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BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS: UM COLONIZADOR DE BOA

VONTADE?

“[...] vivemos em sociedades a braços com problemas modernos – precisamente os


decorrentes da não realização prática dos valores da liberdade, da igualdade e da
solidariedade – para os quais não dispomos de soluções modernas.” (SANTOS, 2010, p.
27).

1. PÓS-MODERNISMO: A REELABORAÇÃO DE UMA POSIÇÃO

PÓS-MODERNISMO CELEBRATÓRIO PÓS-MODERNISMO DE OPOSIÇÃO

Crítica do universalismo e das narrativas Universalismo concreto, dialógico,


unilineares da história intercultural e diatópico

Renúncia a projetos coletivos de Pluralidade de projetos coletivos não


transformação social hierarquizados otimizados pela tradução
intercultural

Celebração do fim da utopia Utopias realistas, plurais e críticas, fincadas


num otimismo trágico

Relativismo cultural Pluralismo ético construído a partir de


baixo; mestiçagem ou hibridização
consciente das micropráticas de poder

Ênfase na fragmentação Criação de subjetividades transgressivas de


ação rebelde

Epistemologia construtivista, não- Teoria crítica pós-moderna, auto-reflexiva e


fundacionalista e anti-essencialista afirmadora da resistência

COMUNIDADES

● CRÍTICA DO UNIVERSALISMO E DA UNILINEARIDADE DA HISTÓRIA;


● ÊNFASE NA PLURALIDADE DE MARGENS E PERIFERIAS;
● EPISTEMOLOGIA CONSTRUTIVISTA.

2. O PÓS-MODERNISMO DE OPOSIÇÃO

“[...] apesar de as concepções pós-modernas e pós-estruturalistas terem dado um contributo


importante para a emergência do pós-colonialismo, não dão resposta adequada às
aspirações éticas e políticas que subjazem a esse último. Poderá dizer-se o mesmo do pós-
modernismo de oposição que tenho vindo a defender? Penso que não, o que, no entanto, não
implica a desnecessidade de reformulação.” (SANTOS, 2010, p. 31).
“[...] no pós-modernismo de oposição o colonialismo está ainda presente no modo como
concebo as subjetividades capazes de levar a cabo a transição paradigmática no domínio
social e político. Concebo-as como construídas a partir de três metáforas geradoras: a
fronteira, o barroco e o Sul.” (SANTOS, 2010, p. 32).

2.1. DA EPISTEMOLOGIA DO SUL: CINCO IDEIAS PRINCIPAIS

“Primeiro, a epistemologia dominante é, de facto, uma epistemologia contextual que


assenta numa dupla diferença: a diferença cultural do mundo moderno cristão ocidental e a
diferença política do colonialismo e capitalismo.” (SANTOS, 2010b, p. 10).

“A segunda ideia é que esta dupla intervenção foi de tal maneira profunda que
descredibilizou e, sempre que necessário, suprimiu todas as práticas sociais de conhecimento
que contrariassem os interesses que ela servia. Nisso consistiu o epistemicídio, ou seja, a
supressão dos conhecimentos locais perpetrada por um conhecimento alienígena [...]”
(SANTOS, 2010b, p. 10).

“A terceira ideia é que a ciência moderna não foi, nos dois últimos séculos, nem um mal
incondicional nem um bem incondicional. Ela própria é diversa internamente, o que lhe
permite intervenções contraditórias na sociedade.” (SANTOS, 2010b, p. 11).

“A quarta ideia é que a crítica deste regime epistemológico é hoje possível devido a um
conjunto de circunstâncias que, paradoxalmente, permitem identificar melhor que nunca a
possibilidade e até a urgência de alternativas epistemológicas ao mesmo tempo que revelam a
gigantesca dimensão dos obstáculos políticos e culturais que impedem a sua concretização.”
(SANTOS, 2010b, p. 11).

“A quinta ideia é que as alternativas à epistemologia dominante partem, em geral, do


princípio que o mundo é epistemologicamente diverso e que essa diversidade, longe de ser
algo negativo, representa um enorme enriquecimento das capacidades humanas para conferir
inteligibilidade e intencionalidade às experiências sociais.” (SANTOS, 2010b, p. 12).

“A ideia central é, como já referimos, que o colonialismo, para além de todas as dominações
por que é conhecido, foi também uma dominação epistemológica, uma relação
extremamente desigual de saber-poder que conduziu à supressão de muitas formas de saber
próprias dos povos e/ou nações colonizados. As epistemologias do Sul são o conjunto de
intervenções epistemológicas que denunciam essa supressão, valorizam os saberes que
resistiram com êxito e investigam as condições de um diálogo horizontal entre
conhecimentos. A esse diálogo entre saberes chamamos ecologias de saberes [...]”
(SANTOS, 2010b, p. 13).

2.3. A ESPECIFICIDADE DO PÓS-MODERNISMO DE OPOSIÇÃO


“[...] em contraposição às correntes dominantes do pensamento pós-moderno e pós-
estruturalista, o pós-moderno de oposição concebe a superação da modernidade ocidental a
partir de uma perspectiva pós-colonial e pós-imperial. Podemos dizer que o pós-moderno
de oposição se posiciona nas margens ou periferias mais extremas da modernidade
ocidental para daí lançar um novo olhar crítico sobre esta.” (SANTOS, 2010, p. 33).

“O processo de escavação que proponho dá alguma razão a Walter Mignolo (2003) para
conceber a minha crítica da modernidade como uma crítica interna que por não dar o
passo para o lado exterior da margem, não incorpora adequadamente a perspectiva das
vítimas da modernidade, e, portanto, a perspectiva pós-colonial.” (SANTOS, 2010, p. 33-
4).

“[...] a crítica de Mignolo mostra serem necessárias [...] algumas reformulações na minha
proposta teórica. Tais reformulações, apesar de irem no sentido de aprofundar a dimensão
pós-colonial, obrigam-me a questionar as versões dominantes de pós-colonialismo.”
(SANTOS, 2010, p. 36).

3. O PÓS-COLONIALISMO DE OPOSIÇÃO

PÓS-COLONIALISMO DOMINANTE PÓS-COLONIALISMO DE OPOSIÇÃO

Ênfase no culturalismo; Observar a cultura, mas também a


materialidade das relações sociais e
políticas para a confrontação das estruturas
de poder, sem tecer hierarquias teórico-
analíticas;

Primado do colonialismo para a explicação Nas colônias e ex-colônias, o capitalismo e


das relações sociais, em detrimento do o colonialismo são partes integrantes de
capitalismo; uma mesma constelação de poderes;

Provincialização da Europa desde uma Reprovincialização da Europa (diferentes


lógica essencialista, que universaliza a colonialismos e diferentes colonizadores)
experiência colonial e prejudica as suas
especificidades concretas.

4. DEFESA DA ESPECIFICIDADE DO COLONIALISMO PORTUGUÊS

“A especificidade é a afirmação de um desvio em relação a uma norma geral. Neste caso, a


norma é dada pelo colonialismo britânico e é em relação a ele que se define o perfil do
colonialismo português, enquanto colonialismo periférico, isto é, enquanto colonialismo
subalterno em relação ao colonialismo hegemônico da Inglaterra.” (SANTOS, 2010 p. 230).

“[...] enquanto o Império Britânico assentou num equilíbrio dinâmico entre colonialismo e
capitalismo, o Império Português assentou num equilíbrio dinâmico, igualmente dinâmico,
entre um excesso de colonialismo e um défice de capitalismo.” (SANTOS, 2010, p. 230).

4.1. UM PROBLEMA DE AUTO-REPRESENTAÇÃO

“Será que o colonizado por Portugal tem um duplo problema de auto-representação, em


relação ao colonizador que o colonizou e em relação ao colonizador que, não o tendo
colonizado, escreveu, no entanto, a história de sua sujeição colonial?” (SANTOS, 2010, p.
231).

“[..] a questão é saber se o colonizado por um colonialismo subalterno é subcolonizado ou


sobrecolonizado.” (SANTOS, 2010, p. 231).

“[...] a diferença do colonialismo português não pode deixar de induzir a diferença do pós-
colonialismo no espaço de língua oficial portuguesa.” (SANTOS, 2010, p. 234). Ao lado
do que seria, assim, um pós-colonialismo anglo-saxônico, justapõe um pós-colonialismo
português.

4.2. QUATRO ESPECIFICIDADES PRINCIPAIS

“A primeira diferença é que a experiência da ambivalência e da hibridização entre


colonizador e colonizado, longe de ser uma reivindicação pós-colonial, foi a experiência do
colonialismo português durante longos períodos.” ((SANTOS, 2010, p. 244).

UM RACISMO DE TIPO DIFERENTE: “A segunda diferença do pós-colonialismo de


língua oficial portuguesa reside na questão racial sob a forma da cor da pele. [...] o pós-
colonialismo português exige uma articulação densa com a questão da discriminação sexual
e o feminismo.” ((SANTOS, 2010, p. 244-5).

EXCESSO DE ALTERIDADE: “A terceira diferença do pós-colonialismo português


reside numa dimensão de ambivalência e hibridização insuspeitável no pós-colonialismo
anglo-saxônico. [...] A identidade do colonizador português é [...] duplamente dupla. É
constituída pela conjunção de dois outros: o outro que é o colonizado e o outro que é o
próprio colonizador enquanto colonizado.” (SANTOS, 2010, p. 245).

“Ao contrário do pós-colonialismo anglo-saxônico, não há um outro. Há dois que nem se


juntam nem se separam. Apenas interferem no impacto de cada um deles na identidade do
colonizador e do colonizado.” (SANTOS, 2010, p. 245-6).

4.3. A MENTIRA DO IMPÉRIO PORTUGUÊS


“[...] a de pretender ser império ‘como os outros’ e esconder o medo de ser absorvido ou
incorporado pelas colônias, como sucedeu no período em que a coroa portuguesa fugiu para o
Brasil e estabeleceu a capital do Império no Rio, um acto de ruptura representacional com a
ideia imperial de império sem paralelo na modernidade ocidental.” (SANTOS, 2010, p. 246).

4.4. A ESPECIFICIDADE DO CASO BRASILEIRO

“Esta dupla ambivalência das representações afecta não apenas a identidade do colonizador,
como também a do colonizado. É possível que o excesso de alteridade que identifiquei no
colonizador português seja igualmente identificável no colonizado pelo colonialismo
português. Sobretudo no Brasil é possível, como hipótese, imaginar que a identidade do
colonizado foi, em alguns períodos, pelo menos, construída a partir de um duplo outro, o
outro do colonizador directo português e o outro do colonizador indirecto britânico. Esta
duplicidade transformou-se mesmo em elemento constitutivo do mito das origens e das
possibilidades de desenvolvimento do Brasil [...].” (SANTOS, 2010, p. 247).

“No caso do Brasil, teve lugar uma das independências mais conservadoras e oligárquicas
do continente Latino-Americano e a única sob a forma de monarquia. Com ela estavam
criadas as condições para ao colonialismo externo suceder o colonialismo interno para o
poder colonial suceder a colonialidade do poder.” (SANTOS, 2010, p. 248). Diferentemente
de Angola e Moçambique que, com sua independência, adotaram regimes revolucionários
que, no contexto da Guerra Fria, os posicionou em sentido oposto ao que Portugal os havia
mantido.

4.5. COLONIALISMO PORTUGUÊS: UMA QUESTÃO

“[...] porque durou tanto, muito para além do colonialismo hegemônico e por que razão, no
caso das colônias mais importantes, o seu fim exigiu uma prolongada guerra de libertação?
A minha hipótese de trabalho é que aqui também operou o outro colonizador, o
colonialismo central que, a partir do século XIX, acompanhou de perto o colonizador
português.” (SANTOS, 2010, p. 248).

5. QUATRO DESAFIOS (SOUSA SANTOS, 2010a, p. 41-43)

1. Pensar a emancipação social sem propor uma teoria geral;


2. Determinar em que medida a cultura e a filosofia política ocidentais são hoje
indispensáveis para reinventar a emancipação social;
3. Saber como maximizar a interculturalidade sem subscrever o relativismo cultural e
epistemológico;
4. Responder aos questionamentos: é possível dar sentido às lutas sociais sem dar
sentido à história? É possível pensar a emancipação social fora de conceitos como
progresso, desenvolvimento e modernização?
6. UM COLONIZADOR DE BOA-VONTADE?

“Pode o trabalho de um cientista social, oriundo de um país colonizador, contribuir para o


pós-colonialismo de outro modo que não o de ser objeto de estudos pós-coloniais?”
(SANTOS, 2010, p. 45).

Duas notas de sociologia do conhecimento apontam para uma resposta afirmativa, em face
da especificidade do colonialismo português. Primeiro, considerado o fato de o ciclo imperial
ter durado até trinta anos atrás, os intelectuais que lutaram contra o colonialismo, em sua
maioria, estão ainda ativos. Segundo, o fato de o aparelho colonial ter se ancorado num
colonizador decadente.

REFERÊNCIAS

MEMMI, Albert. Retrato do colonizado precedido pelo retrato do colonizador. Rio de


Janeiro: Paz e Terra, 1977.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Introdução. In: ______. A gramática do tempo: para uma
nova cultura política. São Paulo: Cortez, 2010a, p. 25-47.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Entre Próspero e Caliban: colonialismo, pós-colonialismo e


inter-identidade. In: ______. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. São
Paulo: Cortez, 2010a, p. 227-276.

SOUSA SANTOS, Boaventura de; MENESES, Maria Paula. Introdução. In: SOUSA
SANTOS, Boaventura de; MENESES, Maria Paula (Org.). Epistemologias do Sul. São
Paulo: Cortez, 2010b.

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