You are on page 1of 27

Rev. Brasileira de Lingüística Aplicada, v.3, n .

l, 89-184, 2003 89

O efeito de diferentes métodos de ensino de


inglês como língua estrangeira na
compreensão de textos em inglês
Ana Almeida Falcão
Alina Galvão Spinillo
UFPE
O estudo examinou a influência de diferentes métodos de ensino de
inglês como língua estrangeira na compreensão de textos em inglês.
Trinta alunos de inglês falantes nativos do português (12 a 14 anos)
foram investigados. Metade da amostra freqüentava cursos de inglês
que adotavam uma Abordagem Comunicativa, e a outra metade
freqüentava cursos que adotavam uma Abordagem Áudiolingual. A
compreensão de textos, em inglês e em português, foi avaliada
através da reprodução de um texto lido e perguntas sobre o texto.
Apesar de todos os participantes apresentarem níveis semelhantes
de compreensão de textos em português, quando compreendiam o
texto em inglês, os alunos da Abordagem Comunicativa mostraram
níveis mais elaborados de com preensão do que os alunos da
Abordagem Áudiolingual. Concluiu-se que o método de ensino
desempenha papel importante na compreensão de textos em inglês.
This study examines whether different methods of teaching a foreign
language would have an effect 011 text com prehension in that
language. The participants were thirty students, Portuguese native
speakers, aged 12-14. Half of them attended schools that adopted
the Communicative Approach and the other half attended schools
that adopted the Áudiolingual Approach. Text comprehension
abilities, in Portuguese and in English, were evaluated in two tasks:
reproduction of a text and questions about a text. Although all the
students showed similar levels of comprehension when reading
Portuguese texts, when it came to understanding English texts, the
students in the Áudiolingual Approach program showed more
ele m e n tary levels of c o m p reh en sio n than th o se in the
Communicative Approach program.
90 Rev, Brasileira de Lingüística Aplicada, v.3, n .l, 90-184, 2003

De caráter interdisciplinar por excelência, o estudo da compreensão


de texto permeia todas as áreas do conhecimento, sendo considerado
um dos mais intrincados processos da mente humana. De natureza
lingüística e cognitiva, a compreensão de textos tem sido tema de estudo
de psicólogos, lingüistas e educadores.
Muitos estudiosos na área concentram-se na criação de modelos
de compreensão de textos que descrevem os fatores cognitivos e
lingüísticos envolvidos no processo de compreensão (e.g., Graesser e
Briton, 1996; Graesser, Swammer, Bagett e Sell, 1996; Graesser e
Zwaam, 1995). Diversos modelos são encontrados na literatura, sendo o
modelo de Construção-Integração (Cl) proposto por Kintsch (Kintsch,
1988; 1998; Kintsch e van Dijk, 1978; van Dijk e Kintsch, 1983) o mais
abrangente e de maior expressão na área. O modelo focaliza tanto o
conhecimento de mundo do receptor do texto como os elementos textuais,
especificando duas fases durante o processo de compreensão: (a)
construção - na qual um modelo mental é construído pelo leitor a partir
de seus objetivos, conhecimento de mundo e das informações veiculadas
no texto. Nesta fase, são estabelecidas conexões entre as proposições,
são ativados determinados conhecimentos anteriores e inferências são
estabelecidas; (b) integração - processo de natureza local e geral que
ocorre sempre que uma informação nova é adicionada, permitindo a
construção de uma rede integrada de sentidos. Este processo envolve a
identificação de inconsistências a nível local (entre proposições e
passagens do texto) e a nível geral (em relação ao texto como um todo).
A integração que ocorre no final do processo tem um caráter especial,
pois reflete a compreensão do texto como um todo organizado e coerente.
Os estudos empíricos conduzidos por inúmeros autores (e.g.,
Perfetti, Marron e Foltz, 1996; Oakhill e Yuill, 1996) apontam uma série
de fatores como responsáveis pela compreensão: (a) fatores lingüísticos:
sintáticos, semânticos, léxicos, habilidade de decodificação; (b) fatores
cognitivos: memória de trabalho, capacidade de monitoramento, e de
integração das informações veiculadas no texto e a capacidade de
estabelecer inferências.
D entre os fatores lingüísticos, a habilidade de decodificar palavras
é considerada importante, visto que limites na decodificação durante a
leitura são responsáveis por muitas das dificuldades de compreensão.
Entretanto, a decodificação não é suficiente para explicar as dificuldades
no p ro c e s so de co m p re en são , pois leito res sem d ific u ld a d es de
Rev. B rasileira de Lingüística Aplicada, v.3, n .l, 91-184, 2003 91
decodificação não são, necessariamente, bons compreendedores (Yuill
e Oakhill, 1991).
Dentre os fatores cognitivos, a memória de trabalho e as inferências
têm sido amplamente investigadas. Em extensa obra dedicada à
compreensão de leitura, Yuill e Oakhill (1991) e Oakhill e Yuill (1996)
afirmam que longe de ser um simples processo de busca de informações
textuais explícitas, a compreensão é um processo de integração e
construção de significados. Muitos dos estudos conduzidos pelas
pesquisadoras enfatizam a necessidade de diferenciar as informações
literais das informações inferenciais construídas durante a compreensão.
As informações literais seriam aquelas explicitamente encontradas na
superfície do texto; enquanto as inferenciais seriam informações
implícitas, derivadas da interação entre o conhecimento de mundo do
leitor e o texto em si.
As inferências, portanto, assumem papel crucial na compreensão
de textos, como enfatizado, por Graesser, Singer e Trabasso (1994) que
consideram que a com preensão de textos é determ inada pelo
estabelecimento de inferências construídas a partir do conhecimento de
mundo e das informações veiculadas no texto.
Segundo Marcuschi (1996), a compreensão de textos é uma
atividade de co-autoria realizada pelo autor e pelo leitor do texto, de
forma que o texto é parcialmente produzido pelo autor, e completado
pelo leitor. Nesta perspectiva, como também na perspectiva dos autores
acima citados, o processo inferencial tem papel de destaque, em que a
compreensão depende de conhecimentos pessoais prévios (informações
não textuais) e de informações textuais que, de maneira integrada,
permitem a construção de sentidos. Entretanto, ao mesmo tempo em
que a compreensão de textos envolve uma certa liberdade por parte do
leitor, esta liberdade é, ao mesmo tempo, direcionada pelo próprio texto,
de modo a evitar leituras incorretas ou não autorizadas. E a partir das
inferências, portanto, que se estabelecem relações entre as informações
textuais e entre essas e o conhecimento de mundo do leitor.
As inferências e a capacidade de integrar informações no texto
foram detalhadamente examinadas por Yuill e Oakhill (1991). Em um
dos estudos conduzidos pelas autoras, crianças de 7-8 anos com níveis
distintos de compreensão de textos (elementar e elaborado) ouviam,
individualmente, a leitura de oito pequenas histórias. Após a apresentação
de cada texto, o examinador lia quatro sentenças, tendo a criança que
•92 Rev. Brasileira de Lingüística Aplicada, v.3, n.J, 92-184, 2003

identificar se a sentença lida estava ou não presente na história que


acabara de ouvir. As sentenças eram de três tipos: (a) sentenças originais
que estavam presentes no texto (sentenças literais); (b) sentenças que
não estavam presentes no texto original, mas que continham informações
que podiam ser inferidas a partir dele (sentenças inferenciais válidas); e
(c) sentenças que não estavam presentes no texto original e que continham
informações que não podiam ser inferidas a partir dele (sentenças
inferenciais inválidas). Verificou-se que as crianças com um bom nível
de compreensão aceitavam tanto as sentenças literais como as sentenças
inferenciais válidas como estando presentes no texto original; enquanto
as crianças com dificuldades de compreensão aceitavam apenas as
sentenças literais como estando presentes no texto original. Concluiu-se
que as crianças com um bom nível de compreensão eram capazes de
integrar diferentes passagens do texto, de estabelecer inferências e de
representar o texto como um todo (modelo mental). As crianças com
dificuldades, por outro lado, apresentavam unia memória de trabalho
capaz de levá-las a reconhecer as sentenças literais como estando
presentes no texto original, porém, não construíam ativamente uma rede
integrada de sentidos que permitisse estabelecer inferências válidas.
Em um segundo estudo, Yuill e Oakhill (1991) investigaram as
relações entre a habilidade de fazer inferências e a memória de trabalho.
Utilizando os mesmos dois grupos de crianças, pediu-se aos participantes
que lessem, em voz alta, quatro histórias e respondessem perguntas
literais e inferenciais sobre cada uma. Duas condições foram aplicadas:
metade dos participantes em cada grupo respondia as perguntas sem que
o texto estivesse disponível, e a outra metade respondia as perguntas
com o texto presente, disponível para consulta. O principal resultado foi
que as crianças com um bom nível de compreensão apresentaram melhor
desempenho que aquelas com dificuldades de compreensão nas perguntas
inferenciais na condição sem texto, pois eram capazes de construir
sentidos a partir das informações implícitas no texto, quer o texto estivesse
presente ou não. As crianças com dificuldades, por sua vez, apresentavam
dificuldades em estabelecer inferências tanto na condição sem texto como
na condição com texto. Segundo as autoras, é provável que essas crianças
não percebam que podem e devem usar o conhecimento de mundo que
possuem, ao tentar compreender um texto, faltando-lhes desenvolver
habilidades metacognitivas como o monitoramento e a consciência
lingüística.
Rev. B rasileira de Lingüística Aplicada, v.3, n .l, 93-184, 2003 93

Os resultados deste estudo mostram que a memória de trabalho,


embora relevante, não pode ser considerada fator determinante da
compreensão, pois mesmo quando o texto encontrava-se disponível para
consulta, dispensando o uso da memória de trabalho durante a
compreensão, as crianças com dificuldades de compreensão eram
limitadas quanto ao estabelecimento de inferências, limite este que não
decorria de um déficit na memória de trabalho, mas de dificuldades de
processamento e, mesmo, de discernimento sobre a utilidade dos
conhecimentos de mundo e de estratégias metacognitivas que auxiliam
na compreensão de texto.
O estudos até então relatados, foram conduzidos com crianças em
sua língua materna, sendo importante discutir os resultados de pesquisas
que examinam a compreensão de textos em uma língua diferente da
língua materna (língua estrangeira e segunda língua).

Pesquisas sobre compreensão de textos em língua


estrangeira e em uma segunda língua
Upton (1997) examinou o papel desempenhado pela língua materna
e pela segunda língua nas estratégias de compreensão de textos escritos
na segunda língua, investigando, ainda, se haveria diferenças no uso
dessas estratégias em função do nível de proficiência do leitor na segunda
língua. Para tal, estudantes universitários japoneses alunos de inglês como
segunda língua foram divididos em dois grupos que variavam quanto ao
nível de proficiência em inglês. A tarefa consistia em ler um texto em
voz alta e ao mesmo tempo explicitar como faziam para superar as
dificuldades que encontravam para compreender o texto em inglês, sendo
a leitura e os comentários de cada participante gravados em protocolos.
Em seguida, através de uma entrevista retrospectiva, os participantes
eram solicitados a ouvir seus próprios protocolos e a responder perguntas
que objetivavam esclarecer e explicar os comentários e verbalizações
feitas durante a leitura. Os resultados mostraram que os alunos em níveis
de proficiência mais elementar tendiam a usar a língua materna,
recorrendo à tradução de palavras e sentenças, e recorrendo à paráfrase.
A língua materna também era freqüentemente usada como a língua para
pensai- sobre o significado do texto. Já os alunos com nível mais elevado
de proficiência descreviam partes do processo de compreensão em inglês,
94 Rev. B rasileira de Lingüística Aplicada, v.3, n .l, 94-184, 2003

utilizando estratégias mais globais para a interpretação do texto, e, ainda,


descreviam seus pensamentos na segunda língua. Assim, a língua que
os leitores usam para pensar e para processar um texto em uma segunda
língua corresponde ao nível de proficiência que possuem. Os menos
proficientes dependem em grande parte da língua materna para determinar
o significado de palavras e do texto como um todo e também para checar
sua compreensão. Os leitores mais proficientes, por outro lado, são menos
dependentes da língua materna ao implementarem estratégias de
compreensão. Concluiu-se que quanto mais proficientes na segunda
língua, menos freqüentemente recorrem à língua materna durante o
processo de compreensão e durante a explicitação das estratégias de
compreensão.
Pinto (1996) realizou um estudo com oito alunos de pós-graduação
brasileiros (falantes nativos do português) que participavam de um curso
de inglês como língua estrangeira. No início do curso os participantes
foram avaliados em compreensão de textos através de entrevistas,
questionários e observações em sala de aula. As dificuldades de
compreensão inicialmente identificadas foram superadas após uma
intervenção voltada para promover o controle dos processos cognitivos
relevantes para a compreensão (dedução, inferência e a integração de
idéias). A intervenção se caracterizava por um programa instrucional
destinado a levar os alunos a refletir sobre a natureza do processo de
leitura de textos em inglês; a monitorar a compreensão de textos e a
desenvolver estratégias para superar suas dificuldades durante a leitura.
Após a intervenção observou-se ganhos lingüísticos e mudanças no estilo
de leitura dos alunos os quais passaram a usar estratégias cognitivas
voltadas para o estabelecimento de inferências e para o monitoramento
da compreensão. Ao mesmo tempo, os alunos tornaram-se mais
independentes e com atitudes mais favoráveis à aprendizagem de uma
língua estrangeira. A importância deste e de outros estudos de intervenção
reside em ensinar o aluno a aprender melhor, enfatizando não somente a
língua a ser aprendida, mas, sobretudo, a melhor forma de aprendê-la.
Apesar de raras, algumas pesquisas comparam a eficácia de
diferentes métodos de ensino quanto a habilidades específicas como ler,
escrever, compreender e falar. Um exemplo, é o estudo de Campbell
(1989) que investigou o efeito de diferentes métodos de ensino sobre a
aprendizagem do Espanhol como língua estrangeira por falantes nativos
de inglês. O objetivo do estudo era testar a eficácia de um método
Rev. B rasileira de Lingüística Aplicada, v.3, n .l, 95-184, 2003 95

particular de ensino denominado Guided Design no desenvolvimento


de habilidades cognitivas de alto nível: proficiência em leitura e escrita
do Espanhol. Universitários alunos de curso de espanhol foram divididos
em três grupos, em função do método de ensino aplicado. Um grupo de
alunos foi submetido ao método Guided Design, programa baseado em
um modelo de aprendizagem que envolve uma progressão sistemática
em uma série de atividades voltadas para estimular habilidades
intelectuais de alto nível através de situações de resolução de problemas
que estimulavam o pensamento crítico. Um segundo grupo foi submetido
a uma versão simplificada do Guided Design a qual envolvia apenas
parte do programa. A um terceiro grupo foi aplicado o Cognitive-Code,
método de ensino que enfatizava o estudo das estruturas gramaticais
através de exercícios de gramática, explicações fornecidas pelo instrutor
e pelo livro de inglês adotado. Os resultados indicaram que os alunos
submetidos ao programa Guided Design apresentavam um maior domínio
da escrita do que os alunos dos dois outros grupos; e que os alunos
submetidos à versão simplificada do Guided Design apresentavam
resultados em escrita superiores aos alunos do Cognitive-Code. A
habilidade de compreensão, entretanto, não diferia entre os três grupos.
Segundo a autora, este resultado decorreu do fato de que o material
didático utilizado nos três grupos não fornecia leituras freqüentes em
espanhol, havendo lacuna na exposição de leituras em espanhol.
Considerando-se os estudos citados, nota-se que de um lado estão
pesquisas que examinam a compreensão de textos (Pinto, 1996; Upton,
1997) e de outro aquelas que examinam a eficácia de diferentes métodos
de ensino (Campbell, 1989). Entretanto, por ser a compreensão de textos
habilidade extremamente relevante na aprendizagem de uma nova língua,
torna-se importante examinar, através de estudo especificamente voltado
para este fim, se a habilidade de compreensão de textos seria influenciada
por diferentes métodos de ensino de língua estrangeira, sendo este o
objetivo da presente investigação.
Antes, porém, da apresentação do estudo e seus resultados, torna-
se necessário caracterizar brevemente os dois métodos de ensino de inglês
como língua estrangeira que serão abordados nesta investigação: Método
Audiolingual e a Abordagem Comunicativa.
96 Rev. Brasileira de Lingüística Aplicada, v.3, n.l, 96-184, 2003

Método Audiolingual e a Abordagem Comunicativa


Segundo Cohen (1998), aprender uma segunda língua significa
aprender a língua na comunidade de falantes desta língua; enquanto que
aprender uma língua estrangeira significa aprender uma dada língua em
uma comunidade na qual a língua falada difere daquela que está sendo
aprendida. Desta forma, aprender inglês no Brasil, cuja língua materna
é o português, significa aprender inglês como língua estrangeira.
Apesar de variações entre eles, os cursos de inglês tendem a adotar,
basicamente, duas perspectivas distintas de ensino: uma em què a
aprendizagem se baseia fundamentalmente na tradução, memorização e
exercícios de fixação; e outra em que aprender significa se comunicar
adequadamente em diversos contextos sociais. Essas duas perspectivas
se traduzem na prática em dois métodos distintos: um método centrado
na língua enquanto código, representado pelo Método Audiolingual
(.Audio-Lingual M eth o ã f , e outro, centrado na língua enquanto
com unicação, representado pela Abordagem C om unicativa
{Communicative ApproacKf . Inúmeros autores procuraram caracterizar
cada uma dessas abordagens (e.g.; Canale e Swain, 1980; Littlewood,
1981; 1984; Richards e Rodgers, 1986).
A teoria de língua subjacente ao Método Audiolingual derivou da
visão proposta por lingüistas americanos na década de 50, conhecida
por lingüística estrutural, desenvolvida em oposição à gramática
tradicional. Nela, a língua é considerada como um sistema de elementos
relacionados estruturalmente para codificação do significado. Aprender
uma língua consiste em dominar os elementos ou blocos construtivos de
língua e aprender as regras através das quais os elementos são
combinados.
A teoria de língua subjacente à Abordagem Comunicativa enfatiza
a língua como comunicação, de forma que os aprendizes precisam dar
conta não somente das formas lingüísticas, significados e funções, mas,
também, de como a língua é estruturada em cada contexto social em
função dos papéis desempenhados pelos interlocutores. O ensino tem
Também denominado Abordagem Estrutural (Structural Approach).
A Abordagem Comunicativa é também denominada Ensino Comunicativo da Lín­
gua (Communicative Language Teaching) e Abordagem Funcional (Functional
Approach).
Rev. B rasileira de Lingüística Aplicada, v.3, n .l, 97-184, 2003 97
por objetivo desenvolver no falante uma competência comunicativa,
tornando-o capaz de adquirir conhecimentos e habilidades para usar a
língua em diversas situações. Esta abordagem considera que a língua:
(a) é um sistema para expressão de significados; (b) tem por função
básica a interação e a comunicação; e (c) possui uma estrutura que reflete
seus usos e funções.
Tais diferenças quanto ao conceito de língua adotado por essas
duas abordagens se traduzem na prática em características metodológicas
distintas, como sugerem Finocchiaro e Brumfit (1983, pp.91-93);
características estas sumariadas na Tabela 1.
M é to d o A udioJingual A bo rd ag e m C o rm n i c a tiv a
Ertfase na estrutura m as do que Sigpificado é central, bem co rro a
no açpftcado função
M em orização de diálogos D iálogos centrados em funções
baseados na estrutura co rm ica tiva s, pouca rrem orização
Língua não é, necessariamente, ContextuaíizaçãQ é a premissa
corttextualizada básica
A prender a iíngua é aprender A prender a língua é aprenda- a
estruturas, sons ou palavras c o rro i car-se
C o rro i cação eficiente é
Treino é e stim ia d o
estirrUada
Repetição ocorre, rra s não é
Repetição é uma técnica central
essencial
Busca-se uma pronúncia de Busca-se u n a pronúncia
fa iante nativo compreensível
A tividades comunicativas são
incentivadas apenas após longo A tividades c o rm i cativas são
período de exercidos de estim Jadas desde o início
repetição
O uso da língua materna é A ceita-se o uso da língua materna,
desaconselhado quando necessário
Ler e escrever são aguardados Ler e escrever são incentivados
até que o aím o consiga falar desde o início

C orrpetênda lingüística C orrpetênda co m -o cativa

A seqüênda de u id a d e s é
A seqüência de unidades é
determinada por corsaderações
deterrrinada pelos princípios de sobre o conteúdo, a função e o
com plexidade lingüística
significado
Lírgua é criada pelo indivíduo,
’Língua é hábito' e os erros geralmente através de tentativa e
devem ser evitados
erro

T abela 1; R esum o das principais características dos dois m étodos de ensíno


98 Rev. B rasileira de Lingüística Aplicada, v.3, n .l, 98-184, 2003

Uma vez que o presente estudo coloca em perspectiva esses dois


métodos de ensino, torna-se relevante apresentar, pelo menos em linhas
gerais, como a compreensão de textos é trabalhada em sala de aula,
segundo cada um desses métodos. Para tal, foram realizadas observações
em salas de aula, análise do material didático adotado nas atividades
que envolviam compreensão de textos e entrevistas informais com os
professores.
No Método Audiolingual, o ensino das habilidades orais (ouvir e
falar) antecede o ensino das habilidades escritas de ler e de escrever.
Como o principal objetivo é automatizar as respostas orais do aprendiz,
os textos trabalhados em sala de aula constituem-se, prioritariamente,
em diálogos entre interlocutores em situações diversas, enfatizando-se
a pronúncia correta, a entonação e o ritmo de leitura do texto escrito. O
texto é tratado como um instrumento de treino de leitura (decodificação
de palavras, aspectos estruturais da língua e ampliação de vocabulário)
mais do que como um instrumento que veicula um sentido a ser
compreendido. Observa-se uma ênfase na decodificação de informações
literais, isto é, naquelas que estão explicitamente mencionadas no texto.
Na Abordagem Comunicativa, o trabalho com as quatro habilidades
- ouvir, falar, ler e escrever - é integrado. Há uma grande variedade de
tipos de textos veiculados em sala de aula, mesmo nas fases iniciais do
curso, tais como: cartas, mensagens, anúncios de jornal, diálogos,
pequenos relatos, histórias e textos descritivos. Figuras e ilustrações
servem de suporte à compreensão. Aos aprendizes é solicitado que
identifiquem os diferentes tipos de textos apresentados, estabelecendo
relações entre o conhecimento de textos em sua própria língua e os tipos
de textos na língua estrangeira. O texto é tratado, prioritariamente, como
um instrumento que veicula um sentido a ser compreendido, estando
este sentido associado a inform ações veiculadas no texto e ao
conhecimento de mundo do leitor.
Diante dessas diferenças conceituais e metodológicas, é importante
perguntar: Seriam tais diferenças capazes de gerar diferentes níveis de
compreensão de textos nos alunos? Esta é a questão principal tratada no
estudo descrito a seguir.
Rev. B rasileira de Lingüística Aplicada, v.3, n .l, 99-184, 2003 99

Método
Participantes
Trinta alunos, de ambos os sexos, falantes do português como língua
materna, com idades entre 12 e 14 anos, de classe média, freqüentando
escolas de inglês como língua estrangeira na cidade do Recife. Metade
dos participantes eram alunos de escola cuja prática de ensino consistia
na Abordagem Comunicativa e a outra metade era alunos de escola cuja
prática de ensino consistia no Método Audiolingual.
Os participantes foram selecionados a partir dos seguintes critérios:
(1) haver estudado inglês de forma consecutiva em um período de dois a
três anos, sem interrupções, apresentando, portanto, um mesmo nível de
escolaridade em inglês; (2) haver estudado inglês através de um único
método, quer em uma mesma escola quer em várias; (3) serem
monolíngües em português, sem nunca terem morado em país de língua
inglesa ou de outra língua que não o português; (4) ser o inglês a primeira
e a única língua estrangeira que aprenderam ou estavam aprendendo.

Material
Dois textos foram utilizados: uma história em português10
(Apêndice 1) e uma em inglês11 (Apêndice 2). Os textos eram
semelhantes quanto a diversos aspectos: (a) pertenciam a um mesmo
gênero textual (narrativo literário); (b) versavam sobre personagem
incom um ; (c) apresentavam sem elhanças quanto ao número e
características dos personagens principais; (d) envolviam cenários do
cotidiano; e (e) a conclusão requeria o estabelecimento de inferências
essenciais para a compreensão do texto. Algumas adaptações foram feitas
no sentido de tomar próximo o número de palavras das histórias (499,

A história em português intitulada “História triste de tuim”, foi escrita por Rubem
Braga, retirada da coletânea “Para Gostar de Ler”, volume I - Crônicas, Editora Ática,
1986.
A história em inglês intitulava-se “The Manatee”, escrita por Philippa Pearce, reti­
rada da coletânea “Lion at School and Other Stories”, Puffin Books, 1986.
100 Rev. Brasileira de Lingüística Aplicada, v.3, n .l, 100-184, 2003

em português e 474, em inglês) e quanto à criação de passagens que


envolvessem o estabelecimento de inferências.

Procedimento e planejamento experimental


A coleta foi realizada individualmente em duas sessões com um
intervalo de dois dias entre elas. Duas tarefas de compreensão foram
aplicadas: reprodução de uma história lida e responder perguntas sobre
esta mesma história. Na primeira sessão, os participantes realizaram as
tarefas de compreensão da história em português e na segunda sessão,
realizaram as tarefas de compreensão da história em inglês. As instruções
e a realização das tarefas ocorriam em português. Esclarecimentos sobre
palavras desconhecidas eram fornecidos. Ambas as sessões foram
gravadas e posteriormente transcritas o mais literalmente possível.
A Tarefa de Reprodução consistia na leitura de um texto pelo
participante, sendo solicitado a reproduzir oralmente a história com suas
próprias palavras. Esta tarefa avalia a compreensão de textos de maneira
global, focalizando a capacidade do indivíduo em selecionar
espontaneam ente as informações relevantes de um dado texto,
reproduzindo as relações essenciais entre elas. Avalia, ainda, a capacidade
de reproduzir fielmente as informações contidas no texto original,
respeitando sua seqüência e organização estrutural de forma a reproduzir
um texto coerente e integrado.
A Tarefa de Perguntas consistia em responder a perguntas literais e
inferenciais (Tabela 2) que eram apresentadas oralmente em uma ordem
fixa, seguindo a seqüência em que as informações apareciam no texto.
Esta tarefa avalia, ao contrário da reprodução, a compreensão pontual a
respeito de determinadas informações e partes específicas do texto. Nesta
tarefa, o participante não precisava selecionar as informações relevantes,
como ocorre na reprodução, pois as perguntas já se encarregaram de
fazer esta seleção por ele12. Através de perguntas é possível avaliar se
determinadas informações relevantes que não foram espontaneamente
mencionadas na reprodução da história foram ou não compreendidas

Para maiores detalhes a respeito das diferentes demandas lingüísticas e cognitivas


envolvidas em diferentes tarefas de compreensão de textos usualmente adotadas na
pesquisa na área, consultar Brandão e Spinillo (1998).
Rev. B rasileira de Lingüística Aplicada, v.3, n .l, 101-184, 2003 101

pelo indivíduo. Desta forma, ambas as tarefas de compreensão adotadas


se complementam.
P erg u n tas sob re o te x to e m Português N a tu re z a

01 O n d e o m enino achou o tu im ? Literal

02 Q u e tipo d e bicho é o tiim ? C om o você sabe? Iriferencial

03 Quantos tuins havia na casa que o menino achou? Literal

04 O ttim do menino tinha partes azus? inferencial

05 P or que o m erino vivia com o ouvido no a -? I nferencial

A o voltarem para São P aiio , o pai avisou ao


06 Literal
m erino que o tuim não podia a rd a* solto. Por que?

07 E m São Paulo, onde ficava o tuim? Literal

Pouco tem po depois, iá o já em São Paulo, o tiim


08 do menino surriu. Q u e idéia teve o merino quando Literal
não conseguiu achar o tuim?

09 O que fez o menino com a teso ira? 1n fe re n cia l

10 O que aconteceu com o tuim no finai da história? 1nferencial

P erg u n tas sob re o te x to e m í ngfês N a tu re z a

O que T o tty e seu a v ô com eram após ire m ao


01 Literal
p arq u e?

02 D e que falava o livro que o seu avô lhe mostrou? Literal

Q u e tipo d e animai é o manatee? C om o você 1nferencial


03
sabe?

04 P or que Totty ficou com medo do manatee? 1nferencial

Com o eram os canas no Q uarto em que Totty


05 Literal
ficou?

06 Q u e tipo d e som, vindo d a escada, Totty escutou? Literal

A p ó s ouvir o som Totty fechou os olhos. O que Literal


07
ele viu quando abriu os olhos?

Por que Totty ficou feliz em saber que manatee 1nferencial


08
eram vegetarianos?

Qua! a idéia errônea/errada que o avô de Totty 1nferencial


09
tinha sobre os manatee?

Em que Totty estava pensando qLendo sorriu no 1nferencial


10
finai d a ü ^ ó ria?

T abela 2: Perguntas apresentadas.


102 Rev. Brasileira de Lingüística Aplicada, v.3, n .l, 102-184, 2003

A ordem fixa de aplicação das tarefas deveu-se a duas razões: (a)


optou-se pela reprodução antes das perguntas de maneira a evitar que as
perguntas influenciassem a reprodução da história; e (b) optou-se por
aplicar primeiro as tarefas em português porque os resultados de um
estudo piloto mostraram que os participantes sentiam-se mais à vontade
quando a primeira história era em português, sua língua materna, do que
quando iniciava-se pela história em inglês.

Análise dos dados


Reprodução da história
As reproduções foram analisadas com base nas categorias propostas
por Brandão e Spinillo (1998; 2001)13, e com base na presença ou
ausência de duas inferências cruciais para a compreensão do texto em
português (1. Que tipo de animal era o tuim; e 2. O que aconteceu ao
tuim no final da história); e de duas inferências cruciais para a
compreensão do texto em inglês (1. Que tipo de animal era o manatee\
e 2. O manatee visitou o menino ou isso foi apenas um sonho). As
categorias utilizadas são descritas e exemplificadas a seguir14:
Categoria I - reproduções globais, com referência ao problema
central e ao desfecho. Observa-se omissão e/ou troca de informações
relevantes. Reproduções incompletas, principalmente quanto à cadeia
causal da história. As duas inferências principais não são mencionadas.
Exemplo 1 (texto em inglês): <(Â história fala de,,, é... um menino
foi visitar o avô e tava lendo um livro e viu um bicho assim imaginário.
Aí perguntou pro avô onde ele vivia e o que ele comia. O a.vô disse que
ele vivia na água; só disse isso. E. .. ele ficou assustado, mas não valeu
a. pena, porque o bicho não fazia mal a ninguém. ”

Estas categorias tiveram origem em uma análise realizada por Marcuschi (1989)
em que o texto original era dividido em blocos de informação. A reprodução era
analisada em função da presença/ausência desses blocos.
w~2
As reproduções exemplificadas são apresentadas o mais fielmente possível, justifi­

— ~ —

cando-se, assim, o uso de expressões coloquiais e pausas. Como os textos foram


reproduzidos oralmente, o emprego da pontuação foi atribuído pelo examinador em
suas transcrições.
Rev. B rasileira de Lingüística Aplicada, v.3, n .l, 103-184, 2003 103

Exemplo 2 (texto em português): “O tuim... Tinha um menino que


foi passar as férias numa granja. Nessa granja havia uma árvore, que
nessa árvore tinha uma casa. Nela, quando o menino subiu, encontrou
três tuins, quatro tuins: isso aí A í ele pegou o tuim, esses três tuins e
levou para dentro de casa. Dois morreram e só ficou um. Com esse
tuim, ele ficou o tempo todo com ele, todas as férias com ele. E, toda vez
que aparecia visita na casa, o tuim começava afazer brincadeira. E o
pai dele vivia falando: “Toda vez que passar um bando cle tuim, o tuim
tem que ir embora, porque senão ele vai morrer de tristeza. ” Então, um
dia passou um bando de tuim e o menino começou a chorar, chorar
pensando que o tuim tinha ido embora. Mas, de repente, viu que o tuim
estava na varanda. A í todos ficaram muito felizes. O menino, por sua
teimosia, deixou o tuim um dia solto no quintal, pois toda vez que
chamava, ele voltava. Mas teve uma vez que o tuim não voltou. Então, o
menino procurou pelos vizinhos, o tuim, e não encontrou. A í o menino
foi no armazém de perto e perguntou se alguém tinha comprado comida
de tuim. Então, o menino pegou, foi na casa chorando e pegou o tuim de
volta e voltou para casa e nunca mais deixou ele solto no quintal.
Pronto! ”
Categoria II - semelhante à Categoria I, porém as reproduções são
comp] etas, estando presente a cadeia causal da história. Apenas uma das
duas inferências principais é explicitada.
Exemplo 3 (texto em português): “E a história de um menino que
um dia subiu numa ân>ore bem alta... aí ele já tava perto lá do ninho de
tuim, era uma casinha. Lá no quartinho escondido tinham três filhotinhos
; aí ele, com uma varinha de bambu, pegou, sem quebrar. A í ele pegou
e levou pra casa, aí um tuim morreu, depois outro morreu, aíficou um.
Já onde as pessoas criam tuim de casal, pra ver os dois namorando
mas, como os dois morreram, ele foi criado sozinho. A í o pai do menino
vivia dizendo que tuim era acostumado a viver em bandos e, se um dia
aparecesse um bando, ele tinha que ir, porque se o menino não deixasse
ele ir e, ele ficasse preso, ele podia morrer de tristeza. A í um
dia... assim... combinaram pra ver ser ia ou não ia levar ele pra cidade,
porque eles tavam de férias; aí eles resolveram que iam levar. Aí, lá na
cidade, ele não deixava o tuim sair porque ele podia fugir, mas aí ele
achou que um dia se deixasse o tuim brincar no quintal um pouquinho
não ia ter problema nenhum, aí ele deixou. Aí, todo dia ele deixava, aí
104 Rev. Brasileira de Lingüística Aplicada, v.3, n .l, 104-184, 2003

ele fala “Vem cã, tuim, aí toda vez cie ia , aí teve uma vez que ele não
veio, aí o filhote ficou todo preocupado, aí o tuim... ele saiu procurando
de casa em casa, aí não achou; aí ele teve uma idéia, ele foi no armazém
onde comprava comida de tuim e falou se alguém tinha comprado a
comida... aí falaram, que sim, aí ele fo i chorando e caminhando pra
casa de onde tinham comprado e lá, ele voltou com o tuim alegre. Aí,
ele pegou uma tesoura e cortou, a asinha do tuim e... pra ele não fugir
mais... Aí, deixou, brincar no quintal. ”
Categoria III - reproduções completas, estando presente a cadeia
causal da história. As duas principais inferências são explicitadas.
Exemplo 4 (texto em português): tsÉ! Foi um menino que ele estava
passando suas férias na roça. Então, um dia ele viu uma casinha em
cima de um galho; então, ele subiu e não conseguiu chegar muito perto,
e com uma vara cle bambu tirou aquela casinha e, lá dentro, havia três
passarinhos. Os passarinhos eram... (pausa) tuins! É... ele então pegou
estes três passarinhos e começou a cuidar deles, um... eles eram muito
feios, eles tinham um... quase não tinham rabo e eram verde. Então, ele
começou a cuidar dos tuins, e um dia os dois morreram e só ficou um.
Então, ele levou para sua casa e começou a cuidar dele, então resolveu
deixar ele na árvore. Todo dia quando ele chamava, o tuim apa?‘ecia.
Mas seu pcii sempre vinha avisando para ele que um dia, quando um
bando de tuins passasse, ele ia junto. Então, um dia, quando ele estava
catando minhocas para pescar, ouviu um bando passando e, quando
chamou o tuim, o tuim não apareceu. Então, ele começou a chorar e seu
pai... e ele só parou de chorar quando seu pai lhe deu uma bronca,
dizendo que um dia isso poderia acontecer. Então, quando ele menos
esperou, passou o tuim... e veio o tuim voando, então ele ficou muito
alegre. Então teve uma reunião de família e eles voltaram para São
Paulo e ele resolveu trazer o tuim pra casa. Ele começou a cuidar do
tuim com muito amor... O pai dele disse que ele era um bicho cla. roça,
que não podia ficar muito preso. Então, ele resolveu deixar o tuim no
quintal de sua casa. É... ele estava brincando e quando chamou o tuim,
o tuim não apareceu, então ele começou a chorar e saiu perguntando
pela sua vizinhança se alguém tinha visto tuim. Ninguém encontrou. Até
que ele teve a idéia de ir até o armazém, quando chegou lá, perguntou
se alguém tinha comprado comida para. tuim. E o homem disse que uma
pessoa de uma casa havia comprado. Então ele foi lá e viu e trouxe o
Rev. B rasileira de Lingüística Aplicada, v.3, n .l, 105-184, 2003 105

tuim todo alegre. E só havia um jeito de deixar o tuim no seu quintal


sem fugir. Ele pegou uma tesoura e cortou suas asas. E quando ele foi lá
dentro buscar comida para o tuim, quando voltou, chamou o tuim, o
tuim não veio e viu umas marcas de sangue na calçada. E quando olhou
assim para o lado, viu um felino ruivo com o tuim... ê... que havia comido
o tuim. ”
Como pode ser notado, essas categorias de reprodução, como
afirm ado por M arcuschi (1996), se constituem em um tipo de
retextualização, uma vez que ao mesmo tempo que depende de um
modelo fornecido previamente pelo texto original, o texto reproduzido
sofre modificações quedecorrem, no caso, de variações de compreensão
do leitor.
As reproduções foram analisadas por dois juizes independentes,
cujo índice de concordância entre eles foi de 73.5%. Os casos de
desacordo foram julgados por um terceiro juiz, também independente,
cuja classificação foi considerada final. A Tarefa de Perguntas foi
analisada em função do número de acertos.

Resultados
Reprodução da História
Como ilustra a Tabela 3, o Qui-quadrado não detectou diferenças
significativas entre as escolas quanto à reprodução do texto em português
(c2=.20, p>.05), visto que a maioria das reproduções em toda a amostra
se concentra na Categoria II (cadeia causal presente e uma das inferências
é explicitada). Isto significa que os participantes em ambos os grupos
apresentavam um mesmo nível de compreensão de textos em português.
No texto em inglês, entretanto, verificou-se diferenças significativas
entre as escolas (c2=6.63, p<.05). Os alunos da Abordagem Comunicativa
apresentavam um melhor desempenho em compreensão de textos em
inglês do que os alunos do Método Audiolingual, visto que a quase
totalidade das reproduções se concentrava na Categoria II e nenhuma
delas alcançou a Categoria III (cadeia causal presente e as duas
inferóencias são explicitadas); enquanto 26.7% das produções da
Abordagem Comunicativa foram classificadas nesta categoria mais
elaborada.
106 Rev. B rasileira de Lingüística Aplicada, v.3, n .l, 106-184, 2003

Comunicativa Audiolingual
Categorias Texto em Texto em Texto em Texto em
Português Inglês Português Inglês

I 3(20) 1 (6-7) 3(20) 1 (6.7)

II 8 (53.3) 10 (66.6) 9(60) 14 (93.3)

, III 4 (26.7) 4 (26.7) 3(20) 0

Tabela 3: Freqüência e percen tagem (em p arênteses) de participantes em cada categoria


na T arefa de Reprodução.

Comparando-se o desempenho na compreensão de textos em inglês


e em português em cada grupo de alunos, não se detectou diferenças
significativas tanto em relação aos alunos da Abordagem Comunicativa
como em relação aos alunos do Método Audiolingual (p>.05). No entanto,
embora esta diferença não seja estatisticamente significativa, vale
ressaltar que os alunos do Método Audiolingual tiveram um melhor
desempenho com o texto em português (Categoria III: 20%) do que com
o texto em inglês (Categoria III: 0%).
Outra diferença entre os dois grupos de alunos refere-se à
compreensão do texto em inglês: os alunos da Abordagem Comunicativa
apresentavam desempenho significativamente superior aos alunos do
Método Audiolingual (Comunicativa: 26,7% na Categoria III; e
Audiolingual: 0% na Categoria III). Nota-se, portanto, que nenhum aluno
do M étodo Audiolingual no texto em inglês explicitava as duas
inferências cruciais, enquanto quatro dos alunos da Abordagem
Comunicativa (26,7%) o fizeram. Este resultado sugere que, embora
todos os participantes tivessem um bom nível de compreensão de textos
na língua materna, existiam níveis distintos de compreensão quanto a
textos em língua inglesa, diferença esta que parece estar associada ao
método de ensino ao qual o aluno foi submetido. Esta diferença favorece
os alunos da Abordagem Comunicativa. As razões que justificam esta
diferença são discutidas ao final deste artigo.
Rev. Brasileira de Lingüística Aplicada, v.3, n.l, 107-184, 2003 107

Perguntas sobre a História


Como ilustra a Tabela 4, de modo geral, o percentual de acertos foi
semelhante em ambas as escolas e em ambos os textos (português e
inglês).
M étodo de Ensino
Texto
Comunicativa ÂiídioSirtgual
Português 120 (80) 122(81.3)
Inglês 116 (77.3) 106 (70.7)
T abela 4: F reqüência e percentagem (em parênteses) de acertos em cada texto e em cada
m étod o de ensino

Entretanto, este padrão geral de resultados não é observado ao se


considerar o desempenho nas perguntas literais e nas perguntas
inferenciais separadamente (Tabela 5).
Método Português Inglês
de ensino I nferendai Literal I nferendai Literal
Comunicativa 57 (76) 63 (84) 56 (74.7) 60 (80)
Audiolingual 59 (78.7) 63 (84) 44 (58.7) 62 (82.7)
T abela 5: F reqüência e percentagem (em parênteses) de acertos em cada tipo de pergunta
em função d a língua em que o texto foi apresentado e do m étodo de ensino.

Entre os alunos da Abordagem Comunicativa, como indicado pelo


Teste Wilcoxon, não foram encontradas diferenças significativas no
número de acertos entre perguntas inferenciais e literais, tanto no texto
em português (Z=-1.18, p>0.05) como no texto em inglês (Z=-1.27,
p>0.05).
Entre os alunos do Método Audiolingual, diferenças significativas
entre as perguntas foram encontradas apenas em relação ao texto em
inglês (Z= 2.71, p<=.01), visto que o desempenho foi melhor nas
perguntas literais (82.7%) do que nas perguntas inferenciais (58.7%).
Assim, enquanto para os alunos da Abordagem Comunicativa as
perguntas inferenciais e literais eram corretamente respondidas, tanto
em inglês como em português; para os alunos do Método Audiolingual
108 Rev. B rasileira de Lingüística Aplicada, v.3, n .l, 108-184, 2003

as perguntas inferenciais eram mais difíceis do que as literais no texto


em inglês. Ao que parece, as perguntas inferenciais em inglês foram
uma dificuldade para os alunos do Método Audiolingual, mas não para
os alunos da Abordagem Comunicativa.
Comparações entre as duas abordagens, em relação a cada língua
separadamente, foram feitas através do Teste U de Mann-Whitney.
Considerando o desempenho apenas em relação ao texto em português,
não foram verificadas diferenças significativas entre os alunos dos dois
métodos em relação ao número de acertos às perguntas inferenciais
(U=93.0, p>.05) e nem em relação às literais (U=92.5, p>.05).
Considerando o desempenho apenas em relação ao texto em inglês,
também não se observou diferenças entre os alunos dos dois métodos
quanto ao número de acerto nas perguntas literais (U=105.0, p>.05). Na
realidade, a única diferença encontrada entre os grupos foi que, em inglês,
os alunos da Abordagem Comunicativa apresentavam um maior número
de acertos nas perguntas inferenciais do que os alunos do Método
Audiolingual (U=68.5, p=.05).
Em função dos resultados obtidos, verifica-se que os alunos do
Método Audiolingual se assemelham em compreensão de textos em
português aos alunos da Abordagem Comunicativa. No entanto, quando
se considera a compreensão de textos em inglês, os alunos do Método
Audiolingual apresentam níveis de compreensão de texto mais
elementares do que os da Abordagem Comunicativa. Isto foi observado
tanto na Tarefa de Reprodução como na Tarefa de Perguntas. Os alunos
do Método Audiolingual reproduziam histórias incompletas, estando
ausente uma das inferências relevantes ou ambas; enquanto os alunos
da Abordagem Comunicativa tendiam a fazer reproduções completas,
estando explicitadas as duas inferências cruciais à compreensão do texto
em inglês, ou pelo menos, uma delas.
Na Tarefa de Perguntas, os alunos do Método Audiolingual tiveram
dificuldades com as perguntas inferenciais no texto em inglês, o mesmo
não ocorrendo com os alunos as Abordagem Comunicativa. As razões
para este resultado são discutidas a seguir.

Conclusões e discussão
A principal conclusão deste estudo é que o método adotado para o
ensino de inglês como língua estrangeira influencia a compreensão de
Rev. B rasileira de LingUística Aplicada, v.3, n .l, 109-184, 2003 109

textos em inglês, seja em tarefas de reprodução de textos seja em respostas


a perguntas sobre o texto. Este efeito foi observado mesmo entre leitores
que apresentavam um bom nível de compreensão de textos em sua língua
materna (português). Considerando que a compreensão de textos é um
processo inferencial que requer a construção e integração de significados
a partir das informações contidas no texto e do conhecimento de mundo
do leitor (Kintsch, 1998; Marcuschi, 1984; 1996; Yuill e Oakhill, 1991),
verificou-se que os alunos do método baseado na comunicação lidavam
com tais aspectos de forma mais efetiva do que os alunos do Método
Audiolingual, os quais não reproduziam todas as informações inferenciais
cruciais para a compreensão do texto e apresentavam erros nas perguntas
inferenciais. A compreensão de textos parece ser favorecida por situações
de aprendizagem nas quais a língua é tratada como um sistema de
comunicação que objetiva a busca de significados, mais do que por
situações de aprendizagem que concebem a língua como um código a
ser decifrado.
Assim, diferentes métodos de ensino de língua estrangeira geram
diferenças na habilidade de compreensão de textos na língua em questão.
O Método Audiolingual, em função da concepção de língua que adota,
concebe e utiliza o texto como um instrumento de treino de leitura;
enquanto a Abordagem Comunicativa considera o texto um instrumento
que veicula um sentido a ser compreendido, estimulando a capacidade
de selecionar inform ações relevantes em um dado texto e o
estabelecimento de inferências. Importante mencionar que estudos que
compararam diferentes métodos de ensino da língua materna nas práticas
de alfabetização de crianças mostraram resultados semelhantes: crianças
alfabetizadas através de abordagens comunicativas apresenta níveis de
compreensão de textos mais elaborados do que crianças alfabetizadas
por métodos que enfatizavam a decodificação, o vocabulário, a ortografia
e o ensino da gramática (e.g., Archanjo, 1998; Buarque e Rego, 1994;
Nunes, 1995).
Como mencionado, há uma escassez de pesquisas que se proponham
a comparar os ganhos lingüísticos derivados de métodos distintos no
ensino de uma língua estrangeira. Além da compreensão de textos, seria
interessante examinar que outras habilidades lingüísticas poderiam ser
influenciadas pelo método de ensino de língua estrangeira. Por exemplo,
comparar as habilidades de produção escrita de textos em inglês em
alunos submetidos a uma Método Audiolingual e em alunos submetidos
110 Rev. Brasileira de Lingüística Aplicada, v.3, n .l, 110-184, 2003

a uma Abordagem Comunicativa. Diversos aspectos poderiam ser


tomados para análise: o uso de recursos coesivos, a coerência textual ou
o domínio da estrutura textual.
Estudos de intervenção também poderiam ser conduzidos, como
por exemplo, programas instrucionais que tratassem de forma sistemática
o uso de estratégias que facilitassem a integração das informações e o
estabelecimento de inferências, aspectos esses essenciais à compreensão
de textos. Em investigação sobre atividades que desenvolvem a
compreensão, Brown, Palincsar e Armbruster (1994) afirmam que da
mesma forma que a decodificação é exaustivamente ensinada nas escolas,
a compreensão de textos deveria ser tratada de forma semelhante.
Estratégias de compreensão de textos deveriam ser ensinadas de maneira
formal, explícita e regular, criando-se oportunidades para: (a) uma
avaliação crítica do conteúdo do texto; (b) monitoramento da leitura e
estratégias para garantir que a compreensão está sendo alcançada; e (c)
explicitação dos vários tipos de inferências, predições e conclusões sobre
o texto.
Enquanto o presente estudo comparou o efeito de dois métodos de
ensino já existentes sobre a compreensão de textos em inglês, pesquisas
futuras poderiam avaliar o efeito de um programa de intervenção
especificamente voltado para a compreensão de textos, como sugerido
por Brown, Palincsar e Armbruster (1994); comparando-se um grupo
controle e outro experimental, realizando-se pré-testes e pós-testes antes
e após a intervenção. Estudos desta natureza e com um planejamento
experimental deste tipo poderiam contribuir para a implementação de
práticas mais eficazes de ensino de uma língua estrangeira.

Referências bibliográficas
ARCHANJO, R.V.L. Diferenças nas abordagens de ensino afetam a
leitura e compreensão de textos narrativos?. 1998. 149 f. Dissertação
(Mestrado em Psicologia) - Pós-Graduação em Psicologia, Universidade
Federal de Pernambuco, Recife.
BRANDÃO, A.C.P.; SPINILLO, A.G. Aspectos gerais e específicos na
compreensão de textos. Psicologia: Reflexão e Crítica, Porto Alegre,
v.ll, n. 2, p.253-272, 1998.
Rev. B rasileira de Lingüística Aplicada, v.3, n .l, 111-184, 2003 111

BRANDÃO, A.C.R; SPINILLO, A.G. Produção e compreensão de textos


em uma perspectiva de desenvolvimento. Estudos em Psicologia, Natal,
v.6, n.l, 51-62, 2001.
BROWN, A.L.; PALINCSAR, A.S.; ARMBRUSTER, B.B. Instructing
comprehension-fostering activities in interactive learning situations. In:
RUDDELL, R.B.; RUDDELL, M.R.; SINGER, H. (Ed.), Theoretical
models and processes of reading. Delaware: International Reading
Association, 1994, p.757-787.
BUARQUE, L.L.; REGO, L.L.B. Alfabetização e construtivismo: teoria
e prática. Recife: Editora Universitária da UFPE, 1994. 118p.
CAMPBELL, M.C. Guided design: critical thinking and proficiency in
the university foreign language classroom. In: TOPPING, D.M.;
CROWELL, D.C.; KOBAYASHI, V.N. (Ed.). Thinking across cultures.
Hillsdale, NJ.: Lawrence Earlbaum Associates, 1989. p. 445-453.
CANALE, M.; SWAIN, M. Theoretical bases of communicative
approaches to second language teaching and testing. Applied Linguistics,
v.l, n.l, p.1-47, 1980.
COHEN, A.D. Strategies in learning and using a second language. New
York: Addison Wesley Longman, 1998.
FINOCCHIARO, M.; BRUMFIT, C. The junctional-notional approach:
from theory to practice. New York: Cambridge University Press, 1983.
GRAESSER, A .C.; BRITTON, B.K. Five m etaphors for text
understanding. In: BRITTON, B.K.; GRAESSER, A.C. (Ed.). Models
of understanding text. Mahwah, N.J.: Lawrence Earlbaum Associates,
1996. p. 341-352.
GRAESSER, A.C.; SINGER, M.; TRABASSO, T. Constructing
inferences during narrative text xomprehension. Psychological Review,
v.101, n.3, p. 271-395, 1994.
GRAESSER, A.C; SWAMER, S.; BAGGETT, W.B.; SELL,M.A.. New
models of deep comprehension. In: BRITTON, B.K.; GRAESSER, A.C.
(Ed.). Models of understanding text, Mahwah, N.J.: Lawrence Earlbaum
Associates, 1996. p. 1-32.
GRAESSER, A.C; ZWAAM, R. A. Inference generation and the
construction of situation models. In: WEAVER III, C.A.; MANNES, S.;
FLETCHER, C.R. (Ed.). Discourse comprehension: essays in honor of
112 Rev. Brasileira de Lingüística Aplicada, v.3, n .l, 112-184, 2003

Walter Kintsch. Hillsdale, NJ.: Lawrence Earlbaum Associates, 1995. p.


117-140.
KINTSCH, W. The use of knowledge in discourse processing: a
construction-intégration model Psychological Review, v. 95, p. 163-182,
1988.
KINTSCH, W. Comprehension. A paradigm for cognition . Cambridge:
Cambridge University Press, 1998. 461p.
KINTSCH, W.; VAN DIJK, T.A. Towards a model of text comprehension
and production. Psychological Review, v. 85, p. 363-394, 1978.
LITTLEWOOD, W. Communicative language teaching. Cambridge:
Cambridge University Press, 1981.
LITTLEWOOD, W. Foreign and second language learning: /anguage
acquisition research and its implications for the classroom. Cambridge:
Cambridge University Press, 1984.
MARCUSCHI,, L.A. O processo inferencial na compreensão de textos.
Relatório técnico de projeto de pesquisa, CNPq, Brasília, 1989.
MARCUSCHI, L.A. Exercícios de compreensão ou copiação nos
manuais de ensino de língua? Em Aberto, Brasília, v. 16, n. 69, p.63-82,
1996.
NUNES, S.R. Comparando habilidades de leitura e escrita em crianças,
alfabetizadas por diferentes metodologias. 130 f. Dissertação (Mestrado
em Psicologia) - Departamento de Psicologia, Universidade Federal de
Pernambuco, Recife, 1995.
OAKHILL, J.; YUILL, N. Higher order factors in comprehension
disability: Process and remediation. In: CORNOLDI, C.; OAKHILL, J.
(Ed.), Reading comprehension difficulties: process and intervention.
Hillsdale, NJ.: Lawrence Erlbaum Associates, 1996. p. 69-92.
PERFETTI, C.A.; M ARRON, M .A.; FOLTZ, RW. Sources of
comprehension failure: theoretical perspectives and case studies. In:
CORNOLDI, C.; OAKHILL, J. (Ed.), Reading comprehension
difficulties: process and intervention (pp. 137-165). Hillsdale, NJ.:
Lawrence Erlbaum Associates, 1996. p. 137-165.
PINTO, A.P.P. Processos cognitivos e estilos individuais: uma proposta
para o desenvolvimento da autonomia do leitor. 1996. Tese (Doutorado
em Lingüística) -Faculdade de Letras, Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo, São Paulo. 1996.
Rev. Brasileira de Lingüística Aplicada, v.3, n .l, 113-184, 2003 113

RICHARDS, J.C.; RODGERS, T.S. Approaches and methods in


language teaching. Cambridge: Cambridge University Press, 1986.
UPTON, T.A. First and second language use in reading comprehension
strategies of Japanese ESL students. TESL-EJ, 3 (1A-3), p. 1-27, 1997.
VAN DIJK, T.A.; KINTSCH, W. Strategies of discourse comprehension.
New York: Academic Press, 1983. 226p.
YUILL, N.; OAKHILL, J. Children's problems in text comprehension:
an experimental investigation. Cambridge: Cambridge University Press,
1991. 241p.

Apêndice 1: Texto em português


A casa estava num galho alto, mas um menino subiu até perto,
depois com uma vara de bambu conseguiu tirar a casa sem quebrar.
Dentro, naquele quartinho que fica bem escondido depois do corredor
de entrada para o vento não incomodar, havia três filhotes de tuim.
Tuim tem rabo curto e é todo verde, mas o macho tem umas partes
azuis para enfeitar. Eram três filhotes, um mais feio que o outro, os três
chorando. O menino levou-os para casa, inventou comidinha para eles;
um morreu, outro morreu, ficou um.
Geralmente se cria em casa é casal de tuim, para se apreciar o
namorinho deles. Mas aquele tuim macho foi criado sozinho. Passava o
dia todo comendo sementinhas de imbaúba. Se aparecia uma visita, fazia-
se aquela demonstração: era o menino chegar na varanda e gritar para o
arvoredo: tuim, tuim, tuim! As vezes demorava, então a visita achava
que aquilo era brincadeira do menino, de repente surgia o tuim.
Mas o pai avisava sempre ao menino que tuim é acostumado a
viver em bando. No dia que passasse um bando, adeus tuim. E ainda
completava dizendo que se o tuim não fosse com o bando, ele era capaz
de morrer de tristeza.
O menino vivia de ouvido no ar.
Foi um dia de manhã, o menino estava catando minhoca para pescar
quando ouviu um bando chegar. O menino correu e correu mas não
conseguiu chegar a tempo. E nada de tuim. Só parou de chorar quando o
pai chegou e brigou com ele, dizendo que estava avisado de que aquilo
podia acontecer.
114 Rev, Brasileira de Lingüística Aplicada, v.3, n .l, 114-184, 2003

O menino parou de chorar, porque tinha brio, mas como doía seu
coração! De repente, olhe o tuim na varanda! Foi uma alegria na casa.
Houve quase um conselho de família, quando acabaram as férias:
deixar o tuim, levar o tuim para São Paulo? Voltaram para a cidade com
o tuim. O pai avisou que ele não podia andar solto pois era bicho da
roça.
Dito e feito. A princípio o menino fechava as janelas. A mãe e a
irmã não aprovavam. O menino então achou que soltar o tuim no quintal;
só um pouquinho não devia ser perigoso. E assim foi. Era só o menino
chamar, que o tuim voltava. Mas uma vez não voltou.
De casa em casa, o menino foi indagando pelo tuim, e as pessoas
perguntavam o que era tuim. Nada de tuim.
Até que teve uma idéia. Foi ao armazém e perguntou se alguém
havia comprado comida para tuim. Sim, tinham vendido para uma casa
ali perto. Foi lã chorando e voltou para casa alegre com o tuim.
Pegou uma tesoura: era triste, era uma judiação, mas era preciso.
Assim o bicho poderia andar solto no quintal, e nunca mais fugiria.
Depois foi lã dentro de casa pegar comida para o tuim. Quando voltou,
viu só algumas manchas de sangue no cimento. Subiu num caixote para
olhar por cima do muro, e ainda viu o vulto ruivo de um felino que sumia.

Apêndice 2: Texto em inglês


Last weekend Totty went to visit his grandfather. It was the first time
that Totty slept away from home.
During the visit, Totty and his grandfather went to the park together.
Then they came back home. They had tea with baked beans and ice
cream.
After tea, Totty’s grandfather got out a book of wild animals pictures to
show him. Totty’s favorite animals were lions, tigers, jaguars and wolves.
At the end of the book there was a picture of two dark gray creatures in
the water of a strange river. They had big heads and tiny eyes and huge
mouths. Totty could not see the animals’ legs. He thought they were
fish. But his grandfather told him that they were not fish. They were
called manatees.
Totty was a bit scared and asked what food manatees ate. But his
grandfather did not hear him. He was a very old man. He closed the
book and told Totty to go to bed.
Rev. B rasileira de Lingüística Aplicada, v.3, n J , 115-184, 2003 115

Em the bedroom there were two beds. Totty chose the bigger bed.
His grandfather said goodnight to him and turned off the bedroom light.
Totty did not go to sleep. He did not like the empty bed next to
him. There was no light from the corridor. Everything was dark. Totty
could not see anything. Then he heard a tiny, soft sound coming from
the stairs.
There was nobody else in the house. His grandfather was in his
bedroom. But there was something outside the bedroom. It was climbing
up the stairs. Totty closed his eyes. Then opened his eyes quickly. It was
a manatee.
Totty tried to open his mouth but it did not open. He tried to call his
grandfather but he could not. The manatee was there. He was going to
eat Totty. There was no way he could escape.
Totty had an idea! Luckily, there was some ice cream left in the
refrigerator. Totty thought he could give the manatee some ice cream.
So the manatee was not going to eat him!
The manatee looked at Totty. The manatee paid attention to Totty’s
face. Then, after some time, the manatee climbed into Totty’s bed. Totty
nearly fainted.
Slowly, very slowly the manatee moved from Totty’s bed to the
other bed. Totty thought he had heard the manatee saying ‘Ha! How
beautifully comfortable!’. Totty could not believe that! Totty waited a
little bit. Then he went to sleep, too.
The next morning Totty looked at the bed but the manatee was not
there. Totty went downstairs to have breakfast with his grandfather and
asked him about the manatees. His grandfather told him they were very
slow in their movements and that they were not dangerous. The manatees
were vegetarians. Totty was happy. His grandfather also told him the
manatees lived in the water and that they never came into houses. Totty
smiled.

You might also like