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O presente texto tem o objetivo de explicitar o conceito hegeliano de “negação determinada” e o

modo como Hegel revela esse conceito, projetado no interior do agir do ceticismo, como elemento
fundamental para o devir da consciência, ou para o processo no qual a consciência produz a si mesma em
direção ao saber verdadeiro.

______________________________________________________________

O conceito de "negação determinada" aparece pela primeira vez no sétimo parágrafo da


introdução da Fenomenologia do Espírito. Mas antes de abordar propriamente esse tema, será necessário
fazer uma breve exposição de algumas questões que o precedem, a fim de que nos seja possível uma
melhor visualização do desenvolvimento em que aparece o conceito, de modo que compreendamos que,
seguindo o sentido do hegelianismo, sua significação está intimamente vinculada ao processo pelo qual
ele se forma.

Hegel inicia a introdução da Fenomenologia levantando a questão sobre a possibilidade da


filosofia de conhecer a “Coisa mesma”, o absoluto. Ou seja, o que Hegel quer saber é se ainda é possível
à filosofia atingir o conhecimento verdadeiro. Neste sentido, o filósofo tece algumas considerações sobre
a concepção de filosofia, mais precisamente aquela predominante em seu tempo, a qual entende que
“segundo uma representação natural, a filosofia antes de conhecer a Coisa mesma - ou seja, o
conhecimento efetivo do que é em verdade - deve pôr-se de acordo sobre o conhecer” [73]. Em outras
palavras, há uma concepção de filosofia cristalizada na forma de uma "representação natural", que,
embora tenha a pretensão de conhecer o absoluto, que Hegel considera legítima, reivindica como
condição sine qua non para atingir esse objetivo, a necessidade de análise rigorosa seguida de uma
definição prévia dos modos de conhecer. De fato, essa concepção de que o alcance da verdade demanda
um criterioso exame dos modos de conhecer, que se manifestam, ao mesmo tempo, tanto como um certo
da realidade dada, quanto como um retorno para a fonte de onde procede o conhecimento. O sujeito que
conhece é uma característica do pensamento moderno, mas podemos afirmar que em Kant ela encontra
seu limite:

"Chamo transcendental a todo o conhecimento que em geral se ocupa menos dos objetos, que do nosso
modo de os conhecer, na medida em que este deve ser possível a priori1"

Hegel confere certa legitimidade a essa concepção quando a considera sob a perspectiva de um
cuidado em relação àquilo que se busca, pois, segundo ele, negligenciar alguns riscos dessa tarefa pode
nos conduzir às "nuvens do erro em lugar do céu da verdade2". Em sua Enciclopédia, o autor faz algumas
considerações sobre a filosofia transcendental, e explica que a mesma deu um importante passo ao
submeter à crítica as determinações da "velha metafísica". Contudo, pode-se entender também que a
proposta da filosofia moderna deu certo na medida em que ela proporcionou uma aproximação efetiva e
a possibilidade de uma revisão dos conceitos mais fundamentais da metafísica. De acordo com a análise
de Hegel, o pensar livre "é algo que não tem pressuposição alguma" 3, e o modo de pensar da metafísica

1
CRP B 25.
2
HEGEL, 1999, p.63.
3
HEGEL, 1999, p. 109.
limitava essa pensar livre, pois "admitia determinações [...] como algo preexistente, como um 'a priori'
que a reflexão não tinha ela mesma examinado"4. Apesar disso, o filósofo não encontrou em sua análise
aquele conteúdo positivo esperado pela tão cuidadosa investigação do pensamento moderno.

Hegel considera que o defeito essencial da filosofia transcendental está relacionado ao fato de
que, embora ela seja essencialmente fiel à modernidade em seus objetivos de conhecer o verdadeiro, o seu
modo de conceber a realidade se mostra persistentemente dualista. Sob a ótica transcendental, a estrutura
dualista da subjetividade e objetividade é mantida da seguinte forma. E com nessa parte Hegel está
plenamente de acordo. Kant determina que subjetivo é aquilo que nos atinge pelos sentidos, ou seja, o
subjetivo é o transitório, efêmero, em termos hegelianos, o que "não-subsistente-em-si"5. Objetivo, ao
contrário, é o universal e o necessário, aquelas determinações que estão a priori no pensamento. São elas,
portanto, os conceitos puros do entendimento sob os quais se assentam aquilo que nos é fornecido pelos
sentidos. A crítica de Hegel aponta para o fato de que dessa forma Kant conduz para o interior da
subjetividade o "conjunto" da experiência. Em outras palavras, que Kant de alguma forma fez com que o
objetivo transpassasse, de modo quase imperceptível, à barreira do subjetivo, tornando-se idêntico a ele, e
é aqui o ponto em que Hegel vai divergir. A filosofia kantiana pode ser considerada uma das referências
clássicas daquilo que Hegel quer definir por "representação natural" da filosofia. Mas voltemos a ela.

Conhecer como um meio ou como um instrumento

Na introdução da Fenomenologia, Hegel considera dois modos distintos de conhecer que


compõem o conceito da "representação natural" da filosofia. No primeiro deles, o conhecer é determinado
como um meio, cuja característica principal é a passividade. Segundo Hegel, seria por esse meio passivo
que " a luz da verdade chega até nós"6, deste modo, em posse de um meio, o absoluto é contemplado por
aquele que o conhece. O segundo modo de conhecer é entendido como instrumento, cujo traço definidor
é a atividade daquele que conhece em relação ao objeto conhecido. Para Hegel esse instrumento seria age
sobre o objeto conhecido de tal modo que o torna capaz de "apoderar-se da essência absoluta"7. Portanto,
a aplicação de um meio não é capaz de revelar a verdade como ela é em si, mas somente como esta é
através desse meio, e a utilização de um instrumento, por sua vez, tampouco pode fazê-lo pois ao incidir
sobre o objeto, altera-o segundo a natureza do mesmo. Entretanto, é importante notar que, seja como um
meio, seja como um instrumento, o conhecer será invariavelmente um intermediário, portanto, uma
barreira entre nós e o absoluto. Essa via de acesso apenas garante a separação entre o saber e o absoluto, e
que entre ambos haja uma nítida "linha divisória". Essa é a falha estrutural dos modos de conhecer
segundo a representação natural, os quais não apresentam por si mesmo uma solução possível. Devemos

4
HEGEL, 1995, p. 109.
5
HEGEL, 1995, p. 110.
6
F.E. §73
7
HEGEL, 1995, p. 63. (§73)
concordar então com Jean Hypollite, quando este afirma que "é uma espécie de ilusão natural começar
pela comparação do saber com um instrumento, ou com um meio pelo qual a verdade chegaria até nós"8.

Há outro importante inconveniente para o conhecimento proveniente da noção de representação


natural digno de nota. Hegel compreende que todo o esforço que se dispõe a definir o conhecer antes de
atingir o absoluto como "inútil" [superfluous], o que compromete a relevância de toda a dedicação dos
filósofos em empreender análises cada vez mais pormenorizadas dos modos de conhecer. Hegel considera
desnecessário submeter à crítica todo o engenho dos filósofos, no entanto, prefere por em questão a fonte
de todo rigor disposto em suas análises. Segundo Hegel, todo o cuidado nas análises modernas dos modos
de conhecer deriva de uma desconfiança associada ao temor de errar. Diz ele, "o temor de errar introduz
uma desconfiança na ciência"9. Hegel propõe uma inversão desse panorama, que se introduza uma
desconfiança nessa desconfiança e que se tema que o medo de errar já seja ele mesmo o próprio erro.
Hegel lança nova perspectiva sobre a filosofia moderna, segundo a qual todas as suas precauções
voltadas para o conhecer não passam de desperdício que, na realidade, impedem o conhecimento. pode-se
afirmar que a novidade epistemológica de Hegel está em afirmar que a epistemologia é inútil. Hegel
desvia-se do caminho convencional e considera que será bem mais proveitoso se a análise, antes dos
modos de conhecer, direcionar-se para o temor de errar. Esta virada realmente coloca Hegel além dos seus
antecessores, pois esta medida lança luzes ao fato de que "esse temor de errar pressupõe muitas coisas"10.
Dentre essas muitas pressuposições, Hegel destacou enfatiza aquela de "que o absoluto esteja de um lado
e o conhecer de outro lado - para si e separado do absoluto - e mesmo assim seja algo real".

Aqui encontra-se talvez a principal dívida da representação natural. Como é possível que o
conhecer esteja separado do verdadeiro ainda assim seja considerado verdadeiro? Hegel vê nessa hipótese
um contra-senso pois, ao considerá-la, deve-se admitir dois tipos de verdadeiro, um "verdadeiro
ordinário" e um "verdadeiro absoluto"11, ao qual o primeiro deve estar de alguma forma subordinado.
Nosso autor vê claramente que essa noção não fornece um sentido autêntico para o termo "verdadeiro". A
partir de confusão conceitual deste tipo, o filósofo propõe não só uma revisão da noção de verdadeiro,
mas uma completa revisão terminológica da filosofia. Quanto à estrutura conceitual da filosofia, Hegel
afirma que “seria melhor rejeitar tudo isso como representações contingentes e arbitrárias”, e sugere a
reformulação de conceitos como "absoluto", "conhecer", "objetivo" "subjetivo", que não só não possuem
uma significação clara, que apenas "constituem somente uma aparência oca do saber"12. Nota-se,
portanto, que o cerne do problema está na própria gênese da representação natural da filosofia, que parece
ter se constituído orientada para impossibilidade do seu objetivo último, a saber, conhecer o absoluto.

Hegel discorda, portanto, da noção de absoluto separado, noção esta que é um princípio
orientador e inseparável da representação natural. Porém, como vimos, o fracasso desta em direção à meta

8
Gênese e estrutura da fenomenologia do espírito. p. 22
9
F.E. §74.
10
F.E. §74.
11
F.E. §75.
12
F.E. §76.
do saber exige nova postura diante dos seus conceitos, o que implicará numa reformulação da própria
filosofia. Neste sentido, Hegel segue na direção de uma reconstrução da noções fundamentais e,
principalmente, na busca de isolar a ciência da confusão ontológica produzida pela modernidade, isto é,
Hegel pretende sobretudo devolver o sentido ao ser que se encontra dividido entre um finito e infinito.

Com essa crítica, Hegel vai também mostrar que a representação natural não pode explicar
como é possível considerar um absoluto que é, ao mesmo tempo, inacessível. Considerando esse
equívoco, Vladimir Safatle afirma que "diferenciar é conhecer, e só posso dizer que o finito não tem parte
com o infinito ao assumir uma perspectiva externalista em relação ao que parece aparecer como limites da
minha linguagem13". Ou seja, para que eu possa conceber a divisão entre finito e infinito, eu devo postular
um terceiro ponto, externo, que permita a visualização de ambos, que permanecerá, em consequência,
sem significado. Essa má formação congênita, entre conjunto de termos e representação natural da
filosofia, já pode ser identificada na noção tradicional de sujeito e objeto, a qual exige de fundo a noção
de relação entre igualdade e diferença. Admite-se, tradicionalmente, um sujeito distinto que conhece ou,
mais propriamente, que quer conhecer plenamente o seu objeto e que, nesse sentido, é um sujeito que
ignora, que ignora a verdade. A exigência desse sujeito é adquirir um conhecer pleno, absoluto, do seu
objeto, além disso, esse sujeito pressupõe que a verdade está para além de si, e é neste ponto que se fixa
Hegel. Nesse caso, aponta-se para a contradição que há em assumir que a verdade está para além de si,
mas mesmo assim ser possível postular a verdade. Como é possível que um absoluto do qual se diz
inacessível ao saber, de algum modo, seja identificado por esse saber? E como é possível para esse saber
exilado do absoluto ao menos dizer que há um absoluto? E para desfazer esses mal entendidos de ordem
semântica, Hegel deve, como diz Hyppolite, "colocar-se a partir do ponto de vista da consciência que
supõe a distinção entre sujeito e objeto"14. Colocar-se do ponto de vista da consciência natural é o
primeiro passo do método fenomenológico.

Caminho da dúvida ou do desespero.

Hegel inicia o parágrafo 78 com a seguinte afirmação:

"A consciência natural vai mostrar-se como sendo apenas conceito do saber, ou saber não real (nicht
reales Wissen). Mas à medida que se toma imediatamente por saber real, esse caminho tem para ela antes
significado negativo: o que é a realização do conceito vale para ela antes como perda de si mesma, já que
nesse caminho perde sua verdade"15.

Neste ponto Hegel explica que a consciência natural possui uma contradição interna inerente
que a coloca em perene fracasso, contudo, esta condição é o que constitui o sentido mesmo da
consciência. Hegel está dizendo, aqui, que "apenas conceito do saber" é aquilo que a consciência nesse
momento "é". Esta significação preliminar contrapõe-se diretamente ao sentido de "saber realizado", ou
"saber efetivo", embora o efetivar-se faça parte dessa estrutura. Nesse efetivar-se, a consciência como
conceito do saber vai revelar sua incompatibilidade ao objeto que se dá na experiência, a qual resulta na

13
SAFATLE, aula cinco.
14
Gênese e estrutura da fenomenologia do espírito, p. 23.
15
F.E., §78.
perda consciência de sua verdade, perda esta que vai se mostrar indissociável da própria essência da
consciência.

"Esse caminho pode ser considerado como caminho da dúvida (Zweifeln) ou, com mais propriedade,
caminho do desespero (Verzweflung); pois nele não ocorre o que se costuma entender por dívida: um
vacilar nessa ou naquela pretensa verdade, seguindo de um conveniente desvanecer de novo da dúvida e
um regresso àquela verdade, de forma que, no fim, a Coisa seja tomada como era antes. Ao contrário, essa
dúvida é a penetração da consciência na inverdade do saber fenomenal (erscheinenden Wissen): para esse
saber, o que há de mais real é antes somente o conceito irrealizado" 16.

Há pouco foi visto que a irrealização do conceito de saber ocorre em consonância à perda de si
da consciência e de sua verdade. Aqui, no mesmo sentido, vemos que Hegel afirmar que o fim da
trajetória chamada "caminho do desespero" está associada à um nova etapa da consciência, a qual ele
também, se refere como a sua "penetração na inverdade do saber fenomenal". Nesta etapa, a consciência
vai experimentar o abalo de todo conhecimento que diz respeito ao âmbito fenomênico, ou seja, todo
conhecimento por determinação do entendimento, tal como a fragilização da certeza de si, Que Hegel
chamou de perda de si ou sua da verdade. O momento em que a consciência se encontra com o "ceticismo
que atingiu a perfeição17" coincide com a instauração do método fenomenológico, e, portanto, define o
ponto de partida da investigação. Hegel evoca, preliminarmente, os primórdios da filosofia moderna ao
fazer alusão ao célebre método cartesiano da dúvida hiperbólica. É importante ressaltar que o método
cartesiano tinha como objetivo por em questão todo conteúdo que advém pelos sentidos, isto é, o "saber
fenomenal", e estabelecer um conhecimento seguro que pudesse fundamentar a ciência. Assim Descartes
começa suas meditações metafísicas:

"Há já algum tempo eu me apercebi de que, desde meu primeiros anos, recebera muitas falsas opiniões
como verdadeiras, e de que aquilo que depois eu fundei em meus princípios tão mal assegurados não
podia ser senão mui duvidoso e incerto; de modo que me era necessário tentar seriamente, uma vez em
minha vida, desfazer-me de todas as opiniões a que até então dera crédito, e começar tudo novamente
desde os fundamentos, se quisesse estabelecer algo de firme e constante nas ciências" 18.

O desespero cético representado nas linhas de Hegel significa, como foi apontado nos
parágrafos anteriores, a deslegitimação de todo conhecimento fenomenal, ou via representação, tanto
quanto a sua base, a certeza de si da consciência. No entanto, mesmo com a penetração da consciência "na
inverdade do saber fenomenal", a mesma não abdica de todo e qualquer pressuposto como assim o
pretende, mas este momento representa, de fato, o último passo para a consciência entrar no saber
fenomenológico. O ceticismo ainda se utiliza do arcabouço conceitual que pretende rejeitar. A
consciência, ao encontrar-se no desespero cético possui duas opções: defender-se dele e agarrar-se à
certeza de si e, assim, "recuar e tentar salvar o que estava ameaçada de perder"19; ou então compreender o

16
F.E. §78
17
F.E. §78
18
Descartes, Meditação primeira, Coleção Os Pensadores. p. 93.
19
F.E. §80.
que abalo de todas as certezas se encontram no âmbito do finito e, assim, penetrar no saber especulativo.
No ceticismo, a consciência está em condições de saber que "expor a contradição dentro do finito é um
dos pontos essenciais do método especulativo20".

Dessa forma, o ceticismo que atingiu a perfeição se revela, pois, primeiramente, como uma
aparência de zelo pela verdade, que ao desfazer-se de "todas as opiniões que até então dera crédito", como
propunha Descartes, não faz mais do que renunciar à ciência em favor da convicção própria. Com isso
Hegel quer dizer que o ceticismo não fracassa quando recusa todo o conhecimento que lhe é apresentado,
mas sim ao manter alguma certeza, a certeza de si. A certeza de si é uma falsa garantia do ceticismo, por
ela ele acredita "tudo produzir por si mesmo, e só ter seu ato como [sendo] o verdadeiro21". Assim vemos
que o ceticismo adotará a primeira opção que citamos no parágrafo anterior. Hegel insiste que confiar na
própria opinião em lugar da autoridade, com isso "não fica mudado o conteúdo mesmo; nem a verdade
introduzida no lugar do erro22". Isso significa que o ceticismo, em certo sentido, não consegue produzir
um resultado totalmente diferente do saber fenomenal. No ceticismo, a consciência atinge a cisão entre o
saber fenomenal e o saber fenomenológico, na qual se consolida a "séria completa das formas da
consciência não-real23", e isso configura a razão de Hegel afirmar que por meio do desespero, o ceticismo
"torna o espírito capaz de examinar o que é verdade [...] a respeito das representações, pensamentos e
opiniões pretensamente naturais24".

Porém, tornar o espírito capaz para tanto, não significa necessariamente fazê-lo, ao contrário, a
consciência cética, de acordo com Hegel, permanece no erro que critica e mostrando-se ainda arraigada à
finitude do saber, e isso leva Hegel a dizer que ela "não pode ir além disso, mas tem que esperar que algo
novo se lhe apresente - e que novo seja esse - para jogá-lo no abismo vazio”25. A consciência cética fica
estagnada numa solução invariável, oferecendo a todo conteúdo o mesmo destino, a denúncia de sua
contradição interna. Hegel percebe, com isso, que a negação cética rompe com o devir, e isto significa a
presença de uma contradição ainda remanescente no interior ceticismo. Essa contradição necessita de
uma solução, a qual não tem de onde vir senão o próprio processo em que tudo se dá. O ceticismo não
atenta para a contradição contida na sua própria posição, e a considerando de modo equivocado como
"um puro nada26". O problema apontado por Hegel sobre a solução cética diz respeito ao fato de essa
negação se referir a objetos determinados, e isso a vincula positivamente a esse conteúdo que é negado.
Isso leva Hegel concluir que "a apresentação da consciência verdadeira em sua inverdade não é um
movimento puramente negativo"27. Deste modo, Hegel torna claro que a positividade do ceticismo
consiste em que ele é um "nada daquilo de que resulta", um nada que reflete o conteúdo daquilo que é

20
HEGEL, Lectures on history of philosophy.
21 F.E. §78.
22 F.E. §78.
23 F.E. §79.
24 F.E. §78 .
25 F.E. §79.
26 F.E. §79.
27 F.E. §79.
negado. Neste ponto surge na Fenomenologia o conceito que nos propomos a examinar, o conceito de
negação determinada, que analisaremos a seguir.

Conceito de negação determinada

Eis o ponto em que surge o conceito em questão: "O ceticismo que termina com a abstração do
nada ou do esvaziamento não pode ir além disso, mas tem que esperar que algo de novo se lhe apresente -
e que novo seja esse - para jogá-lo no abismo vazio. Porém, quando o resultado é apreendido como em
verdade é - como negação determinada -, é que então já surgiu uma nova forma imediatamente, e se abriu
na negação a passagem pela qual, através da série completa das figuras, o processo se produz a si
mesmo"28.

Podemos pensar que o conceito de negação determinada é um conceito que o ceticismo atinge,
mas por descuido não percebe, por isso é Hegel quem o funda. Para ter êxito, o método hegeliano deve
levar a cabo o trabalho do negativo iniciado pelo ceticismo. Hegel demonstrou que o conteúdo fixo no
interior da negação cética, antes concebida como "puro nada", revela-se como positividade. O
fundamental para que fosse determinado esse aspecto e fundar o saber fenomenológico foi apreender o
resultado do ceticismo "como em verdade é - como negação determinada". Sem notar que sua negação
está presa ao conteúdo negado, o ceticismo não nota que isso torna a sua negação tão finita quanto
qualquer determinação.

Essa negação determinada representa a abertura da passagem "pela qual o processo se produz
a si mesmo". Em primeiro lugar, como foi dito, pode-se compreender que a negação determinada
possibilita à consciência a passagem do ceticismo para o saber fenomenológico; mas, por outro lado,
também ela representa a "passagem" no todo do processo do saber. Deste modo, a negação determinada
pode ser vista como o motor do processo, o seu movimento mesmo, que o conduz a consciência em
direção à sua meta, e essa meta, afirma Hegel, "está ali onde o saber não necessita ir além de si mesmo,
onde a si mesmo se encontra, onde o conceito corresponde ao objeto e o objeto ao conceito29". Ora, vimos
anteriormente que o fracasso da consciência se dá no momento em que tenta efetivar seu conceito no
objeto da experiência. Mas aqui Hegel nos fala de uma meta onde o saber consiste propriamente na
identidade entre conceito e objeto e vice-versa. Conclui-se disso que aquele objetivo que a consciência
intentava inicialmente não é uma mera ilusão irrealizável da consciência, ao contrário, a direção da
consciência está correta. Porém isso só se sucederá no final do processo, ou mais exatamente, quando a
identidade entre conceito e objeto for atingida, ali estará realizada a meta do saber.

Como foi visto, a possibilidade dessa efetivação foi negada ao saber fenomenal, depois foi
igualmente negada ao desespero cético, e agora resta saber como ela é possível ao saber fenomenológico
e, por fim, compreender como a negação determinada como sendo o que possibilita esse processo.
Voltando a ideia de negação determinada como "passagem", um passo importante para compreender essa
questão é entender o que Hegel quer dizer quando afirma que: "a consciência é para si mesma seu
conceito, por isso é imediatamente o ir-além do limitado e - já que este limite lhe pertence - é o ir além de

28 F.E. §79.
29
F.E §80.
si mesma"30. Nos deparamos com duas importantes definições a respeito da consciência nos parágrafos 78
e 80 da Fenomenologia. No primeiro, Hegel diz que ela é "apenas conceito do saber", e nesse último, que
ela "é para si mesma seu conceito". No primeiro caso, Hegel define a consciência como um conceito que
não consegue se efetivar na realidade, por isso ela é "apenas", e sua carência é justamente a sua
efetivação, a sua identidade com o objeto. No segundo caso, a consciência se mostra como conceito para
si mesma, conceito que é um "trânsito" da consciência para além de si, que se dá no ato em que ela
fracassa ao tentar efetivar-se. No propósito de uma concatenação das definições dadas por Hegel,
poderíamos admitir que a consciência, primeiramente, identifica-se com o finito, torna-se um com o
limitado, e quando isso acontece, ela dele superar-se pois não pode contentar-se com o saber finito. Nesse
ponto ela identifica-se com o "o ir além de si mesma". O que deve estar claro é que tanto o limitar-se no
finito quanto o superar-se em direção ao absoluto são essenciais à consciência. Quanto a isso Hegel é
claro:"essa violência que a consciência sofre - de se lhe estragar toda satisfação limitada - vem dela
mesma"31.

Para Hegel a consciência possui uma diferença peculiar em relação a toda finitude em geral, a
sua superação não significa sua morte. Quando a consciência submete-se, enquanto apenas conceito de
saber, à efetivação, é submetida à violência

O mérito do ceticismo, segundo a análise hegeliana, consiste em incidir sobre o saber fenomenal
e demonstrar a instabilidade das representações finitas do saber, ou seja, ao se mostrar como "penetração
da consciência na inverdade do saber fenomenal" [78] e, consequentemente, da certeza de si. Entretanto, é
nesse movimento de desespero que o ceticismo abre a porta para o saber especulativo, de modo que
"torna o espírito capaz de examinar a verdade [...] a respeito de representações e opiniões pretensamente
naturais" [78]. Se por um lado Hegel reconhece o mérito do ceticismo, por outro, revela que o ceticismo
não foi capaz de identificar que a sua negação não é um "puro nada", mas um nada determinado, cujo
conteúdo é o inversamente o mesmo daquilo que é negado, ou seja, que é um "nada daquilo de que
resulta". Lá no capítulo sobre a consciência-de-si, tem uma passagem longa sobre o ceticismo, vale a
pena a gente ler e ver se encontramos mais dados lá - tem citações hilárias lá, sobre o cético como
um cara que conhece a dialética mais é um bebê chorão! Lê lá do parágrafo 202 ao 206 - tem uma

30
F.E §80.
31
F.E. §80.
descrição muito pormenorizada do que seria a consequência de “negar tudo” - tanto o lado bom e
dialético quando o lado mala e inútil. Nesse sentido, afirma Hegel: "a apresentação da consciência não
verdadeira em sua inverdade não é um movimento puramente negativo". Essa condição identifica o
ceticismo o saber fenomenal em sua unilateralidade das determinações finitas.Tendo isso em vista, Hegel
vai dizer que "não pode ir além disso" e, assim como o saber da representação natural, fica preso à
finitude Na passagem que falei procê ler, ele fala da “ataraxia” do pensamento . A negação do
ceticismo é, portanto, uma negação determinada. Né isso não. O ceticismo tenta negar tudo,
abstratamente - não sabe que preserva as determinações daquilo que nega pois depende dessas
determinações para negá-las: “O cepticismo que termina com a abstração do nada ou do
esvaziamento não pode ir além disso, mas tem de esperar que algo de novo se lhe apresente - e que
novo seja esse - para jogá-lo no abismo vazio.” depois disso o Hegel escreve “POREM” - ou seja, vai
falar de algo que o cético NAO SABE. E aí vem a negação determinada que é o resultado apreendido
como verdade e já estamos numa nova forma que não é o ceticismo. Eu acho que esse parágrafo 79
teria que ser analisado frase por frase. De “a série completa das formas” até “um movimento
puramente negativo” você vai estar reconstruíndo o caminho que fez até aqui (pois foi no ceticismo
que o “movimento puramente negativo”, que nega o objeto e o sujeito como uma coisa estável,
aparece). Isso tem que ficar claro quando você chega no “trata-se precisamente do ceticismo”. A
partir daí, eu gostaria de ver você mostrar o processo lógico e imanente ao conceito de negação
cética que leva essa coisa de “negar a tudo” a uma contradição. Qual é a contradição imanente ao
ceticismo? Responder a essa pergunta é que vai levar esse trabalho direto ao amago da questão!

Sendo a negação cética uma negação determinada, limitada, está fadada a ser superada pela
atividade da consciência, e nesse sentido pode-se afirmar que ceticismo representa a última tentativa de
efetivação das determinações limitadas saber fenomenal. Mas Hegel observa algo a mais no interior da
negação cética, que o levará a dizer que "a consciência é para si mesma seu conceito, e por isso
imediatamente ir-além-do-limitado e - quando ele limite lhe pertence - é ir além de si mesma"[80]. Hegel
nota que a atividade de superar o limitado vem da própria consciência e que, ao superar o limitado, ela
está a superar também a si mesma. Desse modo, ela mesma o seu impulso rumo ao saber absoluto. Hegel
afirma também que [80]. Esse processo é o trajeto no qual a consciência, ao fracassar quando da
efetivação do conceito ao objeto da experiência, "abre passagem rumo ao saber verdadeiro", o qual tem
sua meta fixada tão necessariamente quando a série do processo" [80] É, esse último parágrafo teria
que ser repensado a partir das modificações nos anteriores.
BIBLIOGRAFIA:

HEGEL, G.W.F. Fenomenologia do Espírito. Tradução de Paulo Meneses com a colaboração de Karl-Heins Efken.
Ed. Vozes. Petrópolis, 1999.

HYPPOLITE, Jean. Gênese e estrutura da fenomenologia do espírito de Hegel. Ed. Discurso Editorial. São Paulo,
2003.

INWOOD, Michael. Dicionário Hegel. Tradução de Álvaro Cabral. Ed. Jorge Zahar, 1997.

KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. Edição da Fundação Calouste Gulbenkian Av. de Berna I Lisboa, 2001.

SAFATLE, Wladimir. aula cinco do Curso Hegel. Link: http://projetophronesis.com/2011/06/17/vladimir-safatle-


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