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Antecedentes e origem da Crise Cambial Brasileira de 1998/99

O plano real, criado pelo Ministro da Fazendo Fernando Henrique Cardoso em 1993 começou
a ser implantado em agosto do mesmo ano e dependia de cinco fatores essenciais como
objetivo:

1) Zerar o déficit público — justamente o fator que gerava a emissão de dinheiro. Para isso,
haveria um aumento de cinco pontos percentuais em todos os impostos federais e
privatizações de estatais, principalmente dos bancos estaduais;

2) Desindexar a economia — isto é, acabar com as correções automáticas de preços e salários,


que eram reajustados automaticamente de acordo com a inflação passada (prática essa
determinada por lei). Em termos técnicos, isso ficou conhecido como "acabar com a inércia
inflacionária";

3) Reindexar a economia de acordo com a taxa de câmbio — isto é, fazer com que preços e
salários variassem de acordo com o dólar. Na prática, o dólar se tornava o novo indexador.

4) Abrir a economia por meio da redução das tarifas de importação — tudo era válido para
combater qualquer escalada de preços (bons tempos);

5) Aumentar acentuadamente as reservas internacionais — isto é, o governo deveria comprar


dólares continuamente, acumulando-os até o momento da introdução da nova moeda. Quanto
mais dólares o governo tivesse em suas reservas, maior seria a confiança dos investidores
internacionais na seriedade e na robustez do plano, e menores seriam as chances de um ataque
especulativo e de uma fuga de capitais.

Uma vez cumpridas estas cinco medidas, a nova moeda nasceria com um valor praticamente
igual ao dólar.

Por que o Real foi aceito

Adeptos da teoria austríaca sabem que uma moeda só é imediatamente aceita após o seu
surgimento caso ela já possua um histórico como meio de troca. Se você criar uma moeda de
papel hoje, do nada, é muito provável que ninguém irá aceitá-la. Da mesma forma, um país
que troque o seu sistema monetário, introduzindo uma nova moeda, pode até ser capaz de
fazer — por meio da força, da coerção e das leis de curso forçado — com que seus cidadãos
a utilizem; porém, dificilmente conseguirá fazer com que investidores estrangeiros confiem
nesta moeda. Tampouco os governos de outros países.

Por isso, caso o Brasil simplesmente trocasse o nome da sua moeda, é bastante provável que
ela não fosse levada a sério pela comunidade internacional — principalmente levando-se em
conta nosso histórico nada favorável de libertinagem monetária. Logo, apenas a criação de
uma nova moeda não seria capaz de fazer com que, logo em seus primeiros meses, ela se
apreciasse como o Real se apreciou, indo de uma taxa de câmbio de R$1/US$ para
R$0,84/US$. Portanto, qual foi o segredo?

O segredo é aquilo que pode ser chamado de "qualidade da moeda". A qualidade da moeda
é determinada ou pelos ativos que a lastreiam ou pelos ativos pelos quais ela pode ser trocada
sob demanda e sem restrição. No caso do Real, o segredo estava justamente no tamanho das
reservas internacionais em dólares.
Ao final de julho de 1994, a quantidade de reais em poder do público e em contas-correntes
(ou seja, o M1) era de R$10,687 bilhões. Já a quantidade de reservas internacionais era
de US$43,09 bilhões.

Isso significa que mesmo se todos os reais em circulação na economia brasileira fossem
convertidos em dólares, ainda sobrariam (muitos) dólares. Em outras palavras, na
eventualidade de uma crise econômica mundial que assustasse os investidores estrangeiros e
os levasse a retirar todos os seus investimentos do Brasil, eles não teriam por que se preocupar
em não conseguir converter reais em dólares. Havia dólares sobrando. Foi justamente esta
"qualidade do Real" — o fato de estar lastreado abundantemente em dólares — que garantiu
a confiança dos investidores, levando à sua imediata apreciação logo após o seu surgimento.

E foi exatamente neste lastro em dólares que o Real manteve boa parte da sua credibilidade
desde seu lançamento. Enquanto as reservas internacionais fossem maiores que o M1, os
investidores estrangeiros estariam seguros de que não haveria perigo de não conseguirem
converter reais em dólares. Mais ainda, eles estariam seguros de que o governo não recorreria
— como já fizera várias vezes no passado — às maxidesvalorizarções cambiais para evitar
que uma repentina fuga de dólares gerasse um total esgotamento das reservas internacionais.

As reservas em dólares foram toda a base do Plano Real. Daí a importância das compras de
dólares iniciadas ainda no final de 1991.

Porém, manter estas reservas internacionais não era fácil, principalmente levando-se em conta
que a balança comercial e de serviços (tecnicamente chamada de 'Transações Correntes')
tornou-se negativa a partir de outubro de 1994 (e assim permaneceu até o fim da "primeira
fase" do Plano Real). Dado que havia esta saída de dólares por meio deste déficit nas
transações correntes, o país tinha de manter juros elevados para atrair capital externo (via
investimentos em títulos do governo, no mercado financeiro e em investimentos diretos; em
terminologia contábil, diz-se que esses dólares estão entrando na conta capital e financeira)
para mais do que compensar esta saída de dólares.

E esta foi justamente a "mácula" da primeira fase do Plano Real: a necessidade de manter
juros altos para atrair dólares e, com isso, manter a confiança da comunidade internacional
no Plano. Não bastasse isso, o governo ainda apresentava um déficit orçamentário de
aproximadamente 7% do PIB (não havia sequer superávit primário). Tamanha necessidade
de financiamento contribuía ainda mais para a elevação dos juros.

Eis um gráfico das taxas de juros determinadas pelo Banco Central para garantir este influxo
contínuo de dólares via conta capital.
taxa de juros do determinada pelo Banco Central, de 1º julho de 1994 a 31 de dezembro de
1998

Observe a disparada dos juros em outubro de 1997, em decorrência da crise asiática, que
gerou uma fuga de capitais ao redor do mundo, e em meados de 1998, quando a primeira fase
do Plano Real começou a desabar, pelos motivos que serão vistos logo abaixo.

A boa fase

Como explicado acima, a genuína âncora do Plano Real e da sua estabilidade era o volume
de suas reservas internacionais. Enquanto o volume de dólares fosse maior do que o M1, toda
e qualquer conversão de reais em dólares estava garantida, o que trazia tranquilidade aos
investidores, que assim não precisavam se preocupar com desvalorizações cambiais
repentinas para impedir o esgotamento das reservas internacionais.

Enquanto esta estabilidade fosse garantida, o real desfrutaria do status de moeda forte e
segura. Justamente para garantir que o volume de reservas internacionais fosse maior que o
M1, a expansão monetária era contida. Isso trouxe uma substancial redução na inflação de
preços, que caiu de 916% em 1994 para 1,65% em 1998 (o menor valor em toda a história do
real). Eis o gráfico da inflação de preços acumulada em 12 meses (a partir de julho de 1995,
exatamente um ano após a introdução do real):
IPCA acumulado em 12 meses, de julho de 1995 a dezembro de 1998

Para ajudar neste controle da inflação de preços, a economia passou por um processo de
modernização. Além da privatização de empresas estatais ineficientes, houve também a
extremamente importante privatização de bancos estaduais, genuínas usinas de expansão
monetária, pois eram utilizados por seus respectivos governos como fonte fácil e farta de
financiamento. Estes bancos operavam praticamente sem lei e sob ordens de seus governos
estaduais, criando meios de pagamento a rodo apenas para financiar seus descalabros. Os
desvalidos de todo o resto do país pagavam a conta

Os melhores exemplos eram o Banespa e o BANERJ. A dupla Quércia-Brizola punha fogo


nessas instituições, fazendo-as conceder empréstimos para apaniguados políticos, para
estatais deficitárias e, principalmente, para seus vorazes governos estaduais, ao mesmo tempo
em que esses próprios bancos incorriam em déficits vultosos. E quem socorria esses bancos
era o Banco Central, que injetava dinheiro neles sempre que necessário, aumentando tanto a
base monetária quanto o M1. Não à toa, a inflação só passou a ser menor após esses bancos
terem sido tirados da órbita de seus governos estaduais.

Mas a Caixa Econômica Federal, o Banco do Brasil, o Banco Meridional, o Banco da


Amazônia, o Banco do Nordeste, o os bancos estaduais de Santa Catarina, Ceará, Goiás, Pará,
Alagoas, Minas Gerais, Mato Grosso, Bahia, Acre e Maranhão não ficavam atrás. Todos
aprontavam e recebiam vultosas injeções do Banco Central. Os bancos estaduais não tinham
de prestar contas a ninguém. Sua gerência política fazia a farra com os recursos, o Banco
Central imprimia o dinheiro para cobrir a farra e o resto da população sofria as consequências
da libertinagem.

Toda esta depravação, felizmente, foi interrompida durante a segunda metade da década de
1990. Sem esta medida, dificilmente a inflação de preços cairia para menos de um dígito.

Por que o Plano Real acabou


As coisas vinham aparentemente bem até o segundo semestre de 1998, quando começaram a
degringolar. E no dia 13 de janeiro de 1999, o Plano Real, ao menos como havia sido
originalmente concebido, acabou.

Por quê?

O gráfico a seguir mostra a variação das reservas internacionais e a variação do M1, de julho
de 1994 a janeiro de 1999.

Gráfico 10: reservas internacionais (linha azul, eixo da direita) vs. M1 (linha vermelha,
eixo da esquerda)

Observe que, enquanto as reservas internacionais (linha azul) se mantiveram acima do M1


(linha vermelha), a situação se manteve relativamente tranquila.

Já no segundo semestre de 1997, as reservas caíram US$10 bilhões (de US$62,5 para
US$52,5 bilhões) em decorrência da crise asiática. Consequentemente, o Banco Central deu
uma pancada nos juros, elevando-os de 18,75% para 46%, como mostrado no gráfico 8. Isso
não apenas estancou a fuga de capitais, como ainda foi eficaz em atrair um volume ainda
maior de capital estrangeiro. Em abril de 1998, o país atingiria um volume até então recorde
de reservas internacionais: US$74,656 bilhões, com um M1 na casa dos R$ 42 bilhões. O
câmbio, como mostra o gráfico 7, estava por volta de R$ 1,13. Ou seja, mesmo se todo o M1
fosse convertido em dólares, ainda sobraria uma enormidade de reservas
internacionais. Logo, o cenário parecia tranquilo.

Até que no dia 17 de agosto de 1998, a coisa voltou a degringolar. A Rússia entrou em crise
financeira, e o governo russo anunciou uma forte desvalorização do rublo seguida de uma
moratória. Adicionalmente, a retomada dos confrontos na Chechênia e o início de uma nova
guerra entre os separatistas e o governo russo pioraram ainda mais o humor dos investidores
estrangeiros, que ainda estavam abalados pela crise asiática. Houve uma maciça fuga para o
dólar.

Em julho, as reservas internacionais do Brasil estavam em US$70,2 bilhões. Em novembro,


elas já haviam despencado para US$41,2 bilhões. E no início de janeiro de 1999, continuaram
caindo para US$36 bilhões. Simultaneamente, o M1 havia crescido de R$42 bilhões para
R$49 bilhões.

Por que as reservas internacionais despencaram assim tão maciçamente? Porque o Banco
Central queria impedir de qualquer maneira a inevitável apreciação do dólar, ainda que ela
fosse apenas momentânea. A explicação é a seguinte:

A crise asiática no segundo semestre de 1997 havia gerado fortes desvalorizações no baht
tailandês, no novo dólar taiwanês, na rúpia indonésia, no ringgit malaio, no won sul-coreano,
no peso filipino e no dólar cingapuriano. O dólar de Hong Kong, que opera sob um Currency
Board, conseguiu manter sua taxa de câmbio intacta.

Com a crise russa, um ano depois, Hong Kong voltou a ser atacada por especuladores. As
autoridades monetárias do país venderam, em duas semanas, US$15 bilhões de suas reservas
de US$96,5 bilhões. A âncora cambial se manteve. Com isso, o Brasil se tornou a bola da
vez. Especuladores e investidores desconfiavam que o Banco Central não fosse capaz de
manter sua política de venda de dólares a fim de manter o câmbio relativamente inalterado
(na Ásia, apenas Hong Kong havia obtido sucesso). O crescente endividamento do governo
prenunciava calotes. Temerosos quanto a este calote e quanto a uma iminente desvalorização
do real, investidores estrangeiros começaram a tirar seus dólares do Brasil. Paralelamente,
os especuladores também atacaram.

Durante todo este período de grande demanda por dólares, houve obviamente uma forte
tendência de valorização da moeda americana, algo que, deixada à lei da oferta e da demanda,
poderia mandar o câmbio para valores "indesejados" pelo governo. Ato contínuo, para evitar
esta desvalorização do real, o Banco Central vendeu maciçamente os dólares de suas reservas
internacionais, justamente para impedir essa valorização da moeda americana. US$34
bilhões foram queimados apenas para evitar que o câmbio se alterasse mais acentuadamente
(algo nada bom às vésperas de uma eleição presidencial). Daí a redução de US$70,2 bilhões
para US$36 bilhões de dólares nas reservas internacionais em menos de seis meses. E o
gráfico 7 mostra que o Banco Central obteve êxito: até o final de 1998, a trajetória de
valorização do dólar se manteve exatamente dentro da tendência histórica.

Porém, tal política obviamente era insustentável. Chegaria um momento em que as reservas
internacionais estariam em um ponto crítico. Se a tendência se mantivesse, elas poderiam ser
totalmente aniquiladas. Por outro lado, caso o BACEN nada tivesse feito, o dólar realmente
se valorizaria acentuadamente. De novo, em época eleição presidencial, isto não seria
tolerável.

Até que, no dia 13 de janeiro de 1999, com as reservas na metade de onde estavam em abril
de 1998, o Banco Central simplesmente desistiu de vender dólares para segurar o
câmbio. Simplesmente deixou que ele flutuasse.

completo histórico cambial do real.


Gráfico 11: taxa de câmbio diária, de 1º de julho de 1994 a 29 de junho de 2012

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