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CAMPINAS
2015
RAFFAELLA ANDRÉA FERNANDEZ
CAMPINAS, SP
2015
Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): CNPq, 143007/2011
Ficha catalográfica
Universidade Estadual de Campinas
Biblioteca do Instituto de Estudos da Linguagem
Crisllene Queiroz Custódio - CRB 8/8624
Título em outro idioma: Creative process in the literary of Carolina Maria de Jesus's literary
assets
Palavras-chave em inglês:
Jesus, Carolina Maria de, 1914-1977 - Manuscripts
Jesus, Carolina Maria de, 1914-1977 - Criticism and interpretation
Brazilian poetry - Black authors
Creation (Literary, artistic, etc.)
Social marginality, in literature
Inner cities
Área de concentração: Teoria e Crítica Literária
Titulação: Doutora em Teoria e História Literária
Banca examinadora:
Marcos Antonio de Moraes
Mário Augusto Medeiros da Silva
Mirhiane Mendes de Abreu
Therezinha Apparecida Porto Ancona Lopez
Vera Maria Chalmers
Data de defesa: 31-08-2015
Programa de Pós-Graduação: Teoria e História Literária
Em primeiro lugar devo agradecer a agência de fomento CNPq pelo financiamento de todo o
trabalho em solo nacional, que possibilitou o desenvolvimento e a dedicação exclusiva à
pesquisa desde a graduação;
Agradeço a Capes/PSDE pelo fomento que viabilizou parte fundamental da pesquisa realizada
em solo internacional;
Agradeço especialmente à professora Vera Maria Chalmers, por ter assumido o encargo da
orientação pela confiança e liberdade intelectual a mim dispensada nos anos desse trabalho;
Toda minha gratidão, in memoriam, à coorientadora Catherine Viollet, pelo carinho e atenção
a mim dedicados durante o período de estágio de doutorado em Paris, pela ajuda na consulta
dos manuscritos de Carolina de Jesus e sugestões bibliográficas preciosas;
Também a Phillipe Lejeune, pela acolhida e pelo profundo debate junto aos membros do
“Séminaire Genèse et Autobiographie” no Institut des Textes et Manuscrits Modernes
(ITEM/CNRS) alocado na École Normale Supérieure de Paris;
Um agradecimento especial vai para a família Jesus, principalmente a Vera Eunice de JESUS
Lima que muito me tem ajudado nesses anos de pesquisa da obra de sua mãe, pelos
depoimentos, pela disponibilização de originais e, sobretudo, pela confiança, carinho e
partilha que me aproximam ainda mais de Carolina de Jesus;
Não poderia deixar de agradecer aos protagonistas de primeira hora, onde tudo começou, isto
é, a Unesp de Marília com a presença de meu amigo poeta e filósofo Milton Mello, que me
presenteou com uma publicação rara de Quarto de despejo, encontrada por ele no lixo de uma
biblioteca e imediatamente entregou a mim porque na ocasião lia e pensava em estudar a obra
Cidade de Deus, de Paulo Lins;
Agradeço minha primeira orientadora Célia Tolentino que acreditou no envio do primeiro
projeto proposto ao CNPq na árida área da Sociologia da Literatura pouco aceito nos cursos
de Ciências Sociais;
Agradeço especialmente ao professor Mário Augusto Medeiros por todo seu tempo a mim
dispensado para conversas precisas e interesses comuns que envolveram não somente os
estudos sobre a obra de Carolina de Jesus, mas toda a literatura marginal periférica em sua
fundamental existência e criatividade;
Agradeço a Mirhiane Mendes de Abreu pela inspiração intelectual, leitura atenta, precisa e
paciente, além de seu apoio incondicional;
Não poderia esquecer de deixar meu muito obrigado aos professores Telê Ancona, Marcos de
Moraes e às alunas Ângela Grillo e Tatiana Longo pela acolhida junto ao IEB num primeiro
momento dessa pesquisa, quando ainda buscava suporte para conhecer os debates em torno da
Crítica Genética;
Agradeço ao Museu Afro Brasil na figura de Romilda Silva e Izabel Monteiro, bibliotecárias
queridas e carolineanas de fé, gestoras da biblioteca Carolina Maria de Jesus;
Agradeço ao poeta Oswaldo de Camargo pelas conversas que me situaram não apenas no
mundo da literatura negra, em São Paulo, como também seu encontro com a obra e pessoa de
Carolina Maria de Jesus;
Agradeço o Allan da Rosa por suas poéticas do revide, pelas discussões e pelos nós que colou
em minhas orelhas de coelha;
Agradeço minha amiga poeta Dinha que possibilitou a realização de um sonho com a parceria
para a publicação de Onde estaes felicidade?, de Carolina Maria de Jesus. Nesse sentido, não
poderia deixar de manifestar minha gratidão pela intervenção da escritora Cidinha da Silva
junto à Fundação Cultural Palmares;
Toda minha gratidão mais profunda a minha mestra de todas as horas e em todas as instâncias
Josefina Neves Mello, pela leitura, discussão e revisão atenta deste trabalho, companheirismo
e ensinamentos para a vida;
Agradeço aos alunos do Haiti que chegaram em 2012 na Unicamp, e que para terminarem
seus estudos pós-terremoto em seu país, fizeram do meu encontro com a língua francesa, e
cultura crioula, uma matéria viva para além dos livros;
Agradeço a todos os meus companheiros carolinianos queridos, cujos nomes não cito porque,
de tão extensa, a lista não caberia nesta folha de papel;
A todos que participaram dessa jornada, de perto ou de longe, o meu sempre obrigada!
RESUMO
Esta tese consiste na organização cartográfica e analítica do processo criativo das narrativas
esparsas, recolhidas no espólio literário de Carolina Maria de Jesus. Partindo da evidência de
que a escritora criou uma “poética de resíduos”, procurou-se delinear os percursos e as
escolhas estabelecidas por ela ao longo de seus manuscritos, a fim de decifrar as estratégias de
sua forma de invenção. A natureza de seus escritos é híbrida e fragmentada e, como tal, pede
uma postura quase arqueológica de escavação. Assim, para chegar ao desvendamento de sua
poética de resíduos, optou-se por um olhar mais detido para as narrativas que comporiam seu
livro de contos. A autobiografia serve de base para suas criações literárias; dessa maneira a
escritora apoia-se sobre si mesma, reconstituindo sua memória e seu cotidiano para produzir
no leitor um dado efeito. Carolina de Jesus quer que ele seja afetado pela concretude de sua
escritura. No decorrer das análises foram cartografados os trajetos (de vaivém, de fuga, de
abandono e retorno) do “eu” fraturado que percorre resquícios das próprias lembranças,
misturadas às suas experiências de leitura, com fatos de sua vida imediata, no afã da
construção de sua obra. Uma extensa produção composta pelo encontro entre o “de-si-
mesma” de dentro e o “de-si-mesma” de fora, na movimentação de suas várias faces,
compondo o que se deve considerar a elaboração de sua “identidade narrativa”. Por iminência
compreendemos algo que está a ponto de acontecer, um vir-a-ser que na poética empreendida
por Carolina de Jesus está expresso através de resíduos de discursos literários e não literários,
apresentando-nos uma nova voz a romper cânones; ao mesmo tempo em que emblematiza um
novo acontecimento na história de nossas letras: a assim denominada, por seus escritores
provindos das periferias paulistanas, “Literatura marginal periférica”.
This thesis consists in a cartographic and analytical organization of the creative process of the
sparse narratives collected in the assets of Carolina Maria de Jesus. Starting from the evidence
that the writer created a “poetic of residues” we aimed to outline the paths and choices
established by her along the manuscripts in order to decipher her creative process. The nature
of her writing is hybrid and fragmented, which almost calls for an archaeological process of
excavation. Therefore to unveil her poetic we closely investigate the narratives that would
take part in her book of short stories. The autobiography is the basis for her literary creations,
the author leaning on herself to reconstitute her memories and everyday life in order to
produce on the reader a given effect. Carolina de Jesus wants the reader to be affected by the
concreteness of her writing. During the analyzes we drew a map of the trajectories (the
shuttles, the fugues, the desertions and the regresses) of the fractured “self” that travels
through the remnants of one’s own memories mixed with one’s reading experiences and with
facts of one’s immediate life, in the effort of building the work of art. Her work is composed
by the encounter between her “self from inside” and her “self from outside”, considering the
circulations of her various faces – what ends up constructing that which we can name her
“narrative identity”. By imminence we will comprehend something that is about to happen, a
devenir that in the poetic of Carolina de Jesus is expressed through the residues of literary and
non-literary discourses, presenting a new voice breaking canons; as well as serving as an
emblem of a new event in the history of the Brazilian literature: one that the writers from the
peripheries of S. Paulo call “marginal literature”.
LITERATURA....................................................................................................................249
Notas introdutórias
Capturada por Carolina de Jesus, naquele dia estava decidido meu projeto de
pesquisa de iniciação científica, meses depois financiado pelo Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), e que foi o início de uma construtiva
obsessão, movida pelo fascínio que conduziu meus passos até aqui. Durante o trabalho de
conclusão “Em todo e nenhum lugar: vozes da marginalidade”, defendido em 2002 no curso
em Ciências Sociais da UNESP de Marília, orientado pela professora de Sociologia Célia A.
F. Tolentino, foram observadas as relações entre Quarto de despejo: diário de uma favelada e
o livro Esmeralda: por que não dancei, relato da ex-menina de rua de Esmeralda do Carmo
Ortiz, a fim de compreender como se davam as condições sociais experienciadas por essas
duas mulheres negras e pobres, que viveram à margem da cidade de São Paulo durante os
cinquenta anos que as separavam. Além da observação de como se davam os mecanismos de
perpetuação da marginalidade, mudando apenas as personagens e mantendo os cenários da
pobreza e do racismo, pudemos notar a força literária dos escritos de Carolina de Jesus. Tal
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1 Neste trabalho, parte-se da ideia de escritura como aquela que traz um dado novo para a escrita, pois
desenvolve a criação, retratando novas línguas e elementos terceiros na criação de história e de palavra, que
variam entre o oral e a língua escrita. Para Barthes (2002), a escritura requer para si o clamor artístico,
enquanto a escrita visa o rigor linguístico, sendo ela transitiva predispondo -se mais a falar sobre algo. O
conteúdo não importa tanto quanto a forma que cria o conteúdo como uma série de elementos linguísticos
cronologicamente situados.
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editora Anne-Marie Métaillé, elas doaram cópias da edição de dois cadernos de Carolina de
Jesus – que nos anos de 1970 a escritora havia deixado com essas jornalistas. Esses cadernos
contêm anotações do trabalho de tradução realizado por Régine Valbert e estabelecido por
Métaillié, que deram origem ao Journal de Bitita publicado em 1982, ocasião em que recebeu
diversos prêmios. As duas versões publicadas no Brasil são resultado da tradução dessa
versão francesa do livro, publicado primeiramente na França. Portanto, o resgate desse
material2 permitiu novas possibilidades de leitura, pesquisas no domínio da crítica genética e
da tradução, e que poderá vir a ser objeto de uma publicação mais próxima do projeto literário
da escritora.
Em geral, os trabalhos sobre Carolina de Jesus tendem a valorizar sua obra como
um testemunho da favela, quer dizer, como sendo a verdadeira voz do “povo”; mas o trabalho
individual de sua escrita permanece sem atenção. Nesse estudo, portanto, ao procurar
cartografar suas narrativas, buscando compreender seus processos de criação, não somente
como uma expressão simbólica de indivíduos marginalizados, mas, sobretudo, como criação
artística, busca-se jogar luz sobre sua atividade de escritora, com toda a complexidade que
isso representa. Por outro lado, ao cartografar as narrativas, busca-se compreender os
mecanismos de associação entre realidade e ficção, estabelecida nas elisões que a escritora faz
entre as dimensões literária e autobiográfica.
2 O material será doado para o Arquivo de História Social Edgar Leuenroth (AEL) da UNICAMP
http://www.ael.ifch.unicamp.br/site_ael/, uma das maiores instituições da América Latina destinada à
preservação, conservação e difusão de documentos relativos à história do Brasil. Em 2010, Mário Augusto
Medeiros da Silva, pesquisador e atual docente do IFCH, entregou ao AEL os microfilmes de jornais e
originais de Carolina de Jesus, que estão na Biblioteca Nacional, como parte de seu doutorado financiado pela
FAPESP. Assim, a junção de tais arquivos permite-nos criar um fundo Carolina Maria de Jesus, a fim de
preservar a memória da escritora e facilitar novas pesquisas sobre sua obra.
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Em A educação pela noite, Antonio Candido (1987) comenta que até a década de
1930 predominou no Brasil uma percepção de que éramos um país novo, estávamos
embebidos em um pensamento de que a história iria promover a transformação. Após a
década de trinta, entretanto, começava-se a perceber o Brasil como um país subdesenvolvido,
jovem e atrasado. E é este o país que a escritora das favelas irá mostrar ao revelar as mazelas,
não apenas as da vida do pobre nas grandes cidades, mas o contraponto da modernização,
expresso também na pobreza do meio rural. Daí, a temática “campo versus cidade” latente em
seus escritos, tais como o “Prólogo” ou “Onde estaes felicidade?”. Mesmo de maneira
ambivalente, Carolina de Jesus não conseguia definir uma escolha pelo melhor local para
viver, talvez por indecisão porque gostava dos dois, ou ainda contaminada por um discurso de
direita. Essa ambivalência em relação à pobreza relacionada ao êxodo rural reaparece em seus
textos, em muitos momentos. Carolina de Jesus afirma ideais de uma reforma agrária,
desejando o retorno ou o envio dos pobres de São Paulo para o meio rural, propondo um
contra-êxodo associado ao discurso da UDN 3 , que era, inclusive, liderado por Carlos Lacerda,
a quem ela dirigia diversas críticas. Além disso, o partido era opositor do populismo
varguista. Mais um contrassenso, uma vez que Getúlio Vargas foi, não raras vezes, almejado e
elevado pela escritora, como podemos ler neste poema publicado em 17 de junho de 1950
3 Quando no final de 1944 começaram a surgir no Brasil movimentos políticos que exigiam o fim da ditadura e o
retorno da democracia e liberdades civis, pressionado, Getúlio Vargas antecipa o decreto de um novo código
eleitoral que garantia as manifestações e reivindicações políticas. Ent re outros, surgiu em abril de 1945 a União
Democrática Nacional (UDN), um grupo liberal de oposição formado pelas oligarquias estaduais de extrema
direita e de orientação conservadora, que propunha como reforma o contra-êxodo rural associado aos interesses
econômicos norte-americanos.
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para o jornal “O defensor” e reescrito por ela em seu diário de 15/07/1955 – 28/07/1955 (BN,
Caderno 1, 47, GAV1, 01):
Getulio é competente
Para guiar a Nação
Foi um grande presidente
Deixo minha impressão
Nas minhas orações peço
Ao bom Deus, justo e potente
Para ter breve regresso
O Getulio a presidência (JESUS, 2014, p.54-55).
No entanto, cinco anos após esse registro, lemos nos seguintes textos, onde a
escritora tece uma reflexão sobre a desigualdade e a reforma agrária. São dois fólios
transcritos de um dos cadernos guardados no Museu de Sacramento, de localização: APMS
05.02.09, que equivale ao Caderno 9 da Fundação Biblioteca Nacional (MS-565(5):
Em um pais igual ao nosso com terras inesplorada. Onde o pobre diz: não posso viver! E
ser uma alma penada! Com tantas terras nêste onde o homem nunca penetrou. E o povo
vive infeliz comendo pão que o diabo amassou. O diabo é o capitalista que só visa
enriquecer. Alma mediocre egoísta que deixa o pobre sofrer. Com terras para agricultura
para abastecer o mundo inteiro. E o povo vive na penura. Nem sei o que pensar do
brasileiro. É, que o pobre quer plantar! Mas o pobre não tem terra. Quando o povo
começa a reclamar o governo promove uma guerra prefere empurra os nosso filhos para
lutar no campo de batalha. Enviam esses coitados para o exílio. Mas, não dá terra para o
homem que trabalha.
Na campanha eleitoral
Nos promete vida deçente
Mas depois é um animal
Que nos ataca com unha e dente
Político quer enriquecer
Para não mais trabalhar
Quando o mandato vençer
Deixa o cargo vai viajar!
(APMS 05.02.09, Peças teatrais: “Oh Se eu soubesse” e “A senhora perdeu o direito”,
Fólio s/n).
Mas o que Carolina de Jesus faz com sua escritura seria um inventário ou uma
invenção? Como foi possível constatar na pesquisa da tese, seus textos não se apresentam
4 Getúlio Vargas morreu em 24 de agosto de 1954, e em 1955 ela, ambiguamente, reza para ele voltar a ser
presidente.
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apenas sob o fluxo do discurso oral, havendo diversas modificações ao longo das várias
versões reescritas, o que lhes imputa um caráter ficcional e nos permite retornar a eles através
do investimento dessas transformações (rasuras, confirmações, supressões, substituições e
complementos).
Em sua obra, os locais esquecidos são reconhecidos como necessidade. Ela pinta o
que deseja rever, efetuando uma reapresentação voltada para o local do esquecimento,
gerando uma impressão desse porvir como escritura. Esse movimento mostra a existência de
uma iminência estética, muitas vezes contraditória, por sua tendência híbrida. Assim,
emergindo do limbo como nos arquivos mortos, par de chose, os arquivos de Carolina de
Jesus expõem sua iminência poética na medida em que compõem a reinvenção de um modo
de existência e subjetividade particulares.
Através do exame desses arquivos foi possível observar como o fazer uma obra se
diferencia do agir numa obra. Agir nos vem como um diagrama de objetos que resultam de
forças iminentes em nosso corpo. Deslocamento de cartografia do presente que dá sentido às
coisas; é o sujeito em ação agindo sobre seu próprio destino. O fazer conjuga-se como
executar, desempenhar; como gesto traçado no mapa das intenções de até onde seu autor quer
chegar; e, por mais criativo que seja, tudo permanece o mesmo, pois cada dado converge para
a economia da obra vicejada por seu autor-compositor. O agir é inato, é o desinteressado
tecer, como Bispo do Rosário tecia incessantemente seus estandartes dentro de sua cela-forte.
Ele não objetivava fazer uma obra, apenas agia. Os manuscritos de Carolina de Jesus se
aproximam desse lugar tácito, impensado, como em Bispo do Rosário: a escritura como
alimento. A escritura como vida, como a própria existência; não apenas como trajeto, mas sim
como instauração de um lugar. Uma vida-escrita ou por escrito repleta de uma potência
impessoal emaranhada de técnicas de si e de suas infindas variações.
Do mesmo modo como Bispo do Rosário bordava a letra que faltava, Carolina de
Jesus desenha a escritura que faltava – ambos materializando a palavra ao primar pelo
significante –, inscrevendo seus corpos em suas obras. A borda do furo de Bispo do Rosário é
a economia de cada linha miraculosamente preenchida por Carolina de Jesus 5 . Partindo do
mesmo ponto de vista da subjetividade, que se move dentro dos limites marcados por sua
condição marginal, está a “corpoeticidade” presente na expressão poética de Miró da
Muribeca, um ex-morador de rua, não por acaso também negro e pobre, e nas declamações de
seus performáticos poemas urbanos pelas ruas do centro de Recife (PE). Essa
“corpoeticidade” vem marcada por três substantivos como dialéticas ressignificadas pelo
poeta em forma de “poesia no corpo, corpo na poesia e cidade na poesia”, como analisa
Rosário (2014)6 .
No dia 27 de maio de 1957, ela diz no jornal Última Hora: “Minha diversão
predileta: ouvir o rádio. Gosto de novelas do Wálter (Gerhard) Forster e música de (Antonio)
Rago. Quando não estou escrevendo ligo o rádio e escuto. O rádio tem me ensinado muita
coisa”. Carolina de Jesus excursiona pelas artes em geral demonstrando sua versatilidade. Seu
aprendizado autodidata é também em boa parte auditivo, reiterando as influências de sua
7 Ver, por exemplo, a maneira como Benjamin escreve seu texto “Sur le concepte d’histoire”. In: Ouevres III.
Paris: Gallimard, 2010, p.427-443.
8 Um dos discos foi gravado pela RCA Victor e outro foi colocado em prova pela Fermata (cf. JESUS, 1996,
p.297).
9 MEIHY, José Carlos Sebe B. Contos das ruas. Semialfabetizada, Carolina Maria de Jesus vendeu mais de um
milhão de livros só no exterior. Revista de História da Biblioteca Nacional ISSN-1808-4001. (05/05/2010).
Disponível em: http://www.revistadehistoria.com.br/secao/leituras/conto -das-ruas. Acesso em: 13/02/2011.
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formação cultural com o avô griô (griot)10 e suas intermináveis conversas pelas ruas e praças
de Sacramento (MG), com seus netos e vizinhos.
A segunda parte do estudo deu ênfase à genealogia dos textos que apresentam
diversas versões, a fim de compreender como as modificações incidem sobre o conteúdo e as
formas dessas versões, de acordo com os métodos da Crítica genética francesa, discutindo
algumas das consequências das formas de criação da escritura de Carolina de Jesus. Foi
observado em que medida as narrativas dispersas, repetidas ou inacabadas aparecem na coleta
dos fragmentos de discursos da escritora em seu devir-trapeira de literatura-reciclagem que
atuam tanto na sua vida quanto na sua escrita.
10Segundo Houaiss (2012, p.1.484), Griô, no Sudão e em parte da zona guineense, poeta, cantor e músico
ambulante pertencente a uma casta especial que, além de cronis ta e detentor da tradição oral do grupo, freq.
exerce atribuições mágico-religiosas. (...). No Brasil, o Mestre Griô é o detentor de conhecimentos transmitidos
por gerações através da linguagem oral, sendo o indivíduo que leva em sua língua todo os saberes , teóricos e
práticos, que compõem as tradições de um povo; ele é a memória viva da família. Contando estórias e fazendo
história, o griô é o ser ancestral que valoriza o poder da palavra, da oralidade, das ligações afetivas dentro da
comunidade. Etimologia: do fr. Griot (1688), de guiriot ‘músico ambulante da África Negra’. Para saber mais,
buscar em: LIMA, T.; NASCIMENTO, I.; ALVEAL, C. (Orgs.). Griots: culturas africanas. Natal: EDUFRN,
2012.
11Segundo Willemart (1999), o scriptor ocuparia o espaço entre a mão que começa um projeto de escritura até
chegar ao autor que assina o manuscrito final. Como os livros, publicados, de Carolina de Jesus jamais
passaram pelo crivo de seu jugalmento (no processo de edição), neste estudo considera-se a presença do
scriptor como fio condutor para análise do processo criativo de uma obra em porvir, tendo sido realizadas, para
esta análise, algumas as intersecções com as edições de autoria duvidável, não do ponto de vista de quem
escreveu, mas de seus editores que decidiram as versões finais das obras que foram publicadas.
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Capítulo I
(Maurice Blanchot)
(Manuel de Barros)
12 CENTÃO: Composição poética ou musical, de origem greco -latina, formada por uma “manta de retalhos” (do
latim cento) de sentenças, expressões alheias, versos ou melodias de vários autores (pot-pourri), ou de um só
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palimpsesto de sua própria obra, tanto aproveitando ideias e textos alheios quanto
reelaborando seus textos anteriores. Vejamos exemplos do primeiro caso, em que a escritora
se vale de um poema de Olavo Bilac com a intenção de parodiá-lo. Embora nas descrições da
FBN tenhamos encontrado a indicação de que no Caderno 6-MS-565(4) está um texto com
dezesseis páginas com dados autobiográficos, quando esses originais são analisados com a
lupa de um geneticista nota-se a existência de uma sorte de hibridismo literário, exercitado de
maneira orgânica por Carolina de Jesus. Tem-se nesse caderno, assim como nos demais que
compõem o MS-565(4) e MS-565(5), toda sorte de textos em um mesmo caderno: poemas,
pensamentos, provérbios, narrativas curtas, quadrinhas, peças teatrais, romance, cartas,
memórias autobiográficas e diário.
Na passagem escolhida, observa-se que após narrar uma empreitada diária de seu
cotidiano difícil, a escritora seleciona um trecho do poema “A pátria”13 de Olavo Bilac para
parafrasear sua rotina nada venturosa, ironizando o ideário ufanista (da primeira República)
presente na poesia pedagógica do poeta. Este tipo de recolha do discurso alheio, como fonte
inspiradora para o pastiche14 , é um dos movimentos de captura de caráter crítico encontrado
em sua escrita. Noutro momento, em Quarto de despejo, Carolina de Jesus parafraseia
Casimiro de Abreu, autor bastante comentado por ela em suas rememorações, devido ao
impacto que lhe casou, por ter sido ele o primeiro poeta que ela conheceu.
autor. É condição fundamental que o centão reconstitua os elementos dispersos dos quais parte até obter uma
nova composição, com um novo sentido. Pode-se aproximar este conceito da ideia de bricolagem. Os poemas
homéricos e virgilianos deram origem a muitos centões, sobretudo a partir da Era Cristã. Na Renascença
italiana, Dante e Petrarca também inspiraram centões. O poema “Antologia”, de Manuel Bandeira, é um centão
feito de versos seus. Bibliografia: F. Ermini: Il Centone di Proba e la poesia centonaria latina (1909); O.
Delepierre e Van de Weyer: Revue analytique des ouvrages écrits en centons depuis les temps anciens jusqu’au
XIX siècle (Genève, 1968; 1ª ed., Londres, 1868); R. Herzog: Die Bibelepik der lateinischen Spätantike, Tomo
I (1975).
13A PÁTRIA – Ama, com fé e orgulho, a terra em que nasceste! / Criança! não verás nenhum país como este! /
Olha que céu! que mar! que rios! que floresta! / A Natureza, aqui, perpetuamente em festa, / É um seio de mãe
a transbordar carinhos. / Vê que vida há no chão! vê que vida há nos ninhos, / Que se balançam no ar, entre os
ramos inquietos! / Vê que luz, que calor, que multidão de insetos! / Vê que grande extensão de matas, onde
impera / Fecunda e luminosa, a eterna primavera! // Boa terra! jamais negou a quem trabalha / O pão que mata
a fome, o teto que agasalha... // Quem com o seu suor a fecunda e umedece, / Vê pago o seu esforço, e é feliz, e
enriquece! // Criança! não verás país nenhum como este: / imita na grandeza a terra em que nasceste!
14 Segundo a teorização de Gérard Genette, em Palimpsestes, o pastiche é apontado como um recurso
transtextual, classificando-se como uma forma de hipertexto uma vez que se trata de um texto que obedece a
uma lógica derivacional face a outro que lhe é anterior (o hipotexto), estabelecendo com o texto matriz relações
de imitação.
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Contemplava extasiada o céu cor de anil. E eu fiquei compreendendo que eu adoro o meu
Brasil. O meu olhar posou nos arvoredos que existe no inicio da rua Pedro Vicente. As
folhas movia-se. Pensei: elas estão aplaudindo este meu gesto de amor a minha Patria.
[...]. Toquei o carrinho e fui buscar mais papeis. A Vera ia sorrindo. E eu pensei no
Casemiro de Abreu, que disse: “Ri criança. A vida é bela”. Só se a vida era boa naquele
tempo. Porque agora a época está apropriada para dizer: Chora criança. A vida é amarga
(JESUS, 1960, p.36).
Documento 1:
Notação:
Localização: FBN-MS-565 (5)
Localização: APMS 04.02.13
Análise documentária:
APMS – Caderno autógrafo a grafite, papel branco amarelecido, escrita no anverso e
reaproveitamento de cada espaço livre do papel, capa dura, acabamento costurado com
lombada danificada, folhas soltas e mutiladas, apresentando sinais de fungo. Dimensões: 17 x
23 cm; 222 páginas; F. s/n. Rasuras a grafite, ao correr da pena ou em leitura posterior,
indicam dois momentos da escritura, sendo a segunda marcada por confirmações da
ortografia.
FBN – Coleção Vera Eunice de Jesus Lima; microfilme identificado como “Miscelânea” (2a
parte); Caderno 10.
Classificação de gênero:
Transcrição do trecho:
(...)
Todos os favelados estão/
magros. É deficiência alimentar/
falta d água. Olhando aque/
las crianças raquíticas/ pensei nos versos de Olavo/
Bilac/
Criança ama a terra que/
nacêste/
Não veras no mundo ,
pais igual a êste
Eu estava com dez anos
quando li êste verso//
e concordei com o poeta.
Naquela epoca não existia
favela. Não existia fome.
Os preços dos generos de
primeira necessidade era
ao alcance de todos
(...)
15 Texto eivado de ligações teóricas que procura revelar a poética de resíduos (aglomeração de discursos ou pode
ser um recurso) de Carolina de Jesus tendo como eixo a bricolage, desde “As nascentes” de Levi-Strauss e
depois vem sendo transpostas; e a bricolagem como uma apropriação que se move na maior liberdade porque
conserva, transfere e muda campos. Ao analisar Macunaíma, Gilda de Mello Souza observa que esta obra não
foi construída a partir da mimesis, e sim “a partir da combinação de uma infinidade de textos pré-existentes,
elaborados pela tradição oral ou escrita, popular ou erudita, européia ou brasileira” (p.10). Em seguida a
estudiosa estabelece relação entre o bricoleur de Levi-Strauss e o processo de criação dessa obra, dizendo: “O
processo talvez se aproximasse mais da bricolage, tal como a descreve Lévi-Strauss, e isso também já foi
lembrado pela crítica. O bricoleur procura realmente a sua matéria-prima entre os destroços de velhos sistemas.
No entanto, seu gesto é norteado por um objetivo lúdico, por uma sensibilidade passiva, e esta se submete
sobretudo ao jogo das formas. Diante do elenco de detritos que tem sempre à mão, o bricoleur se abandona a
uma triagem paciente, escolhendo ou rejeitando os elementos, conforme a cor, o formato, a luminosidade ou o
arabesco de uma superfície. A figura que irá compor em seguida, combinando a infinidade de fragmentos de
que dispõe, poderá ser muito bela, mas, como respeita as imposições da matéria aproveitada, é caprichosa,
cheia de idas e vindas, de rupturas, e não revela nenhum projeto. É impossível inscrever neste horizonte raso de
acasos, onde o sentido emerge e se extingue s eguindo a vida breve das formas, o livro intencional e cheio de
ressonâncias de Mário de Andrade. Mais do que na técnica do mosaico ou no exercício da bricolage, é no
processo criador da música popular que se deverá, a meu ver, procurar o modelo compositiv o de Macunaíma.
(SOUZA, p.11). ## Rapsódia (Macunaíma). Chamie comenta que Macunaíma é uma fábula de fábulas ou um
“discurso de discursos”. A sua organização compositiva o demonstra. Mário de Andrade coletou lendas, contos
35
discursos alheios, procurando uma aproximação com essa ‘clássica’, linguagem entendida
como “arma” crítica, ela vai colando retalhos ou restos de ideias e de formas em seus
experimentos de escrita. Uma alquimia muitas vezes venenosa para a crítica de linhagem mais
tradicionalista, que privilegia os ditames do cânone, ou um antídoto entusiástico para as
aberturas críticas, sobretudo os estudos pós-colonialistas16 , de gênero ou raciais. Nesta
pesquisa, mais do que buscar alinhamento junto a posturas teóricas – envolvida na avalanche
de papéis desmembrados de seu espólio – procurou-se compreender a composição da
escritora, sua dinâmica, seu modus operandi.
populares, romances, etc. do vasto repertório brasileiro. Respeitou a integridade prosódica de cada um deles
(CHAMIE, 1972, p.72-73).
16 Dentre outros, cito Franz Fanon, Albert Memmi, Stuart Hall, Homi Bhabha, Ángel Rama, Edward Said.
36
Documento 2:
Notação:
Análise documentária:
APMS – Caderno autógrafo a grafite, sem capa, acabamento grampeado, danificado com
folhas soltas; F. s/n.
Estatuto genético:
Corresponde à primeira versão dos textos inéditos intitulados “Humorismos”.
Transcrição do FTG:
alguns”, acima sublinhado, que o antecede, além de rimas toantes e consoantes que favorecem
a sonoridade, contribuindo com a coesão dos versos: junto/muito; pensão/sabão. O texto “A
empregada” também carrega elementos autobiográficos ao retomar o tema da empregada
doméstica, com destaque para a enumeração na caracterização dos tipos “patrão/patroa”. No
entanto, este texto é mais esgarçado; ele não tem o ritmo do poema de estilo nordestino. E,
apesar de estar próximo dessa linguagem popular, ele se parece mais com uma fala-confissão.
Seu desfecho tem a forma de uma sentença, de um ensinamento, bastante próximo da fábula,
por ser proverbial, perfazendo o ardil como manifestação de uma ironia nilista sobre si
mesma, através da influência retórica contundente, presente em seus escritos (MUECKE,
1995).
Texto 1:
A empregada
Uma jovem dêixou o interior e vêio empregar-se em São Paulo para ganhar mais. Não
apréciou o São Paulo com seu bulicio diario e o seu clima enigmático. Enfim, ela estava
discontente regressou ao interior.
A uma da madrugada.
E ainda andava dizendo
Esta malandra, não faz nada
Se a gente da um passo,
O diabo esta sempre atrás
Vive sempre pondo defêito
Em todo serviço que a gente faz
Se a gente da um passo
A diaba, esta sempre junto.
Vive sempre observando,
Se a empregada come muito//
Vive sempre pondo defeito
_Em todo cerviço que a gente faz
Neste texto nota-se que a escritora procurou elaborar elementos do vivido através
da utilização de palavras e expressões que pertencem a um vocabulário mais elaborado, como
“bulício” e “clima enigmático”. Um ponto que merece destaque é a estrutura dos versos do
seu poema, quase todos com sete sílabas poéticas – redondilha maior17 – o que remete à forma
da poesia antiga, que usava esse modelo de versificação. Para Carolina de Jesus, esse modo de
escrever pode ser considerado, nesta análise, a evidência de que ela pretendia, de algum
modo, sofisticar o seu texto, aliando-o a um gênero textual consagrado. Talvez, também, por
ser compositora de músicas, essa métrica lhe saísse de modo natural, aliada ao ritmo das
frases, ainda que muitos versos estejam com o ritmo quebrado, ou seja, com menos ou mais
de sete sílabas.
17Redondilha é o nome dado, a partir do século XVI, aos versos de cinco ou sete sílabas – a chamada medida
velha, que foi muito utilizada por muitos poetas, inclusive por Camões. Aos versos de cinco sílabas dá -se o
nome de redondilha menor [pentassílabo] e aos de sete sílabas, de redondilha maior [heptassílabo ]. Por serem
versos que favorecem a memorização, ainda hoje, essa modalidade é empregada nas composições populares.
40
A revelação de uma Carolina de Jesus artista, para além de uma história singular,
procurando definir a escritora no plano estético da arte que reafirma o direito à literatura,
estendendo-o ao direito da criação literária. Reconhecimento do artista não como exaltação,
mas como valor e na dignidade da criação artística por ele realizada, merecedora do trabalho
para além do crítico, sendo capaz de juntar a escritora com Baudelaire de “Le vin de
Chiffonniers” entre outros... Em “O canto triste”, epígrafe de abertura desta tese, por exemplo,
é uma espécie de protótipo ou projeto de texto e/ou metáfora do escritor como profissão de fé,
a escrita como ofício, (p.48; trabalho de catadora promovendo seu próprio tempo da escrita).
“Resolvi catar papel”, quer dizer, ela encontrou seu papel, como espaço da escrita e suporte
de sua produção.
Texto 2:
O poeta
Um jovem gostava de poesia. E queria ser poeta. Assim que chegava do trabalho
pegava o lapis e o caderno ia escrever.
Depôis ia ler para um sapateiro visinho ouvir. E era assim, todos os dias. Um dia poeta
estava lendo quando o sapateiro explodio
_Oh! meu Deus! Por que eu não nasci surdo!
reconhecido, pois ele não fala em um local público em que possa ser ouvido por muitas
pessoas. Ele lê para um sapateiro, representação do homem simples, artesão curvado sobre
seu objeto de trabalho, sem interesse por literatura. Essa situação, tratada em seu texto em
forma de anedota, parece fazer alusão à sua própria condição de escritora proveniente do
espaço social à margem do mundo das letras e dos letrados. Rememorar ou trazer essa
temática em forma de narrativa evoca um “direito à literatura” para si? Ou perfaz seu destino
com ironia retórica (MUECKE, 1995) a partir de uma linguagem interjectiva? Entendemos,
então, que as duas questões podem ser consideradas.
Observa-se que a estrutura de sua escrita está construída com os elementos de sua
história, traços biográficos de sua vida que se desdobram como nomadismos de textos em
diversos tipos de suportes, assim como retomadas temáticas e as repetições enraizados na
natureza particular do processo estrutural, insituído pela sua escritura à margem da sociedade,
efetuada como uma escrita na pobreza, mas não com uma escritura pobre. Assim como seus
diários são marcados pela repetição de uma rotina, este sistema de escrita incide sobre suas
narrativas e, mesmo nos romances, as entradas apresentam um padrão na descrição de um
espaço poético, bucólico, no qual depois vão se dar as peripécias de suas personagens,
replicando suas estruturas mentais, sua memória afetiva. Lembra o que diz Bourdieu (2004)19
quando explica de que modo se dá a permanência e a atualização da cultura pelo habitus, ou
seja, pela atualização das lembranças e repetição das ações.
Sua escritura ganha força porque Carolina de Jesus consegue mediar as relações
entre vida e obra, isto é, usa as memórias como experiências para transmutá-las em literatura,
e este trânsito – pelas sensações – se faz sem dificuldade. Na entrada do romance “Rita”: “Era
uma tarde amena. O sol estava semi-oculto entre as nuvens. “Os passaros percorriam o espaço
entôando suas canções. As maripóusas exibindo suas lindas côres anuia-se entre as avês da
celagem. Tudo era prenuncio de alegria” (FBN MS-565(9), “Rita”, caderno 14, F. s/n), o
mesmo tom idílico reaparece em uma das versões da entrada do capítulo IX do romance “Dr.
Silvio”: “A tarde estava amena. As aves demonstrava alacridade. Era o outono, e do pomar
vinha o perfume dos frutos sazonados” (FBN MS-565(8), “Dr. Silvio”, caderno 9. Nono
caderno 9).
19 O habitus é um agir prático, repetido e repetitivo, que funcionaria em cada momento, no corpo,
automaticamente, como uma matriz de posicionamentos que torna possível cumprir tarefas, repetir gestos e
crenças adquiridos numa prática anterior, de numa geração anterio r. (BOURDIEU, 2004)
43
O contato com os escritos inéditos de Carolina de Jesus nos dá mostra de que eles
podem ser lidos à luz de suas especificidades literárias, relacionando, por exemplo, seu
romance aos romances folhetinescos. No entanto, a presença da memória, associada a seus
textos, no trânsito entre memória e invenção, e que sedimenta sua literatura, associando-a
diretamente à trajetória de sua formação ao modus operiandi do bricoleur – que recolhe temas
para sua escritura, dificultando a justaposição ou associação direta e clara –, dificulta que ela
se vinculasse ao que pode ser considerado “Alta literatura”, pois, a “voz do povo que faltava”,
expressa através de Carolina de Jesus não se enquadra em modelos canônicos. Portanto, mais
do que buscar incluí-la no sistema literário por similaridade, ela nos induz a uma ruptura
fractal no mesmo sistema. Com efeito, assim, gera-se a dificuladade de lê-la esteticamente sob
o viés da crítica literária tradicional.
Esse bucolismo e certo clima idílico, expressados por meio da descrição dos
elementos da natureza, estão presentes nos diários de Carolina de Jesus. Ainda que ela
afirmasse, numa espécie de anexim, que “quem nasceu pobre não deve olhar para o céu”,
muitas foram as suas miradas rumo ao alto, seja como ponto de fuga da sordidez vivida no
espaço favelado, seja como forma de aproximação às expressões “belas” e “superiores”, que
se contrapõem a “baixas” e “inferiores”, qualidades a que os espaços marginais estão
confinados. Em meio aos afazeres de sua rotina, à beira do rio Tietê, por exemplo, ela
descreve plástica e poeticamente um momento de rotina:
5 de novembro de 1959:
Levantei as 5 horas. A água esta tão pouca eu fiquei desanimada. Puis o
balde para encher e fui escrever um pouquinho. _É tão bom escrever de
manhã. O silêncio é um bom cóajuvante para quem escreve. Abri a janela
para ver se o balde estava chêio. E perpassei o olhar pelo espaço. As êstrelas
ja estavam recluindo-se. O céu estava azul claro. Acho maravilhosa a estrela
d’alva. Ela tem aureola e surge na nascente./ Com certêza ela é a rainha das
êstrelas. _Assim que o balde enchia eu ia ritira-lo. E assim enchi o barril. Fiz
café e fui comprar pão (JESUS apud PERPÉRTUA, 2014, p.327).
Assim, pode-se dizer que a exogênese (seleção e apropriação das fontes), como
traços do passado, firmados em seus diários, retornam em suas narrativas como arquivos da
memória que corporificam sua poética de resíduos. Como observa Viollet (2014, p.22) “é
muito comum salientar que os escritos autobiográficos se baseiam normalmente em arquivos,
traços do passado – essa parte da alteridade inerente ao sujeito transpessoal, intersubjetivo”.
44
(...) Contei-lhes que custei descobrir que era poétisa. Que pensei que era
enfermidade. Que o meu pensamento é clássico que fui obrigada a ler o
clássico para compreender os derivados das frases. Que eu não posso sentar.
Quando sento os versos emana-se/ (...). Eu reconheço que sou agraciada com
o êxesso de imaginação. Mas, eu estudei para aprender escrever. Dêsde que
aprendi ler lêio todos os dias. (...)/ _Onde encontra os livros para ler?/_Eu
cato papel, e acho no lixo, e ganho alguns (JESUS apud PERPETUA, 2014,
p.329).
outros aspectos da criação, seja dizer, a processualidade no cerne da constituição de sua obra
em aberto.
Em Carolina de Jesus ocorre algo análogo, pois sua literatura se faz num
movimento do limite até a fronteira, apresentando em sua materialidade residual vários tipos
de manifestação da escrita. Para seus textos-montagem ou textos-colagem ela utiliza cacos da
linguagem cotidiana, da linguagem da propaganda, de slogans, os ditos populares, clichês,
tradição passadista, criando uma nova linguagem em textos que se apóiam nos suportes que
estão a disposição ao seu redor.
20 Metaforicamente, Agamben (2009) nos fornece uma bela imagem para pensarmos as relações entre
modernidade e contemporaneidade, e de como o movimento de transmultação incide sobre história e estética.
Para ele, o anjo da história perde suas asas na tempestade do progresso, enquando o anjo da estética está fixado
na dimensão temporal das ruínas do passado. Do mesmo modo, Carolina de Jesus retraça os passos de uma
tradição passadista em conflito com o modernismo que dela se aproxima.
46
direito” e “Se eu soubesse”, como também seus romances não são autoficcionais, mas têm um
padrão temático repleto de traições, humilhações, injustiças, sobretudo contra frágeis
mulheres iludidas por viajantes ou pessoas urbanas dominadas pela ganância. Nessa peça
conhecemos a história de Clara, órfã escravizada pela tia Helena, uma mulher gananciosa que
vive de aparências e aceita adotar a menina para roubar sua herança. Helena é mãe de Pedro,
que estudou em Portugal, sendo uma figura que remete aos românticos idealistas defensores
dos oprimidos; neste caso, Clara é sua prima. Porém, um vigário é quem salva a pobre
menina, restituindo-lhe a herança e devolvendo- lhe a liberdade.
A ambientação cênica é um espaço onde tudo pode acontecer, traçando mais uma
vez o conceito de catadora, da acumuladora, que coloca dentro do seu espaço narrativo tudo o
que encontra pelo caminho, sem uma definição específica. Carolina de Jesus ia acumulando
em sua poética de resíduos todo elemento que considerava interessante como acessório. Em
sua escrita orgânica, vai montando, colando centões, e dando formas às coisas, já a seu tempo,
marginalizadas em seu valor estético. Nesse sentido, sua prática do pastiche insere-se no
47
Como Carolina de Jesus era catadora de papéis, e como ela mesma conta,
guardava os livros para ler no barraco. A hipótese sobre sua escrita é a de que ela deveria
encontrar livros impressos em épocas distintas, e como, para ela, os livros eram a expressão
do conhecimento, isso faz crer que todos, sem exceção, eram “objetos verdadeiros”, nos quais
ela podia confiar: “Eu acreditava em tudo que eu lia como se os livros fôssem meus
confidentes” (FBN: Caderno 1-“Poesias, provérbios e diários”, FTG s/n).
Nesse movimento, portanto, ela parece exercer o que seria uma contranarrativa,
gerando uma repetição que, do mesmo modo como a cultura se conserva e se atualiza 22 , ela
vai colocando de forma diferente as fábulas lidas, inserindo-as no contexto brasileiro e
revelando seu ato de escrever como um reescrever, desmesuradamente. Descontruindo
tradições, o outro advém através desse olhar de leitora, mas, sobretudo, sob o código da
expropriação e da recriação, a partir da colheita aleatória de que toma posse, feita para
preencher os vazios.
Como circunstância narratória temos um eu sustentado por vários outros eus, seja
na construção de suas personagens seja na incessante reprodução da fala de seus pares que, a
seu ver, precisam ser escutados, almejando também o lugar de “guardiã” da verdade dos fatos:
21Ver BARTHES, Roland. Le degré zéro de l’écriture. Œuvres Complètes. Livres, Textes, Entretiens. Nouvelle
édition revue, corrigée et présentée par Eric Marty. Paris, Seuil, 2002.
22Para Laraia (2000), cultura é o conjunto dos sistemas de padrões de comportamen tos socialmente transmitidos
(conjunto de modos, atitudes, linguagens, conhecimentos, costumes, ritos, etc.), difundidos e estimulados pelos
meios de comunicação, repetidos e atualizados pelo Estado e pelos grupos hegemônicos de uma dada
sociedade.
48
6 de agosto de 1958:
Eu penso que quem escreve deve escrever as maldades que os outros
praticam. Os jornalistas escrevem. Eu também posso escrever. E atraves dos
escritos que ficamos conhecendo o passado. O Nero quêimou os cristãos.
Mataram Socrates os judeus matou os inocentes os portugueses matou o
Tiradentes. Santos Dumond suicidou-se. E atraves dos livros que estes fatos
chegam a nossos ouvidos. Se a pessôa é bôa, eu escrevo se é malvada eu
escrevo (JESUS apud PERPÉTUA, 2014, p.330).
Carolina de Jesus quer escrever aquilo que não cessa, que não estanca, e que ela
repete: a imprevisibilidade de seus dias, uma “história menor” incerta, ou uma outra história,
aquela de um passado afro-brasileiro esquecido, as instabilidades de vidas marginalizadas,
mas que, em seu devir-trapeira, para as quais ela funda uma estética da ordinariedade, de sua
marginalidade a contragosto.
E o faz cedendo fluxo à “voz do povo que faltava”, e cedendo, talvez, seu lugar ou
expressando um lugar possível, presentificado hoje por sua morte, ao ceder sua voz a todos...
Carolina de Jesus tentou arquivar a história menor a que pertencia, mas pôde contar apenas
com a memória – material falível, enganoso – e com relatos orais e lembranças de seus avós,
de três gerações de escravos africanos. No entanto, no seu ofício de “escrevivências”23 , parece
que a escritora usa a imaginação para preencher tais vazios.
Sua escrita remete à morte do autor, entendida por Roland Barthes (1968) como
um “efeito do real”, principalmente expresso nas suas descrições, presentes nos paratextos
que acompanharam as edições de seus livros e garantiram a existência de uma Carolina de
Jesus, a “poetisa da favela”. Partindo desses pressupostos, pode-se compreender seus textos
como uma expressão-extensão do corpo da escritora, isto é, uma artista que se inscreve no
mundo, passando por um processo identitário na e pela reconstrução de sua alteridade, pois
23 Ao ser indagada sobre a origem de sua escrita, Conceição Evaristo diz: “Sem dúvida alguma, a narrativa de
Ponciá Vicêncio não se trata de minha biografia, como Becos da memória não é uma escrita verdadeiramente
autobiográfica. Porém, toda a minha escrita, poemas, contos, romances, e até ensaios, cumpre um ato de
escrevivência. Assim como algumas das histórias escutadas no interior de minha família foram apropriadas
como material narrativo para a escrita de Ponciá Vicêncio, a experiência do desfavelamento qu e sofri, as
angústias de minha meninice e de minha adolescência aparecem em Beco da memória. A composição da
personagem Maria Nova muito se con(funde) com a história pessoal do meu eu -menina. Inventar Maria Nova
foi inventar a razão de minha escrita (EVARISTO, 2014, p.31). Também a narradora por ela criada em
Insubmissas lágrimas de mulheres (2011) retorna ao debate: “Invento? Sim, invento, sem o menor pudor.
Então, as histórias não são inventadas? Mesmo as reais, quando são contadas. Desafio alguém a relat ar
fielmente algo que aconteceu. Entre o acontecimento e a narração do fato, alguma coisa se perde e por isso se
acrescenta. O real vivido fica comprometido. E, quando se escreve, o comprometimento (ou o não
comprometimento) entre o vivido e o escrito aprofunda mais o fosso. Entretanto, afirmo que, ao registrar estas
histórias, continuo no premeditado ato de traçar uma escrevivência” (EVARISTO, 2011, p.9).
49
sua identidade é reconstruída e desconstruída a partir da relação com o outro, daí a oscilação
de pontos de vista considerados adequados a cada situação, interesses, ou talvez lapsos da
memória que sinalizam diversas ambiguidades em suas narrativas.
É como estar em contato com scriptor, aquele criado pelo texto de Barthes (2004),
como tecido, e não uma mera decomposição da obra acabada:
Texto quer dizer tecido; mas enquanto até aqui esse tecido foi sempre
tomado por um produto, por um véu todo inacabado, por trás do qual se
mantém, mais ou menos oculto, o sentido (a verdade), nós acentuamos
agora, no tecido, a ideia gerativa de que o texto se faz, se trabalha através de
um entrelaçamento perpétuo (BARTHES, 1987, p.82-3).
Nos aqui no Brasil, não temos complicações com o nosso solo. Tudo que se planta dá. E
não temos super-produção. O que nos falta? Coragem? Bôa-vontade? Cultura? Ou apoio
do governo?
A pior coisa do mundo é ouvir um povo lamenta-se e não póuder auxilia-lo./ Um
portugues disse-me: que quem sustenta o Brasil são os portuguêses, eu não adimito que
ferem a fôrça moral os Brasileiros o que eu noto é que os portuguêses que descobriram o
Brasil, não tinham cultura para organizar o pais. E fôram eles que escreveram Ordem, na
nossa Bandeira. Eles não saneava o Bra as escolas no Brasil. Enviava seus filhos para
50
Para Derrida:
(...) não há nenhum texto que seja literário em si. A literariedade não é uma
essência natural, uma propriedade intrínseca do texto. É o correlato de uma
relação intencional com o texto, relação esta que integra em si, como um
componente ou uma camada intencional, a consciência mais ou menos
implícita de regras convencionais e institucionais – sociais, em todo caso.
51
Como sugere Foucault (2000), a interpretação passa a ser um jogo de espelhos que
assume um caráter existencial e ontológico para o homem, e não apenas uma técnica de
interpretação enquanto sendo um objeto externo ao olhar do sujeito. A exegese como
ferramenta libertadora permite à consciência de si tornar-se um problema a ser investigado de
um modo hermenêutico, no qual a compreensão de si mesmo se dá mediante a compreenção
do outro. Então, a partir dessa visada não se interpreta o que está no significado e, sim, quem
coloca a interpretação e quem tenta justificá-la a partir de técnicas. Aqui, o signo passa a ser
entendido como dobra, constituída das próprias coisas, e não como significado estático.
(Jacques Derrida)
No primeiro volume de Mil Platôs, Deleuze e Guattari definem três tipos de livro
a fim de justificar o livro-rizoma que se empenharam em escrever juntos. O livro-raiz seria
aquele pautado em lógicas binárias, calcados em tradições, simbolizado pela imagem de uma
árvore. Haveria um segundo tipo, o livro-radícula que começa a emancipar-se do livro
52
tradicional e, ainda que fasciculado, permite a convivência com os feixes de outras raízes,
gerando “pontos de fuga”. O terceiro tipo estaria desprendido de todo entrelaçamento, voltado
à multiplicidade por excelência, longe de qualquer vínculo com raízes que penderiam ao
dualismo, à reprodução; esse tipo de livro vivenciaria a heterogeneidade em sua potência de
total experimentação. Seriam exemplos desse terceiro tipo, segundo Deleuze (1993), os
autores: Kafka, Mach, Melville, entre outros.
aqui é entendida como descrição e prescrição no mundo, pois é por meio da narrativa que
Carolina de Jesus desconstrói e reconstrói, criando a “identidade narrativa” de si mesma,
sobretudo quando relê e modifica sua escrita, pois durante a leitura ela interpreta o mundo
tornando-se sujeito de sua própria interpretação. Ela se insere na compreensão de texto de
Ricoeur (1995, p.105) segundo a qual o texto contém uma proposta de mundo possível no
qual eu, o sujeito, “possa habitar e no qual se possam revelar as possibilidades que me são
mais próprias”, através de dois movimentos: a memória e a presença. Nesse sentido, Bergson
(1999) afirma que “a mesma vida psicológica seria, portanto, repetida um número indefinido
de vezes, nos estágios sucessivos da memória” (p.120).
Há ali uma duplicação de voz: uma que conta o itinerário através da consciência
imediata e aquela do narrador como alguém que já sabe aonde vai chegar, como o fez Proust
em à La recherche du temps perdu. De igual maneira, em Carolina de Jesus ocorre um
desdobramento da voz, pois na relação do eu consigo mesmo não há unicidade. E nessa
instalação do recurso ficcional de sua escrita, seu processo inicia o contato sugerido pelo
livro-radícula de Deleuze e Guarttari (1995) que, nessa instância, encontra no fazer da
literatura tradicional seu ponto de fuga.
Era o fim de 1948, surgio o dono do terreno da Rua Antonio de Barros onde estava
localisada a favela. Os donos exigiram e apelaram queriam o terreno vago no praso de 60
dias. Os favelados agitavam-se. Não tinham dinheiro. Os que podiam sair ou comprar
terreno saiam. Mas, era a minoria que estava em condições de sair. A maioria não tinha
recursos. Estavam todos apreensivos. Os policiaes percorria a favela insistindo com os
favelados para sair. So se ouvia dizer o que será de nós?/ São Paulo modernisava-se.
Estava destruindo as casas antigas para construir aranha céus. Não havia mais porões para
o ploletario. Os favelados falavam, e pensavam. E vice-versa. Ate que alguém sugerio./ _
Vamos falar com O dr Adhemar de Barrós. _ Ele, é um bom homem. E a Leonor, é uma
santa mulher. Tem bom coração. Tem dó dós pobres O Dr Adhemar de Barros, não sabe
dizer não a pobreza êle é um enviado de Deus. Tenho certeza que se nos formos falar com
o Dr. Adhemar de Barros, êle soluciona o nosso problema./ E assim os favelados
acalmaram. E durmiram tranquilos. Ainda não tinham ido falar como Dr Adhemar de
Barrós. Eles confiavam nêste grande lider. Reuniram e foram. E foram bem recebidos
pelo Dr. Adhemar que não faz seleção. E abria as portas do palacio para a turba. Foi por
intermedio do Dr. Adhemar de Barros que o ze povinho conheceu as dependências dos
Campos Eliseos. Citaram ao Dr. Adhemar os seus problemas angustioso (JESUS, 2014,
p.39-40).
56
Documento 3:
Notação:
Análise documentária:
Estatuto genético:
Transcrição:
RESPOSTA
A carta sem endereço com a resposta imediata para provar que o campo espiritual não tem fronteira.
Nesse texto de aspecto híbrido entre carta e poema, mais uma vez o exemplo de
recolha de gêneros literário (poesia) e não literário (carta) como suportes para expressar
literariamente suas experiências, a ausência paterna, e das quais emergem rastros do contato
com as crenças kardecistas na cidade de Sacramento, como o perdão e uma suposta presença
espiritual desse pai, pois há alguém que responde a si mesmo em forma de poema, em duas
vozes, em que é o pai quem diz, mas no todo do texto essa intervenção aparece como uma
espécie de solilóquio:
RESPOSTA
Para além da mescla de gêneros que torna o texto mais interessante para a crítica
do ponto de vista estilístico, o que nos confunde e nos leva a indagar qual seria o objetivo da
escritora ao sinalizar ao final da “carta sem endereço”: A carta sem endereço com a resposta
imediata para provar que o campo espiritual não tem fronteira. Mas como poderia estar
dedicado ao eu-lírico do poema-resposta a voz do pai que abandonou o filho se, no último
verso, é o filho quem fala, e ainda confunde o destinatário, já que ora a voz narrativa se dirige
ao pai, a quem a carta está endereçada, ora ao leitor da narrativa?
24SARTRE, J-P. L’imaginaire – Psychologie phénoménologique de l’imagination , Paris, 1940, p.234, citado por
Robert JAUSS, 2002, p.40.
25No processo primário da experiência estética, o imaginário não é ainda objeto algum, senão, como mostrou J -
Paul Sartre, um ato de distanciamento e formalização da consciência representativa. A consciência imaginativa
há de negar o mundo fático dos objetos para poder criar em si mesma, mediante o signo estético de um texto
falado, ótico ou musical, uma configuração de palavras, imagens e sons (Tradução Minha).
61
26Aqui faz-se alusão ao sistema de classificação dos contos marav ilhosos estabelecido por Propp em sua
Morfologia do conto, no qual o autor observa que toda fábula tem um núcleo simples em sua lógica estrutural.
62
27 Carolina de Jesus é ao mesmo tempo historiadora e biógrafa. Como historiadora ela fala do Brasil a sua
maneira que não é a de uma universitária, mas que também não é uma versão meramente popular, um tipo de
eco distante de um saber histórico. Carolina de Jesus trabalha mais como uma pesquisadora madura, que por
azar, não tinha a sua disposição mais do que alguns parcos documentos e uma biblioteca indefinida. # Nas suas
referências culturais Carolina de Jesus coloca lado a lado sem sombra de excitação, o qu e nós não encontramos
juntos habitualmente, salvo após um longo percurso explicativo. Assim, em seu texto, Nietzsche e
Nostradamus são vizinhos tranquilos (Tradução Minha).
63
28 “(...) o rastro inscreve a lembrança de uma presença que não existe mais que semp re corre o risco de se apagar
definitivamente. Sua fragilidade essencial e intrínseca contraria assim o desejo de plenitude, de presença e de
substancialidade que caracteriza a metafísica clássica. (...). Por que a reflexão sobre a memória vive essa
tensão entre a presença e a ausência, presença do que se lembra do passado desaparecido, mas também
presença do passado desaparecido que faz sua irrupção em um presente evanescente. Riqueza da memória
certamente, mas também fragilidade da memória e do rastro (GA GNEBIN, 2006, p.44).
29Eis aqui um homem encarregado de recolher os destroços de um dia na capital. Com tudo aquilo que a cidade
grande rejeitou, tudo o que ela perdeu, tudo o que ela desprezou, tudo o que ela quebrou, ele faz um inventário
e tudo ele coleta. Ele consulta os arquivos do tumulto, a devastação dos resíduos. É preciso fazer uma triagem,
uma escolha inteligente: ele apanha, como o avarento um tesouro, o lixo que, mastigado pela divindade da
indústria, transformar-se-á em objetos de utilidade ou de prazer (Tradução Minha).
64
“rastros” que desejam e precisam ser lembrados. O acontecimento de sua obra não existe na
obra finalizada, mas em seu percurso, trabalhando a criação em meio àquilo que resta das
incertezas, das oscilações, de improvisações, dos imprevistos e dos rearranjos de seus
manuscritos retalhados. As narrativas de Carolina de Jesus saem da lógica do tempo histórico
para atenderem ao acontecimento. O que caracteriza o acontecimento é o desvio de causa e
consequência, mas aqui o acontecimento se dá no entretempo, na espera, pausa e margem que
se efetiva na linguagem, como sugere Deleuze (2000). Em sua obra, há um contratempo quase
musical ao estilo jazzístico, de improvisações, reverberações, esquecimentos recordados ou
lembranças desvirtuadas, escrita no exílio da intensidade e não mais da intencionalidade,
utilização de um improviso que revigora e se faz novo.
(Vincent Cespedes)
(Max Ernst)
65
dilaceramento superficial guarda em seu cerne um mecanismo de produção literária que tenta
ao máximo aproximar o leitor do universo narrado. Não escapa à leitura de qualquer pessoa a
multiplicidade de vozes que atravessa os caminhos da escrita caroliniana e, ao se observar
também a vastidão de pessoas-personagens que constituíam a cidade de São Paulo, a cidade
conhecida profunda e refletidamente por ela; por isso, Carolina de Jesus fazia questão de
demonstrar a variedade e os conflitos que dela emergiam, especialmente no espaço favelado,
berço dos desvalidos, empurrados para as beiras da cidade.
30 A palavra “crônica” deriva do Latim chronica e do grego Khrónos (tempo) que significa o relato de
acontecimentos em sua ordem temporal (cronológica). No século XIX, com o desenvolvimento da imprensa, a
crônica passou a fazer parte dos jornais. Ela apareceu pela primeira vez em 1799, no Journal des Débats,
publicado em Paris. A crônica literária, surgida a partir do folhetim, na França, tomou características próprias
no Brasil. (FONTE: Alana de O. Freitas El Fahl. Notas de Rodapé: algumas considerações sobre a Crônica
Literária no Brasil e os Periódicos do século XIX. [S.l.]: UEFS, 2013, p.42). É uma narrativa curta, de caráter
informativo sem deixar de conter algum traço de lirismo; escrita com certa finalidade para um público
determinado; pode ser jornalística, literária, histórica, etc. É, sobretudo, uma descrição pessoal. (SÁ, 1987)
31A música “Saudosa maloca”, de Adoniran Barbosa, dialoga com essa realidade descrita por Carolina de Jesus,
principalmente nos versos: “/ ali onde agora istá esse adifício arto/ era uma casa véia, um palacete
assobradado.../[...]. Mas um dia/ nóis nem pode se alembrá/ veio os homi co’as ferramenta/ que o dono mandó
dirrubá. [...]”.
67
O que me impressionava era ver os nordestinos transitando nas ruas da cidade, com suas
tróuxas nas costas, com seus aspectos desnutridos como se fôssem habitantes de outros
planetas. Deshumanós, sujós e rótós alguns tocavam viólas e cantavam relatando nas suas
estrofes a infelicidade do norte.
No Estado do Ceará sete anos, não choveu
Quem era rico, imigróu-se
Quem era pobre, morreu
...Aquelas cenas ficavam dentro do meu cérébro como seu eu tivesse um compromisso
moral para amenizar a vida daquele povo (155) mas eu estava com seis anos nada poderia
fazer para suavizas as lutas d’aquêle povo infausto (IMS, “Meu Brasil”, F. 154-155).
Este excerto começa um texto sem título, mas que entrou no Diário de Bitita
(1986) com o subtítulo imaginado por Clélia Pisa como “Meu tio”, provavelmente,
considerando o início da narrativa que diz: “O meu tio Joaquim, era o mais bravo da família”.
A edição francesa, então traduzida, optou por enfatizar a trajetória do tio de Carolina de Jesus,
deixando de lado as atrocidades e a resignação, vivenciadas pela tia branca e questionadas
pela escritora, sobretudo quando deixa bastante clara a deliberação das agressões que recaem
com maior violência contra a mulher negra e pobre, colocada em pé de igualdade com essa tia
que teria de ser “enegrecida” ao casar com o tio. As passagens do racismo à brasileira,
vivenciados por Carolina de Jesus, foram excluídas da versão editada: Ela era branca e o povo
murmurava: Onde é que já se viu prêto com branco. E os homens brancos xingavam: É
açucar com o café. É o café com o leite. É o mosquito no lêite. Eu não aprovo estas uniões.
Cré com crê, e lé com lé (IMS, “Meu Brasil”, F. 117).
Todas semanas chegava uma familia de colonos. A maioria eram estrangeiros que vinham
residir no Brasil e diziam: Que país! Que terra bôa para se viver. Viva o Brasil dos
brasileiros. E os italianos dizia para os filhos. Daqui há três anos, estaremos ricos. E
vocês devem estudar para ser doutores. E as crianças trabalhavam cantando as músicas de
Verdi. Lá Dona imobile. Cantavam de alegria porque iam ficar, ricos. As únicas familias
de cor que residiam na fazenda do senhor Olimpo Rodrigues de Araujo. Eram, o senhor
José Romualdo meu padrasto, e o Antonio Cavaco (IMS, “Meu Brasil”, F. 24-25).
68
Aqui, o dilema gera uma via de mão dupla, pois entre filiar-se à opção de
considerar as lacunas vocabulares de Carolina de Jesus como sendo um problema do texto, ou
simplesmente elevá-las a uma questão de estilo, própria da recriação da língua, empreendida
por grandes escritores, optou-se nessas análises por enxergar nesses mecanismos uma situação
de fronteira própria do não-lugar ou lugar singular vivenciado na escrita de Carolina de Jesus.
Basta saber em que medida essas rupturas concorrem para efeitos que sinalizam rastros de sua
escritura, isto é, que geram um estilo inovador, observado na materialidade do processo
estrutural, mas também saber em quais locais esses vestígios, impressos no texto, podem
revelar as experiências de um sujeito único.
32Agamben (2012) observa que na sociedade moderna o homem não está mais ancorado na transmissibilidade da
herança cultural, senão da acumulação do passado. Parte de um movimento, oposto ao da sociedade tradicional,
está preso a seu passado buscando um futuro. Uma inadequação, um intervalo entre o ato da transmissão e
coisa a ser transmitida, e uma valorização desta última independentemente da sua transmissão (p.174).
69
Documento 4:
Documento 04: Conjunto dos cadernos doados por Audálio Dantas a FBN em 2011.
Documento 5:
Documento 05: FBN – Cadernos de compras reutilizado para escrever texto enviado para o jornal.
71
Quando se observa a página escrita em prosa (à esquerda), o texto que ali está é
similar a uma crônica, com notícias da atualidade brasileira; fala das eleições, dos candidatos.
Com seu olhar crítico, Carolina de Jesus faz suas considerações sobre vários problemas do
país. Depois de falar de um de seus assuntos preferidos – a questão agrária, e de seus
trabalhadores – ela deixa a seguinte frase: “porisso eu aconsêlho”. No alto dessa mesma
página, ela escreve o que seria o seu aconselhamento: “se o povo não eleger o dr. Adhemar de
Barros para presidente do Brasil, a fome multiplicará”. Na página da direita, em versos, ela
escreve um poema. Os versos buscam a rima e estão ordenados com certo ritmo, quase todos
obedecendo à métrica clássica – redondilha maior. O tema dos versos segue a crônica, pois
continua falando das eleições e de algum candidato em quem ela recomenda o voto. Parece
que ela quer dialogar com o leitor, passando a ele os valores nos quais ela acredita, pois ali
estão palavras como “progressista”, “intelectual”, “culto”, “letrado”. Sempre em seu afã
pedagógico procura transmitir seus “ensinamentos”.
Documento 6:
Documento 06: FBN – Utilização de cada espaço do caderno dada a insuficiência do suporte.
Do lado direito, a data encimando a página, como título, o dia e o mês repetidos
na primeira linha. Carolina de Jesus escreve que é o aniversário da sua filha Vera Eunice, e
que ela pretendia ter comprado um par de sapatos novos para a garota. Nesse texto ela faz sua
crônica familiar, colocando-se no contexto social, político e econômico do país, num
exercício de reiteração de suas queixas e demandas sobre sua própria realidade.
Documento 7:
dia, tanto como personagem de si mesma quanto protagonista de seu drama, narrando o que
fez, o que gostaria de ter feito, o que não pôde fazer e suas respectivas razões. Além disso, ele
está edificado como um journal de travail como será demonstrado mais detidamente no
capítulo terceiro.
Documento 8:
Carolina de Jesus faz a crônica de sua cidade do modo como ela a percebe, e
pontua os aspectos políticos: a insatisfação social, os preços e a movimentação das forças
75
(polícia, funcionalismo, etc.). Nos versos, ela faz o voo poético, lírico, permite-se sonhar: “se
é que temos o direito de renascer/ quero um lugar, onde o preto é feliz”.
Documento 9:
“Minha irmã”
Meu irmão, e eu, eramos pequenos. Não tinhamos o conhecimento para analisar o que é que ia
occórrer na nóssa vida familiar. Uma manhã nos acordamós com uma novidade em casa. Havia
nascido uma menina e esta menina era nossa irmã que a cegónha havia deixado _Só que a menina
estava mórta em carne viva como se estivesse sido assada. O meu irmão fói ver a menina e saiu
córrendo assustado como se estivesse visto um fantasma. Ele dizia: Credo! E cuspia.
Eu também fui ver pórque era muito curiósa e podia até, ser classificada de a secretaria, da
curiósidade E as pessoas que iam visitara minha mãe e ver a menina saiam vomitando. E dizendo
Que coisa hórróroza!
Eu, nunca vi cóisa igual.
É o fim do mundo!
E a noticia circulou que a menina havia nascido pôdre. Minha mãe queixava: que havia lavado
muitas roupas pezadas colchas de lâns. Os que fôram ver a menina passaram varios dias sem comêr.
Eu tinha dó da menina que mórte horrível.
Minha mãe dizia que ela ainda não tinha noção da dór. Que os que nasçem e mórrem sem
conheçer as atribulações da vida é que são felizes. Que o mundo para uns, é semelhante a uma arena
ós fórtes dóminam ós fracós.
Que a palavra _ vida simboliza _ sofrimento
FBN: MS 565 (5) - “Datiloscritos esparsos numerados a mão”. Minha irmã. FTG. 32
Quando Carolina de Jesus cita a fala da personagem mãe, na verdade ela está
repetindo – a seu modo – uma crença popular sobre palavras atribuídas a Sócrates, pois o
filósofo grego afirmava que “a maior felicidade é nascer morto”, já que viver necessariamente
implica sofrer. É possível ver aqui o palimpsesto de crenças e ideias recriadas na recolha de
traços e sensações de tudo aquilo que ela considerava belo, justo e educativo. Para a escritora
a beleza da vida era a própria poesia e toda forma de aprendizado esboçado por meio das
máximas, extratos filosóficos e linguagem poética. O belo para ela teria sua expressão última
na poesia, seja através da dor dantesca que precisa ser expurgada, seja através do ápice de um
instante de felicidade, como aparece no capítulo terceiro, nas análises sobre a preparação de
sua peça “Seu Binidito”.
No início desta narrativa, da qual há, pelo menos, três versões mapeadas por
APMS, FBN e IMS, e sinalizadas no capítulo terceiro, assim como os textos “O Sócrates
africano”, “Minha madrinha”, “A panela”, “Meu tio”, “Meu primo Adão”, “O ovo”, dentre
77
Do ponto de vista da narrativa, a partir desse texto, em sua relação com o romance
“Rita” e as lembranças que registra sobre seu pai ao longo de suas diversas passagens de
rememórias, inclusive citado em Diário de Bitita, podemos supor que este texto dialogue com
os biografemas33 , que Carolina de Jesus reconstitui através de suas narrativas autoficcionais
como nos romances “Maria Luiza” e no excerto desse sem título no caderno, mas ela informa
que teria como título o nome “Rita”:
Na pequena cidade de Conquista nascia uma menina. Era raquítica olhos grandes nariz
achatado narinas dilatadas. Era o deposito da sífilis. Sêis dias depôis do seu nascimento
cobriu-lhe o corpo de chagas. Tiveram que envolvê-la numas fôlhas de bananeira e unta-
la com unguento sicatrizante. Quando ela nasceu surgiu a dessavença entre sua mãe e seu
esposo. No inicio quando sua mãe ficou gestante. Os mexericos começaram a medrar. Os
delatores propalaram eu a menina não era filha do senhor José Rodrigues mas de um
boêmio chamado João dos Santos a quem apelidaram de inimigo do trabalho porque ele
passava o dia todo tocando viola. Ele ia numa casa ali e começava a tocar. Como tocava
muito bem, era admirado pela a multidão que permanecia até a hora do almoço. Era
convidado para almoçar cousa que ele aceitava sem muita insistência. Saia daquela casa e
ia a [ileg] outra e assim ia vivendo (APMS-09.03.14.5, “Rita”, F. s/n).
33A partir da noção e não como “conceito de escritura”, desenvolvido por Barthes (2002), a autora demonstra
que, enquanto a biografia está voltada para a história de vida, o biografema engendra uma escrita de vida.
Carolina de Jesus se dedica, na invenção de sua língua da fome, a fazer biografema.
34 ROBIN, Régine. Le Roman mémoriel: de l’histoire à l’écriture du hors lieu. Montréal: Préambule, 1989.
78
(...) Foi nesses bailes nada seletos que ela conheceu o meu pai. Dizem que era um preto
bonito. Tocava violão e compunha versos de improviso. Era conhecido como poeta
boêmio. Nos bailes, ele dançava só com a minha mãe. Ela teve só um filho com seu
esposo, o Jeronimo Pereira. O sobrenome Pereira, do esposo de minha mãe, deve ter sido
herdado de algum português, porque o esposo de minha mãe era mulato. Quando minha
mãe ficou grávida, surgiram os disse-me-disse tão comuns nas cidades do interior (...).
Diziam que a criança ia nascer filha do poeta boêmio. Quando eu nasci comprovaram-se
os boatos, e as más línguas sentiram-se meio proféticas (JESUS, 1986, p.72).
Documento 10:
O Documento 10 parece ser parte de uma narrativa ficcional, mas por seu precário
estado de visualização não oferece campo de leitura para ser analisado. Os Documentos 11 e
12 apresentam, da mesma forma, um precário estado de conservação, sendo que o texto não
oferece visibilidade suficiente para análise. Apenas estão sendo mostrados aqui para atestar as
reais condições de alguns desses manuscritos.
80
Documento 11:
Documento 11: APMS – Caderno degradado anteriormente, molhado e com proliferação de fungos.
81
Documento 12:
Documento 12: APMS – Cadernos com cortes e rompimentos que comprometem o conteúdo.
A partir desses exemplos vê-se que a então poética de resíduos, erigida tanto nos
níveis de conteúdo e forma quanto no da materialidade do suporte de difícil acesso, frágil,
incompleto, continua sem previsão de tratamento pelas instituições custodiadoras, mantendo
desse modo, inexoravelmente, a obra de Carolina de Jesus na marginalidade cultural.
Documento 13:
já sinalizadas em algumas passagens dos cadernos de Quarto de despejo, mas que não foram
selecionadas por Audálio Dantas:
19 de dezembro de 1958:
(...) quantas anedotas vão surgir em torno do meu nome. pórque o poeta rico, fica celebre
Com uma areola de rêspeito envolvendo o seu nome. E o poeta das margens. Do lixo, fica
celebre com uma pórnógrafia em torno do seu nome. Igual ao Manoel Maria du Bocage
(PERPÉTUA, 2014, p.228).
22 de julho de 1958:
Um homem que passava de carro vendo-me com o saco de papel nas costas parou o carro
e disse: Olha a escritôra! O outro que lhe acompanhava pérguntou-lhe:
_ Aquilo escreve? Um escritor tem noção de igiene e ela esta tão suja que até dá nôjo!
(...) eles continuaram falando e eu segui pensando (...). Os escritóres marginais não tem
valor no Brasil (idem, p.234).
** substituição
## deslocamento
++ acréscimo
>< supressão
^^ correção
== confirmação
\\ inversão da ordem do pensamento
@@ alteração da pontuação
§§ repetição
[ileg.] palavra/ oração ilegível
/ quebra de parágrafo
\\ quebra de página
numeração para indicar páginas
85
Capítulo II
(Giorgio Agamben)
(Carolina de Jesus)
Como já foi dito, as edições brasileiras de Diário de Bitita são uma cópia do texto
estabelecido e traduzido pela jornalista brasileira Clélia Pisa, intitulado Journal de Bitita
(1982). Célia Pisa, em 1972, recebeu das mãos de Carolina de Jesus dois cadernos
manuscritos, um contendo um “Prólogo” e diversos poemas, começando pelo intitulado “Um
Brasil”, que cede nome a esse caderno, de acordo com o IMS, o outro com mais alguns
poemas, narrativas autobiográficas e textos ficcionais, nomeado pela titular “Um Brasil para
brasileiros”. Esse título – que nomeia uma de suas narrativas – decorre de uma frase de Rui
Barbosa, provavelmente repetida por seu avô, o “Sócrates africano”35 – quando com suas
conversas iluminava as parcas mentes naquele vilarejo em que viviam, na cidade de
Sacramento (MG). Além disso, havia a contação das histórias de escravos, de Zumbi dos
Palmares, narradas por um oficial de justiça de Sacramento, um senhor negro que lia trechos
de jornais e citava os abolicionistas, entre eles, José do Patrocínio (tendo sido este citado por
Carolina em uma de suas narrativas).
35
Segundo Elena Pajaro, em entrevista cedida à Revista Fapesp (2015), o avô da escritora era cristão e
comandava a reza do terço em Sacramento, o que lhe conferia autoridade moral e proeminência na
comunidade. Trazendo essa tradição da apelação pela conduta moral através do discurso proverbial, pode-se
dizer que Carolina de Jesus estava inserida em spiritual’s que “comunicam o caminho a ser seguido e
lamentam os seus desvios, recriando uma ética religiosa e política que foi constantemente retomada nos
discursos em prol dos direitos civis, especialmente nas décadas de 1950 e 1960” (p.80).
87
uns pela editora francesa Métailié, e outros pela releitura e restabelecimento do texto
empreendido por Clélia Pisa, jornalista brasileira residente na França. As notas que servem de
suporte aos textos mudam radicalmente de uma versão estrangeira para outra, o que denota
um direcionamento dos discursos para cada público-alvo. No caso do francês, principalmente,
essas notas enfatizam a “História do Brasil” para o leitor europeu pouco afeito à realidade dos
brasileiros, assim como os cortes, como afirmou Clélia Pisa em entrevista36 , sobretudo
referentes aos negros descendentes de ex-escravos que ainda viviam um processo
desumanizador de segmentação social resultante do preconceito racial.
36“[...]. Tiramos o que tiramos e o que podíamos tirar. Teve que ser traduzido, e o importante no Journal de
Bitita é que fosse um testemunho que pudesse ser lido por um francês que não tivesse nenhuma referência da
Carolina. Porque este livro não é o original” (FERNANDEZ, 2014b, p.229).
37
Por ocasião da entrevista realizada em Paris, a editora Anne-Marie Métailié me cedeu fotocópias dos
datiloscritos de Clélia Pisa que “ordenaram” os originais de Carolina de Jesus; recebi também as fotocópias da
versão em francês estabelecida por Régine Valbert, todas elas anotadas e repensadas por Métailié e Pisa . Ver
FERNANDEZ, Raffaella A. Entrevista com Ane-Marie Métailié. Scripta, Belo Horizonte, v. 18, n.35, p.293-
296, 2º sem., 2014a.
88
Apesar de não ter obtido grande sucesso de venda, como no caso da publicação
francesa de Le dépotoir (Stock) – Quarto de despejo, em 1962, e alguma visibilidade com Ma
vrai Maison (Stock) – Casa de Alvenaria, em 1964, o terceiro livro recebeu apenas uma “boa
acolhida” da imprensa francesa, e, como o segundo, não compartilhou o mesmo sucesso do
primeiro. Ainda assim, chegou a ganhar em 1983 o “Prix de Lectrices de Elle”, prêmio
regional da cidade de Nice, oferecido pela revista Elle38 , publicação feminista de grande
tiragem. Na ocasião, a jornalista Pisa, a editora Métailié e a tradutora Régine Valbert foram
até a cidade de Nice representar Carolina de Jesus, reiterando a observação de que, em
Carolina de Jesus, a despeito da qualidade literária, importa ver de que modo, numa visada
crítica, ela discute os problemas das desigualdades sociais, raciais e de gênero. Neste caso, as
idealistas da revista Elle se identificaram com sua feminilidade e ousadia, e se sensibilizaram
com a negritude e a pobreza da escritora brasileira.
A editora também nos informa que os direitos autorais de Journal de Bitita foram
concedidos à editora espanhola Alfaguara, que publicou o livro em 1984, sob o título de
“Diario de Bitita”. Métailié, na mesma entrevista (FERNANDEZ, 2014a), afirmou que uma
editora alemã se recusou a editar o livro alegando falsa autoria. A mesma desconfiança em
torno da autoria de Carolina de Jesus gerou polêmica no Brasil, no ano de 1993, com o artigo
“Mistificação Literária”, de Wilson Martins, no Jornal do Brasil (23/10/1993), tendo sido
refutado em seguida por Audálio Dantas (Imprensa, jan./ 1994, p.42-43) com outro artigo:
“Mistificação da crítica: uma resposta à acusação de fraude literária”.
publicada no grau que ela abrange enquanto quantidade e qualidade literária tal qual expõem
seus originais.
Não se pode perder de vista que o movimento se faz em dobras, pois o lugar da
singularidade, enquanto marginal periférico urbano, constitutivo do não-lugar ou lugar da
negação onde está Carolina de Jesus, consiste justamente naquilo que ela mostra na própria
tentativa de se aproximar da língua literária brasileira e portuguesa românticas. Mas, como
não domina os elementos constitutivos da formação para alcançar esse intento, seus originais
revelam os potenciais erros de uma escrita sui generis que faz referências ao sistema literário,
consistindo-se, de maneira orgânica, autoral, fora dos padrões vigentes da língua e de
estruturas fundamentais, que redigem projetos literários, como a organização de cadernos e de
documentos determinados e rearranjados por seus próprios autores.
Os textos que chegaram às mãos das jornalistas pertencem aos últimos cadernos
do espólio de Carolina de Jesus. São cópias das versões mais bem-acabadas das memórias de
Bitita, e estão organizadas no modo como a escritora gostaria que chegassem ao público
leitor. Este livro, ao contrário do nome escolhido pelas editoras francesas, deveria se chamar
“Um Brasil para os brasileiros” e traria um “Prólogo” da própria Carolina de Jesus, como se
pode ler na seguinte imagem fac-similar:
92
Versão 3:
Documento 14 – IMS: CMJ, Pi, 001 – “Um Brasil para Brasileiros” (F. 1)
93
39
PERPÉTUA, 2000, p.167.
40 PERPÉTUA, op. cit., p.168.
94
Por diversas vezes Carolina de Jesus coloca dois tipos de acento numa mesma
palavra, o que não é usual em português; noutras, coloca um acento tímido como se tentasse
ludibriar o leitor de suas incertezas ortográficas; noutras ainda, exagera na utilização dos
sinais (antrópófogós) ou acentua com o agudo invertido como na língua francesa, o que pode
ser uma interferência da leitura de galicismos presentes nos jornais paulistanos da época, pois
ela parecia imitar os códigos linguísticos, o que contribuía ainda mais para esse tipo de
equívoco.
41A língua portuguesa falada e escrita no Brasil já passou por várias reformas e acordos ortográficos, e esta
questão, até nossos dias, causa muita confusão ao usuário pouco letrado. No tempo em que Carolina de Jesus
escreveu e publicou seus livros, até 1971, as palavras que têm homógrafas não homófonas, como ele/êle;
este/êste; governo/govêrno; adorno/adôrno; forma/fôrma, recebiam o acento circunflexo para diferenciar de sua
homógrafa, cuja pronúncia era aberta. O acento diferencial foi abolido pela Lei nº 5.765, de 18/12/1971
(Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa [VOLP], [5.ed.], Academia Brasileira de Letras, 2009, p.
LXXXV).
42Ortografia da norma antiga, alterada via Decreto-Lei nº 8.286 de 5 de dezembro de 1945, cujo acordo havia
sido elaborado e aprovado em 1943, entre a Academia de Ciências de Lisboa e a Academia Brasileira de Letras
(VOLP, op. cit., p. XCV e XCVI). Vale lembrar que a Reforma Ortográfica de 1971 foi adotada apenas no
Brasil. Hoje está em vigência o Decreto nº 6.583 de 29 de setembro de 2009, em vigor de 1º de janeiro de 2009
até 31 de dezembro de 2015.
95
Em geral, os textos posteriores ao primeiro caderno foram escritos com uma letra
mais fluida e com menos desvios de gramática, como se ela já tivesse desenvolvido o hábito
da leitura e da escrita padrão. Mas esses escritos seguem o curso do processo criativo
enquanto palimpsestos de narrativas, pois mesmo que tenham sido reescritos apresentam
poucas rasuras, algumas supressões e outros acréscimos de pensamentos ou de ortografia,
mantendo, no entanto, o conteúdo estrutural.
Rememorar faz parte das evidências atestadas pela técnica do arquivo, e é mais
explorada pela escritora do que a da arte narrativa. Essa escrita, portanto, privilegia o
detalhamento, a informação, o mapeamento e a acumulação, como se vê no exemplo das
entradas de seus romances. Entretanto, sem jamais sair do nível da memória, porém
questionando e problematizando os fatos no nível da imaginação ou da contestação, como
vemos, por exemplo, no texto “O canto triste”. No caso das versões do “Prólogo”, a
96
(Ditado popular)
(Waly Salomão)
Versão 1:
Versão 2:
Além disso, a segunda versão passa a impressão de que o texto foi passado a
limpo, dado o número mínimo de reajustes gramaticais e da expansão do conteúdo. Essas
mudanças aparecem como traços pertencentes ao processo criativo da poética de Carolina de
Jesus na recolha e reutilização dos resíduos de memória, de possibilidades de ficcionalização
da vida e de agrupamento de aprendizados que passou a exercitar ao longo de sua vida escrita.
A versão 2 está muito próxima daquela publicada como “Minha vida... Prologo”
em Cinderela Negra (1994), o que denota uma quarta versão que pode estar entre os dois
cadernos perdidos na Biblioteca Mindlin, entregues por José Carlos Sebe Bom Meihy, ou,
então, poderia compor a tal versão datiloscrita que, segundo Vera Eunice, teria sido entregue
às jornalistas.
Como não foi possível ter acesso ao percurso desses documentos, infere-se que,
através da verificação de algumas diferenças vocabulares, essa nova versão está mais próxima
do texto publicado da versão dois, ao mesmo tempo em que há divergências em alguns
segmentos, como na primeira página onde aparecem as grafias de “Alan Caerdec” e “médico”
no lugar de “Allan Kardec” e “médium” da versão 2. Este é mais um indício de que Carolina
de Jesus foi apurando seu vocabulário ao longo de suas re-escrituras (JESUS apud MEIHY,
1994, p.172).
101
No total foram mapeadas entre publicadas e originais sete versões desse mesmo
texto, que marca o processo iniciático de Carolina de Jesus no mundo da escrita e da leitura, e
que, segundo suas versões, teve sua gênese na escola; porém, como foi dito em outros
manuscritos, como em “O Sócrates africano”, ela narra a presença do avô como uma figura
marcante, misto de avó-griô-filósofo, que incitava a pequena Bitita para o mundo do saber e
para a filosofia; além disso, demonstrava uma visão crítica à condição social dos negros43 .
Mas, nesse momento, vale dizer que a comparação das três versões dos originais
de “Prólogo”, publicado como “L’école” em Journal de Bitita (1982), em “Na escola” em
Diário de Bitita (1986), e com o título de “Minha vida” em A cinderela negra (1994),
permitiu-nos desvendar as diferentes direções que um mesmo núcleo textual segue, de acordo
com os processos de mutações e ambivalência da própria escritora em seus nomadismos, bem
como sua forma de sentir e vivenciar a cidade grande e seu próprio ato da escrita. Assim
como, também, foi possível levantar as implicações resultantes das interferências que seus
editores e tradutores operaram sobre as versões publicadas dos “prólogos”, texto
incansavelmente reescrito por Carolina de Jesus.
43
Diz Carolina de Jesus: “Fiquei feliz em saber que o meu avô morreu ilibado. O seu nome Benedito José da
Silva. E tenho orgulho de acresçentar que êle foi, o Sócrates, analfabeto. Era imprecionante, a sapiência
d’aquele homem. Eu tinha a impressão o meu ilustre avô, era semêlhante a uma fita, unindo a família como se
fôsse um bouquet de flores. Não havia desidências. Predominava á _união. Enquanto o vovo estêve vivo, a sua
casa parecia uma assembleia. Onde os predominadores discutiam as falhas de nosso povo. Se naquela época a
nossa população era: a maioria analfabeta. E a minoria alfabetizada: Era um povo sem luz mental” (IMS: CMJ,
Pi, 002 – “Um Brasil”, F.101).
102
Exemplo 1:
Exemplo 2:
Não interessava pelós estudós. Quem insistiu com a minha Quem insistiu com a minha
Minha saudosa professôra mãe para enviar-me a mãe
Dona Lonita Solvina insistia escola foi a utilitaríssima para enviar-me a escola, fói
comigo para aprender ler. Dona Maria Leite a utilitaríssima D. Maria
Eu achava tão dificil Ela residia em Chapadão Lêite.
aprender. Implórava a minha e visitava a cidade de Ela, era branca. Eu pensava:
mãe para não ir a escola Sacramento uma vez, pór É pôr causa de sua pele tão
que eu não queria aprender ano. Sua visita branca
lêitura. .Ela ouvia-me anual, era para assistir que ela se chama D. Maria
Expancava-me e eu ia a seção espírìta em leite?
contra a minha vontade. comemoração ao aniversário Mas, ela, era tão carinhosa,
Eu era indolente. Quando eu esquecer que
devia chamar D. Maria Santa.
^utilitaríssima^
^.^
^?^
=médium=
104
Assim, é importante salientar que na versão 2 o texto “Prólogo” está antes de uma
grande quantidade de poemas, sinalizando a preparação de um preâmbulo para a publicação
de seu livro de poemas nomeado por ela, no Caderno 6, como “Cliris” (título inventado por
105
ela)44 . De igual maneira, a outra versão de “Prólogo” antecede o projeto de seu livro de
provérbios, como será demonstrado adiante. Além disso, os poemas quase não apresentam
muitas rasuras, mas sim uma extensão e algumas modificações do conteúdo, pois nesse outro
texto Carolina de Jesus começa a realizar um trabalho de lapidação no gesto do palimpsesto
desse autoprefácio para seu livro de poemas. Outro indício de que nossa suspeita procede é o
modo como Carolina de Jesus reorganizou seus poemas para publicação, como lemos na
marginalia de duas das quatro versões do poema “Desilusão”, a primeira aqui reproduzida
(FBN: Caderno 6 – “Poesias e textos autobiográficos”, FTG s/n) traz o seguinte lembrete:
“Não foi incluido na Antológia”; posteriormente, outro poema com o mesmo título, porém de
diferente forma-conteúdo aparece com o seguinte lembrete: “X Já incluido” (FBN,
Miscelânea 1, Caderno 6 – Poesias e textos autobiográficos, FTG s/n).
Enquanto o primeiro poema trata dos sofrimentos de uma vida de fome que
encontra na poesia e nos filhos um alívio e uma forma de escapar do “suicídio como lenitivo”,
a segunda versão que vai ser ampliada nas versões 3 e 4, idênticas e gestadas num mesmo
momento, tematizam a desgosto de um eu lírico solitário e desprezado por um ex-amor e
trazem o mesmo verso final que não está na versão 2.
Nessa ação de mudança de rumo, ou seja, em que ela opta por colocar o poema
sobre o amor ao invés do outro, cujo tema é a fome, Carolina de Jesus parece se impor, ao
final de seu processo criativo, mediante um afastamento da temática da desigualdade social,
super explorada em Quarto de despejo, visando trazer a público essa outra Carolina de Jesus
passional, feminina, e também inflada de traços dos românticos oitocentista ao explorar
elementos do amor trágico.
44 Como no grego existe a palavra κληρης (kliris), que tanto significa clero como “ministério” no sentido
religioso, algo de conotação piedosa ou missão, inferimos que ela certamente ouviu essa palavra nas pregações
kardecistas ou católicas, ou ainda pode haver lido/ouvido em algum livro de hinos, e deve de ter feito uma
associação do significado da palavra com a finalidade de seu livro de poemas (κληρης: LIDDELL & SCOTT,
Greck-English Lexicon. Oxford: Clarendon Press, 1996, p.959).
45[...]. Ao perseguir a gênese de textos e interpretar as pegadas da criação, o crítico deve saber que lida com a
realidade visível de um trabalho em processo, com sinais retratando certos movimentos do desejo do artista.
Entenderá então que, nesse processo, as marcas do scriptor lhe facultam imaginar uma lógica onde a leitura do
artista, os passos de sua impregnação se desnudam (LOPEZ, 2011, p.33).
106
Vale ressaltar que o poema que reaparece nas quatro versões foi intitulado
“Desilusão” por Carolina de Jesus.
46 O livro de poemas de Carolina de Jesus Antologia pessoal publicado em 1996 por José Carlos Sebe Bom
Meihy e que seguiu a versão e a sequência dos poemas datiloscritos, e por isso não pôde desconsiderar outros
poemas que tratam a temática da negritude vista como um hiato na obra da escritora, como, por exemplo, “Os
feijões”, “Negros” e “Rebotalho”. Vale lembrar, que isso ocorre porque os cadernos qu e têm a versão ampliada
de algum desses poemas estavam sob a posse de Clélia Pisa em Paris, ainda que outros poderiam ter sido
consultados, tanto no original no AMPS quanto nos microfilmes da FBN. Conf. publicações dos poemas em
FERNANDEZ, R.A. Saliva, confetes e sangue na caneta cortante de Carolina Maria de Jesus. Revista Escrita
Pulsante, v.2, p.10, 2015; e FERNANDEZ, R.A.; GOMES, C. Bitita para além dos quartos de despejo e das
casas de alvenaria. Revista O Menelick : segundo ato, 2014, p.36-45.
107
Versão1:
Documento 17: FBN, Miscelânea 1, Caderno 6 – Poesias e textos autobiográficos (FTG s/n)
108
Versão2:
Documento 18: FBN, Miscelânea 1, Caderno 6 – Poesias e textos autobiográficos (FTG s/n)
109
Versão 3:
Documento 19: IMS: CMJ, Pi, 001 – “Um Brasil para Brasileiros” (F. 90)
110
Continuação da versão 3:
Documento 19 [continuação]: IMS: CMJ, Pi, 001 – “Um Brasil para Brasileiros” (F. 91)
111
Versão 4:
Documento 20: FBN, Miscelânea 2, Datoliscritos, Documentos esparsos – Poesias que compõem a “Antologia
pessoal” (FTG s/n)
Documento 21: FBN, Miscelânea 1, Caderno 6 – Poesias e textos autobiográficos (FTG. s/n)
Não se pode deixar de dizer que foram encontrados outros poemas no Caderno 7,
nomeado “Pensamentos” pela FBN, pois nele encontram-se, entre pensamentos, textos curtos
e provérbios, alguns poemas e a indicação do título do livro de poesia “Cliris – continuação”,
título que aparece anteriormente no Caderno 6:
113
Documento 22: FBN, Miscelânea 1, Caderno 6 – “Poesias e textos autobiográficos” (FTG. s/n)
Continuação:
(Guimarães Rosa)
(Michel Neyraut)
Ela conta que foi nos primeiros anos de educação infantil que aprendeu a tomar
gosto pela leitura, embora num primeiro momento tivesse hesitado em ir à escola, o que foi
resolvido através da violência psicológica que marca toda sua infância e, consequentemente,
todo o texto. Nas entrelinhas desses contos podemos pressentir uma violência socavada,
marcada por certa herança de moralidade, marcante no pensamento de Carolina Maria de
Jesus. Ela parece reafirmar a necessidade desses mecanismos de violência ao colocá-la como
elemento impulsionador para seu processo de aprendizado. O que foi reelaborado com maior
força, na adaptação francesa desse texto, Diário de Bitita.
Nas três versões pode-se perceber uma massiva influência de pessoas abastadas e
brancas, a quem sua mãe obedecia e nutria admiração, as quais foram selecionadas por Clélia
115
Minha mãe era pobre. Dona Maria Leite insistiu com mamãe para enviar-me à escola. Eu
fui apenas para averiguar o que era escola. A dona Maria Leite residia na Estação do
Chapadão. Visitava a cidade de Sacramento duas vezes ao ano para assistir à sessão
espírita em comemoração à data de nascimento do senhor Eurípedes Barsanulfo. Ela dava
roupas para as crianças pobre, as roupas e os livros eram novos. Para estimular e nos
deixar vaidosos. Se as crianças ricas iam com roupas novas, os pobres também. E não
havia complexos. O que eu admirava é que a Dona Maria Leite não auxiliava os brancos,
só os pretos, e nos dizia:
_Eu sou francesa. Não tenho culpa da odisseia de vocês; mas eu sou muito rica, auxilio
vocês porque tenho dó. Vamos alfabetizá-los para ver o que é que vocês nos revelam: se
vão ser tipos sociáveis, e tendo conhecimento poderam desvia-se da delinquência e acatar
a retidão. (...) Minha mãe era tímida. E dizia que os negros devem obedecer aos brancos,
isto quando os brancos têm sabedoria. Por isso, ela devia enviar-me à escola, para não
desgostar a Dona Maria Leite (JESUS, 1986, p.123).
A partir daí a menina Bitita não parou mais de desejar: “Que inveja eu tinha do
Dr. Cunha quando ele lia o jornal. Hei de ler o jornal. E fiquei alegre. Então o saber ler algo
importante assim” (idem). E as associações inesperadas não paravam por aí: “Queria ser igual
o José Patrocínio47 , que ajudou a libertar os nêgros e foi o primeiro homem que comprou o
Ford aqui no Brasil”. (IMS: CMJ, Pi, 002 – “Um Brasil”, F. 141).
47 No Rio de Janeiro em 1897 o automóvel já causava furor. José do Patrocínio famoso homem das letras
brasileiras, vivia a se gabar de seu maravilhoso automóvel movido a vapor passeando pelas ruas esburacadas
do Rio, causando imensa inveja no compatriota Olavo Bilac. Certa feita, José do Patrocínio resolveu ensinar o
amigo a dirigir seu carro, e Olavo Bilac conseguiu arremessá-lo de encontro a uma árvore na Estrada Velha da
Tijuca. José do Patrocínio ficou muito chateado, mas Bilac, com uma gargalhada comemorava o fato de ter
sido protagonista do primeiro acidente automobilístico no país! Disponível em:
<http://www.v8ecia.net.br/artigos/a_historia_do_automovel.htm>
116
Vale lembrar também que a figura marcante da professora Dona Lanita – jamais
citada nos textos publicados anteriormente – era uma mulher negra, como Carolina de Jesus
fez questão de registrar:
27 de abril de 1960:
Além de exaltar a figura da professora, fazendo questão de frisar que ela era
negra, Carolina de Jesus conta também que a mestra lhe emprestava “bons livros para ler”;
dentre esses, ela cita a Bíblia, outro sobre a vida de santa Terezinha e livros escolares, que
iam “transferindo-se de irmãos para irmãos” (IMS: CMJ Pi 001, - “Um Brasil para
brasileiros”, F. 14). Na versão 1, a escritora diz que foi a professora, Dona Lanita, que lhe
emprestou “A escrava Isaura” para leitura, informação extinta da versão 2 e 3, mas
rememorada na anotação do diário de 1960, e, modificada na versão publicada como Diário
de Bitita, na qual seu primeiro contato com um livro haveria sido feito por intermédio de uma
vizinha. A importância dessa professora negra não aparece nas versões publicadas, estando
apenas presente na versão 1. Então, parece que ao longo do contato com os seus
“incentivadores”, a escritora passou a ser instruída a ressaltar os grandes feitos da cidade de
Sacramento e de seus “patrocinadores”, como pode ser consultado nas anotações de seus
diários após o encontro com Audálio Dantas, como Perpétua bem analisou (2015).
fundou o colégio foi o senhor Eurípedes Barsanulfo (JESUS, 2014, p.125). Este deslocamento
realizado pela editora reforça a observação de que havia uma necessidade de demonstrar a
influência fundamental desse segmento social na formação da escritora negra, reiterado mais
uma vez pela segunda nota de rodapé que acompanha esse acréscimo demonstrando ao leitor
francês, inclusive, sua vinculação desse público ao fenômeno Carolina de Jesus: Ce spirite
français a connu une grande fortune au Brésil. Se adeptes se comptent par millons48 (JESUS,
1982, p.147).
Quem insistiu com a minha mãe para enviar-me a escola foi a ^utilitaríssima^ Dona Maria Leite
Ela residia em ^Chapadão^ e visitava a cidade de ^Sacramento^ uma vez, pór ano. ^Sua^ visita
anual, era para assistir a ^s eção^ espírìta em comemoração ao ^aniversário / +esquecer+/ do
falecimento do saudoso Eurípedes Barsonulfo. O que eu achava interesante é que a Dona Maria
Lêite nos dava ^livros^ nóvos e róupas novas para nos estimular e nos deixar vaidosós. O que eu
adimirava é que Dona Maria Lêite, não auxiliaria os brancos +a+ irem para a escola. Auxiliava só
os prêtós. ^Para^ nós incentivar, ela nos dizia: Eu gosto dos prêtos: Sabem que eu queria ser preta!
E pedia a §a§ a +nós+ para ^+lermos+^ para ela ouvir. Minha mãe era tímida e dizia que os
negros devem obedecer aos brancos, isto é, quando o branco tem sabedoria _sic_. por isso ela
deveria enviar-me à escola para obedecer a Dona Maria Lêite. (FBN: Caderno 6 - “Poesias e textos
autobiográficos”, FTG s/n)
48Este espiritualista francês conheceu grande fortuna no Brasil. Seus adeptos contam-se em número de milhões
(Tradução Minha).
118
(...) Fui a escola com a curiósidade tão própria da infância. Para averiguar o que era
escola e qual a sua utilidade na nossa vida. Quem insistiu com a minha mãe para enviar-
me a escola e qual a sua utilidade foi D. Maria Lêite. Ela, era branca. Eu pensava: É pôr
causa de sua pele tão branca que ela se chama D. Maria Leite? Mas, ela era tão carinhosa
deveria se chamar D. Maria Santa. Ela residia na estação do Chapadao... (IMS: CMJ, Pi ,
001 - “Um Brasil para Brasileiros”, F. 1 e F.2)
e devido ao seu apelido “Bitita”49 , o mesmo que posteriormente estampou a capa do livro,
outra jogada de marketing, derivada da terceira versão publicada em Journal de Bitita.
(1) (2)
vergónha de mamar!
_Não tenho!
_A senhóra está ficando
mocinha e têm que aprender à
49Talvez o apelido Bitita advenha do fato de ela mamar até grandinha, pois no interior é comum chamar de
“cabritinha” às crianças que gostam muito de leite. Então, esse “Bitita” seria um apelido carinhoso.
120
^professora^
Em seguida, ela conta como finalmente começou a ler, mas dessa vez os episódios
são diferentes embora estejam intercalados na mesma forma sintática como os inicia e os
finaliza: na versão 1, a primeira leitura, mais detalhada, é de um anúncio de cinema e, na
segunda, mais geral, ela diz que lia nomes de lojas:
121
(1) (2)
E estudava com assiduidade E estudava com assidui-
Trêis mêses depois, eu percibi dade Três mêses depóis, eu
que já sabia ler. percebi que já sabia ler
Era uma quarta _ fêira ao sair Que bom! Senti um contentamento
da escola eu vi uma tabolêta interiór e exterior.
escrita. Era o reclame de cinema Lia os nomes das lojas.
Hoje puro sangue. “ Som mix “Casa Brasileira”, de Aimónd
Exclamei contentíssima! Goulart”. Eu fui correndo para
_Eu... já... sei lêr! casa. Entrei rápida como os raios
Eu ia lendo os nomes das ruas solares.
Das farmacias. Ate ´ aquela Mamãe assustou-se.
data, aquelas lêtras nada _O que é isto?
significativa para mim. Está ficando louca!
Eu fui correndo pra casa.
Entrei rapida como os raios
^Lia^
Solares .
>”<
Mamãe assustóu-se +”+
Interrogóu-me:
_ O que è isto ? Esta ficando
Louca!
Mais interessante do que os diferentes episódios para contar o mesmo fato, o que
pode ocorrer como um próprio jogo da memória que não se constitui como algo seguro, o que
chama atenção é como Carolina de Jesus procura manter uma mesma forma para iniciar e
terminar a narração desses acontecimentos, dando em primeiro lugar a informação de que
“estudava com assiduidade” e, segundo, como procurou manter um tom narrativo ao reutilizar
a frase “entrei rápida como os raios solares”.
imaginação, que incorrem no risco da não veracidade que privilegia o viés do olhar, o que
favorece a prática da verossimilhança em sua escrita.
Neste texto de Carolina de Jesus, assim como noutros, será a “falta da verdade” ou
a necessidade de adequação de seus discursos ao intento de seus “predominadores” que irá
recriar com verossimilhança uma história mais condigna para si. Assim, é nos próprios textos
e nas vozes de outros autores que cercavam a escritora que ela vai traçando teias em sua
poética de resíduos como pontos de fuga, materializados em estratégias discursivas e não em
fios condutores a atravessar seus leitores de um ponto fixo a outro. Nesse lembrar e escrever,
Carolina de Jesus, mesmo sem saber, confirma o que disse o pensador Agostinho, quando
trata da questão da memória na temporalidade: “É impróprio notar que os tempos são três:
pretérito, presente e futuro. Mas talvez fosse próprio dizer que os tempos fossem três:
presente das coisas passadas, presente das [coisas] presentes, e presente das futuras”
(AGOSTINHO, 1973, p.249).
Para sair das percepções vividas, não basta evidentemente ter uma memória que
convoque somente antigas percepções, nem uma “memória involuntária”50 que acrescente a
reminiscência como fator conservante do presente. A memória intervém pouco na arte,
mesmo e, sobretudo, em Proust (1987), como nos exemplos suscitados para discutir os limites
entre a memória voluntária e involuntária. Toda obra de arte é um monumento, mas como
mostra Carolina de Jesus, este não seria um tipo de edifício majestoso em comemoração ao
passado; é ele, sim, um bloco de sensações presentes que só devem a si mesmas sua própria
conservação, e dão ao acontecimento o composto que o celebra, pois em suas narrativas o ato-
monumento não é a memória, mas a fabulação desta.
50De acordo com Bergson (1999) o que distingue a memória volutária da involuntária é a experiência a -histórica
como noção de memória biológica, isto é, a duração de uma experiência isolada no tempo uniforne e cotidiano.
Enquanto a memória voluntária expressa a vivência passada acessada arbitrariamente pelo intelecto, a memória
involuntária reintegra o indivíduo a uma experiência mais próxima da verdadeira.
123
Por exemplo, pode-se observar o modo como Carolina de Jesus vai ajustando,
modelando e modificando seu discurso. Na sequência das versões 1 e 2, ela conta que surgiu
um novo problema quando passou a adquirir gosto pela leitura. O desejo de ler entra em
conflito com a obrigação de realizar os afazeres da casa. Nesse momento, a mãe se nega a
apoiá-la, como havia feito antes, por intervenção da benfeitoria alheia; agora, na versão 2,
exige que ela preste mais atenção aos trabalhos caseiros do que aos livros, aniquilando toda
possibilidade de incentivo advindo dessa mulher pobre, negra e talvez humilde demais para
pensar no intelecto. Todavia, os originais apregoam que Carolina de Jesus veio de uma
família e de um meio negro, que sabia a importância da escola e da leitura, seja através da
professora Dona Lanita, do “mulato” que citava Rui Barbosa e José do Patrocínio ou do
“Sócrates africano”.
Não mais dêixei de ler. Passei a ser a primeira aluna da classe. Eu, e a minha professôra
discuti amos téses. Fiquei vaidosa quando percibi que era adimirada Depóis a mamãe foi
obrigada a ressidir na fazenda do ilustre senhór Olimpio de Araujo. Fói com pesar que eu
dêixei a escóla. Chórei pórque faltava ainda dois anos para eu (deixar a) receber o meu
124
diploma pór fim tive que ressignar (FBN: Caderno 6 – “Poesias e textos autobiográficos”,
FTG s/n).
(1) (2)
^vizinha^
^Africa^
(1) (2)
^gorjeios^
^abluir-me^
^brisa^
^já^
+adimirada+
^trinta^
^Êste^
^semellhan^
seguinte interjeição da versão 1: “eu lia tão pouco! O meu/ideal era ler initerruptamente”, e na
versão 2: “Eu acreditava nos livros/ como se eles fossem os meus/confidentes ”.
(1) (2)
talvez mais realista; com efeito, os traços de tristes experiências retiraram o tom bucólico
dessa passagem da narrativa.
(1) (2)
^seduziam^
^ilusão^
^São^
^viajei^ +descentes+
^Luis^
^A^
^+e+^
^Estação^
^preocupada^
^E^
^nos^
^sentia-me^
(1) (2)
de agafanhar-se nórmaliza-se.
Não e desleixo. É que eu sou Não fiquei vaidosa porque
triste interiormente, procuro as pessoas de visão nota
demónstrar uma alegria que estou que a existência é cómposta
bem longe de sentir de cilício, e amarume
O que notei é que o pensamento por eu observar as vanta
do poeta é valise. E as suas gens e as desvantagens
meditações esta sempre ao lado que a vida nós concedem
dos fracos. E o poeta é integro enquanto vamós empurrando
_ E superior a sedução a vida uns vai desiludindo
-se e outros não revelam
oq eu sentem
Eu demonstrar uma
alegria que estóu bem longe
de sentir. Mas a vida deve
ser adórnada com a
integridade. E favorecer o
póbre e ser superiór a
sedução. Esta deve ser
o escudo de um poeta.
não utilizar o seu saber para
prejudicar o próximo.
E saber perdôar. porque saber
perdôar é uma arte tão sublime. E nosso
saudoso
Jesus Cristo, comprovóu
dizendo: perdôai-lhes meu
pai! Eles não sabem o que
fazem.
^familiarizei^
^normalizou-se^
>~<
“Prólogo é uma parte completa da tragédia, que precede a entrada do coro. [...]”. Carolina de
Jesus, não se sabe por quais caminhos, parecia compreender e utilizar essa função do
“Prólogo” como gênero literário, pois seus prólogos estão sempre alocados anteriormente a
seus poemas ou provérbios (cantos) anunciando/ contextualizando a trajetória desses
conteúdos a seus desejados leitores; muitas vezes, parecendo solicitar indulgência para com
suas “falhas”, procurando sensibilizar aquele que iria lê-la: Quando desperto deixo o leito
crêio que já familiarizei com o lápis na mão pórque eu quando escrevo, o meu cérebro,
nórmaliza-se. Não fiquei vaidosa porque as pessoas de visão nota que a existência é
composta de cilício52 , e amarume53 . Como um narrador implícito, ela mesma especula,
dramatiza e ironiza a própria vida, mostrando-se como sendo igual àquele que a lerá, nesse
caso, a classe burguesa a quem se dirigia, procurando sempre aproximar seus valores nessas
demonstrações de identificação social, despertada pela crença de que é o “trabalho que
enobrece o homem”. E a protagonista dessas narrativas trabalhou muito e se distinguiu muito
dos seus iguais para chegar até esses escritos. O preâmbulo para ela seria o caminho de essas
justificativas chegarem até seu público-alvo.
52Instrumento de penitência usado, ainda hoje, pelos crentes, tanto do cristianismo quanto de alguns segmentos
orientais, que creem ser a dor física uma purificadora da alma.
53 Desgosto profundo que faz mal à alma e ao corpo.
134
resultado criado pela chaga do organismo social doentio: o pobre marginalizado. Sem
esperança de cura, revela-se patologia que retorna como rota de fuga, de captura do devir-
fome amarela que os marginalizados, presos pela malha das desigualdades urbanas, irão
passar: essa chaga social pela qual os favelados não passarão incólumes.
A gênese dos manuscritos da escritora vira-lata passa por esse devir-fome amarela
como uma versão contrária aos excessos expelidos pelo corpo marginal como falta que gera
doença, pois a “fome amarela” é a cor da pele doentia da pobreza, do opilado, da verminose, a
esboroar os sonhos, esbarrando nas necessidades básicas desses marginais em vertigem. O
devir-fome amarela, como um corpo estranho ao corpo, é pus que se torna pústula que ameaça
virar um “câncer” e que precisava ser contido, como a própria Carolina de Jesus. O tornar-se
fome amarela degenerativo aparece enquanto um corpo estranho que escorre como pus, a
formar pústulas repletas da falta de realização, do desejo de um “Ter” que determina o seu
“Ser” na cruel sociedade moderna, como afirma a escritora: “Estamós numa época confusa
que se o homem não tiver muito dinheiro, não tem valôr para o homem”.
O processo criativo da “poeta da favela” caminha numa captura insana que gera e
que demonstra um procedimento febril rumo ao artístico: a formulação de uma poética de
resíduos que é alavancada por sua natureza pústula(r), fluida, turva e purulenta, células
criativas de defesa, já que para a escritora a “literatura é uma arma”. Suas narrativas emergem
do chorume social malcheiroso, a fermentar na criação e a incomodar essa mesma sociedade
que a gerou, uma sociedade asséptica, acostumada às aparências, a esconder debaixo do tapete
aquilo que lhe pareça pueril ou que cause pruridos morais, se alguém se atreve a mostrar suas
infecções e toda a sorte de chagas estranhas ao organismo social bem-comportado. Mas como
expelir aquilo que não cessa de ser produzido? Como diriam Plínio Marcos 54 e Carolina de
Jesus: enquanto houver mazelas sociais a literatura por eles inventada será atual.
Carolina de Jesus, uma mulher negra e favelada expele as pústulas em seu devir
criativo ao transmutar em forma e conteúdo as pústulas do tornar-se fome amarela para muito
além, mas não menos importante, das críticas à sociedade mobilizada por sua escrita. A
escritora segue criando algo para dizer o não-dito (até então), a partir daquilo que é interdito;
sua escrita poética é um agente invasor que, antes inativo, passa a tomar corpo e vai
requerendo vida, e exige uma face para si.
54Plínio Marcos foi o dramaturgo mais censurado no Brasil da metade do século XX, pois suas peças teatrais
denuciavam temas da marginalidade social. Entre outras, as mais conhecidas são: Dois perdidos numa noite
suja (1966); Navalha na carne (1967); Homens de papel (1968).
135
Como pôde essa escritora que, passada a fama advinda por seu best-seller de
1960, foi alcunhada de “escritora vira-lata” e, ainda assim, atreveu-se a traçar linhas de fuga
com refugos discursivos no enfrentamento de sua literatura-armada? Poder-se-ia entender que
foi graças ao seu devir-fome amarela?
Tais perguntas como Ondes estaes felicidade? (2014), título de um de seus contos,
conflitos entre “bondade e maldade”, cidade e campo, negro e branco, e sobretudo os
impasses entre o lugar social do masculino e do feminino são marcantes nas temáticas
encarnadas em sua caneta cortante. A obsessão por personagens femininas que precisam lidar
com o poder masculino, mas que, diferentes da própria Carolina de Jesus, ou das personagens
de Machado de Assis56 , que ao enfrentarem o poder masculino lutam, as suas sucumbem à
55 Como a própria Carolina de Jesus ressalta, ocorreram diversas modificações que prejudicaram o projeto inicial
do romance, cujo título original era “A Felizarda”, e ela relata o sonho de vê -lo publicado no exterior: “O moço
que ia publicar mudou o livro todo, tirou as expressões bonitas, não gostei. Os americanos querem publicar,
mas não conseguem encontrar tradutor. Os tradutores brasileiros lá ficam cheios de importância e não querem
traduzir meu livro./ A Felizarda é uma moça muito rica e por isso ninguém queria casar com ela. Depois de
casar com um moço pobre, viver na favela, mendigar e ser presa, o pai, um coronelão, a encontra e a leva para
casa. Ela senta no piano, e relembra dos tempos de moça rica, toca valsa vienenses. O filho dela agarrado a sua
saia pergunta: Mamãe quem é você?” (Jornal do Brasil, 11/dez/1976).
56Pode-se citar as personagens Virgíla e Eugênia, pertencentes a segunda fase da obra machadiana, que agem de
acordo com seus próprios interesses. Ver. ASSIS, Machado de. Memórias Póstumas de Brás Cubas. Rio de
Janeiro: W. M. Jackson, 1957.
136
submissão por estarem fadadas à condição inferior de um certo tipo de feminino imposto pela
sociedade. Os temas são acompanhados de uma espécie de pedagogia da opressão que impõe
final trágico para aqueles que são alimentados pela ganância, ambição e maldades, trazendo
este recurso das fábulas para dentro de suas narrativas curtas, como ser verá em “O lenhador”.
O final trágico como castigo pela má conduta moral, característica dos incansáveis
Provérbios (1965), que inventou ou repetiu, escrevendo-os em diversos cadernos, é outro
recurso fundamental em seus textos de aspecto propositivo de sentenças moralizantes.
Curiosamente, na edição de seu livro dedicado a esse gênero não foi publicada a versão
completa de uma espécie de preâmbulo que Carolina de Jesus preparou para este livro; o texto
está disperso nos originais, entrecortado por uma narrativa curta sem título, mas que poderia
ser intitulada “A bondade e a maldade”, uma vez que se trata da personificação dessas duas
posturas humanas que determinam destinos, golpeados pela escritora quando maculados pelos
“sentimentos primários” que dominam o ser humano.
Este provérbio que também ganha destaque pode ser compreendido como uma
espécie de síntese do projeto de texto, ideia primeira ou essência deste gênero, como também
o núcleo condutor que edifica o caráter proverbial que acompanha toda a poética de Carolina
de Jesus. Como observa Elena Pajaro, existem diversos vínculos entre a escritora e os
elementos culturais da diáspora africana no continente americano, sobretudo no que tange às
137
tradições africanas que valorizam a palavra escrita. A pesquisadora identifica ligações entre
Carolina de Jesus e a cultura de Cabinda57 e, segundo ela, o avô da escritora, exaltado por ela
e pelos vizinhos como “o Sócrates africano” por representar a voz e a palavra sábia na antiga
Sacramento (MG), era ex-escravo e seus pais teriam vindo dessa região, “onde o exercício da
formação moral e da busca do caminho reto era feito por meio de diálogos e provérbios,
muitas vezes pictografados em tecidos e cerâmicas”58 .
A região de Cabinda hoje luta por sua independência de Angola. Foi um Porto
muito importante, entre o atual Congo e a atual Angola, já há tempos ocupado pelo povo
bakongo. Sendo um porto, muitos negros que eram capturados ou trazidos por seus sobas
(chefes tribais) do interior, passaram a ser denominados cabindas, mas muitas vezes este era o
registro feito no porto africano de procedência. Raquel Trindade, filha de Solano Trindade,
assina seu nome como “A Kambinda” e nos maracatus este é um nome muito vezes presente.
O escrever proverbial, as fábulas (marcante nas narrativas curtas de Carolina de Jesus) as
personagens animais, com adjetivos de características humanas, ou as adivinhas, todos estão
presentes na voz e poesia dos bakongo e também dos falantes de quimbanda e de umbundu.
Nesta região não existem propriamente griôs, pois este termo vem de outra região, e vale para
o oeste africano, mas há os cantadores e poetas mais velhos, os guardiães do sangue e da
história dessas comunidades africanas, espécie de Aedos da Grécia antiga, assim como foi o
avô de Carolina de Jesus, que não se cansava de relembrar, por exemplo, os feitos de Zumbi.
Pode-se afirmar que esse “relembrar” tem uma função pedagógica para os ouvintes mais
jovens.
Fica evidente que Carolina de Jesus, como escritora, herdou, gestou e levou
adiante tais características do estilo e da diáspora africana. A própria forma de ela lidar com
os verbos e com a concordância nominal, por exemplo, é bem específica do proletariado em
geral, em sua maioria os negros.
57Cabinda é uma das 18 províncias da República de Angola, apesar de lutar por sua independência política. A
capital da província de Cabinda é a cidade de Cabinda, também conhecida pelo nome de Tchiowa.
58
“Elena, que mantém contato com pesquisadores da cultura afrodescendente nos Estados Unidos, relaciona essa
preocupação quanto à firmeza de caráter com a tradição musical afro -norte-americana do spiritual. ‘Como os
provérbios, os spiritual’s comunicam o caminho a ser seguido e lamentam os seus desvios, recriando uma ética
religiosa e política que foi constantemente retomada nos discursos em prol dos direitos civis, especialmente nas
décadas de 1950 e 1960’, explica Elena. O avô de Carolina era cristão e comandava a reza do terço em
Sacramento, o que lhe conferia autoridade moral e proeminência na comunidade”. Ver entrevista concedida a
Márcio Ferrari, Revista Pesquisa FAPESP, edição n.º 231, São Paulo, 2015, p.78-81.
138
Carolina de Jesus transpõe essa dicção para a linguagem escrita ao lado da erudita
que não aceita os “erros de concordância”. O plural no artigo e não necessariamente no
substantivo: “os rechêio”, “os pequeno”, “prêtos disse”, etc.; ou inusitadamente ou talvez
procurando a melhor forma do seu contrário: “o mal que o álcool lhes acarretam”, “tipo que
nos fazem sofrer”, etc.
Nesse rumo vale citar Antonacci quando, ao analisar o modus operandi daquelas
escritas que destoam dos documentos-textos, aqueles legitimados pela epistemologia
hegemônica, diz que, mesmo rarefeitos, ainda assim encontram chão em:
percursos ou uma das linhas de fuga traçada pelo devir-fome amarela, duros momentos
vivenciados pelo corpo-escrita de Carolina de Jesus.
Documento 23: FBN: MS-565 – 4, Caderno 4, “Provérbios, diário e texto O Brasil” (Fotograma s/n)
140
Transcrição:
Êste é o segundo livro de provérbios que escrevo. O primeiro foi um opúsculo semi-
estrópiado. Mas as pouquíssimas pessôas que leu o livro de provérbios enalteceu a obra. Esta gentileza
dós leitôres incentivou-me a escrever outro livro de provérbios mais profundo. Agradeço a gentilêza
do meu povo brasileiro que recebe as minhas obras com grande aprêço.
Depois de um lapso de perplexidade na literatura onde exitei em abandonar ou prosseguir.
Decidi continuar escrevendo. Pretendo escrever peças teatrais porque escrevendo peças teatrais estarei
auxiliando os artistas atuais e aos vindouros. Como é bom a gente saber que sempre está// auxiliando a
humanidade. Como é bom fazer um exame de consciência e saber que não prejudicamos o próximo.
Pórque ser mau é fácil mas ser bom é uma arte que aprendemos a perdôar e a ignórar as ofensas. É
hórrível conviver com o homem da atualidade que está desumanizando-se. São impiedosas +e +
quando finge-se protetor de alguém, é visando interesse próprio. Estamós numa época confusa que se
o homem não tiver muito dinheiro, não tem valôr para o homem.
É por isso, o valôr móral está desapareçendo. E o homem sem móral, está destituido. É
necessário uma reforma na administração do país com o objetivo// de minórar as dificuldades que o
homem encontra na sua jornada.
Pórque a razão de tantos desabôres e sofrimentos nêste hemisfério?
Que bom seria se o homem no decórrer de sua existência não encontrasse o sofrimento que é o
causador da tristeza que o deprime e atrofia o seu ideal. Já que é o ideal o cómbustível do côrpo
humano que impulsiona o nosso espirito a lutar.
Sendo o homem a [ileg.] do universo o [ileg.] hemisfério é o seu dever polir o seu caráter fazer
uma revisão nos atos, e nas suas ações com o próximo.
Como é horrível ferir// alguém na sua sensibilidade. Como é horrível deixar alguém triste,
como é hórrível conviver com um homem arrogante prepotente e predominadór. É um tipo com o
complexo de superióridade.
E a maiór superioridade nêste mundo é ser amável proporcionar uns momentos de alegria aos
nossos semelhantes. Até os animais góstam das carícias, e são iraciónais. E o homem que tem o dom
da palavra falada e escrita pode jatanciar-se de ser poderoso. Mas usar a sua fôrça com limites para
não praticar injustiças porque o tempo vençe o homem, que quando exerçe uma profissão, transforma-
se// Completamente. O seu ego no início, êle pensa que é um governador. Depois pensa que é um
ditador, pôr último quer ser semi-onipotente. Transforma-se num tirano e cai no desagrado do homem
que não suporta ser teleguiado e sente uma revolta interiór. Procura lutar para quebrar os grilhões,
aludindo que a época da escravidão... já passóu. O homem da atualidade, acêita a liberdade de pensar e
agir como lhe aprás pórque livre mêsmo ninguém é. Há a semi-escravidão, dos deveres nêste globo
ovalado em que nós somós os rechêio. Onde nós devemos ficar... coêsos no auxílio mútuo para
predominar// um equililíbrio justo. Pórque o que é justo agrada a coletividade. Nesta época que existe
os grandes desequilibrios há inúmeros causos que devem serem examinadós pelos poderes publicos.
É necessário que as classes divida-se: uma fração na cidade. Todós colocados trabalhando com
descência ganhando um salário que lhe dê independências econômica para ir extinguindo a
cleptomania do nósso povo. Para que póssamós confiar uns nos outrós e predominar o bem estar
comum. Pórque os atós de um povo fica fundido no país.
A outra fração deve ficar no campo, e produzir// pórque o povo do Brasil, não tem o hábito de
plantar. Não sabem utilizar nem as terras do quintal. A única cóisa que os nóssós homens do campo
aprendem dêsde a infância é ingerir grandes quantidades de cachaças. Quando são adultos, são os
catedráticos dos alcolatras. Passam a vida trabalhando unicamente para gastar no álcool. E êles são tão
incientes que não observam o mal que o álcool lhes acarretam minando-lhes a saúde. Criam os filhós
semi-primitivamente, não ensinam os filhos nem a cuidar do assêio pessóal.
141
Quem dirige o país são os super-inteletuais que tem um compromisso moral com o seu povo.
Procurar dar-lhes// melhore +s + orientações ao seu povo. Um homem não deve aspirar a governar o
país para deixar apenas o seu nome na história. Deve deixar bôas obras para ós vindourós.
Quando um povo é arrojado, no lapso de duzentos anós o seu país já está civilizado. E o Brasil
já completou 467 anos de descobrimento e ainda está semi-embrionário. Está engatinhando. Deitado
eternamente em bêrço explêndido, onde uma minoria é que tem a possibilidade de estudar. As classes
privilegiadas que cresçem gozando todo o confôrto e são os semi-patriotas do país. Por ser ricós
infiltram-se na política// para defender interesses próprios. Fazem alusões nos seus discursós que vão
trabalhar em prol da classe proletária.
Mas a classe assalariada nasçe e cresçem sem ter um líder para defender seus ideais
_Qual será o futuro dêste povo que cresçem sem cultura +e + sem aprender um ofício? Mêsmo
um homem capacitado encontra váriós obstáculos o decórrer de sua existência onde as atribulações são
imensas.
Cada homem está perdido nêste turbilhão humano em que as dificuldades transforma o
homem em fera. E qual é a =fera mais=// feróz do que o homem, que quando se depara com um
problema, mata o seu semelhante?
E o homem atual, vangloria-se que já é civilizado.
Há milenios que o homem esta lutando para construir um mundo côeso e civilizado, mas os
homens que almejaram a purificar as ações do homem fôram minórias que se perderam nêste
turbilhão. Para que haja felicidade comum é necessário que os hómens que governam sêjam justós.
Um govêrno violento perde o aféto do seu// povo que não lhe perpetua numa esfinge ou numa rua.
Um govêrno que faz uma guerra não dêixa bôas impressões pórque a pósteridade não rende
culto aos tiranos, +e+ aos ditadores. Não existe ruas com o nóme de Napoleão Bonaparte, Nero,
Heródes, Hitler.
Um homem que vai ficar na história como persóna nóm grata é o presidente dós Estados
Unidos nesta atualidade.
“Lindón Jolmson”.
Pôr causa da guerra do Vietnan. Que mania arbitrária dos nórte americanós de//imiscuir nos
litigios de outros povós.
_Será os Estados Unidos o advogado do mundo? O tutôr do Universo? Eu não preciso bajular
os Estados Unidos pórque sóu preta e êles não gostam dós negrós. O único nêgro que êles góstam é o
petróleo.
Na minha opinião, êles deveriam odiar o próprio branco que levou o negro para o seu país
pórque n’aquela época o negro eram vendidos e davam lucros pórque o sonho do branco é querer ser
rico. E êle passa a vida lutando para conseguir êste objetivo.// E a prova disto é que estão tentando ir
na lua para ver o que há pôr lá para ser negóciado.
E o homem ainda não desbravou a terra ainda não deu condição condignas ao homem e já esta
com a pretensão de dominar outrós planêtas. O que se gasta nas construções de veículos espac^iais^
poderiam empregar estas sómas num auxilio mutuo minórando o sofrimento da humanidade. Se o
homem está ciente que há deficiências no mundo, pórque não soluciona? Pórque quem pode praticar o
bem e não pratica// é um egóista. Um imaturo. Ao povo do Vietnam os meus pêsames pôr esta
hecatombe que lhes abatem. Já é tempo de pôr um ponto final nêste litigio tão desigual pórque um país
em guerra paraliza-se. Estációna-se e as gerações que crescem nas guerras cresçem neuróticas
conheçendo a fôrça brutal do homem. Se o mundo fôsse dirigido pelas mulheres será que nos
proporcionariam mais felicidade?
142
_Eu queria ser ministra da agricultura para incentivar o povo a plantar, emprestariam tratôres
para auxiliarem o pequeno lavradóres e diminuirem ós prêços dos// fertilizantes. Pórque o nosso
homem do campo encontram tantas dificuldades que estão desinteresando-se das lides da agricultura.
Se as mulheres governassem não fariam um govêrno abstrato. O nosso govêrno seria concreto
pórque o mundo governado pelós homens está deçepcionando. Deus designóu o homem para ser o
lider supremo do mundo. Mas que lider que deixa muito a desejar porque existem certos homens que
quando enriqueçem apoiam sua fôrça no dinheiro//
Êste pequeno livro de provérbios que apresento aós meus leitores que me vem estimulando no
meu ideal.// Não é uma obra fastidiósa. É um deleite para o homem atribulado da atualidade. Espero
que alguns dos meus provérbios possa auxiliar alguns dós meus leitóres à reflexão porque o provérbio
é antes de tudo, uma advertência em fórma de conta-gôtas. Já que nos é dado a compreender
mutuamente para ver se conseguimós chegar ao fim da jórnada com desçência e elegância. O saudoso
André Luiz escreveu!
“Devemos tratar os familiares// Como tratamós as visitas”// Mas, infelizmente isto// Não ocóre. Quase
todos// os lares tem a sua guerra
O que nos deixa maguado// E fere profundamente o coração; // As palavras do filho malcriado//
Mediócre sem educação
É horrível conviver// com as pessôas arrógantes// Tipos que nos fazem sofrer// _Todos + o s + instantes.
Se os prêtos disse[ileg] que// não góstam da// humanidade, é com, // conhecimentos de causa
Documento 24: FBN: MS-565 – 4 Caderno 3, “Provérbios e texto não identificado” (Fotograma s/n)
144
Transcrição:
Caia a tarde lentamente o céu estava colorido e a brisa perpassava lentamente arrefeçendo o jardim em
homenagem a bondade que estava deambulando a maldade passaria pór ali// ia apressada. Mas
avistando a bondade paróu bruscamente. Fitando-a adimirando a belêza da bondade e pensando que a
>beleza< + bondade+ deveria ser a miss universo Quis retirar-se mas encontróu dificuldade para
locómover-se. Sentia o seu// côrpo pesado como se fosse uma estatua de concreto Aproximou-se e
retirando o chapeu da cabeça levantou-se e comprimentou-a
_Bôa tarde bondade: Como vae? Sempre ouvi dizer que a senhórita é líndissima. E a senhórita
comprova. A bondade sórriu e agradeceu A maldade convidóu a bondade para tomar sorvete// fôram.
A bondade ia sorrindo para todos. A bondade tinha carro conduziu a maldade até a sua casa A
maldade apreciou os gestos elegantissimos da bondade. E assim iniciou-se amizade da bondade e da
maldade. A maldade era oportunista ia fazer as refêições na residência da bondade que não reclamava.
E um dia, a maldade pediu casamento a bondade e ofereçeu-lhe aliança Quando a maldade ia//
procura-la não encontrava-a e ficava furiôsa. Sentava e esperava o retôrno da bondade. Interrogava-a
_Onde fôste?
_Fui visitar as crianças enfermas que não tem cura// As que estão com paralisia infantil, e nunca vão
poder jogar uma bola. Fui visitar as crianças pobres que tem desejos de // comer arroz e fêijão, e carne
batatinhas fritas, arroz doce e pão com manteiga e >não< os paes não podem cómprar. Fui visitar as
crianças ruraes que andam treis quilometros e meio para ir a escola. E vao chorando porque cansam de
andar. Sei que organizaram a semana da criança. Mas os benéficiados com a semana da criança, são as
crianças da cidade que vivem com todo confôrto e não são Fui revoltados porquê não sofrem.
Fui visitar os adultos que estão nos hospitaes, as mães que estão felizes na maternidade// com a
chegada de um filho. As que estão triste pórque o filho nasçeu e mórreu. e fui visitar os operários nas
fabricas.// Como você vê eu gosto de suavisar. Fui visitar os asilos onde estão os velhos que ja estão
apossentados do bulicio do mundo. Depois fui visitar os governadores, os reis e seus ministros. Eu sou
amiga sincera da humanidade. A maldade revoltou-se Já estou cansada de suportar suas toliçes. Cada
um com o seu problema. Repreendeu a bondade que assustou-se e chóróu dizendo que não supórtava
as palavras rudes aludindo que os seus antepassa dós eram humanós e nobre// e que angariava
inumeros amigos e eram felizes. A maldade interrogou-a _O que é ser feliz?
A bondade sórriu, achando a pergunta ingenua e prontificóu-se a responder -lhe
_E ter paz de Espirito. E quem consegue isto são os que praticam o bem.
_E você tem lucro praticando o bem?
_Sim. Sou querida de todos E até você maldade, gósta de mim, pórque sou bôa
A maldade sorriu, e deu um bêijo na bondade
relação com seu oposto, a fim de doutriná-lo, ensiná-lo, na busca da promoção para um
mundo melhor, que precisaria de uma mudança radical, ou seja, a partir da essência da
maldade.
O lenhador:
Documento 25: FBN: MS-565 -4, Caderno 11, “Documentos esparsos datilografados (Fotograma s/n)
147
Transcrição:
O LENHADOR
coisas muito bonitas que a gente não conhece e nunca viu, mas
(1)
só escutamos de falar.
--- Então, meu filho, você esta satisfeito com a sua vida? Com
o seu trabalho?
--- Sim senhor, com a graça do nosso Pai do Céu, eu estou satis
feito.
--- Pois bem, meu filho, você só conhece esta espécie de traba
lho, que é plantar, esperar crescer e derrubar, porém, hoje você
vai aprender um trabalho diferente.
--- Mas moço, com quem eu +vou + aprender esse outro trabalho, se por
aqui só tem gente como eu e que +não conhece+ >(desconhece)< outro tipo de traba-
lho?
--- Meu filho, reúna toda essa gente e traga-os aqui, eu estarei
esperando.
--- Puxa moço, o senhor vai ficar aqui nesse matão sem nada de
bom e sem recurso nenhum, só para ensinar 000000 +par+a mim a aos
meus companheiros e irmãos?
--- Sim filho, vá que estarei esperando.
--- Esta bem senhor, eu já vou indo, mas não vá embora agora,
pois, foi Deus que mandou o senhor aqui. 000000000 Adeus então?
e até lá, despediu-se o lenhador e correndo pela mata sumiu
entre os cipós e árvores, correndo, correndo sem parar, chegando
ao rancho do amigo Bastião, sem poder falar +propositaumenti + caiu de joelhos e
com o olhar para o alto ergueu suas mãos para cima em sinal
de agradecimento e tentando contar aos amigos + o + que acontecera,
porém não consegue, e, emocionando, pos-se a chorar, a chorar de
alegria. Os amigos e irmãos ao verem o que com rapaz nunca
tinha acontecido, pensaram que tivesse sido atacado por algum
animal e que o seu juízo não estava bom. Juizo foi a palavra
dada por eles.
Passada a emoção ele tentou contar aos outros o que lhe há-
via acontecido, mas, os mesmos não lhe deram créditos e o tempo
foi passando até que um dia o próprio rapaz ficou doente e os
outros fizeram tudo que estava ao alcance deles, porém em vão.
149
(2)
_________________ x ____________________
Este texto demonstra mais uma vez o caráter proverbial ensaiado por Carolina de
Jesus, e que nessa narrativa vem acompanhado das originárias fábulas ou, como ela escrevia,
as “histórias da caronchinha”, que ela leu durante toda sua vida, como citado ao longo de seus
textos memorialísticos: “(...) comprei dois livros de histórias da caronchinha para reler as
estórias que li em criança. E reviver aquela minha quadra gostosa ao lado de minha saudosa
150
mãe. Época em que eu achava o mundo belo” (6 de outubro de 1966, Caderno 4 “Provérbios,
diário e texto “O Brasil”).
Seu artefazer está adstrito à busca pela sabedoria e pela boa conduta, as quais teria
na literatura seu espaço de reflexão autodidática e beleza na condução dos atos humanos. Arte
e vida não se separam nessa escritura errática do corpo poético, mas que interpela as posturas
e os valores dos homens sob o viés do imagético que estava a seu alcance. Assim, a escritura
híbrida de Carolina de Jesus abrange também, e sobretudo, o gênero fábula, embora sua
tendência à diluição de fronteiras não permita um enquadramento específico em um único
gênero. No texto “O lenhador” percebemos a clara intenção de moralizar/educar, típico das
fábulas, porém sem a presença dos elementos característicos dessa tipologia. Percebe-se que
ela tem para si um grande ideal de ego, de vontade de ajudar as pessoas, de desejo de mudar
as injustiças sociais, das quais foi sempre vítima em potencial e de fato. Como todo poeta, ela
quer alcançar um ouvinte, um leitor.
59“E o Silvio compreendeu que as mulheres que têm possibilidade de trabalhar ficam arrogantes e no lar não
obedecem ao esposo, querem dominar. E autoridade de mulher é uma autoridade insolente. Com a tal vida
moderna em que tudo que se adquire custa um dinh eirão e a mulher tem que trabalhar para auxiliar o homem, o
mais sacrificado. O mais infeliz é o próprio homem. Se um governo aumenta os preços dos gêneros de primeira
necessidade vai complicando cada vez mais a vida do homem. Há os que não podem casar-se porque não [...].
não tem valor quando punimos alguém para defender interesses pessoais. Castigo por vingança. (APMS 07. 03.
10.1: “Dr. Silvio”, F. s/n). A conclusão desse romance coloca em evidência ambivalências homem/mulher
numa profusão de torturas de valores e convicções de experiências traumáticas, vividas pela personagem
151
Não raras vezes este tema reaparece: A felicidade do homem consiste que êle vem
ao mundo, e não para ficar no mundo (FBN: Caderno 7 – “Pensamentos”, FTG. s/n).
Também em versos: Ao deixar meu barracão!/ Para viver na cidade/ Estava com a ilusão/ De
encontrar felicidade (...) Andei procurando carinhos/ So encontrei desilusão./ E uma
tonelada de espinhos/ Para ferir meu coração (FBN: Caderno 6-“Poesias e textos
autobiograficos”, FTG. s/n). E, mais uma vez, em tom de sentença, a escritora finaliza o
capítulo X do romance “Dr. Silvio” assim: _Claudinha sentou-se na mêsa não disse palavra a
ninguem. Parece que ninguem ali tinha o que dizer um ao outro. Tudo o que procurava
dentro daquela casa encontrava-se so faltava uma coisa que e almejada por _todós “A
felicidade” (APMS 07. 03. 10.1: “Dr. Silvio”, F. s/n).
A máxima que abre o conto Onde estaes felicidade? diz: Não êxiste nêste mundo,
quem não acalenta um sonho intimamente. Quem não aspire possuir algo que lhe proporcione
uma existência isenta de sacrifícios (JESUS, 2014, p.23). Como no final trágico dessa
narrativa, para a escritora, o homem está fadado a buscar sempre a felicidade sem jamais
encontrá-la, afirmação que se repetiu em sua própria vida.
Seja através dos diários ou dos provérbios, Carolina de Jesus vai tateando os
temas e gêneros que logra captar e os vai experimentando; assim, eles funcionam como
espaços de armazenamento de suas coletas e/ou de rememoração, acentuando seu desejo de
publicação: (...) Disse-lhe que que tenho uma historia interessante. O título e Onde estaes
felicidade? (JESUS, 1961, p.155).
Além disso, a junção de saberes pode ser exemplificada nesse texto pelo escopo
ao final de um dos primeiros fotogramas do conto onde há uma chamada em forma de nota de
masculina pela falta de submissão da mulher, postura que gera uma série de tragédias nas trajetórias das
personagens gerando um efeito de verdade e legitimação desses valores homocen trados.
152
rodapé, em que ela explica para si mesma, talvez numa segunda leitura desse texto, já passado
a limpo, o significado da palavra “veludo fruta silvestre de côr vermêlha” (idem), assim como
a glosa que aparece no início do conto, logo abaixo do título: “este conto- ótimo pela
duplicidade” (idem). Comentário avulso de teor explicativo aparentemente redigido por algum
editor em potencial a quem ela havia entregue para leitura.
153
Capítulo III
(Carolina de Jesus)
Foi nas minhas andanças que formulei todas as questões, refiz todas
as perguntas, sonhei todos os sonhos.
(Samuel Rawet)
(Fernando Pessoa)
60Na versão publicada ela relaciona as incertezas de sua data de nascimento à falta de registro, à falta de
escolaridade e à impossibilidade de os negros servirem no exército: (...). No dia 27 de agosto de 1927 o vovô
faleceu. Minha mãe disse-me que eu estava com seis anos. Será que eu nasci no de 1921? Há os que dizem que
eu nasci em 1914./ Eu notava que os pretos não sabiam ler. Nunca vi um livro nas mãos de um negro. Os
negros não serviam no exército porque não eram registrados, não eram sorteado s. Eles diziam: _É orgulho. Só
os brancos que são considerados brasileiros. /Ninguém na minha família tinha registro. Não era necessário o
atestado de óbito para sepultar os mortos (JESUS, 2007, p.147). Enquanto que na versão manuscrita do Diário
de Bitita, localizada em Sacramento, lemos que foi a curiosidade de Bitita que conduziu ao questionamento de
sua existência: “(...). No dia 27 de agosto de 1927, o vovô faleçeu. Minha mãe disse -me que eu estava com sêis
anos. Será que eu nasci em 1921. / Há os que dizem que eu nasci em 1914. / Criança desconhece o calendário
_eu gostaria de investigar o ano em que nasci” (Museu de Sacramento, Caderno “Maria Luiza – romance”.
Apesar dessa indicação na capa do caderno, esse texto em prosa carrega traços autobiográfico s. Está dividido
em duas partes, uma delas com extratos de uma outra versão das memórias de Carolina de Jesus).
155
Estes dois anos mal cumpridos constituíram toda a sua escolaridade formal. A
escritora conta que seu pai foi um forasteiro negro, cantor e repentista, que havia passado pela
cidade de Sacramento, de quem a escritora teria supostamente herdado a personalidade
artística, sonhadora e nômade61 .
A partir do ano de 1937, ela começa a migrar para São Paulo, passando por várias
cidades do interior de Minas Gerais, depois por Franca, interior de São Paulo, até finalmente
chegar à metrópole em 1947. Conta que dormiu debaixo de pontes, foi auxiliar de
enfermagem, trabalhou em circo e foi empregada doméstica em diversas casas 63 , até ficar
grávida de seu primeiro filho. Não sendo aceita (grávida) para morar no emprego doméstico,
ela viveu temporariamente no centro de São Paulo, em cortiços que já estavam em processo
61Nas recordações da vida de Bitita, diz Carolina de Jesus: “(....). Um dia, ouvi de minha mãe que meu pai era de
Araxá, e seu nome era João Cândido Veloso. Que meu pai tocava violão e não gostava de trabalhar (...)./ Foi
nos bailes inseletos que ela conheceu meu pai. Dizem que ele era um preto bonito. Tocava violão e compunha
versos de improviso. Era conhecido como o poeta boêmio. Nos bailes ele dançava só com minha mãe (1986,
p.8 e p.82). Em entrevista, Vera Eunice reforça essa ideia atribuindo uma espécie de dom que viria a perpassar
gerações: “O pai dela? Pelo que ouvi, foi um boêmio, um daqueles in -cu-rá-veis! Mas a gente não escutava
falar tanto dele. Até onde sei, era do tipo que vivia pelas ruas, cantarolando, tocando violão e fazendo versos.
Passava a noite inteira pelas ruas, andando de boteco em boteco, bebendo e procurando moças para fazer
serenata. Bebia até o sol raiar, não trabalhava, ficava “fazendo arte”. Aliás, foi assim que ele conheceu minha
avó Maria Carolina: fazendo arte!./ Minha avó, para complicar ainda mais a história, era casada com outro.
Imagine isso naquela época! Tanto “fizeram arte” que acabou nascendo uma ‘obra -prima’: Carolina, minha
mãe” (MEIHY, 1994, p.66).
62 Além da versão datiloscrita em Miscelânea II a que tivemos acesso pode -se consultar esse texto em A
cinderela negra: a saga de Carolina Maria de Jesus, publicado por Meihy e Levine em 1994, e na publicação
da Revista Escrita (1976). Em entrevista no primeiro livro, diz Vera Eunice: “(...). As poucas lembranças da
infância que foram boas eram da mãe e do avô. Além da mãe só o avô esteve próximo dela na infância. Ele era
conhecido como ‘Sócrates Africano’; um homem muito inteligente e sábio que, apesar da cor, foi considerado
e respeitado pelos ricos e poderosos daquela região. Pelo que sei, eles conversavam por horas e horas a fio,
discutindo as histórias que ele contava, falando dos tempos em que ele era jovem, d a escravidão... Minha mãe
aprendeu a contar histórias com ele; o gosto pela leitura veio com a curiosidade de saber mais histórias dos
lugares, dos heróis, Tiradentes, Zumbi dos Palmares... (MEIHY, 1994, p.67).
63Segundo narra em diversas passagens, foi nas bibliotecas dessas casas que adquiriu grande parte de seu
conhecimento, em especial na residência de Zerbini, médico paulistano que realizou o primeiro transplante de
coração no Brasil (MEIHY, 1994, p.68).
156
de demolição64 ; depois, mudou-se para a favela, onde teve mais dois filhos, um menino e uma
menina, sendo cada um de um pai estrangeiro.
Nunca se casou e tampouco teve um companheiro fixo, não por falta de propostas,
muito menos de amores, como ela mesma faz questão de afirmar em sua obra Quarto de
despejo, mas por considerar o casamento uma forma de escravidão feminina65 . Além disso, no
“Caderno 2066 ”, por exemplo, há revelações impactantes quando ela traz à tona a discussão da
escrita como possibilidade de emancipação feminina e do negro, sua crítica à sociedade e seus
desabafos sobre as adversidades de querer escrever ali, na favela, depois de um dia de
cansaço, em sua rotina de perambulação e “catação” de objetos recicláveis encontrados pelas
ruas da enorme cidade de São Paulo.
64 Na narrativa “Favela” (JESUS, 2014), inédita até então, Carolina de Jesus fala dos processos de despejo das
populações pobres que viviam nos cortiços paulistanos até a década de 1950. Devido à política
desenvolvimentista em voga nesse período, diversas habitações antigas foram demolidas para erguerem prédios
monumentais que dariam origem à São Paulo modernizada. Segundo Miranda (2003), a favela do Canindé e o
Parque do Ibirapuera foram erguidos no contexto de comemorações do IV Centenário da Cidade (p.14), em
janeiro de 1954.
65 Segundo seus filhos, em entrevista cedida a Meihy (1994, p.69), Carolina ficou grávida pela primeira vez de
um americano chamado Wallace, mas essa sua primeira filha, que recebeu o mesmo nome da mãe, morreu. Em
seguida, engravidou de um italiano com quem teve seu primeiro filho, o João. Depois foi a vez de conhecer um
marinheiro português, pelo qual Carolina foi imensamente apaixonada, e que lhe deixou o filho José Carlos; e,
finalmente, o pai de Vera Eunice, um comerciante espanhol de classe média, mas que jamais ajudou
financeiramente mãe e filha.
66 “Caderno 20”. Biblioteca Carolina Maria de Jesus. Museu Afro -Brasil (MAB) de São Paulo, São Paulo (SP).
67DANTAS, A. O drama da favela escrito por uma favelada: Carolina Maria de Jesus faz um retrato sem retoque
do mundo sórdido em que vive. Folha da Noite. São Paulo, ano XXXVII, n. 10.885, 9 mai. 1958. / DANTAS,
A. Retrato da favela no diário de Carolina. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, n. 36, p. 92-98, 20 jun. 1959. /
DANTAS, A. Da favela para o mundo das letras. O Cruzeiro, São Paulo, n. 48, p.148-152, 10 set. 1960.
68Segundo as jornalistas francesas, com uma reportagem fotográfica de Edouard Boubat (LAPOUGE, 1977,
p.165).
69Criação de Oswaldo Moles, a personagem “Charutinho” foi vivida/interpretada por mais de uma década por
Adoniran Barbosa na Rádio Record, durante a atração História das Malocas, que ia ao ar toda sexta-feira, às
21h.
157
Solano Trindade, Adhemar de Barros, Jorge Amado e Clarice Lispector. Contudo, a fama não
trouxe somente alegrias para a escritora. Em 1965, durante uma noite de autógrafos de Maçã
no escuro, de Clarice Lispector, a “poeta do lixo” foi colocada diante de um mundo que a
repelia, fato que ilustra as contradições de uma sociedade que aceitou seu best-seller –
enquanto representação exótica da favela, mas recusou a protagonista dessa obra como
escritora; talvez, por considerá-la um ser social ambíguo.
Como podemos ver, Carolina de Jesus sofreu discriminação até mesmo por parte
daqueles que tiveram uma relação mais pessoal com sua obra, como foi o caso da atriz Ruth
de Souza71 , que tantas vezes interpretou a protagonista de Quarto de despejo em diversas
apresentações televisivas e teatrais.
Pelo êxito comercial das vendas de seu primeiro livro, os direitos autorais lhe
permitiram comprar a tão sonhada “casa de alvenaria” em Santana, onde passou a morar com
os filhos até 1964. Santana era um bairro de classe média baixa, onde ela e seus filhos
sofreram uma série de preconceitos por serem negros e por carregarem o estigma da pobreza,
de serem oriundos da favela. Não suportando as discriminações, Carolina de Jesus mudou-se
para um sítio em Parelheiros, onde morou numa pequena casa com os filhos, sobrevivendo
das colheitas de algum plantio e da criação de galinhas e porcos – além da venda de víveres
na beira da estrada, que não deu certo por causa dos fiados –, e da “catação” de ferro, segundo
ela conta na parte de seu diário “No sítio” (JESUS, 1996, p.201-284).
70MUNGNAINI JR., Ayrton. Adoniran, dá licença de contar. São Paulo: Editora 34, 2002. O compositor
chegou a escrever a canção “Carolina” que ressalta o percurso do lixo ao luxo e o retorno ao lixo, lançada em
1967, pelo grupo “Sambaquatro”. Disponível em: <www//https:soundcloud.bigmug1984-1/sambaquatro-
carolina-adoniran>
71Durante o apogeu de Quarto de despejo, Edy Lima montou uma adaptação para o teatro, que estreou em 1961,
com direção de Amir Haddad, e com a atriz Ruth de Souza representando a protagonista da obra.
158
humanidade negada, o mesmo que foi feito com a mulher negra ao longo da História do
Brasil72 .
Hoje, pode-se inferir que não foi por acaso que o fim do prestígio de Carolina de
Jesus coincidiu com o fim do populismo no país, e com a entrada em cena de uma política
levada a cabo pelos governos militares no início dos anos 1960, que pôs sob censura todos os
meios de contestação. É possível que algum resquício de memória do “populismo varguista”
permaneça na imagem da escritora saída da favela como emblema da democracia brasileira.
No entanto, paradoxalmente, no dia do lançamento de seu primeiro livro, a escritora saiu a
“catar” papel para poder alimentar seus filhos. Além do cenário criado na Livraria Francisco
Alves, em cuja vitrine foi colocada terra da favela para servir de base para os livros da
favelada, ainda, na gravação de um programa de TV, fizeram a reprodução de um barraco
como cenário73 .
72 Entre tantos outros casos, cito o final trágico da atriz negra Isaura Bruno retratado no documentário “A
negação do Brasil” (2000) de Zoel Zito Araújo. A venalidade que circundou a figura de Carolina de Jesus
também se repetiu na história de sua coetânea, a atriz Isaura Bruno que interpretou a figura de “mamãe
Dolores” (mães negras da literatura), personagem de destaque no primeiro grande sucesso de audiência da
telenovela brasileira dos anos de 1960, “O direito de nascer”. Após longo sucesso na mídia bras ileira, a atriz
participou apenas de três novelas nos seis anos seguintes após seu sucesso, e acabou seus dias vendendo doces
das ruas de São Paulo e morreu pobre, desconhecida, mas afirmando “que tinha tantas tristezas que não sabia
qual era a maior”. É de praxe na história do Brasil esse tipo de reconhecimento que des -reconhece, a inclusão
que exclui, um paradoxo que acompanha as zonas de contato entre negros de sucesso e as elites
predominantemente brancas.
73A repórter combinou com o senhor Homero Homem e resolveram transformar o programa de televisão,
apresentando-se num barracão com os filhos, o senhor Homero Homem e o senhor Barbosa Mello (JESUS,
1961, p.72).
160
74 O filme Vidas de Carolina conta a história de duas mulheres que sobrevivem da coleta de res íduos recicláveis.
O documentário foi inspirado na vida de Carolina de Jesus e traz relatos de familiares da escritora e trechos do
livro “Quarto de Despejo”, conectando as três histórias. A proposta em Das nuvens para baixo é parecida com
o filme de Jéssica Queiroz ao buscar conexões entre mulheres de hoje e Carolina de Jesus, mas aborda
mulheres que não são necessariamente catadoras, uma é cantora de samba, outra é cantora gospel, outra é dona
de um bar, outra é moto-taxista, outra é uma senhora migrante da Bahia, que mora na favela da Maré há 20
anos. A personagem de Carolina de Jesus aparece interpretada por uma atriz da Maré, que enuncia o seu
discurso; naturalmente, os discursos da escritora e das outras mulheres vão cria ndo conexões possíveis,
trazendo à tona sua subjetividade e sobretudo a favela falada no feminino. Ainda podemos citar a belíssima
peça de teatro pós-dramática, hiper-realista e permeada pelas metáforas e críticas da escritora denominada
Ensaio sobre Carolina, da Cia de Teatro, dirigida por Lucélia Sérgio no ano de 2007, tendo circulado até 2009,
e enquete especial durante no evento Prazer em (Re) conhecer, sou Carolina!, ocorrida no ano do centenário.
75Segundo Sérgio Barcellos, “Ao ser entrevistada por ocasião da adaptação de seu romance Push para o cinema
(Precious, EUA, 2009), Sapphire, escritora negra norte-americana, declarou espanto ao saber que Carolina
Maria de Jesus é pouco lida no Brasil: ‘Eu dava um curso baseado em diários de mulheres, Virginia Woolf,
Sylvia Plath, Frida Kahlo, Carolina Maria de Jesus. Os das brancas eram introspectivos. O dela falava de
classe, raça, luta por comida para os filhos’. A personagem Preciosa, que dá nome ao filme, foi, segundo a
escritora, parcialmente construída a partir da figura de Carolina: ‘Fico impressionada porque os brasileiros
dizem que nunca ouviram falar de Carolina de Jesus ou de seu livro. Nos EUA você compra facilmente’,
conclui Sapphire, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo” (edição de 23 de janeiro de 2010).
76 O documentário foi dirigido pela alemã Christa Gottmann -Elter, quando ela trabalhava na Fundação
Adenauer, no Brasil. Foi baseado em Quarto de despejo e protagonizado pela própria Carolina de Jesus, que
conta sua história. Até então não havia sido exibido no Brasil, mas o documentário foi mencionado várias
vezes na cronologia de Carolina de Jesus com o título livre de O despertar de um sonho. Pelo fato de expor a
extrema miséria na favela, o filme teria desagradado ao então embaixador do Bras il em Bonn (entre 1971 e
1972, o Brasil teve os seguintes representantes em Bonn: Paulo Nogueira Baptista, João Baptista Pinheiro e
Egberto da Silva Mafra), que vetou sua exibição no país. Recentemente restaurado e legendado em português
pelo Instituto Moreira Salles, recebeu o título de Favela, a vida na pobreza. O Instituto Moreira Salles, com
altos esforços, conseguiu recuperar o documentário que estava fora do Brasil (Favela – Das Leben in Armut;
Ano 1971; Duração 0:16’40’’)
161
Através das representações de Ruth de Souza, Zezé Mota, Gal Quaresma, Débora
Garcia e de Wilson Rabelo, que representam Carolina de Jesus em curtas e longas metragens,
documentários e peças de teatro, o leitor/expectador conhece uma mulher que não titubeava
em intervir nos acontecimentos históricos ou na esfera íntima, o que expressa um
temperamento destemido, crítico e irônico, típico de uma pessoa de tino, intuitiva, de
personalidade persuasiva, sonhadora, ousada, às vezes contida, irreverente, contemplativa e,
acima de tudo, com uma capacidade imensa de encontrar alegria e força no sofrimento, no
cansaço e na dor. Para finalizar essa breve biografia de Carolina de Jesus, é oportuna a citação
de Meihy:
(Marcel Proust)
77Em “contos da rua”, Meihy (2010) nos informa que haveria um caderno de Carolina de Jesus na Biblioteca
Mindlin; porém, nessa Biblioteca (que hoje está hospedada na USP), desconhecem a existência do tal caderno.
Em troca de e-mail com o professor, foi-me dito que haveria um esforço de sua parte para recuperar o tal
manuscrito. No mesmo ano, Vera Eunice nos informou que há mais um caderno com um romance inédito em
posse de Arlindo Silva, jornalista que escreveu a biografia de Silvio Santos. Ela disse que chegou, inclusive, a
ameaçar o jornalista de briga judicial para recuperá-lo. Até o momento desta escrita, não há novas informações
sobre este assunto.
163
Caderno 1
Poesias, Provérbios e diário
Caderno 2
Texto não identificado e diário
Caderno 3
164
Fotos de Carolina; Foto dela com os filhos; foto com Ruth de Souza. Capa
mutilada. Páginas manchadas.
Recortes: documentos mutilados, rasurados, manchados ou incompletos.
Com efeito, a maior parcela dos textos literários começa a ser redescoberta e
organizada. É o caso da descrição dos cadernos do IMS, que não foram descritos em suas
especificidades no guia, mas que a oportunidade de ter podido conhecê-los, diretamente no
Instituto, possibilita agora delinear um percurso na sequência deste capítulo. Nesse sentido,
esta pesquisa não prescindiu do trabalho braçal, cujo esforço descritivo estende-se até a
organização do material pesquisado, conforme observado por Pino, ao traçar os caminhos da
crítica genética atual:
ORGANIZAÇÃO DO ARQUIVO
O arquivo foi dividido em quatro séries, refletindo o arranjo efetuado pela equipe
de pesquisadores da FBN, quando da microfilmagem feita em 1996, a partir dos documentos
originais que, posteriormente, foram devolvidos à filha da titular. As quatro séries são
identificadas como:
- Diário;
- Romance;
- Miscelânea;
- Documentos diversos.
MS – 565 (1), (2), (3), (4), (5), (6), (7), (8), (9) e (10)
MS - 524
APMS 01.01 – Arquivo Público Municipal de Sacramento, Caixa 01, Espécie “Diário”;
Realizando-se a equivalência de classificação, os cadernos autógrafos receberam a ordenação
conforme foi atribuída a eles na Biblioteca Nacional. No caso dos cadernos contendo Diário,
uma sequência cronológica. Assim, os cadernos contendo Diário, em APMS, estão indicados
pelos códigos:
Autenticidade: Original
Apresentação: Manuscrito
Notas: As entradas do período de 10/12 a 17/12 estão com o ano incorreto. Trata-se de 1960 e
não 1961.
Equivale a FBN MS-565(2) Caderno 6.
Descrição física: Caderno sem capa, acabamento grampeado, com folhas se soltando.
________________________________________________________
Localização: APMS 02.01.07
Autoridade: Jesus, Carolina Maria de, 1914-1977
Título: Diário
Local: São Paulo
Data: 27/01/61 a 22/02/61
Fundo: Carolina Maria de Jesus
Conservação: Regular
Autenticidade: Original
Apresentação: Manuscrito
Notas: Caderno encontra-se em exposição permanente no Museu Histórico Coralina Venites
Maluf, Sacramento, Minas Gerais. Há uma cópia xerográfica, com 31 folhas, na localização
referente ao caderno no Arquivo Público Municipal de Sacramento.
Equivale a FBN MS-565(2) Caderno 7.
Descrição física: Caderno sem capa, acabamento grampeado, com folhas se soltando.
________________________________________________________
Localização: APMS 02.01.08
Autoridade: Jesus, Carolina Maria de, 1914-1977
Título: Diário
Local: São Paulo
Data: 26/02/61 a 09/03/61
Fundo: Carolina Maria de Jesus
Conservação: Ruim
Autenticidade: Original
Apresentação: Manuscrito
Notas: Equivale a FBN MS-565(2) Caderno 8.
Descrição física: Caderno sem capa, acabamento costurado.
________________________________________________________
174
Apresentação: Manuscrito
Notas: Equivale a FBN MS-565(2) Caderno 11.
Descrição física: Caderno sem capa, acabamento grampeado. As últimas folhas do caderno
estão em branco.
________________________________________________________
Localização: APMS 02.01.12
Autoridade: Jesus, Carolina Maria de, 1914-1977
Título: Diário
Local: São Paulo
Data: 18/12/61 a 20/12/61
Fundo: Carolina Maria de Jesus
Conservação: Ruim
Autenticidade: Original
Apresentação: Manuscrito
Notas: Equivale a FBN MS-565(2) Caderno 12.
Descrição física: Caderno sem capa, acabamento grampeado. Com entradas apenas nas
primeiras folhas.
________________________________________________________
Localização: APMS 03.01.14
Autoridade: Jesus, Carolina Maria de, 1914-1977
Título: Diário
Local: São Paulo
Data: 29/10/61 a 19/11/61
Fundo: Carolina Maria de Jesus
Conservação:
Autenticidade: Cópia xerográfica
Apresentação: Manuscrito
Notas: Equivale a FBN MS-565(3). Neste rolo de microfilme encontram-se períodos de
entradas de diário incluídos em cadernos descritos como “Miscelânea”. Portanto, não estão
numerados como cadernos nos microfilmes.
Descrição física: 131 folhas.
________________________________________________________
Localização: APMS 03.01.15
Autoridade: Jesus, Carolina Maria de, 1914-1977
176
Título: Diário
Local: São Paulo
Data: 20/09/62 a 16/12/63
Fundo: Carolina Maria de Jesus
Conservação: Ruim
Autenticidade: Original
Apresentação: Manuscrito
Notas: Equivale a FBN MS-565(3). No rolo de microfilmes da FBN, este caderno não está
numerado.
Descrição física: Caderno sem capa, acabamento em espiral, com marcas de oxidação.
________________________________________________________
Localização: APMS 04.02.02
Autoridade: Jesus, Carolina Maria de, 1914-1977
Título: Diário e romance
Local: São Paulo
Data: 09/08/60
Fundo: Carolina Maria de Jesus
Conservação: Ruim
Autenticidade: Original
Apresentação: Manuscrito
Notas: Equivale a FBN MS-565(4) Caderno 2. Além da entrada de diário, há um texto longo,
em prosa. Provavelmente um romance não identificado.
Descrição física: Caderno capa dura, acabamento costurado, com a lombada danificada e a
quarta capa mutilada. Na folha de rosto há a identificação “Diário 30”, na caligrafia da titular.
Há páginas manchadas e mutiladas. As últimas folhas do caderno estão em branco.
________________________________________________________
Localização: APMS 04.02.04
Autoridade: Jesus, Carolina Maria de, 1914-1977
Título: Provérbios, com prólogo, diário e texto “O Brasil”.
Local: São Paulo
Data: 01/09/66 a 17/10/66
Fundo: Carolina Maria de Jesus
Conservação: Péssima
Autenticidade: Original
177
Apresentação: Manuscrito
Notas: Equivale a FBN MS-565(4) Caderno 04.
Descrição física: Caderno capa dura, acabamento costurado, lombada danificada, solta.
Diversas páginas mutiladas e fragmentos de folhas mutiladas. As últimas folhas do caderno
estão em branco.
________________________________________________________
Localização: APMS 04.02.05
Autoridade: Jesus, Carolina Maria de, 1914-1977
Título: Poemas
Local: São Paulo
Data: [?]
Fundo: Carolina Maria de Jesus
Conservação: Ruim
Autenticidade: Original
Apresentação: Manuscrito
Notas: Equivale a FBN MS-565(4) Caderno 05. Contém, além de poemas, anotações diversas
e várias folhas em branco.
Descrição física: Caderno com capa, acabamento em espiral.
________________________________________________________
Localização: APMS 04.02.06
Autoridade: Jesus, Carolina Maria de, 1914-1977
Título: Poemas, com prólogo
Local: São Paulo
Data: [? - Há uma anotação datada de 1967]
Fundo: Carolina Maria de Jesus
Conservação: Ruim
Autenticidade: Original
Apresentação: Manuscrito
Notas: Equivale a FBN MS-565(4) Caderno 06. Na FBN, o caderno é descrito como contendo
texto autobiográfico, após o prólogo e os poemas. No caderno autógrafo, não consta o texto
autobiográfico.
Descrição física: Caderno capa dura, acabamento costurado, lombada danificada e folhas
soltas. 222 páginas. Dimensões: 17 x 23.5 cm.
________________________________________________________
178
Autenticidade: Original
Apresentação: Manuscrito
Notas: Equivale a FBN MS-565(5), identificado como “Documento esparso manuscrito”. Há
uma cópia xerográfica deste documento em APMS.
Descrição física: Documento manuscrito em duas folhas de papel almaço pautado, em seis
páginas. Dimensões: 22 x 32 cm.
_______________________________________________________
Localização: APMS 05.02.13
Autoridade: Jesus, Carolina Maria de, 1914-1977
Título: Texto autobiográfico
Local: São Paulo
Data: [?]
Fundo: Carolina Maria de Jesus
Conservação: Ruim
Autenticidade: Original
Apresentação: Manuscrito
Notas: Caderno não localizado nos rolos de microfilmes da FBN. Na folha de guarda há uma
anotação: “Maria Luiza Romançe Carolina Maria de Jesus”, na caligrafia da titular. Trata-se,
provavelmente, de uma das versões de Diário de Bitita.
Descrição física: Caderno capa dura, acabamento costurado com lombada descolando e folhas
manchadas e mutiladas. Dimensões: 16 x 23 cm.
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Localização: APMS 06.03.01.1
Autoridade: Jesus, Carolina Maria de, 1914-1977
Título: Romance Dr. Silvio
Local: São Paulo
Data: [?]
Fundo: Carolina Maria de Jesus
Conservação: Regular
Autenticidade: Original
Apresentação: Manuscrito
Notas: Primeiro caderno (1/10) do romance Dr. Silvio.
Descrição física: Caderno capa dura, acabamento costurado. Dimensões: 16 X 23,5 cm.
________________________________________________________
180
Apresentação: Manuscrito
Notas: Equivale a FBN MS-565(6), caderno 4. Quarto caderno (4/10) do romance Dr. Silvio.
Descrição física: Caderno capa dura, acabamento costurado, com lombada danificada e solta.
Dimensões: 17 X 23 cm.
________________________________________________________
Localização: APMS 06.03.05.1
Autoridade: Jesus, Carolina Maria de, 1914-1977
Título: Romance Dr. Silvio
Local: São Paulo
Data: [?]
Fundo: Carolina Maria de Jesus
Conservação: Ruim
Autenticidade: Original
Apresentação: Manuscrito
Notas: Equivale a FBN MS-565(6), caderno 5. Quinto caderno (5/10) do romance Dr. Silvio.
Em 19 de agosto de 2014, o caderno encontrava-se em exposição na Câmara Municipal de
Sacramento.
Descrição física: Caderno sem capa, acabamento grampeado. Dimensões: 16 X 23 cm.
________________________________________________________
Localização: APMS 07.03.06.1
Autoridade: Jesus, Carolina Maria de, 1914-1977
Título: Romance Dr. Silvio
Local: São Paulo
Data: [?]
Fundo: Carolina Maria de Jesus
Conservação: Péssimo
Autenticidade: Original
Apresentação: Manuscrito
Notas: Equivale a FBN MS-565(7). Sexto caderno (6/10) do romance Dr. Silvio.
Descrição física: Caderno sem capa, acabamento costurado. Várias folhas danificadas e com
manchas. Contracapa solta.
________________________________________________________
Localização: APMS 07.03.07.1
Autoridade: Jesus, Carolina Maria de, 1914-1977
182
Notas: Equivale a FBN MS-565(8), caderno 9. Nono caderno (9/10) do romance Dr. Silvio.
Descrição física: Caderno sem capa, acabamento costurado. Há folhas manchadas e
mutiladas. A costura da lombada está se desfazendo. Dimensões: 15 X 23 cm.
________________________________________________________
Localização: APMS 07.03.10.1
Autoridade: Jesus, Carolina Maria de, 1914-1977
Título: Romance Dr. Silvio
Local: São Paulo
Data: [?]
Fundo: Carolina Maria de Jesus
Conservação: Ruim
Autenticidade: Original
Apresentação: Manuscrito
Notas: Equivale a FBN MS-565(8), caderno 10. Décimo caderno (10/10) do romance Dr.
Silvio.
Descrição física: Caderno sem capa, acabamento costurado. A costura da lombada está se
desfazendo e há folhas soltas e rabiscadas. Dimensões: 15 X 23 cm.
________________________________________________________
Localização: APMS 08.03.11.2
Autoridade: Jesus, Carolina Maria de, 1914-1977
Título: Romance Dr. Fausto
Local: São Paulo
Data: [?]
Fundo: Carolina Maria de Jesus
Conservação: Péssimo
Autenticidade: Original
Apresentação: Manuscrito
Notas: Equivale a FBN MS-565(8), caderno 11.
Descrição física: Caderno sem capa, acabamento costurado. Há folhas manchadas e
danificadas. A costura da lombada está se desfazendo. Últimas páginas manchadas e ilegíveis.
Dimensões: 15 X 22 cm.
________________________________________________________
Localização: APMS 08.03.12.3
Autoridade: Jesus, Carolina Maria de, 1914-1977
184
Descrição física: Caderno sem capa, acabamento costurado. As folhas estão escurecidas e
manchadas. Há páginas mutiladas. Dimensões: 16 X 22 cm.
________________________________________________________
Localização: APMS 09.03.15.6
Autoridade: Jesus, Carolina Maria de, 1914-1977
Título: Romance O escravo
Local: São Paulo
Data: [?]
Fundo: Carolina Maria de Jesus
Conservação: Bom
Autenticidade: Original
Apresentação: Manuscrito
Notas: Equivale a FBN MS-565(9), caderno 15.
Descrição física: Caderno com capa plástica, acabamento costurado. Dimensões: 17 X 23 cm.
________________________________________________________
Localização: APMS 09.03.16.7
Autoridade: Jesus, Carolina Maria de, 1914-1977
Título: Romance A felizarda
Local: São Paulo
Data: [?]
Fundo: Carolina Maria de Jesus
Conservação: Péssimo
Autenticidade: Original
Apresentação: Manuscrito
Notas: Equivale a FBN MS-565(9), caderno 16. Versão original do romance Pedaços da
fome, publicado pela titular (ver seção Produção bibliográfica da titular, neste guia. Há,
também, uma folha solta, com anotações a lápis, que parece pertencer a outro caderno, não
identificado.
Descrição física: Caderno sem capa, acabamento costurado. Lombada danificada. Há páginas
manchadas e mutiladas. Dimensões: 17 X 22 cm.
________________________________________________________
Localização: APMS 10.04.01
Autoridade: [?]
186
Notas:
Descrição física: 10 folhas.
________________________________________________________
Localização: APMS 10.04.04
Autoridade:
Título: Documentos diversos: Transcrição do depoimento de Dona Maria Puerta [para o livro
Cinderela Negra].
Local: São Paulo
Data: [?]
Fundo: Carolina Maria de Jesus
Conservação: Bom
Autenticidade:
Apresentação: Texto impresso
Notas:
Descrição física: 07 folhas.
________________________________________________________
Localização: APMS 10.04.05
Autoridade: Carolina Maria de Jesus, 1914-1977
Título: Documentos diversos
Local: São Paulo
Data: [?]
Fundo: Carolina Maria de Jesus
Conservação: Bom
Autenticidade: Cópia
Apresentação: Manuscrito
Notas: Cópia da primeira folha de caderno contendo “Prólogo”.
Descrição física: 02 folhas, cópia em papel fotográfico.
________________________________________________________
Localização: APMS 10.04.06
Autoridade:
Título: Documentos diversos:
Local: [?]
Data: [?]
Fundo: Carolina Maria de Jesus
188
Conservação: Bom
Autenticidade: Original
Apresentação: Fragmentos de papel
Notas: Fragmentos com perguntas sobre a titular, dirigidas a sua filha, Vera Eunice. Evento
não identificado.
Descrição física: Diversos fragmentos de papel.
________________________________________________________
Localização: APMS 10.04.07
Autoridade: Jesus, Carolina Maria de, 1914-1977
Título: Documentos diversos
Local: São Paulo
Data: [?]
Fundo: Carolina Maria de Jesus
Conservação: Bom
Autenticidade: Original
Apresentação: Camiseta de algodão
Notas:
Descrição física: Camiseta com estampa da Associação de Mulheres Carolina Maria de Jesus.
________________________________________________________
Localização: APMS 10.04.08
Autoridade: Jesus, Carolina Maria de, 1914-1977
Título: Documento esparso manuscrito não identificado
Local: São Paulo
Data: [?]
Fundo: Carolina Maria de Jesus
Conservação: Ruim
Autenticidade: Original
Apresentação: Manuscrito
Notas: Quatro folhas avulsas, sendo um original manuscrito frente e verso, aparentando ser
uma folha de diário. Duas folhas originais, manuscritas, com caligrafia diferente da titular.
Uma folha com gramatura maior, contracapa de um caderno.
Descrição física: Quatro folhas avulsas.
________________________________________________________
Localização: APMS 10.04.09
189
Autenticidade:
Apresentação:
Notas:
Descrição física: 1 livro de assinaturas da Exposição Carolina Vive, realizada em Brasília, em
ocasião do cinquentenário pela publicação do livro Quarto de despejo, contendo assinaturas
diversas e fotos e impressos sobre o evento; 1 edição do jornal O Estado do Triângulo, Ano
XXXVI, nº 953, Sacramento, 12 de junho de 2005, contendo artigo sobre exposição sobre
Carolina Maria de Jesus, em São Paulo, páginas 01 e 09; 05 exemplares da Revista Destaque
IN:
- Ano 2, nº 10, Sacramento e Região, julho de 1996, contendo artigo: “Carolina Maria de
Jesus – Infância e adolescência em Sacramento”, por C. A. Cerchi, p.21-26;
- Ano 11, nº 62, março e abril de 2005, contendo artigo: “Carolina Maria de Jesus no Kansas:
Uma história de amor”, por Eva Paulino Bueno, p.13-16;
- Ano 11, nº 63, maio e junho de 2005, contendo artigo: “A glória de Carolina Maria de
Jesus”, por Oswaldo de Camargo, p.16-22;
- Ano 13, nº 74, março e abril de 2007, contendo artigo: “Clarice Lispector e Carolina Maria
de Jesus – Ícones femininos da literatura brasileira”, por Alessandro Abdala, p.06-09:
1 exemplar de XI Concurso de Contos Petros – Homenagem a Carolina Maria de Jesus.
Editado pela Fundação Petros, Rio de Janeiro, 2011, 96p.
1 exemplar de Diário de Bitita, editado por Editora Bertolucci, Sacramento, 2007, 258 págs.
Levantamento e relação do acervo de Carolina Maria de Jesus, doado por sua filha,
Vera Eunice de Jesus Lima, à comunidade de Sacramento, MG, que se encontra no
Arquivo Público Municipal “Cônego Hermógenes Casimiro de Araújo Brunswick”.
1.2 Um bico de pena “Diário de favelada” autor: Paiva (Mogi das Cruzes) com inscrição de
C.M. de Jesus no verso (0,35m x 0,28m)
1.3 Três quadros de família “Carolina e filhos, José Carlos e João José” (0,23m x 0,16m)
1.4 Um quadro “representação de um sonho” escritora Lara de Esteves (0,31m x 0,28m)
1.5 Um quadro “óleo sobre tela” de Carolina Maria de Jesus, autor José Pires de Lima
pintado, em 19/03/1995 (1,00m x 1,40m) encontra-se exposto na biblioteca pública Dr.
José Valadares da Fonseca em sacramento.
1.6 Um parafuso, objeto de metal com um cordão (tipo corda) ganhado pela Universidade
do Chile por seus escritos com a seguinte justificativa “a todo escritor falta um parafuso”.
2 – Livros, apostila (Publicações do Brasil e exterior):
2.1 Edição Russa do “Quarto de Despejo – Kossuth Konyvkiado, 1964”.
2.2 Ed. Inglesa de “casa de Alvenaria” University of. Nebraska press, Lincoln and London
– 2 volumes.
2.3 Ed Brasileira de “Quarto de Despejo”, da Ed. Francisco Alves da 1ª edição (com
dedicatória da escritora), 1960. Edição de bolso (2ª edição) 1976
2. 4 “Cinderela Negra” (a saga de Carolina Maria de Jesus), de José Carlos Sebe Bom
Meihy e Robert M. Levine, Editora UFRJ, 1994
2.5 “Provérbios”, de Carolina Maria de Jesus, 2 volumes, edição da escritora, 1964
2.6 “Brasilian Authors Translated Abraad” (relação dos livros mais vendidos na França)
Fundação Biblioteca Nacional do Ministério da Cultura, 1994
2.7 “Brasilian Novel Catalog” (relação de autores brasileiros fund.), da Biblioteca
Nacional, Ministério da Cultura, 1994
2.8 2 rolos k7 gravados das músicas de Carolina Maria de Jesus, com o respectivo catálogo
de 12 composições “Quarto de despejo”
2.9 Afro-hispanic Review, vol. XI n.º 1-3 “A menor mulher do mundo”
3 – Manuscritos inéditos (romances e fragmentos de poesias, crônicas, contos inéditos e
publicados):
3.1 Romances inéditos – títulos:
- Diário de Marta ou mulher diabólica – 1 caderno
- O Escravo- 1 caderno – Rita – 1 caderno
- Felizarda – 1 caderno
- Dr. Fausto – 1 caderno
- Dr. Silvio – 10 cadernos
- Maria Luiza – 1 caderno
192
- Relacionados em maços
3.2 Diários
- 18/5/1960 a 29/6/1960 – 1 caderno
- 5/8/1960 a 8/8/1960 – 1 caderno
- Diário 13/07/ 1960 – 1 caderno
- 26/10/ 1960 a 3/12/1960 – 1 caderno
- 7/5/1961 a 6/05/1961 – 1 caderno
- 4/12/1960 a 17/12/1961- 1 caderno
- 18/12/1961 – 1 caderno
- 26/2/1961 a 9/3/ 1961 – 1 caderno
- 10/3/1961 a 3/4/1961 – 1 caderno
- 24/12/1960 a 26/1/1961 – 1 caderno
- 1/09/1966 – 1 caderno
- Meu estranho diário de 143 páginas – 1 caderno
- Dados autobiográficos – poemas – 1 caderno
- Diários m9/8/1960 – 2 cadernos
- Provérbios e diários 30/10/1958 a 4/12/ 1958 – 1 caderno
- Escrito de identificação difícil (romance) – Poemas – 1 caderno
- Cartas esparsas e histórico de 8/02/1974 – Xerox original
- Xerox (duplicado) de janeiro de 1961 – Xerox (Meu Estranho Diário), 129 págs.
4 – Peças inéditas de teatro:
- Carolina o luxo do lixo
- But the eyes are blind one must look with the heart…
- From “the little prince”
O que nos chamou atenção nesse dossiê foram as novas versões do texto que
reaparecem na publicação de Diário de Bitita. O caderno de capa dura, acabamento em
costura medindo 16 X 23 cm pertencente ao lote 007.111 com a seguinte anotação na Folha
de rosto: “Maria Luiza, Romance, Carolina Maria de Jesus”, consiste numa autoficção da
193
trajetória de Bitita que no romance segue caminhos de boa ventura embora tenha sido
rejeitada pela família desde a tenra infância por ter nascido semimorta.
Em 2006, Clélia Pisa fez entrega ao IMS do Rio de Janeiro de dois cadernos que
Carolina de Jesus havia deixado com ela e com a jornalista francesa Maryvonne Lapouge nos
anos setenta. Ambos os cadernos manuscritos acondicionados no IMS correspondem ao
“Fundo Carolina Maria de Jesus.
Vale dizer que foi no sítio em Parelheiros, depois passado o furor do sucesso que
havia envolvido a figura de Carolina de Jesus como escritora da favela que, longe dos
holofotes e microfones, a escritora pôde reescrever suas memórias, nesses dois cadernos, de
maneira mais elaborada e repensada. Os manuscritos foram, depois, datiloscritos por seus
filhos e por um pároco da cidade. Assim como alguns romances, como Dr. Silvio, os poemas
mesclados a suas memórias já vinham sendo escritos mesmo antes da publicação de Quarto
de Despejo.
Data: [196-]
Nota: O Sócrates africano (p.86) foi publicado no livro Cinderela Negra (1994), de
Robert M. Levine e José CSB Meihy
- Meu Brasil
- Inspiração
- Lua de mel
- Suplica de mãe
- Deus!
- Saudades de mãe!
- Suplica do encarcerado
- Vai Vai
- Minha filha
- Poéta
- O ébrio
- Prece de mãe
- O infeliz
- Sou feliz
- O marginal
- Dr. Adhemar de Barros
- Mae, amor é sempre mãe
Na sequência, a partir da página 37, começam algumas das narrativas inéditas que
foram também datilografadas numa nova versão, apresentando algumas alterações, sobretudo
correções e rearranjos que podem ser verificados no rolo do microfilme intitulado Miscelânea
II pela FBN. A seguir, encontra-se a sequência do caderno alocado no IMS:
- O chapéu (37-40)
- Os óvos (41)
- (...) A minha mãe ganhóu o meu primo Adão (42-61)
- Minha madrinha (43-61)
- A árvóre do dinheiro (62-65)
- São Paulo (66-75)
195
Na página 116 começa uma longa narrativa sem título, mas que perfaz o histórico
de seu tio que vai até o final deste caderno.
O segundo caderno é menor e parece ser o livro de poesia idealizado por Carolina
de Jesus, intitulado por ela mesma como “Cliris”. Podemos ler ali uma das versões do
“Prólogo”, escrito da página 1 até a 63, antes dos poemas, e tem a seguinte descrição pelo
Instituto Moreira Salles:
Analisando este caderno pode-se supor que ele contém seus últimos escritos e
que, por isso, também, está entre os últimos cadernos manuscritos. No momento dessa escrita,
Carolina de Jesus já estava saturada das “ordens vindas de seus interlocutores” e voltou a
escrever à sua maneira, pois no sítio, onde permaneceu até o fim de seus dias, estava livre de
imposições e do foco das lentes alheias.
No caderno sem título ela volta a misturar gêneros a seu bel-prazer, e segundo a
fruição da hora, ou talvez porque, novamente, como descreve em seus últimos diários, tivesse
retornado à pobreza, mas voltado a escrever em vantagem de si mesma. Menos dinheiro, mais
tempo para escrever, este movimento acompanhou o processo de produção de Carolina de
Jesus. E, por isso, por ter voltado a “catar” discursos e recursos da memória na continuação da
criação de sua poética de resíduos, ela retoma a expressão de sua “experiência na pobreza”.
198
Ao entregar os dois cadernos de memórias para as jornalistas, deixou ao encargo delas o rumo
das obras, como Clélia Pisa nos afirmou em entrevista80 .
CONTEÚDO E ESTRUTURA
Romances, diários, poesias, textos, provérbios, recortes de jornais, documentos diversos e
fotografias.
Acréscimos: 14 diários autógrafos (Divisão de Manuscritos) e fotografias (Divisão de
Iconografia) doados por Audálio Dantas em 27/06/2011.
NOTAS:
A coleção foi organizada por José Carlos Meihy e microfilmada em 1996, em convênio com a
Library of Congress (1ª aquisição); o acervo original foi devolvido à proprietária, Vera Eunice
de Jesus Lima. Os originais dos 14 diários referentes à 2ª aquisição estão disponíveis na
Divisão de Manuscritos. O Caderno 11 está disponível na BN Digital.
-------------------------------------------------------------------------
80“RF: A senhora consegue se recordar da frase que ela disse quando entregou os originais em suas mãos?/; CP:
“Veja se vocês podem fazer alguma coisa com isso!”. Mas não com “isso”, mas com a obra de outra relação.
Por isso eu me sentia moralmente obrigada a ver. É mais o desespero” (Revista Scripta, 2014, p.301).
81DANTAS, Audálio. Tempo de reportagem: histórias que marcaram época no jornalismo brasileiro. São Paulo:
Leya, 2012, p.27 e 31.
199
MICROFILMES DA COLEÇÃO:
-------------------------------------------------------------------------
Localização: MS-524
JESUS, Carolina de. Romance. São Paulo, 1954. Coleção Carolina de Jesus.
Localização: MS-565 (1-10)
COLEÇÄO Vera Eunice de Jesus (Projeto Carolina de Jesus). Coleção Carolina de Jesus.
-------------------------------------------------------------------------
Data: 15/07/1955-28/07/1955
Paginação: 73 p.
Conservação: Regular
Autenticidade: Orig.
Apresentação: Mss.
Registro 1.352.126-10/02/2012 D
200
Patrimonial:
Data: 02/05/1958-15/06/1958
Paginação: 389 p.
Conservação: Regular
Autenticidade: Orig.
Apresentação: Mass.
Registro
1.352.127-10/02/2012 D
Patrimonial:
Data: 15/06/1958-08/08/1958
Paginação: 394 p.
201
Conservação: Regular
Autenticidade: Orig.
Apresentação: Mss.
Registro
1.352.128-10/02/2012 D
Patrimonial:
Data: 08/08/1958-22/08/1958
Paginação: 100 p.
Conservação: Regular
Autenticidade: Orig.
Apresentação: Mss.
Notas:
Registro
1.352.129-10/02/2012 D
Patrimonial:
Data: 24/09/1958-30/09/1958
Paginação: 92 p.
Conservação: Regular
Autenticidade: Orig.
Apresentação: Mss.
Notas:
Registro
1.352.130-10/02/2012 D
Patrimonial:
Data: 01/10/1958-18/10/1958
Paginação: 92 p.
Conservação: Boa
Autenticidade: Orig.
Apresentação: Mss.
Notas:
Registro
1.352.131-10/02/2012 D
Patrimonial:
203
Data: 04/12/1958-19/12/1958
Paginação: 97 p.
Conservação: Regular
Autenticidade: Orig.
Apresentação: Mss.
Registro
1.352.132-10/02/2012 D
Patrimonial:
Data: 20/12/1958-29/12/1958
Paginação: 96 p.
Conservação: Regular
Autenticidade: Orig.
Apresentação: Mss.
Registro
1.352.133-10/02/2012 D
Patrimonial:
Data: 02/02/1959-24/02/1959.
Paginação: 55 p.
Conservação: Regular
Autenticidade: Orig.
Apresentação: Mss.
Registro
1.352.134-10/02/2012 D
Patrimonial:
Data: 29/04/1959-12/05/1959
Conservação: Regular
Autenticidade: Orig.
Apresentação: Mss.
Registro
1.352.135-10/02/2012 D
Patrimonial:
Data: 28/05/1959-[12/06/1959]
Paginação: 96 p.
Conservação: Regular
Autenticidade: Orig.
Apresentação: Mss.
Notas:
Registro 1.352.136-10/02/2012 D
206
Patrimonial:
Data: 24/07/1959-27/07/1959
Paginação: 24 p.
Conservação: Regular
Autenticidade: Orig.
Apresentação: Mss.
Notas:
Registro
1.352.137-10/02/2012 D
Patrimonial:
Data: 30/07/1959-04/08/1959
Paginação: 24 p.
Conservação: Regular
Autenticidade: Orig.
Apresentação: Mss.
Notas:
Registro
1.352.138-10/02/2012 D
Patrimonial:
Data: 27/10/1959-24/12/1959
Paginação: 396 p.
Conservação: Regular
Autenticidade: Orig.
Apresentação: Mss.
Registro
1.352.139-10/02/2012 D
Patrimonial:
82Há cópias dos microfilmes resguardados no Arquivo Edgard Leuenroth (AEL), da Unicamp, doadas em 2010
por Mário Augusto Medeiros Silva, utilizados e adquiridos para sua pesquisa junto à Fapesp, no Centro de
Documentação e Apoio à Pesquisa (CEDAP), da Unesp de Assis, solicitadas por mim e compradas pelo
programa de Pós-Graduação em Literatura e Vida Social (2008); em 2012, a professora Sueli M. Liebig
adquiriu 80% dos microfilmes, contendo diários, poemas e fragmentos de um romance para UEPB via
PROPESQ e, finalmente, em 2014 Meihy doa para Arquivo Público Mineiro em Belo Horizonte uma cópia dos
microfilme da FBN que estavam em sua posse.
209
Esta frase foi muitas vezes anunciada por Carolina de Jesus como fala oriunda de
Rui Barbosa, repetida por seu avô. Assim, o caráter de denúncia e ironia que marca o estilo da
83De acordo com Ancona Lopez, “O conjunto das versões, etapas e rasuras, em um manuscrito, ou das variantes,
nas versões publicadas, multiplica um texto, nele fundindo diversos textos diale ticamente coexistentes e assim
possibilitando muitas leituras” (ANCONA LOPEZ, 1994, p.68).
84 MARTINS, W. “Mistificação literária”. Jornal do Brasil, 23 out. 1993. Caderno Ideias, Livros, p.4.
85Em entrevista, Clélia Pisa disse que Carolina de Jesus não teria condições psicológicas de fazer escolhas sobre
seu livro, reforçando desse modo o estereótipo de uma Carolina de Jesus “louca” que, ao final de sua vida, via -
se na condição de uma mulher “fracassada e derrotada” (Revista Scripta, 2014).
210
escritora foi suprimido na recomposição desses dois cadernos. Mais uma vez a edição de um
livro da escritora acaba por solapar o processo criativo de Carolina de Jesus, por não levar em
consideração a reutilização e apropriação que ela fez de uma fala emblemática de Rui
Barbosa, parafraseando justamente aquilo que cabe para colocá-la em xeque diante das
condições reais dos brasileiros pobres e negros. No dia 24 de outubro de 1972, Carolina de
Jesus concedeu uma reportagem ao jornal “O Globo”, durante a qual anunciou um novo livro,
ainda em preparo, nomeado por ela “Um Brasil para brasileiros”. Ao comentar o conteúdo do
livro, ela diz:
São coisas do meu tempo de menina, lá em Sacramento. Mas esse vai ser um
livro humorístico, que quase nada tem de dramático. Atos pitorescos que eu
vivi, lembranças de meu avô – ele punha ordem na casa – de sua morte e a
família se dissolvendo. (...) tem um capítulo em que conto as visitas que
fazia à minha tia. Ela só tinha uma panela e punha as mãos na cabeça,
sabendo que teria de acordar as três da manhã, para cozinhar o feijão,
despejá-lo numa vasilha e colocar couve para refogar. (O Globo, 1972)
De seu livro, por enquanto, Carolina só tem o título e algumas páginas mal
datilografadas pelo pároco de Parelheiros, Frei Luís. – Ele é italiano e muitas
das coisas que eu escrevi não deu para entender. Vou ver se encontro um
jornalista amigo que me faça esse trabalho. (...). Suas lembranças de infância
– ela acredita – servirão de exemplo para a gente pobre, como ela foi e
voltou a ser. (O Globo, 1972)
Para arranjar dinheiro, ela vai fazer uma coisa que nunca mais gostaria de
fazer: publicar um livro. – Antologias, ou recordações de família – e encenar
dois dramas <<Alair>>, uma espécie de autobiografia, e <<O Botão>> uma
211
história infantil./ Ela gosta muito de antologias e é com entusiasmo que fala
e escreve de seu avô, um preto velho analfabeto, que em Sacramento, lá em
Minas Gerais, era chamado de Sócrates Negro. No livro ela fala também e
muito dos operários, os grandes construtores da nação. E faz uma pergunta:
Para onde vai o Brasil? 86
Talvez Carolina de Jesus não tenha sido uma arquivista sistemática como João
Antonio, mas não nos escapam alguns vestígios de sua trajetória, organizados nesses cadernos
com recortes de jornais e revistas, com marcações de caneta, comentários ou correções
redigidos com a letra da escritora, arquivados no segundo rolo de Miscelânea. (FBN, MS-
506:5, FTG 493-FTG 547)
Ainda sobre a imagem do final trágico e derrotista que a mídia brasileira queria
reforçar sobre Carolina de Jesus, a Folha de S.Paulo do dia 29 de agosto de 1975 traz a nota:
“Hoje Carolina Maria de Jesus vive quase esquecida num sítio em Parelheiros e não quer mais
nada com a literatura: ‘Agora só se faz pornografia; eu já estou fora de moda’”.
86Partindo dos subsídios oferecidos através desse “arquivo da criação”, isto é, a menção nesta reportagem da
produção destes textos concomitantemente à escritura de seu título “Um Brasil para brasileiros”, assim como
alguns levantamentos de pequenas publicações esparsas em revistas e jornais, como observa Perpétua (2014)
ao citar a publicação do conto “O japones” na Revista Claudia; podemos inferir que as duas peças teatrais,
“Alair” e “O botao”, bem como as narrativas “O japonês”, “A esposa do judeu errante”, “Quando a ve lhice
chegar” e “A fatalidade de Helena” podem estar em algum dos dois cadernos, desaparecidos até o momento, da
Biblioteca Mindlin.
87
João Antonio foi um escritor que, assim como Plínio Marcos, acima referenciado, também tratou temas da
marginalidade social. Ficou notabilizado por seu livro Malagueta, Perus e Bacanaço em 1963.
212
O cômodo onde nos faz entrar, embora pobre e mal-arrumado, também está
muito limpo. Tem chão de cimento, uma pequena mesa ao centro e, numa
das paredes, uma estante cheia de livros, na sua maioria bem velhos. Entre
eles podem se ver “Os miseráveis”, de Vitor Hugo, “Os sertões”, de Euclides
da Cunha, e “Quincas Borba”, de Machados de Assis. Sobre sua escrita dizia
que, agora sim, está escrevendo bem, porque “os padres de Parelheiros me
deram lições”. Disseram assim: “Vou pôr você, – não igual o Jorge Amado,
mas quase igual”.
O moço que ia publicar mudou o livro todo, tirou as expressões bonitas, não
gostei. Os americanos querem publicar mas não conseguem encontrar
tradutor. Os tradutores brasileiros lá ficam cheios de importância e não
querem traduzir meu livro./ Felizarda é uma moça muito rica e por isso
ninguém queria casar com ela. Depois de ela se casar com um moço pobre,
viver na favela, mendigar e ser presa, e pai, um coronelão, a encontra e a
leva para casa. Ela senta no piano e lembra dos tempos de moça rica, toca
valsas vienenses. O filho dela, agarrado à sua saia pergunta: “Mamãe, quem
é você?” (Jornal do Brasil, 1976)
A crítica da escritora chama atenção para os cortes de forma e conteúdo que seu
livro Pedaços da fome, originalmente por ela nomeado “A Felizarda”, sofreu nos entrechos da
publicação. Ao comentar o enredo original, ela pontua: “O moço que ia publicar mudou o
livro todo, tirou as expressões bonitas, não gostei”.
Carolina de Jesus reivindica respeito por seu projeto literário e coloca abaixo as
afirmações dos jornalistas e editores, desmentindo-os, que a viam como incapaz de decidir a
edição de seus livros, do modo como idealizou em sua criação.
213
“[...] ne faut-il pas nous rappeler que nous sommes attachés sur le dos
d’un tigre?”
(Michel Foucault)
Há um “caderno” sem numeração e nomeado como “Diario 20” que pode ser
considerado um exemplo para compreender as condições atuais dos manuscritos de Carolina
de Jesus, bem como a maneira improvisada de como seus primeiros textos foram redigidos
em toda sorte de suporte levantado da sucata. O “Diario 20” contém diversos textos escritos
entre as datas de 10 de agosto a 26 de outubro de 1959, e foi emprestado por Audálio Dantas
ao Museu Afro-Brasil (MAB)88 de São Paulo, em 2005, na ocasião em que a biblioteca do
museu, em homenagem à escritora, recebeu o nome de Carolina de Jesus. Desde então o
original encontra-se numa vitrine sem o correto acondicionamento, necessário a um
manuscrito raro, sobretudo porque este bloco, cujas folhas, procedentes das latas de lixo, já
estavam em processo de degradação ao serem reutilizados pela escritora. O esfacelamento das
folhas foi sendo intensificado com a passagem do tempo e devido ao contínuo manuseio, sem
regras adequadas aos cuidados de um documento em arquivo. Infelizmente, segundo o MAB
não há previsão para a digitalização e restauro, por falta de verba pública destinada a esse tipo
de preservação, por mais precioso que seja o material. O mesmo tipo de problema ocorre com
os demais textos que estão divididos entre os estados do Rio de Janeiro, de Minas Gerais e
São Paulo89 .
Com relação aos textos desse diário 20, eles foram escritos em folhas de um livro
de contas, do tipo arquivo, reaproveitado do lixo. As folhas foram amarradas com barbante,
de modo a serem usados os furos originais das folhas, como se pode ver no fac-símile a
88Em entrevista, Audálio Dantas afirma que pretende reaver este caderno qu e jamais lhe fora devolvido.
FERNANDEZ (2014)
89Em diálogo com as instituições, elas alegam que não têm verbas para digitalizar os manuscritos de Carolina de
Jesus. A FBN chegou a digitalizar o “Caderno 11” redigido no ano de 1958, que se encontra dispo nível no site
da biblioteca. JESUS, C. (04/12/1958-19/12/1958) Caderno 11-47, GAV1, 07. Disponível em
<http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_manuscritos/mss1352132/mss1352132.pdf> Acesso em 04/08/2014.
214
seguir. A capa improvisada, manuscrita, apresenta a seguinte indicação: “Diario 20”. Está
datado de “10 de agosto a 26 de outubro de 1959”.
Diario 20:
Este caderno-bloco está mais próximo do gênero diário em sua forma, e como está
datado no final dos anos 1960, próximo da publicação de Quarto de despejo, pode-se supor
que Carolina de Jesus tenha sido instruída a escrever os diferentes gêneros em cadernos
distintos a partir dessa data, pois nos cadernos anteriores ela mesclava gêneros e temas,
resultando em cadernos híbridos repletos de criações que, embora originalíssimas, e revelando
uma desmedida paixão pela escritura, demonstram o universo caótico de sua escritura. Pode-
se justificar seu hibridismo pela escassez de meios, mas sua escrita permaneceu viva a
despeito da falta de papel, caneta e lápis.
No entanto, mesmo com tantas influências, normas e padrões não eram possíveis
ao processo criativo descentrado, ramificado e versátil, próprio de sua escritura, dados os
acometimentos originados daquele tipo de vida incerto, estilhaçado e inóspito, reproduzido
em sua obra enquanto materialidade, forma e conteúdo.
cumpriria a função de organizar seu processo criativo para além da simples anotação do
cotidiano, pois nele há também anotações de pesquisa de outro texto (VIOLLET, 2006,
p.2.011). Para essa estudiosa, esse tipo de diário poderia configurar o coração do dossiê da
gênese. Corroborando Viollet, Lejeune e Bogaert afirmam: la forme du jornal déplace
l’attention vers le processus de création, rend la pensée plus libre, plus ouverte à sés
contradictions, et communique au lecteur le mouvement de la réflexion autant que son
résultat 90 (LEJEUNE & BOGAERT, 2006, p.31).
O “diario 20” de Carolina de Jesus solicita essa leitura mais cuidadosa, tanto pelas
anotações sobre as personagens de suas futuras obras, quanto a fabulação de sua própria vida,
a ponto de fazer de um de seus amores platônicos a protagonista de uma peça teatral. Ela
também evoca as condições precárias da materialidade de sua escrita: “(...) Deu-me sua caneta
para escrever com ela, pidi um lápis _Ele abriu a gavêta procurando os lapis estéreograficos.
Não tinha carga. Ele dizia- e... os lapis estão ruins. TUDO RUIM AQUI NO DIARIO!”
(MAB: 30 de outubro de 1959, “Diario 20”, F. s/n)
90[...] a forma do diário desloca a atenção de sobre o processo de criação, gerando um pensamento mais livre e
aberto às suas contradições, e também comunica ao leitor tanto o movimento da reflexão quanto seus
resultados. (Tradução minha)
91Um “diário de trabalho”, considerando-se que se trata de um projeto de trabalho, e sendo testemunha das
condições de sua gênese, não é para ser lido de maneira linear e tradicional – em sua única dimensão de
testemunho do vivido inscrito no dia a dia, fixado ao eixo do calendário – mas de maneira multidimensional, e
segundo diversos dispositivos: numa só vez como texto em si, certamente, mas também como reservatório
prospectivo de ideias, mosaico de peças diversas de um canteiro de construção aberto sob nossos olhos em
direção a um tornar-se... (Tradução Minha)
217
Carolina escreve no cru da vivência e isso instaura uma outra forma de pensar a
representação de sujeitos subalternizados na literatura brasileira. A partir da sua experiência,
por meio dos biografemas, ela oferece o olhar de quem viveu no lugar de todas as carências,
que retornam como mola propulsora no e pelo processo criativo de sua poética de resíduos,
quando o ato de coleta e de inclusão de traços do lugar caótico fica instaurado em suas
narrativas-corpo.
Por muito admirar, e até por estar imersa numa atmosfera de amor romântico e
platônico com o senhor “Binidito”, um advogado que a visita após sua primeira visibilidade
na mídia, a escritora acaba por se inspirar e escrever uma peça dedicada a ele: “Não comprei
pão. Tem uns pedaços semi-duros. Esquentei a comida que sobrou de hontem passei o dia
escrevendo o segundo ato da peça ‘Seu Binidito’” (MAB: 7 de setembro de 1959, “Diario
20”, F. s/n). A narrativa vai se delineando, ao passo que a estima por ele vai sendo acentuada
ao longo dos dias:
Eu li que Edgar Alan Poe passou muita fome quando viveu neste planeta das
dessigaldades de vida _ sua esposa Virginia Klem ficou tuberculosa. Quando
eu descobri que era poetisa fiquei hororissada! Lia tudo que referisse aos
poetas. E percebi que a miséria é o manto dos poetas. Manto agro que lhe
condus ao tumulo _Dicidi que havia de trabalhar em qualquer [ileg.] para
não morrer de fome, Depois.......Vêio o dragão.... o custo de vida! E não
aparece são George para matar este dragão. (MAB: 1 de outubro de 1959,
“Diario 20”, F. s/n)
92MAUPASSANT, Guy de. O colar. In: Guy de MAUPASSANT. Contos Fantásticos. (Tradução de José
Thomas Brum). Porto Alegre: L&PM, 1997, p.61-84. Col. L&PM Pocket, vol. 24. Online. Disponível em
<http://www.ufrgs.br/proin/versao_2/maupassant/index30.html>
93Caryl Chessman (dito, o bandido da luz vermelha) foi executado no dia 02 de maio de 1960, às 10h, na câmara
de gás do Presídio de San Quentin, Estado da Califórnia (EUA). Chessman escreveu na prisão as obras
autobiográficas “2455-Cela da Morte”, “A Lei Quer Que Eu Morra” e “A Face Cruel da Justiça”, e um
romance: “O Garoto era Um Assassino”. Obs.: Célula 2455 Death Row deu origem ao filme O corredor da
morte (1977). FONTE: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Caryl_ Chessman>
94Carolina de Jesus chegou a ler os textos de Carl Chesman, publicados enquanto ele estava na prisão e, muito
abalada e indignada com o caso, ela faz uma dura crítica após sua execução: “ Tétrica: a vida da humanidade
para os que são oprimidos Aos que tiveram a infelicidade De nascer: lá nos Estados Unidos pavoroso Estados
UU. Da America do Norte Que se transforma em secretário da morte Mata na cadeira elétrica e na camara de
gás” (FBN: “Caderno 7- Pensamentos”, FTG. s./n.)
219
(...) Revirei o barracão. Achei uma caneta que havia desaparecido a dois
mêses Mandei pidir o pente da Lêila emprestado. Ela emprestou-me e
recomendou-me cuidado! Fui pentear os cabêlos da Vera quebrou um dente.
Mandei o João ir comprar outro para dar-lhe e não encontrou, pensei no
conto de Guy de Maupassant _ O colar de diamante. (MAB: 1 de outubro de
1959, “Diario 20”, F. s/n)
Este conto – que aqui ela cita em forma de anedota, uma estratégia bastante
explorada por Carolina de Jesus em suas narrativas curtas – é a aventura de uma espécie de
falsa cinderela, que pede emprestado a uma amiga rica um colar de diamantes e o perde na
festa, onde exibiu-o com ostentação. Por conta do sumiço da joia, ela e seu marido passaram
dez anos executando as piores tarefas para pagarem os empréstimos que tiveram de fazer para
comprar um novo colar. Ao final, em um encontro casual com a amiga, ela descobre que o
colar da amiga era falso. Estes são gestos de fuga que, por meio da sublimação do sofrimento
que não se apaga, servem de lenitivo à falta, preenchida pela efabulação. Desse modo, com
reflexão, dialogismo, e o contato atávico com a arte que agita sua vida, ela vai superando
espaço e tempo, atraídos e trapaceados pelo trampolim de sua imaginação.
habituais por escritores de sua época, mas que possivelmente estariam presentes nas traduções
de livros encontrados ou recebidos como doação.
Dessse modo, nota-se que este caderno foi escrito no momento em que a Vera
Cruz está filmando “Cidade ameaçada” de Roberto Farias na favela do Canindé 95 . O “Diario
20” situa-se entre a publicação de Quarto de despejo (de 15 a 28 de junho de 1955, de 2 de
maio a 31 de dezembro de 1958, e de 1 de janeiro de 1959 a 1 de janeiro de 1960 (com vários
recortes temporais) e Casa de Alvenaria, de 5 de maio a 31 de dezembro de 1960, e de 1 de
janeiro a 21 de maio de 1961.
95“O que se nota é que ninguém gosta da favela, mas precisa dela. Eu olhava o pavor estampado no rosto dos
favelados. – Eles estão filmando as proezas do Promessinha. Mas o Promessinha não é da nossa favela.
Quando os artistas foram almoçar os favelados queriam invadir e tomar as comidas dos artistas. Pudera!
Frangos, empadinhas, carne assada, cervejas (...). Admirei a polidez dos artistas da Vera Cruz. É uma
companhia cinematográfica nacional. Merece deferência especial. Permaneceram o dia todo na favela. A favela
superlotou-se. E os vizinhos de alvenaria ficaram comentando que os intelectuais dão preferência aos
favelados. (...). As mulheres xingavam os artistas: – Estes vagabundos vieram sujar a nossa porta. As pessoas
que passavam na Via Dutra e viam os bombeiros vinham ver se era incêndio ou se era alguém que havia
morrido afogado. O povo dizia: – Estão filmando o Promessinha! Mas o título do filme é ‘Cidade Ameaçada’”
(JESUS, 1960, p.180-181).
221
Logo, ele está localizado no meio de ambos os livros; seus textos, portanto,
representam a transição da favela (barraco) para a cidade (alvenaria).
(Carolina de Jesus)
Para que se possa mais bem compreender o histórico das edições é importante
cartografar ainda um percurso do trajeto do acervo, hoje nomeado “Espólio Carolina de
Jesus”. Em 1960, ocorre a publicação de Quarto de despejo: diário de uma favelada,
constituído a partir das entradas do diário de junho de 1955 a 1º janeiro de 1960. São os 15
cadernos que compõem esse primeiro livro que estiveram em posse de Audálio Dantas até
2011 (como dito em capítulo anterior, o jornalista doou 14 cadernos desse dossiê à FBN e
emprestou um caderno ao MAB). Esta foi a publicação mais significativa para a carreira da
escritora. Audálio Dantas conseguiu assinar um contrato de edição com a Livraria Francisco
Alves, e na ocasião foram vendidos seiscentos livros somente na primeira noite de autógrafos.
A tiragem inicial, que seria de três mil exemplares, foi de trinta mil, e esgotou em apenas três
dias na cidade de São Paulo.
No Brasil, somente em 1960, Quarto de despejo foi reimpresso sete vezes. Foi
traduzido para 14 línguas, publicado em 20 países, circulando por 40 países, cuja venda
alcançou a marca de um milhão de exemplares. Hoje, em 2015, podem-se contar traduções
para 19 línguas96 . Foram produzidas edições na Dinamarca, Holanda e Argentina. Em 1961,
na França, Alemanha (Ocidental), Suécia, Itália, Checoslováquia, Romênia, Inglaterra,
Estados Unidos, e no Japão, em 1962, na Polônia, em 1963; Hungria, em 1964; Cuba, em
1965 e, entre 1962 e 1963, na União Soviética. Chegou inclusive a ser proibido em Portugal,
por Salazar. Em 1963, saiu nova edição pela Francisco Alves, em 1976 duas edições foram
publicadas pela Ediouro; um ano antes da morte da escritora, em 1983, outra pela Francisco
Alves; em 1990, uma pela Círculo do Livro; em 1993, pela Ática, que já o editou mais de dez
vezes desde então. O livro é classificado como literatura infanto-juvenil.
Diz a estudiosa:
Com relação aos originais de “Meu estranho diário”, como Carolina de Jesus
denominou os cadernos que deram origem ao segundo diário publicado como Casa de
Alvenaria, foi observado o mesmo fato, isto é, passagens inteiras modificadas e recortadas
relegando o diário a uma lista enumerativa de fatos corriqueiros. O editor extirpa reflexões
importantes sobre o ato de ler e escrever que circundam o universo do artefazer da escritora.
Como por exemplo, no excerto que antecede o dia 18 de maio de 1960, após publicação de
seu best-seller, porém ainda na favela e descrevendo os acontecimentos cotidianos, Carolina
de Jesus devaneia sobre seu sonho de ter uma estante repleta de livros, como ela escreve na
seguinte passagem:
Para mim o livro é igual um calmante (...). Eu vou retirar os outros livros quando o
Audálio darme uma casinha eu vou comprar uma estante. Tem mulheres que sonha com
um guarda-roupa super-lotado de vestidos –E eu... quero uma estante com livros.
(...)
Uma menina perguntou-me: / _O que a senhora escreve?/ _Contos, poesias, e provérbios./
Aconsêlhei as crianças para lêr bons livros (FBN: Caderno 1- Diário de 18/05/60 a
29/06/60, F. s/n).
Como lembra Audálio Dantas: “(...) o livro apareceu numa época de grande
afirmação nacional. Estava-se construindo Brasília, a seleção havia ganhado a Copa do
Mundo de futebol... Acreditava-se que era possível mudar o país” (DANTAS apud MEIHY,
1994, p.106).
224
Por conta deste livro, a escritora favelada foi homenageada pela Academia de
Letras da Faculdade de Direito de São Paulo. A fama advinda das vendas do livro rendeu-lhe
viagens pelo exterior: Uruguai, Argentina e Chile, e por cidades brasileiras como Pelotas,
Porto Alegre, Caruaru, Recife, Rio de Janeiro, Salvador, etc. O sucesso da obra proporcionou-
lhe os anos felizes e tumultuosos da transformação que atravessou sua vida: viagens, jantares,
contatos com presidentes e escritores reconhecidos, entrevistas, participações em congressos,
a publicação de mais três de seus livros e um LP, a aquisição de um sítio para tentar escrever
com mais tranquilidade; enfim, um certo reconhecimento como “artista” até o início do
governo militar.
5 de dezembro de 1960 (...) Fomos para uma joalheria. Ele (David Saint Clair, editor e
tradutor norte-americano de Quarto de despejo para a língua inglesa) apresentou-me para
os donos da loja e disse: eles são americanos. Eles falavam inglês. Eu compreendia só
‘garbage room’. Comecei a transpirar. Percebi que um preto na presença de um norte-
americano fica intranquilo. Parece que eles olha o preto com repugnância. Pensei se
algum dia receber convite dos EEUU vou recusar” (FBN: Cadernos 6 de 10 - “Diários”,
FTG. s/n).
Quando, através da mídia, a partir dos anos de 1960, Carolina de Jesus começa a
ganhar visibilidade com a publicação de parte de seus escritos, ela passa a narrar os modos de
como os visitantes da “sala de jantar” intervêm nos temas e na forma de sua produção
literária. Será, sobretudo, em Casa de Alvenaria, seu segundo livro, publicado em 1961, que
vai ficar visível como essas imposições direcionam sua escrita e sua conduta diante da
225
sociedade. No entanto, a práxis da escritora é mantida sob conflito, imersa num movimento
dialético que oscila entre cooptação e emancipação. Esse livro, portanto, marca a continuação
da publicação dos diários com escritos de 5 a 21 de maio de 1961, composto por 11 cadernos
pertencentes ao Arquivo Público de Sacramento.
Esses são alguns desvios, plasticidades, que foram analisadas no cotejo entre texto
publicado e original manuscrito, realizado por Elzira Perpétua (2000). Outro exemplo, uma
sorte de hibridismo literário, exercitado de maneira orgânica por Carolina de Jesus: após
narrar mais uma empreitada diária de seu cotidiano, a escritora seleciona um trecho do poema
de Olavo Bilac para parafrasear sua rotina.
100Sobre isto, vale citar Edouard Rouveyre: “Importa observar que o julgamento que um autor faz a respeito de
outros frequentemente sujeita-se a dúvidas e reformulações. É comum a apreciação de certas obras não lidas ou
cujo mérito foi por outros preconizado” (ROUVEYRE, 2003, p.17).
226
(...) Todos os favelados estão magrós. É deficiência alimentar. Falta dágua. Olhando
aquelas crianças raquiticas pensei nos versos de Olavo Bilac # Criança ama a terra que
nacêste/ Não veras no mundo pais igual a este # Eu estava com dez anos quando li êste
verso e concordei com o poeta. Naquela epoca não existia favela. Não existia fome. Os
preços dos generos de primeira necessidade era ao alcance de todos.
101“Schiller mostrou, precisamente, que o jogo estético une a sensibilidade com a inteligência. Derivando da
mais alta espécie de liberdade, que é a liberdade criadora, esse jogo depreende-nos da realidade para
introduzir-nos numa nova dimensão, objeto dos juízos de gosto estético para o qual a tradição filosófica,
oriunda dos gregos, reservou o nome de Belo” (NUNES, 2009, p.125).
227
colando no seu discurso retalhos, restos de outros discursos, como expressivamente faz
Carolina de Jesus, conforme mostrado no exemplo supra.
Não por acaso, em Casa de Alvenaria Carolina de Jesus narra as visitas constantes
que ocorriam nas suas duas novas casas; na primeira, a que lhe foi emprestada e onde ela
viveu por pouco tempo, e na segunda, que ela comprou utilizando parte do dinheiro que
recebeu com a venda das edições de seu primeiro livro. O livro também conta suas visitas a
outros estados brasileiros, na laboriosa divulgação de seu Quarto de despejo, e
consequentemente, na utilização de sua imagem como porta-voz da favela. Enquanto a
escritura – sobretudo a manuscrita – tentava fugir de cooptação, denunciando esses
mecanismos de dominação, do poder do mercado, a exposição de sua imagem estava
subjugada aos poderes que permitiam a publicação de seu trabalho.
através desses meios102 . Entretanto, nos escritos de seu segundo livro há evidências do modo
como essas situações a oprimiam. Mas, ao mesmo tempo, também influenciavam suas
reflexões; assim, na medida em que oscilava entre criticar o peso de tais instituições, também
elogiava suas práticas. No entanto, com aquela sua veia irônica, ela sempre lançou mão do
humor e da ironia para criticar o sistema de poder, como se pode confirmar no trecho a seguir,
quando de sua visita a Porto Alegre:
(...) Fui falar com Dr. Leonel Brizola noutra sala. Perguntei-lhe como vai indo com o
desenvolvimento do Estado. (...) O Dr. Leonel Brizola pediu-me para não envaidecer não
desprezar os pobres.
─ Você deve voltar periodicamente a favela, para não perder a sua autenticidade. Você
vai visitar as favelas de Porto Alegre e dizer aos favelados que eles precisam e devem
estudar. Faça-me esse favor. O meu sonho é acabar com o analfabetismo no Estado. O
meu carro está ao teu dispor.
Dei uma risada e comentei:
─ Que honra para mim. Eu estava habituada a andar só na Rádio-Patrulha103 . (JESUS,
1961, p.90)
Aqui, Carolina de Jesus parece ironizar o pedido de Brizola, fazendo deboche com
o fato de ele ter colocado o carro oficial a sua disposição e o conselho de que ela deveria
“voltar periodicamente à favela, para não perder a sua autenticidade”. Ela entendeu
imediatamente a intenção de Brizola querer usá-la como veículo de propaganda para uma
ação “civilizatória” junto aos favelados de Porto Alegre.
102Carolina de Jesus conta que o jornal O Ébano chegou a levá-la até Santos para fazer fotos com Pelé. (Cf.
JESUS, 1961, p.155-6). O mesmo dirigente desse jornal pretendia vender o nome de Carolina para uma
empresa de sabão: (...) O contrato diz que eu devo ceder o meu nome para o sabão A. por um ano, para
propaganda nos jornais e televisão (...) O Osvaldo disse-me que vai vender-me para outros produtos. / Com
aquela confusão de “vender Carolina”. Eu fiquei pensando quando estava na favela não valia zero. Ago ra tenho
valor (JESUS, 1961, p.156).
103 Rádio-Patrulha era como, naquela época, chamavam a viatura da polícia.
229
O recorte que Audálio Dantas efetua do original, referente à resposta que Brizola
dá a Carolina de Jesus quando ela pergunta sobre o desenvolvimento do Estado, sugere mais
um sintoma da condução e “utilização” de sua voz. São diversas as lacunas acentuadas pelo
símbolo “(...)” como se algumas partes do texto fossem ilegíveis para o jornalista. No entanto,
quando cotejamos os textos publicados com os originais, compreendemos suas palavras de
indignação e a tentativa de encarceramento de sua vida no espaço da pobreza, fato pelo qual o
político não estaria mesmo interessado. Desse modo, hoje, pode-se entender os motivos
‘políticos’ pelos quais essas passagens foram suprimidas.
(...). Hoje é 13 de maio, dia consagrado aos pretos, que vivem tranquilos mesclados com
os brancos. Hoje, é um dia que nós pretos do Brasil podemos bradar:
─ Viva os brancos!
104Carolina de Jesus produz uma desmistificação dos morros e das favelas ao modo de composições vistas sob a
ótica de sambas como “Opinião” de Zé Keti ou canções da bossa nova, como no exemplo da canção “Zelão”
de Sérgio Ricardo: “Todo morro entendeu quando Zelão chorou/ Ninguém riu e nem brincou/ E era Carnaval/
No fogo de um barracão/ Só se cozinha ilusão/ Restos que a feira deixou/ Que ainda é um pouco só/ Mas assim
mesmo Zelão/ Dizia sempre a sorrir/ Que um pobre ajuda outro pobre/ Até melhorar” . Em um diálogo entre a
escritora e um motorista de táxi que a leva até a favela do Canindé, depois que ela concede uma entrevista à
TV Tupi, ela reproduz a visão do motorista que disse: “É a primeira vez que vejo a favela. Eu pensava que
favela era um lugar bonito, por causa daquele samba [de Silvio Caldas]: ‘Favela, oi, favela/ Favela que trago
no meu coração’ / Mas haverá alguém que traz um lugar desse no coração? Enquanto o motorista fitava a
favela eu pensava: com certeza o compositor do samba tinha uma mulher b oa na favela” (JESUS, 1960, p.21).
230
em processo, numa segunda lida dos originais. Neste livro, a escritora está exposta à visitação
pública na “sala de visitas”105 .
15 de agosto ... Aqueci água para tomar banho. Vou na livraria levar um pouco de terra
para por na vitrina. Estava chovendo, fomos de ônibus e quando chegamos na livraria vi
meu retrato na porta. Estou desenhada em ponto grande. E a favela. O que está escrito no
quadro:
Esta favelada, Carolina Maria de Jesus, escreveu um livro – Quarto de despejo – A
Livraria Francisco Alves oferece ao povo.
Como foi constatado nesta pesquisa, o jornalista recortou diversas excertos mais
próximos dos gêneros literários que podemos ler em seus originais. O mesmo não ocorreu,
105No filme Carolina, de Jeferson De, temos acesso a algumas imagens que foram gravadas no período do
segundo diário. Nelas, pode-se perceber o desconforto da escritora em meio ao público branco, curioso, classe
média, que tenta receber Carolina de Jesus com tanta pompa que lhe causava mal-estar diante das lentes, dos
holofotes e microfones, antes tão almejados por ela.
231
porém, com o terceiro diário “No sítio”, que foi publicado no original em Meu estranho
diário.
Carolina de Jesus vivenciou e sentiu sua ida do lixo ao luxo, carregando consigo o
estigma da favelada e o devir-fome106 que sempre retornava quando estava diante da mesa
farta, ou vendo os desperdícios alimentícios da “sala de visita”. Em Casa de Alvenaria,
Carolina de Jesus mostra que tanto editores quanto programas televisivos contribuíram para
fomentar a curiosidade sobre ela, tanto sendo tida como ícone por seus admiradores quanto
sendo malvista pela crítica que a rejeitava. Mas, ao mesmo tempo em que era vista, Carolina
de Jesus – manuseando uma lupa, distanciada das emboscadas do glamour – também via esse
Outro que a olhava.
Nesse sentido, a escritora adentra a “sala de visitas” da sociedade, mas rejeita esse
local por encontrar nele a falta de solidariedade que tantas vezes via na favela. Negando esse
mundo de aparências de “boa conduta”, que ela via como o contrário à má-educação e
espontaneidade do favelado, mas repleto de ganância, racismo e individualismo da lógica
capitalista, mesclada do paternalismo brasileiro, agora ela via a realidade com outros olhos. E
todos esses desgostos que sentia, ela escreveu: “Eu ainda não habituei com esse povo da sala
de visita ─ uma sala que estou procurando um lugar para sentar” (JESUS, 1961, p.66) ou
106 Em minha dissertação “Carolina Maria de Jesus, uma poética de resíduos”, procurei demonstrar como o
devir-fome perpassava os escritos de Quarto de despejo. Nessa obra, Carolina de Jesus coloca homem e
animais como porcos, corvos, aves, cachorros e gatos na mesma condição para acentuar a animalidade humana,
além de apreender com os elementos que expressam o tornar-se fome, um vir-a-ser da miséria como na
imagem “a fome é amarela”, um sintoma doentio vivido pela escritora e por seus companheiros de mazelas,
tanto na favela quanto na pobreza experienciada, sobretudo, pelos negros no interior de Minas Gerais. Carolina
de Jesus estetiza a fome, refletindo sobre a fome literariamente. Em Quarto de despejo, a fome é violenta,
direta, uma doença amarela; já em Casa de alvenaria há um vigor de análise social, e a fome é re-apresentada
neste livro a partir da saciedade e fartura dos pratos em prejuízo da fome alheia. No segundo livro ela reflete
sobre a fome de maneira sistemática e nos ensina a pensar a fome, enquanto que no primeiro livro ela nos faz
sentir a fome.
232
então, “(...) Agora que estou mesclada com o povo fico observando os tipos de pessoas,
classificando os seus caracteres. Há os tipos trapaceiros fantasiados de honestos. São os
cínicos. Tem duas faces. Tipos que querem ser granfinos sem ter condições de vida definida”
(JESUS, 1961, p.151).
Carolina de Jesus tem no livro, por norma, uma função bem definida: a de zelar
pelo lugar privado facilitando assim o cumprimento do percurso de acesso “às benesses”
urbanas, enquanto o jornalista atua como co-sujeito da ação, dando ao leitor a falsa ideia de
que a mulher que fala vive a plenitude do deslocamento e que experimenta o desafio do
desconhecido. Como as relações de afeto entre ambos são visíveis, um afeta ao outro, e daí
resultam as ambiguidades nos pontos de vista de Carolina de Jesus em relação ao jornalista,
ora o carrasco, ora o anjo salvador; aquele que, em alguns momentos, exerce autoridade e
dureza, mas em outros age com condescendência, confiança e respeito (sentimentos estes
mais evidenciados na versão publicada).
Mesmo com todo o esforço, o segundo livro não obteve o sucesso esperado pela
escritora. Carolina de Jesus ainda tentou vender seu romance Pedaços da fome (1963), com
233
prefácio de Alberto Moravia107 , e outro livro intitulado Provérbios (1965), mas não obteve
nenhuma visibilidade, ficando esquecida durante vinte e três anos de sua vida. Com a
publicação, na França, de Diário de Bitita, após uma lapidação efetuada no processo de
editoração da primeira edição francesa de 1982, Carolina de Jesus retorna à cena literária,
porém, agora, com menor intensidade.
Como foi dito antes, a edição de Journal de Bitita foi estabelecida por Clélia Pisa.
Foi ela quem leu, selecionou e estabeleceu o formato do livro. A tradução foi de Réginet
Valbert. No entanto, a partir do texto traduzido ocorreram outros acréscimos e correções
sugeridas por Métailié, a editora, em comum acordo com a releitura de Clélia Pisa. Diante dos
originais desse trabalho, pode-se observar que as notas que dão o suporte editorial aos textos
mudam radicalmente de uma versão para outra, o que denota um direcionamento do texto para
cada público-alvo selecionado. No caso francês, as notas enfatizam a história do Brasil para o
leitor europeu pouco conhecedor da cultura brasileira. Porém, o original de fato apresenta
diversas oscilações, sinalizando um texto produzido por várias mãos, evidência confirmada
pela editora, em entrevista concedida em novembro de 2013 108 . A versão da jornalista
brasileira não apresenta notas, mas sinalizações ao fim da página de momentos em que
Carolina de Jesus escreveu em francês, nas quais lemos “(1) em francês no texto”.
Como foi dito, Pisa procurou manter em sua versão datiloscrita alguns desvios
gramaticais de Carolina de Jesus como a grafia do francês avant première ou a disposição dos
parágrafos, a acentuação, pontuação e ortografia, as tais “mesclas de hipoconcordância e
hipercorreção”, observada por Lajolo (1996), como característica derivada da carência de
educação formal e das referências da literatura beletrista brasileira e portuguesa lidas e
absorvidas pela escritora. Estes são alguns dos traços delineados por uma escrita
singularmente tortuosa e labiríntica. No entanto, há novas sugestões registrada a mão, nas
quais a escritora rearranja o texto para a tradutora francesa, e anotações feitas por Pisa,
empreendendo correções, supressões e o acréscimo de frases. Métailié acredita que a tradutora
estava presa ao português e traduzia literalmente o que seria ininteligível para o leitor francês.
107 Alberto Moravia (1907-1990), autor italiano, jornalista, romancista e roteirista de cinema. Escreveu vários
livros que se caracterizavam por uma crítica frontal à sociedade europeia do séc. XX, que ele considerava
hipócrita, hedonista e acomodatícia. Tem vários livros transformados em filmes. Em seus escritos são
recorrentes os temas da sexualidade, existencialismo e alienação do indivíduo. Escreveu o prefácio da tradução
para o italiano do livro Quarto de despejo.
108GUIMARÃES, Raquel B.J. Escrita de mulheres: cotidiano, força e rebeldia. Revista Scripta, vol.17, n.33,
p.09-18, 2º sem., 2013.
234
(Carolina de Jesus)
Neste sentido, a lida de Audálio Dantas para exibir este outro ângulo do
desenvolvimento em particular porque levava em conta o dia a dia dos
miseráveis e anônimos, ganhava sentido político. Fora ele mesmo que
começara a divulgar a voz dos personagens anônimos que trabalhavam em
favor daquela que se via como cidade que mais crescia no mundo. De início,
Audálio Dantas mesclava a fala da população com personagens escritas por
ele mesmo. Em um dado momento, não mais bastava supor que a narrativa
fracionada de uma escritora ou a reportagem feita indiretamente fosse o
suficiente. Por outro lado, a experiência carioca poderia ser vista como uma
crítica de viés até ficcional. A paulista não. Era o ‘retrato’ da vida que
interessava (MEIHY, 1998, p.22-23).
109 FONTE: Uma vergonha nacional. O Estado de São Paulo, São Paulo, 12 de abr. de 1960.
236
110Essa esperança de Carolina de Jesus foi anulada ao longo de sua vida, como se pode constatar em seu relato
no filme Favela: uma vida na pobreza (1971), documentário gravado no início dos anos setenta, quando ela
declara com visível pesar que, infelizmente, o problema das favelas teria avançado c om o passar dos anos.
111 LAJOLO, M. Quarto de despejo. O Estado de São Paulo, São Paulo, 29 de ago. 1960.
237
Segundo Lajolo (1995), a ênfase dada ao testemunho de uma mulher excluída, por
ser pobre e negra, deve-se à predominância de um Brasil culturalmente masculino, branco e
patriarcalista, herdeiro de uma cultura colonial, e que, no intento de se modernizar, “gestou”
Carolina de Jesus, “mastigou-a”, mas não a “engoliu”. Esse fato encontrou sua ressonância
alguns anos mais tarde. Em 1996, no caderno “Mais” da Folha de S. Paulo, em decorrência da
publicação de Meu estranho diário (publicação póstuma de fragmentos dos diários de
Carolina de Jesus), Marilene Felinto escreveu sobre a escritora de Quarto de despejo. Para a
jornalista e ficcionista pernambucana, todas as obras da escritora favelada confirmam uma
espécie de equívoco, produzido em parte pela mídia em parte pelo discurso acadêmico, que
visava assentar conexões entre a “erudição alienada” e a “sabedoria popular infusa” erigida na
experiência. Felinto (1996) assinalava que o fato de os diários serem (nos anos de 1990)
publicados sem correções gramaticais, provaria seu valor enquanto documento social,
desprezando qualquer possibilidade de vislumbrar elementos literários dentro dessa narrativa:
Nessa matéria, a jornalista diz que a “academia tenta, mas não consegue dar
estatuto literário a Carolina Maria de Jesus”, afirmando que tanto Quarto de despejo quanto
Meu estranho diário (1996) necessitaram dos preâmbulos, prefácios e posfácios de Meihy e
Levine, como um esforço de transformar “os clichês de forma e conteúdo, a rima fácil e o
simplismo dos versos” da “catadora” em qualidade poética. Contudo, entende-se que a
comentarista não apreendeu as amarras discursivas que cedem forma ao conteúdo da narrativa
238
caroliniana, termo este que ela se negou a considerar, reiterando apenas a obrigação de uma
“reparação moral” devida às minorias e aos socialmente marginalizados.
Quando se tomam as próprias palavras de Levine e Meihy (1998), nota-se que não
há uma busca fundamental pelo reconhecimento de um estatuto literário para a obra de
Carolina de Jesus. O que Levine conta, entre outras observações, é a sua experiência como
pesquisador brasilianista da pobreza latino-americana. Aos poucos, ele relata como descobriu
a escritora da favela e como ocorreu a evolução de seu trabalho junto a estudantes norte-
americanos. Segundo Robert M. Levine, para as elites acadêmicas, os escritos carolinianos
contrastavam com as teses estadunidenses no que se referia à “democracia racial”,
desmistificando a ideia de que no Brasil não existia preconceito racial devido a uma suposta
“fusão étnica”. Além disso, o sucesso e a aceitação de Carolina de Jesus nos Estados Unidos
estavam também ligados a interesses políticos e medidas saneadoras de combate à pobreza.
Também, os ideais soviéticos que assolaram os anos de 1960, em face de todo um espírito de
transformação social movimentado por grupos de luta contra o sistema de produção
capitalista. A obra de Carolina viceja nesse contexto, como Levine comenta no prefácio do
livro da escritora:
Sabemos que, ainda hoje, a obra de Carolina de Jesus está entre os grandes
sucessos de venda editorial norte-americana, sendo sempre reeditada. Em 2003, uma outra
obra da escritora foi reeditada nos EUA, Diário de Bitita (1986). Livro de memórias da
infância vivida no interior de Minas Gerais foi relançado por estar relacionado aos estudos
comparativos com escritoras negras norte-americanas112 . Nessas discussões, os estudiosos do
tema comumente analisam o universo da mulher negra com grande preocupação sobre as
ambiguidades ser negra/ser branca que marcam essas narrativas. Sua escritura suscita um
112Mulheres tais como, Maya Angelou em I know the caged bird sings (1994); Toni Morrison em O olho mais
azul (2003); Alice Walker em Ninguém segura esta mulher (1987), dentre outras.
239
grande dilema para a crítica literária, a qual não consegue determinar até que ponto a escrita
caroliniana é ou não literatura, justamente porque sua própria obra não permite qualquer tipo
de determinação, sendo uma escrita esgarçada, esparsa, fragmentada e, em sua maioria,
inacabada113 . A seleção das palavras, o foco, a temporalidade; enfim, a estratégia de contar e o
modo como constrói seus livros trazem para seus textos características do literário de maneira
referencial, mas sempre insipiente do ponto de vista do cânone literário. Além da elaboração
do enunciado e sua relação com a enunciação, conduzida por seu desejo de se tornar escritora
com apoio do editor e dos leitores onipresentes, apresenta brechas para se discutir, inclusive,
suas variações de “autoria”, como discutido no último capítulo desta tese.
Certamente, Carolina de Jesus não está colada a nenhuma tradição literária; sua
expressão é móvel, sobretudo pela fragilidade gramatical estrutural e as dificuldades que
acompanham todo o seu processo criativo. Apesar de ter sido publicada há mais de 50 anos,
os livros publicados não apresentam uma fortuna crítica consolidada, e a maioria do que
existe exclui de imediato as análises que poderiam levar em consideração esse caráter
literário, pontualmente evidenciado, agora, em seus escritos.
113 Sobre isto, vale citar: “A escritura dos textos interrompidos ou dos inacabados revela um processo em
decorrência, a criação surpreendida em uma parada, voluntária ou não. Quando a ela se soma o caráter de
inédito, mais complexa é a presença do mundo privado, particular de quem escreve, nessa parcela por ele ainda
não colocada perante os olhas do público, mormente se faleceu sem deixar explicações ou dispor sobre o
destino do manuscrito. Mundo que, no âmbito do trabalho, reúne fases, decisões, hesitações, distrações e
lapsos, mudanças de rumo. E se abre para certos territórios da mente, ao absorver impulsos ou motivos presos a
recursos e mecanismos de defesa; ao encarar entraves e frustrações dizendo respeito, em certos casos, a
ditames de época” (ANCONA LOPEZ, 1994, p.68).
240
jovem guarda e das músicas de protesto, aclarando uma nova problemática social: o
crescimento da pobreza urbana junto com o desenvolvimento das práticas capitalistas,
contradição também presente na representação do Cinema novo, que teve uma de suas
maiores expressões na filmografia de Glauber Rocha 114 .
114Vale a pena conferir um filme pouco conhecido de Glauber Rocha: “Câncer”, filmado em 1968 e finalizado
em 1972, que trata especificamente da condição dos negros marginalizados na cidade de São Paulo, um
mendigo urbano, perfeitamente interpretado por Antonio Pitanga, que traça a dor e o desfalque de um homem-
farrapo que não encontra saída sequer pela “pedagogia da violência”, bastante explorada nas obras do cineasta.
O título do filme faz referência irônica a essa “doença social” que precisava ser exterminada em vias do surto
de “desenvolvimentismo e modernização” do país.
242
foi diferente do de muitas mulheres, que precisavam usar o nome dos maridos, ou
pseudônimo, para serem aceitas por editores e também pelos leitores.
Desse modo, Quarto de despejo configura-se como uma derivação (ou uma
deformação) dos gêneros de aventuras insólitas que têm lugar, hoje, não mais nas savanas
africanas ou no Oriente distante, mas na paisagem urbana da metrópole subdesenvolvida,
chegando aos leitores como um tipo de gênero deformado no qual uma dura dialética da
violência ou uma “dialética da marginalidade” ganha nova roupagem e toma o lugar da
“dialética da malandragem” anunciada por Candido (1978). Rocha (2004) repensa essa
“malandragem” como o desemboque para a “dialética da marginalidade”, quando analisa o
romance Cidade de Deus, de Paulo Lins, apresentando cronologicamente a passagem do
mundo do “bom marginal”, do pícaro, “espertalhão”, homem mediano, malandro na
sobrevivência de seu cotidiano, para o mundo do “bandido inescrupuloso”, intrépido, e
movido pela ganância115 .
Reduzida a essa ótica, a obra perde muito de sua força expressiva, que se dirige à
humanidade de quem a lê. Pode-se inferir ainda que a distância geográfica tenha tornado
ainda mais confortável a fruição do diário pelo público estrangeiro, capaz de lidar com uma
carga menor de envolvimento com o conteúdo narrado. As obras subsequentes de Carolina de
Jesus não fizeram o mesmo sucesso que a obra de estreia; a fórmula “cansou” porque foi
entendida superficialmente – tanto que a palavra “fórmula” indica todo um conjunto de
procedimentos para se alcançar o reconhecimento do grande público – fato do qual Carolina
de Jesus não tinha a menor ideia ou consciência, embora ambicionasse a fama e a saída da
favela.
115 ROCHA, João César Castro. Dialética da Marginalidade: caracterização da cultura brasileira contemporânea.
Folha Mais! Folha de S.Paulo, São Paulo, 29-fev.-2004.
245
116A black woman in a country where blacks, even so many years after the freedom of the slaves, have few
professional opportunities, Carolina wrote courageously, fully. Her diary entries, through a succession of
details on the daily search for food and money, con vey the deep despair of the poor, of the dispossessed. It is
relevant, of course, that she was also a women, who understood the plight of other women whose husbands
denigrated them and beat them Her work, now at the eve of a re-evaluation, remains one of the most powerful
documents of what it means to be a black woman of the lower class in Brazil during the 1960s. This work
should make integral part of any serious study of Brazilian letters, life and culture, because through her
concrete nouns and sometimes rough adjectives, Carolina Maria de Jesus reveals, as only the greatest writers
do, the whole, unadorned truth of her time (BUENO, 2005, p.2). # Uma negra que vem de um país onde os
negros, mesmo que após muitos anos da libertação dos escravos, têm poucas oportunidades profissionais.
Carolina escreveu corajosa e inteiramente. Seu diário introduz, através de uma sucessão de detalhes, a busca
por comida e dinheiro, carrega o profundo desespero do pobre, do desprovido de posses. É relevante observar
que ela também era uma mulher que atendeu à condição de outras mulheres cujos maridos as denegriram e as
violentaram. Seu trabalho, no auge de uma reavaliação, perdura como um dos mais poderosos documentos do
que vem a ser uma negra da mais baixa classe social no Brasil da década de 1960. Esse trabalho deveria
compreender parte integral de algum estudo sério das letras, vida e cultura brasileiras, pois, através de seus
substantivos concretos e, algumas vezes, duros adjetivos, Carolina Maria de Jesus revela, tanto qu anto grandes
escritores fazem, toda a desordenada verdade de seu tempo. (Tradução Minha)
246
descrição biográfica é o que a crítica nos apresenta, além das relações entre o diário e a
“feminist literature”. Entretanto, Eva Bueno (2005) afirma que a escrita caroliniana deveria
fazer parte de um sério estudo sobre cartas, vida e cultura brasileira, “porque através de seus
substantivos concretos e adjetivos ásperos Carolina Maria de Jesus revela, como somente os
grandes escritores o fazem, (...) a verdade nua de seu tempo”. A alteridade, portanto, a
verdade que está no outro – “le vécu c’est l’autre”, como propõe Lejeune (apud COLONNA,
2004, p.234), é trazida à tona por esse texto de Carolina de Jesus.
Como mostra Eva Bueno, a obra de Carolina de Jesus toca quem a lê, porque o
narrador é menos mediador do que a própria experiência de vida relatada. Desse modo, a
protagonista permite que o leitor vivencie sua experiência contada, pois a intensidade da
narração vela o tempo e o espaço que separam narradora, protagonista e leitor.
Ela não veio de nenhuma universidade importante, não era amiga de grandes
editores e muito menos teve estrutura para continuar sua carreira literária.
Talvez por uma dessas injustiças a escritora Carolina Maria de Jesus,
residente na favela do Canindé, rua A, barraco n° 9, talvez não seja
agraciada como uma escritora de clássicos, mas uma coisa é certa: “Quarto
de despejo”, seu primeiro livro, é a coisa mais importante que já li, por isso é
sobre ele que vamos falar. Tenho um exemplar datado de agosto de 1960, e é
meu xodó, porque é um dos pouquíssimos livros feitos por quem escreveu o
que realmente viveu. O subtítulo é “Diário de uma favelada” e realmente é
um diário. Retrata a vida de Carolina como catadora de papelão, que não a
impediu de pegar na caneta e escrever inúmeros cadernos que mais tarde
seriam condensados no livro, traduzido em mais de 40 países e escolhido
como tema de dezenas documentários em todo o mundo. O livro retrata a
vida de Carolina de 15/7/1955 a 1°/1/1960, e nele aprendemos como é viver
realmente na dificuldade de não saber o que virá no dia seguinte, em que a
única certeza é que a fome continuará a pegar seus filhos. O título vem da
imagem que Carolina faz da favela, que, segundo ela, é o quarto de despejo
da cidade, porque lá se jogam homens e lixo, que lá se confundem, coisas
imprestáveis que a cidade deixa de lado (FERREZ, Especial para a Folha, 20
de março de 2005).
Souza, preparado pelo Museu Afro Brasil (MAB), no dia 13 de maio daquele ano. A mostra
reuniu uma série de originais de Quarto de despejo, também as versões internacionais da obra
em cerca de 30 idiomas, além de fotos e documentos pessoais pertencentes a Vera Eunice,
filha de Carolina, e ao jornalista Audálio Dantas.
¿─ Cuáles son los medios más apropiados para levantar a esos seres
humanos? ─ Educándolos. El valor de la persona está en su inteligencia y
capacidad; como la política de Brasil es muy desorganizada, no se puede
esperar mucho de ella. Algo me sigue llamando la atención: el mundo ha
evolucionado y la gente sigue robando, matando...? ¿Por qué? (JACKON,
2005, p.10)117 .
Como se pode constatar a partir da leitura dessa crítica à qual tivemos acesso e
referenciamos nesta discussão, a maioria das revisões das obras de Carolina de Jesus deu
ênfase a sua personalidade, às ambiguidades ideológicas, a sua agramaticalidade e até a sua
vestimenta, tendo sido relegado a segundo plano o conteúdo de seu livro.
117─ Quais são os meios mais adequados para ajudar a ess as pessoas [os pobres]? ─ Educando-os. O valor da
pessoa está em sua inteligência e capacidade (de desempenho); [mas,] como a política do Brasil é muito
desorganizada, não se pode esperar muito dela. Uma coisa continua me chamando atenção: o mundo evoluiu e
as pessoas continuam roubando, matando... Por quê? (Tradução Minha)
248
all of this was dismissed as essentially local color, unimportant for Brazil
(HENDRICKS, 2006, p.2)118 .
As muitas obras consultadas, como, por exemplo, Crítica sem juízo (1993), de
Luiza Lobo, somente citam Carolina de Jesus como exemplo de escrita feminina produzida
por uma mulher pobre e negra, mas nunca analisam a elaboração estética no texto das obras
da escritora.
118Carolina nunca muda. A franqueza, o estilo direto e de confronto que serviu tão bem na favela que,
rapidamente, brasileiros alienados esperavam que ela fosse uma mulher educada, humilde e introspectiva. A
maioria dos comentários de seu livro são focados em sua personalidade, seu vestido, seu estilo de escrita, mas
quase nada sobre o conteúdo do livro em si. A dura realidade que Carolina expõe, o racismo, o sexismo, a
brutalidade do cotidiano de favelados, tudo isso foi omitido, sendo considerado algo essen cialmente local, sem
importância para o Brasil. (Tradução Minha)
249
Capítulo IV
- Ele olhou-me e disse: Contei-lhes que um dia uma jovem bem vistida
vinha na minha frente.
Um senhor disse:
- Olha a escritora! O outro agêitou a gravata e olhou a loira.
Assim que eu passei fui apresentada.
- É isto!?
E olhou-me com cara de nojo. Sorri, achando graça. Ela é a escritora
vira-lata, disse a Dona Maria mãe do Ditão. Os passageiros
sorriram. E repetiram. Escritora vira-lata.
(Carolina de Jesus)
Como já foi dito, Carolina de Jesus tinha o hábito de copiar seus escritos,
mantendo somente um caderno originário para seus textos de teor literário. Ela reescrevia ou
pedia para datilografarem seus poemas, romances, contos e peças de teatro, aprimorando a
ortografia, incorporando sobre esses textos, com letra cursiva, novos assuntos e
acontecimentos. E foram essas diversas cópias do mesmo texto que ficaram guardadas com
sua filha Vera Eunice Lima de Jesus e resgatadas pelos professores Meihy e Levine, nos anos
1990. Os dois organizaram a publicação de parte desse material no livro Meu estranho
diário119 após longo processo de higienização, separação e organização do conjunto, que
também foi microfilmado.
A compulsão de Carolina de Jesus por copiar diversas vezes seus textos, como um
processo de reescritura, não incluía numerar as páginas dos diários. Alguns textos foram
copiados, basicamente, sem muitas alterações, diferentemente dos textos memorialísticos que
apresentam diversas versões.
Isso, talvez, corrobore para ilação do diário como écriture de premier jet, mas não
explica, porém, as motivações para a elaboração de cópias de outros gêneros. Nesse sentido,
segundo Meihy:
119Carolina de Jesus escolhe o nome “Desilusoes” para as narrativas que compõem seus cadernos pós -favela, e
os intitula “Meu estranho diário”. O termo “estranho” parece sugerir uma autoironia de sua “desdita”, e
também a condição de “escritora vira-lata” que a acompanhou por toda sua vida.
251
Alguns textos estão reproduzidos mais de uma vez e este fato é duplamente
importante: para a comprovação do tipo de cuidado que ela mantinha e para
seguir a fidelidade da cópia. Poucas vezes nota-se alteração no texto e,
quando isto ocorre, quase sempre é nos poemas. Não há como não se
emocionar em face da letra de Carolina. Firme, grande, corrente, vigor e
energia depreendem da fluidez com que escrevia. Tanta vitalidade justifica a
pergunta que certamente todos se fazem, por que ela escrevia e copiava o
que fazia? Não cabe a alternativa de ser rascunho, posto que os textos são os
mesmos. Há reaproveitamento, é certo. Algumas vezes ela enxertava
fragmentos do que tinha escrito e que aparecem em entrevistas. Há também
repetições, que mostram que o mesmo critério era usado (LEVINE &
MEIHY, 1996, p.29).
As cópias de seus textos funcionavam como uma reprodução do seu trabalho, para
conservá-lo e também para poder difundi-lo. É importante lembrar que Carolina de Jesus,
mesmo antes de ter seu diário publicado, já havia enviado seus trabalhos para editores, jornais
brasileiros e estrangeiros, e para pessoas às quais ela confiara parte de sua obra, contando com
possíveis publicações. Em sua realidade, na favela, não haveria possibilidade de reprodução
mecânica dos seus escritos, senão através da cópia manuscrita de cada um; somente bem
depois é que seus filhos passaram a datilografar alguns de seus textos, como o romance “Dr.
Silvio”, as narrativas memorialísticas de “Um Brasil para brasileiros”, narrativas curtas,
dentre outros.
Não se pode inferir que no caso de Carolina de Jesus houvesse uma preocupação
de elaboração formal, quando se trata do texto diarístico, pois, como notou Meihy (1996),
estes estavam sempre a salvo das alterações. Outro fator importante ao longo da prática de seu
devir-escrita foi a supervalorização, por parte de seus editores, dos escritos diarísticos em
detrimento dos escritos ficcionais. Talvez a contragosto, a escritora acabou por se resignar à
superimposição da escrita de diários em sua vida, bem como sua figura pública de escritora.
Ao evitar fazer alterações em seu texto diarístico, a escritora poderia estar sinalizando para o
modo como compreendia esses escritos num contexto mais amplo de sua produção de
literária. Carolina de Jesus “ruminava” suas horas, seus passos, suas reflexões e emoções, ao
longo do dia, visando pôr tudo em seu diário, pois escreveu seu diário para viver, mais do que
para mostrar o que viveu. Escrever suas carências foi a primeira forma de superá-las e
compreendê-las; depois, reutilizar pessoas, nomes, e assuntos escamoteados em seus
experimentos literários. Após sua “descoberta” e a possibilidade de transformação de seu
diário em livro, mais ainda se tornou imperativo escrever e tudo registrar.
252
Portanto, nesse sentido, percebe-se que os diálogos transcritos por Carolina de Jesus
tentam apreender os acontecimentos no tempo e no espaço, inscritos através da voz daquele
que observa, de modo que esse outro, reinterpretado por sua memória, contribui para a
formação de sua identidade:
120 Falar da interpretação como operação é tratá-la como um complexo de atos de linguagem – de enunciações –
incorporados aos enunciados do discurso histórico. Nesse complexo podemos destacar vários componentes:
primeiro a preocupação de explicar, de esclarecer, de implementar um conjunto de significados conhecidos
como obscuros em vista de um melhor entendimento do interlocutor. (Tradução Minha)
253
Não se pode perder de vista, no entanto, que suas narrativas ativam uma forma
oblíqua de falar de si mesma, na medida em que o faz através da história de outros, ou da
mistura desses com traços específicos que vão, de fólio em fólio, moldando um pacto indireto
que troca os nomes das personagens, mas não transforma o conteúdo de suas experiências,
algumas com maior proximidade de traços biográficos dramatizados, vertidos em variações,
como nos casos das personagens “Rita” (romance homônimo) e “Glória” (romance sem
título), que partilham a mesma ânsia de transformar seus destinos por meio da emancipação
feminina; tiveram uma infância bastante similar, sofrem de uma mesma doença, assim como
ambas são filhas de um anônimo que passara pela cidade onde nasceram, e como castigo
carregam a “doença de chagas”, que as exclui do convívio social.
Tanto a doença – que faz referência às feridas das pernas de Carolina de Jesus – e
o preconceito dela derivado, quanto a fuga de sua cidade de origem correspondem a dois
exemplos de rotas percorridas por Bitita, quando estava entrando na vida adulta.
121 Le Propre de l’écriture de soi, sous la direction de Françoise Simonet-Tenant, Paris, Editions Tétraèdre,
2007.
122 RICOEUR, Paul. Soi-même comme un autre. Paris: Éditions du Seuil, 1990.
254
Essa resistência da qual fala Bosi, e que pode ser percebida nas narrativas de
Carolina de Jesus, além de fazer parte do processo mesmo de sua criação, deveria ser também,
para ela, um recurso de sobrevivência íntima, como se o ato de escrever a protegesse da
“morte” do anonimato. Por outro lado, tampouco, não deixa de desvelar o jogo labiríntico,
como um esconde-esconde necessário que todo escritor acaba por construir, já que ele narra a
partir de si, de sua história, mas usa como ingredientes principais a imaginação e a fantasia.
Foi constatado que seus escritos revelam uma compulsão pela repetição e funcionam
como um verdadeiro laboratório de escrita e autodidatismo. Podem recair sobre a criação da
existência de uma personagem ‘si-mesma’, como aponta Viollet (2007). Mas, no âmbito da
análise literária, esta pesquisa preocupou-se menos com a veracidade dos acontecimentos
descritos do que com as tramitações imaginárias cujas versões foram adquirindo as novas
roupagens que a permeiam, mobilizando os esforços da pesquisa numa trajetória de volta, até
os “fatos”, somente para elucidar questões pontuais que poderiam corroborar esclarecimentos
acerca dos mecanismos que envolveram a criatividade, essa criatividade tão aparente nas
narrativas analisadas.
123 Avaliar a pertinência da noção de autoficção a partir de alguns estudos de gênese pode revelar-se útil a partir
das seguintes interrogativas: “referenciais”, e mecanismos de autoficcionalização, eventualmente se aplicam?
Situar os lugares e os momentos da elaboração textual onde se produziram tais fenômenos especifica suas
modalidades? Enfim, quais critérios linguísticas, poéticos e estilísticos possibilitaram a produção desses
efeitos de equivocação, de indeterminação ou indecifração, próprios à autoficção, suscetíveis ambos de uma
leitura referencial e de uma leitura romanesca, ou ainda recusando ou suspendendo tanto a um quanto ao
outro? (Tradução Minha)
257
124Do grego, Paktolós (Πακτωλός), pequeno rio da Lídia, afluente do Hermo (Χέρμο), célebre pelas pepitas de
ouro que abundavam em suas águas, origem da riqueza de Midas e Creso (N.T.)
125 BAUDELAIRE, Charles. As flores do mal. (Tradução, introdução e notas de Ivan Junqueira). Edição
bilíngue. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012 (p.363-365)
259
uma condição de vida em meio a ruínas, mas também como recurso de resistência criativa,
como já apontado aqui por Bosi e Pêcheux.
Este vínculo entre material estudado e material produzido, bem como a “utilização
das metáforas como conceito” estão de igual maneira sustentados nos textos de Carolina de
Jesus, que vai catando e acumulando suas experiências para compor seus exercícios de escrita.
As tais junções inesperadas entre Nietzsche e Nostradamus ou Hitler, Che Guevara e Vietnã
em um mesmo excerto, por exemplo, são peças de um mosaico ou um pano de trapos
amarrados como numa colcha de retalhos, imensa, repleta de referências unidas – como no
exemplo desta comparação – que produzem algo além de um choque entre culturas ou entre
sociedades, e recria sensações que nos aproximam de sua forma trapeira de captar recursos
literários e históricos, mas que dificultam que a analisem. Assim como ocorre nos textos
ensaísticos benjaminianos:
Ao seguir tais pistas, é de se supor que Carolina de Jesus também demonstra essa
falta de sistema. Mas, enquanto Benjamin procura nomeadamente pôr à disposição da
comunidade uma escrita que provoque, levando a uma função reflexiva, moral e política, a
escritora perfaz seu caminho a partir de uma desestabilização modeladora de seu acervo
literário, que emerge de uma condição marginal-trapeira, da denúncia social e do tino
260
literário, a intentar inserir no popular algum tipo de erudição. No caso de Benjamin, ele via a
crítica literária como um posicionamento político e de domínio da forma. Entretanto,
tomando-se a necessária distância entre as proporções, pode-se inferir que ambos são a
expressão de um mundo da negação ou do negado, que se rebela por meio da linguagem, e
que veem seus trabalhos como construção artística reflexiva rumo à busca da liberdade.
Documento 28: FBN: MS-565 (5): Caderno 10 – “A senhora perdeu o direito”, FTG s/n.
procurando alcançar um tom estético de elegância, por meio da correta grafia de sua
expressividade. Também, nos novos cadernos já aparece a numeração de páginas, como no
exemplo a seguir, o que nos leva a entender que tais cadernos não são mais “restos reciclados”
e, sim, objetos comprados para um determinado fim, ou seja, cadernos para escrever seus
textos. Seus cadernos da posteridade.
Documento 29: IMS: CLIT PI 0002: Meu Brasil -“O Sócrates Africano” (F. 76).
a obra, ao mesmo tempo em que essa condição direciona o rumo da pesquisa. Neste espólio,
muito em particular, não é possível inferir uma ordem original ou mesmo uma ordem sugerida
pela escritora, pois, neste arquivo fragmentado, as circunstâncias de distribuição e doação do
acervo permitiram a reunião das obras, assim como pelas adversidades pontuais do contexto
da vida insalubre de Carolina de Jesus não foi viável gerar um critério de arquivamento.
Como vimos, o conteúdo dos textos de Carolina de Jesus também segue linhas de
errância e incertezas; por exemplo, nos três “diários” da escritora, a temática da cidade e do
campo aparecem sugestionados por ela de um modo ambíguo, ora a cidade é eleita como
símbolo de desenvolvimento humano, chegando a ser, inclusive, um ambiente propício para
pôr em funcionamento sua máquina de autoescrita como ela diz na versão 1 de “Prólogo”, ora
a cidade é condenada como ambiente promíscuo e degradante, como no romance “A
felizarda” ou no conto “Onde estaes felicidade?”. O campo, às vezes, é presentificado pela
exaltação da natureza ou pela crença de que o país seria salvo por uma reforma agrária; o
campo de Carolina de Jesus nos parece ser lócus que corresponderia a uma vida digna, como
lemos versão 2 de “Prólogo”.
No entanto, sua escrita começa pelo meio, estilhaça o sujeito ao expor limites
entre memória e ficção, e parece sempre buscar a coisa que o signo já não é, como no
cultismo da linguagem passadista dos poetas românticos, lidos e reencarnados nas pegadas de
seu devir-chiffonnier, ou nessa ancestralidade quase imperceptível, em cuja linguagem vai
PAJARO, Elena. Entrevista concedida ao programa “Pesquisa Brasil” da rádio USP. Disponível em
126
<http://bit.ly/5JPBr>
265
recolhendo e tecendo seus textos com retalhos de linguagens alheias, mas que fazem também
parte dela mesma.
Fiquei horrorizada ouvindo/ uma indigente dizer que/ haviam roubado a sua/ trouxa, que
continha apenas/ trapos para ela forrar/ as calçadas para dormir/ O tipo que roubou-a deve
ser um tipo mutilado mental// que quando ganha esmola toma apenas um copo de/ lêite.
Queixou-se que não/ aprecia a juventude/ atual, que não tem/ consideração com os
velhos/ Que são imorais com ela/ e não deixa dormir/ em paz. Mas ela sabe que/ vai
dormir em paz, é/ na sepultura./ Que os homens ficaram/ impiedosos e egoístas/ e não
existe mais o/ assilo para a velhiçe/ chorou. Dizendo que é a/ única coisa que o pobre do
Brasil sabe fazer./ Murmurou tristonha./ Meu Deus! Meus Deus!/ O mundo virou um/
Chiqueiro! (FBN: MS-565 (4), Caderno 7 “Pensamentos”, FTG. s/n).
127“O bicho” / Vi ontem um bicho/ na imundície do pátio/ catando comida entre os detritos. // Quando achava
alguma coisa,/ não examinava nem cheirava:/ engolia com voracidade. // O bicho não era um cão,/ não era um
gato,/ não era um rato. // O bicho, meu Deus, era um homem. (Manuel Bandeira). Disponível em:
<http://www.jornaldepoesia.jor.br/manuelbandeira03.html>. Acessado em 15/jun/2015.
266
dos rejeitos daqueles que a excluíam, a escritora foi reconstruindo, reciclando, deslocando,
ressignificando, mobilizando e criando outra coisa que transpunha em positividade e
assimetria seu não-lugar, até então enjeitado, órfão.
A multidão anula o sujeito, neste caso o sujeito autobiografado que, além disso, já
rarefeito pela escrita, porque esta desfaz a integridade do relato de vida no processo mesmo de
sua escrita. Nos manuscritos, as contaminações, a impessoalidade, os descentramentos ficam
mais evidentes quando acompanhamos os atravessamentos, uma vez que, em sua escrita, ao se
aproximar de algum gênero literário, Carolina de Jesus se inspirava na forma culta, mas
tropeçava no semianalfabetismo de sua escrita eriçada, desmaculada, mal-ajambrada.
128 Arthur Bispo do Rosário (1909-1989) foi um artista plástico brasileiro, que ficou encerrado num manicômio
do Rio de Janeiro por mais de 50 anos. No final de sua vida, acabou reconhecido como uma das expressões da
arte contemporânea.
267
Seus textos, assim como seu corpo um dia também o foi, são nutridos pela
deambulação de ideias e de recolhimento do lixo, do excesso do outro que virou sobra, do
floreio das frases e o embelezamento de uma história almejada, através de um discurso
rebelde que agita as fímbrias no movimento de aproximação e impossibilidade de completude
da língua almejada, fatalmente despedaçando rituais de linguagem.
(Walter Benjamim)
encontrar uma imagem desse passado mais adequada ao seu presente; a fim de sofrer menos,
escreve para reviver. Seguindo essa pista podemos pensar que as várias versões de um mesmo
texto de Carolina de Jesus e suas variantes acompanham as diferentes fases de sua vida, bem
como as diferentes leituras que ela pôde realizar, adequando-as a seus diferentes estados de
espírito. Os textos “O escravo”129 e “Prólogo” são sintomáticos nesse sentido, pois a
percepção do sujeito sobre a cidade aparece de modo diferente nas três versões deste último
texto; em uma ela exalta, noutra ela critica. E, como nenhuma das versões é datada, podemos
supor que ela tenha escrito a da crítica depois da dura experiência vivida na favela de São
Paulo. É sabido que os recursos literários reutilizados pela escritora nos textos citados
também serviram para embelezar e dramatizar o que ela não pôde esquecer e que ficou
sacralizado em suas “escrevivências”, isto é, as violências sofridas na infância, as descobertas
de um mundo desigual e racista em sua adolescência, a cidade grande e o mundo dos
“letrados” em sua vida adulta.
Em Les brouillons de soi, Lejeune (1998, p.125) diz que não está seguro de que as
memórias de um autor, como, por exemplo, as de Simone de Beauvoir, correspondam a uma
autobiografia enquanto pacto autobiográfico, bastante discutido pelo autor em Le pacte
autobiographique (1996; 1975). Nesse sentido, pode-se pensar que a decisão de Carolina de
Jesus de recontar sua trajetória, até o momento de se tornar escritora, revela um esforço de
demonstrar como as circunstâncias da sua realidade incidiram sobre o desenvolvimento de sua
própria existência. Assim, no empreendimento do processo da escrita de si, as escritoras
expõem uma evidência em comum nos textos autobiográficos, isto é, a de que o ato de
recontar a si mesmas sempre implica julgamento alheio, de tal modo que o olhar do outro
modifica a forma e o tema de suas escritas.
Entretanto, na mesma obra, Lejeune (1996; 1975) diz ainda que a autobiografia é
definida pela existência de um pacto autobiográfico, ou seja, um “pacto de verdade” na
relação do escritor com aquilo que ele escreve. Doubrovsky (1977) concorda com o que
concerne à existência da autobiografia enquanto sendo a mesma impressão do autor, do
narrador e da personagem na obra, mas acentua o caráter fantasmagórico dessa construção,
pois Lejeune lembra que no ato de recordar e reescrever sua memória as coisas se mostram
Em seu livro Fils, Doubrovsky (1977) se propõe a escrever sobre sua vida em
resposta a essa descrição teórica de Lejeune (1996; 1975), levando ao extremo as
considerações de que o próprio Lejeune coloca em questão o pacto de verdade entre autor e
leitor no ato da escrita autobiografada e fantasmagórica, ao contrário dos gêneros ficcionais
que supõem outro tipo de pacto. Daí o surgimento da variante “pós-moderna” da
autobiografia, assim entendida como autoficção, inaugurada nesse romance.
Em seus textos, Carolina de Jesus, a escritora, não chega a realizar uma autoficção
porque não escreve propriamente um romance, como Doubrovsky (1977), em Fils, no qual o
nome da personagem principal, de maneira proposital e provocadora, é igual ao nome do
autor do livro. A escritora não chega a assumir esse risco, porém margeia o conceito no
sentido proposto por Doubrovsky, uma vez que suas narrativas não se atêm à simples
evocação nostálgica do passado, através de uma narrativa das origens, como em “Prólogo”,
“Meu avô”, “Meu tio”, “A panela”, “Minha vida”, entre outros. Ela constrói suas narrativas
contornando o confronto das matrizes culturais, que estão na base de sua parca formação,
versus cultura erudita – à qual nunca teve acesso –, valendo-se do que aprendeu nos primeiros
anos escolares e, por seu autodidatismo, nas muitas e variadas leituras, bem como fazendo
resgate e atualização da cultura popular e de sua história.
130 Le lecteur est ainsi invité à lire les romans non seulement comme des fictions renvoyant à une vérité de la
«nature humaine», mais aussi comme des fantasmes révélateurs d’un individu. J’appellerai cette forme
indirecte du pacte autobiographique le pacte fantasmatique (LEJEUNE, 1996, p.42). ## O leitor é, portanto,
convidado a ler os romances não como ficções referentes somente a uma verdade da «natureza humana», mas
também como reveladoras fantasias de um indivíduo. Chamarei a essa forma indireta do pacto autobiográfico
de pacto fantasmagórico. (Tradução Minha)
270
Nesta canção, assim como nos poemas “Quarto de despejo” (JESUS, 1996, p.151-
153) e “Humanidade” (JESUS, 1996, p.138); no primeiro, considerado “romântico e
autobiográfico” por Souza (2011, p.101), a escritora reavalia seu sucesso, expondo o lado
infame da fama, e autocomiseração como pensamento de seu processo criador, confirmação
de sua condição de “escritora vira-lata” e a condensação da forma autobiográfica narrativa; no
entanto, ela não se coloca como personagens autonomeadas nessas obras. Na maior parte de
suas narrativas, ela não apresenta pensamento intelectual esboçado, reafirmado, revisado ou
modulado como num projeto definido. Carolina de Jesus forma um painel bastante
fragmentado de sua vida, como se quisesse ocultar de si mesmas certas experiências; mas,
muitas vezes, deixa escapar pedaços de si mesma numa fronha de retalhos parecidos. É desse
modo que a escritora vai dando conta da deriva e do nomadismo vivido como escritora
trapeira, recortado e reescrito a partir de uma intensidade narrativa própria dos romances, ao
modo do neologismo autoficção criado pelo autor francês:
131Autobiografia? Não, isto é um privilégio reservado aos importantes deste mundo, no crepúsculo de suas
vidas, e em belo estilo. Ficção. De acontecimentos e fatos estritamente reais: se se quiser, autoficção, por ter
confiado a linguagem de uma aventura à aventura da linguagem, fora da sabedoria e fora da sintaxe do
romance, tradicional ou novo. Encontro, fios de palavras. Aliterações, assonâncias, dissonâncias, escrita de
antes ou depois da literatura, concreta como se diz em música. Ou ainda: autofricção , pacientemente onanista,
que espera agora compartilhar prazer. (Tradução Minha)
271
Sua poética residual sugere uma nova categoria de “autorregistro”, que não está
ocupada com a transmissão ipsis litteris do real, ou o pretensamente “documental”, nem
interessada em criar uma história extraordinária, fundamentalmente “inventada”. Nesse
sentido, a obra caroliniana induz seu leitor a ver outra contribuição. Não foram poucas as
vezes em que a arte se antecipou à ciência. Eric McLuhan, filho do teórico da comunicação, o
professor canadense Marshall McLuhan, escreveu: “para que vocês entendam, finalmente, a
relação que meu pai tinha com James Joyce. Toda vez que ele fazia uma descoberta, corria
para o Finnegans Wake, certo de que tudo aquilo já havia sido previsto pelo autor irlandês”.
Também, Arthur Schopenhauer carregou Goethe para dentro da sua filosofia.
Não por acaso Deleuze (2006) dedica um livro à escrita de Proust, assim como
Foucault cita Borges na introdução do mais famoso de seus livros: As palavras e as coisas.
Então, sendo assim, a arte, não em raras ocasiões, prefigura a ciência. Os escritos de Carolina
de Jesus, esses híbridos entre ficção e realidade, podem oferecer uma contribuição
epistemológica para se compreender novas formas de ficção, mas também de existência
humana através de sua cosmologia. A arte é autorreferencial. Existe de si para si. A ciência,
ao contrário, pretende ser o fiel registro do mundo. Acontece que não há nenhuma lei que
272
(Gilles Deleuze)
Documento 30: FBN: MS565(5): Caderno 11: Documentos esparsos e datilografados – “O canto triste”, FTG,
s/n.
Transcrição:
O canto triste
Enquanto la fora a alvorada se agita existe aqui um coração an-
gustiado, aflito que palpita. Quando voce entender o cantar dos pássa-
ros começará a entender o porque da vida. A ave que deixa seu ninho em
busca de alimentos para seus filhinhos e ao regressar, que desagradável
surpresa, encontrar seu ninho vazio, porque a mão degenerada( mão e )seu ninho violou, le-vando
(embora )( entes tão queridos ) junto seus filhinhos
Desesperada ela apoia-se em um (pousa/ no galho de uma árvore bem alta e põe-se a
cantar.; um canto que só ela sabe, pois não é letra conhecida e a música
é a inspiração do momento. Seu canto é a prece que ela Suprema eleva ao CRIADOR
com todas as forças que em tí cala (nele se cala). Abre Senhor a inteligencia de ss
meus filhos para quando acontecer com eles o que hoje aconteceu comigo,
eles SABERE m levar ao Todo Poderoso esta mesma prece em forma de canto.
_______________________________________________________________
275
Continuação:
Continuação:
$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$
A “linguagem certa cantada pelos pássaros” parece ser aquela que vai na
contramão da literatura como trabalho realizado pelos “poetas de salão”. Se bem que,
paradoxalmente, de certo modo, Carolina de Jesus procurava se aproximar de uma literatura
mais convencional, do escrever “bonito”, inspirada pela linguagem lírica dos românticos, e até
mesmo ressalta sua disciplina de escrita como trabalho e necessidade de escrever como valor
e desejo imaterial. Além disso, ela faz diversas referências a Olavo Bilac – poeta parnasiano
na forma e romântico no conteúdo – e demonstra sua filiação a ele no que concerne à
preocupação com a utilização do vocábulo culto e com a simetria formal, procurando
valorizar a estética de seus poemas. No entanto, ao contrário dos parnasianos, seus versos
terminavam em rimas pobres.
O devir-animal é aquele que para Deleuze e Guattari (1977) coloca lado a lado
homens e animais como Kafka mostra com Gregor de A metamorfose133 ou em seu conto
“Um relatório para academia”134 , personagens que vivenciam zonas de vizinhança com os
seres do mundo animal, inseto e macaco, para reencontrarem-se com sua animalidade
humana, saindo da zona de conforto do mundo da percepção racional até deixarem-se atingir
pelo percepto, sensações que deslocam os sentidos e ampliam a capacidade de viver/sentir
num nível sutil ou radical, desencadeando experiências desruptivas no presente fazendo o
133 KAFKA, F. A Metamorfose. (Tradução de Modesto Carone). 13.ed. São Paulo: Brasiliense, 1993.
134KAFKA, F. “Um relatório para academia”. In: Franz KAFKA. Um médico rural: pequenas narrativas.
(Tradução de Modesto Carone). São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
277
sistema vazar. Os autores franceses contrapõem o devir à história, pois este desafia o tempo
da razão. A história é um marcador temporal de poder ao qual o devir escapa como pontos de
fuga, eclodindo em múltiplas absolvições da realidade que aprisiona, mas somente naquele
átimo de tempo, em que mesmo seus inventores não podem retornar a ele.
Essa narrativa foi eleita dentre outras da escritora por parecer bastante
representativa da reflexão sobre o ato da escrita empreendida por Carolina de Jesus, e por
desvendar o mecanismo do desmascaramento do “autor” como entidade distanciada do
escritor, ao desmembrar as facetas do ato de escrever. Mas também por reforçar sua
preocupação e a valorização pela escrita como meio de alcançar conhecimento e
desenvolvimento, como um contato quase divino: Seu canto e prece que ela (Suprema) eleva
ao CRIADOR com todas as forças que em ti cala (nela se cala). Abre senhor a inteligencia de
(meus) filhos para quando acontecer com ele(s) o que hoje aconteceu comigo, eles (saberem)
levar ao Todo Poderoso esta mesma prece em formato de canto.
135 Até 1940, haviam sido criadas as primeiras universidades brasileiras: Universidade do Rio de Janeiro (1920),
transformada em 1937 em Universidade do Brasil (atual UFRJ), e Universidade de São Paulo (USP) em 1934.
FONTE: CPDOC-FGV. Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil
Disponível: <http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/anos37-
45/EducacaoCulturaPropaganda/Universidade Brasil>
278
cedendo lugar ao percepto como ponto de fuga sintomático desses marginalizados que pedem
passagem, e assim o fazem furando o cânone com sua escrita corrompida. Essas
incompletudes e precariedades marcam as narrativas sem rumo certo e sem precisão dessa
escritora, predisposta a negar, em específico nesse texto “O canto triste”, o gesto e a postura
esperada pelo escritor. Ao contrário, essa narrativa automutiladora critica o próprio ato do
fazer literário como visão autobiografada que não tem “motivos” válidos para relembrar uma
vida mal vivida.
As narrativas de Carolina de Jesus expressam seu lugar no mundo com tal força
que podemos acompanhar seus movimentos migratórios e incertos pelas linhas dos seus
textos, através da expansão de radículas, edificados por reelaboração de capturas, ajustes,
adaptações. O centro fixo é substituído por pontos de vistas em várias direções do observador
ambulante em seu devir-trapeira, formado pela convergência de novos espaços urbanos
palmilhados. Persistindo numa oscilação do foco narrativo, afinal, como representar a
catástrofe, senão de uma maneira caótica, uma vez que o próprio ponto de vista está
totalmente nela inserido?
Talvez seja por isso que suas criações estejam em constante movimento e
adaptação, pois no processo criativo dessa poética de resíduos, no ato mesmo da escrita,
vigora uma reavaliação de sua própria história, e daí as diferentes versões para um mesmo
acontecimento ou a presença de narrativas que emergem como exacerbação de um
individualismo camuflado em personalidade de escritora.
A partir da leitura desses textos foi possível notar algumas aproximações entre
Carolina de Jesus e Manoel de Barros, no que concerne ao modo de realização da metáfora
homem/natureza, como no exemplo do escritor/pássaro. A poética de Manoel de Barros está
tecida por elos constantes entre natureza e homem, mas o autor se vale de uma matriz de
279
significação que revela outra forma de pensar cada palavra e as situações resultantes da união
das palavras. Algo que está além das palavras e só pode ser descoberto pelos sentidos gerados
pela poesia, pois nela a palavra ganha força de sentido que a faz renascer e revivificar.
Praticado em sua plenitude na infância ou expresso por homens-árvores, recriando um tipo de
devir-natureza do homem como nos lembra a personagem-pessoa Bernardo136 , uma figura
recorrente na obra barreana, ou no teorema da valorização, no qual, para o poeta, “a maior
riqueza do homem é sua incompletude”137 .
136Bernardo é quase árvore./ Silêncio dele é tão alto que os passarinhos ouvem de longe./ E vêm pousar em seu
ombro./ Seu olho renova as tardes./ Guarda num velho baú seus instrumentos de trabalho:/ um abridor de
amanhecer/ um prego que farfalha/ um encolhedor de rios – e um esticador de horizontes./ (Bernardo
consegue esticar o horizonte usando três fios de teias de aranha. A coisa fica bem esticada). Bernardo
desregula a natureza: / Seu olho aumenta o poente./ (Pode um homem enriquecer a natureza com a sua
incompletude?) (BARROS, 1994, p.97).
137Retrato de Artista enquanto Coisa/ A maior riqueza do homem é a sua incompletude./ Nesse ponto sou
abastado./ Palavras que me aceitam como sou – eu não aceito./ Não aguento ser apenas um sujeito que abre
portas,/ que puxa válvulas, que olha o relógio, que compra pão às 6 horas da tarde, que vai lá fora, qu e aponta
lápis, que vê a uva, etc. / Perdoai./ Mas eu preciso ser outros./ Eu preciso renovar o homem usando borboletas
(BARROS, 2010, p.374).
280
somente os seres desprovidos de uma ótica filisteia são capazes desse retorno ao devir-homem
natural.
Quando a criança diz que escuta a cor dos passarinhos ela gera um novo percepto
compreensível ao poeta, uma zona de vizinhança com o devir-animal do homem que permite
escutar as cores ativando novas sensações e relações com o mundo, talvez mais animalesca,
instintiva. Aquela que a criança-poeta aprendeu com o devir-criança num átimo de tempo; e
que Carolina de Jesus, propõe como afirmação em forma de canto/poema. O verbo que pega o
delírio e transforma o sentido, função primeira na concepção barreana, funciona para a
281
escritora como a música dos pássaros que precisa, segundo Carolina de Jesus, ser capturada e
sorvida como um conta-gotas divino e imaculado para a cura humana.
O poeta ocidental, o que resta do bardo celta ou do seu mísero canto de cego
e de vagabundo, contém a mentalidade do sonhador, baseada em
experiências humanas incomensuráveis; é um produto intemporal que
subleva a própria força de viver e a vontade de acreditar, de amar e de criar
um mundo (BESSA-LUÍS, 1984, p.7).
138Descontrução é um conceito elaborado por Jacques Derrida. No entanto, a noção de desconstrução surge pela
primeira vez na introdução à tradução de “Origem da Geometria” de Husserl (1962). A desconstrução não
significa destruição, mas sim desmontagem, decomposição dos elementos da escrita. Ela serve nomeadamente
para descobrir partes do texto que estão dissimuladas e que interditam certas condutas. Esta metodologia de
análise centra-se apenas nos textos.
282
da fábula da coruja e do gavião139 . Aqui, ela a recria, dando-lhe exatamente o tom de tristeza
que não se encontra no original.
139 Gavião estava voando baixo e a coruja no toco pergu ntou: — Caçando, compadre Gavião? Sim, estou
faminto, respondeu ele. Ela, então, pediu-lhe: ─ Não coma meus filhos, compadre! Por favor! E ele: ─ Mas,
comadre Coruja, como vou saber quais são seus filhos? E ela: ─ Fácil, compadre! Os meus são os filhotes mais
bonitos! Gavião ouviu e se foi. Mas quando a mãe coruja chega no ninho percebe que o gavião havia devorado
sua ninhada. Toda chorosa, foi tomar satisfação com o predador, e ele prontamente respondeu: ─ Eu só comi
filhote feio! Moral da História: “Para toda mãe, os seus são os filhos mais lindos do mundo”. (Texto reescrito a
partir de Fábulas de Esopo – domínio público)
283
denuncia sua origem do lixo, façam parte dos cadernos escritos pela escritora quando vivia
ainda em seu barraco. Outro rastro dessa hipótese é a linguagem em que ela comete mais
desvios gramaticais do que as outras versões de alguns desses textos passados a limpo em
cadernos comprados após o sucesso editorial de seu best-seller. Essa dificuldade de datação
nos textos mais afins com o caráter literário não ocorre nos cadernos preenchidos por seus
diários, o que nos permite algumas vezes inferir datas e sequências de versões de textos
análogos.
A partir das constatações apostas por nossas análises, as obras do espólio literário
de Carolina de Jesus revelam-se como um tesouro a ser desvendado, podendo vir a nos
oferecer muito de sua invenção ao ser publicada, possibilitando assim uma porta de acesso a
processos criativos do lado menos conhecido da história da nossa literatura, como na criação
desse dialeto inaugural do mundo retornando a uma língua primordial através da linguagem
dos pássaros.
284
À guisa de conclusão
(Carolina de Jesus)
(Milton Santos)
O processo criativo apreendido a partir das análises dos textos do espólio literário
de Carolina de Jesus pôde ser entendido como a materialização em obra literária de uma
crônica da cidade de São Paulo e Minas Gerais, pois suas narrativas permitem ao leitor uma
convivência cuja influência múltipla e diversa enseja uma viagem incomum pelas ruas e
capital da garoa. Sua expressão literária mostra um sujeito que, ao perambular, permanece
sintonizado em tempo e espaço, reais, mas incertos, fugidios. Essa escritora é não somente
uma impossibilidade de escritor tradicional como também é criadora de uma escrita a partir da
impossibilidade e da vulnerabilidade da vida marginal dentro de uma cidade vista por ela
como “uma bolsa elástica” onde tudo cabe e tudo se mescla de maneira arbitrária e
simultânea.
Ricoeur (1983) diz que narramos para dar ordem ao caos, ou melhor, para criar
um simulacro de ordem, para podermos ter a sensação de que há um sentido em nossas vidas,
qualquer que seja ele. É esse “sentido” que, por mais precário que seja, Carolina de Jesus,
consciente das lacunas e atenta aos riscos de uma falsa veracidade, buscou através da escritura
de suas narrativas. Ela trouxe o coletivo através de seu universo particular e agora, nesse
momento, trazemos coletivamente sua particularidade estética.
Carolina de Jesus também faz isto, como, por exemplo, em sua associação ao
Romantismo ou sobre a sua ancestralidade africana, à guisa de, consecutivamente, erudição
ou moralidade, pelo viés de uma frágil, mas existente, intertextualidade, situando-se fora do
seu tempo como atitude atemporal e rebelde.
Como vimos, de alguma maneira Carolina de Jesus também procurava ter essa
postura da escrita romântica, além de uma consciência aguda que promulga ebulições,
arrastando a carga de tantas referencialidades ao revisitar o antigo, o arcaico, reapresentando
múltiplos passados, que foram sendo revisitados por outros tantos presentes, proclamando
velhos procedimentos, revestindo o pensamento e a criação: Qu’on ne dise pas que je n’ai
rien de nouveau, la disposition des matières est nouvelle. Les mêmes mots forment d’autres
pensées par leur diferente disposition141 (PASCAL, 1951, p.431).
140 Para saber mais: VAZ, Sérgio. Cooperifa: antropofagia periférica. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2008.
141 Que não se diga que eu não tenho nada de novo, a disposição das matérias é nova. As mesmas palavr as
formam outros pensamentos para uma disposição diferente. (Tradução Minha)
286
Assim como ocorreu com a obra de Arthur Bispo do Rosário – antes marginalizada –, agora,
foi exposta na Bienal de São Paulo como símbolo da produção artística contemporânea. São
obras que resultam de um movimento de rebeldia contra a apatia, contra o próprio lugar da
marginalidade, mas que só se tornam realidade pela reinvenção de espaços possivelmente
habitáveis no âmbito de sua própria arte.
142“Assim como a música clássica, o jazz sempre foi um interesse de minorias”. (HOBSBAWM, 1998, p.387).
Coincidentemente, o reavivamento do jazz (1960-3) coincide com o auge do sucesso de Quarto de Despejo.
287
Suas narrativas, bem como seus suportes, são uma torrente de textos trincados a
atrair para o detalhe o que olho e captura; por vezes, a sonoridade alcança uma sintonia, mas
logo é tomada por um torvelinho de sensações desalinhadas, como um trem desgovernado que
segue seu trilho aos saltos, em um processo bruto de desvirtuamento-destronamento do
clássico, numa abrupta recalescência de trabalho estético, estrondo criativo ou moléstia
produtora, a empilhar imbricações de sentidos, justamente porque não detém a técnica, mas
expressa o sintoma de um desajuste que vingou a partir da catação de palavras e da
reinvenção de sentidos, resultando, por fim, na criação da sua inconfundível poética de
resíduos.
Suas narrativas são nascidas de cada instante fugaz, cuja intensidade gera capturas
discursivas, temáticas e alusivas que consomem, mas seguem atingindo devires insuspeitos
dessa escritura. A vida escrita se expande para se agarrar àquilo que tem, ao mesmo tempo em
que os fios criativos não se articulam em fluxo constante, de um modo que não dão conta de
organizar os territórios de sua escrita, sendo nesse sentido rizomático seu processo criativo.
Em geral, o potencial atingido numa primeira investida criativa anunciada se desfaz,
desperdiça e retrocede, recomeça num caderno o que fora abandonado em outro, restando
traços de algumas de suas narrativas em contrição, um vir-a-ser do texto, uma obra inacabada,
inconclusa, oclusa na própria abertura que iniciou, mas não finalizou, e que, curiosamente,
não deixa de ser opulenta porque ali, fatalmente, pulsa uma escrita, mesmo na impossibilidade
de ir além, dada sua condição de origem.
288
É nesse deslimite formal gerado pelas próprias limitações que se faz a escrita
caroliniana, numa fúria de tecer tantas narrativas, ao ponto de a escritora ir pouco a pouco
substituindo, aleatoriamente, maneiras de fazer o literário. É como se Carolina de Jesus
estivesse sempre tentando, sempre reorganizando sua escrita para iniciar uma nova incursão
em novos territórios-formas. E as radículas não param de escapar aqui e unir-se ao lá de trás,
no já dito. Em seus palimpsestos, para sua escrita importa mais conquistar e tomar posse de
algum espaço para tecer suas narrativas do que buscar um estilo ou dar forma ao conteúdo.
Deficiência? Espelho de uma condição marginal? Fratura estilística ou estética? Inovação?
Nesse dilema uma possibilidade leva à outra, pois, ao mesmo tempo em que lápis e papel,
sangue e saliva vão perdendo a capacidade, maestria ou destreza de urdir, algo inusitado
edifica-se no conjunto de sua obra.
O processo de criação inventado por Carolina de Jesus nos ensina que o vácuo, o
vazio e, assim, o caos, podem estar repletos de potência de vir a ser. O enfoque na gênese nos
permitiu percorrer os arquivos da escritora definindo o formato dessa tese que teve como
objetivo principal cartografar o percurso criativo de sua obra. Portanto, os pressupostos que
amparam nossa hipótese foram confirmados ao final das análises, pois, como estava
evidenciado, diversos recursos foram reutilizados pela escritora na gestação de suas obras.
Aqui vale enfatizar que, ler Carolina de Jesus levando em conta a especificidade
de seu caráter autobiográfico não anula a qualidade literária da obra, quando se tem em vista
que ela empreende sua escritura e não uma escrita. Por meio da mobilização de biografemas e
não da feitura de uma biografia, ela busca o clamor artístico através de uma linguagem que
não se submete ao rigor linguístico, necessário para o fomento do que se considera um
elemento básico para a gestação da escrita literária; mesmo assim, muitas vezes, tenha a
intenção de se equiparar a ele. Ela cria biografemas, pois sua força está na criação de uma
escrita de vida, que, ao mesmo tempo, não escapa de uma autobiografia enquanto reinvenção
de sua história de vida, e nesse movimento de ambivalência própria de sua língua literária, ela
constrói uma história da escrita bastante particular em nossas letras.
Também, conclui-se que as escolhas feitas por Carolina de Jesus entre os gêneros
literários e não literários tinham a ver com o valor que ela desejava impor para sua
experiência. Tanto romance, diário ou crônica são modelos literários capazes de conter,
plasmado em seus textos, o cotidiano, e inserir a realidade social no processo de comunicação.
No entanto, em suas obras, o gênero não é formado apenas pela composição do estilo, mas
como forma arquitetônica onde o texto é incluído num conjunto de vários gêneros, despojado
de métodos composicionais definidos.
mais preciso. No entanto, esse trabalho de arqueologia com fins de datação mais segura,
apesar dos indícios, não pôde ainda ser feito.
Seu processo de criação é orgânico, restitui o discurso ao corpo, quer dizer, atinge
em primeiro lugar o corpo numa afectibilidade que está aquém da linguagem e até mesmo do
sentido. Tende a tecer suas obras com desinteresse, agindo com um quixotismo “inato” no
lugar do fazer a obra objetivamente, ainda que se vislumbrem recursos autodidáticos que não
dão conta do despejo da escrita que inventariou as pessoas e a cidade.
emaranhando das emoções e razões que impulsionam e criam novas bases para rememoração
e invenção de novos textos. De modo que o espaço intersticial na obra de Carolina de Jesus
está erigido por entre as fraturas de memórias e pela busca dos lugares esquecidos. Estes, são
reconhecidos como necessidade e apego aos suportes escolhidos de maneira deliberada e
arbitrária, passível de imprecisão e, por isso, da incompreensão de sua ilegibilidade. Talvez
esta seja uma das razões que fizeram com que seus manuscritos inéditos tenham se mantido
silenciados por todo esse tempo. Esquecer uma grande obra é tão importante quanto lembrar
de sua forma a criar novas bases para lembrar dela.
Contudo, não nos escapa a evidência de que estamos ainda longe de uma visão
global/ totalizante que possa auxiliar uma interpretação clara do processo de escritura, seja
pela dispersão pertencente ao próprio processo produtivo, visível no espólio literário de
Carolina de Jesus, seja pelo limite imposto pelo espaço/tempo desta pesquisa. Entretanto, a
aproximação com a obra permitiu compreender que os livros publicados como produtos não
podem ser considerados a imagem fiel da criação presente na topografia das páginas originais.
Mesmo os manuscritos não podem ser lidos como texto final, mas como escritura que deixa
entrever uma série de eventos linguísticos cronologicamente sitiados, explicitando variações
entre a linguagem oral e a linguagem escrita, na reinvenção de um código próprio.
Com efeito, o que é notável no espólio literário de Carolina de Jesus é que parece
estar ela em constante busca da palavra para escrever a vida, não sendo a sua linguagem
ordinária e transitiva, mas uma constante captura de interação com o “belo” e o “corriqueiro”
delineando uma visão épica e trágica de um passado mineiro e de seu presente em São Paulo
saltando o muro da voz subalterna, fazendo-se voz ativa, altiva e poética.
293
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