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Reflexão de facebook.

Para melhor compreender o momento da política e da nação brasileira, que também se aproxima a
realidade de outras nações latino-americanas, devemos ficar atentos aos clássicos que já
denunciavam as práticas perversas de grupos de poder nos Estados capitalistas.
Assim como no Brasil, há quase um século na Itália se viveu algo parecido, o assalto do Estado por
parte de blocos de conchavos maquiavélicos que no desespero para se perpetuarem no poder
apostam todas as suas fichas no jogo baixo e conservadorismo em forma literal do aqui conhecemos
por formação de quadrilha. Isso ajuda a explicar um conselho de ética que inocenta um corrupto
flagrante em rede nacional, ou um parlamentar com discursos de ódio sendo venerado enquanto
aquele que representa minorias e que denuncia os desvios é quem é julgado. Ajuda a explicar até
mesmo a existência da governabilidade, como pacto social que perdurou quase vinte anos (se assim
posso dizer), além de um engessamento do Estado nacional para com os pobres enquanto os ricos
nadam de braçada, entre o legislativo, executivo e judiciário, com todo tipo de privilégio de classe
abastada. Para piorar, se apegam a discursos claramente falsos com a finalidade de ganhar
penetração entre a classe trabalhadora, ressuscitando a falácia do liberalismo, que acabou seu tempo
há mais de cem anos, o que sobrou é pura farsa, doutrinação e desregulamentação das normas para
favorecer empresas e grupos específicos de poder enquanto a maioria da população é lançada na
miséria.
Gramsci nos dá luz sobre esses tempos, que passadas décadas, suas ideias continuam atuais e
denunciantes. Antes de tudo, aviso que é um texto de tradução própria da versão em espanhol,
assim, perdão por possíveis equívocos.

Liberalismo e blocos

A mais estranha das teses que às vezes ocorre escutar na presente luta eleitoral é essa: que há
renascido o liberalismo. A mais estranha das proposições que às vezes ouvimos defender é esta: que
a formação dos blocos são uma prova deste renascimento, que o programa dos blocos é um
programa liberal, que sua ação é liberal.
Não negamos que essas afirmações possam possuir um valor dinamizador. Podem servir para
despertar no ânimo de alguns burgueses, se é que ainda existem burgueses que conservem noções
da história de sua classe, a recordação da idade de ouro da burguesia. A idade do liberalismo é a
idade do heroísmo individual burguês e do heroísmo de partido. Liberais eram os burgueses que por
si só, sem pedir apoio mais que ao sentimento de sua responsabilidade, sem pedir outra defesa que a
liberdade, criaram um novo mundo econômico e moral, destruindo os limites de toda escravidão
anterior. Liberais eram os partidos que faziam da liberdade a premissa de qualquer programa e
quase esgotavam nesta afirmação ideal todas as suas virtudes. Chamar liberais aos burgueses de
hoje em dia, que do valor moral da liberdade perderam a consciência, é algo muito pior que
somente estranho, assim como é falta absoluta de compreensão política crer liberais aos partidos
burgueses atuais ou, pior ainda, ao bloco no qual estes desapareceram.
Porém, ante tudo, seria preciso averiguar si é que hoje existem partidos burgueses, e reconhecer que
desde o momento em que a nacionalização da economia substituiu a competição entre cidade e o
campo por seu acordo em um sistema estatal de proteção recíproca, desde então os partidos da
burguesia, os partidos no sentido clássico da palavra, se debilitaram. Onde o contraste entre cidade e
campo não assumiu nunca uma forma orgânica e historicamente contínua, como em Itália na época
moderna, os partidos não existiram nunca, ou há desaparecido apenas o fervor que havia permitido
sua formação, não sobre bases de interesses reais, sinão de afirmações ideias puras. Na Itália os
partidos morreram com a direita, e a palavra liberalismo de então, mudando seu significado, se
converteu em sinônimo de arte de governar. Foi primeiro uma premissa, a premissa da existência de
qualquer partido; se converteu logo em algo como uma consequência, uma resultante, a resultante
de uma ação dos grupos isolados mais ou menos harmoniosamente coordenada pela habilidade do
governante. Já não foi teoria de liberdade e afirmação de responsabilidade, senão teoria e prática de
equilíbrio e acomodação e por tanto negação do valor das afirmações ideias e desaparição do
sentido de responsabilidade…
O bloco matou o partido político, e a prática da acomodação se estende desde o Parlamento até os
mesmos grupos políticos do país. No bloco a tática liberal morre e confessa estar morta.
Porém o fim do liberalismo se confessa ainda mais explicitamente no programa. O programa dos
blocos é a defesa contra o assalto que se lança contra as posições da burguesia. Porém uma classe
que se defende e faz da defesa seu único princípio de governo deixa de ser, por este feito, uma
classe liberal, deixa de ter a capacidade manter em seu próprio seio a aspiração ao desenvolvimento
de toda energia sem outro limite que não seja a mesma liberdade. E que a burguesia tenha chegado a
este ponto é o sinal mais certo de sua decadência. Morreram em seu seio os partidos, fica só a
classe, e nem sequer um governo de partido, isto é, constituído em nome de um princípio ideal, a
burguesia já não pode terlo, senão somente um governo de classe para fins de conservação. Isto, e
nenhuma outra coisa, é o que queremos expressar quando afirmamos que há chegado para ela a
idade da ditadura.
Da ditadura burguesa os blocos são uma forma, a forma mais elevada, a forma mais baixa, aquela
na qual a dignidade da história é rebaixada ao nível da farsa e da obscenidade. Porém no símbolo
dos blocos as bandeiras fascistas recordam que a ditadura burguesa é, sem embargo, algo sério e
trágico; quando se passa do cenário eleitoral às lutas combatidas em campo aberto, estas lembram
aos trabalhadores que a burguesia não cede sem pôr antes em prática todos os meios de defesa e
destruição.
Com tudo isto o liberalismo não tem nada a ver, como não tem nada a ver o valor com a violência
dos fascistas que atuam à sombra do Estado. O espírito do liberalismo vive naqueles que lutam, sós,
sem contar com outro apoio que sua força, o sentido de sua responsabilidade, sem outro objetivo
que a realização de seus ideais, para uma liberação do mundo cada vez mais profunda.

Antonio Gramsci, Sobre o Fascismo. Primeira edição espanhola 1979. Tradução própria e livre.

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