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França 1980
Eliete Martins
Disciplina: Teoria do jornalismo
A Câmara Clara.
Foi o último livro publicado por Barthes no ano em que viria falecer. Não é um
tratado de fotografia mas é muito sobre o que Barthes tinha de impressão sobre o signo,
sobre a produção de sentido da fotografia. Barthes logo no início explica que tinha
curiosidade em saber como a fotografia se distinguia da comunidade das imagens. Para
isso tentou constituir um corpus através da classificação das tais fotografias mas segundo
ele a fotografia se esquiva. Concluiu que o que a Fotografia reproduz ao infinito só ocorre
uma vez. Sendo o particular absoluto. O Tal,(tal foto e não a foto) em suma, a Tique ou a
ocasião. (pag. 12-13.)
Numa relação deste tipo, a foto não chega a ser portadora de uma mensagem,
apenas apresenta algo, confronta. E aquele que olha não interpreta, é confrontado. A
fotografia tem algo de Tautológico, ou seja, ela é o que é. (p. 15)
Ele conclui que a desordem e o dilema pela vontade de escrever sobre Fotografia,
refletiam uma espécie de desconforto: o de ser um sujeito jogado entre duas linguagens:
uma expressiva e outra crítica. (p. 18). Depois ele observa que uma foto pode ser objeto
de três práticas (ou de três emoções, ou de três intenções: Fazer, suportar, olhar. Nesse
processo o Operador é o Fotográfo, o Spectator são as pessoas que olham essas
fotografias e o alvo, aquele que é fotografado é chamado de Spectrum. Tal nome deve se
a uma relação com o espetáculo. (p. 20)
Tecnicamente a fotografia está no entrecruzamento de dois processos distintos:
Um de ordem química que trata da ação da luz sobre certas substâncias. Outro de ordem
física: Trata-se da formação da imagem através de um dispositivo óptico (a câmera no
caso).
As experiências que tinha Barthes era do Spectator e do Spectrum, visto que
nunca se colocou no lugar do fotografo, ou o operador. (p. 21-22)
Ele revela que vê fotos por toda a parte como todo mundo. As mesmas não passam de
imagens seu modo de aparição é o tudo-o-que-vier (ou o tudo-o-que-for) mas das que
foram avaliadas, reunidas em álbuns ou revistas e que passaram pelo filtro da cultura, em
algumas ele constatava que nele provocavam pequenos júbilos como se estas remetessem
a um centro silenciado, um bem erótico ou dilacerante, enterrado nele mesmo e que
outras eram indiferentes.(p. 31)
Constatava que no fundo não gostava de todas as fotos de um fotografo e dá o
exemplo da foto de Stieglitz mais conhecida – o terminal dos bondes a cavalo, New York,
1893- que o encantava. “tal foto de Mapplethorpe (fotografo americano reconhecido por
seu trabalho em preto e branco) me induzia a pensar que eu tinha encontrado o meu
fotografo, mas não, não gosto de todo Mapplethorpe. (p.32)
Eu via muito bem que estavam em questão movimentos de uma subjetividade fácil, que
acaba logo, assim que a exprimimos. (p. 35)
Barthes decide tomar como guia da sua análise a atração que sentia sobre certas
fotos. Só precisava decidir como a chamaria (34-35). Decide então que chamaria a
atração de aventura. “O principio da aventura permite-me fazer a Fotografia Existir”. (p.
36). Essa atração que faz com que a foto exista é nomeada como “uma animação”. A
própria foto não é em nada animada, mas ela me anima: é o que toda aventura produz.
(p.37)
Ao analisar fotos do mesmo repórter, o holandês Koen Wessing Sarthes descobre
uma certa dualidade, sendo este o motivo pelo qual as fotos prendiam a sua atenção.
(p.40). O que experimentei em relação a essas fotos tem a ver com um afeto médio. Eu
não via em francês palavra que exprimisse essa espécie de interesse humano; mas em
latim acho que essa palavra existe: é o studium que quer dizer a aplicação a uma coisa, o
gosto por alguém [...] é pelo studium que me interesso por muitas fotografias, quer as
receba como testemunho políticos, quer as aprecie como bons quadros históricos: pois é
culturalmente que participo das figuras, das caras, dos gestos, dos cenários, das ações.
O segundo elemento vem quebrar o studium. Dessa vez não sou eu que vai buscá-
lo, é ele que parte da cena como uma flecha e vem me transpassar. Em latim existe uma
palavra para designar essa ferida, essa picada, essa marca feita por um instrumento
pontudo; essa palvra remete a idéia de pontuação e em que as fotos de que falo são de
fato como que pontuadas [...] . Esse segundo elemento chamarei então de punctum, que
também significa picada, pequeno buraco, pequena mancha, pequeno corte e também
lance de dados. O punctum é esse acaso que, nela me punge (mas também me mortifica,
me fere). (45-46)
Studium é o campo vasto do desejo indolente, do interesse diversificado, do
gosto inconseqüente: gostou, não gosto, I like, I don’t like. O studium é da ordem do to
like e não do to Love. (p. 47). A fotografia pode ser unária quando transforma a realidade
sem duplicá-la, sem fazê-la vacilar. Ela tem tudo para ser banal na medida em que a
unidade da composição é a primeira regra é a primeira regra da retórica vulgar: “o tema,
diz um conselho aos fotógrafos amadores, deve ser simples, livre de acessórios amadores,
deve ser simples, livre de acessórios inúteis: isso tem um nome, a busca da unidade”(p.
66)
Para Sartre o Punctum é algo que parece decorrer da própria imagem, algo que
lhe toca independentemente daquilo que seu olhar busca. “Com muita freqüência o
punctum é um detalhe ou seja um objeto parcial. Assim dar exemplo de punctum é de
certo modo entregar-me. (p. 69). Todavia o punctum não leva em consideração a moral
ou o bom gosto; o punctum pode ser mal educado. Willian Klein fotografou os garotos de
um bairro italiano de New York (1954).; é comovente, engraçado mas o que vejo com
obstinação são os maus dentes do garoto.
Duane Michaels fotografou Andy Warhol: retrato provocante, já que Andy Warhol
esconde o rosto com as mãos. Não tenho vontade alguma de comentar esse jogo de
esconde ( isso faz parte do studium) pois para mi Andy Warhol não esconde mais nada;
ele me dá a ler abertamente suas mãos: e o punctum não é o gesto, é a matéria um pouco
repelente dessas unhas, espatuladas, ao mesmo tempo mole e sem cutícula. (p. 75)
O Studium está sempre codificado, o punctum não. Nadar, em sua época (1882)
fotografou Savorgnan de Brazza cercado por dois jovens negros vestidos de marinheiros;
um doso dois grumetes, curiosamente colocou a mão da coxa de Brazza; esse gesto
incôngruo tem tudo para fixar meu olhar, constituir um punctum. E no entanto não é um
punctum pois imediatamente, quer queira ou não, eu codifico a postura como bizarra (o
punctum para mim, são os braços cruzados do segundo grumete). (p. 82)
Vejamos a fotografia de Queen Victoria feita por George W. Wilson em 1863. Ela
está sob um cavalo, cuja garupa sua saia cobre dignamente. Esse é o interesse histórico, o
studium. Ao lado dela está um auxiliar de kilt (saia) que segura a rédea a da montaria: é o
punctum pois mesmo que eu não conheça bem a posição social desse escocês (criado,
estribeiro), vejo bem sua função: velar pelo bom comportamento do animal. O punctum
faz o personagem vitoriano sair da fotografia, ele provê essa foto de um campo cego.
(p.89).
Em resumo Studium se refere a uma leitura com critérios e objetivos definidos,
algo que tem mais a ver com uma metodologia para a abordagem da imagem, seja ela
qual for.O punctum seria, então, um detalhe na imagem que, por uma força que concentra
em si, atinge o leitor e lhe mobiliza involuntariamente o afeto.