You are on page 1of 18

A corrupção e a possibilidade da vida1

dossiê
Corruption and the possibility of life

Veena Das*

Introdução percutia profundamente nas aspirações da


classe média por transparência na vida pú-
O espectro da corrupção como um mal blica. Os antropólogos, principalmente os
específico da democracia na Índia assumiu que trabalharam no sul da Ásia e na África,
um papel central nos empolgantes dramas no entanto, pedem que suspendamos nos-
políticos marcados pelo sucesso do Partido sos juízos morais por um tempo, enquanto
Aam Admi (AAP, na sigla em inglês) nas investigamos uma questão mais profunda:
eleições para a Assembleia Legislativa de como podemos entender a corrupção como
Deli, em 2013, e sua vitória espetacular, algo ancorado em práticas comuns e co-
mais uma vez, em 2015. Embora este ar- tidianas? Segundo De Sardan (1999), an-
tigo não esteja preocupado com o destino tropólogo francês que cunhou a noção de
do AAP, os dramas políticos oferecem uma “complexo da corrupção” na África para
visão fascinante do jogo entre uma política indicar as semelhanças de família entre
inspiradora e o realismo comum que mar- diferentes tipos de práticas, por meio das
ca a vida cotidiana (DAS, 2014). No início, quais as pessoas negociam a lei e a buro-
a retórica política do movimento anticor- cracia na vida cotidiana, o desafio analí-
rupção de Anna Hazare, em 2011, visava tico consiste em evitar a dupla armadilha
fundamentalmente os escalões superiores da condenação e do relativismo. Os limites
de políticos e burocratas, e sua agenda re- entre o que é legítimo e ilegítimo, adverte

* Doutora em antropologia e docente e pesquisadora da Johns Hopkins University (Baltimore/Maryland/


USA). veenadas@jhu.edu.
1. Originalmente publicado na revista Contributions to Indian Sociology (vol. 49, 3, 2015). Agradecemos à au-
tora Veena Das pela autorização para a tradução do artigo para o português e para a publicação na REPOCS.

131
Sardan, não são estáveis, e tampouco pode- Sneath afirma que o colapso do socialismo
mos simplesmente recorrer a alguma noção é que teria transformado a textura de tran-
geral de “cultura” africana para explicar a sações entre pessoas comuns e autoridades,
banalização da corrupção, sua cotidianida- que passou de presentes a subornos.
de e como ela passa a estar embutida nas
noções de parentesco e obrigação. Com toda 1. Corrupção e honestidade: emoções ema-
a sua banalização, a corrupção generaliza- ranhadas
da na política também é um convite à con-
denação dessa própria corrupção por parte Para meu próprio esclarecimento com
das mesmas pessoas que poderão participar relação ao conjunto de questões levantadas
da subversão das regras impessoais, para pelos impulsos contraditórios que mencio-
obter ganho pessoal ou por outras razões nei acima, começo com um texto literá-
socialmente aceitas. No mínimo, portanto, rio – a merecidamente famosa história de
somos obrigados a investigar as condições autoria de Munshi Premchand, Namak ka
de possibilidade para o desenvolvimento Daroga (O superintendente do sal), publica-
desses impulsos contraditórios no mesmo da em 1907, em Hindi/Urdu (Premchand,
mundo social. 2009 [1907]). Segundo a crítica literária e
A vida cotidiana, contudo, é um con- escritora Ruth Vanita, essa história atesta
ceito notoriamente difícil de pesquisar em a sensibilidade gandhiana de Premchand,
nível empírico, pois nos pede que tornemos segundo a qual qualquer um a quem se
visível não o que está oculto, mas o que é confie autoridade estará à altura da tarefa
certo diante de nossos olhos (DAS, 2014). (VANITA, 2008). Na realidade, Premchand
Dessa perspectiva, o aspecto mais interes- (2009) tem outras histórias nas quais a
sante da corrupção é que ela é banalizada moral se introduz quase contra a vontade
e condenada ao mesmo tempo. As mesmas da pessoa, quando ela é elevada, digamos,
pessoas que se manifestam sobre o declí- à posição de um panch – um membro do
nio da força moral do país em um registro tradicional conselho de aldeia formado por
de fala deixam de observar suas próprias cinco pessoas, através das quais a verda-
ações ou encontram sustentação para elas de falaria (por exemplo, na história Panch
em outro conjunto de normas, por exem- Pyare [Os cinco amados]). Contudo, eu diria
plo, o das normas baseadas em parentesco e que Namak ka Daroga é um exemplo da
comunidade. De Sardan (1999) e Alpa Shah bitextualidade típica da figura de lingua-
(2010) usam, ambos, o conceito de eco- gem conhecida como shlesha alamkara, na
nomia moral (interpretado de forma am- estética sânscrita e hindi, onde o sentido
pla) para mostrar como normas e valores explícito cria outro, sugerido, com a repeti-
são expressos de forma a criar essa dupla ção da mesma palavra, assim como um som
valência com a qual a corrupção é vista. produz um eco. No entanto, não é em pala-
David Sneath (2006) sugere que as linhas vras específicas, nem mesmo em momentos
entre um presente (dom) honesto e a extor- distintos do texto, e sim na experiência do
são ilegítima na forma de subornos podem texto como um todo que vemos como cor-
ser situadas em um espectro ético, em vez rupção e honestidade estão emaranhadas
de em categorias distintas. No caso de seus dentro de um redemoinho de emoções, que
locais de pesquisa de campo na Mongólia, não são visíveis à primeira vista.

132 Repocs, v.14, n.27, jan/jun. 2017


A história se passa no início do século A renda extra é como uma fonte de água
XX, e começa com a criação de um novo corrente: sempre sacia a nossa sede’.
departamento para monitorar a movimen-
tação de sal, tornada ilegal pela cobrança A seguir, a voz do narrador nos diz que
de um imposto sobre o produto pela Com- Vanshidhar era um filho obediente. Ele
panhia Britânica das Índias Orientais e, ouviu essas palavras com atenção e, em
apesar dos protestos, mantido pela Coroa seguida, foi embora. Quando chegou a no-
quando ela assumiu a administração dos tícia de que ele fora nomeado superinten-
territórios da Índia Oriental, em 1858. dente do sal, seu pai ficou muito feliz. O
Como nos conta o narrador, o que antes agiota afrouxou a pressão pelo pagamento
fizera parte do comércio normal era ago- das dívidas, enquanto os vizinhos fica-
ra regulamentado, e as pessoas tinham que ram com inveja da sorte que caíra no colo
realizar sua atividade normal no comércio da família. Tudo parecia estar indo bem
de sal manipulando suas conexões ou dis- e, então, na parte intermediária da histó-
tribuindo subornos. Como resultado, os em- ria, surge uma tensão na narrativa. Uma
pregos no novo departamento eram muito noite, Vanshidhar é despertado por um
procurados em função das possibilidades som constante de veículos se movimen-
de lucro que ofereciam. Munshi Vanshi- tando nas proximidades do rio Yamuna,
dhar, o protagonista dessa história, teve a perto da ponte dos barcos. Ao perguntar a
sorte de ser nomeado o novo inspetor do seus subordinados sobre o que está acon-
sal. Inicialmente, a história descreve uma tecendo, ele é informado de que o ruído
cena doméstica – um pai dando conselhos é proveniente dos homens de Pandit Aa-
ao filho que vai procurar um emprego pú- lopadin. Quem é esse Pandit Aalopadin,
blico. Nas palavras de Premchand (2009): ele pergunta. Há um silêncio de espanto,
e alguém lhe informa que Aalopadin é
O pai de Vanshidhar era um homem expe- o mais poderoso zamindar da região, de
riente, e começou a aconselhá-lo: ‘Meu fi- cuja hospitalidade as autoridades britâni-
lho, veja os tempos difíceis em que vive- cas desfrutam rotineiramente. Sem vacilar,
mos. Estamos sendo esmagados pelo peso Vanshidhar veste sua farda e sai para in-
de nossas dívidas. As meninas... elas estão vestigar. Ele descobre que o sal está pronto
crescendo rápido como o capim e o inço na para ser transportado por balsas à vizinha
floresta. Eu sou uma árvore velha que es- cidade de Kanpur, sob o manto da escuri-
tá na margem de um córrego, e quem sabe dão, a fim de evitar os impostos, e fica fu-
quando eu vou ser arrancado? Agora vo- rioso com essa evidência de desonestidade
cê é o dono e o senhor desta casa. Ao pro- e descumprimento da lei. Em voz estron-
curar o serviço público, não pense em um dosa, ele pede que o sal seja confiscado e
cargo alto ou baixo. Esses são os mazars os homens, presos. Mensagens apressadas
(santuários) do pir (santo) – sua visão deve são enviadas ao zamindar Pandit Aalopa-
estar dirigida às ofertas de dinheiro e pre- din, que fica estupefato ao saber que al-
sentes (nazar chadave aur chaddar par cha- guém se atrevera a prender seus homens,
ahiye rakhni). Fique com o tipo de trabalho pois ele havia garantido que todos os fun-
em que haja algum espaço para renda extra cionários do governo recebessem dinheiro
(aay uppari, um eufemismo para subornos). dele; ao perceber que Vanshidhar é novo

A corrupção e a possibilidade da vida 133


no emprego e que provavelmente ainda Agora, vejamos o que acontece quando
não conhece as regras do jogo, oferece um Vanshidhar, em desgraça e sem emprego,
suborno considerável. Vanshidhar rejeita volta para casa:
a oferta de forma arrogante. Como a ofer-
ta continua aumentando cada vez mais e Seu pai lamentava sua própria desgraça: Que
Vanshidhar se recusa a sequer considerar tipo de filho eu criei! Não importa que esteja
o que já é uma quantidade colossal de di- escuro em casa, o honrado Senhor (Sir) tem
nheiro, Pandit Aalopadin muda de estra- que acender uma lâmpada na mesquita! Aqui
tégia e passa a suplicar com humildade, estou eu, velho, perto da morte e apenas com
mas Vanshidhar, inabalável, algema-o e o salário oficial, seco.
pede que seu pessoal de apoio o conduza
à cadeia. Todo mundo está surpreso e es- O final surpreendente da história é que
tupefato por Vanshidhar ter ousado insul- Pandit Aalopadin, libertado da prisão com
tar um homem tão poderoso. Inevitavel- a honra intacta, vem à aldeia de Vanshi-
mente, o episódio avança rumo a seu fim dhar em sua carruagem com todo o esplen-
previsível. Na audiência contra Pandit Aa- dor. O pai de Vanshidhar corre para cum-
lopadin, as testemunhas haviam sido su- primentá-lo e, caindo a seus pés, pede per-
bornadas e se voltam contra Vanshidhar. dão pela audácia e a loucura de seu filho.
O caso é encerrado e Vanshidhar perde o “Não, não”, diz Aalopadin, “seu filho é o
emprego, sendo advertido pelo juiz para farol que ilumina sua linhagem, uma honra
que não incomodasse cidadãos honestos. aos seus antepassados”.
Se a história tivesse terminado aqui, teria Enquanto um envergonhado Vanshidhar
sido uma simples história de moral sobre sai para cumprimentá-lo e cai a seus pés pe-
corrupção no Estado com o preço que os dindo perdão, Aalopadin tira um documen-
funcionários honestos têm que pagar por to oficial e carimbado, no qual está escrita
sua integridade. Porém, como veremos, uma oferta de emprego como administrador
não é o caso. de sua propriedade, e o entrega a Vanshi-
Gostaria de fazer uma pausa e apresentar dhar. Enquanto isso, Aalopadin lhe diz:
o tipo de fala que marca a interação entre
Vanshidhar e Pandit Aalopadin na cena em Eu já vi muitos guerreiros, e não há nenhum
que o segundo é pego contrabandeando sal: que eu não tenha conseguido comprar com o
meu dinheiro. Mas você manteve a sua ho-
Pandit Aalopadin disse com humildade: nestidade; não importando o que eu ofere-
Babu Saheb, por favor, não faça isso [ou se- cesse, você não cedeu à tentação. Como eu
ja, algemá-lo]. Nós seremos destruídos. Nossa vou encontrar uma pessoa melhor do que
honra vai virar pó. O que você vai conseguir você para administrar a minha propriedade?
nos insultando? E nós não somos, de modo
algum, diferentes de você [sugerindo eles fa- Prestemos atenção, mais uma vez, às
zem parte da mesma comunidade moral]. palavras ditas:

Vanshidhar respondeu com arrogância: Vanshidhar: O desrespeito que eu demons-


Nós não estamos entre os que vendem sua trei, por favor, me perdoe por isso. Eu esta-
honestidade por ninharias. va preso às correntes do darma, mas fora is-

134 Repocs, v.14, n.27, jan/jun. 2017


so, eu sou seu escravo/servo. Tudo o que vo- onde os fiéis trazem presentes na forma de
cê mandar fazer, eu vou aceitar como uma oferendas e, em troca, obtêm o que dese-
bênção [literalmente, na minha testa e na jam. Vanshidhar é um filho obediente e en-
minha cabeça – sarmaathe par – uma ex- tende bem o conselho do pai. No entanto,
pressão que indica que a ordem é tomada co- quando veste a farda de policial, o darma
mo se estivesse escrita no corpo, como algo de um mundo burocrático diferente o pos-
que fora predestinado]. sui, quando ele se torna o aplicador correto
da lei. Ele deixa todos espantados com sua
Pandit Aalopadin tira o documento ca- arrogância, e trata o zamindar como um
rimbado e diz: “Por favor, aceite este cargo criminoso comum. Sua retidão é interpre-
(como administrador de sua propriedade) e tada por seu pai como arrogância tola. A
assine aqui. Eu sou um brâmane, e não sai- frase irônica “não há luz na casa, mas o
rei da sua porta enquanto você não preen- honrado Senhor tem que acender a lâmpa-
cher esta coluna [com sua assinatura]”. da na mesquita” expressa a visão comum
de que um ato, que pode ser meritório em
1.1. O enigma si, é inadequado em circunstâncias de vida
comum. Parece dizer que, se você é um cas-
Poderíamos interpretar essa história tor, não finja ser capaz de construir uma
como uma afirmação de que a honestida- barragem nem leve a culpa por não ter sido
de acaba compensando, porque Vanshidhar capaz de fazê-lo.
é premiado com um emprego ainda mais Será que Vanshidhar tem uma voz coe-
lucrativo do que o que ele tinha como ins- rente, portadora da virtude da honestidade
petor do sal. Contudo, pode ser mais inte- de um contexto para outro? A resposta,
ressante analisar as emoções contraditórias mais uma vez, deve ser sim e não. Diante
evocadas pelas palavras realmente ditas. de Pandit Aalopadin, na aldeia, Vanshi-
Devemos nos lembrar de que Premchand é dhar, agora sem sua farda, arrepende-se
um mestre da sugestão, que consegue usar de sua falta de vinay (cortesia, honestida-
as palavras literalmente para criar uma dis- de) quando falou com a voz áspera (kadak
sonância nas ideias que recebemos sobre aawaz) da autoridade, mas alega que es-
quais palavras conseguem evocar quais ti- tava preso às correntes do darma. Liberto
pos de cenas3. Sendo assim, vejamos onde daquela farda, o mesmo Vanshidhar decla-
essa dissonância é criada, pois temos não ra ser um servo e um escravo pronto para
apenas uma, mas várias perspectivas, e mu- realizar qualquer ordem que Pandit Aalo-
danças rápidas entre elas na história. padin lhe desse. Sendo assim, ele não nega
O que é um emprego público? De acordo o seu eu anterior, mas, à medida que o
com o pai de Vanshidhar, é um rio que flui, contexto muda, parece-lhe correto ser uma
do qual se pode beber permanentemente pessoa diferente em uma relação diferente
sem lhe esgotar a água. O emprego públi- com o mesmo homem que ele havia deti-
co também é descrito como um santuário, do por contrabando. Agora, examinemos

3. Por exemplo, em vez de usar urdu, Premchand usa um vocabulário altamente sanscritizado, contrário
às expectativas de uma divisão linguística entre hindus e muçulmanos, para desenhar a cena de uma ce-
lebração do Eid (Festa do Sacrifício) em sua história com o mesmo nome.

A corrupção e a possibilidade da vida 135


o gesto e as palavras de Pandit Aalopa- O que podemos concluir dessa breve
din. Ele se baseia na visão tradicional do discussão sobre os enigmas que encontra-
brâmane cuja hatha (insistência), em um mos na história? Em primeiro lugar, apren-
determinado curso de ação por meio do demos que as recompensas do Estado não
gesto de súplica, pode colocar de joelhos fazem parte de qualquer sistema ordenado
os mais poderosos. Assim, ele diz: “Eu sou e regulado de regras, e sim, são um pouco
um brâmane e não sairei da sua porta até como as recompensas imprevisíveis que se
que você tenha assinado este papel”. Ao podem obter das bênçãos de um pir. É por
mesmo tempo, evoca o documento oficial isso que o salário é sookhi (seco), enquan-
e carimbado, também evocando, nesse ges- to a renda extra que flui é verde e flores-
to, a autorização de contratos (por exem- cente. Em um determinado momento, o pai
plo, como na assinatura de uma carta de de Vanshidhar compara o salário regular
nomeação) por meio das tecnologias de de um funcionário público à lua cheia: ela
escrita do Estado. Aqui está um exemplo acende a noite totalmente, mas apenas por
das múltiplas temporalidades nos atos de uma noite e, em seguida, míngua – uma
condensação do gesto de satyagraha ou referência ao fato de que se é pago no pri-
hatha do brâmane (insistência através do meiro dia do mês, que é como a noite de
gesto de súplica) e a forma estatal de auto- lua cheia e, em seguida, os recursos mín-
rização por meio de assinatura em um pa- guam. O aay upari (renda extra) que vem
pel carimbado. Por fim, o que Vanshidhar continuamente com um emprego público,
está aceitando ao assinar esse contrato? A na forma de subornos, é o que fornece os
partir de episódios anteriores da história recursos para cuidar-se – ela cresce, pode
– quando, por exemplo, Pandit Aalopadin fazer com que irmãs solteiras se casem,
tinha repreendido seu munshi (contador) pode comprar tempo dos credores. Porém,
por dois sacos de sal que faltavam em seu a honestidade oficialmente exigida de um
godaam (armazém) – sabemos que ele va- funcionário público pode vir a possuir uma
loriza a honestidade acima de tudo e está à pessoa. Uso aqui a ideia de posse porque,
procura de um homem honesto para admi- embora você possa falar usando a voz de
nistrar sua propriedade, e não quer ofere- um espírito ou um de deus, essa voz não é
cer emprego com base em relações de casta sua, e pode ser descartada quando a vida
ou de parentesco. No entanto, a virtude da cotidiana for retomada, e se entrar no flu-
honestidade, para Vanshidhar, residirá em xo de um tipo diferente de tempo e um
servir a um mestre que comprovadamen- conjunto diferente de relações. Vanita tem
te contrabandeia sal e compra policiais e razão ao detectar a sensibilidade gandhia-
testemunhas. Porém, Vanshidhar não é o na segundo a qual uma pessoa não é in-
mesmo homem que disse não ser dos que trinsecamente boa ou má – a pessoa cresce
vendem sua iman (reputação de honesto) diante das circunstâncias, independente de
por ninharias? E, sendo assim, essa forma sua vontade. No entanto, ao contrário da
de desonestidade que ele estrondosamente outra história (Panch Pyare) a que me referi
deplorara desapareceu? O sentido geral do anteriormente, na qual uma pessoa nomea-
texto é que Vanshidhar encontrou o lugar da ao Conselho da Aldeia para julgar um
certo para sua honestidade, e não que ele caso descobre que a verdade fala por sua
tenha traído um eu anterior. boca, no caso de Vanshidhar, as correntes

136 Repocs, v.14, n.27, jan/jun. 2017


daquele darma impessoal perdem sua força companheiros de viagem cuja apresentação
quando ele volta à sua aldeia e confronta estética do que está acontecendo nos pro-
Pandit Aalopadin dentro da moralidade do porciona compreensões sobre como des-
sistema local de castas e zamindari4. O que pertar para o mundo que nós, como antro-
esse texto literário pode nos ensinar sobre pólogos, podemos tentar revelar em nossa
os contornos da corrupção da forma como própria escrita.
os encontramos hoje? Uma compreensão impressionante que
a história de Premchand (2009) nos pro-
1.2. O literário e o etnográfico porciona é que há diferentes aspectos do
indivíduo que surgem ou são eclipsados na
Explorando a profunda relação entre li- densidade dos relacionamentos, mas seu
teratura e etnografia, Didier Fassin (2014) entendimento vai em uma direção diferen-
afirma que o que elas têm em comum é a te do cumprimento de papéis. A noção de
base de seus respectivos projetos estéticos Roy Wagner (1991) de uma pessoa como
e intelectuais. Essa base, Fassin sustenta, é sendo “fractal” parece oportuna aqui. Em
a própria vida. Marc Augé (2011) também suas palavras: “Uma pessoa fractal nunca
fala do diálogo silencioso entre antropólo- é uma unidade independente em relação a
gos e obras de ficção. Outros antropólogos, um agregado [leia-se indivíduo em relação
principalmente Michael Jackson (2013) e à sociedade ou a um grupo] ou um agrega-
Vincent Crapanzano (2003), estabeleceram do em relação a uma unidade, mas sempre
a afinidade entre literatura e antropologia uma entidade com uma relação integral-
como parte integrante da forma antropo- mente implícita” (WAGNER, 1991, p. 163).
lógica de saber. No meu trabalho, parece- A noção de pessoa de Premchand (2009)
me que recorremos aos poetas para que nos parece ainda mais complexa, pois, na fi-
deem palavras quando nós mesmos trope- gura do inspetor do sal, vemos não apenas
çamos diante da violência e do sofrimento que partes do outro são partes integran-
(DAS, 2007). Em grande parte deste texto, tes de nós mesmos, mas também que uma
considera-se que a conversa entre literatu- nova norma – relativa à maneira impessoal
ra e antropologia acontece no espaço entre como uma autoridade do governo deveria
o trabalho de campo e a escrita, ajudando aplicar uma lei –, se apossa de Vanshidhar.
nos modos de interpretação, fornecendo A norma assimila, em si, noções do darma
palavras quando nossos próprios vocabu- e imaan sobre ideias de moral adjacentes,
lários falham ou considerando que o lite- mas diferentes, de modo que Vanshidhar
rário fornece um modelo para construir o está mais expressando, simultaneamente,
texto antropológico. Neste artigo, porém, essas ordens normativas diferentes do que
estou interessada em dois níveis diferentes escolhendo entre elas. Lembremo-nos de
nos quais essa conversa se torna possível: sua declaração de que ele não está entre
um, quando encontramos expressões literá- os burocratas que venderiam sua imaan por
rias e filosóficas na fala dos entrevistados, ninharias, bem como sua explicação pos-
e outro, quando vemos os escritores como terior sobre seu comportamento arrogante

4. Sistema indiano de coleta de impostos em que um homem (zamindar) era responsável por um determi-
nado território e pela cobrança de impostos sobre ele - NT.

A corrupção e a possibilidade da vida 137


– “Eu estava preso às correntes do darma”. aapko hamari badnami karake kya milega
Entretanto, uma vez libertado dessas cor- [o que você vai ganhar manchando o meu
rentes ao ser demitido de seu cargo, com a nome], o que está em jogo é a honra e não
advertência de que não deveria perseguir a virtude pessoal. A história é uma lição so-
cidadãos honestos e respeitáveis como o bre o que é ser, simultaneamente, sujeito do
acusado Aalopadin, ele está pronto para direito e objeto de darma e imaan. Há múl-
servir à mesma pessoa, com a mesma ho- tiplas soberanias em jogo aqui, não só em
nestidade, agora voltada às expectativas de nível de estruturas de autoridade do Estado
seu novo empregador. Teria sido fácil in- e do direito, mas também no da pessoa5. Ao
terpretar essa história como um conflito de ler essa história (mais uma vez, como adul-
normas representadas pelas diferentes per- ta), fiquei impressionado com os poderosos
sonagens da história se Vanshidhar tivesse sentimentos que cada palavra porta e sua
permanecido estável em sua visão do que capacidade de nos fazer viajar no tempo,
se entende por darma-imaan. Na verdade, como quando a referência de Pandit Aa-
estudiosos como De Sardan (1999) argu- lopadin ao hatha (insistência) do brâmane
mentam que a corrupção pode florescer em nos levou próximo a um mundo em que
contextos onde existe uma pluralidade de um brâmane pode usar esse gesto profun-
leis e regras contraditórias, de modo que damente enraizado de súplica, arrogante
essa corrupção possa ser sempre justifica- como arma, ao colocar seu corpo contra a
da como uma forma de negociação entre vontade do outro.
esses diferentes tipos de regras. Todavia, o
que está em jogo aqui é que os conceitos de 1.3. A potência de palavras
temporalidades muito diferentes, com suas
próprias histórias – e darma e imaan são Grande parte da discussão sobre cor-
dois exemplos – são amarrados um ao ou- rupção na literatura antropológica tem se
tro, em um contexto totalmente novo das baseado no que Alpa Shah (2010) chama
leis do sal dos britânicos, que é a chance de narrativização da corrupção, ou seja, é a
de explorar novas oportunidades econômi- forma como as pessoas falam sobre a cor-
cas, por meio de contrabando e o retrato rupção dos outros que fornece a base para
dramático do eixo sobre o qual gira a res- a teorização. Assim, Akhil Gupta (1995) ar-
peitabilidade de Pandit Aalopadin. Se fosse gumenta que quando aldeias em Uttar Pra-
condenado, ele se tornaria um criminoso; desh falam de corrupção nas altas esferas
libertado, aumentaria sua reputação de que estão se imaginando em uma relação íntima
nenhuma pessoa, por mais poderosa que com o Estado ao participar dos rumores so-
fosse, poderia tocá-lo. Aqui, o julgamento bre a forma como esse Estado é gerido. Em-
de caráter funde a noção de rosto com a de bora Jonathan Parry (2000) conteste Gupta,
comportamento pessoal na determinação dizendo que os moradores das aldeias de
da virtude (SELBY, 2015). Quando Pandit Chhattisgarh falam de corrupção em tons
Aalopadin implora a Vanshidhar, dizendo visivelmente morais de condenação, ele

5. Ver, também, Betlem (2015), para uma análise penetrante da maneira em que afirmações sobre a lei e
afirmações da vida passam continuamente de uma para a outra

138 Repocs, v.14, n.27, jan/jun. 2017


também está se baseando em “conversa de Dharmesh. Antes que ele pudesse responder,
corrupção” quando é o comportamento dos acrescentei: “Me parece que os seus primos
outros que está sendo examinado. Shah Neel e Anand foram bastante espertos em re-
(2010), por outro lado, descreve a economia lação a esse projeto. Eles sabem que não po-
moral (em um sentido amplo do termo) dos deriam ter sido escolhidos como empreitei-
projetos de desenvolvimento nos quais atos ros desta vez, já que o resto de vocês [os fi-
como o desvio de dinheiro por empreiteiros lhos de Tapu]6 armaria uma grande confusão
locais ocorrem enquanto ela (como a antro- se eles continuassem colhendo os benefícios
póloga que observa) está bem no meio da dos recursos do sarkari (governo). Então, em
situação em que esses projetos estão sendo vez disso, eles propuseram uma condição à
implementados. No entanto, ela também qual nenhum de vocês poderia se opor: os
se baseia em entrevistas nas quais se pede empreiteiros tinham que dar 10.000 rúpias
que os informantes verbalizem sua própria para construir o templo de Hanuman, junta-
visão ou apresentem suas opiniões em res- mente com todos os subornos e as porcen-
posta à formulação dela sobre as questões tagens que você terá que dar aos superviso-
de corrupção. Isso dá uma clareza muito res do distrito. Como vai conseguir guardar a
maior às visões de seus informantes do que sua parte, nessas condições?
a que é encontrada quando se está imerso
no dar e receber da conversa na vida coti- Diante da indagação de Shah, apresen-
diana. As diferenças são tão sutis, que eu só tada dessa maneira, Dharmesh passa a ex-
consigo mostrá-las fazendo uma exposição plicar que vai dar aos adivasis que estão
detalhada de uma cena específica, no livro trabalhando como operários 50 rúpias por
de Shah, comparando-a com a forma como dia em vez do pagamento estipulado, de
a voz pode ser usada quando o equilíbrio se 150 rúpias, e também economizará usando
desloca a um modo no qual estamos pedin- materiais precários e outros truques contá-
do aos nossos informantes para nos ajudar beis com os quais mostrará que o trabalho
a ver o que está acontecendo, em vez de demorou mais do que sua duração real.
pedir opiniões. A questão é que as perguntas de Shah
A cena inicial do capítulo 3 de Shah descrevem a situação como já decifrada, e
(2010) sobre corrupção acontece em sua pedem respostas dentro desse quadro. Eu
casa, quando um empreiteiro da aldeia, parto do princípio de que as pessoas não
chamado Dharmesh, a visita e eles tomam falam realmente dessa maneira na vida
chá sentados no chão de barro da casa. cotidiana, mas costumam usar frases enig-
Dharmesh, somos informados, foi escolhido máticas curtas, nas quais não é preciso ex-
como o empreiteiro local que irá implemen- plicitar um entendimento comum sobre o
tar um projeto de construção de estradas do pano de fundo compartilhado. A continui-
Ministério do Desenvolvimento Rural. dade das relações garante que o contexto
esteja implícito na conversa. No modo de
Mas como você vai economizar 10.000 rú- questionamento de Shah, ou pelo menos
pias construindo essa estrada, perguntei a na forma como ela apresenta sua pergunta,

6. Os sadans são a elite local, descendentes dos colonizadores, e empregam adivasis como trabalhadores.

A corrupção e a possibilidade da vida 139


a fala parece ser também para o forasteiro tendimento, os personagens que aparecem
que tem de ser informado sobre o que está no Mahabharata entretecem momentos que
acontecendo. Não significa que as respos- estão em tempos diferentes para criar múl-
tas estejam incorretas, e sim que a lingua- tiplas vertentes em uma história, de modo
gem em que são dadas se torna muito mais que a ideia de unidade em uma personagem
transparente do que costuma ser. dá lugar a uma multiplicidade que nos im-
Como exemplo do jogo entre opacida- pele de uma interpretação a outra. Shakuni
de e transparência, cito o seguinte caso do Mama era o tio astuto de Duryodhana, o
meu trabalho de campo, em que a referên- principal adversário dos Pandavas. Ele era
cia a um personagem mítico consegue criar o irmão de Gandhari, a rainha do rei cego
um sentido em que a corrupção, em vez de Dhritarashtra e mãe dos Kauravas. Shakuni
ser um atributo de pessoas, torna-se um é retratado no texto como um homem ex-
atributo do emaranhado de relações dentro tremamente inteligente, mas desonesto, que
de um determinado tipo de ambiente. gostava muito de seu sobrinho Duryodha-
Conversando com um líder local mu- na. Ele conquistou o reino dos Pandavas
çulmano em um bairro de baixa renda em para o sobrinho manipulando Yuddhish-
Deli, composto de artesãos, artistas e tite- thira, o mais velho dos irmãos Pandavas,
reiros de rua, bem como de migrantes de para que apostasse seu reino em um jogo
Bihar que faziam trabalhos humildes, não de dados fraudado. Os dados que foram
qualificados e mal pagos, eu lhe pergun- usados haviam sido feitos com os ossos da
tei como ele chegara a ter tanta influência. coxa do pai de Shakuni e sempre faziam o
Hesitando um pouco, indaguei: “Há alguma que ele queria. Como acontece com todos
tensão criada pelo fato de você ser muçul- os personagens do épico, Shakuni também
mano e morar em um bairro onde predo- faz parte de outra história em que o marido
minam hindus?” Dizia-se que a principal cego de Gandhari, Dhritarashtra, descobre
característica desse líder era ser muito hábil que ela havia sido casada anteriormente
para lidar com a polícia local e para dar com um bode, em um casamento simbólico
conselhos às pessoas que tinham se envol- para enganar o seu destino, no qual estava
vido em algum crime menor e precisavam escrito que seu marido morreria logo após
de um mediador para lidar com os policiais. o casamento. Porém, ao ouvir esse episó-
Ele também escrevia poesia e conseguia se dio, Dhritarashtra fica furioso ao saber que
divertir em competições poéticas improvi- não era o primeiro marido dela. Em um ato
sadas, muito apreciadas por multidões que de vingança, ele aprisiona todos os paren-
esperam os grandes homens chegarem du- tes de sangue de Gandhari. Shakuni foi o
rante comícios eleitorais. Ele sorriu e disse: único de seus cem irmãos a sobreviver na
“Eu sou o Shakuni Mama deles (tio mater- prisão, pois todos os outros abriram mão de
no do rei Duryodhana no Mahabharata)”. suas refeições para que ele pudesse vingar
Essa resposta me pareceu condensar o pre- a morte de seus parentes. Sendo assim, o
sente e o passado, a lógica do Estado e a papel de Shakuni no jogo de dados pode
da mitologia. Mas quando eu lhe pedi que ser visto como o trabalho para intensificar
explicasse o que dissera, ele apenas sorriu o conflito entre os Pandavas e os Kauravas,
e disse: “Agora você pode entender o que pois ele sabia que essa guerra levaria à des-
quiser” (ab jo marzi samajh lo). No meu en- truição completa da linhagem de Dhrita-

140 Repocs, v.14, n.27, jan/jun. 2017


rashtra. O texto nos deixa com um enigma: do bairro passe de colônia não autorizada a
a razão pela qual ele instigou Duryodhana colônia autorizada, contou-me suas ideias
para que usurpasse o reino dos Pandavas sobre a corrupção depois da vitória elei-
ilegalmente foi seu amor por Duryodhana toral do AAP, em 2013. Na verdade, eu o
ou seu ódio a Dhritarashtra? Eu invoco a ajudei a traduzir algumas das suas ideias
história simplesmente para mostrar que, na sobre a situação política em um artigo de
personificação do líder muçulmano como opinião que foi publicado em um jornal de
Shakuni Mama, as pessoas do bairro indi- circulação nacional (GUPTA, 2014). Gupta
cam a necessidade de um homem ardiloso, representa um tipo de envolvimento com o
mas brilhante, para lidar com as agências Estado,que é diferente do de Dharmesh, in-
do Estado, além de permitir um comentá- terlocutor de Shah em seu livro, porque ele
rio sobre a complexidade das relações entre (Gupta) tem trabalhado para obter serviços
hindus e muçulmanos. De que forma Ghu- públicos, como eletricidade e água, através
lam Ali, o líder local, é criado pelos tem- das redes de membros dos partidos políti-
pos em que vivemos? Curiosamente, não é cos e representantes eleitos desse distrito.
com longas explicações de suas ações que No processo, ele usou vários mecanismos
as pessoas mostram o quanto são comple- disponíveis que vão desde entrar com ações
xas as suas compreensões da corrupção nos tribunais a abaixo-assinados dirigidos
com relação aos órgãos do Estado, e sim a vários políticos e burocratas pedindo for-
permitindo que as referências mitológicas necimento de serviços públicos na “colônia
proporcionem um comentário social sobre não autorizada” (DAS; WALTON, no prelo).
as condições em que a corrupção está en- Gupta afirma que o problema do ardente
volvida na vida cotidiana. desejo da classe média por uma socieda-
de livre de corrupção é a falta de enten-
1.4. O próximo e o distante dimento sobre o quanto é fácil fazer com
que o próprio processo de subsistência dos
Shah (2010) faz a observação perspicaz pobres pareça corrupção. Na verdade, ele
de que, embora possa ser útil considerar está convencido de que, como agenda po-
a corrupção como participação na econo- lítica, a centralidade dada às investigações
mia informal do Estado, houve diferentes sobre corrupção vai levar a uma erosão das
normas locais dentro das quais essas ações possibilidades de participação política para
poderiam ser justificadas. “Assim, a moral, os pobres. Esta é sua explicação dessa in-
no discurso da corrupção, muitas vezes era terpretação pouco ortodoxa sobre o que os
julgada no contexto de valores como casta, outros veem como um momento de trans-
negociabilidade, dar presentes, hierarquia e formação na política indiana:
ganância” (SHAH, 2010, p. 79). O próximo
exemplo que eu apresento está mais rela- Os líderes do Aam Admi prometem que se
cionado à própria definição da corrupção uma solicitação de cartão de alimentação
em si do que à justificação da corrupção. não for processada em dez dias, o burocra-
Sanjeev Gupta, um dos líderes locais de ta responsável pelo atraso será punido. En-
Punjabi Basti, um bairro de baixa renda, tão quando é que o funcionário encarregado
que tem trabalhado diligentemente ao lon- (adhikari) diz que não vai processar o pedido
go dos últimos dez anos para que o status em dez dias? Mas o que ele pede é um com-

A corrupção e a possibilidade da vida 141


provante de residência. Você lhe diz que é terra), que está implicada na ocupação de
dono da sua casa e ele pede uma prova, mas terras do governo e sua venda a pessoas,
as casas onde nós moramos estão em terras com a conivência da polícia e dos políticos.
ocupadas. Eu diria que 70% de Deli vivem Ele percebe que esses são os mesmos políti-
em terras ocupadas (kabze ki zameen). É ver- cos que ele elogiou por ignorar a lei contra
dade que nós não obtivemos essas terras le- a abertura de poços, mas que estão em sin-
galmente, toda a nossa colônia está em ter- tonia com as necessidades que devem ser
ras ocupadas. Mas nos últimos 30 anos, nós atendidas para que a vida seja sustentada.
derramamos sangue e suor (khun pasina As declarações mais ambíguas de Gupta a
bahaya hai) para tornar esta terra habitável. respeito do perigo do combate à corrupção
Os tribunais já se pronunciaram, dizendo que se referiam ao projeto mais bem sucedido
quem tivesse residência contínua, mesmo na localidade da qual ele era uma liderança
em terras ocupadas, não poderia ser despe- exemplar: o de regularizar o fornecimen-
jado sem uma residência alternativa, mas o to de energia na área. Em outro momento,
burocrata também não está errado, pois nós descrevi os enormes esforços desenvolvi-
realmente vivemos em terra ocupada ilegal- dos por Gupta e outros líderes locais, bem
mente. Então, como é que nossos cartões de como o intrincado domínio das redes que
alimentação foram emitidos ou nós abrimos Gupta exibia, que tornou possível que esse
contas bancárias? É porque um MA (mem- projeto fosse levado a cabo (Das, 2014). A
bro da Assembleia Legislativa) ou MP (Mem- seguir, apresento a essência das atividades,
bro do Parlamento) autorizou as nossas assi- em função do quanto ajudam a entender a
naturas e instruiu os funcionários a nos dar complexa relação com o complexo da cor-
esses documentos. A mesma coisa acontece rupção e a dificuldade de condenar essas
com a água – o Conselho de Água de De- ações a partir de uma posição de inocência
li nos diz que, como colônia não autoriza- para aqueles que estiveram ativamente en-
da, nós não temos direito de receber água e, volvidos na excitante ação política do tipo
portanto, eles não podem nos fornecer água que é necessário para tornar sua área habi-
encanada. Mas então nós devemos morrer de tável. A seguir, a história.
sede? Nós agitamos e escrevemos petições, e O processo de regularização de eletrici-
nossos MAs e MPs, que entendem os nossos dade neste bairro começou com a privatiza-
problemas, autorizaram três poços na área – ção da energia elétrica em Nova Deli, entre
embora seja ilegal, em Nova Deli, cavar po- 2000 e 2002. Quando as reformas de ener-
ços devido ao esgotamento da água subter- gia começaram na cidade, à luz das evi-
rânea – porque o MA quer votos. O MA ou dências de roubo generalizado de energia
o MP que ordenou que esses poços fossem elétrica e as pesadas perdas incorridas pela
escavados com dinheiro público é corrupto? estatal Delhi Vidyut Board, esta foi desa-
Nós não chamamos isso de corrupção. Dize- gregada em três empresas privadas. Sanjeev
mos que essas ações permitem que o pobre Gupta e muitos outros me contaram sobre
ganhe a vida, crie seus filhos para poder vi- as terríveis perseguições que os moradores
ver melhor. Como isso pode ser corrupção? enfrentaram quando funcionários da em-
presa privada apresentaram denúncias à
Contudo, há outras ocasiões nas quais polícia sobre roubo de eletricidade. Como
Gupta falou da máfia bhu local (máfia da na maioria desses bairros, aquelas pessoas,

142 Repocs, v.14, n.27, jan/jun. 2017


anteriormente, obtinham eletricidade ile- o dinheiro arrecadado com isso. Ele disse,
galmente de postes de rua para levar linhas com veemência: “Com base nisso, eu afir-
a suas casas, lojas ou karkhanas (oficinas) mo que eu tenho provas de que as pessoas
para alimentar aparelhos domésticos ou co- estão roubando – elas são ladras”. Gupta
merciais. As redes de empreiteiras privadas respondeu: “Senhor Ji, como o senhor pode
e funcionários de baixo escalão da Empresa nos chamar de ladrões? Se vocês não nos
Municipal, que eram rotineiramente subor- dão energia elétrica por não sermos uma
nados, tinham garantido que os moradores colônia autorizada, as pessoas vão obter
não enfrentassem acusações criminais por eletricidade por qualquer meio. Então por
roubo de energia. Agora, com a privatiza- que chamá-las de ladras?”
ção, eles estavam descobrindo que as regras Os funcionários da empresa demons-
do jogo tinham mudado completamente. traram entender a dificuldade, porém ha-
Sanjeev Gupta usou seu cargo de presiden- via um grande problema: como identificar
te do comitê local do partido do Congresso corretamente as casas para a instalação de
para organizar uma reunião (em algum mo- medidores? Os endereços eram todos alea-
mento de 2005) – entre os representantes tórios, e não havia números nem nomes de
da localidade e o funcionário encarregado ruas. O funcionário aconselhou Gupta e sua
da divisão local da empresa (BSES) –, a fim delegação a obterem um mapa autorizado
de discutir a questão do roubo de eletrici- da área, com nomes de ruas e endereços
dade e assédio. Depois que a eletricidade foi para cada casa; sem esse mapa, ninguém
privatizada, houve um grande movimento conseguiria saber quem é responsável pelo
na cidade para instalar medidores e impedir pagamento das contas de energia elétrica.
o roubo de eletricidade. No entanto, colô- Em seguida, Sanjeev Gupta e alguns ou-
nias como Punjabi Basti, onde Gupta resi- tros líderes organizaram reuniões na área e
de, foram deixadas fora dos planos. Gupta convenceram a maioria das famílias a con-
e alguns outros membros da Associação de tribuir com 200 rúpias por família para enco-
Moradores se reuniram com dois funcioná- mendar um mapa. Depois de muitas dificul-
rios da empresa de eletricidade para defen- dades, devido à topografia da área e porque
der a regularização do serviço. Na reunião, as casas não estavam em um nível único,
Sanjeev Gupta disse ao funcionário: uma empresa privada de arquitetos finalmen-
te fez um mapa. Após uma troca de muitas
Senhor, temos pedido o fornecimento regular cartas, abaixo-assinados e pressão do gabi-
de eletricidade, mas vocês não aprovam me- nete do ministro-chefe, o urbanista da em-
didores para nós. Além disso, vocês apresen- presa municipal finalmente aprovou o mapa.
tam denúncias, e os policiais nos tratam co- Isso permitiu que a BSES elaborasse uma lista
mo criminosos. Eles vêm e agarram a pessoa de consumidores e instalasse medidores nas
pelo pescoço, como se ela tivesse cometido casas, após aumentar o fornecimento de ele-
um crime grave, como se fosse um assassino. tricidade através da instalação de sete trans-
Que tipo de justiça é essa? formadores na área. No processo, cada casa
recebeu um número e um endereço.
O funcionário respondeu que seus re- Eu não quero sugerir que todas essas
gistros mostravam quanta eletricidade ti- ações – a elaboração do mapa, a atribuição
nha sido consumida naquela localidade e de novos números, a instalação dos trans-

A corrupção e a possibilidade da vida 143


formadores –, tenham sido alcançadas por Era característico do modo de Sanjeev
meio de acordos aos quais se chegou atra- Gupta contar uma história que ele se recu-
vés do discurso deliberativo racional. Fo- sasse a dar nomes dos que o haviam inti-
ram feitas acusações na localidade, de que midado ou ameaçado. Claramente, ele vivia
nem todo o dinheiro coletado fora devida- e trabalhava em um contexto em que as
mente contabilizado. Houve brigas sobre a pessoas levavam uma vida cheia do que ele
localização exata dos transformadores – e considerava corrupção, roubo e extorsão.
um menino foi eletrocutado em um aciden- Por exemplo, ao descrever um processo de
te trágico. Todavia, a ameaça mais grave demolição de barracos que acontecia em
a Sanjeev Gupta não veio publicamente, um bairro adjacente, no qual muitas pes-
mas de muitas formas ocultas, da rede de soas pobres perderam suas moradias, ele
“empresários” que anteriormente forne- previu que elas voltariam e reocupariam a
ciam eletricidade ilegalmente e cujo negó- terra, mas que teriam que pagar novamente
cio foi prejudicado7. Um dia, quando estava aos mesmos que as haviam encorajado a
descrevendo os esforços que eles tiveram ocupar a terra desocupada na primeira vez.
que fazer para completar o projeto, San- “São as mesmas pessoas que haviam per-
jeev Gupta se engasgou subitamente e seus mitido que elas ocupassem essa terra pela
olhos se encheram de lágrimas. Ele disse: primeira vez, pagando-lhes uma taxa de
“Eu até fui atacado uma noite, quando vol- extorsão e, em seguida, colocaram na rua
tava para casa. Um homem me abordou os esquadrões de demolição, e agora vão
com um revólver e me disse para parar es- tirar dinheiro delas novamente”, disse ele.
sas atividades”. Quando questionado sobre Ele acrescentou: “Você acha que todas as
quem eram seus agressores, ele não revelou bhu mafia (as máfias de terras) vêm de fora,
os nomes, mas respondeu que eram as mes- com os grandes lobbies da construção, mas
mas pessoas que estavam se beneficiando também há uma máfia bhu local, que opera
das ligações ilegais e cujo dhandha (traba- desde dentro”. Certa vez, durante uma dis-
lho ilegal) teria sido interrompido. Eu per- cussão sobre uma casa próxima que estava
guntei se ele havia relatado esse incidente sendo reformada com materiais caros, eu
à polícia e ele respondeu: “Não, a polícia tentei sugerir o nome de um destacado líder
local está sempre do lado deles”. Preocu- local que provavelmente estaria se benefi-
pados com sua segurança, perguntei como ciando com as atividades de construção ao
ele cuidaria dessa ameaça, e ele respondeu: extorquir algum tipo de “taxa de proteção”.
“Foi você que disse o nome dele, não eu”,
Eu disse que não sou um homem fecha- disse Sanjeev, e depois acrescentou: “Tal-
do com o [Partido do] Congresso. Eu estou vez eu tenha dito que ele é 60% bom e 40%
no Partido porque não posso passar sem ele. mau”. O sentimento geral era de que as re-
Portanto, quem está em cima foi informado e lações de proximidade exigiam que se en-
deve ter falado com eles, afinal, os que esta- xergassem algo bom e algo ruim em todos.
vam me intimidando também fazem parte do
mesmo esquema.

7. Por razões óbvias, não foi possível localizar as pessoas que constituíam essa rede, mas alguns funcio-
nários da antiga Delhi Vidyut Board estavam envolvidos.

144 Repocs, v.14, n.27, jan/jun. 2017


Um salto final o Estado, as pessoas que eu conheço das
favelas em Deli têm uma compreensão
Histórias como as que eu enumerei nos mais matizada, que reconhece abertamen-
dizem como a corrupção se torna parte da te as contradições em que estão enredados
possibilidade da própria vida nesses bair- os seus próprios discursos sobre corrupção,
ros, mas nunca está completamente norma- honestidade e transparência. É assim que
lizada ou naturalizada. Como a história de eu entendo como o viver em terras que elas
Premchand sobre o inspetor do sal, que nos reconhecem como ilegalmente “ocupadas”
deixa com uma inquietação profunda pela implica tirar eletricidade dos cabos de alta
maneira em que honestidade e corrupção tensão, pressionar MPs e MAs para poder
não são opostos tão claros, mas estão em escavar poços e obter água, mesmo reco-
um emaranhado de relações, eu também nhecendo que isso viola a lei, e tudo isso
descobri que, enquanto era fácil falar da as faz sentir que são acusadas a​ os olhos de
corrupção que envolvia grandes somas em alguns legisladores supostamente honestos.
dinheiro e grandes figuras do mundo políti- No entanto, elas têm uma resposta total-
co e empresarial, era muito mais difícil falar mente lúcida às acusações de corrupção
para os meus interlocutores, exceto em sus- feitas contra elas por burocratas: o que o
surros, da corrupção que fazia parte de seu pobre vai fazer? Ele só está tentando ga-
próprio ambiente9. Não era simplesmente nhar rozi-roti (renda para se alimentar). Ele
uma questão de contradições entre a ética está, de alguma forma, alimentando sua
impessoal da ação governamental e a ética esposa e seus filhos – isso certamente não
pessoal das obrigações de parentesco, mas pode ser ilegítimo.
sim uma questão de reconhecer que o que Assim, há otimismo com relação à pos-
sustentava a vida nesses bairros de baixa sibilidade de contornar os burocratas e a
renda, onde a água não flui simplesmente lei, ao mesmo tempo em que há melancolia
abrindo-se a torneira, nem a eletricidade li- diante do fato de que a própria vida cor-
gando um interruptor, faz com que se assu- rompe. Como o inspetor de Premchand,
ma uma posição diferente daquela gerada que, ao vestir a farda fica possuído pela
através de sensibilidades da classe média voz da honestidade, eles também podem,
diante de perguntas sobre o que é legítimo por vezes, sentir-se entusiasmados com a
e o que é ilegítimo. aspiração de viver uma vida completamen-
Permitam-me dar um salto final e ar- te honesta. Isso ficou claro para mim no
gumentar que, enquanto os atores que se entusiasmo sobre os slogans do AAP. Como
manifestam nos dramas políticos sobre comentou Ghulam Ali, o líder muçulmano
corrupção no cenário nacional têm uma que se descreveu como Shakuni Mama, so-
ideia um tanto simplista do que constitui bre a vitória do AAP, quando lhe fiz uma

8. Anjaria (2011) faz uma observação semelhante em relação à corrupção cotidiana como algo que pro-
porciona um espaço de negociação para vendedores ambulantes que reivindicam direitos a espaços na ci-
dade, mas o trabalho do autor, embora sutil, não capta a ambiguidade com relação às ações dos próprios
pobres. Não tenho espaço para me aprofundar na questão aqui, mas uma comparação com membros de
classe média alta ou pessoas relativamente ricas mostraria que as violações de, digamos, regras de cons-
trução em Deli, evocam os direitos de indivíduos abastados sem reconhecer a corrupção envolvida.

A corrupção e a possibilidade da vida 145


breve visita no inverno de 2014: “do din ki errado coexistem. O fato de eu ter encon-
chandani, phir andheri raat” (luar por dois trado a minha âncora teórica no roman-
dias e, depois, noite escura). As pessoas nas ce de Premchand também é evidência de
áreas da cidade que eu conheço consideram que o nosso trabalho com conceitos como
suas próprias aspirações para a vida e por corrupção, seja em nível de indivíduo ou
um futuro melhor para seus filhos como como um aspecto de um determinado meio
inevitavelmente emaranhadas no complexo social, não precisa exigir que saltemos a
da corrupção. Enquanto isso, como eles di- um reino rarefeito do pensamento. Como
zem, podemos ficar felizes porque, mesmo observou Wittgenstein:
que o próprio tempo venha a corromper os
movimentos que parecem tão imaculados Estamos sob a ilusão de que o que é pecu-
hoje em dia, pelo menos podemos apreciá liar, profundo, essencial em nossa investiga-
-los enquanto durarem. ção reside em sua tentativa de captar a es-
Em seu perspicaz comentário sobre os sência incomparável da linguagem. Ou seja,
artigos reunidos em Contributions to In- a ordem existente entre os conceitos de pro-
dian Sociology (2015), onde este artigo foi posição, palavra, prova, verdade, experiência
publicado originalmente, Charles Hallisey- e assim por diante. Essa ordem é uma supe-
nos pede que consideremos a possibilidade rordem entre, por assim dizer – superconcei-
de as noções de venalidade e venialidade tos. Considerando que, obviamente, se as pa-
estarem unidas de alguma forma, não só lavras ‘linguagem’, ‘experiência’ e ‘mundo’
em termos de semelhança fonética, mas têm utilidade, ela deve ser tão humilde quan-
também de uma relação de “proximidade” to a das palavras ‘mesa’, ‘lâmpada’ e ‘porta’
entre si no contexto da vida quotidiana. (1973 [1958], p. 97).
O que Hallisey está propondo é que, as-
sim como Sanjeev Gupta, nós também nos Usando palavras humildes que descre-
afastemos do desejo de “julgar” para de- vem a vida em circunstâncias humildes,
senhar fronteiras claras entre as pequenas espero ter mostrado que podemos chegar a
tentações, que nos desviam do caminho, e uma compreensão ao perder nosso apego
os grandes pecados venais que convidam à profundidade moral e intelectual, como
à contemplação de algum inferno que nos Premchand também estava inclinado a
espera. Na bela história budista que ele mostrar em seus contos e novelas.
conta sobre o açougueiro e o touro, o Buda
não questiona a correção do que o açou- Referências
gueiro disse sobre a necessidade de cuidar
de sua família, nem se afasta simplesmente ANJARIA, J. Ordinary States: everyday corruption
do sofrimento do touro. Em vez disso, ao and the politics of space in Mumbai. American
procurar uma maneira em que o touro pu- Ethnologist, v. 38, n. 1, p. 58-72, 2011.
desse ser poupado e o açougueiro pudesse AUGE, M. La vie en double: Ethnologies, voyages,
cuidar de sua família, o Buda evoca uma ecriture. Paris: Payotet Rivages, 2011.
sensibilidade moral que não se baseia em BETLEM, H. Negotiating ritual duty in degenerate
julgamentos estrondosos do bem e do mal, times: the goddess matthama and the legal Secular
mas em superar uma dificuldade da reali- in rural south India. American Ethnologist, v.42,
dade em que as possibilidades de certo e n.1, p. 131-143, 2015.

146 Repocs, v.14, n.27, jan/jun. 2017


CRAPANZANO, V. Imaginative Horizons: an es- and scenes of inheritance, New York: Fordham
say in literary-philosophical anthropology. Chi- University Press, 2015, p. 128-153.
cago: The University of Chicago Press, 2003.
SHAH, A. In the Shadows of the State: indigenous
DAS, V. Life and Words: Violence and the Descent politics, environmentalism, and the Iinsurgency in
into the Ordinary. Berkeley: California University Jharkhand, India. Durham: Duke University Press,
Press, 2007. 2010.

_______. Action and Expression: recounting SNEATH, D. Transacting and Enacting Corruption,
household events. In: DAS, V.; JACKSON M.; obligation and the use of monies in Mongolia.
KLEINMAN; SINGH B. (Orgs.) The Ground Be- Ethnos-Journal of Anthropology, v.71, n. 1, p.
tween: anthropologists engage philosophy. Dur- 89-112, 2006.
ham: Duke University Press, 2014, p. 279-305.
VANITA, R. (Org). The Co-wife and Other Stories.
DAS, V.; WALTON, M. Forthcoming: political lead- Delhi: Penguin Books, 2008.
ership and the urban poor. Current Anthropology,
WAGNER, R. The Fractal Person. In: GODELIER,
Chicago, v. 56, n. S11, out. 2015 Disponível em:
M.; STRATHERN, M. (Orgs.) Big Men and Great
<https://assets.publishing.service.gov.uk/media/
Men: personifications of power in Melanesian.
57a08a1ee5274a27b200042b/60724_DAS_WAL-
Cambridge: Cambridge University Press, 1991, p.
TON_PAPER.pdf>.
159-73.
DESARDAN, J.P.O. A moral economy of corrup-
WITTGENSTEIN, L. Philosophical Investigations.
tion in Africa? The Journal of Modern African
Tradução de G. E. M. Anscombe, 2. ed., Oxford:
Studies, v. 37, p. 25-52, 1999.
Blackwell, 1973.
FASIN, D. True Life, Real Lives: Revisiting the
Boundaries between Ethnography and Fiction.
American Ethnologist, v. 44, n. 1, p. 40-55, 2014.

GUPTA, A. Blurred Boundaries: the discourse of cor-


ruption, the culture of politics, and the imagined state.
American Ethnologist, v. 22, n. 2, p. 375-402, 1995.
GUPTA, S. How politics works for the poor: a gras-
sroots politician and congress party worker contests
two of AAP’s big assertions. Indian Express, 27 jan.
2014.

JACKSON, M. The Other Shore: essays on writers


and writing. Berkeley: California University Press,
2013.

PARRY, J. The crisis of corruption and the idea


of India: a worm’s eye view. In: PARDO, I. (Org.).
Morals of Legitimacy: Between Agency and Sys-
tem. New York: Berghann, 2000, p. 27-56.

PREMCHAND, M. Namak ka Daroga. Delhi: Rajpal


and Sons, 2009.

SELBY, D. Experiments with Fate: buddhist mo-


rality and human rights in Thailand. In: CHAT-
TERJI, R. (Org.). Wording the World: Veena Das

A corrupção e a possibilidade da vida 147


RESUMO ABSTRACT
Este artigo analisa como podemos enten- This article analyses how we might under-
der a corrupção como algo ancorado em stand corruption as anchored in ordinary,
práticas comuns e cotidianas. Evitando a everyday practices. Avoiding the double
dupla armadilha da condenação e do rela- trap of condemnation and relativism, it
tivismo, ele mostra como os pobres urba- shows how the urban poor see the aspira-
nos consideram que a aspiração a uma co- tion for a purified polity as creating the
munidade política purificada cria as con- conditions of possibility in which the po-
dições de possibilidade nas quais o espaço litical space of action closes down for those
político de ação se fecha para aqueles que within what one might call a corruption
estão dentro do que se poderia chamar de complex. Moving between ethnography
complexo da corrupção. Movendo-se entre and literature, the article pays close atten-
a etnografia e a literatura, o texto pres- tion to forms of talk as well as forms of ac-
ta muita atenção a formas de fala, bem tion and demonstrates that the poor display
como a formas de ação, e demonstra que much more nuanced understanding of the
os pobres têm uma compreensão muito state as compared to the way it is repre-
mais matizada do Estado do que a manei- sented in the work of public intellectuals
ra como ele é representado no trabalho de and activists.
intelectuais e ativistas públicos.

PALAVRAS-CHAVE KEYWORDS
Corrupção. Pobres. Estado. Literário. Etno- Corruption. Poor. State. Literary. Ethnography.
grafia.

Recebido em: 18/03/16


Aprovado em: 15/05/16

148 Repocs, v.14, n.27, jan/jun. 2017

You might also like