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Dezembro 2009 nº 10

Mídia e
Participação
Social
A comunicação
está no centro
do debate público

Entrevista exclusiva com


o ministro Hélio Costa
D

Há vida inteligente no
outro lado da mídia

Ajude a fazer a revista do FNDC.


Escreva para imprensa@fndc.org.br
Editorial

Comunicação, 4
entrevista
Ministro das Comunicações
ano um O ministro Hélio Costa conta, em entrevista exclusiva à
revista MídiaComDemocracia, quais são suas expectati-

M
vas sobre a Confecom e o que pensa das políticas do País
ilhares de pessoas, por todo o país, para o setor. O mineiro de Barbacena que fez carreira na
debateram durante este ano temas radiodifusão se considera um político “antenado” com os
da comunicação social, construindo, anseios sociais.
de forma inédita, a primeira
conferência nacional do setor.
Ao final da Iª Confecom (Brasília, de 14 a 17 de -
dezembro de 2009), um conjunto de propostas 8 profissao
deverá ter sido organizado para Radialistas
subsidiar as decisões nesta área e formular
A digitalização do rádio e da TV apresenta um novo ce-
políticas públicas para as comunicações no Brasil. nário para radialistas e radiodifusores. Adequar formas de
sustentabilidade e de trabalho, nesse contexto, é o desa-
O Fórum Nacional pela Democratização fio do setor. Profissionais precisam se apropriar das novas
da Comunicação (FNDC) participa efetivamente técnicas e imprimir nelas o seu conhecimento.
da Conferência, defendendo, como base de suas
propostas, o controle público sobre o setor.
O tema é controverso. Por isso, a revista
MídiaComDemocracia o aborda nesta edição.
O Fórum busca desmitificar a ideia de censura conceito
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relacionada ao termo, o qual, sustenta, está Participação social
relacionado de fato à participação social.
O setor das comunicações no País é controlado pelo po-
der econômico e está sujeito a interesses particulares.
Radialistas falam para este número sobre o Para democratizar as comunicações, o FNDC defende
futuro da profissão. A transferência de tecnologias a articulação de três esferas: participação social, marco
no rádio e na TV para o meio digital diversifica seus regulatório e agentes reguladores.
potenciais – nas ondas sonoras, conteúdos
múltiplos encontram uma diversidade de vias
para serem distribuídos.

Também os jornalistas se deparam com internet


questões que envolvem o futuro da atividade. Além 27
disso, o jornalismo sofreu em 2009 um revés – por Inclusão digital
decisão do Supremo Tribunal Federal, a atividade A transmissão de dados via rede de energia elétrica é uma
foi desregulamentada. Um novo marco legal deverá alternativa que concorre e complementa os sistemas de
ser delineado para a profissão. E muito mais. comunicação sem fio, satélites e cabos. A tecnologia pode
contribuir para a inclusão digital. É preciso, entretanto,
ajustar a regulamentação para disseminá-la.
Brasília, 2009, é só um começo.

Apoio

Expediente
Comitês Regionais do FNDC: Comitê pela Democratização da Comunica-
ção da Bahia; Comitê pela Democratização da Comunicação de Bauru; Comitê
pela Democratização da Comunicação da Região Sisaleira da Bahia; Comitê pela
Coordenação Executiva FNDC 2009-2011: Celso Augusto Schröder Democratização da Comunicação do Ceará; Comitê pela Democratização da Co-
– Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj); Roseli Goffman – Conselho municação do Distrito Federal; Comitê pela Democratização da Comunicação do
Federal de Psicologia (CFP); José Luiz do Nascimento Sóter – Associação Mato Grosso; Comitê pela Democratização da Comunicação do Mato Grosso do
Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço); Berenice Mendes Bezerra Sul; Comitê pela Democratização da Comunicação de Minas Gerais; Comitê pela
– Associação Nacional das Entidades de Artistas e Técnicos em Espetáculos e Democratização da Comunicação do Vale do Sinos e do Paranhana; Comitê pela
Diversões (Aneate); Nascimento Silva – Federação Interestadual dos Traba- Democratização da Comunicação do Rio Grande do Sul; Comitê pela Democratiza-
lhadores em Empresas de Radiodifusão e Televisão (Fitert); Rosane Bertotti ção da Comunicação da Paraíba; Comitê pela Democratização da Comunicação de
- Central Única dos Trabalhadores (CUT). Santa Catarina; Comitê pela Democratização da Comunicação do Piauí.

MídiaComDemocracia é uma publicação do Fórum Nacional pela Colaboradores: Candice Cresqui (Reg.prof. nº 12.933), Edgar Vasques,
Democratização da Comunicação. Guilherme Karam, Orlando Guilhon e Nascimento Silva.
Editor Executivo: Pedro Luiz da Silveira Osório (Reg. prof. nº 4.579) Impressão: Gráfica Centhury
Editora: Ana Rita Marini (Reg. prof. nº 10.909) Tiragem: 4.500 exemplares
Reportagens: Diego Vacchi (Reg.prof. nº 13.032), Valéria Marcondes (Reg. As opiniões aqui expressas não representam necessariamente a posição das
prof. nº 12.881). Revisão: Rosane Vargas. Estagiária: Fabiana Reinholz entidades sócias do FNDC. É livre a reprodução dos conteúdos, desde que
Editoração e ilustrações: Squadra Comunicação citada a fonte.

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Entrevista HÉLIO COSTA

Político
“antenado” com a
comunicação
Por Ana Rita Marini
Fotografia de Fabrício F. Jesus

O mineiro de Barbacena Hélio Costa, 70 tativas sobre a Confecom e o que pensa das
anos, cumpria mandato de senador pelo PMDB políticas do País para o setor.
de Minas Gerais quando o interrompeu para Hélio Costa fez carreira na radiodifusão, pri-
assumir o Ministério das Comunicações (Mini- meiro como locutor e depois como repórter.
com), em 2005, durante o primeiro governo do Nesta profissão, viajou por 73 países, em co-
presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Sua pasta, berturas internacionais, e foi correspondente de
órgão do Executivo Federal, tem a missão de guerra em três oportunidades, nos conflitos de
proporcionar à sociedade brasileira o acesso El Salvador, Nicarágua e no Oriente Médio. Sua
democrático e universal aos serviços de comu- trajetória política teve início em 1986, quando
nicação. se elegeu, pelo seu Estado, deputado federal
O Minicom deve elaborar e fazer cumprir as Constituinte. Em 2003, foi eleito senador.
políticas públicas do setor no Brasil – prática Em sua atuação política no Congresso, o
que o ministro tem a oportunidade de vivenciar ex-repórter foi sempre visto pelos movimentos
de forma especial este ano, quando ocorre, sociais e que lutam pela democratização dos
pela primeira vez, uma Conferência Nacional de meios de comunicação como um parceiro dos
Comunicação. Nesta entrevista exclusiva para empresários da mídia, mas isso ele nega. Hélio
a revista MídiaComDemocracia, concedida por Costa se considera um político “antenado” com
e-mail, Hélio Costa conta quais são suas expec- os anseios sociais.

4 MÍDIAComDEMOCRACIA
O setor de comunicações no convivendo com marcos legais e regu- em todo o País, as novas licitações de
Brasil está assentado em regula- latórios desatualizados, que não dão radiodifusão comercial, os novos avisos
mentações dispersas, muitas des- conta da realidade da convergência de habilitação de rádios comunitárias e
conexas e desatualizadas. Tradicio- tecnológica. E essa é uma das razões agora o Plano Nacional de Banda Lar-
nalmente, o País não produz ações da realização da Confecom [Conferên- ga, que será anunciado, são exemplos
em comunicação. Como é o desafio cia Nacional de Comunicação]. Mas o concretos. Os desafios que nos têm
de ser titular de uma pasta sem po- país produz políticas. A implantação da sido apresentados são imensos, mas o
líticas próprias? TV Digital, o Programa Banda Larga nas Ministério das Comunicações voltou a
HC - É verdade que o setor está Escolas, a implantação de telecentros ocupar um espaço importante que ha-

MÍDIAComDEMOCRACIA 5
via sido ameaçado, sobretudo no final reivindicação dos movimentos sociais. A multiprogramação, a intera-
do governo passado. Fizemos este ano uma consulta pública tividade, além do desenvolvimento
Sua carreira profissional foi para política de telecomunicações que de tecnologia brasileira para os se-
construída na radiodifusão, como recebeu mais de 2.600 contribuições. micondutores (que constam do de-
repórter, e o senhor é considerado Estamos antenados com os anseios sociais. creto do presidente Lula para a TV
um político parceiro dos radiodifu- O FNDC participou efetiva- Digital) não aconteceram. Isso não
sores. Nesses quatro anos à frente mente do debate da TV digital e foi compromete o processo?
do Ministério das Comunicações, crítico do modelo adotado no Bra- HC - A multiprogramação está sen-
foi possível incorporar a agenda do sil. O senhor está satisfeito com o do testada e prevista para ser utilizada
presidente Lula – que inclui ouvir desenvolvimento e a implantação pelos canais públicos. Mas, tenho que
os movimentos sociais para o setor? da TV Digital no País? reconhecer, esperava mais atuação dos
HC - Minha carreira foi construí- HC - A participação do FNDC radiodifusores na divulgação do siste-
da na comunicação. Trabalhei no jornal nesse e em outros debates de comuni- ma para os usuários brasileiros. Apesar
antes da televisão. Estou há pouco mais cação tem sido muito importante, pois de a tecnologia de semicondutores não
de quatro anos no Minicom e a nossa se trata de uma entidade com legitimi- estar prevista no decreto de transição
gestão foi a que mais outorgou rádios dade histórica. Temos menos de dois do sistema, estamos em tratativas com
comunitárias. Só em 2009, foram mais anos da implantação do modelo e já os japoneses. Nesse caso, temos que
de 600, o que representa mais de duas estamos em pelo menos 20 capitais e superar algumas dificuldades que le-
por dia! Hoje, as rádios comunitárias nove cidades-polo. Nosso cronograma vam tempo, como a qualificação pro-
são maioria no Brasil. está bem acelerado. fissional. Estamos estabelecendo inter-
Temos atuado fortemente em prol O Brasil foi acompanhado por im- câmbios entre brasileiros e japoneses
do sistema público de comunicação. portantes países vizinhos, como a Ar- para aproximar as fronteiras.
Estamos empenhados na realização de gentina, o Peru, a Venezuela e o Chile. O senhor afirmou em uma en-
uma conferência nacional que é uma Outros certamente virão. Estamos em trevista, recentemente, que a TV,
conversação com os países do conti- como é conhecida e feita hoje, não
nente africano. O sucesso é in- existirá daqui a cinco anos, porque
ternacional. O preço dos set- não sobreviverá ao ambiente de
top-boxes caiu substancial- convergência. O rádio existirá? Por
mente desde o lançamento que o rádio digital no País ainda
do SBTVD. Com o reco- não foi debatido?
nhecimento internacional HC - Todas as mídias tradicio-
do Ginga, a interatividade nais estão sofrendo um processo de
começa a aparecer. transformação com a revolução digi-
tal, sobretudo com o crescimento da
Internet. O rádio também precisa se
reinventar para continuar forte. Esta-
mos há alguns anos debatendo o rá-

“Tenho que reconhecer


que esperava mais
atuação dos
radiodifusores na
divulgação do sistema
[TV digital] para os
usuários brasileiros”

6 MÍDIAComDEMOCRACIA
dio digital. Em novembro, foi feito um res. Queremos que a sociedade bra- no processo da conferência. Aquilo
Chamamento Público de 180 dias jus- sileira, nas suas mais diversas formas que for objeto de aprovação da maio-
tamente sobre as possibilidades para o de se expressar, nos aponte caminhos ria merecerá uma atenção especial.
rádio digital no Brasil. A sociedade foi para a comunicação no futuro. Todos Outras questões que não alcançarem
chamada algumas vezes para discutir o os estados brasileiros mais o Distrito o mesmo status não serão necessaria-
assunto. A Confecom tem produzido Federal estão sendo consultados sobre mente descartadas, mas ensejarão um
propostas nesse tema. o que pensam sobre a comunicação debate mais profundo.
É possível que a radiodifusão brasileira. Com isso, vamos poder ex- O senhor já sinalizou sua saída
sobreviva à entrada das telecomu- trair da sociedade em geral ideias, vi- da pasta no final deste ano. Quais
nicações no setor de audiovisual? são e propostas que serão importantes os seus projetos políticos para o fu-
HC - Sem dúvida. A radiodifusão para subsidiar as decisões sobre esse turo?
tem na produção de conteúdo sua setor dinâmico. HC - O meu desligamento do Mi-
principal atividade. O setor de teleco- O que o Minicom poderia fazer nistério das Comunicações só se dará
municações, por sua vez, é um distri- para encampar as propostas majo- quando o Presidente Lula quiser ou
buidor por excelência. Temos que ga- ritárias/consensos que surgirão da quando o calendário eleitoral assim o
rantir uma competição saudável nesse Confecom para a produção de polí- determinar. Sou senador com muita
ambiente, estimulando e preservando ticas públicas? honra por Minas Gerais e meu futuro
a produção de conteúdo nacional. Tem HC - Muitas das propostas que político certamente será aquele que
espaço para todo mundo. estão surgindo indicam mudanças no meu Estado e meu partido entende-
Qual a sua relação com o Minis- marco legal do setor. Dessa forma, o rem como o mais adequado para um
tério da Cultura, depois do debate Congresso Nacional será o grande e grande projeto. Em verdade, estou
sobre a TV Pública, incorporada legítimo ambiente de discussão pós- falando de um projeto político para o
pela Secom? Confecom. O Minicom analisará todas Estado, não pessoal. Estamos conver-
HC - Nossa relação, tanto com o as propostas aprovadas e estudará as sando bastante com todos, mas elei-
Ministério da Cultura, quanto com a que são de sua atribuição direta. Con- ções é um assunto somente para o ano
Secom, sempre foi de muito respeito tudo, não podemos esquecer os outros que vem.
e parceria. Ambas as pastas fazem par- órgãos do governo que também têm
te da comissão organizadora da Con- algum vínculo com a matéria.
fecom. Estamos trabalhando juntos. A O que poderá ser feito da-
TV Pública foi incorporada pela Secom, quilo que não for acordado na
pois a EBC, antiga Radiobrás, sempre Conferência, mas surgir nela
esteve na estrutura da secretaria. como reivindicação da socie-
O nosso papel foi garantir o espa- dade?
ço para a TV Pública com a adoção do HC - A Confecom está sen-
padrão japonês de TV Digital, liberan- do construída de forma a permi-
do os canais de 60 a 69. Depois, elabo- tir que todas as propostas sejam
ramos uma norma de operação com- contempladas na etapa nacio-
partilhada para a rede pública que será nal, garantindo, com isso, que
implantada com os canais da União, do a sociedade apresente sua pauta
Legislativo e do Judiciário. O Ministé- de questões. Temos observado que
rio das Comunicações participou dos os consensos superam – e muito – os
dois fóruns de TV pública, contribuin- dissensos.
do nos debates. Recentemente, por São três segmentos (poder públi-
determinação minha, a Consultoria Ju- co, sociedade civil e sociedade civil
rídica elaborou um parecer garantindo empresarial) envolvidos diretamente
a possibilidade de emissoras educati-
vas públicas veicularem a publicidade
institucional. Os canais comunitários
foram inseridos no plano de mídia do
governo, conduzido pela Secom, após
um entendimento do Minicom. Esses
exemplos demonstram uma atuação
importante do Ministério em benefício
do campo público de comunicação.
Quais são suas expectativas
para a Iª Confecom?
HC - As expectativas são as melho-

7
-
Profissao

O rádio,
a televisão e
o radialista

8 MÍDIAComDEMOCRACIA
Aonde a digitalização os levará?
Em pouco tempo, a radiodifusão compreendida Responsáveis por atividades, como locução, op-
como “transmissão de som e de imagens por meio erações técnicas, narração, direção, roteiro, proje-
de ondas de radiofrequência que se propagam eletro- tos e criação, por exemplo sendo 21 delas de nível
magneticamente através do espaço” será radical- acadêmico – são 94 as funções do radialista, de
mente ampliada. Com a transferência de tecnologias, acordo com a lei –, esses profissionais convivem
rádio e TV digitalizados diversificarão seus potenciais constantemente com a incorporação de novas tec-
– pelas ondas sonoras passarão, simultaneamente, nologias, desde os primórdios da radiodifusão. Essas
conteúdos múltiplos. mudanças são acompanhadas pela constante qual-
O cenário impõe que radialistas e radiodifusores ificação desses operadores da “máquina” da radiodi-
repensem o setor, adequando formas de sustentabili- fusão, seja no âmbito técnico, seja no administrativo,
dade e de trabalho. Profissionais precisam qualificar- seja na produção.
se constantemente, incorporar as novas técnicas e, Na fase atual, em que o setor está se digitalizan-
ao mesmo tempo, imprimir nelas seu conhecimento do, a migração de um sistema radiofônico analógico
– o futuro da radiodifusão é imprescindível essa para a tecnologia digital causa impacto muito além
mescla de saberes. da transmissão. A elaboração e a forma de lidar com
O rádio e a televisão aberta ainda representam o substrato da radiodifusão se alteram radicalmente,
os meios de informação e de entretenimento mais seja para exibição ao vivo ou para a editada.
importantes para a maioria da população no Brasil A principal mudança nos processos tecnológicos
– 88,9% dos domicílios brasileiros possuem rádio e nessa área é que eles passarão a trabalhar com TI
91,1% possuem televisão, conforme a Pesquisa Na- (Tecnologia da Informação), garante o engenheiro
cional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2008, re- Marcus Manhães, pesquisador, especialista em ra-
alizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia Estatísti- diodifusão digital. “O mundo da informática na comu-
ca-IBGE. No decorrer dos 87 anos de existência nicação vai para dentro da emissora”, explica. Rádio e
do rádio e 59 anos da TV no Brasil, a competência e TV digitais passam a utilizar dispositivos que se comu-
a criatividade dos profissionais do setor ganharam o nicam basicamente por dados, por internet, padrões
país de um extremo a outro. de comunicação interna estruturados pela TI.

N
um cenário assim, o que o futuro re- diação sociotécnica. “A existência de de frequência são meros suportes da
serva para os radialistas? A chegada uma emissora de rádio em particular, criação cultural, conceito que represen-
do rádio, há 87 anos, colocou em xeque a e do rádio em geral como instituição, ta melhor o aspecto mais intangível e ao
vida dos periódicos impressos. A implanta- não pode mais ser atrelada à natureza mesmo tempo mais concreto do rádio”,
ção da televisão, há 59 anos, pôs em risco dos equipamentos de transmissão e afirma Meditsch. E propõe: “É oportuno
a existência do rádio. O tempo, porém, recepção utilizados para lhes dar vida, investigar o que exatamente está sob ris-
tratou de absorver cada veículo com suas mas sim à especificidade do fluxo so- co. Será um modelo de uso da tecnolo-
características e fins diferenciados. Todos noro que proporcionam e às relações gia (a instituição social), será um modelo
sobreviveram – e se desenvolveram. A in- socioculturais que a partir dele se es- de negócio (a indústria), será um hábito
formática e a popularização da internet, a tabelecem”, justifica Meditsch no arti- intelectual (a criação cultural)?”
entrada das empresas de telefonia na trans- go Novos tempos, velhas idéias: ou o Alguns especialistas entrevistados
missão de conteúdo audiovisual decretarão ancião chamado rádio digital, publica- para esta reportagem concordam que a
a morte do rádio e da televisão? do no site Caros Ouvintes, em 27 de digitalização e o desenvolvimento da in-
Eduardo Meditsch, autor do livro O setembro de 2008. ternet ampliam o mercado de trabalho
Rádio na Era da Informação: Teoria e Téc- Conforme Meditsch, as empresas para o radialista – a atividade pode ser
nica do Novo Radiojornalismo (Editora In- jornalísticas já descobriram que seu exercida, por exemplo, nas empresas de
sular, 2007), coordenador do Programa de produto é a informação, não o calha- web-rádio, que trabalham conteúdos de
Mestrado em Jornalismo na Universidade maço de papel. Porém, as empresas áudio, vídeo e fotos pela web. Os pod-
Federal de Santa Catarina, propõe pensar o de rádio continuam pensando que seu casts (arquivos digitais de áudio trans-
rádio como uma criação cultural, com suas negócio é a posse de um canal. “Trans- mitidos pela rede www), já bastante
leis próprias e sua forma específica de me- missores, receptores, canais e bandas comuns nos sites das próprias emissoras

9
-

de rádio e de instituições públicas e pri- denador executivo da Federação Inte- isso pode exigir que se tenha que mexer
vadas, são um exemplo de transferência restadual dos Trabalhadores em Empre- na descrição das funções”, esclarece.
das ferramentas de áudio para os meios sas de Radiodifusão e Televisão (Fitert), Para os departamentos jurídicos da
digitais, onde o radialista pode atuar. E há membro da coordenação executiva do categoria, a Lei 6.615 só precisa ser al-
ainda o material produzido e adaptado Fórum Nacional pela Democratização terada em um ponto: “Estamos postu-
para o celular – o que inclui as empresas da Comunicação (FNDC), observa que lando uma alteração legislativa para que
telefônicas no negócio de transmissão de a prática de alguns empresários de se os radialistas se transformem em ‘Cate-
conteúdo audiovisual, aumentando, por apoiarem nas tecnologias para trabalhar goria Diferenciada’ [conceito é atribuído
consequência, as possibilidades de traba- com quadro de funcionários reduzido, àqueles que pertencem a uma classe por
lho do radialista. fere a regulamentação da atividade e definição, onde quer que trabalhem],
O mercado se expande. “Com as não confere qualidade ao trabalho. Nas- em função da possibilidade de produção
perspectivas tecnológicas, trabalha-se cimento enfatiza, nesse sentido, que as de conteúdo de áudio e vídeo em ou-
com grupos cada vez menores, entretan- grandes empresas, como a Globo – que tros meios”, relata Castro. Desde o ano
to, a diversidade de interesses e meios é inclusive, segundo ele, a que paga me- passado, a Fitert vem dando encaminha-
aumenta exponencialmente”, avalia Ma- lhor seus funcionários –, têm todos os mento a essa questão.
nhães. A passagem, de uma tecnologia a seus quadros completos. José Antônio Jesus da Silva, coor-
outra – agora mais radical por envolver a Tomando como exemplo a produ- denador do departamento jurídico do
plataforma informática – exige dos pro- ção de novelas, Nascimento ressalta que Sindicato dos Radialistas de São Paulo,
fissionais formados há mais de 20 anos somente na cenografia existem inúmeras destaca ainda que a Lei 6.615 dá garan-
um empenho significativo na adaptação funções nas quais o radialista atua: car- tias trabalhistas ao radialista. Porém, os
à nova linguagem. “Há uma ruptura do pinteiro, eletricista, produtor, montador, empresários a consideram defasada e a
pessoal da ‘velha guarda’, que possui um maquiador, entre outras. E mais: Nasci- combatem. “Chegamos ao entendimen-
conhecimento generalista, e a entrada mento destaca que, entre as atividades to de que devemos discutir conjuntamen-
de profissionais muito jovens, com me- concernentes aos radialistas, 21 são fun- te, empresários e trabalhadores o anexo
nos de 30 anos de idade, e que já tra- ções de nível acadêmico. “Não dá para 84.134 [anexo da lei dos radialistas que
fegam muito bem com esse mundo da substituir tanta especificidade sem per- desdobra as funções e as atividades dos
informática. Porém, estes têm uma visão der na qualidade”, garante o dirigente. radialistas]. Este sim está em desacordo
completamente fragmentada, pontual”, E lembra de uma ocasião, quando uma com as tecnologias”, explica Silva.
analisa o pesquisador, ao argumentar emissora de TV, por medidas de econo- Para o superintendente de Rádio da
que o esforço ocorre em ambas as faixas mia, trocou o quadro de cinegrafistas e Empresa Brasil de Comunicação (EBC)
etárias. “O profissional histórico preci- enviou para um jogo de futebol em Por- e presidente da Associação de Rádios
sa estar aberto a essas transformações to Alegre alguém que não era especialis- Públicas (Arpub), Orlando Guilhon, a
e o mais jovem a aprender muitas das ta. “No momento do gol, o cara tava fil- regulamentação do setor é excessiva-
particularidades do cotidiano da radio- mando lá do outro lado do campo, por- mente rígida e corporativa. Guilhon, que
difusão, que também é regida por uma que não era preparado para esse tipo de foi presidente do Sindicato dos Radialis-
regulamentação, pelas leis de mercado, trabalho. Não era um especialista. Não tas do Rio de Janeiro e diretor da Fitert
pelo poder da mídia. Além disso, a gente funcionou”, conta Nascimento. no período de 1989 a 1995, avalia que
percebe hoje uma complementaridade O dirigente da Fitert informa que a a subdivisão da profissão em 94 funções
entre o rádio, a TV, a internet e a mídia entidade realiza, atualmente, por todo o faz do radialista “o especialista do espe-
escrita. Aí é que a complexidade surge, Brasil, encontros entre os setores jurídi- cialista do especialista”. Para ele, essa
porque a digitalização converge, mistura cos dos sindicatos para tentar traçar um fragmentação pela lei é uma tentativa de
as coisas”, reflete Manhães. reordenamento, uma linha política de fazer reserva de mercado, quando deve-
entendimento da lei. ria focar na capacitação. “Vai preservar
A questão trabalhista O assessor jurídico do Sindicato dos melhor o seu emprego quem estiver
A Lei 6.615/1978, que rege a profis- Radialistas do Rio Grande do Sul, advo- mais capacitado na transversalidade das
são de radialista, é regulamentada pelo gado Antônio Castro, relata que nesses profissões, das culturas e das ciências. Eu
Decreto 84.134, de 30/10/1979. Nos encontros entre os jurídicos se consta- vejo o trabalhador da comunicação cada
termos da lei, a profissão compreende tou que a Lei 6.615/78 envolve um con- vez mais como um profissional de forma-
as atividades de administração, produ- junto de princípios ainda não superados ção acadêmica e técnica mais ampla, que
ção e técnica, que se subdividem em 94 pelo tempo, como a remuneração por possa estar se aperfeiçoando, ao longo
funções. Os profissionais da área devem responsabilidade. “Se você é contratado de sua carreira, em várias funções”, assi-
obter o registro junto à Delegacia Regio- para uma determinada função, recebe nala o superintendente.
nal do Trabalho (DRT) – validado, pre- por ela”, resume Castro. O que está Com o cuidado de não confundir a
viamente, pelo sindicato da categoria. A defasado, segundo o advogado, é o De- visão de direito adquirido com a visão de
ordenação do setor, com as novas tecno- creto 84.134, que estabelece cada fun- futuro, Guilhon reforça que o saber fa-
logias, precisa, porém, reorganizar-se. ção do radialista. “Nesta questão é que zer rádio, televisão, comunicação social,
O radialista Nascimento Silva, coor- se discute muito o impacto tecnológico, caminha numa direção multifacetada e

10 MÍDIAComDEMOCRACIA
muito integrada. “Não estou vendo nada Manhães, avaliando que esta é uma protelando sua aplicação, porque a inte-
desaparecer. O que acontece é que as questão também vinculada às gerações, ratividade efetiva está inserida num outro
mídias estão conversando umas com as aos comportamentos sociais. modelo de negócio, que é a diversidade
outras e se convertendo numa mesma de conteúdos e de direcionamento do
direção. Quando as teles [telefônicas] Sustentabilidade espectador para fora da programação”,
começarem a transmitir conteúdo au- O sistema de radiodifusão enfrenta revela o pesquisador.
diovisual, o radialista vai ter de atuar lá outro grande desafio com a mudança Em situação mais grave está o rá-
também. A plataforma por onde o áudio tecnológica: o esgotamento do modelo dio digital no Brasil. “Não temos uma
trafega não importa, mas sim que ele é de financiamento. A sustentabilidade dos solução tecnológica que aponte pers-
um especialista do áudio, ou áudio e ví- serviços em radiodifusão submetidos à pectiva de mercado”, afirma Manhães.
deo”, define o superintendente da EBC. exploração comercial com fins lucrativos O radiodifusor sonoro, hoje, compete
deve mudar radicalmente, também, no com a internet, com o mundo digital, os
Uso social do rádio sistema digital. A televisão e o rádio, que celulares, mp3. Segundo o pesquisador,
“Transmissores, receptores, canais se sustentam desde sempre com a publi- as tecnologias propostas, por enquanto,
e bandas de frequência são meros su- cidade – cada vez mais disputada –, con- para a digitalização do rádio, melhoram
portes da criação cultural, conceito que frontam-se com a crise desse paradigma. especificamente a qualidade sonora – e
representa melhor o aspecto mais intan- Na radiodifusão digital, o espectro se mesmo a robustez do sinal –, mas não
gível e ao mesmo tempo mais concreto multiplica e ganha nova dimensão. dão flexibilidade para produzir e difun-
do rádio”, afirma Eduardo Meditsch em “Há fortes indícios de que os atuais dir outras coisas. Não fornecem uma
seu artigo já mencionado. Dessa forma, modelos de exploração de ondas e de alternativa ao modelo de negócios. Por
“se mantém independente do desapa- negócio que sustentam a produção de isso, na avaliação de Manhães, é mui-
recimento ou da transformação desses rádio há quase um século estão com os to mais significativo para o rádio, neste
hardwares, do uso de novas bandas e dias contados”, avalia Meditsch. Ele res- momento, o poder político que detém
de novos canais de transmissão”, avalia salta que quem vivia do pedágio sobre o junto à opinião pública do que, necessa-
o professor. monopólio da exploração de canais po- riamente, as alternativas tecnológicas e
Para Meditsch, o rádio por cabo, derá ver a fonte minguar rapidamente. suas possibilidades. “Sem perspectiva, o
por satélite, pela internet, pelas bandas “Se o rádio como modalidade cultural negócio pode acabar”, julga.
tradicionais de ondas hertzianas ou pelas tende a prosseguir existindo, a indús- Uma crise de paradigmas recai sobre
novas bandas utilizadas na transmissão tria que o explora terá que se adaptar a radiodifusão. As vantagens advindas da
digital, independentemente dos muitos ou morrer. Já teve que fazer isso outras digitalização do rádio e da TV, da mídia
tipos de terminais de recepção que ten- vezes, no século passado, com o surgi- em convergência e os problemas apon-
dem a ser utilizados, poderia ser consi- mento da música gravada, da televisão tados pelos especialistas requerem mais
derado rádio por igual. “A caracterização e da banda FM: resta saber se essa ex- do que o esforço dos radialistas e dos
de sua natureza e identidade e o debate periência poderá servir para atenuar as radiodifusores – de forma individual ou
sobre sua sobrevivência no futuro não turbulências de agora”, considera o pro- conjunta –, por se manterem na cadeia
dependem dos suportes utilizados, mas fessor no artigo já mencionado. produtiva e na exploração dos serviços.
sim da continuidade de seu uso social de Cada vez mais, os veículos de comu- Um novo modelo se impõe, exigindo
uma determinada maneira, na preserva- nicação caminham para nichos, e a parte que sejam criadas políticas públicas para
ção da modalidade cultural”, reflete. comercial se subdivide entre as mídias. o setor.
Além de preocupar-se com o do- “Hoje já não se consegue vender tudo
mínio da tecnologia em convergência, o para todo mundo. O próprio espectro
profissional, ao mesmo tempo, precisa eletromagnético é assim. Há lugar
ocupar-se do conteúdo – não importa ao sol, mas não para todos ao mes-
em que plataforma seja veiculado, defen- mo tempo. São as contradições
de Guilhon. “Ele tem de ter preocupação do mundo capitalista”, reflete
com valores, éticas, princípios, formatos, Guilhon.
gêneros”, aponta. Para Manhães, um novo mo-
A diversidade de players digitais e delo de negócio na radiodifusão
internet fragmentam a audiência. Há só irá acontecer no momento
mídias de todos os tamanhos, potência, em que a regulamentação atual
finalidades – móveis ou não. Cada uma do setor ruir. Por enquanto, a ex-
reflete, de forma até individualizada, ne- ploração das tecnologias digitais nes-
cessidades diferentes. “Uma diversidade te setor se dá apenas no âmbito da
de dispositivos tecnológicos que enfren- qualidade de imagens. São descartadas
tam diretamente os interesses do públi- as possibilidades de interatividade que
co. Há cada vez mais pessoas pagando, a digitalização pode proporcionar. “O
inclusive, por esses serviços”, pontua obstáculo está no radiodifusor, que vem

MÍDIAComDEMOCRACIA 11
Internet
prejudicar, mentir, roubar, vender armas
e para a pedofilia. A internet em geral so-
fre dessa contradição”, analisa.
Multiplicado em avatares (figuras
virtuais personalizadas), perfis ou ou-

Redes Sociais
tras formas de demarcar a perso-
nalidade, o indivíduo se mos-
tra maleável na rede. “As

Digitais
pessoas representam parte
de si mesmas, procurando
apresentar facetas de sua
personalidade moldadas
a determinadas im-

Comunicação
pressões que querem
causar na audiência”,
acredita Raquel Re-

sem limites
cuero, professora
do curso de Co-
municação Social
da Universida-
de Católica de
Pelotas, no Rio
Grande do Sul.
O Brasil é apon-
tado como o país que
mais faz uso das ferra-
mentas das redes sociais pela
internet, tanto no aspecto de
tempo quanto de acesso. Segun-
do pesquisa divulgada em março de
2009 pela empresa Nielsen, em nú-
meros, 80% dos brasileiros que nave-
gam na internet estão ligados a sites de
relacionamento como o Orkut e o Face-
book. Em seguida vêm Espanha (75%),
Itália (73%) e Japão (70%).
Outro levantamento, feito pelas em-
A relação mediada pelo uso presas de pesquisas e monitoramento na
da Internet trouxe um novo mo- A rede social é uma atividade antiga, internet E-life e InPress Porter Novelli
mento para os contatos inter- feita e mantida bem antes do surgimento (veja no box da pág. 14), revela que
pessoais, modificando, sobretu- da internet, por meio de telefonemas, Orkut, Twitter, YouTube e Blogspot são
do, a maneira de ver, consumir cartas telegramas e nas conversas ao as mídias sociais mais populares entre
e fazer comunicação. Aplicativos vivo, conforme destaca Suely Fragoso, os entrevistados, sendo utilizadas quase
como Orkut, Facebook, Twitter, professora do Programa de Pós-Gradu- todos os dias, com motivações diferen-
MSN, Skype, blogs e afins são ação em Comunicação da Universidade ciadas de uso. O estudo revelou que o
ferramentas desse mundo virtual do Vale do Rios dos Sinos (Unisinos). As Twitter é mais utilizado para busca de in-
que permitem manter e ampliar redes de relacionamento online, poten- formações e notícias, enquanto o Orkut
cializaram essas possibilidades de inte- é mais procurado para manter contatos
os laços sociais e propagar in-
ração. Entretanto, Suely salienta que o com amigos, familiares e colegas. Já o
formação. Formam uma enorme
beneficio da democratização do conte- YouTube e o Blogspot são ferramentas
teia que se configura, segundo o
údo, com a visibilidade que a rede digital mais usadas como passatempo e divulga-
sociólogo espanhol Manuel Cas- confere, pode tornar-se também o seu ção de conteúdo pessoal. A pesquisa foi
tells, em seu livro A Galáxia da ponto negativo e vulnerável. “Esses apli- aplicada em julho de 2009, por meio de
Internet, “como um dos tecidos cativos são ótimos porque geram capital 1.277 questionários.
de nossas vidas” que, a cada dia, social, servem para a solidariedade, para Os resultados conferem com o que
vai atraindo novos usuários e in- a divulgação de serviços, de informações Castells defende no seu livro citado. Ele
terconectando outros. úteis. Mas também podem servir para afirma que as redes sociais, energizadas

12 MÍDIAComDEMOCRACIA
pela internet, ganharam vida nova, trans- Mas quando você vê o conhecimento adolescentes são redes de relaciona-
formando-se em fontes de informação. deles de história, literatura, filosofia, eles mento. “É isso que as ferramentas sig-
Entusiasta da tecnologia, o sociólogo são completamente ignorantes”, pon- nificam para eles: um meio social. Hoje,
afirma que “as redes têm vantagens ex- tua. Isso ocorre, segundo ele, porque a um garoto de 15 anos vai para casa e se
traordinárias como ferramentas de orga- maioria do tempo livre dessas crianças é fecha no quarto para falar pelo celular,
nização, em virtude de sua flexibilidade e gasto com ferramentas digitais que sim- entrar no blog e mandar mensagens de
adaptabilidade inerentes, características plesmente repercutem umas às outras. texto. Os adolescentes estão formando
essenciais para se sobreviver e prospe- “Eles não leem jornais, eles mexem no seu próprio universo, longe da realidade
rar num ambiente em rápida mutação”. Facebook. Não leem livros, eles man- adulta”, constata. O desafio, diz o pro-
Contudo, para o escritor inglês An- dam SMS. Isso tira deles o tempo que fessor, é quebrar o domínio de redes de
drew Keen, o uso de blogs, Myspace, era destinado para a formação intelectu- relacionamento.
YouTube e a pirataria digital estão des- al”, argumenta Bauerlein.
Dilúvio informacional
truindo a economia, a cultura e os valo- Em entrevista à revista Super Interes-
“Quando Noé, ou seja, cada um
res. Keen, que foi um dos pioneiros da sante, para o jornalista Eduardo Szklarz,
de nós olha através da escotilha de sua
“primeira corrida do ouro da internet” em setembro de 2008, Bauerlein afir-
arca, vê outras arcas a perder de vista,
nos anos 90, tece críticas ao que chama ma que o problema não é a tecnologia,
no oceano agitado da comunicação di-
de a “grande sedução da Web 2.0”, no mas como a pessoa a utiliza. Segundo o
gital. E cada uma dessas arcas contém
seu livro O culto do Amador. “O que a Instituto Nielsen Media Research, nove
uma seleção diferente. Cada uma quer
Web 2.0 está realmente proporcionan- dos dez sites mais populares entre os
preservar a diversidade. Cada uma
do são observações superficiais do
quer transmitir. Essas arcas esta-
mundo à nossa volta, em vez de
rão eternamente à deriva na su-
análise profunda; opinião es-
tridente, em vez de julga-
mento ponderado. O ne-
gócio da informação está
sendo transformado pela
internet no barulho de 100
milhões de blogueiros, to-
dos falando simultaneamente
sobre si mesmos”, analisa o
especialista.
Keen não está sozinho.
No livro, The Dumbest Gene-
ration (A Geração mais burra),
Mark Bauerlein, professor de
Língua Inglesa da Universidade
de Emory, nos Estados Unidos,
afirma que a internet tem dei-
xado os jovens mais burros.
Para Bauerlein, a culpa dessa
“alienação” é das “dis-
trações digitais”,
como MSN,
torpedos,
iPod, games,
Orkut. Em
entrevista ao
jornal o Estado
de S. Paulo (11 de
outubro/2009), para
os jornalistas Rafael
Cabral, Bruno Galo e
Ana Freitas, o professor
afirma que os jovens são ignorantes
em questões de conhecimentos gerais.
“Em termos de inteligência pura, eles
são tão espertos quanto sempre foram.

MÍDIAComDEMOCRACIA 13
perfície das águas. ”A analogia à Arca de Para ele, entretanto, as redes sociais perdendo sua capacidade crítica”, frisa.
Noé foi feita pelo filósofo francês Pierre são importantes, porque permitem um Segundo Suely, ainda há um caminho
Levy. No seu livro Cibercultura (1999), acompanhamento contínuo daquilo que enorme a percorrer para desenvolver
esse novo “dilúvio” trazido pela internet é produzido no dia a dia, que pode levar uma capacidade crítica compatível com
(ambiente das redes sociais digitais), em à confiança. “A reputação é um elemen- o que seria necessário ou desejável nesse
vez de submergir àqueles que não foram to-chave nas redes”, pontua. tipo de comunicação. “Ainda assumimos
selecionados, abarca todos, constituindo Keen afirma, porém, que essa pro- uma postura muito ingênua, tanto dian-
diversas arcas informacionais. liferação de informação e conteúdo nas te da mídia institucionalizada quanto das
Nunca, na história da humanidade, redes feita por amadores está destruindo nossas redes sociais”, avalia. “As redes
houve tanta informação circulando no a mídia “antiga”. Em entrevista à revista informacionais são revolucionárias, mas
mundo. Para o sociólogo e professor Época (03 de agosto/2007), o historiador não necessariamente utópicas. Elas não
da Faculdade de Comunicação Cásper inglês afirma que a mídia tradicional vai vão resolver todos os problemas, mas
Líbero Sérgio Amadeu da Silveira, as mudar dramaticamente. “Enquanto os melhoram algumas situações, democra-
redes sociais online permitem que os utópicos digitais falam sobre democrati- tizam muito as possibilidades de fala”,
conteúdos sejam feitos pelos próprios zação da mídia e do conteúdo, acredito julga Amadeu.
participantes dessa malha e, em geral, que a consequência é o aparecimento Na opinião de Suely, embora a “fe-
asseguram uma grande interatividade e de uma nova oligarquia. A tão propalada bre” de redes sociais tenda a esmorecer
uma comunicação mais horizontalizada democratização, na verdade, tornará o – até por saturação –, essas ferramentas
do que as mídias tradicionais. entretenimento cultural de alta qualida- vieram para ficar. “Claro que os siste-
Ao mesclar público e privado, as de menos acessível às pessoas comuns”, mas de rede social podem mudar, como
redes sociais digitais, seguindo a lógica prevê. mudaram e continuam mudando os te-
da internet, podem se transformar em O historiador não vê problema com lefones e a TV, bem como todas as ferra-
poderosas ferramentas para a democra- a “blogosfera” (mundo dos blogs, das re- mentas de comunicação e as mídias. Mas
tização da informação. Os impactos po- des sociais na Internet) se a pessoa ler o a base da ideia, que é facilitar e expandir
sitivo e negativo, no entanto, convergem jornal antes. “Se você está familiarizado a interação entre pessoas, tem tudo para
ao mesmo ponto: a total liberdade na com notícias, se entende como a tec- continuar sendo um sucesso”, conclui.
rede e a visibiliadade das várias versões nologia funciona, a blogosfera pode ser Não é possível prever se os sites
também abrem espaço para a veiculação útil”, considera. O problema, segundo de redes sociais vão existir por muito
de informações mentirosas e conteúdos Keen, é ela se tornar fonte substituta de mais tempo ou se vão acabar. Segundo a
degradantes. notícias, especialmente para os jovens. professora Raquel Recuero, entretanto,
Keen alerta que no fluxo de conte- “Eles acreditam em tudo o que leem, qualquer que seja a plataforma tecnoló-
údos não filtrados, gerados pelo usuário então me preocupo que a blogosfera gica, a hibridização com o social, com as
digital, as coisas muitas vezes não são o se torne forte numa sociedade em que relações humanas, essa sim deve perma-
que parecem. “Sem editores, verificado- as crianças não fazem a menor idéia de necer e se emaranhar cada vez mais na
res de fato, administradores ou regula- como ler ‘através’ das notícias. Elas estão vida contemporânea.
dores para monitorar o que está sendo
postado, não temos ninguém para ates-
tar a confiabilidade ou a credibilidade do
conteúdo que lemos ou vemos”, afirma. PESQUISA
Para Suely, o fa- Estudo realizado pelas empre-
sas de pesquisas e monitoramento
tor credibilidade está
na internet E-life e InPress Porter No-
associado à própria velli, divulgado em julho de 2009, apontou
natureza do laço o crescimento da ferramenta de relacionamen-
social – “é o to Twitter no Brasil. Dos 1.277 usuários con-
meu amigo sultados na pesquisa, 87,2%, acessam o Twitter
quem diz, de cinco a sete vezes por semana; já o Orkut tem
ou mesmo acesso de 72,6% dos usuários. Contudo, a rede de
relacionamentos Orkut ainda é a primeira colocada
a universi-
em relação ao número de cadastrados, ficando
dade em que com 89,6%, seguida do Twitter, com 80,1%. O
estudo, o jor- YouTube surge em terceiro, com 79,6% cadas-
nal em que eu trados. O site Facebook tem a participação
já trabalhei, ou de 57,6% dos usuários entrevistados. A
seja, não é uma pessoa ou instituição pesquisa abrangeu perfis em todos os
abstrata, mas uma que eu conheço”, ar- estados brasileiros.
gumenta. Amadeu observa que o pro-
blema está em identificar o que é uma
informação ou simplesmente um boato.

14 MÍDIAComDEMOCRACIA
-
Opiniao-
Opiniao FRANCISCO JOSÉ CASTILHOS KARAM

Argentina, democracia e
comunicação - um paradigma?

H
á menos de três meses, a Câmara Se tomarmos como exemplo o fato de
dos Deputados da Argentina apro- que reserva um terço do espectro ra-

Arquivo pessoal
vou a Lei de Serviços de Comunicação dioelétrico às organizações sem fins lu-
Audiovisual, fato que de um lado aumen- crativos, pode-se atestar que os outros
tou as esperanças de um processo ins- dois terços continuam abertos para dis-
titucional de democratização da comu- tintos projetos e corporações, tão pre-
nicação na América Latina e, de outro, ocupadas em garantir a sua liberdade
criou temor em setores conservadores e pouco preocupadas com a liberdade
midiáticos de um retrocesso no que cha- dos demais. Não há, efetivamente, nem
mam de “liberdade de expressão”. ameaças ao livre mercado de ideias nem
O que parece ocorrer, num novo aos negócios empresariais específicos.
cenário latino-americano, é que a mídia Mas há prejuízos, certamente, aos que
hegemônica é percebida mais claramente “A proposta do defendem o conceito de “liberdade de
pelo público. O amplo espectro de redes
governo argentino expressão” a partir de uma ótica muito
sociais no ciberespaço, com a internet e particular, em que a liberdade é ape-
a segmentação editorial, dá mais visibili- abre uma estrada nas a sua, e não a dos outros; em que o
dade aos procedimentos de setores da institucional” mercado deve ser restrito aos grupos de
mídia acostumados a expor os “males” poder econômico e político que tentam
do mundo para o público, tratando de destes, principalmente dos macrogrupos agir por cima ou à revelia do Estado.
esconder os seus negócios, responsáveis que atuam sobre as e dentro das grandes Certamente, tal fato irrita muitos
por vários daqueles males, especialmen- corporações midiáticas. setores midiáticos hegemônicos que ar-
te em um cenário em que se misturam Isso remete a um novo cenário, onde gumentam limites em sua liberdade, mas
empresa midiática e agropecuária; mídia cresce a segmentação e o envolvimento que não se lembram dela quando lutam
e produção de armamentos; meios de político com os processos informativos para fechar rádios comunitárias, quando
comunicação com bancos particulares. sem a dependência de grandes anuncian- usam métodos desleais para derrubar a
Em livro recente, El fin del perio- tes, corporações e acionistas. Foi nesse concorrência; quando impedem pessoas
dismo y otras buenas notícias (2006), da cenário que o governo argentino propôs de se manifestar ou quando protestam
Cooperativa Lavaca, de Buenos Aires, e o parlamento aprovou uma lei que de- contra políticas públicas de radiodifusão
aponta-se uma série de novas experi- fende e consolida o direito à multiplicida- que ampliem o cenário de uma efetiva
ências que, ou deixam a nu os proce- de de atores, propriedade, temas, fontes liberdade. Tais setores defendem uma
dimentos de cobertura midiática das e narrativas, aliando-se à luta pela demo- liberdade simulada e seletiva. A proposta
grandes corporações... ou simplesmente cracia midiática no país. E que defende, do governo argentino, com o apoio legis-
os descartam, produzindo novos conte- portanto, uma liberdade baseada nas di- lativo e a mobilização da sociedade civil,
údos, com fontes pouco utilizadas pelas versas liberdades e direitos próprios da abre uma estrada institucional. Nela está
grandes corporações. Afora o exagero era dos direitos civis, como o de infor- a liberdade a ser conquistada efetiva-
do título, quase um deboche em relação mação e debates, numa tentativa de re- mente, não simulada e nem seletiva.
ao fundamental papel do jornalismo no composição do espaço público de fatos, A Argentina inicia, desde já, um ca-
mundo contemporâneo – com seus opiniões e interpretações divergentes ou minho institucional que coloca à disposi-
critérios éticos, teóricos, técnicos e es- antagônicos. ção as condições técnicas e tecnológicas
téticos – constata-se que há algo novo A proposta, ao contrário do que para isso.
que se mexe. No livro, o grupo de jorna- sustentam setores conservadores, quer
listas mostra experiências fora da grande mais liberdade e mais controvérsia, o que
Francisco José Castilhos Karam é jornalis-
mídia, destacando novos meios sociais está na base da vitalidade democrática. ta e professor da Universidade Federal de
de comunicação que substituem, com O papel do Estado como impulsionador Santa Catarina. Doutor em Comunicação e
vantagens políticas e ampla diversidade de políticas públicas e democráticas é es- Semiótica pela PUCSP, desenvolveu estu-
dos de pós-doutoramento junto à Univer-
cultural e de fontes, os meios tradicio- sencial também na Comunicação. sidade de Quilmes/Buenos Aires.
nais, sem os limites operativos de ordem A nova lei argentina tem respaldo de Referências bibliográficas
Cooperativa de Trabajo Lavaca. El fin del periodismo y otras buenas
política, econômica e mercadológica amplos segmentos sociais daquele país. noticias. Buenos Aires: Lavaca, 2006.

MÍDIAComDEMOCRACIA 15
Conceito

Mídia,
propriedade e
participação
social
Por Ana Rita Marini

16 MÍDIAComDEMOCRACIA
O atual mapa da comunicação social brasileiro reproduz, praticamente, o quadro da coloniza-
ção. Quando os portugueses implantaram no Brasil o sistema das capitanias hereditárias, estavam
introduzindo no país o regime de propriedade. Era 1534 e as terras brasileiras começavam a ser
divididas em 15 imensas faixas de terra, distribuídas a 12 capitães donatários, escolhidos entre a
nobreza e pessoas de confiança do Reino. Foi o primeiro sistema administrativo adotado e estabelecia
que cada proprietário deveria explorar e tornar produtiva, no prazo de cinco anos, a parcela de solo
recebida. Se isso não ocorresse, o terreno (que pertencia ao Estado) seria retomado e entregue a
outro explorador.
As primeiras normas brasileiras sobre propriedade tinham o regime jurídico das sesmarias, im-
portado de Portugal (onde foi criado em 1375) e adequado às condições locais. No Brasil, porém,
as sesmarias – terrenos incultos, dentro das capitanias, cedidos para o cultivo, com o propósito
de colonizar as terras – não conseguiram alcançar o mesmo rigor a que eram submetidas em sua
pátria, onde eram controladas com severidade pelo Estado. Em Portugal, a sesmaria era expropriada
caso a terra não fosse aproveitada.
Na versão brasileira, a política não funcionou como pretendia a Monarquia – que não conseguiu
administrar a produção e perdeu o controle sobre as capitanias. Mesmo assim, o regime durou três
séculos – a lei foi revogada em 1821, pouco antes de o Brasil proclamar sua independência. A es-
trutura agrária no país ganhou nova legislação em 1850, tendo, porém, a semente do latifúndio sido
plantada definitivamente.
Muito tempo depois – quase 500 anos –, o sistema territorial do Brasil Colônia pode ser obser-
vado no setor das comunicações no País, ou seja, nas concessões concentradas em mãos de alguns
poucos e seletos proprietários. Mesmo proibido pela Constituição Federal, o oligopólio no setor é uma
realidade. A mídia no Brasil é controlada pelo poder econômico e sujeita a interesses particulares.
Para criar políticas públicas para as comunicações no Brasil, com características plurais e de di-
versidade, o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) defende o controle público
sobre o setor, viabilizado pela articulação de três elementos: marco regulatório, agentes reguladores
e participação social. O tema é polêmico.

Em geral, são as conotações relacio- lateral que se deve estabelecer para o vindo nas grades de programação das
nadas à censura as que dominam a per- equacionamento do conflito e da própria emissoras. “Para situar melhor o con-
cepção sobre “controle público”. A ex- condição humana”, descreve o FNDC trole público, temos que descaracterizá-
pressão pode parecer muitas coisas que em seu programa para a democratização lo como o local da censura, da opressão
na realidade não significa. Controlar é ter da comunicação no Brasil, documento e da tirania”, define Schröder.
governo, dominar. Isso é bom ou ruim? elaborado para ser referência na inter- Um dos melhores exemplos, con-
Depende do ponto de vista. Quem quer locução junto ao Estado, aos partidos forme o jornalista, é a figura do ombuds-
ser controlado? políticos e à sociedade civil. man (segundo o Dicionário da Língua
Para que ocorra a democratização Ao propor caminhos para o que Portuguesa Aurélio, ombudsman é a pes-
dos meios de comunicação, um dos chama de “transformações revolu- soa encarregada de observar e criticar as
principais componentes, de acordo com cionárias na esfera pública do país”, a lacunas de uma empresa, colocando-se
as bases teóricas do Fórum Nacional entidade define o controle público como no ponto de vista do público), que incide
pela Democratização da Comunicação premissa política para que o homem se sobre o processo comunicador, mas não
(FNDC), é o controle público sobre o identifique com a sua essência através no dia a dia da programação.
conjunto dos sistemas que compõem o dos meios que desenvolve. E por que o O controle público, como propõe
setor. Para isso, entretanto, é necessário Fórum aposta na transformação da esfera o programa do FNDC para a de-
superar a associação ao autoritarismo es- pública? Está relacionado com a demo- mocratização da comunicação no Brasil,
tabelecida pelo senso comum à palavra cracia e a liberdade – e não com a cen- constitui-se em uma articulação de três
“controle”. O Fórum aposta no controle sura, como com frequência é sugerido condições: um marco regulatório, os
como um esforço na relação de insub- – o controle pretendido para as comuni- agentes reguladores e a participação so-
missão dos homens diante dos meios, cações. A complexidade da argumenta- cial. “Essas três instâncias precisam estar
reconhecendo que estes sempre exce- ção, conforme destaca o jornalista Celso articuladas. Não tem uma principal. Não
dem as finalidades particulares para as Schröder, coordenador-geral do FNDC, é uma hierarquia de Estado, mas um mo-
quais foram concebidos. “Por controle, é desconstruir a ideia de que controle vimento que precisa ser legitimado pela
assim, referimo-nos à relação multi- público se daria com a população inter- política”, explica o jornalista.

MÍDIAComDEMOCRACIA 17
Tríade do controle público
Marco regulatório tecnologias e suas inúmeras pos-
Um marco regulatório para sibilidades, é fundamental a ado-
a comunicação, em uma propos- ção de políticas públicas de co-
ta de controle público, pressu- municação nos âmbitos municipal
põe leis originadas de políticas e estadual. Para o Fórum, estes
públicas democraticamente ins- são os locais onde ocorre a dis-
taladas – desde as de radiodifu- puta pela hegemonia. Daí surge
são, até profissionais, como, por a terceira condição para a exis-
exemplo, a lei de imprensa. O tência do controle público:
marco regulatório consiste a participação social. “É a
no arcabouço das legislações instância de organização da
reguladoras das comunicações, sociedade nas suas diversas
composto tanto pela atualização manifestações, desde que capaci-
das leis e regulamentos existen- tadas para compreender a comu-
tes quanto pela criação de novas nicação contemporânea, opinan-
leis, adequadas às novas tecnolo- do e formulando sobre o seu pro-
gias – resguardadas a sinergia e cesso, participando ativamente; o
a complementaridade desse con- local onde surgem elementos de
junto de normas e o caráter de- pressão pública política”, explica
mocrático. Schröder. Os Conselhos de Comu-
Deve partir, portanto, dos in- nicação Social – independentes e
teresses da maioria da sociedade autônomos, implantados nos âm-
e basear-se na articulação das re- bitos nacional, estaduais e muni-
gras e dos estatutos; contemplar cipais – são verdadeiros instru-
a diversidade e a pluralidade so- mentos da participação social.
ciais: de gênero, raça, etnia, cul- ministérios – o Estado, enfim, A tríade de condições para
tura, orientação sexual, crianças, na sua dimensão e suas instân- compor o controle público – mar-
juventude, idosos, pessoas com cias híbridas, como as agências co regulatório, agentes regula-
deficiência, crenças e outros. O reguladoras. São, ainda, os con- dores e participação social – só
propósito é que ele esteja a servi- selhos profissionais, que podem funcionará em uma sociedade
ço do público. ser privados, desde que perme- disposta a exercer a democracia.
ados pelo público, e também os Isso significa mais do que a ocor-
Agentes reguladores ombudsmen. Enfim, uma rede de rência das eleições a cada quatro
Outra condição para o esta- mecanismos de controle. A cons- anos. Implica participação na dis-
belecimento do controle público tituição e a inter-relação dessas puta pela legitimidade das posi-
são os agentes reguladores, que instâncias integram a plataforma ções. É uma luta politizada e com
devem existir em todas as instân- de lutas do FNDC. características muito próprias. E
cias (municipais, estaduais e fe- o ambiente para isso ainda preci-
deral). São os agentes estatais, Participação social sa ser estabelecido.
como o Ministério Público, os Com a progressão das novas

Democracia mecanismos de participação que não a formulação de políticas públicas. O


em construção são triviais, e nem nascem de forma Conselho de Comunicação Social, órgão
Como é possível politizar as di- espontânea”, afirmou Schwartzman. auxiliar do Congresso Nacional previsto
vergências nas comunicações no Brasil? Os assuntos públicos referentes ao na Constituição Federal, é um exemplo
Ao apresentar o livro de Luciano Fedo- setor das comunicações no Brasil, de desse tipo de organismo, mas está ina-
zzi, Orçamento Participativo – Reflexões acordo com diagnóstico realizado pelo tivo desde novembro de 2006.
sobre a experiência de Porto Alegre FNDC, são conduzidos, ainda hoje, entre Schwartzman, citado por Fedozzi no
(Tomo Editorial, 1997), o sociólogo Si- o Estado e o setor privado, em práticas livro já mencionado, oferece a definição
mon Schwartzman escreve que uma das permeadas pelo patrimonialismo, pelo de neopatrimonialismo – ou patrimoni-
lições importantes, decorrente do fim do corporativismo e pelo cartorialismo. alismo moderno – para explicar a con-
regime militar em 1985, é que não basta Apesar de algumas tentativas de avanço, tinuidade das raízes patrimoniais e buro-
instaurar os princípios gerais da liber- continuam obstruídas as formas de par- cráticas na formação da sociedade e do
dade e dos direitos civis para que a or- ticipação em instituições mediadoras que Estado brasileiros. O neopatrimonia-
dem democrática se estabeleça de forma poderiam tornar sistemáticas as relações lismo, segundo o sociólogo, representa
plena. “Os sistemas políticos democráti- entre o Estado, o setor privado e a so- uma forma bastante atual de dominação
cos supõem formatos institucionais e ciedade, democratizando e legitimando política, um modelo que “se expressa

18 MÍDIAComDEMOCRACIA
na gestão socioestatal e nas interações cooptação, a força política depende da e se convive no Brasil com as concessões
sociais em geral – convivendo com for- maior ou menor intimidade do líder com públicas”, ressalta.
mas de ‘modernização’ (racionalização) a burocracia governamental, pois é isso Os radiodifusores insistem em afir-
puramente tecnocráticas do Estado e que lhe dará mais recursos para controlar mar que qualquer tentativa de controle
com o artificialismo das leis que impera as bases. O autor destaca também que importa em censura. “Eles se baseiam
em todos os níveis e esferas sociais”. Se- as características autoritárias e exclu- no dispositivo da Constituição Federal,
gundo Fedozzi, Schwartzman teoriza de dentes do modelo de dominação pa- o artigo 220 do Capítulo V, que diz: A
forma a compreender que a sociedade trimonialista-burocrático se expressam, manifestação do pensamento, a criação,
brasileira se modernizou em bases au- no plano da política, pela eliminação da a expressão e a informação, sob qualquer
toritárias marcadas por uma dualidade: esfera pública enquanto espaço de regu- forma, processo ou veículo não sofrerão
os atributos patrimonialistas abranda- lação dos conflitos sociais, pela ausência qualquer restrição, observado o disposto
dos numa aparentemente compatível e de mediações institucionais e sociais e de nesta Constituição. Só que colocam um
moderna ordem racional-legal. O con- um sistema político que funcione como ponto depois da palavra ‘restrição’ e ig-
ceito aplica-se de forma muito adequada representação de interesses. noram o restante”, assinala Domingos.
à questão da propriedade dos meios de Os fatores citados concorreram, Rádio e TV são concessões públicas,
comunicação no Brasil. segundo Fedozzi, “para reforçar os pro- portanto, necessitam de fiscalização e
Fedozzi ressalta ainda que Schwartz- cessos de exclusão social e política dos regulação, enfatiza o procurador-geral
man “secundariza” uma das característi- setores populares das arenas decisórias da República. Para ele, sem regulação,
cas da dominação persistente nos Esta- do Estado e dos espaços públicos, sendo a concessão vira doação e os donos
dos formados à base de um forte cunho suas demandas por políticas públicas in- das emissoras acabam lidando com elas
patrimonialista: “a não diferenciação corporadas através de mecanismos clien- como se fossem bens particulares. As-
entre as esferas pública e privada ou en- telistas (e assistencialistas) e, por outro sim, a mídia reproduz ao extremo a
tre o que é interesse público e o que é lado, para fortalecer as elites dominantes situação do Brasil colonial. “Este é o pior
interesse pessoal”. Segundo o autor, o através de processos institucionais e/ou latifúndio do Brasil, muito mais grave
sociólogo teoriza – de forma coe- extralegais de privatização dos critérios para a democracia, para a circulação das
rente – com a preocupação em explicar de regulação e distribuição do fundo informações. É fruto dessa falta de con-
o permanente autoritarismo do Estado público”. trole”, avalia o procurador.
brasileiro por meio do que denomina Uma das características mais mar- Uma ação sobre os meios de co-
“a modernização sem contrato”. Indi- cantes da atual ordem constitucional é municação como propõe o FNDC deve
ca ainda que a “cooptação política” é a a importância conferida à participação orientar a produção de conteúdos para o
principal consequência a ser extraída do social na formulação, na gestão e no desenvolvimento da cultura e da democ-
modelo neopatrimonialista, caracterís- controle de políticas públicas, afirma o racia no país. Nela, o Estado precisa ser
tica que “tende a predominar em con- procurador-geral da República Domin- fortalecido no seu papel de regulador e
textos em que estruturas governamen- gos Sávio Dresch da Silveira, em sua qualificador das práticas sociais. Precisa
tais fortes antecedem historicamente dissertação de mestrado Limites e pos- imprimir um sistema de mediações insti-
os esforços de mobilização política de sibilidades do controle da programação tucionais favorável à interação da socie-
grupos sociais”. de televisão. Essa participação, segundo dade com o Legislativo, com os órgãos
ele, já existe em conselhos populares administrativos do governo federal,
A questão dos mais diversos campos – na saúde, as entidades pensantes do Estado, re-
da propriedade educação, meio ambiente, na proteção presentações do setor privado e com as
Privados, estatais ou mistos, os da infância. São organismos onde a pop- massas de consumidores dos meios.
meios de comunicação cumprem fun- ulação, acompanhada ou não de repre- Na construção do controle público
ções de interesse público. No Brasil, sentantes governamentais, atua direta- para a área das comunicações, o Fórum
porém, outorgas de concessões e per- mente, deliberando, fiscalizando e até sustenta que o governo precisa reposi-
missões de frequências de emissoras mesmo executando políticas públicas, cionar o Ministério das Comunicações,
de rádio e televisão ainda são utilizadas explica o procurador. estruturá-lo para atuar também com a
como instrumento de barganha política, A esta revista, Domingos afirma que dimensão social das relações estabeleci-
eleitoral e como troca de favores. não há democracia sem controle público das pelos meios. Ou seja, tratar a comu-
Uma proposta de controle público dos meios de comunicação de massa, o nicação no seu sentido multidimensional
sobre as comunicações precisa apoiar- que não significa, necessariamente, con- – técnica, cultural, econômica e politica-
se na politização das relações multi- trole estatal. “É exatamente o contrário mente. Para o FNDC, o controle público
laterais próprias do setor. Para o FNDC, dos que os empresários da comunicação nas comunicações é um instrumento que
somente assim será possível relativizar a dizem, que depois da Constituição pode responder aos problemas que não
propriedade dos meios de comunicação Federal de 1988, o único controle pos- encontram representação ou acolhimen-
e o cumprimento do seu papel social. sível é o controle remoto. Esse discurso to nas formas institucionais. Não pode e
Ao citar Schwartzman, Fedozzi ex- é absolutamente incompatível com a for- não deve ser um processo formalista ou
plica que, em um sistema de tutela e ma como se regula, como se administra de censura.

19
Propostas para a
Confecom
A 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) é um evento histórico. Para o Fórum Nacio-
nal pela Democratização da Comunicação (FNDC), ela representa uma oportunidade inédita de constru-
ção coletiva de políticas públicas para a comunicação. A partir do diálogo entre Estado, empresários e
movimentos sociais, será possível buscar a formulação de políticas marcadas pelo interesse social.
Para contribuir com essa construção, o FNDC, baseado em seu Programa para a Democratização
da Comunicação no Brasil, elaborou e encaminhou propostas. Entre elas, destacam-se a reestrutura-
ção do sistema de comunicação no País, com a elaboração de um Plano Nacional de Diretrizes e Me-
tas; a implementação de uma política de desenvolvimento da cultura, para que o Brasil possa alcançar
autonomia estratégica e exercer sua soberania; a criação de um Fundo de Apoio à Radiodifusão Comu-
nitária; a regionalização da produção artística, jornalística e cultural; a implantação de mecanismos de
transparência e participação popular no processo de outorga e renovação, na gestão do espectro e no
monitoramento das concessões em radiodifusão.
O FNDC propõe a criação da Organização Nacional de Serviços Digitais (ONSD), para formar uma
rede pública e única de acesso universal a ofertas de vídeo, voz e dados.

I - Produção de Conteúdo
• Implementar política de desenvolvimento da cultura visando à autonomia estratégica e à soberania do País. Para o desenvol-
vimento da Nação, a produção de conteúdo é tão importante quanto a economia e a defesa.
• Formular diretrizes para o desenvolvimento industrial e tecnológico que repercutam na formação de recursos humanos para
a produção audiovisual e multimídia.
• Regionalizar a produção e valorizar a mídia impressa, em suas várias dimensões.
• Contemplar e respeitar a diversidade e a pluralidade da sociedade brasileira: gênero, raça, etnia, cultura, orientação sexual,
crianças, juventude, idosos, pessoas com deficiência, crenças, campo social, entre outros.
• Criar políticas para viabilizar a distribuição das produções regionais. Estabelecer cotas para o conteúdo brasileiro nas TVs
abertas e nas TVs de acesso pago.
• Aplicar os dispositivos legais existentes e regulamentar imediatamente os artigos 220 e 221 da Constituição Federal.
• Defender a ampliação dos critérios para destinação de verbas governamentais em publicidade, de modo a democratizar a
aplicação do dinheiro público no setor, gerando um marco regulatório da publicidade oficial.
• Estabelecer contrapartidas sociais pelos concessionários, como, por exemplo, a constituição de um fundo de financiamento
à radiodifusão pública, educativa/universitária e comunitária.
• O FNDC defende a criação de um Fundo de Apoio à Radiodifusão Comunitária.

II - Meios de Distribuição
• Reestruturar o sistema de comunicação no Brasil, partindo de um Plano Nacional de Diretrizes e Metas e do enquadramento
das telecomunicações.
• Definir políticas claras para o incentivo à produção de semicondutores, inicialmente financiado pelos recursos do Fundo de
Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST).
• Entender a digitalização como processo decisivo para a soberania, a cidadania, as relações internacionais, os direitos sociais
e a ordem econômica e financeira. Como tal, deve ser tratada como política de Estado.
• A implantação do Sistema Brasileiro de Televisão Digital (SBTVD) ainda pode cumprir um efetivo papel sociocultural.
• Adotar o conceito de rede pública e única e oferta de um pacote de vídeo, dados e voz acessível às diferentes faixas da po-
pulação. Uma rede (única) com desagregação de serviços, interconexão e compartilhamento de infraestrutura racionalizará os custos
de operação, reduzindo os preços para permitir a oferta do pacote.
• Criar a Organização Nacional de Serviços Digitais (ONSD), administrada sob controle público.
• Articular e ampliar dos programas governamentais de inclusão digital, com universalização do acesso e construção de uma
infraestrutura pública de telecomunicações, garantindo sua sustentabilidade.
• Ampliar o debate sobre o software livre e suas aplicações nas redes públicas e governamentais.
• Regulamentar urgente o mercado de banda larga, de maneira a garantir caráter público e universal ao serviço, com acesso
gratuito.

20 MÍDIAComDEMOCRACIA
• Implantar mecanismos de transparência e participação popular no processo de outorga e renovação, na gestão do espectro
e no monitoramento das concessões em radiodifusão.
• Apresentar resultados de pesquisa de opinião ou outros dispositivos com a avaliação dos serviços (radiodifusão) prestados
à comunidade, comprovando o atendimento dos compromissos firmados no ato da concessão, permissão ou autorização.
• Comprovar, na renovação da concessão, da permissão ou da autorização, o respeito às regulamentações das atividades
profissionais envolvidas na cadeia produtiva da radiodifusão, notadamente das profissões de jornalista e radialista.
• Comprovar cumprimento do tempo mínimo (5%) destinado à programação jornalística, como determina o item h do artigo
39 da Lei 4.117/1962, bem como a identificação dos profissionais responsáveis, com a apresentação dos respectivos registros legais,
conforme previsto na Lei 5.250/1967.
• Criar comissão no Ministério das Comunicações, com representantes da sociedade civil, para participar da avaliação das ou-
torgas e, ainda, a obrigação de os processos serem apreciados no Conselho de Comunicação Social quando tramitarem no Senado.
• Revisar os conceitos dos sistemas de comunicação privado, público e estatal, considerando tal medida vital para viabilizar a
participação pública em todos eles, guardadas as suas especificidades.
• Criar, na Empresa Brasil de Comunicação, conselhos de redação, produção e programação, com integrantes eleitos pelos
seus pares. Abrir à participação da sociedade as reuniões, o Conselho Curador e adotar as consultas públicas como mecanismo de
gestão.

III - Cidadania: Direitos e Deveres


• Um marco regulatório para as comunicações deve favorecer a articulação entre a sociedade e o Estado.
• Contemplar o conceito de controle público, exercido em três níveis: adoção de um marco regulatório; implantação de
uma rede de mecanismos de controle; e articulação de uma rede de movimentos sociais capacitados para compreender a comuni-
cação contemporânea, opinando e formulando sobre o seu processo.
• Redefinir o papel do Conselho Nacional de Comunicação Social.
• Propor medidas que proíbam a exposição da criança em publicidade estereotipada, incompatível com a realidade da es-
trutura familiar contemporânea.
• Resgatar a plenitude do desenvolvimento da criança em virtude do assédio do mercado, fortalecendo os valores da infân-
cia, priorizando o ato de brincar, e não o brinquedo anunciado.
• Defender políticas que produzam uma mudança no imaginário social relativo ao dano produzido pelo consumo abusivo de
substâncias psicoativas.
• Opor-se à exploração da imagem do homem, da mulher, da criança e do adolescente na mídia.
• Valorizar o papel da população indígena e africana na formação da cultura e da nação brasileira
• Estabelecer percentual da programação nos sistemas público, privado e estatal para a veiculação de produção audiovisual
tratando da história e da cultura africana e indígena.
• Organizar os trabalhadores da comunicação por meio de regulamentações profissionais que resguardem e respeitem suas
especificidades.
• Defender o diploma de jornalista para a prática da profissão, garantindo os critérios de responsabilidade social da ativida-
de, por meio da reinserção da exigência da formação específica para o exercício do Jornalismo.
• Reivindicar formação profissional que, além dos aspectos técnicos, valorize a formação humanística e a capacitação para a
atuação nos meios de comunicação públicos, universitários e comunitários.
• A profissão de jornalista – organizada e regulamentada – deverá efetivamente se transformar em instrumento de controle
público da mídia, de defesa das liberdades de expressão e de imprensa.
• Respeitar e valorizar a regulamentação dos radialistas e de outros segmentos de trabalhadores da mídia como garantia à
democracia nas comunicações e no país.
• Criar um Código de Ética conjunto da área de comunicações.
• Defender e estimular os radiocomunitaristas e os meios de comunicação alternativos e/ou utilizados pelos movimentos
sociais, como blogs, sites não jornalísticos, redes e outras formas de exercício comunicativo livre e democrático.
• Criar uma nova Lei de Imprensa que garanta a liberdade de expressão.
• Defender política pública nacional que inclua no currículo escolar do ensino fundamental e médio disciplinas sobre a mídia,
resgatando o caráter dialógico da comunicação e possibilitando leituras diversas.
• Capacitar a sociedade e os cidadãos para a compreensão das políticas públicas de comunicação, com apoio ao debate
teórico e político e a elaboração técnico-científica sobre o setor. Elaborar programa de Capacitação para Leitura Crítica dos Meios
de Comunicação e Debate da Estética.
• Criar um Instituto de Altos Estudos de Comunicação e Estratégia.

21
Jornalismo

Profissão
Por Diego Vacchi

Entidades ligadas ao jornalis-


mo tentam atualmente des-
fazer a situação de vazio
normativo a que foi sub-
metida a profissão, desde
que uma série de desdobra-
mentos legais resultou, em
meados de 2009, na sentença do
Supremo Tribunal Federal (STF) pela não
exigência do diploma de jornalista para o
exercício da atividade. No dia 17 de junho,
em seu discurso relatando a matéria em última instância,
o presidente do Supremo, ministro Gilmar Mendes, definiu
que: “Um excelente chefe de cozinha certamente poderá ser
formado em uma faculdade de culinária, o que não legitima o
Estado a exigir que toda e qualquer refeição seja feita por profis-
sional registrado mediante diploma de curso superior nesta área”.
Por analogia, Mendes anunciava que, por 8 votos a 1, os minis-
tros do STF decidiram que também para o jornalismo a formação
superior é dispensável. A data ficou na história, marcando para a
categoria um retrocesso.
Na trajetória do jornalismo em diversos países – e também no
Brasil –, importantes profissionais foram forjados em um período no
qual a atividade era aprendida e repassada nas próprias redações.
Entretanto, já há algumas décadas, e especialmente agora, com o
ritmo acelerado de produção de notícias, é inviável um profissional
adquirir formação em salas de redação, ou, pior, diretamente nos
terminais de computador ou simplesmente pela habilidade em operar
as mais diversas mídias digitais.
O interesse é do povo, garante o jornalista Nilson Lage, um dos
mais respeitados profissionais no País, doutor em Lin-
guística, mestre em Comunicação e professor da
Universidade Federal de Santa Catarina. Em seu
já clássico texto À Frente, o Passado, no qual
faz sua defesa do diploma apoiado em análise do
desenvolvimento do jornalismo no Brasil, Lage
afirma que, na sociedade da informação, não
importa apenas dispor de canais: é necessário
produzir conteúdos claros, éticos e honestos.

22 MÍDIAComDEMOCRACIA
deverá reverter
desregulamentação
Com a propriedade de quem com- apreciada pela Câmara dos Deputados. jornalismo. Em 2006, o Supremo Tribu-
pleta 50 anos de profissão, o jornalista O presidente da Federação Nacio- nal Federal concedeu uma liminar sus-
e professor Nilson Lage defende que o nal dos Jornalistas (Fenaj), Sérgio Murillo, pendendo a exigência do diploma.
desenvolvimento de padrões técnicos esteve presente ao ato no Senado, ao Ações se seguiram, com as entida-
elevados, a expansão do jornalismo de qual também compareceu o presidente des representantes dos profissionais jor-
qualidade a todo o país e a instalação de da Associação Brasileira de Emissoras de nalistas tentando reverter a decisão em
sucursais e correspondentes no exterior Rádio e Televisão (Abert), Daniel Slavie- todas as instâncias. Porém, o STF, em de-
são questões que envolvem a autoesti- ro. Segundo Murillo, a presença do em- liberação final, em 2009, trouxe à socie-
ma da população das diferentes regiões, presário na reunião do Senado reforça o dade sua resposta sobre a especificidade
a perpetuação da cultura e da sobera- argumento da Fenaj de que a questão do a qualificação de que o jornalista neces-
nia nacionais. “Um conjunto de fatores diploma, do ponto de vista dos empresá- sita para informar criticamente: não é
que nos permitirá, algum dia, ver a nós rios do setor, não está ligada às liberda- exigido que o profissional tenha cursado
mesmos e ao mundo com a perspectiva des de expressão e de imprensa (como faculdade de jornalismo.
brasileira. Na sociedade globalizada, um costumam alegar), mas sim às relações A medida soma-se a outra que tam-
jornalismo de má qualidade submergirá trabalhistas entre empregados e patrões. bém afetou diretamente os rumos do
no mar de discursos imperiais e de valo- Sem a obrigação, os contratos profissio- jornalismo brasileiro. Em abril passado,
res homogêneos que se difundem com nais se precarizam e se torna desmedido a última instância da Justiça no País der-
competência”, define Lage. o poder dos proprietários das empresas rubou a Lei de Imprensa, que orientava
A luta pelo restabelecimento da de comunicação a profissão. No julgamento, sete dos 11
obrigatoriedade de qualificação em nível Já na Câmara dos Deputados, a Co- ministros do STF decidiram tornar sem
superior para atuar como jornalista vem missão de Constituição e Justiça e de efeito a totalidade da lei. Eles concluíram
gerando resultados que poderão, em Cidadania (CCJ) aprovou, no dia 11 de que o texto, editado em 1967 – durante
breve, reverter a decisão do Supremo. novembro de 2009, a PEC 386/09, de o período da ditadura militar no Brasil –,
Atualmente, há dois projetos tramitando autoria do deputado Paulo Pimenta (PT/ era incompatível com a democracia e a
no Congresso Nacional nesse sentido. RS), que também trata do restabeleci- atual Constituição Federal (CF). Logo,
No dia 2 de dezembro de 2009, a Co- mento da exigência do diploma para a consideraram a Lei de Imprensa “incons-
missão de Constituição, Justiça e Cida- atividade de jornalista. Segundo o relator titucional”.
dania (CCJ) do Senado Federal aprovou, da proposta, deputado Maurício Rands O resultado mais evidente dessas
por 20 votos contra dois, a Proposta de (PT/PE), conforme o parágrafo primeiro duas ações é uma lacuna em termos nor-
Emenda Constitucional (PEC) 33/09, de do texto, nenhuma lei poderá conter dis- mativos para a atividade do jornalismo,
autoria do senador Antônio Carlos Vala- positivo que possa configurar embaraço sem que o debate sobre mudanças no
dares (PSB/SE), que restitui a exigência à plena liberdade de informação jornalís- texto ou mesmo outro, novo, fosse fo-
da formação superior específica. tica, garantindo assim a previsão consti- mentado na esfera judicial.
De acordo com o texto aprovado, tucional de liberdade de expressão. Em ambos os casos – tanto na deci-
para exercer a profissão de jornalista, é são da juíza Carla Rister quanto nos vo-
necessário diploma de formação univer- Origem tos dos ministros do STF –, a base dos
sitária. A regra, porém, é facultativa ao O processo de desregulamentação argumentos é sustentada pelo trinômio
colaborador (aquele que, sem relação da profissão teve início em outubro de inconstitucionalidade, liberdade de ex-
de emprego, produz trabalho de natu- 2001, quando a juíza substituta da 16ª pressão e qualificação específica. Em sua
reza técnica, científica ou cultural, re- Vara Cível da Justiça Federal de São Pau- decisão, a juíza sustentou que a CF/1988
lacionado à sua especialização). Dando lo, Carla Abrantkoski Rister, em ação do – cujo texto consagra as liberdades públi-
prosseguimento a sua tramitação, a PEC Ministério Público Federal, concedeu li- cas, insere as liberdades de manifestação
deverá será votada em dois turnos pelo minar extinguindo a obrigatoriedade da do pensamento, de expressão, intelectu-
plenário. Se aprovada, a proposta será formação superior para o trabalho em al, artística, científica, independentemen-

MÍDIAComDEMOCRACIA 23
te de censura prévia – não comporta a lista como trabalhador intelectual. Nove considerada inconstitucional a legislação
exigência de um diploma elaborado por anos depois, em 1947, o primeiro curso anterior à Carta de 1988 que com ela
Decreto durante o período da ditadura de jornalismo foi criado no Brasil na Fun- tiver algum de seus artigos incompatí-
militar no País. dação Faculdade Cásper Líbero, em São veis. Valéria ressalta, dessa forma, que o
Para os magistrados, a qualificação Paulo. O reconhecimento jurídico da ne- DL 972/1969, alterado mais de uma vez
específica do jornalista ainda está base- cessidade de formação superior chegaria pelo Congresso Nacional, por meio de
ada essencialmente na prática, sendo a em 1969 – após anos de debates – com projeto de lei, com sanção do presidente
universidade um complemento válido, o Decreto-Lei 972. da República, “vige com força de lei e a
mas não fundamental. A Fenaj, entretan- Assinado pela Junta Militar que en- sua constitucionalidade e juridicidade fo-
to, reforça que os critérios teóricos, téc- tão governava o Brasil, o decreto esta- ram consagradas”.
nicos e éticos aprendidos por estudantes beleceu a regulamentação da atividade O discurso de que o “jornalismo e
de jornalismo são pilares necessários à jornalística com exigência de formação a liberdade de expressão são atividades
construção de um novo Jornalismo. superior para atuar em empresas de co- imbricadas por sua própria natureza e
A associação que o STF faz com o municação. Assim, a simples concepção não podem ser pensadas e tratadas de
período da ditadura, como única refe- de que o jornalismo era um ofício edi- forma separada”, proferido por Gilmar
rência no que diz respeito à regulamen- ficado apenas na prática de anos em re- Mendes, defendido constantemente
tação do jornalismo, é uma tentativa de dações assumiu um status social relacio- pelos empresários da comunicação, é,
relacionar o diploma aos anos de chum- nado principalmente à responsabilidade de acordo com Sérgio Murillo, uma óti-
bo, segundo a jornalista Elisabeth Costa com a informação. O decreto foi modi- ca distorcida sobre o conceito. “É uma
– ex-presidente da Federação Nacional ficado, posteriormente, pela Lei 6.612, confusão artificial e foi manipulada pro-
dos Jornalistas (Fenaj). No seu artigo Di- de dezembro de 1978, e pelo Decreto positalmente pelos empresários. A gêne-
ploma em Jornalismo: uma exigência que 83.284, de março de 1979. se desse argumento está no Liberalismo.
interessa à sociedade (publicado pela Fe- A dirigente do Sindicato dos Jornalis- A ideia é edificar a comunicação apenas
naj em 2001, no livro Formação em Jor- tas de Minas Gerais Valéria Said Tótaro como um negócio, em que não pode
nalismo: uma necessidade), Beth Costa expõe, no seu artigo O mérito da exigên- existir qualquer regulamento, de normas
elenca os principais períodos históricos cia do Curso Superior (publicado pelo ou regra”, destaca, o presidente da Fe-
que consagraram a conquista do “ethos site do Observatório da Imprensa em naj. Para ele, com essa fórmula, o efeito
profissional”. 17 de fevereiro de 2009), o que chama é exatamente o inverso ao da liberdade
Tudo começou em 1918, segundo de “falácia da inconstitucionalidade do de expressão – resulta em uma privatiza-
ela, com a realização do I Congresso de DL de 1969”. Ela cita o desembargador ção do direito de se expressar de forma
Jornalistas, no Rio de Janeiro. A primei- Antônio Álvares, para quem o Decreto- livre. “Hoje, quem exerce com quase
ra regulamentação data de 1938, com o Lei de 1969 foi totalmente recepcionado totalidade esse direito são os donos das
Decreto-Lei 910 – que definia o jorna- pela nossa CF, uma vez que somente é empresas”, garante o dirigente.

Desdobramentos
ferência Nacional de Comunicação (14 a 17 de
Desde a decisão de 2001, conforme a Fenaj, foram dezembro/2009, em Brasília).
feitos cerca de 15 mil registros precários (sem a neces- O presidente da Federação dos Jornalistas
sidade de diploma de nível superior) de jornalista pelo da América Latina e do Caribe (Fepalc) e coorde-
País. No encalço da nova diretriz, surgem inúmeros nador-geral do Fórum Nacional pela Democrati-
cursos oferecendo formação para jornalistas – inclusi- zação da Comunicação (FNDC), Celso Schröder,
ve via educação à distância – em até 40 horas/aula, considera que a principal via de debate deveria
incluindo módulos do tipo “Como ganhar dinheiro com ser o controle público da informação. Este, em
jornalismo web”. Em todo o país, descreve Nilson Lage sua opinião, é o conceito mais apropriado sobre
no artigo já citado, “sindicatos e delegacias regionais liberdade de expressão. Nele, a sociedade seria
do trabalho passaram a receber pedidos de registro de conscientizada sobre a necessidade de participar
todo tipo de gente – alfabetizados alguns, analfabetos como agente regulador da informação que recebe.
outros, vaidosos alguns, marginais outros. Vale tudo”. Para o dirigente, o jornalismo – agora carente
Nesse retrocesso das conquistas adquiridas em de regulamentação – deve discutir um novo mar-
pelo menos 70 anos de regulamentação do jornalismo, co legal que, entre outras determinações, acabe
os novos desafios para a valorização da profissão e da com os interesses econômicos e os oligopólios de
comunicação no país serão também tratados na Con- comunicação no país.

24 MÍDIAComDEMOCRACIA
-
Opiniao-
Opiniao NASCIMENTO SILVA

Comunicação constrói cidadãos


O s dias 14 a 17 dezembro de 2009 vão ficar na história do
Brasil. O processo de democratização da mídia, deflagra-
do pela Iª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom)

Hermínio Nunes
– abordando os temas produção de conteúdos, meios de distri-
buição, cidadania e políticas de comunicação –, com a participa-
ção de especialistas e lideranças populares, coloca a comunica-
ção em pauta, definitivamente, no País.
A importância desse feito é enorme se considerarmos que
dezenas de cidades brasileiras, além de todos os Estados, se
mobilizaram na realização de suas conferências preparatórias,
dando uma amplitude jamais vista para o tema da democratiza-
ção dos meios de comunicação. O Brasil é um país que, apesar
de dispor de uma das mais amplas e complexas redes de comu-
nicação do mundo, sofre com a concentração da propriedade
das emissoras de rádio e televisão. Afora isso, ainda há falta de
mecanismos de controle sobre a ação das empresas que explo-
ram o serviço público. Nada mais oportuno, entretanto, do que
esta conferência.
A partir da Conferência, a luta será outra e mais árdua. A
sociedade civil terá que criar uma comissão do setor para acom-
panhar, junto ao Legislativo, a elaboração de leis que atendam às
propostas que serão aprovadas na Confecom.
Paralelamente a esse encaminhamento, ainda, precisare-
mos fazer com que o Conselho de Comunicação Social – órgão
“Precisamos fazer valer,
auxiliar do Congresso Nacional – seja reativado o mais rápido em uma nova configuração
possível. A exemplo da Argentina, que redigiu recentemente para a mídia brasileira, que
uma nova regulamentação do setor, precisamos fazer valer, em
uma nova configuração para a mídia brasileira, que as empresas não se formem monopólios”
não formem monopólios. Precisamos diversificar, pluralizar.
O novo marco regulatório das comunicações precisa refor-
çar a democracia, propiciando maior acesso aos canais de trans- Para nós, da Fitert [Federação Interestadual dos Trabalha-
missão para pequenos grupos e comunicadores comunitários, dores em Rádio e Televisão], conquistar a democratização da
ONGs, além de restringir o número de concessões que possam comunicação como fundamento dos direitos humanos significa
ser outorgadas a uma só empresa, propiciar maior quantidade que a liberdade de informar e ser informado é maior que o in-
de vozes com a mesma potência, mais democrática, com maior teresse dos monopólios. Significa abrir espaços de liberdade de
quantidade de opções. expressão e valores que nos permitam construir um novo ama-
Quando falamos [movimentos sociais, entidades de classe] nhecer da Pátria. Em nossos fóruns de debates, já foi dito que a
em controle público, o segmento empresarial confunde a popu- dominação não começa pelo fator econômico, mas pelo cultu-
lação com sua retórica de que estamos impedindo a liberdade ral. Então vamos nos apropriar da cultura e da informação.
de imprensa. Liberdade de imprensa, porém, não é sinônimo Há quase duas décadas, a Fitert participa efetivamente dos
de liberdade de empresa – esta, na verdade, a almejada pelos debates sobre a necessidade da democratização do sistema de
empresários. meios de comunicação no Brasil. O nosso propósito é fazer en-
Discutir a comunicação causa revolta e preocupação prin- tender que o espaço audiovisual é um patrimônio do conjunto
cipalmente naqueles que não querem mudança alguma e pre- da sociedade – por isso, mobilizamo-nos cada vez mais, para
tendem continuar com a lei vigente, caduca. Temos que res- fortalecer a luta da democratização da comunicação, especial-
saltar que aos governos que se sucederam no País até agora mente nos fóruns do FNDC.
faltou vontade política para solucionar e democratizar os meios
de comunicação. Muitos impulsionaram políticas de entrega do
Nascimento Silva, radialista, coordenador da FITERT, diretor
patrimônio público, dos recursos do País aos grandes capitais executivo do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação
estrangeiros e permitiram a formação do monopólio dos meios – FNDC, membro do Conselho de Comunicação Social – CCS e da
de comunicação. Comissão Organizadora da Conferência Nacional de Comunicação

MÍDIAComDEMOCRACIA 25
-
Opiniao-
Opiniao ORLANDO GUILHON

Laboratório de mídia
Avançar na luta democrática
Há uma década a Encine educa jovens para pensar a comunicação

F inalmente, vamos chegando à data da ção pública; Comunicação comunitária;

Katja Schiliró
realização da Iª Conferência Nacional Oligopólio e política de concessões;
de Comunicação (Iª Confecom), de14 a 17 Conselhos e ferramentas de controle
de dezembro. Sua convocação pelo presi- público; Regionalização da produção
dente Luiz Inácio Lula da Silva, em Decreto cultural e jornalística; Lei de Imprensa;
de 16 de abril deste ano, foi por si só uma Regulamentação e democratização da
expressiva vitória da sociedade civil brasi- Internet; Por uma publicidade e propa-
leira, especialmente de seu segmento não ganda mais cidadãs; Rádio digital; Direi-
empresarial organizado. Demanda de mui- tos autorais.
tos anos dos movimentos sociais, a pressão Apesar das condições draconianas
exercida através de inúmeros atos públicos, impostas pelo Regimento Interno, do
abaixo-assinados, manifestações, audiências tempo exíguo de preparação, resulta-
públicas, seminários, oficinas e debates ter- do da demora em se definirem as re-
minou por surtir efeito. De nada adiantou a “A mobilização da gras básicas da Iª Confecom no âmbito
resistência manifestada por alguns segmen- da Comissão Organizadora Nacional, a
tos empresariais, em particular pelo da ra- sociedade brasileira ARPUB vê com otimismo a realização
diodifusão, pois o presidente Lula resolveu pela conferência dessa iniciativa. A luta pela democratiza-
acatar essa demanda social e convocou a Iª ção dos meios de comunicação no país
Confecom.
deu um salto de não começou hoje nem terá seu fim na Iª
A partir daí, a mobilização da so- qualidade” Confecom. Nós ainda podemos avançar
ciedade brasileira pela conferência, que já muito.
era bastante representativa, deu um salto Avançar, inicialmente, na possibilida-
de qualidade. Inúmeras conferências livres e seminários, orga- de de popularizar o debate, antes tão restrito aos guetos de
nizados pela Comissão Nacional Pró-Conferência de Comuni- especialistas e profissionais do setor. Capilarizar os vários temas
cação (CNPC), com o apoio de Comissões Estaduais, passaram que serão debatidos, levando-os para dentro dos movimentos
a agregar diversos atores sociais pelo Brasil afora. Vieram as sociais, dos partidos, dos sindicatos, da ONG’S, das instituições
Conferências Municipais e Regionais e as Conferências Estadu- e das entidades, das associações de moradores. Temos feito
ais, mostrando que nosso povo estava há muito preparado para isso, nos últimos sete meses, como nunca dantes, e só isso já
esse debate e tinha propostas de conteúdo formuladas ao longo significa uma imensa vitória dos setores democráticos e popula-
de muitos anos de lutas. res da nossa sociedade.
Não é à toa que esta Iª Confecom foi uma das últimas a Avançar na capacidade de organização da sociedade ci-
ser convocada pelo atual governo federal. A resistência do po- vil, lutar em torno dessas bandeiras, construir GT’s e comissões
deroso lobby dos barões da mídia tentou até o último minuto estaduais, unificar lutas e bandeiras, coesionar o campo demo-
desacreditar a iniciativa. Mesmo as excessivas concessões feitas crático e popular, definir estratégias comuns e criar uma cultura
pelos poderes públicos ao empresariado (40% dos delegados de solidariedade e convergência de propostas: Também aí po-
e quórum qualificado de 60% para aprovação de teses mais demos obter uma expressiva vitória, se tivermos capacidade de
“sensíveis”) não foram suficientes para ganhar o apoio de boa fazer o nosso dever de casa, garantindo intervenção qualificada
parte desses empresários, que boicotou e atrapalhou sempre e homogênea no âmbito da Iª Confecom, deixando de lado vai-
que pôde. A ARPUB – Associação das Rádios Públicas do Brasil dades pessoais e eternas disputas pelo protagonismo político.
– participou ativamente desse processo, ajudando a preparar e Avançar também na definição de prioridades, de apro-
mobilizar para a Iª Confecom. Nossas rádios públicas produzi- vação de princípios e valores que deverão nortear a construção
ram e veicularam spots especiais convocando para cada etapa de um novo marco regulatório para a comunicação social em
da conferência. As grades de programação foram permeadas nosso país, tarefa que deverá nos desafiar nos próximos quatro
por diversos produtos focados nesse conteúdo: programas de ou cinco anos, e que nos levará, certamente, a construir novas
debate, radiodocumentários, entrevistas, reportagens, cobertu- Confecom’s, quem sabe marcadas por mais democracia e par-
ras de eventos preparatórios. Estivemos presentes nas reuniões ticipação popular. Esse é o desejo da ARPUB, e para isso traba-
e nas plenárias convocadas pela CNPC e em várias Comissões lharemos incansavelmente.
Estaduais. Por fim, o III Encontro Nacional das Rádios Públicas
aprovou nossas 10 teses, encaminhadas à Iª Confecom.
Optamos por dar nossa contribuição nos temas que consi- Orlando Guilhon
deramos ter acumulado ao longo dos últimos anos: Comunica- Presidente da Associação das Rádios Públicas do Brasil – ARPUB

26 MÍDIAComDEMOCRACIA
Banda larga
pela tomada
por Valéria Marcondes

Em estudo,
internet pela
rede elétrica
O uso da rede elétrica para conectar
prédios públicos e cidadãos à in-
ternet e a outros serviços de transmissão
pode ser
de dados, via banda larga, em localidades alternativa
remotas, pode representar significativa
diminuição de custos em obras nas redes para a inclusão
de telecomunicação. Entre os benefícios digital
propalados pelas agências reguladoras
está a utilização da rede elétrica para a
inclusão digital, já que a penetração do
serviço de energia elétrica é maior que o
de telecomunicação.
O Power Line Communication
(PLC) é uma tecnologia com poten-
cial para tanto e poderia, inclusive,
contribuir com Plano Nacional
de Banda Larga, do governo
federal. Contudo, precisa ajus-
tar uma regulamentação para
poder disseminá-lo como uma
alternativa.
Na Europa designada
como PLC e nos Estados Uni-
dos como Broadband Power
Line (BPL), a comunicação
de dados via rede de energia
elétrica é uma alternativa que
concorre e complementa os
sistemas de comunicação sem
fio, satélites e cabos coaxiais
das operadoras de TV por
assinatura.
Na década de 1920, a tecno-
logia já era aplicada para controle,
operação e gerenciamento do sis-
tema de energia elétrica. Atualmen-
te, o PLC é utilizado como meio
de transporte de conteúdo mul-

27
Internet
timídia, a uma velocidade que varia de Benefícios as faturas poderão ser individualizadas.
10 a 200 Mbps (Megabites por segundo). O custo do serviço, de acordo com Para o consultor de telecomunica-
Essa tecnologia possibilita a automação a Anatel, dependerá dos modelos de ções e coordenador do projeto PLC/Co-
predial e residencial. negócio, que podem variar conforme as pel (Companhia Paranaense de Energia),
Basicamente, as informações dispo- circunstâncias. Por exemplo, em zonas Orlando César Oliveira, a ideia é cobrar
níveis na forma digital são transformadas urbanas densamente povoadas, as solu- pelo uso que o internauta fará do PLC,
em sinais analógicos e injetadas na rede ções possíveis serão, necessariamente, tal como ocorre com o consumo de ele-
elétrica. Os sistemas de telecomunica- distintas das soluções adotadas em regi- tricidade. Oliveira diz que é “perfeita-
ções, baseados na tecnologia PLC, são ões metropolitanas com baixa densidade mente possível implantar um sistema de
projetados para funcionar na faixa entre populacional. O mesmo deverá ocorrer cobrança mais justo, que leve em conta
9 kHz e 30 MHz. No Brasil, apesar de com as soluções dedicadas às áreas ru- a utilização real e efetiva do internauta”,
regulamentada pela Agência Nacional de rais. Tudo depende da questão financeira o que, segundo ele, fará do sistema PLC
Telecomunicações (Anatel) e pela Agên- envolvida – como o investimento neces- uma modalidade de conexão bastante
cia Nacional de Energia Elétrica (Aneel), sário, o tempo de maturação do negó- acessível e extremamente competitiva
a aplicação dessa tecnologia encontra-se cio, o retorno financeiro. dentro do mercado de telecomunica-
em estágios iniciais. O PLC vem se difun- A Aneel diz que, com a adoção do ções no futuro.
dindo rapidamente em outros países. As PLC para aprimorar questões operacio- Para ter acesso à Internet pela rede
distribuidoras de energia norte-america- nais, haverá melhoria na qualidade da elétrica, o consumidor deverá adquirir
nas, por exemplo, viram na banda larga prestação do serviço de energia, poden- um modem específico para PLC, cujo
via rede elétrica uma solução voltada do ainda ocorrer uma redução de custos custo será semelhante ao dos modems
mais para áreas rurais. aos consumidores, na medida em que ADSL (Asymmetric Digital Subscriber
Segundo o vice-presidente da Po- significativa parte da receita da distribui- Line), que convertem o sinal normal do
werGrid Communication Brasil, Maurí- dora de energia elétrica com o PLC deve telefone para alta velocidade.
cio Guaiana, “as aplicações da tecnologia ser revertida em prol de tarifas mais mo- No entanto, o pesquisador em tele-
no ambiente de telecomunicações bra- destas. O fato incomoda as empresas, comunicações do CPqD, Centro de Pes-
sileiro têm evidenciado que os sistemas pois a regra não se aplica a outros seto- quisa e Desenvolvimento em Telecomu-
BPL (PLC) são uma solução para quem res de prestação de serviço, como o de nicações, Rogério Botteon Romano, diz
não tem solução”, ou seja, edifícios nos telecomunicações, por exemplo. que a falta de padronização dos equipa-
quais existem dificuldades para passar Embora seja utilizado o mesmo mentos dificulta a redução dos custos.
cabos e áreas aonde outras redes não meio físico, a tecnologia permite o uso Romano critica as regulações da
chegam. independente dos serviços e, portanto, Anatel referentes ao caráter secundário
do PLC e as da Aneel, no que diz res-
peito à obrigação da concessionária de
energia elétrica em reverter parte da
renda obtida com a tecnologia na tarifa
de energia.
Diogo Moysés, consultor do Institu-
to Brasileiro de Defesa do Consumidor
(Idec), acredita que a tecnologia é bem-
vinda devido ao seu potencial de pene-
tração e à possibilidade de disseminação
da banda larga. Entretanto, Moysés diz
que a regulamentação da Anatel não está
clara e não favorece a

competição e sim
as companhias de telecomunicação
com grande poder de mercado, o que,
do ponto de vista do consumidor, é ne-
gativo, pois não alteraria o quadro atual
de baixíssima concorrência. “Se isso se
materializar, vamos desprezar o poten-
cial que essa forma de acesso à internet
traz”, acrescenta.
Alguns pontos precisam ser resol-

28 MÍDIAComDEMOCRACIA
vidos, segundo Moysés, entre eles a or- impedem que os sinais do PLC causem sileiros. Várias empresas desistem dos
ganização das prioridades na oferta do interferências às frequências de Radio- testes requeridos pela Anatel devido aos
serviço. Exemplificando: o serviço co- amadores e de Radiodifusão de Sons e custos elevados.
meça a ser oferecido e se constata uma Imagens – serviços que terão prioridade Paulo Porto, coordenador de tec-
interferência que não pode ser resolvida em caso de conflitos. nologia da informação do Grupo CEEE
de imediato. O PLC, por ter caráter se- Ainda conforme a resolução da (Companhia Estadual de Energia Elétri-
cundário (em relação ao fornecimento Anatel, as distribuidoras de energia não ca, no Estado do Rio Grande do Sul),
de luz), deverá ser desligado, acarretan- podem explorar comercialmente a tec- acredita que a tecnologia dificilmente
do prejuízos ao consumidor. O consultor nologia PLC, já que, conforme legislação terá aplicação a curto prazo, pois precisa
do Idec entende, ainda, que a comemo- do setor elétrico, as distribuidoras só evoluir em alcance e na diminuição das
ração deve ser moderada e a sociedade podem prestar serviços de distribuição interferências.
civil deve cobrar subsídios da Anatel e da de energia. Segundo a Aneel, toda a sociedade
Aneel e espaço para participar do debate As distribuidoras teriam de estabele- pode beneficiar-se com o PLC. A cor-
sobre a regulamentação da tecnologia. cer outra entidade jurídica ou firmar par- rente mais otimista e utópica espera
cerias para vender telecomunicações ao que a tecnologia PLC possa democrati-
Regulamentação consumidor final, mesmo que utilizando zar o acesso à internet e decretar o fim
A implantação e à exploração do os próprios cabos de energia elétrica. As da exclusão digital, além de aumentar a
PLC não poderão afetar a qualidade do empresas que comercializarão PLC se- concorrência e servir como alternativa
fornecimento de energia elétrica para os rão reguladas duplamente: pela Anatel e às companhias que monopolizam as te-
consumidores. Dessa forma, a Resolu- pela Aneel. lecomunicações no Brasil.
ção 527 da Anatel define que os equipa- Além de confrontarem-se com pro- Não é novidade que a rede elétrica é
mentos que compõem o sistema sejam blemas de interferência no espectro mais democrática em relação às tecnolo-
tratados como mecanismos de radioco- eletrônico, ainda mais quando se trata gias digitais. Um abismo, no entanto, im-
municação, de radiação restrita em cará- de instalações externas (“outdoor”), as pede que se diga que a tecnologia PLC
ter secundário. Assim, sistemas PLC não empresas que passarem a explorar essa democratizaria o acesso à banda larga
possuem direito à proteção e não podem tecnologia, vão competir com provedo- simplesmente porque, segundo a Aneel,
causar interferências prejudiciais em sis- res tradicionais, como as operadoras de a rede elétrica chega a 95% da popula-
temas que operam em caráter primário, telefonia e TV a cabo. ção brasileira.
sob pena de interrupção de transmissão Apesar de a propaganda afirmar que A realidade do PLC, por enquanto,
até a execução de ajustes necessários o PLC poderá solucionar os desafios da não é tão luminosa. Problemas técnicos,
para eliminar interferências. chamada “última milha” – trecho que liga regulamentação, disputas entre setores
Flavio Rocha de Avila, consultor do a rede de fibras ópticas ao consumidor e desinteresse de algumas companhias
Centro de Excelência em Tecnologias final –, não se pode saber ainda quanto inviabilizam a exploração da tecnologia
Avançadas do Senai/RS, afirma que exis- tempo levará para que a tecnologia de- e fazem com que a “universalização” do
tem técnicas e filtros de mitigação que cole e chegue em massa aos lares bra- acesso à internet continue um ideal.

EXPERIMENTOS

O PLC vem sendo testado desde o ano de 2000 Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Se-
em algumas regiões do país, através de projetos- nai/RS) e a Universidade Federal do Rio Grande do
piloto realizados em parceria entre companhias Sul firmaram acordo de cooperação técnica para o
elétricas, institutos de pesquisa e governo. desenvolvimento de uma rede PLC, no bairro Res-
Na cidade de Barreirinhas, Maranhão, a Pre- tinga, em Porto Alegre. O projeto foi finalizado em
feitura, a Eletronorte, a Companhia Energética do 2009 e a aplicação considerada de maior sucesso
Maranhão e a Associação de Empresas Proprietá- foi a que beneficiou os cidadãos através do serviço
rias de Infra-estrutura e Sistema Privados de Tele- de Telemedicina instalado num posto de saúde.
comunicações desenvolvem o projeto “Vila Digital”, Testes realizados pela AES Eletropaulo Telecom
que tem como objetivo a inclusão social e digital em apartamentos de três bairros da cidade de São
da população. Paulo revelaram bom desempenho da tecnologia
No Paraná, a Copel iniciou testes em 300 uni- em mobilidade, rapidez de instalação e velocidade
dades consumidoras de Santo Antônio da Platina. de conexão.
Os clientes terão acesso gratuito à rede por um Em Minas Gerais, o PLC é estudado há nove
ano, mediante o compromisso de monitorar, ava- anos pelo Grupo Cemig (Companhia Energética de
liar e relatar funcionamento do PLC à Copel. MG). A empresa planeja avaliar melhor questões
Em 2006, a Prefeitura de Porto Alegre, a técnicas e de custo-benefício, e assim ter condi-
Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE), o ções de optar ou não pelo uso da tecnologia.

29
Notas
(RS) e na Região Sisaleira da Bahia. Este ano, surgi-
ram novos comitês nos estados da Paraíba, do Mato
Grosso, do Mato Grosso do Sul e do Piauí.
Já Bahia, Minas Gerais, Santa Catarina, Ceará e
Rio Grande do Sul tiveram seus comitês fortalecidos
com o movimento Pró-Conferência. Novas entidades
aderiram aos núcleos existentes do FNDC e aqueles
que estavam inativos voltaram à tona e começaram
Comitês do FNDC são fortalecidos um processo de reestruturação.
Ajudar a sociedade brasileira a perceber a comu- Em Minas Gerais, está sendo trabalhada a regio-
nicação como um direito fundamental: esse é um nalização dos comitês em seis regiões do Estado:
dos objetivos do Fórum Nacional pela Democratiza- Região Central (Sete Lagoas), Vale do Rio Doce (Go-
ção da Comunicação (FNDC). Essa discussão ganhou vernador Valadares), Médio Piracicaba (Itabira), Re-
corpo desde que foram estabelecidas as Comissões gião Metropolitana de Belo Horizonte – Vetor Norte
Pró-Conferência Nacional de Comunicação – muitas (São José da Lapa), Triângulo Mineiro (Uberlândia) e
delas criadas tendo o apoio irrestrito do FNDC. Vale do Aço (Ipatinga).
Com a aglutinação de entidades a essas comis- Para a coordenadora do FNDC-MG, Lidyane Pon-
sões “pró”, foi constatada a necessidade de um fó- ciano, a mobilização de entidades na busca pela re-
rum permanente para a continuidade dos debates alização da Conferência Nacional despertou vários
sobre a democratização da comunicação no Bra- setores para a importância de se discutir a demo-
sil. Daí, o fortalecimento dos comitês estaduais do cratização da comunicação no Brasil. “Parceiros im-
FNDC e a criação de novos comitês nos últimos dois portantes aderiram ao Fórum, em Minas e em todo
anos. Grande parcela das entidades e dos atores en- o Brasil. Essa coalizão de forças é muito importante
volvidos na luta veem no FNDC um fórum legítimo e para a nossa luta”, avalia.
reconhecido, por sua seriedade e profundidade nas Segundo Lidyane, o FNDC deve trabalhar para
discussões. ampliar seus comitês, manter as discussões vivas no
Em 2008, foram criados comitês estaduais no interior do Brasil e lutar pela efetivação das políticas
Distrito Federal, no Vale do Sinos e do Paranhana públicas que serão aprovadas na Confecom.
•••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••

agentes de pastoral, cidade onde nasceu o


pesquisadores, pro- encontro. Desta vez,
fessores, estudantes e o FSM será espalhado
Muticom interessados nos temas pela região metropo-
O Mutirão de Comuni- e de uma sociedade da comunicação. A litana da capital dos
cação América Latina mais justa, livre e com- participação é aberta gaúchos, com o apoio
e Caribe será realizado prometida com a paz. ao público em geral. In- dos governos dos sete
de 3 a 7 de fevereiro de Promovido pela Con- formações e inscrições: municípios onde ocor-
2010, em Porto Ale- ferência Nacional dos www.muticom.org. rerão as atividades –
gre (RS), na Pontifícia Bispos do Brasil, pelo ••••••••••••••• Porto Alegre, Canoas,
Universidade Católica do Conselho Episcopal Sapucaia do Sul, São
Rio Grande do Sul – PU- Latino-americano (CE- Leopoldo, Novo Ham-
CRS. O evento reunirá LAM), pela Organização burgo, Campo Bom e
representantes de 37 Católica Latino-America- Sapiranga. O tema será
países para debater e na e Caribenha de Co- FSM 2010 a crise global.
trocar experiências so- municação (OCLACC), o A 10ª edição do Fórum Para mais informações:
bre práticas de comuni- mutirão contará com a Social Mundial aconte- fsm2010@yahoo.com.br
cação capazes de ajudar participação de comu- cerá entre os dias 25 e ou http://www.forumso-
na promoção de uma nicadores e animadores 29 de janeiro de 2010, cialmundial.org.br/.
cultura de solidariedade de organizações sociais, em Porto Alegre (RS),

30 MÍDIAComDEMOCRACIA

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