Professional Documents
Culture Documents
VONTADE?
COMUNIDADES
2. O PÓS-MODERNISMO DE OPOSIÇÃO
“A segunda ideia é que esta dupla intervenção foi de tal maneira profunda que
descredibilizou e, sempre que necessário, suprimiu todas as práticas sociais de conhecimento
que contrariassem os interesses que ela servia. Nisso consistiu o epistemicídio, ou seja, a
supressão dos conhecimentos locais perpetrada por um conhecimento alienígena [...]”
(SANTOS, 2010b, p. 10).
“A terceira ideia é que a ciência moderna não foi, nos dois últimos séculos, nem um mal
incondicional nem um bem incondicional. Ela própria é diversa internamente, o que lhe
permite intervenções contraditórias na sociedade.” (SANTOS, 2010b, p. 11).
“A quarta ideia é que a crítica deste regime epistemológico é hoje possível devido a um
conjunto de circunstâncias que, paradoxalmente, permitem identificar melhor que nunca a
possibilidade e até a urgência de alternativas epistemológicas ao mesmo tempo que revelam a
gigantesca dimensão dos obstáculos políticos e culturais que impedem a sua concretização.”
(SANTOS, 2010b, p. 11).
“A ideia central é, como já referimos, que o colonialismo, para além de todas as dominações
por que é conhecido, foi também uma dominação epistemológica, uma relação
extremamente desigual de saber-poder que conduziu à supressão de muitas formas de saber
próprias dos povos e/ou nações colonizados. As epistemologias do Sul são o conjunto de
intervenções epistemológicas que denunciam essa supressão, valorizam os saberes que
resistiram com êxito e investigam as condições de um diálogo horizontal entre
conhecimentos. A esse diálogo entre saberes chamamos ecologias de saberes [...]”
(SANTOS, 2010b, p. 13).
“O processo de escavação que proponho dá alguma razão a Walter Mignolo (2003) para
conceber a minha crítica da modernidade como uma crítica interna que por não dar o
passo para o lado exterior da margem, não incorpora adequadamente a perspectiva das
vítimas da modernidade, e, portanto, a perspectiva pós-colonial.” (SANTOS, 2010, p. 33-
4).
“[...] a crítica de Mignolo mostra serem necessárias [...] algumas reformulações na minha
proposta teórica. Tais reformulações, apesar de irem no sentido de aprofundar a dimensão
pós-colonial, obrigam-me a questionar as versões dominantes de pós-colonialismo.”
(SANTOS, 2010, p. 36).
3. O PÓS-COLONIALISMO DE OPOSIÇÃO
“[...] enquanto o Império Britânico assentou num equilíbrio dinâmico entre colonialismo e
capitalismo, o Império Português assentou num equilíbrio dinâmico, igualmente dinâmico,
entre um excesso de colonialismo e um défice de capitalismo.” (SANTOS, 2010, p. 230).
“[...] a diferença do colonialismo português não pode deixar de induzir a diferença do pós-
colonialismo no espaço de língua oficial portuguesa.” (SANTOS, 2010, p. 234). Ao lado
do que seria, assim, um pós-colonialismo anglo-saxônico, justapõe um pós-colonialismo
português.
“Esta dupla ambivalência das representações afecta não apenas a identidade do colonizador,
como também a do colonizado. É possível que o excesso de alteridade que identifiquei no
colonizador português seja igualmente identificável no colonizado pelo colonialismo
português. Sobretudo no Brasil é possível, como hipótese, imaginar que a identidade do
colonizado foi, em alguns períodos, pelo menos, construída a partir de um duplo outro, o
outro do colonizador directo português e o outro do colonizador indirecto britânico. Esta
duplicidade transformou-se mesmo em elemento constitutivo do mito das origens e das
possibilidades de desenvolvimento do Brasil [...].” (SANTOS, 2010, p. 247).
“No caso do Brasil, teve lugar uma das independências mais conservadoras e oligárquicas
do continente Latino-Americano e a única sob a forma de monarquia. Com ela estavam
criadas as condições para ao colonialismo externo suceder o colonialismo interno para o
poder colonial suceder a colonialidade do poder.” (SANTOS, 2010, p. 248). Diferentemente
de Angola e Moçambique que, com sua independência, adotaram regimes revolucionários
que, no contexto da Guerra Fria, os posicionou em sentido oposto ao que Portugal os havia
mantido.
“[...] porque durou tanto, muito para além do colonialismo hegemônico e por que razão, no
caso das colônias mais importantes, o seu fim exigiu uma prolongada guerra de libertação?
A minha hipótese de trabalho é que aqui também operou o outro colonizador, o
colonialismo central que, a partir do século XIX, acompanhou de perto o colonizador
português.” (SANTOS, 2010, p. 248).
Duas notas de sociologia do conhecimento apontam para uma resposta afirmativa, em face
da especificidade do colonialismo português. Primeiro, considerado o fato de o ciclo imperial
ter durado até trinta anos atrás, os intelectuais que lutaram contra o colonialismo, em sua
maioria, estão ainda ativos. Segundo, o fato de o aparelho colonial ter se ancorado num
colonizador decadente.
REFERÊNCIAS
SANTOS, Boaventura de Sousa. Introdução. In: ______. A gramática do tempo: para uma
nova cultura política. São Paulo: Cortez, 2010a, p. 25-47.
SOUSA SANTOS, Boaventura de; MENESES, Maria Paula. Introdução. In: SOUSA
SANTOS, Boaventura de; MENESES, Maria Paula (Org.). Epistemologias do Sul. São
Paulo: Cortez, 2010b.