendentes € prenunciado pela prova do arco, em que todos so convidados por Penélope a tentar vergar a arma de Odisseu, tendo 0 ‘vencedor por prémio a sua mo, Somente o hersi,disfarcado entfo, tem forga para faze-lo, dando-se a conhecer e iniciando com isso a sua vinganga. Esse feito € descrito pelo conhecido sfmile do arco e da lira (XXI, 404-411) [...] Noentanto, Odisseu, // quando jé havia o grande arco apalpado por todos os lados, // como cantor primoroso que sabe o manejo da cftara, // mui facilmente consegue passar na cravelha uma corda // feita de tripa torcida, depois de a firmar dos dois lados: do mesmo modo Odisseu o grande arco vergou facilmente. // Na méo direita tomando-o, fez logo experiéncia da corda, // que um belo som pro- duziu, qual se fosse o cantar da andorinha. O arco, arma do guerreito, & comparado a lira (cftara), instrumento do aedo, indicando nfo apenas o estatuto ambiguo de Odisseu, 2 uma s6 vez autor e propagador de seus feitos, mas também o fato deste ato, prentincio da matanca ue se segue, ser digno de preservagio pelo canto do aedo. Nesse momento con- clusivo de seu ndstos, Odisseu se insere novamente na tradigfo hersica, garantin- do 0 Kéos imorredouro. E significative que ele poupe a vida de Fémio, eestemunha do massacre, provavelmente para que ele possa fazer chegar ds geragSes futuras a sua gléria (XXIl, 330-380). Afinal, como nota Goldhill (1991: 94), “a nocio de Hos vincula-se de forma inerente & promoso ¢ preservacéo do nome na fala das outros". Com isso, o herGi se cala, dando a entender haver uma equacio entre aso € canto, Inativo, Odisseu torna-se o aedo de si mesmo e, vale lembrar, tam- bém Aquiles, em seu retiro voluntério, dedica-se a0 canto (IX, 185-189). Ou sej cantar a si proprio é s6 uma estratéxia para ser cantado por outro e, assim, conso- lidar sua gldria. Mas agora, ativo e reinserido na sociedade humana, ele pode dei- xara cangio a cargo de Fémio, Mais uma ver Odisseu aparece como um manip ~95— SILVA DUARTE, Adriane da As relogdes etre eetorno e glia na Odie lador de seu Kléos: ndo apenas objeto do canto, mas também “platéia, patrono, cantor” (Goldhill, 1991: 97). (Oregresso é condiao basica para a obtengio da gléria de Odisseu, esta, no entanto, s6 se afirmard pela reconciliagio com os valores guerteiros iliddicos, en- tre 08 quais o primado da forca, aliada entretanto & astéicia. Ao final da Odiséia, pode-se constatar que Odisseu, ao contrério de Aquiles, tem os dois: métis e bi, ndstos e kos, ornando-se com isso o melhor dos aque. “Uma bela viagem deu-te fraca."? ‘Notas Professora Doutora de Lingua e Literatura Grega do Curso de Graduagio e do Programa de Pos-Graduacio em Letras Clisica do DLCV-FELCH-USR 1 Fala de Ulisses a Calipso em A tha, dflogo de Cesare Pavese (2001: 130). 2. Sobre o paralelo entre a primetra cangio de Demddoco e o protmio da Iliad, of. Nagy, . (979: 42-58). 3. Pucet (1995: 210, 87) ahserv que, na Oditstia, “todo manda, de Alcino a Orestes © Penélope, tem kos" (tradugio da autora). 4 Cf em especial os eantos VII, 159-169, em que o herstse oferece para enfrentar Heitor em sua aritéia, X, a Doloneia, o XI, 310-461, em que enfrenta e mata varios inimigos. 5 Para Vernant (1996: 188), 0 fato de Odisseu "parilhar a imortalidade divina nos bragas de uma ninfa acarretaria arendncia de sua carrera como heréiépico” (traducto da aurora). 6 Note-se em especial como Agamengo dissuade o irmia de combater contin Heitor € 0 ccomentiio do poeta: “E, sem divida, ofr, Menelau, da existéncia encontrarias/ nas os de Heitor, por ser ele dorado de muito mais forga/se no tivessem corrido a susté- locos mats nobres Aquives [.)” (VIl, 104-106). 7 Verso do poema itaca de Konstantinos Kavi. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS ASSUNCAO, Teodoro René. Nota critica "bela morte” vernantiana. Cléssica, ‘1B, pp. 53-62, 1994/1995. GOLDHILL, Simon. Intimations of immortality: fame and tradition from Homer toDindar. In The Poet's Voce, Essays on Poetics and Greek Literature. Cambridge: Cambridge University Press, 1991, p. 69-166. 6 LETRAS CLASSICAS, n 5, p. 89-97, HOMER. The Tad. Greek text with an english translation by A. T. Murray. ‘Cambridge/Massachusetts: Harvard University Press, 1960. . The Odyssey. Greek text with an english translation by A. T: Murray. ‘Cambridge/Massachusetts: Harvard University Press, 1984, HOMERO. Iliada. Traduco de Carlos Alberto Nunes. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001. Odlissia. Tradugio de Carlos Alberto Nunes. Rio de Janeiro: sid KAVAFIS, Konstantinos. Poemas. Trad. de José Paulo Paes. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983. NAGY, Gregory. The Best of the Achaeans. Baltimore, 1979. PAVESE, Cesare. Didlogos com Leucé. Trad. de Nilson Moulin. Sto Paulo: Cosac & Naif, 2001. PIRES, Francisco Murari. Menelau, © her6i segundo. In: ___. Mithistéria. Sao Paulo: Humanitas/Fapesp. 1999, p. 107-127. 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