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Análise do poema

O poema ‘’África’’, de José Craveirinha, o eu-lírico tece interpretações sobre o processo


de colonização portuguesa/europeia na África, tendo como objetivo construir uma
narrativa da história africana distinta do discurso colonizador. Estabelecendo um paralelo
entre as justificativas da colonização (no século XV), as políticas imperialistas (séculos
XIX e XX) e a conjuntura contemporânea (1964). O poema apresenta uma descrição das
consequências das práticas discurso colonial (historicamente reiterado pela ideologia
imperialista) para os povos africanos. Por analogia, o título ‘’África’’ antecipa uma ironia
que constitui o fio condutor do poema, a crítica à ideia de ‘’civilização’’, construindo uma
inversão discursiva que coloca o colonizador no lugar de parvo, em contraponto à ‘’Mãe
África’’, representada de forma oposta à imagem eurocêntrica que legitimou
ideologicamente a colonização. Essa dicotomia é marcada veementemente na primeira
estrofe. Vejamos:

Em meus lábios grossos fermenta


a farinha do sarcasmo que coloniza minha Mãe África
e meus ouvidos não levam ao coração seco
misturado com o sal dos pensamentos
a sintaxe anglo-latina de novas palavras.

Nos versos supracitados, o eu-lírico faz referência a uma característica do biótipo africano
(os ‘’lábios grossos), relacionando-o diretamente a ‘’ farinha do sarcasmo’’ da ideologia
colonial que ‘’fermenta’’ em sua boca. Essa referência histórica remete à gênese do
discurso colonial sobre a África, pois na teologia medieval, a cor negra teria
correspondência direta ao diabo e ao pecado1. Com efeito, ao projetar sua cosmogonia ao
continente desconhecido, a mesma conotação foi atribuída a África, pela pele negra dos
autóctones, fazendo da cor da pele o ponto distinção ‘’manifesto’’ entre ‘’nós’’ e ‘’eles’’
(OLIVA, 2007).

1
Conforme explicam Cunha e Silva ‘’ Os textos medievais associavam a cor negra ao Diabo, este era
sempre representado por um negro, um etíope. Orígenes [padre e filósofo medieval] defendeu a idéia de
que a cor da pele refletia o seu índice de pecado, quanto mais escuro fosse o indivíduo, mais pecados ele
teria. E, juntamente com a cor da pele, o clima também foi usado no processo de criação dessas imagens
negativas (...) da África. Nesse contexto, foi elaborada uma imagem que a cor negra do diabo era devido a
sua vivência no inferno, local de temperaturas elevadas. (CUNHA E SILVA, 2010, p.10)
Não obstante, considerando que a fermentação é um processo químico que transforma
uma substância orgânica original em outra dela diversa, a ligação metafórica entre o
biótipo negro e a colonização fica bem marcado como uma imagem eurocêntrica
compreendida como um sarcasmo à ‘’Mãe África’’. Outrossim, a palavra ‘’sarcasmo’’,
vide seu significado como uma atitude que pretende escarnecer e diminuir algo ou
alguém através de palavras e gestos de ri, a

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