A região localizada entre os rios Tigre e Eufrates, no Oriente Médio, contém os
mais antigos registros históricos de um sistema de escrita, a escrita cuneiforme, que exerceu sobre aquela civilização importante papel na estrutura social, permitindo inclusive a criação e difusão de códigos de leis e estruturas juridicas. A Mesopotâmia, como ficou comumente conhecida a região, tem sua história dividida conforme os períodos de dominação de diferentes povos, conforme a imagem abaixo:
(Imagem extraída de Pozzer, p.12)
Ao longo dos três milênios de história, os mesopotâmicos criaram sociedades
complexas, organizadas em Cidades-Estados, com sistema jurídico próprio e os mais antigos códigos de leis conhecidos: Ur-Nammu (2100 a.C); Lipit-Istar (1930 a.C); Leis de Esnunna (1800 a.C); e o Código de Hamurábi (1750 a.C) [Pozzer, p.12]. A estrutura jurídica existente na Mesopotâmia era composta por: juízes profissionais (Diku em sumério e Dayyânu em acádio), que eram homens letrados que haviam frequentado a escola de escribas, estas existiam desde a época suméria, havia inclusive uma escola de aperfeiçoamento de jurtistas em Nippur, centro religioso do sul mesopotâmico (periodo paleobabiôonico) (Pozzer, p.3); chefes de familia, que tinham jurisdição dentro do próprio âmbito familiar para julgar pequenas causa, sem contudo ter direito sobre vida e morte (Cardascia, 1969: p.77-78); o conselho de anciãos (sïbûtum em acádio), que também poderia intervir em disputas públicas ou privadas (Greengus, 2000: p.469); e oficiais administrativos, que recebiam funções judiciárias, como por exemplo os governadores de províncias que recebiam autonomia para resolver litigios dentro de suas circunscrições; além da figura do rei, que poderia intervir em qualquer demanda (Pozzer, p.3-4) Durante o periodo paleobabiloneo observa-se também a figura de um oficial que poderia denunciar crimes direto às autoridades (qabba’um), papel semelhante ao do Ministério Público e, apesar de haver controvérsias quanto a figura do advogado no periodo, há textos antigos que indicam que havia a profissão, figura conhecida por râbisum em acádio, na época de dominação assírica (Pozzer, p. 5). Apesar de toda essa estrutura de cargos hierarquizados, não haviam tribunais permanentes, as jurisdições tinham caracter temporário, existiam enquanto duravam as querelas ou as reuniões do magistrados. Todavia, haviam órgãos do governo constituídos por cidadões e membros do conselho de anciãos para decidir sobre questões civis, chamado de Unkin, em sumério (Mieroop, 1997: p.121- 123). Desta forma, observa-se que não havia separação clara entre o executivo e o judiciário; tanto que a localização mais comum para sessões de justiça eram as portas de edíficios administrativos ou religiosos (bâbum em acádio), não havendo edifícios para essa funcionalidade única. O processo jurídico era composto de uma prévia negociação (sabâtu), não havendo acordo, o litígio subia para um tribunal, onde haveria um interrogatório em separado das partes por juízes ou autoridades civis, que resultavam em um dossiê, documento que serviria de fundamento para qualificar e estipular a pena. Apesar dessa organização jurídica, existiam muitas incongruências no sistema, por exemplo, os juízes não recebiam proventos do governo, sendo seus pagamentos presentes (sulmânu) recebidos das partes conflitantes no processo, a captura e a detenção sem julgamento eram práticas comuns e não havia sistema de apelo da sentença (Pozzer, p.9). Muitas das nossas questões normativas tem equivalência com o mais famoso dos códigos de leis antigas, o Código de Hamurábi, como por exempo, os crimes de furto, difamação, estupro e mesmo o papel das testemunhas como prova de defesa ou de acusação durante um processo (Lima, p. 8). O Código de Hamurábi possui 282 artigos que abordam delitos de temas diversos sobre família, propriedade, herança, obrigações, direito comunitário e escravidão. Esse conjunto de leis é sem dúvida o registro histórico mais evidente para compreensão de como funcionava a sociedade mesopotâmica e como transcorria seu sistema de justiça. Observa-se que existia uma relação sutil entre o universo sobrenatural e a manifestação da sociedade mesopotâmica de justiça. Embora não hajam registros de tribunais eclesiásticos naquela época, nota-se que há uma religiosidade intríseca no sistema de justiça, representada em práticas como o procedimento de ordálio (ritual em que a pessoa mergulha no rio para ser julgada: se sobrevivesse, era inocente; se morresse afogada, era culpada e recebia o castigo merecido) em que a incerteza para a aplicação da pena era transferida para o julgamento divino da sorte (Lima, p.11). Com toda certeza, a miscelânea de povos, culturas e o desenvolvimento da região entre os rios Tigre e Eufrates foram fatores ímpares para o surgimento dos primeiros códigos de leis e sistemas jurídicos da história. Esses conjuntos de leis e seu sistema de juízes foram tão importantes que suas dimensões expandiram-se muito além das fronteiras da Mesopotâmia ou mesmo das eras, sendo talvez o maior legado daquela civilização para a humanidade.
Bibliografia
POZZER, K. M. P. O Exercício do Direito na Mesopotâmia antiga. Revista Justiça e
História. Rio Grande do Sul: TJRS, v.2, n.3, 2009.
CARDASCIA, G. Les Lois Assyriennes. Paris: Éditons du CERF, 1969
GREENGUS, S. Legal and Social Institutions of Ancient Mesopotamia. In: SASSON, J. M. (Ed.). Civilizations of the Ancient Near East. New York: Scribner, 2000. p.469-484.
VAN DE MIEROOP, M. The ancient mesopotamian city. Oxford: Clarendon Press,
1997.
LIMA, L. C.; LIMA, R. A. CULTURALISMO, HISTÓRIA E NORMATIVISMO: A
ARTE DE FAZER DIREITO NA MESOPOTÂMIA E NO EGITO ANTIGO. Rio Grande do Norte: UFRN. 2008. Disponível em: < http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/files/anexos/32565-39713-1-PB.pdf > Acesso em: 20 Maio 2018.