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Nabil Araújo
UERJ
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Professor de Literatura Comparada na Universidade de Stanford, onde fundou e dirige o
Centro de Estudos do Romance. Organizou o monumental Il romanzo (2001), compêndio
de autoria coletiva, em cinco extensos volumes, dos quais apenas o primeiro, até agora,
ganhou edição brasileira (Cf. MORETTI, 2009). É autor, entre outros, de Segni e stili
del moderno (1987), Atlante del romanzo europeo 1800-1900 (1997) e The Bourgeois:
Between History and Literature (2013), todos disponíveis em edições brasileiras.
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O gênero literário a que se atém Moretti é o romance. No primeiro
capítulo do livro, ele se ocupa de gráficos a partir dos quais reconstitui
uma tripla “ascensão do romance” na Inglaterra: na primeira ascensão
[de 1720 a 1770], “se constitui o mercado do romance”; na segunda
[de 1770 a 1820], “o romance volta-se para o presente”; na terceira [de
1820 a 1850], “muda, finalmente, a composição interna do mercado
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Trata-se de um gráfico intitulado “O romance na Inglaterra, 1710-1850”, que quantifica,
para o referido período, o “número de novos títulos por ano, média quinquenal” (Ibid.,
p. 20).
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Trata-se de um gráfico intitulado “Os gêneros romanescos ingleses, 1740-1900”
(Ibid., p. 39).
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“exigida” pelos próprios dados), para só então daí derivar, a posteriori pois,
algo como uma teoria (do romance, ou, antes, das “formas romanescas”).
O fato, contudo, é que os “dados quantitativos” em questão
referem-se, eles próprios, a entidades como “subgêneros do romance” (os
dois principais gráficos do livro a esse respeito intitulam-se, justamente:
“Os gêneros romanescos ingleses, 1740-1900”) – algo que, por si só,
implica já uma visada interpretativa [theoría] sobre o objeto. Afinal,
reconhecer determinado conjunto de narrativas, digamos, “góticas”, ou
“de mistério”, ou “de fantasia”, ou “policiais”, como sendo um conjunto
de narrativas romanescas (à guisa de um “subgênero”) implica diferenciá-
las de outras narrativas “góticas”, ou “de mistério”, ou “de fantasia”, ou
“policiais” não-romanescas – o que pressupõe uma orientação, de antemão,
para o romanesco como traço distintivo de um determinado gênero literário
(entre outros).4 Eis aí teoria – uma questão de olhar, não nos esqueçamos.
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A visada que Moretti dirige à literatura, sua theoría da literatura,
é conformada pelo gênero – ou, antes, pela genericidade do gênero. Essa
mira(gem) genérica acaba por cegá-lo para tudo aquilo que, no objeto
contemplado, se encontra fora do comprimento de onda genericamente
visível; cego para todo o espectro infragenérico, por assim dizer.
O infragenérico – como aquilo que simplesmente não pode
ser captado por uma visão genericamente orientada por estar aquém
do comprimento de onda do gênero – não se confunde, aqui, com o
“subgenérico”. O subgenérico é aquilo que, apenas um grau abaixo
do gênero, ganha em especificidade e detalhe o tanto que perde em
genericidade, mas essa perda (e o ganho a ela associado) está a serviço
da própria genericidade do gênero, retroalimentando-a (“o romance é,
em suma, o conjunto dos seus subgêneros”).
Moretti condena as teorias do romance por negligenciarem os
matizes subgenéricos do gênero romanesco. Ele próprio não incorre nesse
erro, é claro, e vai mesmo, quanto a isso, muito além do esperado: no
terceiro e último capítulo do livro, em que os objetos de análise passam a
ser árvores ao invés de gráficos (ou mapas, objetos do segundo capítulo),
4
Concluir, quanto a isso, como o faz Moretti, que “o romance é, em suma, o conjunto
dos seus subgêneros” antes acentua do que soluciona a evidente petição de princípio
na qual ele se encontra enredado.
656 Anais da XII SEVFALE, Belo Horizonte, UFMG, 2015
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A figura em questão intitula-se “Os indícios e a gênese da narrativa policial” (Ibid.,
p. 119).
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Referências
MORETTI, Franco. Conjecturas sobre a literatura mundial. Trad. Luiz
A. Aguiar e Marisa Sobral. In: SADER, Emir (Org.). Contracorrente:
o melhor da New Left Review em 2000. Rio de Janeiro: Record, 2001.
MORETTI, Franco. A literatura vista de longe. Trad. Anselmo P. Neto.
Porto Alegre: Arquipélago, 2008.