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Resumo: Propõe uma reflexão concernente à implantação do Sistema Único de Assistência Social
(SUAS), no que diz respeito ao trabalho do Assistente Social, como membro da equipe dos Centros de
Referência da Assistência Social (CRAS) e Centros de Referência Especializados de Assistência Social
(CREAS) na prestação de serviços e na execução das ações. Contextualiza o debate, a partir da
realidade da contra reforma do Estado brasileiro e situa o Serviço Social como especialização do
trabalho coletivo, fundado no projeto de formação em Serviço Social, bem como o projeto ético-
político da profissão sob a lógica dos eixos que dizem respeito à formação (ético-político, teórico-
metodológico, técnico-operativo) nas competências da profissão, sobre os novos espaços sócio-ocupa-
cionais dos Assistentes Sociais, espaços esses nos quais, diante das transformações societárias, se situa
o SUAS. Para tanto, o texto constrói um diálogo com as diretrizes do SUAS e os princípios enunciados
no Código de ética dos Assistentes Sociais, apontando os elementos que aproximam essas diretrizes e
problematizando as categorias que são centrais.
Palavras-chave: Serviço Social. Assistência Social. Sistema Único de Assistência Social.
Social work and the Unified Social Work System (SUAS): ethical
challenges to professional performance
Abstract: This article proposes a reflection on the implantation of the Unified Social Work System
(SUAS) concerning the social worker’s job as a team member of the Social Work Reference Centers
(CRAS) and the Specialized Social Work Reference Centers (CREAS), in the rendering of services and
performance of actions. The debate is contextualized in the counter-reform reality of the Brazilian State.
Social Work is placed as the specialization of collective work, based on the project of graduation in
Social Work, as well as on the ethical-political project of this profession under the logic of the axes
concerning graduation (ethical-political, theoretical-methodological, technical-operational) according
to the professional sphere, and about the new socio-occupational spaces of the social workers. Spaces
in which, due to society transformations, SUAS is located. Thus, the text builds a dialogue with the
guidelines of SUAS and the principles enunciated for the Social Workers Code of Ethics, pointing out
elements to approach these guidelines and problematizing the categories that are central to it.
Key-words: Social Service. Social Work. Unified Social Work System
* Assistente Social, doutora em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul (PUCRS), professora da Faculdade de Serviço Social (PUCRS). Integrante do Núcleo de Estudos
em Políticas e Economia Social (NEPES). Autora do livro O Direito Social e a Assistência Social na
Sociedade Brasileira: uma equação possível? E-mail: berenice.couto@pucrs.br
** Assistente Social, doutorando no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da PUC-RS, inte-
D
esde 1980, o Serviço Social bra-
sobre os novos espaços sócio-ocupacio-
sileiro é desafiado a concretizar
nais dos Assistentes Sociais, no caso, as
o projeto profissional, na pers-
demandas que se apresentaram após a
pectiva de trabalhar na garantia da segu-
constituição do Sistema Único de Assis-
ridade social pública. A seguridade so-
tência Social- SUAS (BRASIL, 2005).
cial, definida como sistema de proteção
social na Constituição Federal de 1988, Para além do desafio de executar a polí-
composta pelas políticas de Previdência tica no espaço estatal, os Assistentes So-
Social, Saúde e Assistência Social, en- ciais deparam-se com o trabalho nas Ins-
frenta a disputa teórica com os ideários tituições privadas/filantrópicas, que
do neoliberalismo e com a consequente compõem a rede de atendimento, e com
configuração sócio-ocupacional que se esse artigo, pretende-se apontar a neces-
conforma nesse ideário. Surgem, então, sidade de problematizar não só o traba-
com o processo de reestruturação pro- lho desenvolvido nos espaços públi-
dutiva, novas formatações da organiza- cos/estatais, como também na rede so-
ção social para dar conta das diversas cioassistencial prevista no SUAS. Torna-
formas de expressões da questão social, se relevante entender como se consti-
colocando-se em destaque, pelo menos, tuem esses espaços, a fim de evidenciar o
duas tendências. Uma defendida pela debate sobre público e privado, por-
lógica constitucional, com a centralidade quanto espaços de contradição, em que
do Estado e de natureza pública, e outra se efetivam as políticas sociais públicas,
caracterizada pela transferência para en- através das organizações governamen-
tidades privadas/filantrópicas, indicando tais e as organizações e entidades de As-
um processo de privatização do social sistência Social, de caráter jurídico de
com forte direito privado.
Na relação estabelecida entre Es-
[...] tendência de complementaridade e de
mixagem das ações do Estado, da socie-
tado/Sociedade Civil, propõe-se analisar,
dade civil e do mercado, fomentando as enquanto desafio imposto pela legisla-
ações privadas na área da seguridade so- ção, a construção de uma esfera pública
cial (SILVA, 2004, p. 137). na sociedade brasileira que contemple
também a unicidade do sistema.
Essa realidade vai impor aos Assistentes Para tanto, busca-se, a partir dos docu-
Sociais uma análise crítica das demandas mentos que fundamentam a implantação
que se colocam nos processos de traba- do Sistema Único de Assistência Social
lho, no campo da seguridade social e a (SUAS) no Brasil e suas normas opera-
viabilidade de concretizar o projeto cionais, identificar a constituição de área
ético-político do Serviço Social, constru- de atuação dos Assistentes Sociais, a
ído na década de 80, do século passado. compatibilidade de seus preceitos éticos
Para tanto, é necessário retomar os eixos com o espaço sócio- ocupacional da polí-
da formação em Serviço Social (o ético- tica de Assistência Social, seja no espaço
estatal, seja das entidades que compõem Cardoso (1994-1998) e durante seus dois
a rede. mandatos foram colocadas em prática.
Verifica-se que, conforme as propostas,
A análise é introduzida com o debate
tanto em âmbito teórico como prático,
sobre a realidade brasileira e os movi-
dadas as limitações temporais, essa
mentos de contra-reforma (BEHRING,
contra reforma foi viabilizada por suas
2003) que buscaram desarticular a re-
estratégias institucional-legal (reforma
forma constitucional de 1988, seus im-
do sistema jurídico e das relações de
pactos na formação e no exercício profis-
propriedade), cultural (cultura burocrá-
sional e buscam analisar a necessidade
tica para uma cultura gerencial) e de
da implantação do SUAS dentro da
gestão pública (introdução da adminis-
perspectiva da manutenção da Seguri-
tração gerencial). Os objetivos e os prin-
dade Social, tal como desenhada pela
cípios previstos no plano passaram a ser
Constituição de 1988.
implementados de forma gradual.
A capacidade de implementação das
O contexto da contra reforma do Estado
propostas das políticas econômicas de
e o projeto de formação em Serviço
recorte neoliberais, através do plano di-
Social
retor para a ‚contra reforma‛, fez com
que, no Brasil, a reforma defendida na
Em plena transição e aprovação de me- Constituinte fosse problematizada, ha-
canismos democráticos e públicos, no vendo a tentativa de desmontar a re-
Brasil, ao final da década de 90, do sé- forma democrática instituída pela Cons-
culo XX, constituíram-se leis que, impli- tituição de 1988 que, mesmo com o po-
cadas pela contra reforma1 do Estado, der de persuasão da retórica neoliberal,
começaram a formatar o projeto identifi- acabou demonstrando mecanismos con-
cado com preceitos neoliberais os quais solidados, como os Conselhos de Políti-
tentaram impor uma redução considerá- cas Públicas e de Defesa dos Direitos, nas
vel da gestão pública através do Estado. Câmaras Setoriais, nos Orçamentos Par-
Essas regulamentações pretendiam am- ticipativos, nos meios políticos, intelec-
pliar, portanto, a iniciativa empresarial e tuais e da sociedade civil (BEHRING,
as prerrogativas voltadas aos fins priva- 2000; DINIZ, 1996).2
dos.
No Brasil, a contra reforma também foi
As reformas do Estado foram sistemati- implementada pelo mecanismo da ‚[...]
zadas em decorrência do Plano Diretor política de defesa do capital de emprés-
da Reforma do Estado (BRASIL, 1995), timo [...]‛ e da ‚[...] política fiscal de
elaborado pelo Ministério da Adminis- isenção do capital [...]‛. Dessa maneira, a
tração Federal e da Reforma do Estado, perversidade do sistema conquista os
aprovado pela Câmara da Reforma do países do Terceiro Mundo, incluindo o
Estado, no primeiro governo do Presi- Brasil, onde a
dente da República Fernando Henrique
2 Para um maior aprofundamento da discussão
1 Termo destacado por opção dos autores, base- da proposta de reforma do Estado que culmina
ado na crítica desenvolvida por Behring (2003). em tais experiências, ver Diniz (1996, p. 25).
a) Defesa intransigente dos direitos so- a) Reconhecimento da liberdade como valor ético central
cioassistenciais. e das demandas políticas a ela inerentes - autonomia,
emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais.
b) Compromisso em ofertar serviços, b) Defesa intransigente dos direitos humanos e recusa
programas, projetos e benefícios de do arbítrio e do autoritarismo.
qualidade que garantam a oportunidade
O Quadro 1 mostra que há um claro assistente social nas suas relações com os
compromisso ético a ser cumprido pelos usuários, pautando-se o resguardo, a
trabalhadores da assistência social, privacidade, o sigilo profissional e o
também expressos como deveres do esclarecimento aos usuários sobre os