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Pluralismo Jurídico

Diogo Banzato Franco


N°USP: 8045718
Aula da pós-graduação

O presente trabalho versa sobre o pluralismo jurídico a partir da perspectiva de


estudo inaugurada por François Ewald. Como é de conhecimento geral, Ewald foi um
dos sucessores dos estudos elaborados por Michel Foucault, principalmente no que
tange a análise do liberalismo econômico.
A bibliografia será composta principalmente pela obras de Ewald L’Etat
Providence, Foucault: a norma e o direito e os textos de interpretação desse autor
escritos por Ronaldo Porto Macedo.

O intuito do trabalho é mostrar as bases epistemológicas que estão por detrás e


que tornam possível a fragmentação do direito, fazendo com que se multiplique as
instâncias de prescrição e as de decisão do direito.
Três processos precisam ser explicados para que se compreenda a mudança
epistêmica que ocorre da lógica liberal clássica para uma lógica pós-industrial:
a) Segurança (tendo em vista o advento do risco como critério objetivo);
b) Padronização (capaz de desgarrar o direito da figura do Estado);
c) Disciplina (entendida como normalização das práticas locais).
Esses três processos compreendem a novidade dentro de um conceito que
Ewald denominou regra de juízo. Para Michel Foucault, uma prática é indissociável
do tipo de racionalidade por meio da qual ela se reflete, se ordena e se finaliza. Assim,
a regra de juízo e um conceito chave da metodologia de Ewald pois elas são
constituídas segundo a maneira pela qual a normatividade é interpretada, gerida e
aplicada em determinada época. É a regra de juízo que permite verificar como ocorre
as mudanças nos conteúdos das normas em toda a extensão do conceito, isso é, desde
seus aspectos mas teóricos até os mais verificáveis concretamente, bem como a
relação que ela estabelece entre esses dois aspectos. A regra de juízo se constitui,
portanto, pela orientação segundo a qual agentes sociais se baseiam para agir da
forma que agem.
Convêm recordar o que Ewald diz a respeito da regra de juízo no período do
liberalismo clássico. Em L’Etat Providence o autor distingue o programa liberal dos
diagramas liberais. Assim, Ewald afirma:

“Une rationalité politique peut être examinée sous deux aspects : comme
rationalité de programme et comme rationalité de diagramme”1

O estudo dos programas da racionalidade liberal é o ponto de vista que


observa as práticas de proibição e de permissão, a maneira como seus objetos são
problematizados, as formas como elas procedem e os cálculos que lhe são
correspondentes.
O estudo dos diagramas, por sua vez, possui duas grandes características
principais:
a) É uma máquina abstrato, isso é, não a imaginação de uma outra realidade,
mas a realidade concreta que faz operar uma racionalidade puramente
imaginada. É através do diagrama e desta característica, portanto, que
diferentes instituições sociais conseguem funcionar comunicando-se entre
si. É através do panótico, por exemplo, que a escola comunica suas
estruturas e arquiteturas com a prisão, a prisão com a fábrica, a fabrica
com a escola e assim por diante.
b) Possui um princípio de auto-regulação. A invenção do panótico é a de uma
estrutura que não precisa de ninguém para fazê-lo funcionar. A torre
central de Bentham pode estar vazia. Os diagramas não necessitam de um
organizador central que permita seu funcionamento, mesmo em sua
fragmentação, o diagrama é capaz de se autogerir.
Fica claro, portanto, que o conceito de diagrama é um facilitador do estudo do
pluralismo jurídico. Isso porque diferentemente a lógica positivista que limitasse ao
estudo dos programas da racionalidade, isso é, dos problemas e das soluções que
determinada racionalidade toma como objeto, o conceito de diagrama se vê livre das


1 Trecho de: FRANÇOIS EWALD. “L'ETAT PROVIDENCE.” iBooks.

https://itunes.apple.com/WebObjects/MZStore.woa/wa/viewBook?id=9DF6368EE57
0FA031D4F628850C3702F

amarras metodológicas que tendem a centrar no Estado o papel de julgar e legislar
sobre o direito. O positivismo jurídico encontra dificuldade em encontrar respostas
justamente porque não cessa de fazer as perguntas erradas. Ao invés de perguntar
sobre o proibido e o permitido, as penas e os prêmios, o estudo a partir dos diagramas
partem da noção de que é perfeitamente possível uma sociedade com centros
decisórios fragmentados, operando segundo racionalidades herméticas, mas que ainda
assim são capazes de se comunicar e de se autorregular.
No entanto, o diagrama da racionalidade do liberalismo clássico não é o
mesmo daquele da sociedade pós-industrial. Com efeito, enquanto aquele baseava-se
na ideia de uma regra geral que derivava a responsabilidade de uma culpa por meio da
noção da causalidade este último trabalha com noções muito distintas, tendo que
operar sempre em um estado de risco, de prevenção, de padronização, de autogestão e
de responsabilidade social.
A partir do caso francês, podemos esquematizar a racionalidade liberal a partir
da responsabilidade como principio do diagrama e operador de seus programas, bem
como a transformação que essa racionalidade sofreu:
1. Operador de causalidade (moral, econômica, jurídica): a lógica liberal
estreita a relação entre coletividade e individualidade, fazendo com que as
consequências das ações tenham caráter não apenas jurídico, mas também econômicas
e morais. A responsabilidade é o principio segundo o qual todos devem se ater para
progresso próprio e coletivo. A ideia de harmonia para o liberal não tem a ver com
uma relação de equilíbrio entre a espécie humana e a natureza, mas sim entre
diferentes esferas de atividades. Assim, a noção de culpa é o que responde à falha de
cada um, falha esta entendida como desequilíbrio da relação ótima entre as esferas de
atividades de cada um. A culpa assim, empresta um valor moral universal, fazendo
com que se permute uma ação econômica em sanção legal e remorso da consciência.
A responsabilidade, portanto, fornece não apenas o princípio do diagrama liberal, mas
também o princípio regulador de seus programas: “sempre certifique-se de que os
homens encontrem em si mesmos o princípio de retificar seu comportamento”. É por
essa razão que não há lógica possível para a compreensão liberal que seja desprovida
de moralidade, de tal modo que a pura coordenação dos fragmentos sociais que
operam com lógicas próprias é um fenômeno que o positivismo jurídico clássico não
consegue compreender.
2. Regra de julgamento: “não há compensação ao acidente e, como a pobreza
é tida como um acidente, os pobres são autores de seus destinos não podendo onerar
os outros, isto é, não há vitimas que precisem ser compensadas mas pessoas que não
cometeram falhas que não podem arcar com a responsabilidade de uma culpa que não
possuem”. Com efeito, é no momento em que o risco torna-se um elemento objetivo é
possível o surgimento da ideia de acidente como algo capaz de gerar obrigações. O
acidente surgiu inicialmente na verificação de que havia uma regularidade nos
acidentes de trabalho em fabricas que não eram compensados de nenhuma maneira
dado que os proprietários dos meios de produção não “agiam” de nenhuma maneira
para provocar os acidentes. Mas a partir dessa noção pode surgir não apenas
modernizações no que diz respeito ao direito do trabalho, ambiental, do consumidor e
social, mas na própria lógica das seguradoras e das agencias de risco. Com efeito, a
lógica liberal era incapaz de compreender o risco que, para a sociedade pós-industrial,
tornou-se o pilar central de todo capital. Só é possível compreender a atuação das
agencias de risco não estatais, a forma como elas impactam as prescrições segundo as
quais empresas se orientam, se for compreendido que a regra de juízo sofreu uma
transformação de tal ordem que a pura auto-referência dos dados, médias e
expectativas são capazes de gerar prescrições objetivas que o Estado simplesmente
não tem condição de acompanhar.
Tecnologia do risco, a segurança é, em primeiro lugar, um esquema da
racionalidade, isto é, uma prática de cálculo de probabilidade e tabelamento que
permite o estabelecimento de padrões de julgamento referidos à própria atividade
dentro do qual foram coletados e independente do direito do Estado. É por atuar
sempre com o estabelecimento de uma média que a segurança pode ser comparada
com a uniformização técnica e com a padronização. De fato, normalizar (que
ultrapassa a tradicional concepção de norma) é fornecer documentos de referencia que
viabilizem soluções para problemas técnicos ou comerciais que se colocam de
maneira repetida. Assim, um padrão técnico fornece também um critério de juízo que
não necessita das instituições do Estado para existir nem para ser aplicado.
Inicialmente, como bem descreve Ewald, a normalização técnica provinha das
transformações cientificas e tecnológicas que acompanhavam o desenvolvimento
industrial. A verdadeira tomada de consciência da normalização, que coincide com a
criação de seus primeiros organismos oficiais, faz-se por ocasião da Primeira Guerra
Mundial. Em seguida, quando todos os países já são dotados de órgãos de
normalização, as técnicas jurídicas, agora começando a se fragmentar, visam
responder às necessidades da produção em seus aspectos de coordenação, de
compatibilidade e de intermutabilidade. Por fim, em um terceiro momento, há uma
tomada de consciência não só das instancias produtivas como todas aquelas
organizadas socialmente que elas necessitam de uma linguagem própria para a
resolução de seus impasses. Assim, passam a surgir novas formas de regulação, novas
formas de controle, novas formas de hierarquização, de prescrição, de exame, de
performances, de contratos e de sociedades. Em linguagem foucaultiana, a
padronização e a normalização técnica consiste em uma nova relação entre as
palavras e as coisas, sendo essa nova relação um dos pilares sobre o qual o pluralismo
jurídico como é entendido hoje pode existir.

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