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Introdução
No presente trabalho, apresenta-se o ofício das parteiras, que tem como base o conhecimento
tradicional. Elas desempenham um papel importante na orientação e assistência às gestantes,
desde a gestação até o parto.
Com informações obtidas por meio de pesquisa bibliográfica, entrevistas e visitas de campo,
apresentamos as tradicionais práticas de cuidado com as gestantes/parturientes; os sentidos
gerados a partir dessa atividade; o nível de inserção no Sistema Único de Saúde (SUS); e a
sobrevivência em meio à ascensão do modelo biomédico.
2. Objetivos
3. Desenvolvimento
Com o tempo e o discurso higienista, as práticas do partos nas grandes cidades foi assumida
pelos médicos obstetras, enquanto no interior do país ainda existia e existe. Em 1997,
estimava-se que havia cerca de 40 mil parteiras nas regiões norte e nordeste (MINISTÉRIO
DA SAÚDE, 1997).
O trabalho das parteiras tem como base o saber/conhecimento tradicional, que ampara e
orienta práticas individuais e coletivas numa determinada localidade e garante a reprodução
social desta.
O saber tradicional, além de materializar a forma como os indivíduos interagem com o meio e
provêm suas necessidades, ocupa e ocupou uma lacuna deixada pelo conhecimento
hegemônico na atualidade, de paradigma científico, e do Estado, na forma de políticas
públicas e assistência.
Diferentes eram as razões que levavam as parteiras a exercerem sua prática. Como
geralmente as parteiras e as parturientes tinham a mesma origem social,
compartilhavam das mesmas expectativas, valores e crenças em relação ao destino
das mulheres em um mundo organizado e dirigido por homens, marcado pelo
casamento e pela maternidade (MARTINS, 2004, p.69)
A prática do cuidado às gestantes era e continua eminentemente feminino, o que leva a uma
discussão de gênero, pontuada na citação acima. É reflexo das convenções sociais, num
contexto não apenas de que apenas as mulheres vivenciam a experiência do parto, mas do
papel predominante atribuído a elas, doméstico e de reprodução, por muitos anos, mas que,
gradativamente, vem decaindo em razão das lutas e conquistas do movimento feminista.
O trabalho de quem adota o saber tradicional como referencial é pautado pela construção de
vínculos afetivos e confiança. Parteira e gestante/parturiente, em geral, compartilham do
mesmo território e, por consequência, das dificuldades de “ser mulher”. A gestação e o parto
tornam-se ambiente de solidariedade entre as mulheres.
Com base em valores pessoais e de modo instintivo, a atuação das parteiras está em sintonia
com o que é bastante preconizado, atualmente, em manuais, normativos e políticas dentro do
Sistema Único de Saúde (SUS): resgatar o diálogo e a proximidade entre profissionais de
saúde e usuários para práticas de saúde que não sejam mecanicistas.
Sem assistência institucional, a maioria das parteiras realiza um trabalho que se constitui
numa missão quase solitária. A zona rural é seu campo de atuação mais comum. Isso implica
em dificuldades operacionais, como percorrer longas distâncias, inclusive a pé, e assistir as
mulheres gestantes em residências sem energia elétrica, apenas com o auxílio de utensílios
domésticos rústicos, como lamparinas.
A casa da gestante é o seu “consultório”. A parteira assume como rotina visitar a gestante,
embora o inverso também ocorra. Não existe um aparato tecnológico que sustente sua prática.
Os sentidos são suas ferramentas: o olhar e o toque. Antonia Pereira da Silva, 66 anos de
idade, natural do município de Angical (PI), em entrevista realizada por meio do aplicativo
Whatsapp, ratifica essa informação. Ela e todos os irmãos nasceram com o auxílio de uma
parteira.
A mulher é incentivada a ficar à vontade, nas posições que achar mais confortável: de
cócoras, de quatro, apoiada numa rede, etc.
A figura do pai entra em cena de modo excepcional, quando a mulher sente dificuldades
físicas para se manter numa determinada posição.
A minha mãe, depois dos partos, tomava todos os dias um banho de folha, de pinhão
roxo ou maria mole (que dava em lugar úmido e tinha uma flor amarela). Aquele
banho era medicinal. E valia a pena. Era tudo verdadeiro. Os cuidados depois do
parto eram de repouso absoluto. Durante 15 dias, ela (mamãe) não saía do quarto;
era com a cabeça amarrada. Apenas tomava banhos com essas folhas todos os dias
de manhã. Colocava as folhas para cozinhar, tirava a água bem morna e fazia o
asseio.
O saber científico difere do saber tradicional não apenas por seus resultados, mas
por razões que se remontam no tempo e no espaço. O saber científico se afirma
como verdade absoluta até que outro paradigma o sobrepuje posto que universalista,
o que não se aplica aos conhecimentos tradicionais (CARVALHO; LELIS).
As parteiras, que são mulheres de confiança das gestantes ou com experiências reconhecidas
pelo seu grupo, assistem as mulheres no trabalho de parto, parto e pós-parto, bem como dos
recém-nascidos. Nesse contexto, as crianças nascem em um ambiente prazeroso: as mulheres
são acompanhada pelas parteiras e recebem menos intervenções.
As parteiras utilizam das ervas, raízes e folhas cultivadas por elas mesmas ou pelas
parturientes. Essas matérias-primas naturais são processadas por meio de maceração, chás e
garrafadas, que servem de cura para inflamações, dor de cabeça, hemorragia e outras
enfermidades decorrentes do parto.
As parteiras fazem puxações e massagens com óleos naturais nas grávidas para ver como o
bebê está ou endireitá-lo quando não está na posição correta. As mulheres também tem o livre
arbítrio de escolher a melhor maneira de ter seu bebê e principalmente de quem elas está
acompanhada na hora do parto.
A atuação das parteiras tem eficácia estratégica por elas intercalarem uma ponte de
comunicação ao indicarem às gestantes os serviços de saúde e verificarem a viabilidade do
parto domiciliar em cada situação. Além disso, através de trocas de saberes com as parteiras
tradicionais, os gestores e profissionais da saúde elaboram um “diagnóstico da região,
desenhando o mapa da saúde, buscando mapear o fluxo da rede e a inserção das parteiras”
(BRASIL, 2014) e portanto, definir as atividades a serem desenvolvidas pelas parteiras em
suas devidas áreas de ação.
A recepção foi feita por uma enfermeira que se identificou com o nome Socorro, servidora
lotada na assessoria de rios da SEMSA. Ela informou que existia um projeto que viabilizava a
inserção das parteiras tradicionais no sistema de saúde local, por meio do qual eram
realizadas oficinas e entregues às participantes alguns materiais necessários para os partos e
recursos pelo trabalho desenvolvido.
Atualmente, porém, segunda a enfermeira Socorro, o projeto encontrava-se paralisado em
razão da escassez de recursos financeiros. Ela acrescenta que muitas comunidades já possuem
profissionais de enfermagem e este seria mais um motivo para que “eles” (os gestores) não
vejam tanta necessidade da realização do trabalho em conjunto com as parteiras tradicionais.
Muitas parteiras relatam dificuldades para exercerem sua função, como a falta de materiais
utilizados no parto, as longas distâncias que precisam percorrer dentro da comunidade e da
comunidade até o centro de saúde de referência; a falta de meios de comunicação em casos de
riscos, dentre outros, que, na maioria dos casos, só podem ser resolvidas mediante ações
políticas.
Apesar dos obstáculos enfrentados, a atuação dessas mulheres dentro das instâncias de saúde,
como os conselhos, possibilita a articulação dessas trabalhadoras em prol da reivindicação de
melhorias para a categoria (GUSMAN et al., 2015).
Em seus relatos, Tarcila afirma que possui o dom do partejar, pois muitas das técnicas que
realizava tinha aprendido apenas observando. Ela garante que sempre foi segura de si e, nos
momentos em que precisava, pedia “intervenção” divina, dessa forma, perdia o medo e
ajudava as gestantes, não só fisicamente, mas emocionalmente também. Por motivos de saúde
e idade, atualmente dona Tarcila não realiza mais partos e, portanto, cessou a atividade de
parteira.
4. Conclusão
1
“Puxar Barriga” é uma prática que consiste em manobras realizadas pelas parteiras para colocar o
feto na posição correta para facilitar na hora do parto.
2
Empirismo: atitude de quem se atém a conhecimentos práticos; que se orienta pela experiência.
Apesar das limitações técnicas e operacionais no exercício das parteiras tradicionais, a
construção de vínculos é forte, o que gera grande intimidade e a percepção de confiança por
parte das gestantes/parturientes.
Por possuir estreita relação territorial e pessoal com as mulheres em âmbito comunitário,
mesmo hoje, quando existem conhecimentos científicos relevantes sobre a gestação e o parto
e redes assistenciais em diferentes níveis, a figura das parteiras poderia ser mais empregada e
valorizada, considerando o contexto de algumas políticas institucionalizadas, como a de
Humanização - que tem o acolhimento como uma diretriz - e a dificuldade da prestação de
serviços por parte do SUS em localidades distantes do perímetro urbano e de difícil acesso.
ALVES, S.S. Saberes das mulheres veteranas na economia solidária: sororidade a outra
educação! Porto Alegre, 2014. p. 73. Disponível em:
<http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/104457/000939866.pdf?sequence=1>.
Acesso em: 05 mar. 2018.
ENSP. Nascer no Brasil. Inquérito nacional sobre o parto e o nascimento. Disponível em:
<http://www6.ensp.fiocruz.br/nascerbrasil>. Acesso em: 04 marc. 2018.
GREVE, V.G.P; RAMLOV, C.M. Mães de umbigo: Histórias das parteiras do Amapá.
Florianópolis, 2016. p. 6.
Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=44b4596c7a979aa7>.
Acesso em: 05 mar. 2018.
GUSMAN, C.R et. al. Inclusão de parteiras tradicionais no Sistema Único de Saúde no
Brasil: reflexão sobre desafios. Revista Panamericana de Salud Pública, v. 37, n. 4-5,
2015.
Disponível em:
<https://www.scielosp.org/article/rpsp/2015.v37n4-5/365-370/>. Acesso em: 04. mar. 2018.