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Não, não é. O artigo 149 do Código Penal, que prevê de dois a oito anos
de cadeia para quem se utilizar dessa prática, é de 1940 e foi reformado em 2003 para ficar mais claro. Ele prevê o crime em quatro situações:
cerceamento de liberdade de se desligar do serviço, servidão por dívida, condições degradantes de trabalho e jornada exaustiva.
Tribunais já utilizam, sem problemas, o conceito de trabalho escravo. A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal tem aceitado
processos por esse crime com base no artigo 149. A Organização Internacional do Trabalho e a relatora para formas contemporâneas de
escravidão das Nações Unidas, Gulnara Shahinian, elogiam o conceito brasileiro (ao contrário do que querem fazer crer algumas declarações
de parlamentares que distorceram suas palavras e documentos). O governo federal, as empresas do Pacto Nacional pela Erradicação do
Trabalho Escravo (que reúne as maiores empresas do país) e organizações sociais brasileiras defendem a manutenção do atual conceito de
trabalho escravo. O Comitê de Peritos da Organização Internacional do Trabalho, composto por 20 dos mais respeitados juristas do mundo,
vem reafirmando que a Convenção 29, que trata de trabalho forçado, inclui condições degradantes de trabalho. Considerar condições
degradantes como trabalho escravo não é algo que surgiu do nada, mas veio de uma evolução do conceito e do combate a esse crime.
Não. Todo o sistema de combate ao trabalho escravo no país está fundamentado no atual conceito de trabalho escravo. Se ele for alterado, o
sistema desmorona e milhares de trabalhadores ficarão sem receber seus direitos. Além disso, pela Constituição, o Brasil não pode retirar
proteção do trabalhador - o que aconteceria com mudanças no conceito como querem alguns parlamentares.
Não, de forma alguma. O que está tutelado no artigo 149 não é apenas a liberdade, mas sim a dignidade da pessoa humana. Somos seres
humanos porque nascemos iguais em direito à mesma dignidade. E, portanto, temos os mesmos direitos fundamentais que, quando violados,
nos arrancam dessa condição e nos transformam em coisas, instrumentos descartáveis de trabalho. Ou seja, é importantíssimo que se
mantenha a punição para quem desrespeita a dignidade do trabalhador, sujeitando-o a condições de alojamento, alimentação, trabalho, saúde,
segurança desumanas. Condições degradantes é configurado por um conjunto de autuações contra situações que colocam em risco a saúde e
a vida do trabalhador. Nunca alguém foi considerado em situação degradante por falta de copo plástico ou espessura fina de colchões.
Não, de forma alguma. Jornada exaustiva não é trabalhar por muitas horas seguidas. Caso contrário, um médico ou um jornalista de plantão
estariam nessa situação. Jornada exaustiva não tem a ver com a duração da jornada, mas como a saúde e a segurança do trabalhador são
negadas durante essa jornada. Jornada exaustiva caracteriza-se quando o trabalhador é submetido, de forma sistemática, a um esforço
excessivo, com tal sobrecarga de trabalho e sem tempo suficiente para se recuperar fisicamente que pode ter danos à sua saúde ou estar em
risco de morte. Na jornada exaustiva, nega-se o direito de trabalhar de forma a proteger sua saúde, garantir o descanso e permitir o convívio
social. Assume importância a análise do ritmo de trabalho imposto ao trabalhador, quer seja pela exigência de produtividade mínima por
parte do empregador, quer seja pela indução ao esgotamento físico como forma de conseguir melhora na remuneração ou a manutenção do
emprego. Um bom exemplo são as duas dezenas de cortadores de cana de açúcar que morreram de tanto trabalhar no interior do Estado de
São Paulo nos últimos anos.
6) Há produtores rurais que foram autuados por trabalho escravo devido à distância entre beliches, espessura do colchão, falta de
copos para beber água, de carteira assinada e de um local adequado para refeições.
Mentira. Esse é um argumento facilmente desconstruído. Quando um auditor fiscaliza um produtor, ele emite autos de infração sobre todos
os problemas encontrados. Mas não é auto de infração de colchão fino que configura o trabalho escravo. Quando ouvir um produtor ou
parlamentar dizer isso, pergunte sobre os outros autos de infração recebidos, sobre os quais nunca alguém quer falar. Além do mais, não é
apenas um auto que caracteriza trabalho escravo, mas um pacote deles, mostrando as péssimas condições dos trabalhadores.
7) O atual conceito causa insegurança jurídica porque ninguém sabe o que é trabalho escravo.
Não, isso é uma falácia. A tentativa de mudar um conceito conhecido e aplicado é que vai levar à insegurança jurídica, com milhares de
processos tendo que tomar um novo rumo, trabalhadores desconhecendo seus direitos, produtores rurais na dúvida de que decisões tomar.
Até porque qualquer mudança, seja no artigo 149, seja em lei específica, será questionada não apenas junto ao STF, por reduzir a proteção
do trabalhador, mas também nas Nações Unidas e na OIT. O que é melhor? Um produtor reconhecer esse conceito como válido e se adequar
ou uma guerra jurídica de anos? Há parlamentares que consideram o conceito inseguro porque, na verdade, não concordam com ele.
Porque o trabalho escravo foi formalmente abolido em 13 de maio de 1888 e o Estado passou a considerar ilegal um ser humano ser dono de
outro. O que permaneceram foram situações semelhantes ao trabalho escravo, tanto do ponto de vista de cercear a liberdade quanto de
suprimir a dignidade do trabalhador, tratando-o como uma coisa, um objeto comercializado, não como um ser humano.
11) Por que ao invés de resgatar trabalhadores, o governo federal não faz visitas prévias para esclarecer os empregadores, dando
um tempo para que eles se adequem?
Se trabalho escravo fosse apenas um desrespeito à legislação trabalhista, isso seria possível, como ocorre quando são flagrados trabalhadores
sem carteira de trabalho assinada ou com problemas mais leves de saúde e segurança, por exemplo. Mas trabalho escravo é um crime contra
os direitos humanos, atentando contra a dignidade ou a liberdade do trabalhador. Nesse sentido, não faz sentido que, uma vez encontrados
trabalhadores em condições deploráveis de trabalho, os auditores fiscais, procuradores e policiais deixem essas pessoas nessas condições.
Pelo contrário, o que tem se verificado é que, sabendo com antecedência da visita da fiscalização, empresários mandam embora seus
trabalhadores nessas condições para não serem flagrados. Muitos vezes sem receber nada.
12) A culpa não é do empregador e sim de gatos, gerentes e prepostos. O empresário não sabe dos fatos que ocorrem dentro de sua
propriedade e por isso não pode ser responsabilizado.
O empresário é o responsável legal por todas as relações trabalhistas de seu negócio. A Constituição Federal de 1988 condiciona a propriedade
ao cumprimento de sua função social, sendo de obrigação de seu proprietário tudo o que ocorrer nos domínios da fazenda. Por isso, o
empresário tem o dever de acompanhar com frequência a ação dos funcionários que a administram para verificar se eles estão descumprindo
alguma norma da legislação trabalhista, além de orientá-los no sentido de contratar trabalhadores de acordo com as normas estabelecidas
pela CLT.
Desde 1995, quando o governo federal criou o sistema público de combate a esse crime, mais de 45 mil pessoas foram libertadas do trabalho
escravo no Brasil. No mundo, a estimativa da OIT é que sejam, pelo menos, 20 milhões de escravos. Não há estimativa confiável do número
de escravos no país. Na zona rural, as principais vítimas são homens, entre 18 e 44 anos; Na zona urbana, há também uma grande quantidade
de sul-americanos, principalmente bolivianos. Nos bordéis, há mais mulheres e crianças nessas condições. Dada a grande quantidade de
escravos analfabetos, verifica-se que trabalho escravo também é filho do trabalho infantil. O Maranhão é o principal fornecedor de escravos
e o Pará é o principal utilizador. As atividades econômicas em que trabalho escravo mais tem sido encontrado na zona rural são: pecuária
bovina, desmatamento, produção de carvão para siderurgia, produção de cana-de-açúcar, de grãos, de algodão, de erva-mate, de pinus.
Também há importante incidência em oficinas de costura e em canteiros de obras nas cidades.
14) Todas essas histórias sobre trabalho escravo mancham o nome dos produto brasileiros no exterior.
Pelo contrário, o Brasil é reconhecido internacionalmente pela Organização Internacional do Trabalho, pelo Conselho de Direitos Humanos
das Nações Unidas, pelo governo dos Estados Unidos, entre outros países, como referência global no combate ao trabalho escravo e na
adoção de um conceito de escravidão contemporânea que protege a liberdade e a dignidade do ser humano. Empresas signatárias do Pacto
Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, que estão entre as maiores do país, têm relatado que adotar políticas corporativas de combate
à escravidão em suas cadeias produtivas tem contribuído com a abertura de novos negócios no exterior. Ou seja, combater esse crime com
rigor abre mercados. Afrouxar o conceito, fecharia mercados.
15) Quero votar para defender a dignidade e a liberdade dos trabalhadores. Como eu faço?
Primeiro, vote a favor da PEC 57A/1999, a proposta de emenda constitucional que prevê o confisco de imóveis flagrados com escravos.
Então, vote pela inclusão dos elementos "condições degradantes de trabalho" e "jornada exaustiva" no projeto de lei do senador Romero
Jucá, que regulamenta a PEC. E vote pelo substitutivo ao projeto do senador Jucá a ser apresentado pelo governo. Dessa forma, os
trabalhadores e trabalhadoras do país vão lembrar de você como uma pessoa que contribuiu de forma fundamental para a dignidade desta e
das futuras gerações.
Para mais informações sobre a PEC do Trabalho Escravo, acesse trabalhoescravo.org.br. Fotos: Leonardo Sakamoto, no banco de imagens
do Especial PEC do Trabalho Escravo. Reprodução autorizada desde que citada a fonte.